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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS – PUC/GO
INSTITUTO DE TREINAMENTO E PESQUISA EM GESTALT TERAPIA DE
GOIÂNIA - ITGT
O PROCESSO DE ESCUTA COMO FATOR DE CURA PARA UM CLIENTE EM
CRISE
Adriane de Lima Cardoso
Josiane Maria Tiago de Almeida
Goiânia-Go
Julho-2019
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS - PUC/GO
INSTITUTO DE TREINAMENTO E PESQUISA EM GESTALT TERAPIA DE
GOIÂNIA - ITGT
O PROCESSO DE ESCUTA COMO FATOR DE CURA PARA UM CLIENTE
EM CRISE
Artigo apresentado ao Instituto de Treinamento e
Pesquisa em Gestalt-terapia de Goiânia (ITGT)
como requisito parcial à conclusão do curso de
Pós-Graduação Lato-Sensu em Gestalt-terapia
chancelado pela Pontifícia Universidade Católica
de Goiás (PUC Goiás).
Orientadora: Esp. Josiane Maria Tiago de
Almeida
Goiânia-Go
Julho- 2019
i
Agradecimentos
A Deus, por ter me concedido sabedoria e inteligência.
A minha filha, pela compreensão nas horas de minha ausência e o meu amor incondicional.
A minha mãe, meus irmãos, sobrinhos e demais familiares por acreditarem e torcerem por
mim.
Às minhas irmãs de coração que sempre estiveram ao meu lado nos momentos de
dificuldades.
Ao meu Cliente, que colaborou com o meu trabalho.
A minha orientadora, por ter contribuído com o meu crescimento.
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SUMARIO
1. INTRODUÇÃO 1
2. MÉTODO 8
2.1. Participante 8
2.2. Local e Materiais 8
2.3. Procedimentos 9
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 9
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 18
REFERÊNCIAS 20
1
O PROCESSO DE ESCUTA COMO FATOR DE CURA PARA UM
CLIENTE EM CRISE
Adriane de Lima Cardoso
Josiane Maria Tiago de Almeida
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo descrever, por meio de um estudo de caso atendido sob a
perspectiva gestáltica, como a escuta terapêutica dialógica pode contribuir para o processo de reestruturação de
um cliente que teve prejudicada a sua capacidade de relacionar-se com as outras pessoas, após uma situação de
crise. Acredita-se que essa abordagem apresenta condições necessárias para estabelecer um encontro de
qualidade, para uma melhor prática clínica na relação terapeuta-cliente. O trabalho foi realizado com um cliente
do sexo masculino, de 28 anos, frustrado com o insucesso do relacionamento. O cliente buscou a psicoterapia em
decorrência da vivência ao termino de um relacionamento de 3 anos e 6 meses. Os conceitos principais utilizados
da Gestalt-terapia são: contato, awareness, escuta, campo, relação dialógica, nos quais são compreendidos na
relação do homem com o seu meio, favorecendo uma presença integrativa no seu modo de ser e estar no mundo.
O psicoterapeuta trabalha para que cada cliente desenvolva ou amplie a capacidade de se autorregular, de
construir o autossuporte e de ampliar o autoconhecimento, por meio de contatos saudáveis e ampliação de
awareness. Ante o fenômeno da dissolução relacional do cliente a análise dos estudos demonstrou que o
terapeuta ao confirmar, incluir e escutar o cliente fazendo-se presente e disponível, durante o processo
psicoterapêutico, proporcionou a Paulo, experimentar a possibilidade de uma relação com bases seguras,
passando a constituir contatos de forma saudável. Palavras-chave: contato, escuta, cura, crise, awareness, campo, relação dialógica.
1. INTRODUÇÃO
A Gestalt-terapia se constituiu de bases teóricas que são eminentemente da psicologia
e filosofia. Assim, a filosofia contribui fundamentando uma psicoterapia que atua dentro de
uma perspectiva humanista, existencial e fenomenológica (Ginger e Ginger, 1995). Nenhuma
dessas filosofias é inédita, mas a novidade aqui é o modo como são organizadas constituindo
desta maneira sua singularidade (Perls, 1988). Trazendo o homem para o centro enquanto
totalidade, a proposta da Gestalt-terapia é um voltar para a existência da pessoa, movimento
continuo de constituir-se por meio de suas escolhas e da interação dinâmica com o meio que a
influência e que ela também altera. Seu convite é um olhar para o humano onde ele mesmo
possa se descobrir e se definir, ampliando suas possibilidades e desenvolvendo autonomia,
responsabilidade e poder de escolha. O caminho para atingir tal fim é através da
fenomenologia que procura abordar o fenômeno, aquilo que se manifesta por si mesmo
(Merleau-Ponty 1972).
Por outro lado, os princípios dialógicos desenvolvidos por Martin Buber e
2
posteriormente estruturados por R. Hycner estão também presentes na abordagem gestáltica.
A filosofia dialógica vem embasar e inspirar a postura do psicoterapeuta para que promova,
por meio do encontro e da escuta genuína do outro, a possibilidade de o cliente fazer contato
consigo mesmo para que possa alcançar sua autorrealização, sua maturidade. Deste modo,
uma atitude dialógica não seria tão somente uma questão de estilo, mas um processo de
construção de uma identidade pessoal e profissional do psicoterapeuta. (Hycner, 1995,
Yontef, 1998).
Tal ênfase no dialógico diz respeito ao aspecto relacional da existência humana. Buber
afirma que durante toda a nossa existência estamos envolvidos num universo de interações
que constitui aquilo que ele chama de “entre”: a dimensão do inter-humano. Trazendo esse
construto para a Gestalt-terapia, vamos verificar que a relação dialógica é, para nós, uma
psicoterapia centrada no encontro do terapeuta com seu cliente. Nesse sentido,
“Todos os seres humanos tem a necessidade existencial profunda de serem
confirmados pelos outros. Somente por intermédio dessa validação pelo outro que a
parte mais profunda do ser de uma pessoa pode emergir em sua maior plenitude,
ocorrendo assim, a “cura”, no sentido mais profundo de se tornar inteiro” (Jacobs,
1997, pag 126).
Assim, a cura através do encontro mostra que o indivíduo tem a capacidade de se
reconstituir no “entre”, de resgatar a sua integridade por meio de uma relação genuinamente
humana na psicoterapia. Na percepção do todo, o terapeuta dialógico procura se orientar por
meio do contexto das dimensões centrais da existência do ser: a intrapsíquica e a interpessoal.
(Hycner, 1995, 1997).
Para Hycner e Jacobs (1997), o dialógico é a exploração desse “entre”. Acredita-se
que o principal elemento para o surgimento de um diálogo genuíno entre terapeuta e cliente é
que cada um deve olhar seu parceiro como a pessoa que ele realmente é, elegendo o
relacionamento entre pessoas como o ponto central da existência humana (Buber, 1965).
Portanto, cada comportamento “precisa” ser compreendido dentro de um contexto maior da
existência da pessoa, que abrange não somente a individualidade, mas também o âmbito da
convivência. Por isso, o psicoterapeuta deve estar atento ao que acontece no “entre”, no
espaço relacional que se constrói a cada sessão entre ele e seu cliente (Hycner, 1995). Nesse
sentido, segundo Korb (1988), citado por Hycner, afirma:
“aquilo que nos une como seres humanos não é, necessariamente, o visível e o
palpável, mas, sim, a dimensão invisível e impalpável “entre” nós. É o espirito
humano que permeia qualquer interação nossa. A partir dai que emergem nossa
3
singularidade e individualidade” (pag 29).
Dessa forma, para compreender a totalidade da pessoa que se apresenta, a Gestalt-
Terapia tende a focalizar mais o processo de experienciar ou em como o cliente está
experienciando. Todos nós temos feridas não cicatrizadas. Assim, o cliente necessita
experienciar profundamente em seu íntimo que o terapeuta o compreende, ou que está
disposto a se envolver, para criar condições ou para promover o diálogo. (Hycner, 1995;
Hycner & Jacobs, 1997).
A relação que se estabelece entre psicoterapeuta e cliente é essencialmente valorizada
e vista como primordial para a realização da prática psicoterápica e para a transformação de
quem a procura. A teoria dialógica nos traz quatro elementos essenciais para que a relação
terapêutica se promova de uma maneira saudável, são eles: presença, comunicação genuína e
sem reservas, confirmação e inclusão. Ao enfocar a teoria dialógica para adentrar no mundo
do cliente, o terapeuta deve estar completamente “presente” para o cliente. Estar presente
significa estar presente além do físico, sem interferências pessoais, estar o mais disponível
possível para o cliente, atento a suas experiências. Já a comunicação genuína e sem reservas,
se origina da presença autêntica do terapeuta (Hycner & Jacobs, 1997). Enquanto que muitas
palavras podem ser vazias, a comunicação genuína pode acontecer por meio do silêncio,
(Friedman, 1965 citado por Hycner 1997). Desta forma, os encontros mais transformadores
podem ocorrer apenas com a troca de olhares. Neste momento, há um encontro profundo entre
as partes. Em meio ao silêncio uma fala autêntica pode acontecer e o cliente se sentir
confirmado, incluído, acolhido no seu íntimo e sentir resgatado (Hycner & Jacobs,; 1997).
Buber (1965) enfatiza que a confirmação por parte do terapeuta torna-se o alicerce
firme, pois o ser humano precisa ser confirmado pelos outros para se perceber como um ser
humano integral. A confirmação é outro elemento do inter-humano e ocorre quando o
terapeuta reconhece e afirma a existência da pessoa, como única e separada. Confirmar
alguém é acreditar nele enquanto pessoa, sem ter que, necessariamente, concordar com ele
(Hycner, 1995).
No caso da inclusão, para que ela ocorra, o terapeuta deve ter a disponibilidade para
entrar no mundo do cliente: significa voltar a existência inteira para o outro. A inclusão é um
movimento de ir e vir. O terapeuta precisa lutar vigorosamente para experienciar o que o
cliente está experienciando, sem deixar de ser ele mesmo (Buber, 1965).
Tal postura nos revela um mundo desconhecido: o mundo do cliente. Ao nos
colocarmos em relação ao mundo do cliente permitindo que este se revele, é possível
compreender a conexão existente entre os sintomas físicos, psicológicos e comportamentais,
4
usando como suporte a visão da Gestalt-terapia, que traz reflexões sobre a forma de perceber
os conceitos de saúde e doença. Hycner (1995), a partir da filosofia de Buber, esclarece que a
"patologia" é vista como um distúrbio da existência inteira; é como uma "declaração" do que
precisa ser atendido para que essa existência da pessoa se torne mais integrada, e que consiga
sair da crise.
De acordo com Ribeiro (2009), crise é um desequilíbrio entre a pessoa e o meio em
que ele esta inserida. É uma situação em que a pessoa se depara frente a uma circunstância em
que se sente paralisada por não conseguir mobilizar recursos para lidar com o conflito. Cada
pessoa lida de forma única frente ao seu problema, buscando se autorregular: “A
autorregulação é quando o sistema mais saudável tenta satisfazer um menos saudável, para
que o organismo, como um todo, possa funcionar a contento” (Ribeiro, 2006, 56-57).
Algumas pessoas se regulam de forma saudável, outras desenvolvem quadros disfuncionais
como ansiedade, depressão, angustia, pois, o sintoma, antes de mais nada, é uma forma de
ajustamento. Assim, “a própria doença é uma forma precária de autorregulação e é também o
caminho que o organismo encontrou para se proteger de um mal maior.” (Ribeiro, 2006, 56-
57). É um desafio para o terapeuta colocar-se diante do cliente como se é e encorajá-lo a fazer
o mesmo. Uma vez que a relação esteja estabelecida e aprofundada, as possibilidades na
terapia são infinitas. Se o cliente perceber a presença do terapeuta, isso vai ajudá-lo a
começar a se abrir para seu próprio reconhecimento, ou seja, para o que ele realmente é. Essa
abertura já é uma criação do todo, uma cura. Para nós, cura não é solucionar problemas, mas
cada um utilizar a capacidade de entrar em contato consciente com o sábio que tem dentro de
si. Pode-se falar de cura quando a relação psíquica do cliente com o mundo foi renovada e
fortalecida. (Hycner, 1995).
Desta forma, podemos entender quando Buber (1965) diz que cada ser possui uma
especificidade ontológica, o que implica em diferentes formas do ser humano se manifestar e
se realizar no mundo. Podemos perceber o viver saudável do indivíduo na alternância das
relações que abrangem duas posturas: Eu-Tu e Eu-Isso. Ambas são essenciais ao viver e,
frequentemente, são mal compreendidas. A tensão de conexão na relação Eu-tu e de separação
na relação Eu-Isso está presente na vida do indivíduo desde o momento da concepção. Nesse
processo, o feto está se formando e se preparando para a separação (parto). A relação Eu-Tu é
uma experiência de encontro com o outro. O psicoterapeuta deve ter uma atitude de interesse,
estar disponível, ser uma presença autêntica, aceitar e também questionar, ter um
compromisso com a experiência concreta que o cliente traz para o processo psicoterapêutico
construindo uma conexão com a sua vivência. Já na relação Eu-Isso, a atitude é dirigida por
5
um propósito, se estabelece quando a pessoa busca um objetivo, quando há uma finalidade,
um interesse, não sendo necessariamente uma conexão. No entanto, ambas se alternam na
relação terapêutica em momentos diferentes (Buber, 1974/ 2001; Hycner, 1995, Hycner &
Jacob; 1997).
Essa postura do terapeuta de reconhecer e legitimar a pessoa enquanto a maior
autoridade a respeito de si mesma também encontra respaldo na teoria de campo preconizada
por Kurt Lewin e que se tornou um dos principais eixos da Gestalt-terapia. Sua premissa
básica é que o comportamento é função do campo e da realidade em que ele ocorre. Isso
significa que se faz necessário compreender a interrelação entre os comportamentos que se
desdobram em papeis, funções e práticas sexuais e a cultura (campo) na produção desses
comportamentos, a partir de um dado contexto social. Assim, somos afetados pelo mundo e o
afetamos igualmente. Nessa perspectiva, a existência humana é definida segundo a relação
campo-organismo-meio. O ser humano é visto como um ser livre e responsável, sendo
impossível concebê-lo fora do seu contexto. Para Lewin, citado por Ribeiro (1985), o
indivíduo é um campo que vive dentro de um campo/espaço maior e esse campo é dividido
em partes. Cada parte funciona como uma Gestalt, e a união das partes forma o Espaço Vital
do ser, que inclui o ambiente físico, bem como seu meio social, suas relações com outras
pessoas, suas posições sociais e personalidade. O espaço vital pode ser considerado a
totalidade de fatos determinantes do comportamento do indivíduo em certo momento. Deve-
se atentar para os seus anseios, as suas ambições, os seus temores, os seus pensamentos, as
suas ideias e as suas divagações, enfim, tudo aquilo que existe para a pessoa, do ponto de
vista psicológico, faz parte do campo vital do ser humano (Lewin, 1973).
Sendo assim, a relação psicoterapêutica é um campo; o cliente é um campo; o
terapeuta é um campo. A psicoterapia individual, na ótica da Gestalt-terapia, está embasada,
no conceito de pessoa como um ser que se locomove e se comunica dentro do seu Espaço
Vital, num permanente movimento de fluidez, onde cliente e psicoterapeuta buscam o melhor
caminho para as questões trazidas pelo cliente, favorecendo um encontro mais amplo com as
suas possibilidades (Ribeiro, 2011). A imagem de campo nos permite entender melhor o
contexto em que o cliente está inserido. Entrar no campo sagrado do cliente remete tanto ao
terapeuta quanto ao cliente: uma mudança no meio psicológico pode acarretar modificações
intensas, entretanto, abre a possibilidade a uma nova visão da realidade. As mudanças na
pessoa dependem do processo de integração que se inicia quando se pode entender o que o
outro entende e a forma como entende. Saber que a pessoa é um sistema integrado facilita na
mudança, porque tudo influencia tudo (Feijoo, 2010; Ribeiro, 2011).
6
Por tudo isso, para a Gestalt-terapia, a pessoa deve ser vista como um todo, ou seja,
que seu comportamento é função do campo em que ela está inserida. Segundo Ribeiro (2011),
no campo existencial encontram-se os principais construtos da pessoa, da realidade em que os
fatos se concretizam no aqui-agora, no tempo e no espaço. Esse autor afirma que, é no campo
que a pessoa faz contato, consigo, com o outro e com o mundo.
Contato é outro conceito chave na abordagem gestáltica. Seu significado diz respeito a
crescimento e modificação da pessoa por meio das experiências que ela tem do mundo. Desse
modo, o contato é o efeito das relações interpessoais com pessoas e objetos, é a forma de
expressão do ser, de estar no mundo. Nessa perspectiva, o contato é um gerador de mudanças.
O contato, ressaltam Polster e Polster (1979), é a função que sintetiza necessidade de união e
separação, sendo que o nascimento representa o primeiro processo de separação. A partir
disso, a alternância entre separação e união continua ao longo da vida. Nesse sentido, o senso
de união depende do senso ampliado de separação.
O contato possibilita encontrar o mundo externo de modo nutridor. A pessoa encontra
o outro para conviver, sendo que a diminuição da capacidade de contato aprisiona o homem
na solidão. Ao interromper as fronteiras de contato consigo e com o outro, a pessoa fica
confusa em relação a sua própria percepção, ficando fixada no tempo ou se interrompe quando
perde a sua capacidade de autorregular-se, de autoplanejar-se (Ribeiro, 2007), o que pode
ocasionar sofrimento. Para Feldman (2006), encontrar uma pessoa é ficar frente a frente com
ela, passando a conhecê-la, a perceber sua condição humana, seu vir-a-ser. Baseado na
perspectiva gestáltica, terapeuta e cliente engajam-se entrando em contato um com o outro,
buscando um profundo entendimento, onde o entre se faça presente, valorizando o contato que
é o processo que permite a relação acontecer por meio da escuta (Hycner, 1995, Ribeiro,
1994). O gestalt-terapeuta não é neutro dentro do processo psicoterapêutico. Ele participa do
processo relacional juntamente com o cliente, ajudando-o a se auto perceber, no processo de
awareness. Assim, a presença do terapeuta é de suma importância para que o cliente faça
contato consigo mesmo (Friedman e Schustack, 2004; Perls, 1988).
O contato com a própria existência é vital, pois é a partir dela que o sujeito pode
estabelecer contatos de boa qualidade (Friedman e Schustack, 2004; Perls, 1988) não apenas
com o mundo externo, mas também consigo mesmo, situando-o num estado de prontidão em
relação à própria experiência produzindo o que em Gestalt-terapia chamamos de awareness.
A awareness é cognitiva, sensorial e afetiva. Ficar awareness refere-se ao processo de
dar-se conta, por meio da ampliação da consciência e da autopercepção no momento presente.
Somente por meio dessas três dimensões da awareness é que a pessoa é capaz de reagir de
7
forma nutritiva diante a um evento, consciente do que faz e como faz. Ela é acompanhada por
aceitação das escolhas e responsabilidades dos próprios sentimentos e comportamentos
(Yontef, 1998).
Para Hycner e Jacobs (1997), a autenticidade do cliente vivenciada em um espaço
relacional seguro e livre de pré-julgamentos proporciona a ele uma nova experiência, que o
faz sentir-se acolhido. O acolhimento abre portas para o cliente se autoaceitar, sendo que a
autoaceitação contribui para o aprofundamento da awareness (Jacobs, 1997). Entretanto, o
modo de como alguém vê ou ouve é que determina um bom contato. O psicólogo, no lugar da
escuta, na compreensão do relato daquele que, muitas vezes tomado de angústia, vai ao seu
encontro, permite que os aspectos conflitivos emerjam na fala do cliente, que ao se deixar
afetar pela fala do terapeuta, pode descobrir-se livre na escolha de suas possibilidades atuais,
deixando as lamentações das possibilidades que não foram escolhidas, as quais muitas vezes
são carregadas de culpa existencial. (Zinker, 2001).
Ao permitir que a fala se dê em liberdade, permite-se também a revelação do ser. A
consciência de si é o conteúdo mais concreto da liberdade. Além do trabalho necessário para
expressar claramente os próprios sentimentos, existe o trabalho de escutar, com o desejo de
ouvir sobre o mundo do outro. Esse jogo de falar e ouvir, ver e ser visto, tocar e ser tocado,
conhecer e ser conhecido, nos leva a esclarecer nossas semelhanças e diferenças (Zinker,
2001).
Segundo Martin Buber (1923/2001), o homem é ontologicamente diferente dos demais
seres. O homem é um ser inacabado, apesar das incertezas do seu destino ele é capaz de se
construir a cada dia, podendo transcender e surpreender a si mesmo. Ele é único mesmo
fazendo parte de um sistema familiar, o que o faz viver em constante relação com o outro.
Assim, o homem afeta o mundo que está em sua volta como também é afetado por ele,
desestabilizando-o. No entanto, é esta situação que o coloca em movimento na vida em busca
de segurança. Impactar-se com o mundo ao redor e responder a ele é uma capacidade inerente
a todos os seres humanos, porém, a que fenômenos reagem, o conteúdo e o modo dessas
reações serão diferentes para cada um.
De acordo com Merleau-Ponty (1945/1999), o homem é educado dentro de crenças
familiares e culturais com capacidade de transformar a sua história, buscando no meio
maneiras de suprir suas demandas, pois é do homem a responsabilidade da própria vida. Ao
tocar e ser tocado pelo mundo em sua volta o homem tem a capacidade de transformar e ser
transformado por ele. O que interessa para a psicologia aqui proposta, é a singularidade do
ser, é como cada um lida com a situação de crise que o desestabiliza e como utiliza as
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ferramentas internas como estratégias para o seu processo de crescimento (Buber, 1923/2001).
Tomando por base esse referencial teórico, este trabalho tem como objetivo descrever,
por meio de um estudo de caso atendido sob a perspectiva gestáltica, como a escuta
terapêutica dialógica pode contribuir para o processo de reestruturação de um cliente que teve
prejuízos em sua capacidade de relacionar-se com as outras pessoas, após uma situação de
crise. Este estudo justifica-se pela necessidade de uma maior reflexão acerca do adoecimento
existencial tantas vezes trazido ao consultório dos psicoterapeutas e sobre o papel da
psicoterapia no alívio desse adoecimento.
2. METODOLOGIA
A metodologia empregada no presente trabalho consiste em um estudo de caso. É um
método de investigação empírica que visa um fenômeno dentro de seu contexto autêntico. O
termo é caracterizado por Chizzotti (2001) como designação de diversidade de pesquisas que
coletem e registrem dados de um caso particular ou vários, a fim de relatar ordenadamente e
criticamente uma experiência, ou avaliá-la analiticamente. O autor afirma que o
desenvolvimento de um estudo de caso supõe três fases: (1) seleção e delimitação do caso,
que são cruciais para a análise da situação estudada; (2) o trabalho de campo, que propende
reunir e organizar um conjunto comprobatório de informações e (3) a organização e redação
do relatório e o volume de dados obtidos devem ser reduzidos ou indexados segundo critérios
predefinidos a fim de que se ratifiquem as descrições e análises dos casos.
2.1 Participante
O presente trabalho teve como participante um jovem de 28 anos, residente em
Goiânia, separado, classe média. Buscou a psicoterapia após cerca de um mês do termino de
um namoro. Com o objetivo de manter o sigilo de sua identidade o participante será aqui
chamado por um nome fictício de Paulo.
2.2. Local e materiais
As sessões foram realizadas em um dos consultórios da clínica Encontro de Psicologia
na Av 10 n 100, Vila Nova, com a utilização dos seguintes materiais: gravador digital,
relógio, caneta, papel, mesa, duas poltronas, sofá, almofadas, tapete, livros e materiais de
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informática. O cliente, no inicio do processo psicoterápico, foi convidado a participar desse
estudo de caso e, tendo concordado, assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,
autorizando o uso de seus dados em pesquisas e publicações (anexo 1).
2.3. Procedimentos
O contato inicial foi feito por telefone. Paulo foi atendido pela secretária da Clinica
Encontro pelo plano de saúde e encaminhado a psicoterapeuta que fez os atendimentos no
período de abril a junho de 2018, totalizando 12 sessões, com duração de aproximadamente
50 minutos cada, que foram gravadas e transcritas pela terapeuta-estagiária para posterior
análise. Na primeira sessão, foram ressaltadas as normas do sigilo ético, que resguardam o
conteúdo trabalhado e o material das sessões e foi informado ao cliente, a presença de uma
terceira pessoa na função de professor/orientadora da abordagem gestáltica, tendo como
finalidade, contribuir para a realização do trabalho de conclusão de curso. No final da sessão,
foi manifestada a concordância de ambas as partes e, sendo assim, o cliente, de forma
colaborativa, assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), dando início ao
processo terapêutico.
Foram omitidos deste trabalho todos os dados que viessem a identificar o participante,
atendendo assim ao sigilo e confidencialidade prescritos na Resolução 466/2012, do Conselho
Nacional de Saúde (CNS).
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Intenciona-se, nos resultados, elucidar a vivência do cliente no processo
psicoterapêutico e, portanto, este trabalho tem como objetivo descrever como a escuta
terapêutica dialógica pode contribuir para a reestruturação relacional de um cliente após uma
situação de crise. Para tanto, serão apresentados fragmentos de sessões que retratam o
percurso do processo psicoterápico. Para identificar as falas da terapeuta e as do cliente,
utilizou-se a letra “T” para a terapeuta e “C” para a cliente.
Paulo procurou ajuda psicológica, pois se encontrava em um estado de desequilíbrio,
se sentindo infeliz em diversas áreas de sua vida. Na primeira sessão, o cliente relatou estar
muito frustrado, por sentir culpado pelo término de um relacionamento de 3 anos e 6 meses.
Anteriormente a este relacionamento, foi casado e foi traído aos 6 meses de casado, o que
levou ao fim da relação. Diz sentir raiva, vertigens, fadiga, o que dificulta o controle de suas
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emoções. Queixa-se de dificuldade nas relações interpessoais e afetivas. Desmotivado, chora
sempre que verbaliza. Sente que a vida é vazia e que gostaria de superar estes traumas,
melhorar a autoestima, entender o motivo pelo qual as mulheres terminam o relacionamento
com ele, ter mais confiança, ser mais calmo e determinado. Seu sofrimento nesse momento
inicial pode ser observado na seguinte transcrição da primeira sessão:
T: Em que eu posso ajudá-lo?
C: Eu vim aqui porque eu estou muito ansioso depois que a minha namorada terminou
comigo. Acordo de madrugada e não consigo dormir, transpiro as mãos, às vezes os
pés também....sinto falta de ar, acho que é da asma que eu tenho. Eu também... me
sinto culpado...sou muito ciumento, pego no pé, fico ligando toda hora, vou atrás para
ver o que tá fazendo, onde tá, por mais que eu tento me controlar eu não consigo.
T: Você sempre foi assim nos seus relacionamentos?
C: Na adolescência, como eu sou o mais velho, minha mãe falava que eu tinha que
vigiar minhas irmãs, pra não deixar elas sozinhas nas festas, eu nem tinha como
arrumar namoradas, tinha que ficar vigiando elas. A minha irmã mais velha me dava
mais trabalho. Uma vez, eu chamei ela (sic) para ir embora. E ela disse que não ia e
que não era para falar para minha mãe. Quando cheguei em casa minha mãe estava
acordada e perguntou por ela e eu disse a verdade, Minha mãe brigou e me fez voltar,
disse que era para eu ver com quem ela estava e se ela não estava fazendo nada
errado, e para não voltar sem ela.
T: Você escutou a historia que você acabou de me contar?
C: Escutei... que latada heim... Pior que minha mãe nem deixou eu morar sozinho
quando me separei. Ela foi lá e falou ..você vai para casa, não é para voltar com essa
vagabunda não. Até hoje moro com minha mãe, já tem 5 anos que me separei...
Ao relatar o sofrimento decorrente do término, Paulo descreve seu modo de
comportar-se nos relacionamentos lembrando-se de como isso pode ter alguma relação com
os vínculos familiares. Ao ser interrogado pela terapeuta, ele se dá conta da interferência de
sua mãe na condução dos acontecimentos da vida.
Segundo Buber, cada ser humano possui uma forma de ser e estar no mundo, de
acordo com a história de vida. O gestalt-terapeuta participa do processo relacional juntamente
com o cliente, ajudando-o a se auto perceber nessa forma de ser e estar no mundo, no
processo de construção da awareness. Já na primeira sessão, ao exercitar a escuta de si
mesmo, Paulo faz contato com sua história pessoal e em como ela ainda está presente no seu
cotidiano. Yontef (1998) ressalta que o contato é de extrema importância para o trabalho da
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awareness, pois quando o cliente passa estar em contato com sua experiência, permite estar
consciente sobre os acontecimentos de sua vida e sobre si mesmo, como fica claro no dialogo
acima. A awareness possibilita ao indivíduo tomar posse de seu processo de existir, de
apreender como esse processo se estabelece a cada momento, e de encontrar sua totalidade, tal
como experienciou o cliente. Segundo Merleau-Ponty (1945/1999), a pessoa constitui sua
história e é constituída por ela. Inicialmente a pessoa é fruto da história do seu sistema
familiar até se dar conta que é capaz de escrever a sua própria história.
Assim, a psicoterapeuta coloca-se, já nesse inicio do processo terapêutico, em uma
postura de escuta cuidadosa e acolhedora, na tentativa de compreender o conteúdo do relato
de maneira respeitosa, auxiliando o cliente nessa primeira sessão a ampliar a própria
perspectiva no contato com a sua existência, como se segue também no dialogo abaixo:
T: Parece que o cordão umbilical ainda não foi cortado...
C: (respira) eee... Agora eu percebo isso. Minha mãe que arruma as minhas roupas
quando vou viajar. Eu queria ir de bicicleta para o trabalho e ela não deixa, diz que é
muito perigoso. E eu ainda tenho que pajear a minha irmã e levar ela para o trabalho.
Até hoje ela me dá canseira... Nossa! Ela ainda me trata como um menino e já tenho
quase 30!
Pode-se observar que Paulo ainda não se percebia no processo de separação em
relação à mãe. A alternância entre separação e união ocorre ao longo da vida. O nascimento
representa o primeiro processo de separação. Nesse sentido, o senso de união depende do
senso ampliado de separação. O processo de contatar envolve união e separação, a distinção
entre o igual e o diferente, entre a pessoa e o resto do mundo. E a fluidez desse processo pode
ser um critério de saúde nos relacionamentos. Afinal o contato por meio da relação Eu-Tu e
Eu-Isso possibilita encontrar o mundo externo de modo nutridor e o desajuste do ser humano
significa, muitas vezes, a interrupção do contato. A dificuldade no contato pode proporcionar
a rigidez no afastamento das pessoas, pois a saúde no processo de contato envolve
aproximação e afastamento fluido (Hycner & Jacob, 1997; Ribeiro, 2007). Assim, ao
investigar a dor da separação da mulher amada, foi possível por meio das intervenções
efetivadas, lançar um olhar esclarecedor sobre como o cliente vivenciava os vínculos dentro
da família.
Na segunda sessão, percebe-se a fuga de Paulo do contato com a família por não
conseguir lidar com a dor da separação:
T: Boa noite Paulo, como você está?
C: Mal. Neste final de semana fui para a fazenda porque eu não tive opção, sabe. Fui
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com a família, mas aquela coisa: a família lá e eu aqui, não consegui interagir. Eu
fiquei na minha o tempo inteiro. Assim que eu cheguei lá, eu já dei um jeito, já fui
fazer uma trilha, sumi no meio do mato. Depois eu voltei, cheguei e já fui dormir. No
outro dia cedo, eu já fui andar de bicicleta, voltei, cheguei, descansei e fui andar de
bicicleta de novo que eu não queria ficar lá sabe. E o tempo inteiro os meus
familiares: cadê a namorada? Por que você não trouxe? Ai... ai... Foi bem ruim.
A separação é um processo doloroso, como se pode perceber na descrição que Paulo
faz de seu sofrimento. Por isso, se faz necessária sua reflexão para que à medida que o
sofrimento seja amenizado, o cliente possa assumir uma tomada de decisão mais madura, que
não seja movida por impulsos. A psicoterapia procura garantir e proporcionar a quem a busca
a liberdade de expressão e respeitar o ritmo que cada pessoa tem para resolver os seus
problemas, por meio da reconfiguração de um evento. Cada comportamento “precisa” ser
compreendido, dentro do contexto maior da existência da pessoa (Hycner, 1995).
A chegada do paciente para as primeiras sessões configuram-se em uma primeira porta
que, embora esteja semiaberta, guarda a tentativa de revelar o seu ser. Desse modo, na
psicoterapia, o paciente tem a possibilidade de mostrar sua dor para alguém, como Paulo
corajosamente fez. Esse ato corajoso altera a vivência do sofrimento, como podemos verificar
na seguinte transcrição da quarta sessão:
C: Quando eu compartilho parece que a minha dor diminui, isso me faz muito bem. Só
que não é cinco horas da manhã que eu tenho alguém para compartilhar ou é dez
horas da noite que eu tenho alguém para falar alguma coisa. Esses são os horários
que dói mais, que é o horário que você está só e começa a escutar a voz que vem de
dentro.
T: Ainda dói muito a falta dela...
C: Dói (chora)... Sinto muita falta dos momentos junto com ela. Nós tocávamos e
cantávamos na igreja, nas festinhas com os amigos, passávamos o final de semana
juntos, mais na casa dela. Agora eu fico perdido, não consigo nem tocar o violão.
Parece que tem um vazio enorme aqui dentro (coloca a mão no coração). É muita dor.
Dessa forma, como recomendam Hycner e Jacobs (1997), a terapeuta buscou se
aproximar da dor de Paulo, confirmando-o em relação ao seu sofrimento, construindo um
território comum, onde a dor de Paulo não é mais uma dor solitária, mas uma dor
compartilhada. Essa escuta genuína e empática favorece a possibilidade de o cliente fazer
contato consigo mesmo proporcionando o seu próprio reconhecimento e a legitimação de sua
experiência (Hycner, 1995; Hycner & Jacobs, 1997). Todos nós trazemos feridas não
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cicatrizadas, como demostra Paulo em seu relato. Porém, a compreensão e o envolvimento do
terapeuta, auxiliam o cliente à autocompreensão e à ressignificação de sua dor. Seu papel, é
ajudar o cliente a analisar sua experiência, verificar o que ele acredita e rejeitar o que não lhe
serve, o que só é possível se o cliente integra as reivindicações internas e externas, como fez
o paciente na quinta sessão:
T: Na ultima sessão, você falou do vazio e o que você gostaria de colocar no vazio
que ficou (interrompida)?
C: Eu fiquei pensando no que você falou... No que eu quero colocar no vazio que ficou
quando a Tata saiu... Eu estou com muitos projetos... Esse ano eu vou viajar, vou
investir no meu corpo, vou malhar fazer aula de dança que é uma coisa que eu sempre
quis fazer... Alpinismo... Agora que eu tô solteiro eu tenho mais dinheiro, porque a
vida inteira eu sempre tive que pagar por dois né... (risos) Agora eu vou no cinema a
hora que eu quero.
A desconstrução da relação e reconstrução da identidade individual é um processo
penoso, mas gratificante. O sentimento de solidão descrito por Paulo, aos poucos, se mistura
com um sentimento de liberdade, de busca, de adaptação. Surge a necessidade de vivenciar os
desejos e projetos que, um dia, foram deixados para trás. Os ideais individuais estimulam a
autonomia, o crescimento e o desenvolvimento, como Paulo demonstra no trecho a seguir
onde relata um dialogo que teve com a mãe:
C: Eu vi que com a sua ajuda eu já me curei de muita coisa. Inclusive, esta semana eu
vim trabalhar de bicicleta (sorri). Minha mãe veio falar comigo, eu disse: mãe, eu não
estou pedindo a sua autorização, eu estou comunicando a senhora que eu vou de
bicicleta.
O contato favorece que a pessoa compreenda o seu campo, ou seja, como ela se
relaciona consigo mesma, com o outro e com o mundo (Ribeiro, 2011). A imagem de campo
nos permite ampliar a nossa visão e entender melhor o contexto em que o cliente está inserido.
Deve-se atentar para as emoções, pensamentos e comportamentos, enfim, tudo aquilo que
existe para a pessoa, do ponto de vista psicológico (Lewin, 1973). Desta forma foi solicitado
ao cliente que analisasse as partes de seu espaço vital, descrevendo como se sentia em relação
ao campo pessoal, familiar, espiritual, social e afetivo. O conteúdo foi trabalhado na sexta e
na sétima sessão. O primeiro campo a ser descrito foi o campo pessoal:
Campo pessoal: “Tem dias que eu estou melhor, consigo me concentrar no que estou
fazendo. Este final de semana eu desmontei e montei o meu carro, deu trabalho, mas era uma
coisa que eu queria há muito tempo. Já tem dias que eu fico muito ruim, fico me questionando
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o tempo todo, não paro de pensar na Tata... aí eu acabo fazendo besteira... mandei um monte
de mensagem pra ela. Eu queimei meu filme todinho, nesse mês né?! Que já faz dois meses...
Tudo que eu construí em três anos, eu mesmo destruí em dois meses... A minha imagem sabe,
eu nunca fui desse jeito.”
O contato com a própria existência é vital, pois é a partir dela que o sujeito pode
estabelecer contatos de boa qualidade (Friedman e Schustack, 2004; Perls, 1988). Ela é
acompanhada por aceitação das escolhas e responsabilidades dos próprios sentimentos e
comportamentos (Yontef, 1998). Neste momento, a terapeuta buscou reconhecer e legitimar o
cliente como sendo o arquiteto do seu campo, dando a ele a autoridade de fazer novas
escolhas, desafiando-o a estabelecer um equilíbrio criativo entre a parte que temos escondida
e a parte que está aberta.
T: Você acabou de dizer tudo que eu construí eu desconstruí, agora é você olhar, é ver
de que forma você quer reconstruir a sua imagem. Quem é o Paulo hoje?
C: Agora que eu comecei a virar homem de verdade que antes eu me via como um
menino sabe, apesar das recaídas, graças a Deus as coisas agora estão fluindo. As
pessoas estão me olhando com um olhar diferente, um Paulo que esta ficando mais
maduro.
Ao fazer contato com seu campo pessoal, Paulo já consegue perceber fluidez nas
relações. Polster e Polster (1979) afirmam que indivíduos autoapoiados e autorregulados
caracterizam-se pelo livre fluir nas relações que estabelecem com pessoas e objetos, de modo
que consigam suprir suas necessidades, por meio de contato nutritivo. Gradualmente, observa-
se que Paulo busca, com o suporte da psicoterapia, novas formas de aproximar-se das pessoas.
Como se vê em seu relato das mudanças no seu campo familiar.
Campo familiar: “Agora que estou ficando nos finais de semana em casa, estou
interagindo mais com meus pais, com a minha sobrinha que também mora lá em casa. Antes,
eu não sentia tanta necessidade de ficar em casa e, quando ficava, eu e a Tata ficava (sic)
mais no quarto assistindo televisão. Agora eu estou tendo mais possibilidade de fazer contato
com a minha família. Acho que eu também evitava um pouco sabe.”
T: O que você evitava?
C: De fazer contato com a minha família, principalmente com o meu pai, ele sempre
foi autoritário. Talvez porque ele era diretor de escola, mas em casa ele sempre foi
passivo, na dele, minha mãe é que sempre resolveu tudo.
Aqui Paulo descreve as dificuldades de interação com a família, em especial com o pai
e sua nova percepção a respeito das mudanças advindas do fato de estar mais tempo em casa.
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O indivíduo não pode existir, de algum modo, separado do seu meio ambiente. Para Yontef
(1993), a função da psicoterapia é buscar restaurar o contato por meio da relação dialógica,
em que há valorização da experiência tal como se apresenta, com suas dificuldades, valores e
riquezas. A proposta dialógica insiste em que as pessoas se deixem impactar e responder à
totalidade da outra, e onde o interesse de ambas é no que acontece entre elas. Vejamos o
relato de Paulo na sétima sessão, quinze dias após a sexta sessão:
T: A relação com seu pai ainda é distante?
C: Você nem vai acreditar. (risos) Até pra mim está difícil de assimilar tudo. Neste
final de semana só ficou eu e meu pai... Eu resolvi sai da toca, do meu quarto...
Comecei a andar pela casa e vi um monte de bagunça, inclusive meu pai jogado no
sofá... Me lembrei das nossas conversas e me sentei no sofá e comecei a conversar
com meu pai... No inicio foi tenso. Depois foi mais tranquilo. No fim, nós dois
estávamos dando uma geral em casa e no quintal.
A atitude de Paulo em buscar contato com o pai demonstra que o cliente já consegue
se abrir a outras relações. A terapeuta acompanha o cliente no encontro com a inevitável dor
da vida, em relação as suas perdas, mas também o encoraja a enfrentar suas dificuldades. Isso
implica em deixar de ser o que querem que seja e ser o que se é, como demonstra Paulo
quando faz suas próprias escolhas.
Campo Espiritual: “Fui criado na igreja católica, mas contra a vontade da minha mãe
eu fui para a evangélica, foi onde eu me encontrei sabe. Só que quando eu comecei a
namorar a Tata, eu parei de ir na igreja. Agora eu estou voltando a fazer parte da célula,
buscando mais intimidade com Deus. Quero uma mulher que também seja de Deus pra ficar
do meu lado. Porque até agora eu não consegui confiar em nenhuma candidata.”
Além de Paulo apresentar traços depressivos, é possível também perceber que ele não
se encontra totalmente à vontade diante das possibilidades de relação com o mundo. Hycner
(1995), a partir da filosofia de Buber, esclarece que a "patologia" é vista como um distúrbio
da existência inteira e como uma "declaração" do que precisa ser atendido para que essa
existência da pessoa se torne mais integrada. Nesse aspecto a fala de Paulo em relação ao
campo afetivo é significativa:
Campo afetivo: “É muito...muito...muito doloroso perder alguém...mas agora com a
sua ajuda eu já estou conseguindo separar o que é carência física e o que é carência
emocional. Antes era tudo muito misturado.
A possibilidade de reconstrução dos vínculos recomeça na relação que é estabelecida
entre terapeuta e cliente por meio da comunicação sem reservas e a presença autêntica do
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terapeuta que deve estar atento ao que acontece no entre da relação (Hycner, 1995). Paulo
reconhece isso em sua fala:
C: Hoje estou me sentindo bem melhor. A outra psicóloga, eu desisti dela na quarta
sessão. Ela não lembrava o meu nome. Eu tinha que ficar lembrando ela o meu nome,
as coisas que eu falava, mas você é diferente. Eu sinto que você me escuta desde o
primeiro dia. Eu ando até mais calado, só estou contando minhas coisas agora para
você, sabe... Quando falo dos meus sentimentos ou dos meus sonhos só ouço criticas,
me faz sentir pior, ninguém me entende, só você realmente me escuta sem me julgar.”
O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranquila e
sem julgamentos, como nos esclarece Paulo. Para Hycner e Jacobs (1997), a autenticidade do
cliente vivenciada em um espaço relacional seguro e livre de julgamentos proporciona a ele
uma nova experiência, que o faz sentir-se acolhido. É nas relações onde há acolhimento,
confiança e entrega por meio da escuta que as psicoterapias se desenrolam, o que torna-se
imprescindível refletir acerca do contexto em que a fala e a escuta se articulam (Feijoo 2010).
É importante que o cliente possa discriminar esse contexto a fim de identificar em sua vida
relações que sejam de fato um “lugar” de acolhimento e confiança e esse também é um
momento relevante da psicoterapia, como se observa na seguinte vinheta clínica da oitava
sessão:
T: O que acontece aqui dentro que não acontece lá fora?
C: É que as pessoas lá fora não tem essa sabedoria, esse ouvir, a pessoa quer falar
mais que eu sabe (risos). As minhas colegas de trabalho, eu nem falo mais, porque as
coisas que eu mais odeio é ser comparado com outras pessoas.
T: Como é pra você ser ouvido aqui?
C: É muito bom poder compartilhar porque é tanta carga que a gente carrega. E é
tanta coisa que a gente passa e não tem com quem conversar, porque a minha
namorada era a minha fonte de escape, que eu conversava com ela né... Ai em casa,
eu não posso falar com minha mãe porque se não ela vai querer dar palpite também,
falar o que que eu tenho que fazer e isso eu não quero mais...
T: Quer dizer que a sua ex namorada te escutava.
C: Assim.... Eu corria atrás dela para desabafar, mas eu via que ela não tinha muita
paciência não... eee ...pra ser sincero eu também não ouvia muito ela não....Quando
ela queria falar eu tava lá só fisicamente. Mas agora eu estou vendo que é importante.
Nesse momento, a terapeuta tenta construir com o cliente uma consciência do que é
ouvir e ser ouvido e quais são os elementos, partindo da vivência que o cliente descreve da
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relação terapêutica, presentes numa escuta genuína. A função da psicoterapia é levar a pessoa
a perceber os fatos de um modo diferente, com outros estímulos e expectativas, para que a
pessoa possa descobrir novas possibilidades que se encontram nela mesma gerando uma nova
forma de vida (Ribeiro, 2009). A psicoterapia necessariamente não tem a ver com a “cura”,
mas com a mudança, que é capaz de levar à “cura”. A pessoa se cura quando consegue
ressignificar coisas, pessoas, e, sobretudo, a própria existência. Apenas a vontade não basta,
pois a mudança é um ato integrado que envolve a pessoa na sua relação com o mundo como
uma totalidade consciente (Ribeiro, 2007). Assim uma terapia bem-sucedida favorece a
libertação em relação às histórias saturadas de problemas. Paulo relata estar conseguindo
mudanças significativas em sua vida, como se pode notar no fragmento que se segue da nona
sessão:
T: Depois de todos esses relatos de conversas com mulheres que você está conhecendo
agora, como você vê hoje a sua relação com o sexo feminino, você acha que já da para
confiar?
C: Simmm... dá....rsrs. Agora eu estou me relacionando com muitas garotas sabe...
Assim... pelo facebook e lá na minha congregação. Só que agora eu estou
conseguindo organizar os meus pensamentos, ver que eu sou capaz de fazer minhas
próprias escolhas, perceber quando sou eu ou quando é o meu ego que está falando
mais alto (...) Ele... Deus... e a Senhora que está me ajudando a organizar os meus
pensamentos e ver o que eu realmente sou sabe. Graças a Deus as coisas agora estão
fluindo... Ver que eu tenho valor e que não estou sendo rejeitado. Ver que eu estou
dentro do jogo da sedução. Isso me deixa tranquilo e em paz... Me dá uma
autoconfiança sabe....Agora sinto que comecei a virar homem de verdade.
Yontef (1998) corrobora descrevendo que o processo de ter consciência, acontece no
aqui-e-agora, o qual engloba a unidade, o passado, o presente e o futuro. A mudança só
acontece por meio do contato e da awareness, o cliente se aceita, faz escolhas e se
responsabiliza pelas escolhas, promovendo o seu crescimento (Yontef, 1998).
Paulo assim se expressa agradecendo:
C: Doutora você me ajudou demais, queria te agradecer... Muito obrigado, Deus
abençoe a senhora muito. Eu sei que atrás da profissional tem uma pessoa também e
muito, muito, muito obrigado pela senhora ter me acolhido, que se não fosse esse
acompanhamento aqui eu não sei o que seria de mim.. Foi Deus que mandou a
senhora na minha vida. Muito obrigado pela atenção. Eu sei que às vezes você atende
ai suas 6, 7, 8 pessoas por dia, parece que você está cansada. Mas eu sinto que você
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esta atenta no que eu estou falando, é uma profissional eximia. Muito obrigado pelo
que você tem feito por mim, de coração mesmo.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na décima segunda sessão, o cliente se deu alta alegando que já era capaz de caminhar
sozinho. No curto tempo em que a relação terapêutica foi estabelecida, verificou-se que o
cliente foi capaz de revisitar sua história e constituir novos significados. Para nós, cura não é
solucionar problemas, mas cada um utilizar a capacidade de entrar em contato consigo,
verificar as possibilidades e a partir daí, ter autonomia para fazer suas próprias escolhas.
Pode-se falar de cura quando a relação do cliente com o mundo foi renovada e fortalecida, e
isso aconteceu no presente caso onde se testemunhou a construção de uma autentica relação
dialógica entre terapeuta e cliente favorecendo à cura, no sentido de “tornar inteiro”. (Hycner,
1995).
Esse trabalho teve como objetivo descrever como a escuta terapêutica dialógica pode
contribuir para o processo de reestruturação de um cliente que teve prejudicada a sua
capacidade de relacionar-se com outras pessoas após uma situação de crise. Verificamos,
diante dos resultados apresentados, que a escuta reveste-se de propriedades terapêuticas
quando se faz por meio da presença. O terapeuta presente coloca-se para o cliente com
atenção e uma atitude não judicativa, buscando compreender e respeitar a singularidade deste
homem frente à possibilidade de fazer o luto da separação, verificando os conflitos internos e
a capacidade de reconstruir sua identidade individual. Em cada relação existe um momento
único, um encontro que nos permite ir mais além, descobrir o lado humano do outro sem ferir,
apenas acolhendo, limpando suas feridas, momento que nos transforma, nos tornando mais
humanos. Pode-se perceber que houve um crescimento no processo psicoterapêutico do
cliente, que demonstra hoje ter consciência das suas escolhas e das suas possibilidades. Infere-
se que isso foi possível em virtude de que Paulo, durante o processo psicoterapêutico,
experimentou a possibilidade de uma relação com bases seguras, consoante a proposta
gestáltica. A grande ambição da Gestalt-terapia é auxiliar o indivíduo na busca do
autoconhecimento e identificar suas possibilidades atuais.
O cliente após trabalhar os sentimentos de frustração e, impotência diante o termino
do relacionamento, passou a constituir contatos de forma saudável nos relacionamento. Ao
confirmar, incluir, escutar o cliente fazendo-se presente e disponível, durante todo o processo
terapêutico, pode-se constatar a ampliação das fronteiras de contato do cliente, nas diversas
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relações estabelecidas em seu contexto existencial, favorecendo o contato com suas
possibilidades, ampliando a sua consciência da realidade, para que o processo de cura
ocorresse. Dessa forma, com a segurança relacional adquirida com o processo
psicoterapêutico, Paulo ampliou suas possibilidades ao buscar relacionar-se fora do setting
psicoterapêutico.
Durante o processo psicoterapêutico, Paulo, consegue elaborar a culpa pelo termino do
relacionamento, ao perceber que a relação é construída com a participação dos parceiros,
como também a responsabilidade pelos conflitos e dificuldades que surgem na vida a dois. No
final do seu processo, Paulo passa a compreender melhor seus sentimentos, a elaborar a
possibilidades de novas relações e a vivenciar uma maior liberdade.
Cada cliente que chega ao consultório é um ser único e deve ser percebido como tal.
Esse indivíduo bio-psico-socio-espiritual não deve ser encarado apenas em partes, mas, sim,
como um ser em sua totalidade. É útil para a psicoterapia trazer à tona o sentimento e
aprofundar esse tema, ajudando o cliente a perceber o impacto das experiências infantis nas
suas dificuldades atuais, levando o indivíduo a se dar conta de que é possível encontrar um
novo caminho em direção a uma maior fluidez.
A elaboração de novos vínculos ou mesmo o fortalecimento de relações antigas
também é de grande relevância. Assim, a terapia gestáltica busca promover a awareness e o
contato do indivíduo acerca de seus aspectos desintegrados, favorecendo por meio do
processo psicoterapêutico na Gestalt-terapia o desenvolvimento pessoal e de plenitude do
potencial humano, incluindo o modo de fazer contato consigo mesmo, com o outro e com o
mundo, para o restabelecimento da saúde.
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Anexos