191
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP Ana Carolina Scopin Charnet A dedutibilidade no contexto do Imposto de Renda Pessoa Jurídica MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO – SP 2008

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC–SP

Ana Carolina Scopin Charnet

A dedutibilidade no contexto do Imposto de Renda Pessoa Jurídica

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO – SP

2008

Page 2: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC–SP

Ana Carolina Scopin Charnet

A dedutibilidade no contexto do Imposto de Renda Pessoa Jurídica

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito (área de concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José Artur Lima Gonçalves.

SÃO PAULO – SP

2008

Page 3: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

Banca Examinadora

_______________________________________

_______________________________________

_______________________________________

Page 4: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

Ao João e à pequena Isabella, com todo meu

amor.

Page 5: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

RESUMO

Regulado por regras esparsas e complexas, o Imposto de Renda é, sem dúvida, um

dos principais tributos no Brasil, alcançando tanto pessoas físicas quanto pessoas jurídicas.

Justamente por conta dessa sua amplitude é que, via de regra, as discussões concernentes a

esse tributo despertam o interesse dos estudiosos e dos próprios contribuintes, sempre

interessados em averiguar se a exigência a que estão submetidos está em conformidade com

as regras do sistema e, de outra parte, se há embasamento para eventuais contestações. Dentre

essas discussões, mostra-se relevante aquela relacionada à definição do conceito de “renda”,

ou seja, a que busca precisar os limites do que seja “renda” para fins de tributação. Para tanto,

imprescindível se faz a investigação sobre o sentido e alcance do vocábulo “renda”, o que

resta viável a partir da análise dos fatos que compõe esse conceito, os acréscimos versus os

decréscimos, as entradas versus os dispêndios. Numa perspectiva prática, notamos especial

complexidade nas regras aplicáveis ao Imposto de Renda no âmbito das pessoas jurídicas,

dado que a questão, nessa esfera, mistura-se a conceitos próprios da contabilidade,

dificultando ou, no mínimo, tornando mais complexa a atividade do operador do direito.

Cientes dessas características é que objetivamos, no presente trabalho, fazer uma abordagem

da materialidade do Imposto sobre a Renda, no âmbito das pessoas jurídicas, buscando

formular nosso conceito de renda, analisando-se o sistema sob a perspectiva dos dispêndios.

Daí a importância que se revela, para o presente estudo, a definição do conceito de “despesas

necessárias”. Vale dizer, ademais, que para que possamos alcançar esse objetivo, partiremos

da verificação das normas constitucionais, eis que, a nosso ver, é na Constituição Federal que

estão as diretrizes básicas do conceito de “renda”, equilibradas pelos princípios que

asseguram direitos fundamentais aos contribuintes. Finalmente, salientamos que a nossa

motivação quanto à escolha do tema ora tratado decorre das questões que são suscitadas no

Page 6: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

campo prático, que, por vezes, se refletem nos posicionamentos jurisprudenciais, denunciando

a necessidade de uma maior reflexão sobre o tema.

Palavras-chave: Imposto sobre a Renda Pessoa Jurídica. Conceito constitucional. Renda.

Despesas necessárias. Dedutibilidade.

Page 7: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

ABSTRACT

The Income Tax is ruled by complex and sparse rules, indeed one of the most

important tributes in Brazil, reaches both natural persons and legal entities. On account of this

amplitude, as a rule, the discussions concerning this tribute raise the interest of studious

people and contributors as well, who are always interested in verifying whether the demand to

which they are being subject is in accordance to the rules of the system, and, on the other

hand, whether there is basis to eventual contestations. Among such discussions the relevant

one is related to the definition of “income”, in other words, the one that aims at specifying

limits to the meaning of “income” for taxation purposes. Therefore, it is necessary to

investigate the meaning and understanding of the word “income”, what is viable from the

analysis of facts that form this concept, the increases versus the decreases, the entries versus

the expenditures. Under a practical perspective we notice a special complexity in the rules

applied to the Income Tax concerning legal entities, due to the fact that in this field,

individual concepts of accounting mix, making it more difficult or, at least, making the

activity of the Legal Professionals more complex. Being aware of these features our objective

in this present work is to broach the materiality of the Income Tax, regarding legal entities,

aiming at formulating our concept of income, analyzing the system under the expenditures

point of view. Thenceforth comes the importance that reveals itself, for the present study, of

the definition of the concept of “necessary expenses”. It is worth mentioning, in addition, that

in order to reach this goal we will start from the verification of constitutional statutes, once, in

our view, it is in the Federal Constitution the basic guidelines of the concept of “income”,

balanced by the principles that assure fundamental rights to contributors. Finally, we highlight

that our motivation as to the choice of the topic now dealt with comes from the questions that

Page 8: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

are raised in the practical field, which, sometimes reflect on the jurisprudence positioning,

denunciating the need for a deeper reflection on the topic.

Key-words: Income Tax. Legal Entities. Constitutional concept. Income. Necessary expenses.

Expenditures.

Page 9: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

SUMÁRIO

Introdução............................................................................................................................ 12 Capítulo 1 NOÇÕES FUNDAMENTAIS: FIXANDO PREMISSAS..................................... 15 1.1 A linguagem do legislador constitucional.................................................................... 15 1.2 Planos semióticos......................................................................................................... 19 1.2.1 Definições jurídicas: problema de ordem lingüística................................................ 19 1.3 Sistema jurídico............................................................................................................ 21 1.3.1 Definição................................................................................................................... 21 1.3.2 Características do sistema jurídico brasileiro............................................................ 24 1.3.3 Sobre o (sub)sistema constitucional tributário........................................................... 25 1.4 Norma jurídica como produto da interpretação: norma jurídica em sentido amplo

e em sentido estrito........................................................................................................ 27 1.4.1 Regra-matriz de incidência tributária......................................................................... 30 1.4.2 Das funções da base de cálculo como elemento componente do critério quantitativo

da norma jurídica em sentido estrito........................................................................ 33

1.5 Competência tributária................................................................................................. 35 1.6 Princípios..................................................................................................................... 38 1.6.1 Noções gerais............................................................................................................ 39 1.6.2 Princípios constitucionais gerais.............................................................................. 43 1.6.2.1 Princípio da separação dos poderes...................................................................... 43 1.6.2.2 Princípio da justiça................................................................................................ 43 1.6.2.3 Princípio da segurança jurídica.............................................................................. 43 1.6.2.4 Princípio da certeza do direito............................................................................... 44 1.6.2.5 Princípio da igualdade........................................................................................... 44 1.6.2.6 Princípio da legalidade........................................................................................... 45 1.6.2.7 Princípio da propriedade......................................................................................... 45 Capítulo 2 IMPOSTO SOBRE A RENDA E PROVENTOS DE QUALQUER NATUREZA: REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA E PRINCÍPIOS INFORMADORES.... 47 2.1 Impostos: delimitação do conceito................................................................................ 47 2.2 Competência tributária para criação do Imposto sobre a Renda (IR) e Proventos de

Qualquer Natureza e as disposições da legislação complementar................................ 48 2.3 Princípios informadores do Imposto de Renda (IR)..................................................... 51 2.3.1 Legalidade e tipicidade tributária............................................................................... 52

2.3.2 Princípio da anterioridade ......................................................................................... 54 2.3.3 Princípio da irretroatividade ..................................................................................... 55 2.3.4 Princípio da igualdade .............................................................................................. 56 2.3.5 Princípio da capacidade contributiva........................................................................ 57 2.3.6 Princípio do não-confisco......................................................................................... 59 2.3.7 Mínimo vital.............................................................................................................. 60 2.3.8 A pessoalidade do Imposto sobre a Renda (IR) ........................................................ 61 2.3.9 A progressividade do Imposto sobre a Renda (IR).................................................... 62 2.3.10 Princípios da universalidade e da generalidade ...................................................... 63

Page 10: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

2.4 Regra-matriz de incidência do Imposto sobre a Renda (IR) e Proventos de Qualquer Natureza........................................................................................................ 65

2.4.1 Antecedente da regra-matriz de incidência do Imposto sobre a Renda (IR) ............ 66 2.4.1.1 Critério material...................................................................................................... 66 2.4.1.2 Critério espacial....................................................................................................... 69 2.4.1.3 Critério temporal..................................................................................................... 70 2.4.2 Do conseqüente da regra-matriz de incidência do IR................................................. 76 2.4.2.1 Critério pessoal........................................................................................................ 77 2.4.2.2 Critério quantitativo................................................................................................ 78 2.5 Síntese da regra-matriz de incidência do Imposto de Renda (IR)................................. 83 2.6 Imposto de Renda (IR) na legislação ordinária............................................................ 84 Capítulo 3 CONCEITO DE RENDA.................................................................................................... 89 3.1 Considerações preliminares........................................................................................... 89 3.2 Evolução do conceito de renda: teorias econômicas e fiscais....................................... 92

3.2.1 Teorias econômicas.................................................................................................... 92 3.2.2 Teorias fiscais............................................................................................................ 93 3.2.2.1 Teorias da renda-produto (source income theory) .................................................. 94 3.2.2.2 Teorias da renda-acréscimo patrimonial (increment of wealth theory)................... 94 3.2.2.3 Teorias legalistas..................................................................................................... 94 3.2.3 Importância da exposição das teorias sobre o conceito de renda............................... 95 3.3 Conceito de renda.......................................................................................................... 95 3.3.1 Existe um conceito constitucionalmente pressuposto de renda no sistema

constitucional tributário pátrio? ................................................................................. 96 3.3.2 Análise das posições doutrinárias e conclusões preliminares.................................... 100 3.4 Conceito de renda constitucionalmente pressuposto..................................................... 106 3.4.1 Definição do conceito de renda pela negativa ou por exclusão.................................. 107 3.4.2 Renda versus proventos: diferenciações pertinentes................................................. 109 3.4.2.1 O vocábulo renda.................................................................................................... 109 3.4.2.2 Sobre o vocábulo proventos e a locução de qualquer natureza.............................. 112 3.5 Construção do nosso conceito de renda........................................................................ 114 Capítulo 4 DEDUTIBILIDADE NO CONTEXTO DO IMPOSTO DE RENDA PESSOA JURÍDICA (IRPJ).......................................................................................................... 115 4.1 Conceito de renda e o problema da pesquisa................................................................. 115 4.2 Fatos-decréscimos ante os princípios informadores do Imposto sobre a Renda (IR) ....... 119 4.2.1 Dedutibilidade como elemento de salvaguarda dos princípios da igualdade,

capacidade contributiva, vedação do uso de tributo com efeito de confisco, segurança jurídica, mínimo existencial...................................................................... 121

4.2.2 Dedutibilidade como elemento de salvaguarda do princípio da progressividade...... 125 4.3 Despesas no âmbito do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF): breves considerações...... 126 4.4 Despesas no âmbito do Imposto de Renda Pessoas Jurídicas (IRPJ) .......................... 133 4.4.1 Custos e despesas....................................................................................................... 135 4.4.2 Embasamento legal e requisitos para dedutibilidade no âmbito das pessoas jurídicas .. 138 4.4.2.1 Requisito n. 1: dispêndio deve ser necessário......................................................... 141 4.4.2.2 Requisito n. 2: dispêndio deve ser usual/normal..................................................... 144 4.4.2.3 Requisito n. 3: dispêndios devem ter sido pagos ou incorridos............................... 145

Page 11: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

4.4.3 Retorno à noção de linguagem e apontamento dos requisitos correlatos para a identificação das despesas: escrituração/comprovação documental e débito no período-base competente............................................................................................ 151

4.5 Impossibilidade de o legislador infraconstitucional definir o conceito de despesas, vedando, restringindo ou condicionando sua dedutibilidade......................................... 157

4.6 Construção do nosso conceito de dispêndios dedutíveis.............................................. 163 4.7 Identificação e conclusões sobre os dispositivos legais que vedam ou restringem a

dedutibilidade de despesas............................................................................................ 166 4.8 Alguns problemas de ordem prática............................................................................. 170 4.8.1 Indedutibilidade das provisões e os depósitos judiciais de tributos controversos..... 170 4.8.2 Indedutibilidade das contraprestações de arrendamento mercantil e do aluguel

de bens móveis ou imóveis, exceto quando relacionados intrinsecamente com a produção ou comercialização dos bens e serviços.......................................... 174

4.8.3 Indedutibilidade das despesas de depreciação, amortização, manutenção, reparo, conservação, impostos, taxas, seguros e quaisquer outros gastos com bens móveis ou imóveis, exceto se intrinsecamente relacionados com a produção ou comercialização dos bens e serviços..................................................................... 174

4.8.4 Indedutibilidade de valores despendidos com alimentação dos sócios, acionistas e administradores.......................................................................................................... 175

4.8.5 Indedutibilidade das contribuições não compulsórias, exceto as destinadas a custear seguros e planos de saúde, e benefícios complementares assemelhados aos da previdência social, instituídos em favor dos empregados e dirigentes da pessoa jurídica....................................................................................................... 175

4.8.6 Indedutibilidade das doações ...................................................................................... 177 4.8.7 Indedutibilidade das despesas com brindes................................................................. 178 4.8.8 Indedutibilidade da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL) do lucro

real (e de sua própria base de cálculo) ...................................................................... 179 4.9 Incompatibilidade da vedação, restrição ou condição da dedutibilidade

de despesas frente ao ordenamento jurídico pátrio....................................................... 182 Considerações finais ........................................................................................................... 184 Referências.......................................................................................................................... 187

Page 12: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

A finalidade de todo o conhecimento e de

toda atividade é a virtude. Isso é

especialmente verdade em relação às

atividades mais importantes, a do Estado

e a do cidadão. No Estado, a virtude

objetivada é a justiça; e isso significa

justiça para toda a comunidade. Está

muito claro que a justiça, numa

comunidade, significa igualdade para

todos.

— ARISTÓTELES, Política

Page 13: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

12

Introdução

OBJETO E MÉTODO DA DISSERTAÇÃO

Toda pesquisa científica pressupõe a delimitação de um objeto de estudo e a

especificação de um método que oriente a investigação. Não cremos haver um modelo pré-

determinado a ser seguido, mas reconhecemos que objeto e método têm de estar,

necessariamente, especificados para que fique visível a vinculação entre premissas e

conclusões. No caso desta pesquisa, o objeto consistirá na parcela do direito relativa ao

Imposto sobre a Renda (IR) das pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, sobretudo

a materialidade e a base de cálculo dessa exação, com destaque para o elemento “despesas

necessárias”. Convém dizer que, aqui, não descuidaremos das lições do professor Geraldo

Ataliba, 1 que, sendo responsável pela (re)construção de um “direito constitucional tributário”,

ressaltava a importância de se tomar o Texto Magno como ponto de partida para a solução de

controvérsias atinentes à tributação.

Nesta dissertação, buscamos construir um discurso científico embasado na regra que

atribui à União competência para instituir o IR a fim de, à luz do sistema constitucional pátrio

e dos princípios e das diretrizes que o norteiam, analisar os limites semânticos a serem

atribuídos ao vocábulo renda e à locução proventos de qualquer natureza como grandezas

tributáveis. Enfocamos com mais ensejo os elementos que conformam essas realidades —

renda e proventos de qualquer natureza —, em especial os fatos denominados despesas, os

quais, conforme elucidaremos no decorrer deste trabalho, participam ativamente do processo

de construção de tais realidades. Noutros termos, desvendaremos o conteúdo semântico do

1 “As definições jurídicas devem tomar por ponto de partida o dado jurídico supremo: a lei constitucional. A partir do desenho constitucional dos tributos é que o jurista deve construir o seu conceito; deve ater-se exclusivamente aos aspectos normativos constitucionalmente prestigiados.” ATALIBA, Geraldo. Hipótese de

incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 126.

Page 14: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

13

vocábulo “despesas” — ou, numa linguagem técnica, fatos-decréscimos —, avançando sobre

a análise quanto à eventual liberdade do legislador ordinário para restringir esse conceito,

tendo em vista as características de sistema constitucional brasileiro. Ao final, e objetivando à

efetiva aplicação do modelo teórico formulado, apresentaremos algumas questões de ordem

prática, para enfatizar a importância de um sistema de dedutibilidade eficaz, que permita

cogitar uma tributação em conformidade à Constituição Federal, no que se refere ao IR.

A constatação de que é difícil enfrentar na prática questões relativas à dedutibilidade

na ótica das pessoas jurídicas foi o que suscitou nosso interesse no assunto desta pesquisa.

Com efeito, embora os enunciados referentes às “despesas necessárias” possam,

aprioristicamente, parecer completos, a pragmática nos revela o oposto. Dito de outro modo,

há situações que geram dúvidas e nos fazem refletir sobre o conteúdo semântico da expressão

despesas necessárias e, logo, de termos como renda, proventos, ingressos e outros correlatos.

Sabe-se que o tema escolhido é provocativo: já despertou o interesse de muitos autores, tanto

brasileiros quanto estrangeiros, que se debruçaram no estudo do conceito de “renda” (em

sentido amplo), visando definir a materialidade e, por conseqüência lógica, a base de cálculo

do IR.

Parece-nos, todavia, que ainda há muito a se avançar nessa trilha, sobretudo porque a

dinâmica da sociedade, somada à complexidade cada vez mais marcante das relações jurídicas

que nela se entabulam, demanda uma evolução ininterrupta do pensamento sobre questões

como a que aqui analisamos para que, assim, seja possível abarcar, tanto quanto possível, as

relações jurídicas emergentes. Este estudo não pretende exaurir o assunto, mas tão-somente

contribuir para uma definição da materialidade do IR, em especial a realidade denominada

despesas necessárias. Como essa questão se vincula estritamente à definição de conceitos,2

recorremos ao método do construtivismo hermenêutico e, na tentativa de solucionarmos o

2 Consideraremos o vocábulo definição aqui como operação mental que demarca o âmbito de um conceito, ou seja, da representação mental de um objeto.

Page 15: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

14

problema proposto, partiremos da análise da linguagem empregada pelo legislador

constituinte. Embora saibamos que não se trata de uma tarefa fácil, esperamos avançar na

investigação da materialidade do IR nesta empreitada científica.

O trabalho se estrutura em quatro capítulos.

No primeiro, fixamos as premissas que subsidiam a investigação, realçamos a

importância da semiótica e analisamos as características básicas de sistema jurídico pátrio,

bem como conceitos fundamentais como norma jurídica, competência e princípios jurídicos.

No segundo, tratamos especificamente do IR, destacando sua compostura no sistema

jurídico e indicando os princípios que o informam diretamente.

Como esta dissertação se relaciona com um componente do conceito de renda — os

fatos-decréscimos —, o terceiro capítulo enfoca esse fato signo-presuntivo de riqueza: nele,

apresentamos teorias relativas ao conceito de renda, buscando identificar em que moldes ele

foi adotado por nosso sistema jurídico e, nesse contexto, quais são os limites para a atuação

do legislador ordinário na sua delimitação.

No quarto capítulo, averiguamos a realidade dos fatos-decréscimos, sobretudo as

despesas necessárias, como componentes da materialidade e base de cálculo do Imposto de

Renda Pessoa Jurídica (IRPF); também pomos em pauta discussões fundamentais — tais como

os requisitos para se caracterizarem as despesas, a margem de liberdade de que dispõe o

legislador infraconstitucional para definir esse conceito — e levantamos problemas

fundamentais referentes à dedutibilidade.

Feitos esses esclarecimentos, iniciemos, pois, nossa investigação.

Page 16: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

15

Capítulo 1

NOÇÕES FUNDAMENTAIS: FIXANDO PREMISSAS

1.1 A linguagem do legislador constitucional

“O direito é linguagem no sentido de que sua forma de expressão consubstancial é a

linguagem verbalizada suscetível de ser escrita”.3 A afirmação de Gregório Robles nos leva

ao elemento constitutivo da realidade do direito — a linguagem — e adotando-se por

referencial o sistema jurídico pátrio, a linguagem escrita.4 Com efeito, seja em referência ao

direito5 como complexo de enunciados que compõem o ordenamento jurídico (direito posto)

ou à ciência que estuda esse complexo de enunciados (ciência do direito), estaremos sempre,

inexoravelmente, envoltos em linguagem. Assim, o direito se exterioriza pela linguagem.

Susy Gomes Hoffmann transmite, com objetividade e precisão, a idéia da linguagem como

meio de manifestação do direito ao afirmar que:

Essa linguagem própria do direito é usada para regular as condutas dos homens em sociedade. E somente os fatos que adentrarem pela linguagem própria do direito farão parte de seu campo de conhecimento, de tal forma que tudo aquilo que não estiver relatado na linguagem admitida pelo direito não será por ele conhecido.6

3 ROBLES, Gregório. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito. Barueri: Manole, 2005, p. 2. 4 O referencial mencionado é o sistema jurídico pátrio, em que prevalece o direito posto, embora mesmo nos sistemas consuetudinários verifiquemos predominância da versão falada da linguagem. 5 O vocábulo direito tem diversas acepções, das quais destacamos duas de uso mais recorrente: 1) direito com sentido de “direito positivo” ou “direito posto” — complexo de normas válidas em dado país; 2) direito com sentido de ciência do direito — conjunto de proposições que ordenam, hierarquizam, enfim, estudam o direito positivo. O professor Paulo de Barros Carvalho ressalta a importância de estabelecermos as diferenças entre realidade do direito positivo e da ciência do direito porque são materializadas por diferentes tipos de linguagem e submetidas a lógicas diversas — ver CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. Doravante, empregaremos o vocábulo direito com sentido de direito posto e cujos sinônimos serão ordenamento jurídico, ordem jurídica e sistema jurídico. 6 HOFFMANN, Susy Gomes. Teoria da prova no direito tributário. Campinas: Copola, 1999, p. 32.

Page 17: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

16

Nesses termos, toda tentativa de conhecer a realidade do direito deve se guiar pelas

coordenadas da linguagem; e o resultado desse contato haverá de ser vertido em linguagem.

Quando pensamos no produto do processo legislativo — a legislação em sentido

amplo — e nas decisões do Poder Judiciário ou na produção doutrinária jurídica — os

componentes da ciência do direito —, o que temos são textos, compostos por frases, que, por

sua vez, compõem-se por palavras e vocábulos. Em última análise, temos linguagem. Tércio

Sampaio Ferraz Júnior reforça esse entendimento ao acentuar que o direito é “[...] um dos

mais importantes fatores de estabilidade social”7 para, em seguida, afirmar que, para o

alcançar essa sua finalidade precípua — a regulamentação dos comportamentos visando ao

prestígio de valores consagrados no seio social —, o direito usa palavras.

Ao disciplinar a conduta humana, as normas jurídicas usam palavras, signos lingüísticos que devem expressar o sentido daquilo que deve ser. Esse uso oscila entre o aspecto onomasiológico da palavra, isto é, o uso corrente para a designação de um fato, e o aspecto semasiológico, isto é, sua significação normativa. Os dois aspectos podem coincidir, mas nem sempre isso ocorre.8

Tendo em vista essas afirmações, reiteramos a pretensão deste trabalho: aprofundar

no estudo do conceito de renda e proventos de qualquer natureza, com enfoque no conceito de

despesas (os dispêndios ou fato-decréscimos que auxiliam na conformação da renda) pela

ótica das pessoas jurídicas. Nossa análise partirá do texto constitucional, porque tais

expressões consubstanciam grandezas afetas ao Imposto de Renda; logo, seus conteúdos

semânticos mínimos deverão ser extraídos da Lei Maior. Nesse sentido, é importante

identificarmos a linguagem empregada pelo legislador, sobretudo o constitucional, e, mais

que isso, desvendarmos as inconsistências resultantes de interpretações distorcidas dos

enunciados constitucionais, as quais, em geral, culminam em dificuldades pragmáticas de

emprego das diretrizes veiculadas pela Lex Mater.

7 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 32. 8 FERRAZ JÚNIOR, 2007, p. 255.

Page 18: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

17

Em geral, o legislador busca na linguagem natural termos que veiculem as regras, as

quais vão direcionar as condutas humanas. Com isso, queremos dizer que a construção do

direito positivo como complexo de normas jurídicas ocorre mediante o uso de palavras do

discurso ordinário, da comunicação cotidiana já dotadas de significação, embora quando

empregadas nos textos legislativos lhes seja atribuído um sentido técnico. Noutros termos, seu

conteúdo é definido com mais rigor, pois, sem nos olvidarmos de que a função do direito é

regular os comportamentos viabilizando o convívio harmônico e seguro de todos os

administrados, faz-se necessário que os termos empregados nesse processo comunicacional o

sejam de forma a possibilitar a compreensão clara e objetiva da mensagem deôntica pelos

seus destinatários.

Como ressalta o professor Paulo de Barros Carvalho,9 isso se justifica porque as

casas legislativas — e a própria Assembléia Constituinte da qual se originou nossa Carta

Constitucional — têm uma composição eclética: seus integrantes têm origem e formação

diferentes, ou seja, têm ideologia e bagagem cultural diversas. Não há nem poderia haver, sob

pena de ofensa à democracia, exigência de formação jurídica para o parlamentar em nosso

sistema político. Por isso, o emprego da linguagem ordinária é conseqüência direta dessa

espécie de organização político-administrativa.

A opinião de Tércio Sampaio Ferraz Júnior segue a mesma direção:

O legislador, nesses termos, usa vocábulos que tira da linguagem cotidiana, mas freqüentemente lhes atribui um sentido técnico, apropriado à obtenção da disciplina desejada. Esse sentido técnico não é absolutamente independente, mas está ligado de algum modo ao sentido comum, sendo, por isso, passível de dúvidas que emergem da tensão entre ambos.10

Ora, é fato incontroverso que, mesmo na linguagem natural, todos os termos têm

conteúdo semântico mínimo, por isso há um tipo de “consenso social” quanto à maneira de

9 CARVALHO, 2007, p. 4; 5. 10 FERRAZ JÚNIOR, 2007, p. 255.

Page 19: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

18

usá-los, que é determinado pela forma de uso ou pelo próprio sistema em que estão inseridos.

Todavia, não podemos dizer que haja em todos eles uma delimitação precisa de conteúdo, de

modo que, quando se transferem determinados termos lingüísticos do discurso ordinário para

o discurso técnico — isto é, o discurso dos enunciados normativos —, tem-se como resultado

o emprego do mesmo termo em diferentes acepções. Nas palavras de Tércio Sampaio Ferraz

Júnior, instala-se uma “tensão”, decorrente ou da indefinição de seu campo de referência —

vagueza —, ou da multiplicidade de significados que a palavra enseja — ambigüidade.11

A articulação das palavras mediante regras gramaticais permite que uma mensagem

com sentido seja extraída do texto. Portanto, a existência de vagueza e ambigüidade no

discurso legislativo acarreta distorções na apreensão da mensagem legislada, ou seja,

problemas de interpretação, o que reflete diretamente na própria aplicação do direito, das

normas jurídicas. Nesse contexto, não há como se negar o desafio posto à frente do cientista

do direito, a quem caberá superar tais entraves e extrair dos textos legais a interpretação que

lhe parecer mais coerente com nosso sistema jurídico.

O escopo deste trabalho pressupõe uma verificação do sentido das palavras

empregadas pelo legislador constitucional, em especial as do artigo 153, III da Carta Magna,

para que, assim, possamos definir seus respectivos conteúdos semânticos mínimos. Uma vez

convictos de que estes estão definidos mesmo em linhas gerais, buscaremos explicitá-los com

base no Texto Constitucional para, depois, elucidarmos as conseqüências decorrentes da

assunção da premissa de que há um conceito constitucionalmente pressuposto de renda (como

materialidade do Imposto sobre a Renda), em especial quanto à margem de liberdade do

legislador infraconstitucional para o exercício de sua competência.

Assim, embora desenvolvamos este trabalho tendo em vista as definições de

conteúdos, não descuidaremos do aspecto prático decorrente das conclusões alcançadas.

11 Do ponto de vista da lingüística, a vagueza e a ambigüidade comprometem o uso das palavras: uma resulta da imprecisão semântica do vocábulo; outra, da multiplicidade de significados.

Page 20: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

19

Afinal, estamos cientes de que a finalidade última do direito é regular condutas, e para isso

será essencial testar a aplicabilidade prática dos modelos teóricos construídos. Nessa análise,

serão valiosos recursos definidos pela teoria geral dos signos: a semiótica, de que tratamos

brevemente a seguir.

1.2 Planos semióticos

Haja vista que o direito, seja como complexo de normas ou como ciência,

materializa-se por uma linguagem, temos como premissa que seu estudo deve ser orientado

pela ciência que estuda os signos: a semiótica.12 Nesse sentido, para chegarmos ao conteúdo,

ao sentido e ao alcance dos signos no contexto que o direito os emprega, é fundamental

percorrermos três planos da investigação semiótica: o sintático — que estuda as relações entre

os signos; o semântico — que analisa a relação dos signos com os objetos que eles significam;

e o pragmático — que busca determinar a forma como os signos são empregados por seus

usuários. Esses planos estão presentes no âmbito do direito positivo e no âmbito da ciência do

direito, embora atuem diversamente em um e outro campos. A linguagem, portanto, assume

diferentes roupagens, dependendo da realidade a que se relacione.

1.2.1 Definições jurídicas: problema de ordem lingüística

Embora possamos não perceber de início a relevância de se percorrer essa trajetória

com cautela e atenção, uma análise simples de questões mais latentes na ordem jurídica atual

não demora a elucidar que a maioria delas está ligada a problemas semânticos, isto é,

problemas na determinação de conceitos. Com efeito, tendo em vista as ponderações feitas até

aqui, não é novidade a assertiva de que o direito cria suas realidades. Dito de outro modo,

nem sempre os conceitos empregados pelo direito correspondem exatamente àqueles usados

12 A semiótica é a teoria geral dos signos; estuda os elementos que compõem o processo de comunicação — ver: GUIBURG, Ricardo; GUIGLIANI, Alejandro; GUARINONI, Ricardo. Introducción al conocimiento científico. Buenos Aires: Eudeba, 1985.

Page 21: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

20

no cotidiano, na linguagem ordinária, pois muitas vezes o direito tem de se valer de criações

próprias para manter incólume sua ação. Por conta dessa necessidade, o conteúdo semântico

de expressões como bem imóvel — que tem significação própria e específica na linguagem

ordinária — é ampliado na linguagem jurídica, pois inclui, por exemplo, navios e aviões.

Igualmente, palavras como isonomia e renda — mais comuns no campo semântico da

tributação — podem ter, no âmbito jurídico, significações não convergentes àquelas adotadas

no mundo social ou mesmo na realidade particular de outros ramos da ciência.

Ante essa constatação, ficam claros os problemas em torno da determinação precisa

do conteúdo semântico de termos empregados na linguagem do direito, pois, como vimos,

este é responsável direto pela regulamentação das condutas intersubjetivas. Aliada à própria

evolução da sociedade, a imprecisão de certos termos, que resulta em alterações no alcance

dos vocábulos do idioma, distorce o processo intelectivo de construção das normas jurídicas,

e assim origina muitos problemas verificáveis no âmbito do direito, realidade que nos

interessa neste estudo. Divergências na determinação do conteúdo de qualquer termo

empregável pelo direito positivo bastam para criar empecilhos intransponíveis, seja para se

interpretar o enunciado prescritivo que compõe o texto legal em análise ou viabilizar sua

aplicação — isto é, materializar a positivação do direito a fim de fazer com que as condutas

humanas se sujeitem, efetivamente, aos efeitos das normas jurídicas.

Desse modo, para cumprir o que nos propusemos, partiremos da análise dos textos

existentes no direito positivo que estejam, de alguma forma, relacionados com o imposto

sobre a renda para, então, buscarmos a construção mais adequada, a nosso ver, da regra-

matriz de incidência desse imposto. De imediato, convém assinalar a relevância atribuída aos

componentes da materialidade desse imposto no âmbito das pessoas jurídicas sujeitas à

tributação com base na sistemática do lucro real, sobretudo as denominadas despesas

necessárias, cujo conceito tentaremos delimitar neste trabalho. Julgamos pertinente enfrentar

Page 22: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

21

essa problemática por conta da vagueza e imprecisão que a locução despesas necessárias

assume às vezes; ela denuncia a existência de incompatibilidades lingüísticas no âmbito dessa

temática que precisam ser superadas, e isso requer reflexões mais apuradas. Dito isso, para

evitar equívocos que impeçam ou dificultem o bom transcurso de nossa empreitada,

esclarecemos a seguir um conceito-base recorrente neste trabalho: o de sistema jurídico.

1.3 Sistema jurídico

A noção de sistema se revela parte essencial de nosso objeto de estudo, pois analisar

a materialidade e base de cálculo do IR supõe considerar o conceito de norma jurídica,

indissociável do conceito de sistema. Vejamos!

1.3.1 Definição

Geraldo Ataliba, sob a égide da Constituição Federal de 1946, escreveu importante

obra, na qual apresenta sua idéia de sistema:

O caráter orgânico das realidades componentes do mundo que nos cerca e o caráter lógico do pensamento humano conduzem o homem a abordar as realidades que pretende estudar, sob critérios unitários, de alta utilidade científica e conveniência pedagógica, em tentativa do reconhecimento coerente e harmônico da composição de diversos elementos em um todo unitário, integrado em uma realidade maior. A esta composição de elementos, sob perspectiva unitária, se denomina sistema.13

No dizer de Joana Lins e Silva todo sistema é composto por “[...] um repertório

(elenco dos elementos que o compõem) e uma estrutura (modo como os elementos se

relacionam entre si e com o todo), sempre reunidos em função do objetivo do sistema”.14

Sistema, portanto, é a reunião ordenada de partes diversas que formam um todo

organizado logicamente. Num sistema, todas as partes se subordinam a um vetor comum, uma

13 ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 4. 14 SILVA, Joana Lins e. Fundamento da norma tributária. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 40–1.

Page 23: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

22

referência determinada, que orienta as regras de relacionamento que se estabelecem entre as

partes do sistema.

Estamos cientes de que a realidade do direito positivo e a da ciência do direito se

organizam sistematicamente; logo, seus elementos — normas jurídicas e proposições

científicas elaboradas pelos estudiosos do direito, respectivamente — devem estar

organizados segundo critérios racionais. Como nosso objeto de estudo é o sistema do direito

positivo como complexo de normas — também denominado ordenamento jurídico ou,

simplesmente, direito positivo15 —, considerar o ordenamento jurídico como sistema significa

reconhecer que ele se compõe de unidades individualizadas (repertório), relacionadas entre si

segundo uma disciplina específica, pré-determinada (estrutura), que lhe dá unidade e

coerência. Na espécie, as normas jurídicas compõem o repertório, e a estrutura representa as

relações entre as unidades do repertório, orientadas por diretrizes agasalhadas pelo próprio

ordenamento jurídico.

As regras de relacionamento que se estabelecem entre os elementos de um sistema

são analisadas pelo professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior, a quem, uma vez mais,

recorremos:

Um ordenamento, como sistema, contém um repertório, contém também uma estrutura. Elementos normativos e não normativos (repertório) guardam relações entre si. Por exemplo, quando dizemos que as normas estão dispostas hierarquicamente, umas são superiores, outras inferiores, estamos pensando em sua estrutura. Hierarquia é um conjunto de relações, estabelecidas conforme regras de subordinação e de coordenação. Essas regras não são normas jurídicas nem são elementos não normativos, isto é, não fazem parte do repertório, mas da estrutura do ordenamento. [...] Bastante importante é a questão do ordenamento como sistema unitário, isto é, sua concepção como repertório e estrutura marcados por um princípio que organiza e mantém o conjunto como um todo homogêneo. Esse princípio recebe em Kelsen o nome de norma fundamental.16

15 Embora estejamos denominando o sistema jurídico de ordenamento, em nome da fluência do discurso cumpre-nos destacar a diferença entre essas realidades: ordenamento jurídico é o texto jurídico propriamente dito; sistema jurídico é construído, pela dogmática, com base nesse texto bruto — nesse sentido, confira-se: HORVATH, Estevão. O princípio do não-confisco no direito tributário. São Paulo: Dialética, 2002, p. 13. 16 FERRAZ JÚNIOR, 2007, p. 177.

Page 24: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

23

É com apoio na doutrina de Hans Kelsen17 que conseguimos identificar a

homogeneidade e unicidade do sistema jurídico. Pela assunção da premissa de que há uma

norma fundamental — como a idealiza o Mestre de Viena —, identificamos o referencial para

estabelecer a hierarquização e homogeneidade do sistema, visto que a norma fundamental

mencionada outorga o fundamento de validade à Constituição Federal e, por decorrência, às

demais normas componentes do ordenamento jurídico que, com ela, compatibilizem-se,

funcionando como sustentáculo de todo o sistema.

Com o rigor científico que lhe era peculiar, Lourival Vilanova analisou em detalhes o

sistema jurídico e reconheceu essas características do sistema. Afirma esse autor:

O que confere homogeneidade a todas as regras do Direito positivo é a sua normatividade. O ponto de partida é normativo: a norma fundamental, para tomarmos o modelo kelseniano de explicação. Consiste essa homogeneidade estrutural no modo constante de relacionar os dados ou elementos (fatos ou condutas) da experiência. [...] se o nexo é de dever-ser, temos a imputação. [...] Não somente a unidade do sistema, mas a unicidade do ponto de partida caracterizam o sistema do Direito positivo.18

Mais recentemente, Humberto Ávila contribuiu para a compreensão do

funcionamento do sistema jurídico, em particular das relações que se estabelecem entre as

normas jurídicas. Ao explanar o que denomina de postulados, ele os define como as condições

essenciais que viabilizam a apreensão do direito como objeto de estudo,19 pois estabelecem

condições para sua interpretação e aplicação. Na categoria dos postulados, ele discrimina os

postulados hermenêuticos (por exemplo, o da unidade do ordenamento jurídico, o da

coerência e o da hierarquia), “[...] cuja utilização é necessária, embora, por óbvio, não

exclusiva, à compreensão interna e abstrata do ordenamento jurídico”,20 e os postulados

aplicativos (tais como o da razoabilidade, o da proporcionalidade e o da proibição de

17 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 215–7. 18 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Revista dos Tribunais; Educ, 1977, p. 110. 19 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário, de acordo com a emenda constituição n. 53, de

19/12/2006. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 41. 20 ÁVILA, 2008, p. 43.

Page 25: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

24

excesso), definidos como condições que “[...] se aplicam para solucionar questões que surgem

com a aplicação do Direito”.21 Nesses termos, resta-nos concluir que os postulados atuam na

estrutura do ordenamento porque direcionam as relações que se estabelecem entre suas

unidades — as normas jurídicas —, quer no plano abstrato (postulados hermenêuticos) ou no

concreto (postulados aplicativos).

1.3.2 Características do sistema jurídico brasileiro

A institucionalização do poder como necessidade da vida em sociedade resultou na

constituição do Estado, definido como forma específica de organização política.22 Após a

proclamação da República, o Estado brasileiro optou pela sua organização sob a forma

federativa, de modo que nele se garante autonomia política, administrativa e financeira aos

entes componentes da Federação: União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Alcançar

essa autonomia supõe delimitar as competências legislativas desses entes — no caso

brasileiro, a delimitação cabe ao Texto Constitucional, que exaure o campo de atuação de

cada um. Na ordem jurídica atual, a adoção do federalismo como forma de Estado se expressa

no artigo 1º da Carta Constitucional vigente — que se refere à República Federativa do Brasil

— e é erigida à condição de cláusula pétrea: segundo o artigo 60, § 4º, não se admite alteração

dessa estrutura sequer por emenda constitucional.

Como características básicas desse sistema, podemos citar sua rigidez — só se

admitem alterações nas disposições constitucionais via processo legislativo, regulado no

próprio corpo da Constituição23 — e sua exaustividade — no afã de assegurar a plena

21 ÁVILA, 2008, p. 44. 22 Sobre isso, ver: BASTOS, Celso R. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 5. 23 Geraldo Ataliba sintetizou, com precisão, essa característica do sistema jurídico pátrio, tendo em vista as características do Texto Supremo: “A Constituição Brasileira classifica-se dentre as rígidas, porque qualquer alteração no seu texto só pode ser aprovada por um processo especial e qualificado, previsto no próprio texto constitucional” — ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 38.

Page 26: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

25

autonomia dos entes federativos, o constituinte originário houve por bem distribuir

plenamente as competências legislativas.

1.3.3 Sobre o (sub)sistema constitucional tributário

Em tal sistema jurídico constitucional, podemos destacar parcelas específicas,

ou seja, subclasses compostas por partes do repertório que encontram um mesmo

fundamento de validade — a norma hipotética fundamental — e se voltam a um único

temário — os subsistemas. Assim, urge esclarecer que não vemos como sustentável a

segregação do direito positivo em ramos específicos, haja vista que o sistema do direito

positivo é uno e acoberta os elementos que apresentarem os caracteres fundamentais de

normas jurídicas. Ainda assim, pode-se vislumbrar que parcelas desses seus elementos

se relacionam com mais proximidade de certos conteúdos, por isso a divisão em

subsistemas se mostra útil, sobretudo para fins didáticos. Nesses termos, podemos dizer

que as normas jurídicas que se voltam à seara tributária compõem o repertório, enquanto

os princípios jurídicos tributários formam a estrutura do subsistema tributário. A

organização e coerência internas das normas jurídicas tributárias lhes dão a nota de

subsistema.

Rubéns Gomes de Sousa já se referia à existência de um sistema tributário brasileiro

quando vigia a Constituição Federal de 1946.24 No retrospecto por ele feito em seu

Compêndio de legislação tributária, o co-autor do Código Tributário Nacional analisa a

evolução de tal sistema e observa, de início, que o Brasil só passou a conta com um “sistema

tributário propriamente dito” a partir do Império; antes inexistia uma disciplina jurídica para

tributação. Diz ele:

24 SOUSA, Rubéns Gomes de. Compêndio de legislação tributária; coordenação: IBET, Instituto Brasileiro de Estudos Tributários; obra póstuma. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 177.

Page 27: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

26

Como conseqüência da concessão de autonomia política às Províncias, foi preciso conceder-lhes, também, autonomia financeira, isto é, fontes próprias de receita, sem o que a autonomia política evidentemente não teria significação. Surgiu, então, pela primeira vez no Brasil, o problema tributário típico dos países federais, que é o da discriminação de rendas, isto é, o problema de definir as fontes de receita próprias de cada uma das unidades políticas em que passara a ser dividido o país: governo central, Províncias e Municípios. Isso foi feito pela lei n. 99 de 31.10.1835 [...] Proclamada a República em 1889, as Províncias foram transformadas em Estados. Entretanto, a Constituição de 1891 não melhorou o sistema de discriminação de rendas instituído pela lei n. 99, de 1835. Seus principais defeitos eram: (a) permitir que tributos iguais fossem criados simultaneamente pela União, estados e pelos Municípios, e (b) deixar os tributos dos Municípios inteiramente a critério dos respectivos Estados. A Constituição de 1934 corrigiu esses dois defeitos, definindo os tributos próprios do Município e instituindo o conceito de bitributação (§ 55), a fim de evitar a duplicidade de impostos idênticos da União e dos Estados. A Carta Constitucional de 1937 manteve em suas linhas gerais o mesmo sistema de 1934, com apenas algumas modificações quanto aos tributos especificamente atribuídos a cada uma das entidades políticas. Finalmente, a atual Constituição, de 18.9.46 também conservou o mesmo sistema de discriminação de rendas, apenas modificando outra vez as atribuições de tributos.25

Posto isso, observa-se que a doutrina passou a reconhecer a existência de um sistema

tributário, ainda que primitivo, quando foram criadas regras específicas para a atividade

administrativa de arrecadação de tributos, ou seja, quando o repertório passou a ser

identificável. E mais: foi reconhecida a evolução desse sistema quando a legislação passou a

abrigar princípios que protegiam os contribuintes contra certos abusos do Poder Público.

Essas mudanças podem ser definidas como aprimoramento da estrutura do sistema. Todavia,

tenhamos em vista que esse subsistema compõe um sistema maior que abrange o ordenamento

jurídico.

Seguindo as características de todo o sistema jurídico, vemos que, também, o sistema

tributário é dotado de rigidez e exaustividade, que — assinala Humberto Ávila26 — decorrem

da regulamentação intensa constante do próprio Texto Constitucional e das regras de

competência e repartição de receitas. Logo, o que é permitido em matéria tributária está

25 SOUSA, 1975, p. 178–9. 26 ÁVILA, 2008, p. 109–10.

Page 28: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

27

expressamente previsto na Carta Suprema, para que, assim, fiquem preservados os direitos

fundamentais nela encampados. Nosso legislador constituinte tratou com minudências das

regras de tributação ao expor, de forma completa, as condutas autorizadas. Daí as

características de rigidez e exaustividade retro-referidas.

Em síntese, a noção de sistema é fundamental a esta pesquisa porque se relaciona

diretamente com a noção de normas jurídicas.

1.4 Norma jurídica como produto da interpretação: norma jurídica em sentido amplo e

em sentido estrito

Como sistema, o ordenamento jurídico se compõe, exclusivamente, de normas

jurídicas, que são, portanto, os elementos desse sistema. Dissemos há pouco que o direito se

materializa pela linguagem, isto é, mediante enunciados prescritivos27 contidos em textos e

elaborados segundo as regras de sintaxe do idioma usado. Tais enunciados medeiam o contato

inicial do estudioso com a realidade do direito, e a ele cabe extrair o conteúdo e compreender a

mensagem transmitida, num procedimento intelectual denominado interpretação, pelo qual são

estabelecidas relações entre os termos constantes dos textos e os objetos do mundo a que tais

termos se referem.

Noutras palavras, o intérprete constrói uma representação mental do objeto

referido no texto, num exercício que lhe permite integrar o processo de comunicação e

apreender a mensagem transmitida. É do contato entre o estudioso e os textos do direito

posto que resultam as normas jurídicas, que são, a nosso ver, a significação, o produto da

interpretação que se constrói na mente do intérprete com base na leitura dos textos do

direito positivo.

Essa conceituação se embasa, de início, no pensamento de Hans Kelsen, para quem

27 Porque — relembremos — o direito positivo prescreve condutas.

Page 29: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

28

A norma funciona como esquema de interpretação. Por outras palavras: o juízo em que se enuncia que um ato de conduta humana constitui um ato jurídico (ou antijurídico) é o resultado de uma interpretação específica, a saber, de uma interpretação normativa.28

No mesmo sentido, Paulo de Barros Carvalho esclarece:

A norma jurídica é exatamente o juízo (ou pensamento) que a leitura do texto provoca em nosso espírito. Basta isso para nos advertir que um único texto pode originar significações diferentes, consoante às diversas noções que o sujeito cognoscente tenha dos termos empregados pelo legislador.29

A interpretação que culmina na construção da norma jurídica se condiciona à

ideologia do exegeta: por ser um ato humano, está impregnada de valor. Por isso mesmo

procede a afirmação de que é possível haver interpretações diversas e até divergentes de um

mesmo enunciado. Também por isso, não raro, apreendemos comandos que não constam dos

textos, o que nos revela a possibilidade da existência de normas independentemente da

existência de dispositivos expressos.

Estruturalmente, as normas jurídicas são duais: têm uma hipótese — que inclui a

descrição de uma possível ocorrência factual do mundo — e um conseqüente — que

estabelece a relação jurídica que se vai instaurar caso se verifique, in concreto, o

acontecimento descrito na hipótese. Os enunciados de uma e outro se unem numa

estrutura implicacional, compondo um dever-ser — se ocorrida a hipótese, então deve-ser

o conseqüente (em contraponto às leis naturais, que são norteadas pelo princípio da

causalidade) —, e são conjugados por algum dos modais deônticos admitidos em nosso

sistema jurídico: permitido, proibido ou obrigatório.30

28 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 4. 29 CARVALHO, 2007, p. 8 30 Necessário fazermos referência à estrutura da norma jurídica completa, que se compõe de uma norma primária – que prescreve e relação jurídica – e a secundária – que estabelece a sanção para o caso de não ser cumprido o comando veiculado pela norma primária. Como leciona Eurico Marcos Diniz de Santi: “O ser norma jurídica pressupõe bimembridade constitutiva. É a licença científica que permite a cisão metodológica desta estrutura, na série de normas que compõem o sistema do direito positivo. O primeiro membro denominamos norma primária; o segundo norma secundária. Ambas apresentam idêntica estrutura sintática, mas composição semântica distinta.

Page 30: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

29

Em consonância com o modelo científico aqui adotado, a conformação lógica das

normas jurídicas em sentido estrito calha exatamente a essa configuração: estas se

caracterizam como estruturas duais, deonticamente vinculadas e dotadas de sentido completo,

o que significa dizer que, a partir de uma norma jurídica (em sentido estrito), conseguimos

compreender a íntegra de uma mensagem, um comando que visa direcionar comportamentos,

orientar condutas.

As normas jurídicas, todavia, diferem dos enunciados prescritivos, que denominamos

de normas jurídicas em sentido amplo. Embora, também, colhidos nos textos do direito

positivo, apresentam-se como frases soltas, despidas de um conteúdo mínimo de significação

e que aguardam estruturação. A integração desses enunciados segundo princípios lógicos

possibilitará construir uma estrutura com sentido completo, ou seja, de uma norma jurídica em

sentido estrito. Paulo de Barros Carvalho31 sintetiza, com rigor, nosso pensar ao predizer que

as normas jurídicas são expressões irredutíveis de manifestação do deôntico, o que — nas

palavras de Joana Lins e Silva — é esclarecido como sendo “[...] as menores unidades

possíveis de comunicação do discurso do direito positivo, pois a ausência de quaisquer desses

dados privará a mensagem de sentido deôntico”.32

Para nós, essa diferenciação é importante tendo em vista o rigor científico do

discurso, além de justificar a necessidade de nos referirmos aos planos semióticos no contexto

da interpretação, visto que a construção das normas jurídicas como processo intelectivo

resultante da interpretação pode ser visualizado e analisado segundo a ótica sintática,

semântica e pragmática.

A norma primária vincula deonticamente a ocorrência de dado fato a uma prescrição (relação jurídica); a norma secundária conecta-se sintaticamente à primeira, prescrevendo: se se verificar o fato da não ocorrência da prescrição da norma primária, então deve ser uma relação jurídica que assegure o cumprimento daquela primeira, ou seja, dada a não observância de uma prescrição jurídica, deve ser a sanção”. SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento tributário. São Paulo: Max Limonad, 1996, p. 36. 31 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência tributária. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 17. 32 SILVA, 2001, p. 64.

Page 31: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

30

Das normas jurídicas que transitam em nosso sistema jurídico, uma tem importância

especial no âmbito desta pesquisa: a regra-matriz de incidência tributária.

1.4.1 Regra-matriz de incidência tributária

Após essa análise da estrutura da norma jurídica em sentido estrito — resultado de

um processo intelectivo de apreensão de informações e sua respectiva valoração que objetiva

disciplinar comportamentos33 —, podemos concluir que seu arquétipo é universal, ou seja, é

aplicável indistintamente a todos os (sub)ramos do direito. No campo da tributação, a norma

jurídica em sentido estrito que prescreve a incidência tributária é denominada regra-matriz de

incidência tributária — conforme a expressão de Paulo de Barros Carvalho. Segundo esse

autor,

A “norma tributária em sentido estrito” será a que prescreve a incidência. Sua construção é obra do intérprete, enquanto órgão do sistema ou na condição de um interessado qualquer, mas sempre a partir dos estímulos sensoriais do texto legislado. [...] A hipótese ou suposto prevê um fato de conteúdo econômico, enquanto o conseqüente estatui um vínculo obrigacional entre o Estado ou quem lhe faça as vezes, na condição de sujeito ativo, e uma pessoa física ou jurídica, particular ou pública, como sujeito passivo, de tal sorte que o primeiro ficará investido do direito subjetivo público de exigir, do segundo, o pagamento de determinada quantia em dinheiro. Em contrapartida, o sujeito passivo será cometido do dever jurídico (ou dever subjetivo) de prestar aquele objeto. 34

Essas palavras nos autorizam a concluir que, em termos lógicos, a regra-matriz de

incidência tributária consubstancia uma estrutura implicacional composta por um antecedente

e um conseqüente, que prescreve a incidência tributária. O antecedente contém as notas

características de um acontecimento, de possível ocorrência no plano factual, situado em

33 Por opção metodológica, não nos referimos diretamente neste trabalho à estrutura completa das normas jurídicas, de modo que não tratamos da força sancionadora típica do sistema jurídico. Sobre esse assunto, recomendamos a leitura da obra de Lourival Vilanova (1977). Segundo ele, “seguimos a teoria da estrutura dual da norma jurídica: consta de duas partes, que se denominam norma primária e norma secundária. Naquela estatuem-se as relações deônticas direitos/deveres, como conseqüência da verificação de pressupostos, fixados na proposição descritiva de situações fácticas ou situações já juridicamente qualificadas; nesta, preceituam-se as conseqüências sancionadoras, no pressuposto do não-cumprimento do estatuído na norma determinante da conduta juridicamente devida” (VILANOVA, 1977, p. 64). 34 CARVALHO, 2007, p. 93–4.

Page 32: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

31

certas coordenadas de tempo e espaço; o conseqüente estabelece a relação jurídica, de

natureza tributária, que tomará lugar quando for constatada a ocorrência efetiva do

acontecimento previsto na hipótese, com a identificação dos sujeitos envolvidos nessa relação,

bem como a especificação de seu objeto, que haverá de ser sempre uma quantia em dinheiro a

ser entregue aos cofres públicos e apurada em cada situação concreta pela conjugação da base

de cálculo com a alíquota.

O que chamamos de acontecimento — tecnicamente, fato jurídico tributário — e

que, uma vez ocorrido, propiciará a constituição da relação jurídica tributária deverá ser um

fato passível de mensuração econômica que permita aferir a capacidade econômica do sujeito

passivo. Há muito, essa posição é assente na doutrina, como se depreende da obra de Amilcar

de Araújo Falcão, para quem:

[...] o aspecto do fato gerador que o legislador tributário considera para qualificá-lo é a sua idoneidade ou aptidão para servir de ponto de referência, de metro, de indicação por que se afira a capacidade contributiva ou econômica do sujeito passivo da obrigação tributária.35

Aqui são centrais as asserções de Alfredo Augusto Becker, que tornou célebre a

nomenclatura fato-signo presuntivo de riqueza:

É nas vias de acesso à renda e ao capital que surge a multiplicidade das naturezas jurídicas dos tributos, porque, a exemplo dos arquipélagos, apenas os prolongamentos da renda e do capital emergem no mundo jurídico, a fim de participarem, como fato-signo presuntivo, na composição da hipótese de incidência da regra jurídica de tributação. E a ciência jurídica demonstra que estes signos presuntivos são genuínas presunções juris et de jure e como tal se comportam na fenomenologia da incidência da regra jurídica e resultante irradiação dos efeitos jurídicos.36

35 FALCÃO, Amílcar A. Fato gerador da obrigação tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974, p. 66. 36 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 2002, p. 505.

Page 33: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

32

Mais recentemente, Roberto Quiroga Mosquera reforçou essa vertente de

pensamento ao registrar que, nessa busca por fatos de conteúdo econômico para fins de

tributação, o constituinte tomou por base o patrimônio das pessoas:37

Portanto, o patrimônio das pessoas é fonte reveladora de riqueza. Nessa fonte é que o Estado irá buscar os recursos suficientes para satisfazer às necessidades da coletividade. Por intermédio da retirada de parcela do patrimônio das pessoas, de forma lícita e sob certas condições, o Estado assegura a permanência da ordem e do convívio social.38

Posto isso, observa-se que o comando extraído da regra-matriz de incidência

tributária estará, necessariamente, modalizado como obrigatório.

Para se compreender mais precisamente a estrutura da regra-matriz de incidência,

Paulo de Barros Carvalho segregou antecedente e conseqüente com base em critérios mínimos

que permitem a compreensão do sentido integral do comando legislado. Assim, quanto ao

antecedente, temos estes critérios:

• material — contém nuances da ocorrência factual, que, uma vez ocorrida,

desencadeará a instauração da relação jurídica tributária; é composto pela

associação de um verbo que representa, necessariamente, uma ação a ser

praticada pelo sujeito com um complemento, a exemplo de “prestar serviços”,

“importar bens” ou, o que releva mais aqui, “auferir renda”;

• espacial — delimita as coordenadas geográficas da ocorrência do fato previsto no

critério material;

• temporal — define o momento da ocorrência factual, que desencadeará a relação

jurídica.

37 Sobre o conceito de “patrimônio”, sua evolução e a concepção acolhida pela Carta Constitucional vigente, recomendamos a leitura da dissertação de mestrado de Maurício Bellucci, Imposto sobre a Renda e indenizações (2008), p. 125 e seguintes. 38 MOSQUERA, Roberto Q. Renda e proventos de qualquer natureza. São Paulo: Dialética, 1996, p. 118.

Page 34: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

33

Quanto ao conseqüente, os critérios são:

• pessoal — descreve os sujeitos vinculados pelo liame obrigacional instaurado, a

saber: sujeito ativo: que será sempre uma pessoa política de direito constitucional

interno (o detentor da competência), imbuído do direito de exigir o objeto da

prestação; e sujeito passivo: que será o particular, na condição de contribuinte

(aquele que praticou a ação descrita no antecedente), ou responsável (terceiro

eleito pela legislação), a quem compete adimplir a obrigação;

• quantitativo — responsável pela mensuração do objeto da obrigação, é composto

pela: base de cálculo, que, em conjunto com a alíquota, define o quantum devido

e determina o tipo do tributo, bem como a grandeza do fato tributável; e alíquota,

que, combinada com a base de cálculo, permite quantificar a obrigação.

Ilustrar a operatividade do direito tributário pela estrutura da regra-matriz de

incidência é uma proposta científica resultante de reflexões sobre a fenomenologia da

incidência das normas jurídicas em geral. Sem embargo de opiniões contrárias, convém dizer

que adotamos tal proposta integralmente neste trabalho porque acreditamos que ela contém,

de fato, os elementos mínimos que permitem aferir o comando veiculado pelas normas que

prescrevem a incidência tributária. Assim, firmes no propósito de fixar as premissas

necessárias à construção deste trabalho, teceremos alguns comentários, que julgamos

relevantes, sobre a base de cálculo, sobretudo quanto aos efeitos de sua relação com a

materialidade dos tributos. Tais considerações — adiantamos — vão influenciar em nossas

conclusões.

1.4.2 Das funções da base de cálculo como elemento componente do critério quantitativo da

norma jurídica em sentido estrito

Page 35: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

34

Um último ponto a ser analisado no tocante à regra-matriz de incidência tributária é a

relação estreita entre os critérios material e quantitativo dessa estrutura normativa. Tal questão

nos parece relevante porque, como estamos tratando do conceito de renda, nossas conclusões

vão influenciar não apenas na conformação da materialidade do Imposto sobre a Renda, mas

também — e especialmente — em sua base de cálculo.

Sobre a correlação entre critério material e base de cálculo, Paulo de Barros

Carvalho39 afirma que a base de cálculo é elemento imprescindível para se determinar a

fisionomia de qualquer tributo e que ela tem três funções distintas e especiais:

• medir as proporções do fato — ao desenhar a imposição tributária, o legislador

deve fixar um critério que permita quantificar a obrigação, ou seja, hábil a

mensurar a intensidade do fato; esse critério deve se limitar à situação descrita no

critério material da norma padrão de incidência e indicará o suporte mensurador

do êxito descrito e sobre o qual atuará outro fator: a alíquota;

• compor a determinação específica da dívida — estabelecida a perspectiva

dimensível do fato, a ele deve se agregar outro fator para que apareça o quantum

da prestação mediante uma operação aritmética; é a função objetiva da base de

cálculo;

• confirmar, infirmar ou afirmar o verdadeiro critério material da hipótese

tributária — graças a desacertos e impropriedades legislativas, o intérprete deve

empregar critério seguro para identificar a natureza da exação em exame e, para

tanto, serve-se da base de cálculo; ao confrontá-la com o critério material da

hipótese normativa, ele poderá confirmá-la — quando houver sintonia entre o

padrão de medida e o núcleo do fato dimensionado; infirmá-la — quando for

manifesta a incompatibilidade entre a grandeza eleita e o acontecimento que o

39 CARVALHO, 2007.

Page 36: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

35

legislador declara como centro da previsão fática; ou afirmá-la — quando a

formulação legal for obscura, sobrevivendo, então, o critério material da

hipótese. Esse confronto permite identificar a espécie tributária examinada.

Nesses termos, é perceptível que a base de cálculo tem papel essencial na estrutura

da regra-matriz de incidência tributária: é o critério determinante para se classificarem os

tributos.

A elucidação desses aspectos nos permite concluir, de antemão, que, ao nos

referirmos a qualquer materialidade de qualquer tributo, trataremos de sua respectiva

base de cálculo. Essa advertência nos parece conveniente porque o objeto deste

estudo se relaciona com a materialidade do IR e, fundamentalmente, com sua base de

cálculo.

1.5 Competência tributária

A análise dos tributos, quaisquer que sejam, deve ser levada a cabo no contexto do

sistema jurídico a que pertencem. Em outras palavras, não há como se percorrer o arquétipo

de qualquer das espécies tributárias senão em sintonia com as diretrizes vigentes no âmbito do

ordenamento jurídico. Logo, analisar um tributo requer reconhecer seu contexto, ou seja, o

próprio sistema jurídico.

Dissemos há pouco que o sistema jurídico brasileiro está organizado sob a forma

federativa e se caracteriza pela rigidez e inflexibilidade, especialmente no que toca à

parcela voltada à tributação, que objetiva a autonomia financeira dos entes federativos;

também dissemos que tal autonomia é assegurada, fundamentalmente, pela atividade da

tributação. Nesse sentido, cabe salientar a necessidade de que seja atribuída a tais entes a

habilidade para impor tributos, como fonte própria de obtenção de recursos, para que

Page 37: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

36

possamos cogitar uma autonomia financeira verdadeira e eficaz. Nas palavras de Clélio

Chiesa:

[...] é preciso que se atribua a cada uma das unidades integrantes do Estado uma parcela da capacidade para impor arrecadar, gerir e despender tributos; não é suficiente, para se assegurar uma verdadeira autonomia, a outorga apenas de capacidade para arrecadar, gerir e despendê-los, nos limites autorizados pela unidade outorgante de tal capacidade. [...] Assim, a rígida discriminação da competência tributária constitui importante instrumento para que uma ordem jurídica não subjugue a outra. É uma forma de garantir a obtenção de recursos para consecução dos encargos que lhes são atribuídos, evitando interferências indevidas de uma unidade nos interesses de outra.40

Assim, autonomia financeira dos entes federativos pressupõe habilidade para criação

de tributos, em outras palavras, competência tributária.41 Competência tributária se nos

apresenta como a aptidão que têm a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios

para legislar visando introduzir, no ordenamento jurídico, enunciados que permitam construir

normas jurídicas sobre tributos: trata-se da criação de tributos in abstracto. Roque Antonio

Carrazza define com precisão esse instituto, nos seguintes termos:

Competência tributária é a aptidão jurídica, que só as pessoas políticas possuem, para, em caráter privativo, criar, in abstracto, tributos, descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas. Como corolário, exercitar a competência tributária é dar nascimento, no plano abstrato, a tributos. 42

Os limites dessa “aptidão” para criar tributos, na verdade, resultam do cotejo de dois

tipos de normas constitucionais: as responsáveis diretamente pela outorga de competência

tributária aos entes federativos e as que estabelecem as imunidades, ou seja, preservam

40 CHIESA, Clélio. A competência tributária do Estado brasileiro. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 27–8. 41 Enfocamos aqui o conceito técnico de competência mas sem tratar de suas características típicas nem das diferenciações frente à capacidade tributária ativa, pois esse assunto foge ao objeto central de estudo desta investigação. As considerações feitas até aqui nos parecem suficientes para evidenciar os elementos que necessitamos para embasar nosso raciocínio. 42 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 29.

Page 38: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

37

determinados sujeitos ou fatos da incidência fiscal. No confronto entre as regras de

competência e as de imunidade, identificamos precisamente o campo de atuação de que

dispõe o ente para exercitar seu poder de tributar, por isso se diz que as imunidades auxiliam

no desenho das competências. O uso desse poder se opera por meio do Poder Legislativo de

cada ente tributante43 — para se cumprir o Primado da Legalidade — e tem como produto

imediato o texto legal, que servirá de suporte para se construírem as normas jurídicas.

Das espécies tributárias adotadas pelo nosso ordenamento jurídico, interessa-nos aqui

os impostos (sobretudo o IR), cuja competência foi exaurida pela Constituição Federal (CF).

Noutros termos, a Carta Magna distribuiu, em sua totalidade, as competências impositivas,

atribuindo rigidamente a cada ente federativo os fatos signo-presuntivos de riqueza passíveis

de serem alçados pelo legislador infraconstitucional para fins de determinação da incidência

dos impostos.44 Portanto, essa distribuição de competências se guiou pelo critério material dos

impostos, e cabe à União, em caráter exclusivo, a possibilidade de criar outros impostos que

não aqueles referidos expressamente no texto constitucional, fazendo uso da competência

residual prevista no artigo 154 da CF/88, porém observando certos requisitos.45

Ao exercer a competência tributária que lhe foi atribuída pela Carta Constitucional, o

legislador infraconstitucional não tem liberdade plena: está adstrito aos limites previstos na

Constituição, que se refletem, em essência, nos princípios e garantias fundamentais. Aqui,

reportamo-nos, novamente, à noção de sistema, no caso do sistema pátrio, à marca da rigidez

— que diz por que toda a atividade legislativa tendente a executar competência tributária deve

ser balizada pelas diretrizes impostas pelo próprio ordenamento, que ainda inclui mecanismos

43 E porque, com a devida vênia das opiniões dissonantes, a CF não cria tributos: ela outorga competências. 44 Art. 153: competência da União; artigo 155: competência dos Estados e do Distrito Federal; artigo 156: competência dos Municípios. 45 A teor do artigo 154 da Carta Constitucional, para usar a competência tributária residual, a União deverá recorrer à lei complementar; além disso, a exação deve ser não cumulativa e ter bases de cálculos diversas daquelas já previstas no texto constitucional.

Page 39: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

38

que visam garantir o convívio harmônico dos entes federativos para evitar conflitos de

competência. Nesse ponto, calham as palavras do professor José Antonio Minatel:

Todavia, norma de atribuição constitucional de competência não é cláusula aberta à disposição do intérprete, seja ele legislador ou aplicador da regra jurídica, sob pena de se negar a rígida distribuição das matérias entre as entidades detentoras do poder de tributar que, repita-se, é uma das notas determinantes do nosso sistema constitucional tributário, peculiar e sem paralelos com o sistema de qualquer outro país.46

Nesse mesmo sentido, diz Marco Aurélio Greco:

Assim, a Constituição também cuida de definir as possibilidades e limites da tributação, fazendo-o através da outorga constitucional da competência tributária (quando a Constituição diz quais os tributos que podem ser instituídos e sob que forma, diz, também, implicitamente, que o que dali desborda não pode ser feito) e da clara enunciação de garantias fundamentais do contribuinte. A tributação é válida quando exercida na forma e medida admitidas pela Constituição Federal. A tributação que não encontra suporte no texto constitucional não constitui propriamente tributação, mas violência aos direitos individuais, arbítrio inconstitucional e ilegítimo.47

Assim é que, toda a atividade legislativa tendente a inserir no ordenamento normas

jurídicas prescritoras da incidência fiscal haverá de ser levada a efeito no contexto do sistema

jurídico, em sintonia e harmonia com seus fundamentos essenciais. Do contrário, teríamos a

situação descrita por Celso Antonio Bandeira de Mello:

As leis não mais teriam de ser lidas em função da Constituição, mas esta é que teria que ser lida em função das leis. As leis converter-se-iam em regras supremas e os preceitos constitucionais em “pseudo” normas, meros adornos do sistema jurídico, palavras “ocas”, é dizer não-palavras.48

1.6 Princípios

46 MINATEL, José Antonio. Conteúdo do conceito de receita e regime jurídico para sua tributação. São Paulo: MP, 2005, p. 48. 47 GRECO, Marco Aurélio. Contribuições (uma figura sui generis). São Paulo: Dialética, 2000, p. 91. 48 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Imposto sobre a Renda — depósitos bancários — sinais exteriores de riqueza. Revista de Direito Tributário, ano 7, n. 23/24, 1983, p. 92.

Page 40: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

39

Nosso ordenamento jurídico resguarda balizas que denunciam os valores

consagrados pela coletividade e que orientam a própria atividade legislativa tendente a inserir

novas normas no sistema jurídico: são os princípios.

1.6.1 Noções gerais

A noção de princípio é ponto inafastável para se compreender o direito. Os princípios

são normas jurídicas, no sentido declinado no tópico anterior. Representam o produto de uma

construção interpretativa feita pelo intérprete. São normas dotadas de alto valor axiológico

que se prestam a explicitar valores incorporados ao ordenamento jurídico que tenham sido

escolhidos e privilegiados pela sociedade. O professor Estevão Horvath reitera esse raciocínio

ao discorrer sobre a natureza dos princípios:

[...] que fique esclarecido desde já que entendemos princípios como sendo normas jurídicas como as demais. Há, portanto, segundo acreditamos, duas espécies de normas jurídicas: a) as regras (ou normas jurídicas em sentido estrito) e b) os princípios.49

Os princípios, portanto, funcionam como vetores, porque guiam o próprio

ordenamento; contextualizam os textos do direito positivo, possibilitando ao intérprete

construir regras — que também são normas jurídicas — consoantes à “vontade social”,

representada pelos valores encartados pela ordem jurídica pátria. Têm, assim, uma função

pragmática pronunciada.

Adverte-nos o professor Paulo de Barros Carvalho50 que o vocábulo princípio

é empregado no discurso jurídico em, pelo menos, quatro acepções diversas: como

norma jurídica portadora de valor expressivo (considere-se, in casu, que todas as

normas jurídicas, por defluirem do mundo cultural, estão sempre impregnadas de

valor); como norma jurídica estipuladora de limites objetivos; como os próprios

49 HORVATH, Estevão. O princípio do não-confisco no direito tributário. São Paulo: Dialética, 2002, p. 22. 50 CARVALHO, 2007, p. 158–9.

Page 41: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

40

valores insertos nas regras jurídicas; e como os limites objetivos inseridos nas regras

jurídicas. Nota-se, portanto, o emprego desse termo para designar normas, valores ou

limites objetivos. À luz de sua teoria, identificamos diferenças entre princípios-valores

(preceitos carregados de forte axiologia cujo estudo reclama, inexoravelmente, o

ingresso na subjetividade do agente, porque se relaciona diretamente com a ideologia

deste) e princípios-limite objetivos (que, ao contrário, têm seu sentido construído com

base em provas objetivas), embora — como assevera o professor Paulo de Barros

Carvalho — também objetivem, em última análise, preservar um valor. Exemplos da

primeira categoria podem ser a justiça e a segurança jurídica; da segunda, a

anterioridade e a irretroatividade.

Ainda nessa seara, convém apontar a contribuição de Humberto Ávila, que propõe

novo modelo para se compreender a estrutura em que se operam os princípios.51 Este autor

não ignora as considerações de que os princípios encerram valores, mas, em sua investigação

dos critérios que permitem aplicar racionalmente esses valores, ele adota um viés bastante

pragmático ao analisar tal realidade. Daí a importância de retomarmos sucintamente suas

idéias para complementarmos este estudo. Com base na idéia de que o intérprete constrói

normas jurídicas segundo os dispositivos textuais e que tal construção deve considerar os fins

e valores prestigiados pela ordem jurídica, esse autor trilha um caminho mais flexível porque

vislumbra a possibilidade de que um mesmo enunciado pode funcionar como referência à

construção de qualquer espécie normativa considerada em sua teoria tripartite: regras,

princípios ou postulados. Essa forma de pensar corrobora a afirmação de que não há,

necessariamente, uma correspondência absoluta entre texto e norma.

Na perspectiva desse autor, as regras consubstanciam as normas jurídicas que têm

uma dimensão imediatamente comportamental, enquanto os princípios têm uma dimensão

51 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios, da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

Page 42: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

41

finalística e os postulados, uma dimensão metódica. Noutras palavras, as regras são definidas

como estruturas descritivas que estabelecem imediatamente comportamentos — revelados em

comandos obrigatórios, permitidos ou proibidos —, enquanto os princípios estabelecem um

estado ideal de coisas cujo alcance demanda adoção de certos comportamentos — portanto,

têm uma dimensão comportamental mediata. Nesse sentido, os princípios auxiliam na

compreensão do sentido das regras.

Grande parte da doutrina posiciona-se no sentido de que, diferentemente dos

princípios, a aplicação das regras não deve ser precedida de nenhuma ponderação, pois a

ocorrência do fato descrito em sua hipótese enseja sua automática incidência. Mas, para

Humberto Ávila, as regras devem, sim, serem ponderadas, com base nos fins e valores

estampados na própria regra ou noutros princípios jurídicos; nesse viés, ele ressalta a

importância do papel dos tribunais e das cortes de Justiça, a quem caberá, em última instância,

analisar o caso concreto e decidir se há ou não motivos excepcionais que superem a própria

razão de ser da regra e, assim, justifiquem o afastamento de sua aplicação.52 Assim, há

ponderação tanto nas regras quanto nos princípios, variando apenas o grau com que isso

ocorre.

Como outra diversidade entre regras e princípios, esse autor averba que, enquanto as

regras têm pretensão terminativa — visam fornecer uma solução específica aos conflitos —,

os princípios têm função de complementaridade, porque contribuem na tomada de decisão,

agregando elementos, mas sem prescrever qualquer solução. Diz ele:

[...] os princípios não são apenas valores cuja realização fica na dependência de meras preferências pessoais. [...] Os princípios instituem o dever de adotar comportamentos necessários à realização de um estado de coisas ou, inversamente, instituem o dever de efetivação de um estado de coisas pela adoção de comportamentos a ele necessários. Essa perspectiva de análise evidencia que os princípios implicam comportamentos, ainda que por via indireta e regressiva. [...] Pode até haver incerteza quanto ao conteúdo do

52 Para tanto, deve haver uma justificativa condizente, uma fundamentação condizente e uma comprovação condizente (ÁVILA, 2007).

Page 43: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

42

comportamento a ser adotado, mas não há quanto à sua espécie: o que for necessário para promover o fim é devido.53

Enfim, como uma terceira espécie normativa, Humberto Ávila destaca os postulados:

normas jurídicas que, direcionadas ao intérprete e aplicador do direito, orientam a aplicação

dos princípios e das regras, detendo, assim, um viés metódico.

Dentre os postulados denominados hermenêuticos, ganham relevo: o da unidade do

ordenamento — que assegura o exame da parte em relação ao todo; o da coerência — que

estabelece o dever de relacionamento entre as normas; e o da hierarquia — que prescreve

critérios para interpretação das normas. Além dos hermenêuticos, há os postulados normativos

aplicativos, que viabilizam a compreensão concreta do direito, solucionando antinomias

contingentes (surgidas ocasionalmente), concretas (decorrentes de problemas concretos) e

externas (relativas a problemas extra-sistêmicos); dentre eles, podemos citar o postulado da

razoabilidade — que exige a relação das normas gerais com as individualidades do caso

concreto; o da proporcionalidade — que impõe o cotejo entre a norma e o princípio que a

justifica, por isso exige, para se cumprirem os fins pretendidos, que se use um meio adequado

(que promova o fim), necessário (o meio que menos restrinja direitos individuais dentre os

que promovem o fim,) e proporcional (as vantagens que o meio promove devem suplantar as

desvantagens que dele decorrerem); e, enfim, o postulado da proibição de excesso — que

veda a restrição excessiva de qualquer direito fundamental.

Em síntese, eis a teoria de Humberto Ávila, citada aqui para elucidar sua forma

particular de estruturação para aplicação e compreensão do direito e enriquecer este estudo,

sedimentando premissas que nos serão sobremaneira úteis.

Devemos reiterar que os princípios em geral denunciam os anseios exteriorizados da

coletividade, pois, ao estabelecer suas prioridades, o corpo social determina o estado de coisas

que pretende instaurar e a ser alcançado pelas condutas orientadas por princípios jurídicos, 53 ÁVILA, 2007, p. 80.

Page 44: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

43

cuja aplicação será guiada pela razoabilidade e proporcionalidade, tendo-se em vista a

unidade, coerência e hierarquização do ordenamento jurídico.

1.6.2 Princípios constitucionais gerais

Há princípios que se irradiam, de forma genérica, em todo o ordenamento jurídico e

que ora denominamos princípios constitucionais gerais. A seguir, citamos alguns deles.

1.6.2.1 Princípio da separação dos poderes

À luz de conceitos elaborados originalmente por Montesquieu54 — cuja reflexão

sobre a forma de organização do Estado romano o levou a tratar da divisão das funções numa

estrutura governamental —, o Estado brasileiro consagrou a teoria da separação dos poderes,

de modo que se dividem as funções governamentais entre os poderes Legislativo, Executivo e

Judiciário, independentes e harmônicos entre si (art. 2º da CF/88).

1.6.2.2 Princípio da justiça

Trata-se do fim último do direito. Aristóteles já apregoava que a justiça seria o

fundamento da ordem no mundo, pois que é indissociável do conceito de sociedade, de vida

em sociedade. Para esse filósofo, a justiça pode ser analisada segundo dois enfoques: o da

obediência às leis e o do respeito à igualdade. Como princípio, a justiça é dotada de

subjetividade proeminente, embora não tenhamos como negar sua vinculação estreita à

igualdade. Buscar o justo é buscar disciplinas que não afrontem a igualdade.

1.6.2.3 Princípio da segurança jurídica

54 MONTESQUIEU. Do espírito das leis. Título original: De l’éspirit des lois, ou du rapport que les lois doivent

avoir avec la constituin de chaque gouvernement, les moeurs, le climat, la religion, le commerce, etc (1ª edição 1748). São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 180 e seguintes.

Page 45: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

44

Exemplo genuíno de sobreprincípio, a segurança jurídica é da essência do próprio

direito, nas palavras de Celso Antonio Bandeira de Mello,55 notadamente de um Estado

democrático de direito. Está adstrita à garantia de estabilidade (ao menos relativa), o que

propicia alguma previsibilidade em relação ao futuro, proporcionando aos administrados um

sentimento de segurança, proteção, que torna mais confortável sua vivência social. José

Eduardo Soares de Melo soube condensar muito bem o efeito prático da segurança jurídica:

Num plano ideal, é possível cogitar da efetiva segurança jurídica quando os contribuintes tenham o prévio conhecimento das exigências fiscais, que lhes permita planejar, e exercer, suas atividades particulares ou profissionais. A ciência antecipada dos gravames tributários possibilita ao empresário mensurar suas obrigações fiscais diretas sobre suas operações (Impostos de Importação, IPI, ICMS, ISS, Cofins, PIS, CSLL, IR, etc...) ou de modo indireto (IPTU, IPVA, IOF, etc...).56

1.6.2.4 Princípio da certeza do direito

Embora se correlacione com o princípio da segurança jurídica, com ele não se

confunde. Como a segurança jurídica decorre do sistema, a certeza do direito consiste em

atributo essencial do dever-ser; apenas cogitamos a existência de enunciados que prescrevam

condutas e disciplinem comportamentos de maneira objetiva porque a certeza do direito

confere essas notas ao órgão emissor. Assim, todas as normas que vagam em nosso sistema

jurídico têm de ter uma destinação certa. O processo de positivação do direito deve ser claro e

objetivo.

1.6.2.5 Princípio da igualdade

55 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 110. 56 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário. 7ª ed. São Paulo: Dialética, 2007, p. 48.

Page 46: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

45

Está positivado no artigo 5º, caput da CF/88 e se dirige ao legislador. Em última

análise, visa assegurar que “[...] exista uma adequação racional entre o tratamento

diferenciado construído e a razão diferencia que lhe serviu de supedâneo”, seguindo-se que,

“[...] se o fator diferencial não guardar conexão lógica com a disparidade de tratamentos

jurídicos dispensados, a distinção estabelecida afronta o princípio da isonomia”.57 O primado

da igualdade tem vinculação próxima com o princípio (ou “ideal”) de justiça almejado pelo

direito.

1.6.2.6 Princípio da legalidade

Previsto genericamente no artigo 5º, II da CF/88, assegura que só a lei pode obrigar.

Decorre diretamente do princípio da separação dos poderes e reflete o poder conferido,

precipuamente, ao Poder Legislativo. Na ótica dos administrados, a Carta Constitucional

garante a possibilidade de que seja feito tudo o que a lei não obstar. Por meio dele, fica

viabilizado o atendimento à segurança jurídica e a própria igualdade.

1.6.2.7 Princípio da propriedade

Positivado no artigo 5º, XXII e XXIV da CF/88, ele protege o patrimônio e ganha

relevo especial no âmbito tributário, pois a tributação parte do patrimônio. Com efeito, como

dissemos, a tributação recai necessariamente sobre um fato revelador de riqueza: tributar é

retirar do patrimônio do particular uma parcela em benefício de um bem maior, em benefício

da coletividade.

Ao lado desses princípios constitucionais gerais, há outra gama de princípios,

referente em particular à esfera da tributação — portanto, atuam no sistema constitucional

tributário. Também há outros que, ainda mais especificamente, informam certos tributos em

função de características típicas de sua estrutura definidas pela Carta Magna. Discorremos 57 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 39.

Page 47: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

46

sobre tais princípios no capítulo seguinte, onde averiguamos os aspectos — inclusive

principiológicos — inerentes ao Imposto sobre a Renda e Proventos de qualquer natureza.

Page 48: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

47

Capítulo 2

IMPOSTO SOBRE A RENDA E PROVENTOS DE QUALQUER NATUREZA: REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA E PRINCÍPIOS INFORMADORES

2.1 Impostos: delimitação do conceito

Como dissemos, esta dissertação enfoca o arquétipo constitucional do Imposto sobre

a Renda (IR), sobretudo o aspecto material de sua regra-matriz de incidência; tratamos de uma

subespécie da espécie tributária impostos. Por isso, convém nos atermos à definição de um

conceito básico: o de imposto, palavra que deriva “[...] do latim impositum — de imponere,

que significa impor, prescrever”,58 que consubstancia uma das espécies tributárias. Anote-se,

todavia, que não pretendemos criticar os diferentes critérios de classificação das espécies

tributárias — que, sabe-se, provocam os estudiosos — nem esmiuçar a fundo essa espécie

tributária. Visamos tão-somente esboçar os caracteres fundamentais dessa espécie tributária,

de acordo com a Carta Constitucional vigente, que, em seu art. 145 se refere aos impostos

como um tributo passível de ser instituído pelos entes da Federação, assim como taxas e

contribuições de melhoria.

Muito já se discutiu, na doutrina nacional e alienígena, sobre os critérios que

permitem classificar essas espécies tributárias, assim como o número efetivo de espécies

admitidas no sistema constitucional. Em geral, podemos dizer que parte dos estudiosos

acredita que o sistema comporta apenas as três espécies previstas na Constituição Federal, e

outra parte acredita que contribuições e empréstimos compulsórios — e, em certos casos, até

58 QUEIROZ, Mary Elbe. Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza: princípios, conceitos, regra-matriz de incidência, mínimo existencial, retenção na fonte, renda transnacional, lançamento, apreciações críticas. Barueri: Manole, 2004, p. 66.

Page 49: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

48

outros institutos, a exemplo do pedágio – são espécies tributárias autônomas.59 À parte essa

discussão, há um critério que considera, exclusivamente, o aspecto material da regra-matriz de

incidência (por isso tal classificação é nomeada intrínseca)60 e é aceito, de forma maciça, pela

doutrina: trata-se do critério que diferencia essas espécies em função da vinculação ou da não-

vinculação de uma atividade estatal no desenho da hipótese tributária.61 Tal concepção define

impostos como tributos cuja hipótese de incidência não se vincula a nenhuma atuação estatal

e que se destinam a fazer frente às despesas gerais da máquina estatal.

Para os fins a que nos propusemos, vale transcrever a definição de Juan José Ferreiro

Lapatza: “podemos definir o imposto como uma obrigação de Direito público estabelecida

pela Lei para o sustento da despesa pública, de acordo com o princípio da capacidade”.62

2.2 Competência tributária para criação do Imposto sobre a Renda (IR) e Proventos de

Qualquer Natureza e as disposições da legislação complementar

Tendo em vista a proposta do professor Geraldo Ataliba63 — a de que qualquer

investigação no campo do direito tributário haverá de partir da Constituição Federal —,

iniciamos nossa empreitada científica a partir da análise da norma constitucional que outorga

competência para a criação do IR.

Como dissemos, as competências impositivas foram definidas rígida e

exaustivamente pela Carta Constitucional vigente, de modo que, para cada pessoa política de

direito constitucional interno — União, Estados, Distrito Federal e Municípios — foram

59 Para se aprofundar o tema, sugerimos a leitura de: ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003; MARQUES, Márcio Severo. Classificação constitucional dos tributos. São Paulo: Max Limonad, 2000; e SANTI, Eurico Marcos Diniz. As classificações no sistema tributário brasileiro. Justiça tributária, Max Limonad, 1998. 60 Cf. SANTI, 1998, p. 138. 61 Nesse sentido, Geraldo Ataliba (2003, p. 130) diz que “é a materialidade do conceito do fato, descrito hipoteticamente pela h. i. que fornece o critério para classificação das espécies tributárias. [...] Esta verificação permite classificar todos os tributos, pois — segundo o aspecto material de sua hipótese de incidência consista ou não no desempenho de uma atividade estatal — em tributos vinculados e tributos não vinculados”. 62 LAPATZA, José Juan Ferreiro. Direito tributário: teoria geral do tributo. Barueri: Manole; Espanha: Marcial Pons, 2007, p. 163. 63 ATALIBA, 2003.

Page 50: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

49

selecionados certos fatos, de conteúdo econômico, sobre os quais lhes foi conferida a

prerrogativa de instituir a exação tributária. Convém frisar o teor do art. 153 da Carta

Constitucional, cujo inciso III, a pretexto de definir a competência tributária da União Federal,

diz: “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: [...] III – renda e proventos de

qualquer natureza; [...]”. Esse enunciado constitucional permite concluir que a conduta de se

auferir renda64 enseja instauração de uma relação jurídica tributária, que tem por objeto a

entrega aos cofres públicos de dado quantum a título de IR, que terá como sujeito ativo a

União, ente a quem foi atribuído o poder de instituir essa exação específica.

Como o exercício da competência tributária dar-se-á por meio do respectivo Poder

Legislativo — porque, em nosso sentir, a Constituição não cria tributos, mas outorga

competência a entes federativos para criá-los —, então caberá ao legislador ordinário federal

o exercício da competência tributária atinente ao IR, ou seja, a conformação da regra-matriz

de incidência tributária desse imposto, sob a égide das diretrizes consagradas no Texto

Constitucional: os princípios gerais e específicos nele estampados, bem como os conceitos

pressupostamente determinados.

Sobre a interpretação sistemática das diretrizes constitucionais, vale dizer que, ao

lado da análise da regra que atribui competência tributária aos entes da Federação, é

necessário verificar a disposição inscrita no art. 146, III, “a” do Texto Supremo, que prevê

que compete à legislação complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação

tributária, em especial sobre “[...] a definição de tributos e de suas espécies, bem como, em

relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores,

bases de cálculo e contribuintes”.65

64 Por ora vamos nos referir só ao verbete renda, pois — como veremos — renda é gênero do qual proventos é espécie. 65 Por fugirem ao escopo deste estudo, não discutimos as doutrinas relativas às diferentes formas de se compreenderem os enunciados constitucionais sobre a função das leis complementares: a teoria dicotômica e a teoria tricotômica. Logo, assumimos que a lei complementar deve estabelecer os fatos geradores e as bases de cálculo dos impostos.

Page 51: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

50

Conquanto editado na vigência da Carta Constitucional de 1946, a ordem jurídico-

constitucional vigente recepcionou o Código Tributário Nacional/CTN (lei n. 5.172, de

25/10/1966) com status de lei complementar, para atender ao comando estatuído pela alínea

“a” do inciso III do artigo 146 da Constituição. Quanto ao IR, tal mister é levado a cabo pelos

seus artigos 43 a 45, que estabelecem:

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica: I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos. II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior. § 1º A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. § 2º Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo. Art. 44. A base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis. Art. 45. Contribuinte do imposto é o titular da disponibilidade a que se refere o art. 43, sem prejuízo de atribuir a lei essa condição ao possuidor, a qualquer título dos bens produtores de renda ou dos proventos tributáveis. Parágrafo único. A lei pode atribuir à fonte pagadora da renda ou dos proventos tributáveis a condição de responsável pelo imposto cuja retenção e recolhimento lhe caibam.

Fica evidente, após a leitura de tais enunciados, que por intermédio do artigo 43, o

legislador introduziu no ordenamento uma definição do que seriam renda e proventos na

tentativa de cerrar seus respectivos campos semânticos, delimitando, tanto quanto possível, o

sentido a ser seguido pelo legislador ordinário federal ao exercer sua competência tributária.

Nas palavras de Roberto Quiroga Mosquera,

[...] o legislador brasileiro, atento às dificuldades quanto ao entendimento dessas locuções, pretendeu evitar confusões interpretativas definindo o que significava a palavra “renda” e a expressão “proventos de qualquer natureza” por intermédio de uma definição estipulativa.66

66 MOSQUERA, 1996, p. 37. A definição “estipulativa” referida por esse estudioso é definida como aquela em que o intérprete estabelece o significado que pretende dar a uma palavra ou expressão para os fins específicos de sua comunicação.

Page 52: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

51

Entretanto, esse autor afirma ser imprescindível que tais conceitos, delimitados pela

legislação complementar, condigam com as noções contidas na Carta Constitucional.

Também cabe ressaltar que o artigo 44 do CTN pontua a possibilidade de a tributação recair

sobre o montante do lucro real, presumido ou arbitrado, já denunciando a existência de

diferentes critérios para apuração da base de cálculo do IR.

Nesta dissertação, veremos as definições veiculadas pelo CTN para que possamos

avaliar a adequação de seus termos frente às disposições da Carta Constitucional e, ao final,

realçar a relevância das despesas na conformação dos conceitos de renda e proventos de

qualquer natureza constitucionalmente pressupostos.

Vejamos, a seguir, os princípios que, com mais contundência, informam o IR.

2.3 Princípios informadores do Imposto de Renda (IR)

Os princípios constitucionais gerais têm efeito em todo o ordenamento jurídico,

demarcando “estados de coisas” pretendidos pelo corpo social, cuja direção a exegese das

normas jurídicas deve seguir. Exemplificamos algumas dessas diretrizes tidas por relevantes

no âmbito deste estudo.

É cediço que há princípios mais próximos da seara tributária, impingindo-lhe

contornos particulares — são os princípios constitucionais tributários —, além daqueles que

submetem cada tributo individualmente em função de condições ou características que lhes

são ínsitas. Por ser um imposto autêntico, o IR está jungido aos princípios gerais,

concomitantemente aos princípios constitucionais tributários e aos que lhe informam

especificamente.

Obviamente, a observância aos princípios informadores é exigência indispensável

para todo e qualquer tributo. Todavia, os contornos dessa exigência se acentuam no caso do

IR, pois este repercute significativamente no ordenamento jurídico, em que alcança quase

Page 53: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

52

todos os administrados, pessoas físicas e jurídicas. Sua relevância já fora destacada antes por

Sampaio Dória nestes termos:

Ademais, o imposto sobre a renda, além de seu elementar escopo fiscal, é hoje o mais relevante instrumento de política tributária para controle ou modificação da conjuntura econômica, visando a redistribuição de rendas, o amortecimento inflacionário, o estímulo ao desenvolvimento, para citar alguns. Lembre-se que, no Brasil, até mesmo para incentivar o crescimento demográfico já se discriminaram gravosamente as alíquotas do tributo sobre contribuintes solteiros ou de reduzida prole.67

2.3.1 Legalidade e tipicidade tributária

O princípio da legalidade, como ressaltado antes, encontra assento no artigo 5º, II da

Carta Constitucional, que preconiza que “[...] ninguém será obrigado a fazer ou deixar de

fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Tal primado, entretanto, ganha foros mais

severos no âmbito tributário. Com efeito, como a tributação tem vínculos intrínsecos com o

patrimônio dos administrados — porque, em última análise, implica entrega de uma parcela

do patrimônio aos cofres públicos em prol da coletividade (para ou custear a máquina pública,

ou remunerar uma atividade estatal, ou suportar benefícios sociais, ou ainda fazer frente a

despesas extraordinárias) —, fica mais evidente a necessidade de que a atuação estatal esteja

escorada em preceitos e diretrizes fundamentados na lei.

Por causa dessa necessidade, o legislador constituinte originário entendeu por bem

renovar, com mais rigidez, o princípio da legalidade no Título da Constituição Federal

destinado a regulamentar o sistema constitucional tributário, de onde deriva a disposição de

seu artigo 150, I, in litteris: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao

contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir

ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. Veja-se que o primado da legalidade é

torneado com mais contundência pelo constituinte, revelando ser uma verdadeira garantia

67 DÓRIA, Antonio Roberto Sampaio. Distribuição disfarçada de lucros e imposto de renda. São Paulo: Resenha Tributária, 1974, p. 2.

Page 54: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

53

fundamental aos contribuintes: uma exigência de natureza tributária só encontra amparo para

prevalecer se – e somente se – respaldada por disposição legal.68 Trata-se, pois, do princípio

da estrita legalidade em matéria tributária.

José Eduardo Soares de Melo, seguido por outros autores, afirma que o princípio da

legalidade é cumprido apenas quando se faz uso da “lei” em sentido estrito. Diz ele: “[...] a

instituição, majoração e extinção dos tributos [...] devem ser sempre prevista em ‘lei’,

compreendida como espécie normativa editada pelo Poder Legislativo”.69 Não obstante, o

Supremo Tribunal Federal (STF)70 já sedimentou o entendimento de que medida provisória,

embora advenha do Poder Executivo, faz as vezes de lei ordinária, pelo que acolheu a

possibilidade de sua utilização para criar ou majorar tributos. Como diz Soares de Melo, e a

despeito da posição da Corte Maior, partilhamos da posição de que, em termos jurídicos, a

medida provisória difere em essência do veículo legislativo “lei” e se submete a condições

particulares (relevância e urgência, em geral ignoradas na prática), sendo, portanto,

inadmissível para fins de atendimento ao princípio da estrita legalidade em matéria tributária.

A esse princípio se vincula o da tipicidade tributária, segundo o qual a lei deve

estabelecer as características básicas do tributo, permitindo ao contribuinte identificar

plenamente tanto o fato abstrato, cuja ocorrência no mundo fenomênico desencadeará a

instauração da relação jurídica tributária, quanto os contornos básicos dessa relação, é dizer,

os sujeitos envolvidos e os critérios e metodologia para apuração do quantum debeatur da

obrigação tributária. Nas palavras de José Artur Lima Gonçalves, é “[...] a exigência

constitucional e sistemática de utilização de um método de descrição legislativa casuístico.”71

68 Como regra geral, a “lei” referida no Texto Constitucional é a ordinária. Há hipóteses específicas, no entanto, em que o legislador constituinte demandou a aplicação de lei complementar, por exemplo, para os tributos embasados nos artigos 148 e 154, I da CF/88. 69 MELO, 2007, p. 20. 70 Nesse sentido, veja-se o Voto de lavra do ministro Carlos Veloso, no bojo do recurso extraordinário 138.284–8/CE, que assinala a possibilidade de a medida provisória instituir e aumentar tributos, de início porque a Carta Constitucional não restringe as matérias passíveis de serem veiculadas por medida provisória. 71 GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a Renda: pressupostos constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 92.

Page 55: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

54

Por sua vez, Alberto Xavier, ao discorrer sobre o princípio da tipicidade, sublinha que este

exprime a necessidade, para fins tributários, de “reserva absoluta de lei” que, em seu sentir,

[...] significa a exigência constitucional de que a lei deve conter não só o fundamento da conduta da Administração, mas também o próprio critério de decisão do órgão de aplicação do direito no caso concreto, ao invés do que sucede na “reserva relativa”, em que muito embora seja indispensável a lei como fundamento para as intervenções da Administração nas esferas de liberdade e de propriedade dos cidadãos, ela não tem que fornecer necessariamente o critério de decisão no caso concreto, que o legislador pode confiar à livre valoração do órgão de aplicação do direito, administrador ou juiz.72

Embora seja importante o apontamento desse autor, vemos com cautela a afirmação

de que os princípios da legalidade e tipicidade vinculam até mesmo os órgãos de aplicação do

direito, de maneira que não lhes é dado decidir as questões práticas com qualquer grau de

subjetivismo. Como dissemos ao tratarmos dos princípios, toda aplicação do direito — seja

seu objeto uma regra, um princípio ou um postulado, conforme classificação de Humberto

Ávila — é, inexoravelmente, precedida de ponderação por parte do agente. Seja como for, a

análise conjunta dos princípios da legalidade e tipicidade permite concluir que só a lei pode

instituir ou majorar tributos, cabendo-lhe, ainda, descrever com rigor os elementos

fundamentais da exação tributária, viabilizando ao administrado o pleno conhecimento de

seus direitos e deveres atinentes à tributação.

2.3.2 Princípio da anterioridade

Conforme as alíneas “b” e “c” do artigo 150, III da CF, os princípios da anterioridade

e anterioridade nonagesimal, respectivamente, visam assegurar o cumprimento do princípio

da segurança jurídica, impedindo que a instituição ou majoração do tributo tenham efeitos no

mesmo exercício financeiro (anterioridade–regra geral) ou antes de 90 dias (anterioridade

72 XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma anti-elisiva. São Paulo: Dialética, 2001, p. 17–8.

Page 56: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

55

nonagesimal), contados a partir da data do advento da lei que tiver veiculado a instituição ou

majoração da exação. Tal diretriz assegura, justamente, o sentimento de segurança e

previsibilidade, que busca resguardar a segurança jurídica, por isso se diz que a anterioridade

viabiliza a realização da própria segurança jurídica. Consiste, pois, numa oposição à surpresa.

O IR se submete apenas ao princípio da anterioridade; disposições legais que

estabeleçam sua majoração poderão produzir efeitos apenas no exercício financeiro

subseqüente àquele em que tiver advindo o diploma legal com tal majoração. No dizer de

Roque Antonio Carrazza, a anterioridade impõe que “[...] a lei que cria ou aumenta tributo —

e esta é a regra geral —, ao entrar em vigor, fica com a eficácia paralisada até o início do

próximo exercício financeiro, quando, aí sim, incidirá, ou seja, passará a produzir todos os

seus efeitos, na ordem jurídica”.73 Sua funcionalidade no âmbito do IR é relevante, pois, como

vimos, essa exação alcança a maior parte dos administrados, pessoas físicas ou jurídicas, o

que reforça a necessidade de que eventuais incrementos sejam previamente informados, para

assegurar a todos a possibilidade de organizarem sua vida social e financeira.

2.3.3 Princípio da irretroatividade

Previsto no artigo 150, III, “a” da Carta Constitucional, o princípio da

irretroatividade reforça o atendimento à segurança jurídica: garante que as leis tributárias

tenham tão-somente efeitos prospectivos, ou seja, futuros, sendo-lhes vedado atingir fatos

ocorridos antes de seu advento. Assim, por essa norma, só se submetem aos efeitos da lei

tributária fatos que lhe sejam posteriores. Mais uma vez, dado o alcance do IR, esse princípio

não pode ser desprezado, e ao legislador cabe garantir que toda inovação na disciplina jurídica

desse imposto que implique aumento da carga tributária surta efeito sobre fatos que sejam

73 CARRAZZA, 2008, p. 137. Não tratamos aqui das regras excepcionais atinentes ao princípio da anterioridade, pois é a regra geral aplicável ao IR .

Page 57: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

56

posteriores à novel legislação, de modo a preservar o sentimento de previsibilidade e

segurança tão necessário ao convívio social harmônico.

2.3.4 Princípio da igualdade

No âmbito da ordem jurídica pátria, o princípio da igualdade representa uma das

maiores — senão a maior — garantia de todos os cidadãos. É pressuposto do Estado

Democrático de Direito, como observa Hans Kelsen, eis que não há como se cogitar da

possibilidade de participação popular no exercício do poder se não houver igualdade de

condições a todos, indistintamente. A isonomia, a nosso ver, impõe a necessidade de

discriminar, diferenciar, conforme as características particulares de cada situação. Vê-se

quebra de isonomia quando as devidas diferenciações não são feitas ou quando se adota um

critério inadequado para essa diferenciação. É imperiosa a existência de um liame lógico entre

o fator diferencial e a diferenciação obtida na prática.

Celso Antonio Bandeira de Mello destaca a importância e, por conseguinte, a

dificuldade, da eleição do critério de discrímen para se dar tratamento isonômico a todos os

administrados. Sobre o critério discriminatório, enfatiza:

[...] tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é, in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional. A dizer: se guarda ou não harmonia com eles.74

Devemos estar cientes de que a Constituição Federal impede, para se atingir a

isonomia, a adoção de critérios que reflitam preconceito ou discriminação. José Artur Lima

74 MELLO, 2004, p. 20–1.

Page 58: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

57

Gonçalves aprofundou o estudo sobre os meios para se averiguar o cumprimento da isonomia

pelas normas tributárias e, para isso, criou uma metodologia que pode ser assim resumida:

1) Dissecar a norma jurídica tributária, a regra-matriz de incidência, em seus cinco critérios, que, repita-se, são o material, o temporal, o pessoal, o espacial e o quantitativo. 2) Detectar a existência de discriminação implementada pela regra-matriz de incidência analisada. 3) Identificar qual é o elemento de discriminação utilizado pela norma analisada. 4) Uma vez identificado o discrímen, analisar se a norma onera ou beneficia singularmente um indivíduo ou categoria ou atividade desde já determinadas e se o elemento de discriminação reside na própria pessoa ou situação discriminada. 5) Aferir a existência de correlação lógica entre o elemento de discriminação e o tratamento diferenciado. 6) Perquirir a efetiva ocorrência da relação de subordinação e pertinência lógica entre a discriminação procedida e os valores positivados no texto constitucional.75

Em matéria tributária, a igualdade assegura que todos os contribuintes arquem,

igualitariamente, com o custeio da máquina pública via tributos. Não se admitem condições

desiguais a quem ocupe posições equivalentes, sob pena de se afrontar o princípio da justiça.

Para tanto, há mecanismos que asseguram a igualdade na seara tributária, em especial a

capacidade contributiva, expressamente demandada pelo Texto Constitucional. Por sua vez, o

IR, por enfocar o acréscimo patrimonial percebido pelo contribuinte (riqueza nova), deve

atingir de modo igualitário os destinatários da regra tributária, segundo sua condição pessoal.

2.3.5 Princípio da capacidade contributiva

Conforme Roque Antonio Carrazza, “[...] o princípio da capacidade contributiva

hospeda-se nas dobras do princípio da igualdade e ajuda a realizar, no campo tributário, os

ideais republicanos”.76 É a diretriz que, estampada no artigo 145 da Carta Constitucional,

veicula que os impostos serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte.

75 GONÇALVES, José Artur Lima. Isonomia da norma tributária. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 68. 76 CARRAZZA, 2008, p. 87.

Page 59: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

58

Por meio desta, busca-se cumprir o primado da igualdade e, logo, da justiça fiscal, por meio

da imposição de limites à atividade de tributação. Com efeito, a tributação não pode aniquilar

o patrimônio do contribuinte; deve respeitar requisitos e condições que viabilizem a

manutenção da riqueza que tenha motivado a tributação.

Embora o princípio da capacidade contributiva mencione exclusivamente os

impostos, doutrinadores de projeção atestam que não há incompatibilidade em sua aplicação

às demais espécies tributárias. Nesse viés, Alcides Jorge Costa diz que:

[...] a Constituição aplica o princípio da capacidade contributiva apenas aos impostos. Isto não exclui que esta capacidade não deva ser levada em conta na cobrança de taxas. Se certos serviços públicos essenciais devem ser prestados a pessoas destituídas de capacidade econômica, as respectivas taxas não serão exigidas, mesmo porque, como dizem os alemães, ninguém põe a mão no bolso de um homem nu.77

Fernando Aurelio Zilveti destaca a importância do princípio da capacidade

contributiva em relação ao IR, e particularmente no caso das pessoas jurídicas — que nos

importa aqui —, é direto ao condicionar a possibilidade de dedução integral das despesas ao

aferimento rigoroso da capacidade econômica do pretenso contribuinte:

No caso da tributação das pessoas jurídicas, em especial aquelas tributadas pelo lucro real, em que se apura a renda líquida sujeita à tributação, por meio da dedução da renda bruta, de todas as despesas necessárias à manutenção da fonte produtora, aparece aqui outra cláusula geral, que deixa caminho aberto para a administração aferir, nos termos do que determinou o artigo 145, § 1º, da Constituição Federal, o que vem a ser a efetiva capacidade contributiva sujeita ao imposto de renda.78

Esse autor constrói raciocínio interessante, segundo o qual a capacidade contributiva

se destina não apenas ao legislador, mas também àqueles envolvidos na relação jurídica:

77 COSTA, Alcides Jorge. Capacidade contributiva. Revista de Direito Tributário, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 55., 1991, p. 302. 78 ZILVETI, Fernando Aurélio. Princípios de direito tributário e a capacidade contributiva. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 262.

Page 60: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

59

legislador, aplicador, intérprete e contribuinte.79 Resta, pois, perceptível que a capacidade

contributiva delineia o critério pessoal da regra-matriz de incidência tributária, pois que define

os sujeitos que, tendo praticado (ou estando relacionados) ao fato jurídico tributário, devem

compor o pólo passivo da relação jurídica daí instaurada.

Enfim, cabe assinalar a necessidade de que seja efetivo o atendimento à capacidade

contributiva para fins de tributação. No caso do IR, isso ocorre via influxo de outros

princípios, em especial a pessoalidade e a progressividade.

2.3.6 Princípio do não-confisco

Positivado no artigo 150, IV, da CF/88, o princípio do não-confisco representa a outra

cara da moeda da capacidade contributiva, eis que ajuda a estabelecer diretrizes que

assegurem a proteção patrimonial dos contribuintes; em outras palavras, garante que não haja

perecimento da riqueza agregada, objeto da tributação (cabe reiterar, a tributação recai

necessariamente sobre um fato signo-presuntivo de riqueza), tampouco que seja desvirtuado o

mister precípuo da atividade da tributação, evitando seu emprego como forma de punição aos

contribuintes.

Em sua obra sobre o assunto, o professor Estevão Horvath aprofunda o estudo do

princípio do não-confisco e salienta a dificuldade de se desbravarem seus limites semânticos,

dado o elevado teor de subjetivismo dessa análise. Nesse sentido, pontifica que tal dificuldade

de análise do tema não deve constituir um escudo que impeça ou desmotive tal desafio:

[...] segundo procuramos evidenciar, a previsão da Constituição da República de 1988, vedando a instituição de tributo com efeito de confisco, parece trazer algo mais amplo que aquilo, ou seja, parece mais claramente manifestar que a tributação deve ser razoável. Pode aparentar simplista esta conclusão, mas não só de argumentos complexos e esotéricos vive o Direito. O que se quer significar é que, neste ponto, coincidem o desejo do cidadão e o Direito positivo; é dizer: o legislador, ao desempenhar sua atividade legiferante em matéria tributária, deverá pautar-se pelos caminhos da

79 ZILVETI, 2004, p. 163.

Page 61: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

60

proporcionalidade e da razoabilidade (como, aliás, deveria proceder no desenvolver de todo o seu mister constitucional). Aí inclui-se não somente a razoabilidade no sentido de bom senso, como também a razoabilidade quantitativa, ou seja, o montante de um tributo, bem como o da soma de todos eles, deve ser razoável.80

Portanto, falar de não-confisco requer análises casuísticas, pois a verificação do

eventual descumprimento desse mandamento só pode ser aferida caso se considerem situações

práticas. O princípio do não-confisco, cuja análise deve ocorrer em conjunto com o princípio

da capacidade contributiva, parte da necessidade de proteger a propriedade e de se obstar a

imposição de sanções via tributação. De novo esse princípio se destaca no âmbito do IR, cuja

materialidade estabelece a incidência tributária sobre renda, ou seja, riqueza nova, que se

incorpora a um patrimônio preexistente.

Havendo, porventura, qualquer tipo de alargamento dessa hipótese de incidência, a

fim de atingir fatos outros que não representem riqueza nova, revelar-se-á ato flagrantemente

confiscatório, portanto, inadmissível no bojo de nosso sistema jurídico. A vedação de

despesas é um caso. Logo, a regra que restringir a gama de despesas passíveis de serem

computadas para se determinar a base de cálculo do IR (pois, desde que caracterizada

“despesa”, o dispêndio deverá ser deduzido para fins fiscais) se mostrará confiscatória e

ofensiva ao primado em análise.

2.3.7 Mínimo vital

Também um desdobramento da capacidade contributiva, o princípio do mínimo vital

protege o contribuinte em caso de tributação da riqueza nova, garantindo-lhe condições

mínimas de subsistência. É um limite à tributação, pois essa atividade deve cessar de vez se

posto em risco o direito do contribuinte de conviver com seus familiares em condições dignas

(pessoa física), ou ameaçado seu funcionamento (pessoa jurídica). É fácil visualizar esse

80 HORVATH, 2002, p. 144.

Page 62: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

61

primado no âmbito da pessoa física, dada a percepção aguçada que temos dos elementos

imprescindíveis à manutenção digna do contribuinte e seus familiares: saúde, educação,

moradia, vestuário, lazer, previdência social etc. Assim, caso se comprove que a exação

tributária ameaça fulminar ou, no mínimo, dificultar o acesso a esses direitos básicos, então

haverá ofensa ao princípio do não-confisco. Ademais, como adverte Roque Antonio Carrazza,

esse primado está presente, outrossim, na seara das pessoas jurídicas, porque a tributação deve

resguardar, de maneira incólume, a parcela da riqueza necessária para subsidiar direitos e

funções essenciais ao funcionamento da pessoa jurídica: folha de salários, aquisição de

matéria-prima ou produto para o estoque, capital de giro e outros.81

Como se vê, a tributação tem limites, e um é o do mínimo vital, que garante

condições mínimas de subsistência às pessoas físicas e, às pessoas jurídicas, a possibilidade

de funcionar plenamente, evitando-se, assim, que, a pretexto de exigir determinado tributo de

um contribuinte, aniquile-se por completo as condições para sua regular manutenção.

2.3.8 A pessoalidade do Imposto sobre a Renda (IR)

O princípio da pessoalidade tem sua matriz constitucional na parte inicial do artigo

145, § 1º da CF/88. Seu acolhimento pela Carta Constitucional importa na conclusão de que a

tributação deve considerar as características pessoais do contribuinte. Não são todos os

tributos que comportam a aplicação de tal diretriz. O IR, não obstante, é um tributo pessoal

por excelência.82

Embora esse princípio seja invocado com mais recorrência em questões referentes ao

Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), não podemos desprezar sua importância na ótica das

pessoas jurídicas. Na verdade, é premente a tributação pelo Imposto de Renda Pessoa Jurídica

(IRPJ) se orientar por características particulares de cada pessoa jurídica, a começar pelo seu

81 CARRAZZA, 2006, p. 50. 82 LEMKE, Gisele. Imposto de Renda: os conceitos de renda e de disponibilidade econômica e jurídica. São Paulo: Dialética, 1998, p. 33.

Page 63: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

62

segmento de atuação, passando, em seguida, pela eventual sazonalidade de seu ciclo

operacional, verificação se as relações comerciais se dão no atacado ou no varejo, se há um

índice elevado de créditos de difícil liquidação, dentre outros.

Esclarecemos, enfim, que a pessoalidade viabiliza a realização da capacidade

contributiva e, por conseguinte, da própria isonomia: é a verificação das condições pessoais

do sujeito passivo que possibilita aferir os limites para sua respectiva tributação, permitindo

uma maior aproximação do ideal de justiça fiscal.

2.3.9 A progressividade do Imposto sobre a Renda (IR)

Ao lado do princípio da pessoalidade, o da progressividade medeia a realização da

capacidade contributiva e, por conseqüência lógica, do princípio da igualdade. Em geral, a

doutrina reconhece esse princípio, atribuindo-lhe o efeito de determinar que seja tanto maior a

alíquota do imposto quanto maior for sua base de cálculo. Noutras palavras, o percentual da

alíquota aplicável aumenta à medida que aumenta a base imponível, resultando que o

montante de tributo a ser pago deverá variar não apenas em função de variações na base de

cálculo, mas também de variações na alíquota.83 No âmbito do IR, isso se opera pela

determinação de faixas de alíquotas crescentes.

A despeito desse posicionamento, acolhido quase com unanimidade — ressalvados

os casos de autores que consideram maléficos os efeitos desse princípio84 —, pensamos que

seu conceito não deve ficar restrito ao aumento nominal da alíquota. Queremos, com isso,

dizer que, tratando-se de IR, a dedutibilidade também influi decisivamente para o atendimento

à progressividade, porque propicia o ajuste na base de cálculo, assegurando que sujeitos

passivos que tenham incorrido em dispêndios mais significativos para sua viabilizar

manutenção (seja pessoa física ou jurídica), sejam menos onerados pela tributação. Em última

83 A simples variação do montante a ser pago ocasionado para variação na base de cálculo consiste na proporcionalidade. 84 Ver ZILVETI, 2004.

Page 64: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

63

instância, isso cumpre o primado da igualdade e capacidade contributiva, dos quais a

progressividade é desdobramento.

Nesses termos, a progressividade deve ser entendida de modo extenso, pois sua

materialização não ocorre somente por variações na alíquota a ser aplicada para fins de

apuração do montante a ser recolhido a título de IR, mas também pelo uso de um sistema de

deduções eficaz que garanta que a tributação por essa exação recaia apenas e tão-só sobre a

parcela de riqueza nova que tenha sido agregada ao patrimônio. Portanto, ele deve ser tomado

como referência pelo legislador ao desenhar a regra-matriz tributária do IR, pois, nesse

sentido, permitirá uma tributação alinhada com a pessoalidade, a capacidade contributiva e a

isonomia.

2.3.10 Princípios da universalidade e da generalidade

Ao disciplinar o IR, a Constituição brasileira se refere, ainda, em seu artigo 153, § 2º,

I, aos princípios da universalidade e generalidade, daí porque praticamente todos os autores

que se dedicam a discorrer sobre o IR acabam por analisá-los. Não raro, verificamos a

inversão do sentido atribuído a cada uma dessas diretrizes: o que para alguns é generalidade,

para outros é universalidade, e vice-versa. Talvez isso ocorra porque tais vocábulos se

assemelhem semanticamente. Mas — cabe frisar — a mera inversão da nomenclatura não

prejudica o discurso; o que importa é reconhecer que há duas diretrizes a serem tratadas de

forma individualizada e diferenciada, pois a Carta Constitucional se refere em separado à

universalidade e à generalidade. Também convém esclarecer que, aqui, tomamos a definição

de Luiz César Souza de Queiroz como parâmetro para a identificação desses princípios.

Comecemos pela universalidade. Conforme esse princípio, o IR deve incidir sobre

todas as rendas (em sentido lato), independentemente da fonte, origem ou natureza, exceto —

é óbvio — as imunes ou isentas. Assim, para fins de cômputo da renda auferida pelo potencial

Page 65: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

64

sujeito passivo, é preciso considerar todos os fatos — acréscimos e decréscimos —

importantes para se identificar a riqueza nova, agregada ao seu patrimônio (base imponível

para a incidência do IR). Portanto, toda renda configurada, seja qual for sua fonte ou natureza,

haverá de ser ofertada à tributação pelo IR. Esse princípio fornece subsídios para que rendas

auferidas fora dos limites do território nacional sejam alcançadas pelo IR — desde que,

obviamente, esteja presente algum critério de conexão; por isso tal primado está está

contemplado na maior parte dos ordenamentos jurídicos modernos.

Sobre essa finalidade específica do princípio da universalidade (worldwide income

taxation), observa Heleno Taveira Torres:

A tendência contemporânea dos Estados, principalmente daqueles que são considerados exportadores de capital, é a de assumir o princípio da universalidade, ante i) a constante e crescente movimentação de capitais no mercado mundial, ii) a necessária progressividade dos impostos incidentes sobre as categoriais redituais, e, principalmente iii) o controle dos casos de elusão e evasão fiscal internacional, proporcionados pelos benefícios fiscais promovidos pelos “paraísos fiscais” (cada vez mais freqüentes).85

Pelo princípio da generalidade, todas as pessoas que auferirem renda, quaisquer que

sejam os caracteres pessoais, estarão jungidas à incidência do IR. A incidência fiscal, nesse

passo, não requer qualificadores pessoais como fator determinante: sexo, raça, estado civil,

qualificação profissional ou qualquer outro traço da pessoa do sujeito não importam; se for

revelada capacidade contributiva em virtude da prática do fato signo-presuntivo de riqueza,

previsto no antecedente da regra-matriz de incidência tributária, então a exigência da exação

se impõe. O respeito a esse mandamento afasta privilégios estritamente pessoais, que

ocasionam distorções na distribuição da carga tributária e vão de encontro ao princípio da

isonomia.

85 TORRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional: planejamento tributário e operações transnacionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 122.

Page 66: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

65

Feitas essas considerações — das quais se pode depreender que a generalidade, a

universalidade, a progressividade e a pessoalidade garantem tanto o atendimento à capacidade

contributiva quanto uma incidência isonômica do IR —, agora passamos a tratar da regra-

matriz de incidência tributária, sobretudo dos aspectos material e quantitativo, que nos

permitirá definir o arquétipo constitucional desse imposto.

2.4 Regra-matriz de incidência do Imposto sobre a Renda (IR) e Proventos de Qualquer Natureza

A regra-matriz consiste na estrutura lógica que prescreve a incidência tributária; é

composta de um antecedente e um conseqüente, compostos, por sua vez, de critérios que

permitem compreender minimamente o conteúdo e sentido da mensagem legislada — nesse

caso, compreender o comando que obriga o sujeito passivo que tiver praticado o fato descrito

na hipótese a levar certo quantum aos cofres públicos a título de tributo. Esse exercício

intelectivo se revela essencial ao escopo de nossas pretensões, na medida em que nos

valeremos dessa estrutura para, ao fim e ao cabo, averiguarmos criticamente a dedutibilidade

fiscal.

De imediato, cabe esclarecer que, dada a multiplicidade de relações jurídicas que se

entabulam no plano da facticidade, não raro rotulamos com o mesmo nomen juris exações

tributárias de conteúdos intrínsecos divergentes, a exemplo do que ocorre com o próprio IR.

Embora este seja tratado com singularidade pelo Texto Constitucional e pelo CTN, ganha

matizes diversos conforme as diferentes situações concretas que com ele se correlacionam.

Essa constatação explica por que encontramos diversidades nas regras-matrizes de incidência

aplicáveis às pessoas físicas e às jurídicas — a despeito de todas terem fundamento no mesmo

enunciado prescritivo (art. 153, III da Constituição)86 — e justifica, ainda que precariamente,

a adoção de técnicas desenvolvidas em função da evolução e complexidade que permeiam as

86 Isso ocorre, por exemplo, com o tributo rotulado de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que, com base no artigo 153, IV da CF/88, incide em decorrência da configuração in concretu da industrialização de produto ou da importação de produto estrangeiro.

Page 67: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

66

situações sujeitas a essa exação, por exemplo, a técnica de tributação em fonte e da tributação

definitiva, que para alguns refletem regras-matrizes autônomas.

Esse cenário indica a ampla gama de dispositivos veiculados pela legislação

ordinária que versam sobre o IR (parte deles está compilada no Decreto 3.000, de

26/3/1999, o Regulamento do Imposto de Renda/RIR), o que, de resto, confirma a

complexidade inata a qualquer análise nesse domínio. Noutros termos, sempre haverá o risco

de se deixar para traz algum aspecto de relevo.

Feitas as ressalvas e advertências, passemos à explicitação dos critérios da regra-

matriz padrão de incidência do IR.

2.4.1 Antecedente da regra-matriz de incidência do Imposto sobre a Renda (IR)

A materialidade do IR encerra questão fundamental no escopo deste estudo. Portanto,

defini-la é tarefa da qual não podemos nos furtar.

2.4.1.1 Critério material

No plano abstrato, o critério material da regra-matriz de incidência se refere a um

comportamento e, por isso, se compõe de um verbo seguido de complemento. Como diz

Paulo de Barros Carvalho, “[...] é forçoso que se trate de verbo pessoal e de predicação

incompleta, o que importa a obrigatória presença de um complemento”.87 Pelo seu desenho

constitucional, a materialidade do IR associará um verbo ao complemento renda e proventos

de qualquer natureza, expressamente previsto no inciso III do artigo 153 da CF/88.

Em nome da fluência do discurso, esclarecemos que, de agora em diante, ao

versarmos sobre a materialidade do IR, vamos nos referir à renda como gênero que inclui a

87 CARVALHO, 2007, p. 287.

Page 68: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

67

espécie proventos de qualquer natureza. Ao menos neste momento, não nos preocuparemos

em distinguir o conceito do gênero do conceito da espécie.

Quanto ao verbo a ser empregado, verificamos que a doutrina consagrou, de modo

geral, o uso de “auferir”, a que segue o complemento “renda” na conformação do critério

material da hipótese de incidência do IR. Nesse sentido, reportamo-nos a José Artur Lima

Gonçalves, para quem:

[...] a necessária conexão ao substantivo “renda”, do verbo “auferir” (inquestionavelmente aceito como o mais adequado à hipótese) implica que só pode ser obrigada a pagar esse tributo a pessoa que concretamente realizou o fato significado por tal verbo, ou seja, aquele que auferiu a renda.88

Para nós, o verbo auferir cabe bem na composição da materialidade do IR, muito

embora não o tenhamos como o único possível — aliás, a Constituição Federal não se refere a

ele expressamente. Entendemos que os verbos obter, adquirir ou perceber podem ser

empregados sem prejuízo de sentido.

Vale a observação, contudo, que o verbo a ser empregado sempre deverá se relacionar

com a pessoa que recebeu a renda, pois ela — e só ela — reflete capacidade contributiva para se

submeter à incidência tributária. Por conta disso, divergimos daqueles que reconhecem a

possibilidade de se usar o verbo “pagar” na conformação da materialidade do IR, para justificar

a existência de uma regra-matriz de incidência tributária autônoma do IR na fonte, como o faz

Roberto Quiroga Mosquera: “Temos para nós, que se trata (o sistema de fonte) de imposto

autônomo, com hipótese de incidência particular, distinta das regras-matrizes tributárias do IR

das pessoas físicas e jurídicas”;89 assim como Júlia de Menezes Nogueira:

Tanto é possível ao legislador ordinário escolher outros verbos, para a hipótese de incidência do imposto sobre a renda, que o próprio legislador

88 GONÇALVES, 2002, p. 187. 89 MOSQUERA, Roberto Quiroga. Tributação no mercado financeiro e de capitais. 2. ed. São Paulo: Dialética, 1999, p. 170.

Page 69: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

68

constituinte fez referência, em várias passagens, ao “imposto sobre renda e

proventos de qualquer natureza incidente na fonte sobre pagamentos

efetuados [...]” cuja hipótese de incidência é [...] pagar renda.90

A sistemática de retenção em fonte — que tem sido usada a passos largos no sistema

tributário nacional — não nos parece autorizar a construção de uma regra-matriz de incidência

do IR cujo núcleo do critério material do antecedente seja pagar renda. Em nossa visão, seria

mais coerente dizer pagar rendimentos, porque a renda não fica aí configurada e,

fundamentalmente, porque tal ação não revela a capacidade econômica do sujeito; logo, não

se coaduna com as diretrizes vigentes no ordenamento jurídico-constitucional vigente,

sobretudo com os princípios da capacidade contributiva e da pessoalidade. Portanto, a

materialidade do IR deve ser sempre auferir renda.

Como salientamos, o artigo 43 do CTN, houve por bem, ao trazer as notas do critério

material da hipótese de incidência do IR, defini-lo como sendo a aquisição da disponibilidade

econômica ou jurídica de renda ou proventos. Assim, o cerne da materialidade foi deslocado

da grandeza em si para a aquisição da disponibilidade sobre essa grandeza. Esse deslocamento

foi proposital, tendo defluído de sólida intenção do legislador, como se depreende do

“testemunho” de Rubéns Gomes de Sousa que, na qualidade de Relator da Comissão

responsável pelos trabalhos que culminaram com a edição do CTN assim se manifestou:

[...] o elemento definidor da renda é a sua disponibilidade pelo respectivo titular. Partindo dessa premissa, a comissão de 1964, sem por isso divergir da de 1954, considerou dispensável a menção expressa de tratar-se de “riqueza nova”. [...] Assim, a comissão de 1964 julgou mais adequado, à função prática de definir o fato gerador do imposto, dar ênfase ao requisito da aquisição de disponibilidade.91

Convém contextualizar essa assertiva. O CTN adveio nos primeiros anos do regime

militar e aí desempenhou o importante papel de sistematizar e estruturar o direito tributário no

90 NOGUEIRA, Júlia de Menezes. Imposto sobre a renda na fonte. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 56. 91 SOUSA, Rubéns Gomes de. Pareceres — 1: imposto de renda. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 69–70.

Page 70: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

69

país — até então bastante rudimentar. Disso se deduz que tal momento histórico pedia uma

legislação minuciosa e formalista.

Todavia, ao tratar do IR, a Constituição Federal de 1988 — seguindo tendência

adotada por suas predecessoras — sustentou sua materialidade na conduta de se auferir renda,

e não em elementos alheios. Assim, o fato que enseja a constituição da relação jurídico-

tributária é auferir renda, e tal pressupõe sua disponibilidade, que haverá de ser infalivelmente

jurídica — afinal, versamos aqui sobre o critério de uma norma jurídica. Se inexistir

disponibilidade jurídica, não se fala em configuração do fato jurídico tributário do IR e, por

conseguinte, não conformada obrigação tributária relativa a tal exação. Portanto, embora o

CTN cite a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda como elemento

nuclear da materialidade do IR, nós a entendemos como despicienda.

Trilhando esse mesmo caminho, Paulo Ayres Barreto observa que:

Entendemos inicialmente que a menção à disponibilidade econômica ou jurídica, inserta na parte final do caput do artigo 43 do Código Tributário Nacional é absolutamente desnecessária, por nada alterar a construção do conteúdo desse enunciado prescritivo.92

Nesses termos, a configuração da materialidade do IR só ocorrerá se for constatada a

ação de “auferir renda”. E apenas isso. Por ora, bastam-nos essas considerações.

2.4.1.2 Critério espacial

O critério espacial da regra-matriz de incidência demarca, no plano geográfico, a

ocorrência do evento previsto abstratamente no critério material da hipótese — in casu, a

conduta de auferir renda. Paulo de Barros Carvalho nos adverte quanto ao equívoco de se

confundir o critério espacial com o campo eficacial da lei:93 o primeiro se refere ao local da

92 BARRETO, Paulo Ayres. Imposto sobre a renda e preços de transferência. São Paulo: Dialética, 2001, p. 74. 93 CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 119–20.

Page 71: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

70

ocorrência do fato tributário; o segundo se relaciona com os limites em que se verifica a

aplicação da lei. Tal distinção se sobressai nos contornos de nossa dissertação, porque, ao

positivar que o IR haverá de ser informado pelo princípio da universalidade, o constituinte

pátrio conferiu à União Federal a competência para alcançar, por essa exação, fatos ocorridos

fora dos limites do território brasileiro, ou seja, a renda auferida no exterior, desde que

atendidos critérios de conexão (residência, domicílio, nacionalidade).

Vale esclarecer que, a nosso ver, essa determinação não ofende a soberania, pois

mantém incólume o princípio da territorialidade, acolhido na íntegra no ordenamento jurídico.

A lei surte efeitos só em território nacional, mas, como bem explica Paulo Ayres Barreto:

Toda a renda obtida por pessoa, física ou jurídica, sobre a qual o Brasil possa exercitar sua soberania fica sujeita à incidência do imposto, independentemente do lugar onde tal renda tenha sido gerada. É a chamada base global do imposto sobre a renda.94

Portanto, na conjuntura atual do sistema constitucional tributário brasileiro, o critério

espacial da hipótese de incidência do IR pode incluir fatos ocorridos em território nacional e

fatos ocorridos no estrangeiro, por força da adoção do princípio da universalidade da renda.

2.4.1.3 Critério temporal

Por fim, como último critério do antecedente da regra-matriz de incidência,

destacamos o critério temporal, cuja finalidade é estabelecer as coordenadas de tempo em que

teremos por ocorrido o fato jurídico que fará romper a incidência do IR. Nesse particular,

sobrelevam algumas questões, que listamos a seguir.

Momento da ocorrência da hipótese de incidência do IR. Trata-se da determinação

do instante exato em que se reputa ocorrida a hipótese de incidência do IR, se no último

segundo do dia 31 de dezembro de um ano ou no primeiro instante do dia 1º de janeiro do ano

94 BARRETO, 2001, p. 84.

Page 72: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

71

seguinte. Temos por certo que a conclusão mais consentânea está em considerar que a

materialidade do IR ocorre no último átimo de segundo do último dia do exercício (31 de

dezembro). Em caso de opinião diversa, teríamos de admitir que uma lei publicada nesse dia e

que deverá colher os fatos ocorridos a partir do ano seguinte pode ter efeito já em 1º de

janeiro (primeiro dia do “exercício seguinte”), esvaziando de conteúdo os princípios da

anterioridade e irretroatividade. Tal conclusão converge para a de Paulo Ayres Barreto de

que:

Dizer que tal fato consolida-se no dia 1º de janeiro de cada ano encerra verdadeiro sofisma, cujo objetivo seria tornar possível a aplicação de leis recém-editadas (no dia 31 de dezembro, por exemplo) ao “fato tributário” que ocorreria proximamente, no dia 1º de janeiro, atendendo, em tese, aos limites objetivos impostos pelos princípios da anterioridade e irretroatividade.95

Fato tributário instantâneo versus fato tributário complexivo. Dessa primeira

questão se infere uma segunda: a classificação do fato tributário do IR como instantâneo ou

complexivo, que nos leva à obra de Amílcar de Araújo Falcão,96 pioneiro na apresentação

desta proposta. Para esse autor, os fatos instantâneos ocorreriam pontualmente em dado

instante, enquanto os fatos complexivos seriam aqueles cuja ocorrência se prolonga no tempo.

Sem desmerecer a obra desse jurista, vemos incoerência em se cogitar a possibilidade de

haver fatos geradores complexivos. E isso por um simples motivo: afinal, ou o fato ocorreu —

ensejando a formação do liame obrigacional que une o sujeito passivo ao Fisco em torno de

uma prestação; ou o fato não ocorreu — nesse caso, a obrigação tributária inexiste. A

composição da materialidade do IR (auferir renda) é relacional, pois consiste no resultado do

confronto do patrimônio em dois momentos distintos. Todavia, isso não nos autoriza a aceitar

que o fato tributário dessa exação tenha se estendido por um período. Não! Ele ocorreu

95 BARRETO, 2001, p. 80–1. 96 FALCÃO, Amilcar de Araújo. Fato gerador da obrigação tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974, p. 125 e ss.

Page 73: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

72

instantaneamente no último segundo do dia 31 de dezembro, embora seja parametrizado por

um dies a quo e um dies ad quem.

Periodicidade do IR. Última questão do assunto temporalidade do IR e a que mais se

aproxima do objeto de estudo deste trabalho, a periodicidade do IR se refere à existência

eventual de um período (ou periodização) para que seja possível aferir a aquisição de renda.

Seu ponto nevrálgico é perceptível nestas perguntas: mensurar a aquisição de renda pressupõe

um período a ser considerado? Se sim, qual? Vemos a noção de período como inerente ao IR,

verdadeiro componente do conceito de renda; logo, é incogitável haver renda fora de um lapso

temporal, por isso a tributação não pode recair sobre ingressos considerados isoladamente;

isso ofenderia o conceito de renda.

A partir de uma interpretação sistemática do texto constitucional, Geraldo Ataliba

defendia que a periodicidade do IR haveria de ser anual porque o ano é o período estabelecido

constitucionalmente para se compor o orçamento (diretrizes orçamentárias e orçamento anual,

previstas no artigo 165 da CF/88). Diz ele: “[...] parece inquestionável que o ritmo

estabelecido pelas finanças públicas no Brasil é anual, e o seu ponto fulcral está na disciplina

constitucional do Orçamento.”97 Há opiniões divergentes,98 mas reiteramos as palavras desse

autor, pois identificamos no texto constitucional os marcos temporais preestabelecidos pelo

constituinte, que devem ser observados pelo legislador ordinário, pois a ele, como dissemos,

não cabe modificar conceitos e diretrizes fixados na Carta Magna.99

97 ATALIBA, Geraldo. Periodicidade do Imposto de Renda I. Revista de Direito Tributário, v. 63, 1994, p. 20–1. 98 Nesse sentido, podemos citar Luciano Amaro, que, embora reconheça que a lei orçamentária é anual e, de outra parte, que a aquisição de renda deve ser considerada em determinado período, posiciona-se pela admissibilidade de que o legislador estabeleça tal lapso. Diz ele: “[...] é uma decorrência desse rol de princípios que eu tenho que ter um período de apuração. Eu só acho que ele não precisa ser de um ano, ele pode ser maior ou menor” — AMARO, Luciano. Periodicidade do Imposto de Renda I. Revista de Direito Tributário, v. 63, 1994, p. 31. 99 Nesse ponto, são oportunas as observações de Marçal Justen Filho, para quem, na vigência da Carta Constitucional anterior, a União dispunha de ampla competência tributária residual, de modo que lhe era dado instituir novos impostos, via lei ordinária, sem condicionantes. Assim, se eventualmente um novo tributo fosse instituído sem se observar a materialidade reservada pelo Texto Constitucional, era possível cogitar sua manutenção, invocando-se, para tanto, o exercício da competência residual. Isso não é mais viável na ordem jurídica atual, em que a competência residual se mantém delegada à União, embora seu exercício tenha sido

Page 74: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

73

O raciocínio para comprovarmos isso deve partir dos princípios da irretroatividade e

anterioridade, veiculados, respectivamente, pelas alíneas “a” e “b” do inciso III do artigo 150

da CF/88. Ao lado do direito fundamental dos contribuintes — que viabiliza a previsibilidade

das situações e a não-surpresa, além de promover, em última análise, a segurança jurídica —,

tais princípios vedam a exigência de tributos retroativos ou no mesmo exercício financeiro em

que tenha sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. O emprego da locução exercício

financeiro supõe que o constituinte observou um conteúdo semântico mínimo, cuja

identificação resulta da conjugação de outros dispositivos constitucionais, tais como o artigo

165, § 8º — que prevê ser anual a lei orçamentária — e o artigo 100, § 1º da Carta Magna —

que, ao tratar do pagamento dos precatórios decorrentes de condenação judicial do poder

público, estabelece a obrigatoriedade de sua inclusão no orçamento dos precatórios

apresentados “[...] até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte”.

Do encadeamento lógico de tais dispositivos, depreendemos que a Constituição

trabalha com a periodicidade anual para regular sua atividade administrativa; por

conseqüência, isso se reflete no comportamento de contribuintes, pessoas físicas e jurídicas,

que tendem a se organizar, também, anualmente. Nesses termos, reiteramos a idéia de que a

periodicidade anual é imperativo constitucional; pensar em sentido oposto é relegar ao

legislador ordinário a liberdade para determinar, à sua vontade, a periodicidade aplicável, o

que nos parece incompatível com a estrutura constitucional do país, da qual se pode extrair

esse critério.100

Até podemos admitir — como o faz Misabel Derzi — que os marcos inicial e final

desse período podem ser definidos pelo legislador; isso porque a Constituição “[...] consagra o condicionado a alguns requisitos: o tributo deve ser instituído por lei complementar, deve ser não cumulativo e não deve se identificar com algum outro tributo. Portanto, não há como se aceitar qualquer exação se não for embasada na CF/88, ou, sendo produto da competência residual, se não forem cumpridos esses requisitos — ver: FILHO, Marçal Justen. Periodicidade do Imposto de Renda I. Revista de Direito Tributário, v. 63, 1994, p. 16. 100 O cotejo que José Artur Lima Gonçalves faz do número de menções às palavras ano e anual com o número de menções à palavra mês na Constituição revela que esta última tem freqüência reduzida. Mais que isso, sugere uma intenção constitucional inafastável de prestigiar a periodicidade anual, que tem efeito em todo o ordenamento.

Page 75: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

74

princípio da anterioridade das leis tributárias em relação ao exercício financeiro e esse

exercício financeiro está estipulado literalmente na Constituição como sendo anual; não

significa que tenha de coincidir com ano civil”.101 Essa possibilidade segue o artigo 165, § 9º,

I da Constituição, que atribui ao legislador complementar competência para dispor sobre o

exercício financeiro.

Entretanto, como compatibilizar essa conclusão com o estabelecimento, pelo

legislador ordinário, de periodicidades diversas a fim de se apurar a renda para incidência do

IR e até com as regras de retenção em fonte e tributação exclusiva?

No que se refere às pessoas físicas, a hipótese de incidência do IR segue a

periodicidade anual: supõe-se que o fato tributário ocorreu em 31 de dezembro de cada ano,

data-base para se fazer o ajuste anual, e considera-se a renda obtida entre 1º de janeiro e 31 de

dezembro. Retenções em fonte e demais recolhimentos feitos com base em “carnê-leão”

(tabela progressiva) apenas cabem se — e somente se — efetuados a título de antecipação, a

ser submetida a posterior ajuste, a fim de se assegurar que a tributação recaia tão-somente

sobre a renda de fato auferida.

Quanto às pessoas jurídicas, o problema se afunila, sobretudo porque a legislação

segue expressamente a periodicidade trimestral para pessoas jurídicas tributadas com base no

lucro real (artigo 1º da lei n. 9.430/96), para as que optam pelo lucro presumido (artigo 1º c/c

artigo 25, I da lei n. 9.430/96) e pelo lucro arbitrado (artigo 1º c/c artigo 27, I da lei n.

9.430/96) — nesses dois últimos casos, a apuração trimestral é obrigatória. A periodicidade

trimestral parece-nos, entretanto, bastante exígua para que se possa aferir com rigor o

auferimento de renda.

Apenas cogitamos reconhecer a legitimidade de tais disposições legais porque, em

relação às pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real, a legislação prevê como opção a adoção

101 DERZI, Misabel. Periodicidade do Imposto de Renda II. Revista de Direito Tributário, v. 63, 1994, p. 46.

Page 76: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

75

da periodicidade anual seguida de recolhimentos mensais a serem feitos sobre bases de

cálculo estimadas, sujeitas a ajuste posterior (artigo 2º da lei n. 9.430/96) — nesse caso, tais

recolhimentos configuram meras antecipações; e relativamente às pessoas jurídicas tributadas

com base no lucro presumido ou arbitrado, tais regimes são alternativas à regra geral —

apuração de resultados com base no lucro real, que pode ser anual. Portanto, a opção pela

tributação trimestral em ambos os casos depende da conveniência para cada sujeito, pois a

legislação prevê a opção pela periodicidade anual — mais adequada, a nosso ver.102

Essas considerações nos levam a reconhecer incompatibilidade total do sistema de

tributação definitiva com o ordenamento jurídico-constitucional vigente. Como o conceito de

renda pressupõe o produto de um confronto que ocorre em um dado período de tempo, logo,

tributar de forma exclusiva e definitiva um evento considerado isoladamente desfigura tal

conceito na íntegra e cria o risco de se impor a exação não sobre a renda, mas sobre o

patrimônio do contribuinte. Daí a inconstitucionalidade da tributação definitiva prevista para

casos de aplicações financeiras, ganhos de capital e ganhos líquidos em mercados de renda

variável.

Todavia, como observa o professor Roque Antonio Carrazza,103 essa diretriz exclui

os casos de pagamentos feitos a estrangeiros — hipótese em que devem imperar o âmbito de

validade das leis brasileiras e o respeito ao princípio da igualdade, que será afrontado caso se

dê tratamento fiscal mais benéfico ao estrangeiro em relação ao nacional. Ao contrário do que

poderia aparentar, tal exceção atesta e confirma nosso pensamento sobre a

inconstitucionalidade da tributação exclusiva na fonte, porque resulta da ponderação de

princípios e, em última análise, atende a valores acobertados pelo texto constitucional

(soberania da federação, igualdade, capacidade contributiva etc.).

102 Reforçamos que a sistemática de retenção em fonte, uma vez prevista no texto constitucional (os artigos 157, I e 158, I da CF/88 aludem ao IR retido em fonte), pode ser admitida para se facilitar a arrecadação tributária desde que os montantes objeto de retenção sejam reconhecidos como “antecipações” a serem ajustadas ao final do período determinado. 103 CARRAZA, 2006, p. 43–4.

Page 77: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

76

Ainda sobre a periodicidade do IR, destacamos a problemática levantada por Luís

César Souza de Queiroz104 quanto à aplicabilidade dos princípios da irretroatividade e

anterioridade a esse imposto. Partindo do enunciado da Súmula 584 do Supremo Tribunal

Federal (STF),105 esse estudioso condena o posicionamento adotado pela Corte Suprema em

precedentes jurisprudenciais que entenderam pela possibilidade de que a lei editada no curso

do ano da entrega da declaração do IR possa ser aplicada aos fatos ocorridos no ano pretérito,

justificando a diferenciação feita entre ano-calendário e exercício. Com isso, os fatos

ocorridos no curso de um ano ficam sujeitos a regras que, porventura, venham a ser estatuídas

no ano subseqüente — prazo da entrega da declaração.

Essa linha de entendimento influi em nossas considerações sobre a periodicidade do

IR, pois de nada adianta fixarmos o período para apuração do tributo se admitirmos que

norma superveniente possa alterar a disciplina que lhe é aplicável. Toda norma deve se

projetar para o futuro, para regular fatos que lhe sejam posteriores. Se — por mera hipótese

argumentativa — fique acolhido esse posicionamento, então estamos admitindo a

possibilidade de uma lei atingir fatos passados, o que ofende os princípios da anterioridade e

irretroatividade. É imperioso que seja reconhecida a diversidade entre o critério temporal,

constante da regra-matriz de incidência tributária, e o prazo para atendimento aos deveres

instrumentais.

2.4.2 Do conseqüente da regra-matriz de incidência do IR

O preenchimento dos critérios indicados no antecedente da regra-matriz de

incidência do IR faz nascer a relação jurídica que vinculará dois sujeitos de direito — um

sujeito ativo, investido no direito de exigir um comportamento; um sujeito passivo, de quem

104 QUEIROZ, Luís César de Souza. Imposto sobre a renda — irretroatividade e anterioridade — os riscos da não-aplicação pelo STF. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ESTUDOS TRIBUTÁRIO DO IBET, 4., São Paulo. Anais... São Paulo: Noeses, 2007. 105 “Ao imposto de renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deve ser apresentada a declaração.”

Page 78: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

77

tal comportamento haverá de ser exigido — em torno de uma prestação que, na espécie,

deverá ser a entrega de dado quantum a título de IR. Trata-se do conseqüente dessa norma.

2.4.2.1 Critério pessoal

Como primeiro critério do conseqüente, assinalamos o pessoal, que visa identificar

os sujeitos envolvidos na relação jurídica referida há pouco. Como a União Federal tem

competência tributária para instituir o IR, então lhe cabe o posto de sujeito ativo da relação

jurídica tributária referente a tal exação. Uma das características fundamentais dessa

competência é a indelegabilidade,106 que nos impede de cogitar outro ente federativo que não

a União para figurar como sujeito ativo nessa relação jurídica.

Quanto ao sujeito passivo — aquele a quem foi imputado o dever de executar o

objeto da prestação —, a exegese dos dispositivos constitucionais imanentes ao tema, dosada

pelos princípios jurídicos que norteiam nosso ordenamento, conduz-nos à conclusão de que

deverá ser a pessoa, física ou jurídica, que estiver estritamente vinculada à materialidade,

diga-se, a pessoa que tiver efetivamente auferido renda. Em termos práticos, é aquela que

tiver demonstrado capacidade contributiva, daí a estreita vinculação existente entre esse

princípio e o critério pessoal da regra-matriz, ora sob análise.

Convém reforçar que o artigo 121 do CTN, que trata da sujeição passiva, inclui duas

figuras distintas: o contribuinte — definido como a pessoa que tenha relação pessoal e direta

com o fato jurídico tributário — e o responsável — definido como a pessoa que, estando

relacionada com o fato, é designada pela legislação para figurar no pólo passivo da relação

jurídica instaurada. A despeito da distinção entre contribuinte e responsável, temos como

certo que só o contribuinte pode figurar no pólo passivo da relação jurídica de cunho

tributário.

106 Isso se justifica — e não poderia ser diferente — porque a repartição das competências tributária impositivas decorre da vontade expressa da Constituição Federal; não estão sujeitas a modificações. Pensar de modo contrário impõe um afronta incontestável ao princípio federativo e à autonomia dos municípios.

Page 79: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

78

Sem pretendermos nos aprofundar no tema intrincado da sujeição passiva, cabe-nos

pontuar que, a nosso ver, no caso do IR, só a pessoa que praticou o fato descrito na hipótese

da regra-matriz de incidência tributária — auferir renda — reflete capacidade econômica para

poder contribuir com esse imposto. Portanto, conforme os princípios da pessoalidade e

capacidade contributiva, só a pessoa, física ou jurídica, que tiver auferido renda estará

compelida a levar aos cofres públicos da União Federal dado montante a título de IR. Disso

decorre que, nos casos de retenção em fonte, a fonte pagadora — que, nesse caso, fica

obrigada a descontar, do valor a ser pago, o montante correspondente ao IR, seguido de seu

competente recolhimento — assume a condição de substituta tributária (uma das formas de

responsabilidade), compondo uma relação jurídico-administrativo que “[...] tem por

fundamento o interesse da chamada ‘administração tributária’”.107

Com efeito, a obrigação de reter em fonte provém de uma norma jurídica

administrativa: consiste numa técnica de arrecadação que dá mais celeridade e segurança à

Administração Fazendária, sendo dotada, portanto, de natureza administrativa, e não

propriamente tributária. Temos ciência de que esse entendimento vai de encontro à visão de

parte significativa da doutrina,108 mas nos parece que permite construir uma regra-matriz de

incidência mais coerente com o arquétipo constitucional do IR. Em suma, deverá figurar como

sujeito passivo da obrigação tributária relativa ao IR apenas a pessoa, física ou jurídica,

beneficiária da renda, pois só ela reflete a necessária capacidade contributiva para ser

submetida à tributação.

2.4.2.2 Critério quantitativo

Analisar o critério quantitativo pressupõe analisar a conjugação entre base de cálculo

e alíquota, do que resulta o quantum apurado a título de tributo — nesse caso, o IR.

107 QUEIROZ, Luiz César Souza de. Imposto sobre a Renda — requisitos para uma tributação constitucional, Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 199. 108 Em sentido oposto, veja-se: MOSQUERA, 1999; NOGUEIRA, 2007.

Page 80: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

79

Esclarecemos que a investigação da base de cálculo converge para o objeto central deste

estudo, pois uma função dessa grandeza é mensurar o aspecto material da hipótese de

incidência. Assim, ao nos atermos aos elementos da materialidade do IR — no que nos

interessa diretamente, as despesas —, tratamos simultaneamente de sua base de cálculo,

porque são critérios que se imbricam. Nesse cenário, a base de cálculo do IR deve ser

considerada como o montante da renda efetivamente auferida, que, combinada com a alíquota

legalmente prevista, revelará o quantum devido a título desse imposto.

Essa composição é de fácil intelecção para a hipótese de incidência do IR aplicável às

pessoas físicas (IRPF), mas suscita questionamentos quanto às pessoas jurídicas (IRPJ); na

ótica das pessoas físicas, é uniforme o procedimento de aferição da renda, que pode ser

resumido pelo cotejo de certos ingressos de valores com determinadas saídas. Ao dizer isso,

não advogamos a tese de que não há vicissitudes na sistemática de tributação do IRPF — isso

seria precipitado nesse ponto —, mas externamos a constatação de que a aferição da renda

para tais sujeitos passivos é mais singela, a começar da adoção, geral e indistinta, do regime

de caixa. Bem ou mal,109 os critérios para cotejar ingressos com saídas são disciplinados pela

legislação nesse caso, mormente nos artigos 37 (traz a definição do que deve ser visto como

rendimento bruto) e 74 a 82 (enumeram as deduções aplicáveis aos rendimentos brutos),

ambos do Regulamento do Imposto de Renda (RIR), aos quais deve ser aliado o que a

legislação denomina parcela a deduzir, determinável em razão da faixa de alíquotas em que a

pessoa estiver situada e que também contribui na conformação da respectiva base de cálculo.

Todavia, há arestas a serem limadas no caso do IRPJ, em especial diante da nítida

complexidade para se apurar sua base de cálculo e da existência de regimes de tributação

109 Nesse ponto, inclinamo-nos a reconhecer que tais critérios estão “mal” disciplinados, porque, dentre outros pontos, há uma interpretação restritiva das despesas a serem consideradas para se aferir a renda, e isso ofende os princípios da igualdade e capacidade contributiva, porque desconsideram a renda líquida da pessoa física. Para Mary Elbe Queiroz (2004, p. 145), esse conceito seria aquele idealmente adequado para recair a tributação pelo IR–Pessoa Física, mas foi afastado pela legislação atual, que limitou as deduções possíveis. Acresça-se que as faixas de alíquota atuais para pessoas físicas não cumprem por completo o primado da progressividade

Page 81: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

80

diversos. Como dissemos, a regra geral do IRPJ segue a sistemática de tributação pelo lucro

real — nesse caso, a apuração da base de cálculo deve ser subsidiada por registros contábeis,

escriturados em livros e documentos próprios, parametrizada por critérios e princípios

contábeis e escorada na legislação comercial e societária. Tais requisitos, de observância

irrestrita, tornam a apuração da base de cálculo do IRPJ bastante complexa.

A base de cálculo do IRPJ-Lucro Real é identificada simplesmente como lucro ou

lucro fiscal, cumprindo assinalar que a definição pertinente, bem como os procedimentos para

sua apuração, tem sua gênese no decreto-lei 1.598, de 26/12/1977, estando reproduzidos no

RIR/99.110 José Artur Lima Gonçalves discorre sobre as grandezas relevantes para conformá-

la:

A base de cálculo do imposto de renda das pessoas jurídicas resulta de procedimento complexo, integrada que é por ingressos e saídas de recursos, acréscimos e decréscimos no valor intrínseco de bens, tudo computado dentro de certo período — cremos, anual — pressuposto pela Constituição, de modo insuperável. Por meio da contabilidade comercial — registros dos valores de cada uma desses elementos — elaborada a partir de determinações da lei societária, obtém-se o “lucro líquido do exercício” (categoria definida na chamada lei das sociedades por ações). O lucro líquido do exercício, assim obtido, sofre a incidência da lei tributária que prescreve certos ajustes — por adições, exclusões ou compensações —, resultando na categoria definida como “lucro real”, esse sim, representativo da base de cálculo do imposto sobre a renda da pessoa jurídica. Pois bem. Essa cadeia de eventos, a que devem corresponder rigorosos lançamentos contábeis, que se sucedem ao longo do período é traduzida — segundo a técnica contábil — em lançamentos numéricos significantes de unidade de moeda corrente nacional.111

110 Citemos os artigos 247 e 248 do RIR/99, que contêm os conceitos de lucro real e lucro líquido nestes termos: “Art. 247. Lucro real é o lucro líquido do período de apuração ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas por este decreto. (Decreto-lei nº 1.598, de 1977, art. 6º). § 1º A determinação do lucro real será precedida da apuração do lucro líquido de cada período de apuração com observância das disposições das leis comerciais (Lei nº 8.981, de 1995, art. 37, § 1º). § 2º Os valores que, por competirem a outro período de apuração, forem, para efeito de determinação do lucro real, adicionados ao lucro líquido do período de apuração, ou dele excluídos, serão, na determinação do lucro real do período de apuração competente, excluídos do lucro líquido ou a ele adicionados, respectivamente, observado o disposto no parágrafo seguinte (Decreto-lei nº 1.598, de 1977, art. 6º, § 4º). § 3º Os valores controlados na parte “B” do Livro de Apuração do Lucro Real – LALUR, existentes em 31 de dezembro de 1995, somente serão atualizados monetariamente até essa data, observada a legislação então vigente, ainda que venham a ser adicionados, excluídos ou compensados em períodos de apuração posteriores (Lei nº 9.249, de 1995, art. 6º). Art. 248. O lucro líquido do período de apuração é a soma algébrica do lucro operacional (Capítulo V), dos resultados não operacionais (Capítulo VII), e das participações, e deverá ser determinado com observância dos preceitos da lei comercial (Decreto-lei nº 1.598, de 1977, art. 6º, § 1º, Lei nº 7.450, de 1985, art. 18, e Lei nº 9.249, de 1995, art. 4º). 111 GONÇALVES, 2002, p. 198–99.

Page 82: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

81

Outrossim, José Antonio Minatel contribui para a compreensão dessa realidade pela

contraposição do conceito de renda com o de receita:

Por sua vez, renda para a pessoa jurídica é identificada pelo conceito de lucro, expressão material e quantitativa que não se confunde com a realidade concebida pelo conceito de receita [...] Resumindo, receita revela-se pela natureza de cada ingresso; lucro, pelo resultado positivo acrescido ao patrimônio, perdendo identidade o ingresso que contribui para sua materialização.112

Em suma, podemos dizer que a base de cálculo do IRPJ ou lucro fiscal é o resultado

positivo (porque — cabe reiterar — renda deve pressupor acréscimo patrimonial) apurado

pela pessoa jurídica segundo os preceitos da legislação comercial e com o ajuste devido. O

ajustamento pressupõe acréscimos e decréscimos, diga-se, ingressos e saídas, de modo que só

poderemos cogitar incidência do IRPJ quando os acréscimos forem superiores aos

decréscimos — tudo nos termos da disciplina legalmente estabelecida. Na prática, essa

determinação da base de cálculo parte de uma comparação entre balanços (o balanço do

período de apuração anterior e o daquele sujeito à tributação); trata-se da contraposição do

patrimônio em dado lapso temporal.

Ao esmiuçar o conceito de lucro real, a legislação infraconstitucional poderia nos

levar, numa interpretação apressada, a entender que, ao contrário do que reforçamos neste

trabalho, incumbiria ao legislador ordinário definir a base de cálculo e, logo, a materialidade

do IR. Embora haja opiniões divergentes, em nossa ótica tal interpretação não se sustenta

porque a assunção acrítica de premissas, seja ela qual for, não se coaduna com o pensamento

científico. Mesmo se uma disposição legal descreve a base de cálculo de dado imposto, ela

não permite concluir que isso cumpre o ordenamento jurídico. Noutras palavras, o legislador

agir de determinada forma não significa adequar tal comportamento aos pilares que escoram a

112 MINATEL, 2005, p. 105–7.

Page 83: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

82

ordem jurídica; ora, o próprio sistema prevê regras para controlar a constitucionalidade das

normas jurídicas.113

Nessa perspectiva, reiteramos: as normas jurídicas construídas segundo os

enunciados prescritivos da legislação infraconstitucional atinentes ao IR devem ser

confrontadas com as normas construídas com base no Texto Constitucional, para que seja

possível verificar se há, de fato, compatibilidade entre elas e se prestigiam os princípios

constitucionais tributários e os que, de forma mais próxima, informam o IR; do contrário,

corremos o risco de ter como resultado a inconstitucionalidade da exação instituída. Nessa

hipótese, não há dúvida de que a atuação do legislador infraconstitucional se esbarra na

própria Constituição: nos princípios e conceitos por ela postos ou pressupostos, e com os

quais ele deve ser coerente.

Para complementarmos essas considerações, esclarecemos que, além do lucro real, a

legislação prevê outras grandezas sobre as quais o IRPJ pode vir a recair e que figuram como

alternativas disponíveis ao sujeito passivo. Trata-se do lucro presumido e do lucro arbitrado,

referidos no próprio artigo 44 do CTN.114

O lucro presumido, segundo o artigo 516 e seguintes do RIR/99, consiste numa

presunção estimada do montante do lucro obtido mediante aplicação de um coeficiente sobre

o valor das receitas e sobre o qual, posteriormente, incidirá a alíquota, seja qual for o

resultado efetivo, positivo ou negativo; é uma opção direcionada a contribuintes que

obtenham receita bruta igual ou inferior a R$ 48.000,000,00 ao ano (artigo 13 da lei n.

9.718/98, com redação dada pelo artigo 46 da lei n. 10.637/2002). Forma excepcional

prevista nos artigos 529 e seguintes do RIR/99, o lucro arbitrado é empregado pelo Fisco de

113 “A presunção de validade das normas jurídicas é sempre uma expectativa, de sorte que uma decisão judicial pode a qualquer momento frustrá-la.” Ver: LINS Robson Maia. Controle de constitucionalidade da norma

tributária — decadência e prescrição. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 255. 114 Assinalamos, ainda, a existência do regime de tributação simplificada aplicável a microempresas e empresas de pequeno porte, denominado Simples Nacional, instituído em atenção ao mandamento constante do artigo 146, III, “d” da Constituição Federal, atualmente disciplinado pela lei complementar 123, de 14/12/2006.

Page 84: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

83

forma amiúde nos casos em que não há meios de se apurar a base de cálculo do IR por algum

outro sistema; trata-se de modalidade subsidiária a ser empregada quando, por algum motivo,

não houver como se apurar a base real, tampouco a presumida.

Enfim, para concluirmos esta exposição sobre o critério quantitativo da hipótese de

incidência do IRPJ, convém nos referirmos à alíquota. Em atenção ao princípio da legalidade,

este percentual haverá de estar previsto na lei, cabendo-lhe implementar a progressividade,

em atenção ao artigo 153, § 2º, I da Constituição.

Todavia, a legislação ordinária prevê apenas três faixas de alíquotas para pessoas

físicas (isenção, 15% e 27,5%) e duas para as pessoas jurídicas (15%, acrescido do adicional

de 10%, aplicável quando a base tributável — lucro real, presumido ou arbitrado — exceder o

valor resultante da multiplicação de R$ 20.000,00 pelo número de meses do respectivo

período de apuração — R$ 60.000,00/trimestre, conforme artigo 542 do RIR/99). Como se

pode ver, o cumprimento da progressividade é questionável na conjuntura atual, em especial

se tomarmos esse princípio num sentido amplo, nos moldes que propusemos linhas atrás.

2.5 Síntese da regra-matriz de incidência do Imposto de Renda (IR)

Com base nas conclusões feitas até então, podemos compor a regra-matriz de

incidência do IR a seguir.

• Antecedente:

critério material: auferir renda;

critério espacial: território nacional ou exterior, desde que atendido a critério de

conexão;

critério temporal: no último átimo de segundo do dia 31 de dezembro de cada

exercício (ano civil).

• Conseqüente:

Page 85: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

84

critério pessoal:

– sujeito ativo: União Federal;

– sujeito passivo: pessoa, física ou jurídica, sujeita à soberania do Estado

brasileiro, que tenha auferido renda.

critério quantitativo:

– base de cálculo: pessoa física — o montante da renda auferida; pessoa

jurídica — lucro real, presumido ou arbitrado;

– alíquota: pessoa física: 0%, 15% ou 27,5% — depende do montante da

renda auferida (tabela progressiva); pessoa jurídica: 15%, seguido do

adicional de 10% para quem superar a receita de R$ 20.000,00/mês ou

R$ 60.000,00/trimestre.

2.6 Imposto de Renda (IR) na legislação ordinária

Em remate a este capítulo e visando complementar a construção da regra-matriz de

incidência do IR, vemos como importante apresentar um panorama geral dos dispositivos da

legislação ordinária que versam sobre essa exação específica. Com isso, damos outro passo

rumo à identificação de eventuais inconsistências nas regras referentes a esse imposto. Em

respeito ao recorte metodológico da pesquisa, vamos nos restringir aos dispositivos relativos

ao IR–Pessoa Jurídica no regime de tributação do lucro real — doravante IRPJ —, indicando

os principais diplomas que evocam tal imposto e destacando algumas discussões que

atualmente começam compor a doutrina. Mas não trataremos em detalhes de tais dispositivos,

a uma porque tal tarefa, certamente, extrapolaria o escopo deste estudo; e a duas porque

estamos cientes da complexidade e das dificuldades de um trabalho desse jaez, pelo que não

nos sentimos habilitados para tanto. Assim, limitamo-nos a uma abordagem genérica com

eventuais comentários que nos parecerem pertinentes.

Page 86: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

85

Os primeiros contornos da atual estrutura remontam à lei 4.506, de 30/11/1964,

que estabeleceu alguns conceitos básicos ainda vigentes, a exemplo de receitas, custos,

despesas e outros. Depois, a Lei das Sociedades Anônimas ou Lei das S. A. (lei n. 6.404, de

15 de dezembro de 1976). Esse diploma empreendeu uma verdadeira reforma na disciplina no

anonimato no Brasil, até então regulada pelo decreto-lei 2.627, de 26 de setembro de 1940,

tendo sido responsável pela “juridicização” de princípios e diretrizes contábeis, tais como: a

adoção do regime de competência para o reconhecimento de receitas, custos e despesas, de

maneira que receitas e despesas devem ser incluídas na apuração do resultado do período em

que ocorrerem, independentemente de seu correlato pagamento ou recebimento; a introdução

de novas espécies de demonstrações financeiras, que dali em diante passaram a contemplar

informações mais detalhadas e transparentes; além da criação dos “registros auxiliares”, o que

motivou a criação do Livro de Apuração do Lucro Real (LALUR), objetivando segregar as

regras da legislação comercial e da legislação fiscal, evitando interferências desnecessárias.

Frente às significativas inovações trazidas pela novel legislação do anonimato, foi

editado o decreto-lei 1.598, de 26/12/1977, para adequar a legislação fiscal ao novo cenário

inaugurado pela Lei das S. A. mediante alterações na regulamentação do IRPJ.115 O sobredito

decreto-lei especificou as diretrizes para a tributação das pessoas jurídicas, com a definição da

grandeza sobre a qual, sob o aspecto eminentemente fiscal, haverá de recair o IR: o lucro real.

Eis alguns dos conceitos introduzidos por esse decreto-lei:

• lucro real (artigo 6º) — base de cálculo do IRPJ, definido como lucro líquido do

exercício ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou

autorizadas pela legislação tributária;

115 O preâmbulo do decreto-lei 1.598/77 segue a justificativa para sua edição: “O Presidente da República, no uso das atribuições que lhe confere o artigo 55, item II, da Constituição, tendo em vista a necessidade de adaptar

a legislação do imposto sobre a renda às inovações da lei de sociedades por ações (Lei nº 6.404, de 15 de

dezembro de 1976), decreta [...]”.

Page 87: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

86

• lucro líquido (artigo 6º § 1º) — resultado (soma algébrica de lucro operacional,

dos resultados não operacionais, do saldo da conta de correção monetária e das

participações), apurado com base nos preceitos da lei comercial, sobre o qual

incidirão os ajustes da lei fiscal para fins de determinação do lucro real;

• lucro operacional (artigo 11)116 — resultado das atividades, principais ou

acessórias, constitutivas do objeto da pessoa jurídica;

• custos e despesas (artigo 6º § 2º “a”)117 — deduções admitidas do lucro líquido

para fins de determinação do lucro real;

• receita bruta (artigo 12) — produto da venda de bens nas operações de conta

própria e o preço dos serviços prestados;

• receita líquida (artigo 12 § 1º) — receita bruta diminuída das vendas canceladas,

dos descontos concedidos incondicionalmente e dos impostos incidentes sobre

vendas.

Com base nessas disposições, fica justificado por que a base de cálculo do IRPJ é

identificada como o lucro, grandeza esta que deve ser compreendida na acepção de lucro real.

A adoção do regime competência para se reconhecerem os resultados ocorreu por meio do §

1º do artigo 6º, que, ao versar sobre lucro líquido, assevera que a apuração desse montante se

dará com base nos preceitos da lei comercial, que, por sua vez, prevê essa sistemática, ex vi do

artigo 177 da lei 6.404/76.118 Nesses termos, fica perceptível que foi pelo decreto-lei

1.598/77 que se estabeleceu uma conexão maior entre institutos jurídicos e princípios

contábeis, que antes se apartavam, esboçando, a partir daí, a sistemática vigente hoje.

116 Ou, de forma mais técnica, “resultado operacional”. 117 Oportunamente, no capítulo 4, apresentaremos as diferenças entre custos e despesas. 118 Art. 177. A escrituração da companhia será mantida em registros permanentes, com obediência aos preceitos da legislação comercial e desta Lei e aos princípios de contabilidade geralmente aceitos, devendo observar métodos ou critérios contábeis uniformes no tempo e registrar as mutações patrimoniais segundo o regime de competência.

Page 88: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

87

A disciplina atinente ao IRPJ, todavia, foi objeto de numerosas

modificações/complementações, que se sucederam ao citado decreto-lei, dentre as quais

citamos, exemplificativamente, a lei n. 7.713, de 22/12/1988, lei 8.383, de 30/12/1991, lei

8.981, de 20/1/1995, lei 9.249, de 26/12/1995 e lei 9.430, de 27/12/1996. Todos esses

diplomas veicularam importantes regras atinentes do IRPJ, e é digna de nota a lei 9.429/95,

que introduziu mudanças relativas à dedutibilidade fiscal. Ao lado desses diplomas, há outros

enunciados esparsos, muitas vezes isolados no corpo de textos de lei que versam sobre outras

matérias. De toda forma, a compilação de todos esses enunciados consta do decreto 3.000, de

26/3/1999, o Regulamento do Imposto de Renda, ou simplesmente RIR/99 — todos os seus

artigos derivam, na verdade, de textos legais.

Enfim, por termos feito referência ao decreto-lei 1.598/77, com a indicação das

circunstâncias que motivaram sua edição, incumbe-nos ventilar, rapidamente, a recente lei

11.638, de 28/12/2007 (originária da conversão do projeto de lei 3.741, de 2000), que, de

pronto, motivou intensos debates doutrinários sobre possíveis impactos na seara tributária.

Frise-se que essa legislação foi responsável pela alteração da Lei das Sociedades Anônimas

— lei 6.404/76 — e adveio com o escopo de possibilitar a convergência da disciplina

contábil praticada no Brasil às normas internacionais, derivadas do Internacional Accouting

Standars Board (IASB), instituto internacional que responde pela padronização de

procedimentos e normativas contábeis.

Nesse mister, a alteração mais questionada concerne à obrigatoriedade, vinculada por

esse diploma legislativo, para que os ativos e passivos das empresas sejam avaliados com

base no valor de mercado, inclusive nas hipóteses de reestruturações societárias

(incorporações, fusões e cisões), bem como a instituição da figura do lucro contábil, base para

a elaboração do balanço contábil, que seria um balanço societário propriamente dito. Além

disso, a mídia, inclusive a especializada, veiculou maciçamente a extensão da obrigatoriedade

Page 89: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

88

de publicação das demonstrações contábeis às sociedades limitadas consideradas de grande

porte.119

Mesmo com toda a celeuma gerada, acatamos a opinião de Natanael Martins,120 que

desvela o intento dessa novel legislação, esclarecendo que esta não deverá surtir efeitos

fiscais. Isso porque essa lei surgiu visando incentivar uma maior transparência e, para tanto,

criou mecanismos contábeis que permitem visualizar efetivamente a situação da empresa,

independentemente de ajustes fiscais, tudo objetivando suprir a necessidade de adequação da

disciplina contábil brasileira aos padrões internacionalmente acatados. Em razão disso, foram

introduzidas regras sobre como as informações fiscais devem ser produzidas. É certo,

contudo, que as regras tributárias continuam vigentes, na sua plenitude, não havendo que se

falar em impactos eminentemente fiscais.

Traçado esse panorama geral das características do IR, de sua compostura na Carta

Constitucional em vigor, da legislação complementar (CTN) e da legislação ordinária, agora

partimos para o exame de um conceito-base fundamental: o de renda, cerne deste trabalho.

119 Essa previsão consta do artigo 3º da lei 11.638/2007. O § 1º deste mesmo artigo 3º estabelece que, para fins desta lei, serão consideradas de “grande porte” a “[...] sociedade ou conjunto de sociedades sob controle comum que tiver, no exercício social anterior, ativo total superior a R$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais) ou receita bruta anual superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais)”. 120 MARTINS, Natanael. A reforma da lei das sociedades anônimas — lei n. 11.638/07 — e seus impactos na área tributária. Artigo inédito, 2008.

Page 90: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

89

Capítulo 3

CONCEITO DE RENDA

3.1 Considerações preliminares

Como foi dito, a Constituição Federal outorgou competência tributária à União

Federal para criar o Imposto sobre a Renda e proventos de qualquer natureza (IR), pela

disposição inscrita no artigo 153, III da Lei Maior. Relembre-se que tal enunciado não

responde, por si só, pela instituição do IR, mas sim por conferir à União — enquanto pessoa

política de direito constitucional interno — a aptidão para promover, in abstrato, tal

instituição. Esse exercício se executará, necessariamente, por meio de lei,121 para cumprir o

Primado da Legalidade, que orienta a atividade tributária. Aqui se impõe uma questão: visto

que caberá ao legislador ordinário a instituição do tributo, como essa atividade será

operacionalizada? Noutros termos, o legislador ordinário dispõe de que margem de liberdade

para cumprir esse mister, dadas as peculiaridades de nosso sistema jurídico?

A reflexão sobre esse questionamento leva ao objeto deste estudo, porque supõe

determinar os limites do aspecto material da hipótese de incidência dos tributos — nesse caso,

da espécie impostos. Como dissemos, ao conferir competência tributária aos entes da

Federação, o legislador constituinte pinçou da realidade fatos com conteúdo econômico —

fatos-signo presuntivos de riqueza, na expressão de Alfredo Augusto Becker122 — cuja

ocorrência desencadeia a incidência da regra prescritora da tributação, em termos técnicos, da

regra-matriz de incidência tributária. A Carta Constitucional, portanto, carrega vocábulos que

pretendem traduzir esses fatos, ensejando a incidência tributária, e que se relacionam com

121 À lei ordinária — veículo legislativo que a Constituição determina para instituição e majoração de tributos — equipara-se à medida provisória, que, oriunda do Poder Executivo, foi reconhecida como hábil para tal, pela jurisprudência. 122 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. São Paulo: Lejus, 2002, p. 504–5.

Page 91: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

90

objetos do mundo, assim entendidos como elementos do conhecimento. Em geral, seu

conteúdo semântico não é especificado no Texto Constitucional, o que dificulta ao exegeta, na

sua missão de construir as normas jurídicas, a imediata compreensão do objeto ou do estado

de coisas abarcado pelo comando.

Tal constatação nos leva a retomar os problemas de linguagem, sobretudo a vagueza

e ambigüidade, que truncam o discurso e obscurecem a mensagem — nesse caso, a mensagem

legislada. Ricardo Guiborg, Alejandro Ghigliani e Ricardo Guarinoni tangenciam esse tema

ao questionarem os sentidos de conhecer ou saber algo. Esclarecem que se trata de uma

sucessão de atos: a investigação lingüística, depois a aferição de eventuais defeitos

expressivos e, enfim, a estipulação do significado, se for assim necessário:

[...] começaremos a investigação pelo uso lingüístico, observaremos se nosso emprego dessas palavras é ambíguo, escolheremos, em seu caso, o significado que nos interesse, examinaremos seu grau de vagueza e, se for necessário, estipularemos algum significado mais preciso que satisfaça nossas expectativas.123

Tais considerações são úteis a este estudo porque qualquer pretensão de se investigar

o conceito na Constituição haverá de seguir o caminho supra-indicado; e com o conceito de

“renda” não será diferente: por ser ambíguo, seu conteúdo deve ser precisado, para se

assegurar uma intelecção exata da mensagem legislada em nome do rigor discursivo. Daí a

pertinência da questão apontada há pouco, concernente aos limites para atuação do legislador

ordinário, pois sua resposta influirá decisivamente na conclusão acerca da possibilidade de

que o legislador ordinário, por ocasião do exercício da competência tributária, modifique, ele

próprio, conceitos veiculados pela Constituição Federal; em outras palavras, defina o

123 GUIBORG; GHIGLIANI; GUARINONI, 1985, p. 81. No original em espanhol: “[...] empezaremos la investigación por el uso lingüístico, observaremos si nuestro empleo de esas palabras es ambiguo, elegiremos en su caso el significado que nos interese, examinaremos su grado de vaguedad y, caso necesario, estipularemos algún significado más preciso que satisfaga nuestras expectativas”.

Page 92: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

91

conteúdo semântico dos vocábulos e expressões trazidos pela Magna Carta — nesse caso, da

locução renda e proventos de qualquer natureza.

Quanto à regra-matriz de incidência tributária do IR, por nós construída no capítulo

precedente, afirmamos que se pode delimitar sua materialidade nestes termos: auferir renda ou

proventos de qualquer natureza, pois é nesse momento que se manifesta a capacidade

contributiva do contribuinte potencial.124 Assim, podemos afirmar que vai se inserir na

relação jurídico-tributária relativa ao IR toda pessoa física ou jurídica que promover a conduta

de auferir renda ou proventos de qualquer natureza. Se não houver algum desses elementos,

não há de se falar em IR.

A princípio esse raciocínio parece simplista, mas algumas ingerências no campo

pragmático dissipam tal aparência e trazem à tona a imprecisão do conteúdo semântico na

locução renda e proventos de qualquer natureza. Dito de outro modo, a dúvida está nas

ocorrências que configuram o fato jurídico renda (em sentido lato), desencadeando a

incidência do IR. Mas que ocorrências seriam essas? Não é fácil responder a essa questão,

visto que, nessa temática, são recorrentes conceitos de outras ciências, em especial da

economia e da contabilidade, que deixam entrever uma linha tênue entre essas realidades.

Somem-se a isso as diversas teorias construídas ao redor do conceito de renda que evoluíram

ao longo dos tempos, traduzindo diferentes concepções, todas válidas — porém, algumas

mais elaboradas, outras menos.

Embora até aqui tenhamos nos referido ao conceito de renda como complemento do

critério material do antecedente da regra-matriz de incidência do IR, esse elemento se vincula

estritamente ao seu critério quantitativo, de forma mais próxima com a base de cálculo.

124 Diz-se contribuinte potencial porque a Constituição Federal, ao distribuir as competências tributárias, delineou – ao menos para os impostos – o âmbito de incidência da respectiva regra-matriz tributária, indicando os contornos que o fato jurídico haveria de ter para fazer desencadear a relação jurídica. O legislador ordinário, ao exercitar essa competência tributária, fica adstrito ao âmbito de incidência pré-definido pelo constituinte, muito embora não necessariamente precise exauri-lo. É possível que, no exercício da competência, o legislador ordinário ponha a salvo da tributação determinadas pessoas ou situações jurídicas, daí porque nos referimos a potenciais contribuintes.

Page 93: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

92

Assim, como tais critérios se entrelaçam nessa estrutura normativa (ver capítulo 1), o

desbravar do conceito de renda se reflete na base de cálculo do IR, pois influi na sua

conformação. Por ora, vamos nos referir ao conceito de renda como gênero de que participa a

espécie proventos. Adiante, estabeleceremos as diferenciações devidas.

Todavia, antes de iniciarmos essa investigação, convém citar, ainda que rapidamente,

as teorias distintas sobre o conceito de renda, para delinearmos o panorama em que se

desenrolam as divergências doutrinárias.

3.2 Evolução do conceito de renda: teorias econômicas e fiscais

A definição do conceito de renda é tema que interessa não só a doutrinadores

nacionais: motiva debates acalorados desde os idos do século XVIII. Isso porque, conforme as

concepções teóricas adotadas, a origem e destinação da realidade renda variam.

Luís César Souza de Queiroz125 faz uma retomada histórica importante das teorias

relativas à conceituação da realidade tributável renda que muito contribui para a evolução do

pensamento científico nesse particular. Com base no estudo de Horácio A. García Belsunce126

— El concepto de redito en la doctrina y en el derecho tributário —, ele aponta duas

vertentes principais de conceituação: as teorias econômicas e as teorias fiscais. Sintetizamos

particularidades dessas duas vertentes a fim de construir um raciocínio que leve a uma

construção própria do conceito de renda.

3.2.1 Teorias econômicas

As teorias econômicas da renda se embasam — é evidente — em premissas da

economia, de que o direito toma emprestados alguns conceitos, sobretudo os referentes à

125 QUEIROZ, Luís César Souza de. Imposto sobre renda: requisitos para uma tributação constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 119 e seguintes. 126 Também citado nas obras de Aliomar Baleeiro, Rubéns Gomes de Souza, Henry Tilbery, José Artur Lima Gonçalves, Gisele Lemke e outros.

Page 94: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

93

matéria tributária. Em geral, essas teorias apregoam que renda consubstancia riqueza nova,

material ou imaterial, derivada ou não de uma fonte produtiva e, para alguns autores,

consumível. Convém dizer que, na esfera das ciências econômicas, o termo renda, não raro, é

tomado em sentidos diversos, denotando ambigüidades que, necessariamente, haverão de ser

eliminadas em sua inserção no mundo jurídico.

Ao percorrer a evolução desse conceito na ciência econômica, Luís César Souza de

Queiroz se reporta a diversos autores. Um deles é Adam Smith, cujas idéias foram divulgadas na

obra A riqueza das nações. Para esse pensador — diz Queiroz —, o conceito de renda não deve

incluir bens imateriais nem o uso que se faz dos próprios bens. Nessa perspectiva, os ganhos de

capital não caberiam no conceito de renda. Queiroz menciona ainda o pensamento de Jean B. Say,

Davi Ricardo, Thomas Robert Malthus, John Stuart Mill e Giuseppe Ugo Papi e outros.

Em geral — diz Queiroz127 —, a concepção fundamental de renda para as teorias

econômicas não delimita, com clareza, o conceito de renda nem o de rendimento: ambos são

empregados, sem distinção, para designar tanto aquisições patrimoniais pontuais decorrentes

de certo fato ocorrido em determinado momento quanto acréscimo patrimonial percebido em

dado lapso temporal. Na ótica jurídica, tais conceitos hão de ser diferençados. Esse autor

afirma ainda que, nas teorias econômicas, há vertentes em que renda é produto de uma fonte

produtiva ou fluxo de riquezas ou, ainda, simples aumento de valor patrimonial. Quanto à

necessidade de a renda ser consumida, ele aventa que alguns autores optam por considerar o

que foi consumido e não era qualificado como gasto necessariamente dedutível.

3.2.2 Teorias fiscais

127 QUEIROZ, 2003, p. 121–30.

Page 95: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

94

São classificadas como teorias fiscais da renda as que tomam esse conceito como

fato-objeto da tributação;128 incluem as teorias da renda-produto, da renda-acréscimo

patrimonial e legalistas.

3.2.2.1 Teorias da renda-produto (source income theory)

Definem renda como a renda líquida (deduzidos os gastos com conservação e

reconstrução do capital), material, periódica ou suscetível de sê-la, proveniente de fonte

produtiva durável. Nesse caso, o foco da definição é a origem da riqueza. Pressupõe a

aplicação do patrimônio, de modo que dela resulte o advento de riqueza nova.

3.2.2.2 Teorias da renda-acréscimo patrimonial (increment of wealth theory)

Segunda subespécie das teorias fiscais, as teorias da renda-acréscimo patrimonial ou

renda-ingresso — na expressão de Luís César Souza de Queiroz129 — consideram a renda

como todo ingresso líquido (deduzidos os gastos para sua obtenção e manutenção da fonte),

passível de valoração econômica, consumido ou reinvestido, que represente fluxo de riqueza

ou simplesmente valorização do patrimônio, num certo lapso de tempo, derivado ou não de

uma fonte produtiva. Nessa concepção, a riqueza nova será considerada como renda, seja qual

for sua fonte ou destinação.

3.2.2.3 Teorias legalistas

Como última subespécie das teorias fiscais, destacamos as teorias legalistas, de que

Rubéns Gomes de Sousa — co-autor de nosso Código Tributário Nacional —, Dino Jarach e

Carlos M. Giuliani Fonrouge foram precursores. Essas teorias negam a existência de um

conceito de renda pressuposto constitucionalmente, por isso dão liberdade ao legislador

128 Nesse ponto, assinalamos que quase todos os sistemas tributários do mundo prevêem tributos incidentes sobre a renda — fato de fácil aferição econômica — nos mesmos moldes do IR. Por isso, essa realidade é objeto de estudo de juristas de diversas nacionalidades. 129 QUEIROZ, 2003, p. 138 e seguintes.

Page 96: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

95

infraconstitucional para fixá-lo. Em seu estudo, Belsunce130 enquadra Rubéns Gomes de

Sousa como partidário dessa teoria por aproximar os conceitos de renda e rendimento: como

este é definido pelo direito positivo, logo aquele também o seria, por se ligar ao de

rendimento.

3.2.3 Importância da exposição das teorias sobre o conceito de renda

Convém expor as diretrizes fundamentais das teorias sobre o conceito de renda, já

referidas aqui, mas não para criticá-las, e sim para demonstrar que a questão em análise suscita

debates doutrinários relevantes. A importância de nos atermos a essas teorias nos leva, ainda, a

verificar as origens do conceito, de sua evolução e de suas diversas facetas. Das teorias

analisadas por Belsunce, algumas remontam ao século XVIII. A maturidade intelectual com que

tratamos do assunto hoje resulta de estudos que atravessaram séculos, testando o conceito em

diferentes regimes políticos e contextos sociais distintos. O exercício nos pareceu necessário

porque, explicada a teoria, passaremos à prática,131 para identificar a vertente de pensamento

adotada por nosso direito positivo. Destacaremos as posições doutrinárias principais.

3.3 O conceito de renda

Tratar do nosso tema primordial implica assumir uma posição que orientará e

subsidiará nossas conclusões: definir com o máximo de rigor a margem de liberdade de que

dispõe o legislador ordinário para tratar do conceito de renda,132 tarefa que exige uma reflexão

sobre a existência ou não do conceito de renda pressuposto em nosso sistema constitucional

tributário. Assim, não podemos negligenciar a estrutura do sistema tributário nacional —

nosso ponto de partida. Uma vez considerados os pontos que julgamos pertinentes,

esboçaremos nosso conceito de renda.

130 Apud QUEIROZ, 2003, p. 138. 131 O jurista é a intersecção entre a teoria e a prática, entre a ciência e a experiência — ver: Vilanova, 1977. 132 Ainda tratamos de renda no seu sentido genérico, abarcando, também, o conceito de proventos. As diferenciações pertinentes serão feitas adiante.

Page 97: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

96

3.3.1 Existe um conceito constitucionalmente pressuposto de renda no sistema constitucional

tributário pátrio?

Como já evidenciado ao longo deste estudo, nosso legislador constituinte considerou

como necessário distribuir à exaustão as competências tributárias aos entes federativos, o que

originou um sistema tributário rígido. Nesse sentido, é precisa a assertiva de Paulo de Barros

Carvalho de que:

O tema das competências legislativas, entre elas o da competência tributária é, eminentemente, constitucional. Uma vez cristalizada a limitação do poder legiferante, pelo seu legítimo agente (o constituinte), a matéria se dá por pronta e acabada, carecendo de sentido sua reabertura em nível infraconstitucional.133

Fica claro que a Carta Constitucional traz os contornos das materialidades dos

tributos, e isso é fruto desta opção legislativa: formatar um sistema tributário com

regulamentação minuciosa. O legislador constituinte assim o fez pelo fortalecimento da

Federação, fixando diretrizes que possibilitaram materializar a autonomia financeira de cada

ente federativo e a minimizar os conflitos de competência tanto quanto possível.

Roque Antonio Carrazza segue o mesmo raciocínio:

De fato, a Constituição Brasileira, ao discriminar as competências tributárias, traçou a regra-matriz de incidência (a norma-padrão, o arquétipo) de cada exação. [...] Destacamos que o legislador, ao exercitar qualquer das competências tributárias reservadas à sua pessoa política, deverá ser fiel à regra-matriz de incidência do tributo, pré-traçada na Carta Magna. Absolutamente não pode extravasar este verdadeiro molde

constitucional.134

O Imposto sobre a Renda não nos parece fugir à regra. No texto constitucional, há

indícios dos elementos de sua regra-matriz de incidência, portanto deverão ser observados

pelo legislador ordinário ao exercer sua competência tributária. Essa conclusão decorre,

133 CARVALHO, 2007, p. 247. 134 CARAZZA, 2006, p. 30–1.

Page 98: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

97

naturalmente, das características de nosso sistema constitucional tributário: rigidez e

exaustividade, por isso dispensa maiores conjecturas teóricas.

Entretanto, o tema ainda não está devidamente circunscrito. Mesmo se

considerarmos que a Carta Constitucional dá os contornos da regra-matriz de incidência dos

tributos, não está claro se a materialidade do IR135 se define no texto constitucional.

Objetivamente: há um conceito constitucionalmente pressuposto de renda (em sentido

amplo)? Acreditamos que sim — e um conceito oposto ao defendido pela corrente legalista da

renda.

Com efeito, a Constituição expressa a materialidade do IR e apresenta seu conteúdo

semântico. A opinião de Bulhões Pedreira, um dos grandes estudiosos do IR, senão o maior, é

que:

A Constituição Federal autoriza a União a impor tributos sobre a “renda e proventos de qualquer natureza”. No exercício do poder Legislativo cabe ao Congresso Nacional definir, na legislação ordinária, o que deve ser entendido por renda, para efeitos de tributação. Mas ao definir renda tributável o Congresso Nacional tem o seu poder limitado pelo sistema constitucional de distribuição do poder tributário, e fica sujeito à verificação, pelo Poder Judiciário, da conformidade dos conceitos legais como os de renda e proventos de qualquer natureza constante da Constituição, mas não ampliá-lo além dos limites compatíveis com a distribuição de rendas.136

Também José Artur Lima Gonçalves analisou o problema e concluiu que existe um

conceito de renda constitucionalmente pressuposto. Diz ele: “A própria Constituição

fornecerá, portanto, ainda que de forma implícita, haurível de sua compreensão sistemática, o

conteúdo do conceito de renda por ela — a Constituição — pressuposto”.137

Paulo Ayres Barreto partilha da opinião idêntica:

135 Não nos esqueçamos das implicações que decorrem, também, da base de cálculo, dada a vinculação estreita entre o critério material e o critério quantitativo da regra-matriz de incidência. 136 PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto de Renda. Rio de Janeiro: Justec, 1979, p. 02. 137 GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a Renda: pressupostos constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 171.

Page 99: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

98

Destarte, é crucial construir, com base no Texto Magno, o conceito de renda — e assim de cada uma das materialidades nele (texto constitucional) referidas — sob pena de comprometimento do funcionamento do subsistema constitucional tributário, notadamente no que concerne à sua rígida repartição da competência impositiva.138

Essas ponderações levam à constatação de que sobra pouca margem de liberdade ao

legislador ordinário para elaborar os enunciados prescritivos que vão originar as normas

jurídicas atinentes à tributação. Sua atuação encontra balizas diretamente na Magna Carta, que

devem ser observadas sob pena de a exação instituída ser incompatível com o sistema jurídico

pátrio e, assim, ser extirpada dele por atuação do Poder Judiciário, como observa Bulhões

Pedreira.

Com base nessas inferências, podemos concluir que a atuação do legislador

infraconstitucional é engessada? Ou seja, que não lhe cabe estabelecer nenhum critério sobre

o conceito de renda? A resposta a essa pergunta requer cuidados. Não questionamos o fato de

que a Constituição Federal traça os contornos do conceito de renda — logo, sua base deve

dela advir. Mas temos como certo que a Constituição não precisa tal conceito; apenas o

delimita, e tal delimitação não advém só da estrutura de nosso sistema jurídico (rígido e

exaustivo), como também — e sobretudo — do conteúdo, do sentido e do alcance dos termos

empregados pela Lei Maior.

Todo vocábulo usado pela Constituição está impregnado de um conteúdo semântico

mínimo, decorrente de seu uso comum, a que deve se ater o legislador infraconstitucional ao

exercer sua função. Ele não poderá extravasar o conteúdo mínimo dos termos

constitucionais.139 Por isso não desprezamos a possibilidade de o legislador ordinário

conceituar a realidade renda, mas é imperioso que não descuide dos limites impostos pela

138 BARRETO, 2001, p. 70. 139 Eis por que Roque Antonio Carrazza afirma que “[...] toda palavra (ou expressão) possui um ponto central, incontroverso, acerca de cuja significação as divergências são impossíveis. Era o que pretendia exprimir Jellinek quando prelecionava que ‘um conceito tem limites, do contrário não seria um conceito’” — ver: CARRAZZA, 2008, p. 63.

Page 100: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

99

Carta Constitucional. Como dissemos, os termos da Constituição padecem de vagueza e

ambigüidade, que impedem uma compreensão unívoca da mensagem legislada. Por causa

disso, parece-nos conveniente “redefinir” no âmbito infraconstitucional os conceitos referidos

pela Carta Magna, para, assim, precisarmos o comando.

Roberto Quiroga Mosquera traduz esse pensamento:

Claro está para nós que ao legislador ordinário federal é dado o direito de redefinir vocábulos utilizados no Texto Constitucional, no sentido de esclarecer o significado dos termos lingüísticos. Essa é uma tarefa natural e decorrente das deficiências da linguagem ordinária, fonte primeira da linguagem jurídica. Como já dissemos anteriormente, assim o fazendo, o legislador estará colaborando com o processo de comunicação social, mais especificamente, ele estará aperfeiçoando a linguagem do Direito Positivo.140

Na visão desse estudioso, o artigo 43 do CTN contém uma definição estipulativa, ou

seja, uma definição cujo significado é dado pelo intérprete, como já asseveramos.

Gisele Lemke141 adota uma linha que, em último plano, assemelha-se à que nos

referimos, embora a denomine de teoria legalista em sentido amplo. Essa autora também

entende que cabe ao legislador ordinário estabelecer o conceito de renda, com o impedimento

da tomada de fatos que, evidentemente, não reflitam renda, segundo o a Carta Constitucional

prevê. A despeito da nomenclatura diferenciada, as perspectivas são similares. Portanto,

recomenda-se o redesenho da materialidade/base de cálculo dos tributos — no que nos

interessa do IR — pelo legislador infraconstitucional ao exercer sua competência tributária.

Mas essa atuação encontrará limites nos parâmetros da Constituição Federal.

Nesse panorama, o legislador infraconstitucional pode, ao definir renda, adotar um

conceito menos amplo do que aquele previsto pela Constituição. Por exemplo, ele pode

suprimir a tributação dos ganhos de capital sem que disso resulte alguma incompatibilidade

com o sistema jurídico. Inadmissível é ir além das balizas constitucionais; é o que ocorre, por

140 MOSQUERA, 19 – Imposto sobre a renda p. 47 141 LEMKE, Gisele. Imposto de renda: os conceitos de renda e de disponibilidade econômica e jurídica. São Paulo: Dialética, 1998, p. 30.

Page 101: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

100

exemplo, com as disposições legislativas que pretendem tributar como renda valores

movimentados por instituições financeiras.

Enfim, preservar a competência impositiva discriminada na Constituição Federal

supõe uma questão de conteúdo, de modo que os conceitos por ela mencionados deverão ser

pormenorizados pelo legislador ordinário em atenção ao rigor do discurso. Como os conceitos

de renda e proventos não se diferem, cabe ao legislador ordinário conformá-los, respeitando

— é óbvio — os limites postos pela Constituição.

3.3.2 Análise das posições doutrinárias e conclusões preliminares

Vejamos como a delimitação do conceito de renda posta pela Constituição Federal é

tratada pela doutrina no seu papel de construir a metalinguagem142 da ciência do direito. Em

estudo sobre o IR, José Artur Lima Gonçalves nos apresenta as metodologias possíveis para se

aferir o conceito de renda e duas possibilidades de definição:

i) positivamente, pelo gênero próximo e da diferença específica deste termo, e ii) negativamente, pelo contraste do gênero próximo e diferença específica dos demais vocábulos constitucionais utilizados na discriminação da competência impositiva.143

Após examinar tal conceito, esse autor o define, com concisão e rigor, como: “(i) saldo

positivo resultante do (ii) confronto entre (ii.a) certas entradas e (ii.b) certas saídas, ocorridas

ao longo de um dado (iii) período”.144

De novo nos reportamos a Bulhões Pedreira e seu cotejo do conceito de renda com o de

capital:

Como já foi destacado, a noção de renda está ligada à idéia de um período de tempo. É a soma dos ganhos percebidos durante determinado período, e por

142 Em lógica, metalinguagem é linguagem que fala sobre outra linguagem, isto é, que tem como objeto outra linguagem. 143 GONÇALVES, 2002, p. 125. 144 GONÇALVES, 2002, p. 179.

Page 102: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

101

isso é definida como um fluxo. Já o capital é sempre referido a determinado momento no tempo, pois corresponde à renda realidade no passado, e poupada, ou acumulada. [...] e, se na apuração da renda em período subseqüente não se levasse em consideração o capital existente no início do período, estaríamos confundindo renda, ou seja, ganho no período, com o capital, que constitui ganho do período anterior.145

Também Modesto Carvalhosa reconhece o patrimônio como ponto de partida para a

tributação pelo IR; em sua definição,

[...] [patrimônio é] o conjunto de riqueza material, intelectual ou profissional de uma pessoa, capaz de produzir renda; [e renda é] [...] o aumento ou acréscimo do patrimônio, verificados num determinado espaço de tempo e que, para efeitos de administração tributária, em geral, coincide com um exercício civil que equivale a um exercício financeiro.146

Luís César Souza de Queiroz estabelece um método para identificar esse conceito que

começa na análise do contexto em que a expressão renda e proventos de qualquer natureza é

tomada pela Constituição, passa pelos limites relativos a esse conceito já estabelecidos pela

comunidade pré-constitucional e culmina na combinação dessa definição com os enunciados

prescritivos empregados pela Constituição. Após percorrer essa trilha, ele chega a esta definição:

Renda e proventos de qualquer natureza (ou renda em sentido amplo ou simplesmente Renda) é conceito que está contido em normas constitucionais relativas ao imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza e que designa o acréscimo de valor patrimonial, representativo da obtenção de produto ou de simples aumento no valor do patrimônio, apurado, em certo período de tempo, a partir da combinação de todos os fatos que contribuem para o acréscimo de valor do patrimônio (fatos-acréscimos) com certos fatos que, estando relacionados ao atendimento das necessidades vitais básicas ou à preservação da existência, com dignidade, tanto da própria pessoa quanto de sua família, contribuem para o decréscimo de valor do patrimônio (fatos-decréscimos).147

Por sua vez, Roberto Quiroga Mosquera sustenta que:

145 PEDREIRA, 1979, p. 16. 146 CARVALHOSA, Modesto. Imposto de Renda: conceituação no sistema tributária da carta constitucional. Revista de Direito Público, n. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967, p. 189. 147 QUEIROZ, 2003, p. 239.

Page 103: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

102

O imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza incide sobre o elemento patrimonial que se constitui numa majoração de patrimônio, isto é, incide sobre riqueza nova; “Renda e proventos de qualquer natureza” são elementos patrimoniais que não existiam antes no conjunto de direitos pré-existentes das pessoas e que não representam uma mera reposição de elementos patrimoniais ou permuta. Acréscimo, incremento ou majoração de elementos patrimoniais (riqueza nova) não se confunde com ingresso, entrada ou reposição de direitos patrimoniais.148

Mary Elbe Queiroz consigna, pelo sistema pátrio, a adoção da concepção clássica de

renda com este significado:

[...] acréscimo patrimonial e riqueza nova, revelada por três fatores: i) provir a renda de fonte já constante do patrimônio do titular (capital), ou diretamente referível a ele (trabalho) ou resultante da combinação de ambos; ii) a renda deve ser suscetível de proveito ou utilização pelo titular (consumo, poupança ou investimento), sem implicar no esgotamento ou redução da fonte produtora, o que implica a periodicidade do rendimento, isto é, sua capacidade de reproduzir-se a intervalos de tempo, pois, do contrário, a sua utilização envolveria a parcela do próprio capital; iii) a renda deve resultar da exploração da fonte pelo titular, o que exclui do conceito de renda, as doações, heranças e legados, que são considerados como acréscimos patrimoniais com a natureza de “capital” e não de “rendimento”.149

Maurício Bellucci diz que renda pode ser considerada como:

[...] aquilo que, respeitando o patrimônio jurídico das pessoas, corresponde a um resultado positivo líquido que se agrega ao patrimônio, originado do confronto, num lapso temporal, de enunciados-acréscimos que relatam fatores positivos auferidos a título gratuito ou por meio da aplicação de recursos materiais ou imateriais, correntes ou passados, ou em virtude de simples aumento no valor do patrimônio e de enunciados-decréscimos incorridos na produção dos enunciados-acréscimos, sejam eles os necessários à manutenção de uma vida digna para as pessoas físicas ou à manutenção da fonte produtora dos enunciados-acréscimos para as pessoas jurídicas, bem como àqueles realizados pelo particular em substituição ao Estado ou, ainda, decorrente de simples diminuição no valor do patrimônio, excluindo-se qualquer tipo de recomposição patrimonial.150

Por fim, vejamos a definição construída por Roque Antonio Carrazza. Após separar o

conceito de renda de outros usados pela Constituição, ele afirma que: 148 MOSQUERA, 1996, p. 137. 149 QUEIROZ, 2004, p. 88. 150 BELLUCCI, Maurício. Imposto sobre a renda e indenizações. 2008. Dissertação (Mestrado em Direito) — Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2008, p. 117.

Page 104: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

103

Dito de outro modo, renda e proventos de qualquer natureza são acréscimos patrimoniais experimentados pelo contribuinte ao longo de um determinado período de tempo. Ou caso preferirmos, são o resultado positivo de uma subtração que tem por minuendo os rendimentos brutos auferidos pelo contribuinte entre dois marcos temporais, e por subtraendo o total das deduções e abatimentos.151

Essas definições exemplificam reflexões importantes sobre o tema desta dissertação

e permitem visualizar as premissas, a diversidade de entendimentos e a construção final de

cada autor, sempre considerando as peculiaridades inatas ao sistema jurídico pátrio e, em

especial, os princípios que norteiam a tributação. Algumas noções parecem recorrentes, por

isso merecem destaque.

A primeira é a idéia de acréscimo patrimonial como algo capaz de revelar a

capacidade contributiva — necessária para justificar a incidência fiscal. Para aferirmos a

retidão desse entendimento, recorremos a Becker e sua afirmação de que a atividade de

tributação sempre perseguiu manifestações de riqueza — em seus termos, os fatos-signo

presuntivos de riqueza. Para esse autor, tal opção vem atender à certeza e praticabilidade152 do

direito tributário. A plausibilidade dessa posição se evidencia quando vemos que, dentre suas

funcionalidades, a base de cálculo das exações tributárias se correlaciona com sua respectiva

materialidade, por isso é hábil a mensurá-la. Ora, a correlação entre esses critérios — material

e quantitativo — da regra-matriz de incidência corrobora a afirmação de que os fatos jurídicos

eleitos pelo legislador constituinte devem ser passíveis de valoração. Como não se mensura

algo não quantificável, a base de cálculo não poderia mensurar o critério material se este não

fosse quantificável.

Nesse contexto, deduz-se a importância do patrimônio como centro da tributação e,

mais nítida e eficazmente, da tributação pelo IR. Não queremos dizer que a tributação pelo IR

ocorre sobre o patrimônio (porque patrimônio e renda são realidades distintas), mas que essa

151 CARRAZZA, 2006, p. 38 152 BECKER, 2002, p. 506.

Page 105: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

104

atividade toma o patrimônio como referência. A “medida” da renda parte do patrimônio. Cabe

aqui a diferenciação feita por Roberto Quiroga Mosquera: de um lado, a tributação poderá

onerar o patrimônio considerado numa perspectiva estática — ou seja, tomá-lo na íntegra

como riqueza acumulada; de outro, numa visão dinâmica, consideram-se as mutações

patrimoniais.153 Exemplificam a primeira classe o Imposto Sobre a Propriedade Territorial

Rural (ITR), Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), Imposto sobre a Propriedade de

Veículos (IPVA) e outros; a segunda, o Imposto de Importação, o Imposto de Exportação, o

Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e

Serviços (ICMS), dentre outros. Nesses termos, concluímos que o IR se enquadra na segunda

categoria, ou seja, atinge o patrimônio na sua perspectiva dinâmica, de modo que

necessariamente demanda mutação patrimonial. À luz das lições de Becker, essa mutação

deve revelar acréscimo patrimonial, incremento a algo pré-existente; do contrário, não

teremos presunção de riqueza. Constata-se que renda pressupõe acréscimo patrimonial, como

expressam a maioria dos doutrinadores aqui citados.

Todavia, uma questão se impõe: como aferir o acréscimo patrimonial exigido pelo

IR? Quer nos parecer obrigatório que, para aferirmos o acréscimo patrimonial, teremos de

considerar um patrimônio, aqui entendido como conjunto de bens e direitos pertencentes a

uma pessoa (em um dado local e tempo), que tenha tido incremento (resultante do confronto

entre determinados ingressos e determinadas saídas) em certo lapso de tempo. Assim, renda

pressupõe riqueza nova (porque se agrega a um patrimônio pré-existente), em dado período de

tempo e determinada conforme os princípios que informam a tributação, em especial o IR.

Não podemos cogitar a existência de renda sem considerarmos os princípios da

universalidade, generalidade, progressividade, além da capacidade contributiva e do mínimo

vital.

153 MOSQUERA, 1996, p. 99.

Page 106: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

105

A noção de tempo é inafastável do conceito de renda; o tempo é inerente,

imprescindível e essencial à incidência do IR;154 sua fluência possibilita comparar o que

existia antes (riqueza velha) com o que há depois (riqueza nova) — comparação fundamental

à caracterização da materialidade do IR. O viés pragmático dessa constatação sugere a

importância de analisarmos a periodicidade do IR — já o fizemos antes, ao tratar do aspecto

temporal do imposto, quando concluímos que, nos limites do sistema jurídico pátrio, a Carta

Constitucional impõe uma periodicidade anual. Assim, se é inconteste a necessidade de

tomarmos o elemento tempo para desenhar o conceito de renda, então se confirma uma

assertiva já feita aqui: a tributação definitiva155 padece de inconstitucionalidade flagrante. Um

evento isolado não pode revelar acréscimo patrimonial — pode até atuar como indício, mas

por si só não traduz renda. Cabem aqui as palavras de Hugo de Brito Machado: “a renda,

como acréscimo patrimonial, é um conceito unitário, no sentido de que não é possível que

tenha o mesmo titular, no mesmo período mais de uma renda. Assim é porque o conceito de

patrimônio é um conceito unitário”.

Em suma, nosso esboço do conceito de renda começa a tomar forma, dada a

conclusão de que renda (materialidade/base de cálculo) consiste na riqueza nova resultante de

certos ingressos e certas saídas, percebida num lapso temporal. Quanto à origem dessa

riqueza, a análise sistematizada de nosso ordenamento jurídico permite concluir que poderá

derivar do capital, do trabalho ou da combinação de ambos.156

A essas ponderações julgamos essencial acrescentar que, para cogitarmos a efetiva

existência de acréscimo patrimonial, é necessário considerar estes elementos ao mesmo

tempo: ingressos percebidos; despesas e custos incorridos; parcela necessária à preservação

154 Em Conteúdo jurídico do princípio da igualdade (2004), Celso Antonio Bandeira de Melo esclarece que elemento discriminador será não o tempo, mas o que nele ocorrer: se o tempo é igual a todos, o que se fez no seu decurso difere de pessoa para pessoa. No âmbito do IR, importa saber se, no tempo fixado pela lei, houve acréscimo patrimonial. 155 Há uma ressalva: os pagamentos feitos a estrangeiros, em que se admite a tributação definitiva para cumprir os princípios constitucionais da soberania da federação, da isonomia e da capacidade contributiva. 156 Artigo 43 do CTN.

Page 107: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

106

do mínimo vital. A correlação entre esses elementos possibilita verificar a existência de renda

juridicamente relevante para fins de tributação. Nesses termos, impõe-se a necessidade de

precisar o conceito de despesas, pois se vincula diretamente ao de renda.

As teorias que tratam do conceito de renda nos sugerem que o sistema jurídico pátrio

acolheu com mais ênfase a teoria da renda-acréscimo patrimonial — afinal, não se cogita a

idéia de renda sem acréscimo patrimonial, que lhe é inerente. A recíproca, contudo, não é

verdadeira, pois é possível haver acréscimo patrimonial em que não se configure renda, como

nos casos de imunidade.

A teoria da renda-produto, também, está presente no sistema, embora o CTN

especifique a fonte da renda — capital, trabalho ou a combinação de ambos — na

determinação da base de cálculo do IR (art. 43, I, CTN). Todavia, a nosso ver, ela não parece

abranger a íntegra das normas atinentes a essa exação. Ao declinar sobre os proventos (art. 43,

II), o CTN inclui nessa categoria todos os demais acréscimos não enquadráveis na classe

anterior, sugerindo que, apesar de o acréscimo patrimonial não decorrer de fonte produtiva

periódica, está sujeito à tributação.157

Embora esclareçam certas facetas da definição de renda, as considerações feitas até

este ponto não a concluem; mas não deixam dúvida de que suas balizas estão na Carta

Constitucional.

3.4 Conceito de renda constitucionalmente pressuposto

Neste capítulo, investigamos o conceito da expressão constitucional renda e

proventos de qualquer natureza, diretamente relacionada com a espécie tributária prevista no

157 Nesse sentido, na definição de proventos “[...] se compreendem os ganhos de capital (capital gains) e também prêmios de loteria, recompensas e semelhantes” — MACHADO, Brandão. Imposto de renda. Ganhos de capital. Promessa de venda de ações. Decreto-lei n. 1.510, de 1976. Direito tributário atual, v. 11/12. São Paulo: Resenha Tributária, 1992, p. 3.181–220. Apenas podemos cogitar a tributação, pelo IR, de ganhos de capital, prêmios de loteria e semelhantes se adotarmos a renda-acréscimo patrimonial, pois tais grandezas não se inserem na teoria da renda-produto.

Page 108: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

107

artigo 153, III da Carta Magna. Percorremos a evolução histórica desse conceito, salientando

as diferentes teorias que buscam explicitar essa realidade e trouxemos conceitos firmados por

uma importante fatia da doutrina. A partir de agora, enfocamos a construção de nosso

conceito de renda.

3.4.1 Definição do conceito de renda pela negativa ou por exclusão

Se todo conceito pressupõe um processo que possibilite descrever, classificar e

prever objetos cognoscíveis,158 todo processo supõe uma sucessão de atos. Assim, para

alcançarmos o conceito de renda, teremos de seguir um encadeamento de ocorrências.

A definição do conceito de renda poderá ser alcançada, negativa ou positivamente,

com base no texto constitucional: a definição pela negativa impõe seu cotejo com outros

vocábulos empregados pelo constituinte, estabelecendo suas diversidades;159 pela positiva

demanda estabelecermos a conotação160 da classe a que pertence o vocábulo, pormenorizando

seus traços fundamentais. Sabemos que não se pode empregar a definição pela negativa (ou

por exclusão) de forma absoluta, por ser insuficiente para conformar o conceito em toda sua

extensão. Assim, usá-la com parcimônia assegura mais rigor à delimitação conceitual. No

âmbito do IR, podemos construir uma definição, pela negativa, do conceito de renda,

contrapondo-o a outros empregados pela Constituição Federal, para designar outros objetos

que não o acréscimo patrimonial nos moldes definidos há pouco.

Roque Antonio Carrazza aplica esse método para esclarecer que,

Num primeiro relance, observamos que renda e proventos de qualquer natureza no Brasil é algo que não se confunde com a materialidade dos demais impostos contemplados nos arts. 153, 154, I, 155 e 156 da CF.

158 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 164. 159 A definição do conceito de renda pela negativa fica viabilizada por conta do postulado da unidade da Constituição — ver ÁVILA, 2008, p. 381. 160 Conotação é o conjunto de requisitos exigidos para se usar o signo em referência a um objeto determinado — ver: GUIBURG; GUIGLIANI; GUARINONI, 1985.

Page 109: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

108

Portanto, de logo podemos afirmar que renda não é nem importação, nem exportação, nem operação financeira, nem propriedade territorial rural, nem patrimônio, nem propriedade predial e territorial urbana etc. Em suma o legislador federal não tem liberdade para formular um conceito, seja de renda, seja de proventos de qualquer natureza, que abarque a prática de operações mercantis, a prestação onerosa de serviços, o patrimônio imobiliário e os demais fatos econômicos que compõem a base de cálculo de outros impostos, inclusive os compreendidos na chamada competência residual, de resto somente exercitável por meio de lei complementar.161

Assim, o conceito de renda não se confunde com qualquer outro fato eleito como

critério material de qualquer outra espécie tributária; e isso nos permite assegurar, igualmente,

a diversidade entre renda e rendimento: enquanto este representa um ganho isolado num

instante pontualmente determinado, aquela é acréscimo patrimonial resultante do excedente

de riqueza frente às despesas. Veja-se que, em essência, tais conceitos divergem

diametralmente.

Há outros conceitos correlatos ao de rendimento e renda. Por exemplo, José Artur

Lima Gonçalves destaca as diferenças entre os conceitos de faturamento — que representa

mero ingresso; capital — empregado pela Constituição na acepção de investimento

permanente; lucro — que representa o resultado positivo das atividades empresariais das

pessoas jurídicas, sendo espécie do gênero renda; ganhos — que também se refeririam a

ingressos; resultado — como situação final de um processo; patrimônio — como conjunto

estático de bens e direitos; e fortuna — também referida como conjunto de bens e direitos.162

A esses estes, José Antonio Minatel agrega os conceitos de receita — que pressupõe

um valor qualificado como contraprestação em negócios, mas não limitado a vendas de

mercadorias e serviços; ingressos — que consubstanciam as entradas como caráter de

definitividade; movimentação financeira — caracterizada como toda e qualquer transferência

161 CARRAZZA, 2006, p. 36–7. 162 GONÇALVES, 2002, p. 177–78.

Page 110: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

109

de recursos via instituições financeiras, seja qual for o negócio que a tenha motivado; e

indenização — que objetiva a recomposição patrimonial.163

Constatamos que os demais vocábulos mencionados em diversos enunciados

constitucionais não se assemelham ao vocábulo renda. Do contrário, o legislador constituinte

não teria tido o cuidado de empregar termos diversos cujo conteúdo semântico mínimo não se

assemelha, tal como demonstrado.

3.4.2 Renda versus proventos: diferenciações pertinentes

Neste momento, parece-nos pertinente aferir se os conceitos de renda e proventos se

diferem. Até aqui, referimo-nos a renda em sentido amplo; não nos preocupamos em separá-la

do conceito de proventos para não comprometer a fluência do discurso. Agora convém

estabelecer suas diferenças.

3.4.2.1 O vocábulo renda

Roque Antonio Carrazza retoma as origens etimológicas do vocábulo renda, derivado

[...] do Latim reditus (em Latim vulgar rendita), que deriva de reddere, algo que se repete, passou, com o significado, primeiro, de algo que se produz na terra e, depois, de qualquer riqueza nova, do Italiano reddito, e daí ao Espanhol renta e ao Francês revenue. Seguindo na mesma trilha, renda em Inglês é income (come in), denotando aquilo que “entra”; em Alemão é Einkonamen, significando “ingresso” ou “entrada”.164

A Carta Constitucional na sua atual redação165 conta com 17 aparições do termo

renda, nos seguintes dispositivos: 7º, XII; 30, III; 43, § 2º, IV; 48, I; 150, VI, “a”; 150, VI, “c”;

150, § 2º; 150, § 3º; 150, § 4º; 151, II; 153, III; 157, I; 158, I; 159, I; 159, § 1º; 201, IV; 201, §

163 MINATEL, 2005, p. 95–123. 164 CARRAZZA, 2006, nota de rodapé p. 35. 165 Da metodologia dogmática, que reconhece o direito hic et nunc, enfocaremos o texto atual da Constituição Federal para contextualizar o trabalho na conjuntura jurídica em que foi elaborado.

Page 111: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

110

12º. A leitura desses dispositivos não demora a elucidar que esse vocábulo foi tomado em

diferentes acepções no curso do texto constitucional. Em síntese, esclarecemos que nos

referimos a esse termo com o sentido de: poder aquisitivo de um indivíduo — no artigo 7º,

XII, 201, IV e 201, § 12; receitas públicas — no artigo 30, III e 48, I; poder econômico de

uma determinada região geográfica ou renda regional — no artigo 43, § 2º, IV; somatório de

rendimentos — no artigo 150, VI, “a” e “c”, § 2º, § 3º e §4º; remuneração de título público —

no artigo 151, II; e grandeza tributável — no artigo 153, III, 157, I, 158, I, 159, I, 159, § 1º.

Essa caracterização do emprego do vocábulo renda em diferentes sentidos denuncia a

polissemia patente no texto constitucional. No contexto desta pesquisa, interessa-nos,

sobretudo, o conceito de renda como grandeza tributável, diga-se, como materialidade do IR

— que, como foi dito, aparece nos artigos 153, III, 157, I, 158, I, 159, I e 159, § 1º da

Constituição. Ao longo deste trabalho, cuidamos de estabelecer algumas premissas, que

retomamos a seguir.

• A Constituição Federal delineia a materialidade dos tributos, dentre os quais a do

IR, de modo a impedir o legislador infraconstitucional de ultrapassar esses

parâmetros.

• O artigo 43 do ctn se refere à materialidade do ir como “[...] renda, assim

entendido produto do trabalho, do capital ou da combinação de ambos” ou, ainda,

como “[...] proventos de qualquer natureza, assim entendidos como acréscimos

patrimoniais não compreendidos no inciso anterior” (o inciso anterior se refere à

renda).

• O sistema jurídico pátrio adotou a teoria da renda-acréscimo patrimonial, em que

a tributação pelo IR recai sobre os incrementos patrimoniais, cuja aferição deve

seguir estes princípios: universalidade, generalidade, progressividade, mínimo

vital, capacidade contributiva.

Page 112: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

111

• A renda será sempre o resultado positivo de certas entradas e certas saídas

ocorridas em dado lapso temporal.

Dadas essas premissas, como noção nuclear do IR renda quer significar algo que, ao

fim e ao cabo de um lapso temporal, implica acréscimos a dado patrimônio econômico. Esse

critério deve estar presente e nos permitirá averiguar a capacidade contributiva daquele que

tenha auferido renda. Misabel Derzi reitera esse raciocínio ao afirmar que:

A idéia de renda está ligada fundamentalmente à idéia de período, porque só é renda o que representar um excedente, um plus, um acréscimo ao patrimônio ou à riqueza; significa a riqueza nova e, portanto, a idéia de continuidade necessária, e a idéia de que acréscimo patrimonial, se houver, é acréscimo ao patrimônio líquido.166

A dosagem segue a aplicação prática dos princípios informadores do ir: tributa-se

toda a renda auferida por qualquer pessoa, mas se respeita o mínimo necessário para sua

subsistência. Reforça-se esse maior ideal de justiça fiscal quando as alíquotas aplicáveis são

progressivas (e não simplesmente proporcionais), ou seja, são tanto maiores quanto maior for

a base de cálculo, quanto maior for a renda auferida.

Não é demais reiterar que renda é resultado: trata-se de um conceito relacional, pois é

produto de uma relação, de entradas e saídas ou, na expressão de Luís César Souza de

Queiroz, de fatos-acréscimos e fatos-decréscimos participantes do conceito de renda: se

aqueles superarem estes, estaremos diante de renda; em caso oposto, teremos prejuízo. Essa

dinâmica lhe é inata: não pode ser desprezada, sob pena de que reste caracterizada uma

exigência em desconformidade com a ordem jurídica.

Mas que fatos-acréscimos e fatos-decréscimos deverão ser considerados? Os

relevantes para o mundo do direito, e somente eles. É preciso que o direito reconheça o

acréscimo patrimonial para que possamos cogitar a incidência do ir; não basta o acréscimo ser

166 DERZI, 1994, p. 45

Page 113: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

112

contábil ou econômico: tem de ser jurídico. Fatos-acréscimos incluem rendimentos do

trabalho (por exemplo, salário, remuneração pela prestação de serviços etc.), do capital (a

exemplo dos rendimentos de financeiros, de aluguéis etc.) ou quaisquer outros rendimentos

(tais como ganhos de capital decorrente da venda de bem por valor superior ao valor da

aquisição); fatos-decréscimos abrangem todos os dispêndios incorridos para se obter renda e

os gastos necessários à manutenção da fonte produtora.

Eis os caracteres de renda como elemento do critério material e base de cálculo da

exação veiculada pelo artigo 153, III da Constituição Federal.

3.4.2.2 Sobre o vocábulo proventos e a locução de qualquer natureza

O vocábulo proventos — esclarece Mary Elbe Queiroz — “[...] deriva do latim

proventus, significando o resultado, lucro crédito. É o lucro ou ganho obtido em um negócio,

e tem sentido análogo a proveito ou resultado obtido”.167 No texto constitucional vigente, esse

vocábulo é empregado 23 vezes: nos artigos 37, XI; 37 § 10º; 40, § 1º; 40, § 1º, I; 40, § 1º, II;

40, § 1º, III, “b”; 40, § 2º; 40, § 3º; 40, § 7º, I; 40, § 11; 40, § 18; 40, § 21; 100, § 1–A; 103–B,

§ 4º, III; 130–A, § 2º, III; 151, II; 153, III, 157, I, 158, I, 159, I, 159, § 1º, 201, § 6º e 249,

caput. Também nessa hipótese o vocábulo foi tomado em diferentes sentidos: remunerações

de aposentadoria — nos artigos 37, XI, 37, § 10º, 40, § 1º, I, II, III “b”, § 2º, § 3º, § 7º, I, § 11,

§ 18, § 21, 100, § 1–A, 103–B, III, 130–A, III, 151, II, 201 § 6º; grandeza tributável — no

artigo 153, III, 157, I, 158, I, 159, I, 159, § 1º; e remunerações de aposentadorias e pensões

— no artigo 249, caput.

Em geral, a doutrina não aprofundou o estudo dessa realidade: poucos autores

buscaram sedimentar conceitos no âmbito do direito tributário. Dentre eles, citemos Geraldo

Ataliba, que afirmava se tratar de um termo de conteúdo jurídico preciso oriundo do direito

167 QUEIROZ, 2004, p. 67.

Page 114: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

113

administrativo e que significa: “[...] o dinheiro recebido por uma pessoa em razão do trabalho,

mas depois que ela já deixou de trabalhar, por motivo de idade ou de doença”168 — para ele,

quer significar aposentadoria. Essa noção foi seguida depois por Roberto Quiroga Mosquera,

a quem também aparentava ser esse o sentido mais adequado ao interpretar o enunciado

constante do artigo 153, III da Carta Magna.169

Entretanto, em sua análise, esse último autor enfoca a locução de qualquer natureza e

conclui que, ao empregá-la, o legislador constituinte não restringiu ao alvo do IR só os

rendimentos originados do trabalho, do capital e da aposentadoria; estendeu a incidência desse

imposto também a rendimentos de outras espécies, decorrentes de outras fontes. É sagaz sua

observação no sentido de que “[...] a expressão ‘de qualquer natureza’, em nosso entender,

desqualifica o conceito anteriormente analisado, de forma isolada, da palavra proventos”.170

Luciano Amaro explica a expressão referida pela retomada histórica do imposto sobre a

renda: as Constituições de 1934 e 1946 se valeram da expressão proventos de qualquer

natureza para dirimir dúvidas se o IR deveria recair sobre ganhos ou proveitos de qualquer

natureza.171 Por isso, esse autor põe renda e proventos como sinônimos, ainda que

imperfeitos, pois ambos se correlacionam com ingresso de riqueza nova em dado patrimônio,

de qualquer origem.

Seja como for, parece-nos que a Constituição Federal, ao fazer predominar a teoria

da renda-acréscimo patrimonial, impõe como pressuposto para termos renda — como base

tributável — a configuração de um incremento patrimonial de qualquer natureza e advindo de

qualquer fonte. Assim, quando tivermos presente acréscimo patrimonial, teremos configurada

renda em sentido lato. É a base tributável do IR. Desse modo, pretendemos demonstrar que o

168 ATALIBA, 1994, p. 58. 169 MOSQUERA, 1996, p. 75. 170 MOSQUERA, 1996, p. 75. 171 AMARO, Luciano. Imposto de Renda: regime jurídico. In: MARTINS, I. G. S. (Coord.). Curso de direito

tributário. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 282.

Page 115: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

114

ir incide sobre a renda; e, conforme nosso sistema, essa realidade só se constituirá quando

configurado acréscimo patrimonial.

De sua parte, proventos tributáveis são os que necessariamente acarretam acréscimo

patrimonial, por isso se pode falar, com propriedade, que são espécie do gênero renda. Essa

construção se justifica porque tomamos, neste trabalho, a renda como elemento da

materialidade e da base de cálculo do IR. Incutimos-lhe o sentido de um gênero, conotado por

caracterizar acréscimo patrimonial, de que proventos é espécie.

3.5 Construção do nosso conceito de renda

Apresentamos uma definição do conceito de renda pela negativa e advertimos que,

embora importante, ela não bastaria para delinear firmemente tal conceito. Seria necessário

buscar, no Texto Constitucional, elementos para uma conceituação positiva que conformasse

sua conotação. Chegamos a esse ponto. Partindo dos elementos e das premissas sedimentados

neste estudo até aqui, propomos que o conceito de renda, numa perspectiva jurídica, possa ser

delimitado como o resultado positivo líquido, que acresce ao patrimônio jurídico, aferido a

partir da contraposição, num período correspondente a um ano, entre fatos-acréscimos,

decorrentes de ingressos de receitas próprias novas, e fatos-decréscimos, assim entendidos os

dispêndios incorridos para a produção dos fatos-acréscimos ou necessários à manutenção de

sua fonte produtora, respeitando-se o mínimo necessário à subsistência, quer seja da pessoa

física ou da pessoa jurídica. Com base nesse conceito, pormenorizamos os denominados

fatos-decréscimos, que ajudam a conformar o conceito de renda que construímos.

Page 116: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

115

Capítulo 4

DEDUTIBILIDADE NO CONTEXTO DO IMPOSTO DE RENDA PESSOA JURÍDICA (IRPJ)

No capítulo anterior, limitamos o conceito de renda como grandeza tributável e

delimitamos o aspecto material da regra-matriz de incidência do Imposto sobre a Renda e sua

base de cálculo. Também assinalamos a possibilidade de que o mesmo enunciado prescritivo

permite construir mais de uma regra-matriz de incidência tributária, para justificar a

possibilidade de termos uma regra-matriz de IR aplicável a pessoas físicas e outra, a pessoas

jurídicas. Entretanto, nessas duas hipóteses, temos como elemento central da tributação —

diga-se, como fato signo-presuntivo de riqueza — a realidade denominada renda, que

definimos no capítulo precedente. Daí a afirmação, procedente, de renda ser um conceito

relacional, porque deriva de uma relação entre fatos-acréscimos e fatos-decréscimos.

4.1 Conceito de renda e o problema da pesquisa

Os limites do conceito de renda são dados, desde o início, pela Lex Mater, que

delineia suas nuanças, diferençando-o de outros conceitos tomados em sentido diverso (por

exemplo, faturamento, receita, rendimento, patrimônio e outros). São os contornos

preliminares de uma definição pela negativa que, embora insuficientes para precisar a

semântica do conceito, servem como parâmetros, de observância irrestrita, para a atuação do

legislador ordinário.

Ante o conceito que firmamos, fica claro que nem todos os fatos-acréscimos e fatos-

decréscimos são relevantes para conformar a renda; relevam os que contribuem diretamente

para o acréscimo patrimonial do sujeito, dado inerente e fundamental ao conceito de renda.

Page 117: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

116

Assim, qualquer apreciação pretendida desse conceito vai exigir que se contraponha a

realidade dos fatos-acréscimos à dos fatos-decréscimos, conforme mostra o capítulo 3.

Neste estudo, pretendemos aprofundar a análise de um dos elementos conjugados

para conformar o conceito de renda: os fatos-decréscimos, que são gastos ou dispêndios

traduzíveis em diversas figuras, sobretudo no âmbito das pessoas jurídicas172 (custos,

despesas, perdas). Embora, contabilmente, tenham naturezas e finalidades diversas, todos têm

um ponto em comum: ser uma saída de recursos financeiros feita para viabilizar um

acréscimo patrimonial ou manter sua fonte produtora.173

As diferenciações conceituais pertinentes serão feitas oportunamente, embora

advirtamos que as maiores divergências estão na figura das despesas. Como a legislação

enseja dúvidas na interpretação prática dessa diretriz ao dispor sobre a dedutibilidade das

despesas operacionais da pessoa jurídica, ao discorrermos sobre os fatos-decréscimos vamos

nos referir às despesas sem a preocupação de, permanentemente, especificar que há outras

figuras a seu lado. Buscaremos construir um conceito de despesas como fatos-decréscimos

sem perder de vista a completude do conceito de renda, que o incorpora. Numa analogia

ilustrativa, é como se pretendêssemos analisar o conceito de tijolo cientes de que este está no

conceito de casa, isto é, participa da construção desta.

Ainda nos compete reforçar que nosso foco serão as despesas na ótica das pessoas

jurídicas, tributadas pelo lucro real. Essa modalidade de tributação é a única em que a figura

172 Para as pessoas físicas, em geral se fala só de despesas. 173 Em termos contábeis, gastos ou dispêndios compõem um gênero que tem custos, despesas e perdas como espécies. Adriano Leal Bruni e Rubéns Famá apresentam esta definição “gastos ou dispêndios consistem no sacrifício financeiro que a entidade arca para a obtenção de um produto ou serviço qualquer. Segundo a contabilidade, serão em última instância classificados como custos ou despesas, a depender de sua importância na elaboração do produto ou serviço. Alguns gastos podem ser temporariamente classificados como investimentos e, à medida que forem consumidos, receberão a classificação de custos ou despesas” — em: BRUNI, Adriano Leal; FAMÁ, Rubéns. Gestão de custos e formação de preços: com aplicações na calculadora HP12C e excel. São Paulo: Atlas, 2003, p. 25 (série Finanças na Prática). Mais objetivo, Luiz Antonio Bernardi define gastos como “[...] tudo o que se desembolsa para atender às finalidades da empresa, através de atividades de produção, administração e vendas, inclusive investimentos nas mesmas” — ver: BERNARDI, Luiz Antonio. Política e formação de preço: uma abordagem competitiva, sistêmica e integrada. São Paulo: Atlas, 1996, p. 39.

Page 118: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

117

das despesas ganha relevo.174 Para isso, já sublinhamos a advertência feita por Luís César

Souza de Queiroz:

Há quem aprecie essa matéria procurando responder a seguinte questão: para fins de IR, qual a margem de liberdade do legislador infraconstitucional para determinar que “despesas” (mais precisamente fatos-decréscimos) são necessariamente dedutíveis da renda (renda ou proventos de qualquer natureza)? Essa forma de encarar o tema parece ser inadequada, parece denotar forte imprecisão, considerando o sistema constitucional brasileiro. Parte-se do pressuposto que existem dois conceitos distintos e independentes: o de renda — grandeza que representa a base tributável do IR e que seria informada exclusivamente por fatos-acréscimos; e o de “despesas (fatos-decréscimos) necessariamente dedutíveis” — grandeza que deveria ser deduzida (diminuída, subtraída) da renda, com o propósito de proceder a um “ajuste” do valor a ser pago a título de IR. Essa imprecisão fica evidenciada quando se leva em consideração a definição do fato renda, a qual somente pode ser construída a partir da necessária combinação dos conceitos “fato-decréscimo” e “fato-acréscimo”.175

Com efeito, as despesas concorrem para conformar o conceito de renda. Aliás,

convém dizer, se os fatos-decréscimos superarem os fatos-acréscimos, teremos não a

configuração de renda — porque inexiste acréscimo patrimonial —, mas de prejuízo — não se

constituindo, nesse cenário, obrigação tributária relativa ao IR.

Na prática, o uso consagrou a expressão despesas necessariamente dedutíveis como

indicativa dos fatos-decréscimos auxiliares ao desenho do conceito de renda. A rigor, parece-

nos até mesmo despiciendo o qualificador necessariamente dedutível. Se a renda é o resultado

positivo de uma combinação de fatos — entradas e saídas —, então as saídas serão

necessariamente computadas para a configuração exata desse resultado. Idealmente, diríamos

que a ocorrência de um fato-despesa exige que este seja dedutível; trata-se de uma

característica que lhe é peculiar. Noutra analogia, é como considerar o estado de ser

proprietário assinalando, para tanto, a necessidade de se ter o título da propriedade: ser

174 Como dissemos no capítulo 2 (item 2.4.2), além do lucro real, há o lucro presumido e o arbitrado, opções disponíveis ao contribuinte, mas para os quais o elemento das despesas não importa, visto ser o montante devido a título de IR apurado sobre bases presumidas/arbitradas. 175 QUEIROZ, 2003, p. 262–3.

Page 119: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

118

proprietário supõe a posse do título da propriedade. Igualmente, caracterizar-se como despesa

para fins de IR pressupõe sua necessidade, portanto sua dedutibilidade.

Mesmo assim, a qualificação necessariamente dedutível se evidencia quando

constatamos que, na prática, o tratamento dado às despesas não é livre de dúvidas. Ao

contrário, veremos que as disposições legislativas referentes às despesas se caracterizam

como cláusulas abertas; não há na legislação um elenco exemplificativo tampouco taxativo

dos dispêndios que se enquadram nesse conceito — o que, para nós, é uma estratégia

acertada.

Contudo, por causa disso, não raro os operadores do direito se deparam com dúvidas

sobre a possibilidade de deduzir certos dispêndios. Essas ponderações apontam o núcleo da

questão debatida: a classificação dos dispêndios como despesas para fins de IRPJ. Classificar

supõe agrupar objetos segundo um atributo (ou alguns atributos) que lhe(s) seja(m) comuns.

Assim, uma classe de objetos — designada por um nome — é sempre composta por

elementos detentores de um atributo que permite diferenciá-los dos demais. Aqui se impõem

os conceitos de gênero próximo e diferença específica, categorizados por Paulo de Barros

Carvalho nestes termos: “[...] diferença específica é o nome que se dá ao conjunto de

qualidades que se acrescentam ao gênero, para a determinação da espécie”.176

No contexto deste estudo, quais serão os atributos que nos permitirão, no conjunto de

dispêndios experimentados por uma pessoa jurídica, classificar os dedutíveis para fins de

IRPJ? Que diferença específica permite separar o conjunto das despesas necessariamente

dedutíveis177? O legislador infraconstitucional, ao instituir os tributos e regulamentá-los,

dispõe de alguma liberdade para vedar ou restringir o uso desses dispêndios (fatos-

decréscimos) a fim de conformar o fato jurídico tributário que ensejará a incidência do IRPJ?

Eis algumas questões-chave para esta pesquisa; agora vamos à construção as respostas.

176 CARVALHO, Paulo de Barros. IPI: comentários sobre as regras de interpretação da tabela NBM/SH (TIPI/TAB). Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, v. n. 12, set. 1996, p. 54. 177 A despeito da crítica feita à denominação, empregamo-la tendo em vista seu uso prático recorrente.

Page 120: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

119

4.2 Fatos-decréscimos ante os princípios informadores do Imposto sobre a Renda (IR)

Os fatos-decréscimos compõem o conceito de renda. Isso é fato. E assim o é para que

a tributação pelo IR recaia sobre o acréscimo patrimonial, sobre a riqueza econômica

percebida pelo sujeito passivo em dado lapso de tempo (ano), possibilitando o cumprimento

dos princípios constitucionais tributários e os princípios que informam diretamente esse

imposto. Nos limites do conceito de renda, fatos-decréscimos — ora referidos como despesas

— são confrontados com os fatos-acréscimos.

A noção de despesa sugere a idéia de dispêndio ou gasto; portanto, os ingressos serão

confrontados com os dispêndios. Mas com todo e qualquer dispêndio? Não! Nem todos os

dispêndios ou gastos são dedutíveis para fins de tributação. O ordenamento jurídico impõe

alguns parâmetros para se definir o que deve ser visto como despesas: o dispêndio deverá ter

sido incorrido para viabilizar o fato-acréscimo; o dispêndio deverá ter sido incorrido para

garantir a manutenção de sua fonte produtiva. Qualquer um desses requisitos deve estar

presente para cogitarmos a configuração de uma despesa. Gastos aleatórios, alheios ao

objetivo social da pessoa jurídica ou que nada lhe agreguem, não são despesas para fins de

tributação; representam consumo da renda: “[...] aquela parcela da renda em sentido estrito

(receitas menos despesas) que não foi utilizada para poupança, mas para gastos que não

seriam necessários para a obtenção das receitas”.178

Embora pareça simples, é fundamental estarmos cientes da necessidade de se

cumprirem esses requisitos, pois isso se reflete na noção de renda que construímos. Não basta

definirmos renda como produto de ingressos próprios179 versus despesas; isso implicaria a

conclusão — equivocada — de que tal grandeza (renda) resultaria de uma simples operação

matemática, o que não converge para a realidade. A diferença nítida entre fatos-decréscimos

178 LEMKE, 1998, p. 64. 179 Por sempre nos referirmos a ingressos próprios, excluímos as movimentações financeiras do conceito de renda. Elas podem até ser um indício de renda, mas não necessariamente a refletem.

Page 121: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

120

(atuantes em conjunto com fatos-acréscimos para conformar o conceito de renda) e renda

consumida impõe a necessidade de se estabelecerem critérios que permitam separar

corretamente essas realidades e atribuir os efeitos jurídicos próprios a cada uma delas.

O raciocínio deve ser rigoroso. A noção de renda encampada pelo sistema jurídico

pátrio impõe a configuração de um acréscimo patrimonial representativo de riqueza nova,

podendo ser de qualquer natureza ou oriundo de qualquer fonte e percebido entre dois marcos

temporais. Assim, não há limitação à natureza ou origem dos fatos-acréscimos, embora nem

todo ingresso importará para a determinação da renda. A princípio, na concepção que

firmamos sobre essa grandeza — renda —, será necessário que os fatos-decréscimos

consubstanciem ingressos próprios, não se admitindo considerar, para aferição da renda,

ingressos que sejam de titularidade de terceiros. Além disso, há ingressos que se excluem

dessa qualificação, a exemplo daqueles decorrentes de financiamentos, aumentos de capital,

alienação de bens do patrimônio até seu valor de custo, ou de indenizações. Por sua essência,

tais gastos não participam do conceito de renda, pois, segundo José Artur Lima Gonçalves,

representam “[...] mera rearrumação patrimonial”.180

Como dissemos, quanto aos fatos-decréscimos, deve haver uma correlação destes

com o próprio ingresso; ou seja, o dispêndio deve ter contribuído para a percepção do fato-

acréscimo ou propiciar a manutenção da fonte produtora do fato-acréscimo, o que ocorre pelo

influxo dos princípios jurídicos, em especial os que informam o IR. Assim, os fatos-

acréscimos e os fatos-decréscimos que, confrontados, conformam o conceito de renda devem

se relacionar com a noção de acréscimo patrimonial, núcleo fundamental desse mesmo

conceito (de renda). O resultado desse confronto, se for positivo (se os fatos-acréscimos

superarem os fatos-decréscimos), se consubstanciará na renda auferida efetivamente.

180 GONÇALVES, 2002, p. 182.

Page 122: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

121

Pensar de outro modo, desprezando-se essa lógica, reduz o processo de aferição da

renda a uma operação matemática, o que distorce sua essência. José Artur Lima Gonçalves

assentou que:

A restrição a “certas” entradas e “certas” saídas é imperativa do corte necessário à análise, somente, daqueles eventos que tenham ontologicamente significado relacionado ao conceito do acréscimo patrimonial que entendemos configurar renda. Nesta medida, nem todo ingresso é relevante para o conceito de renda [...] impondo-se selecionar, somente, as entradas que possam significar, ou influir, no pesquisado incremento. [...] O mesmo se dá com as saídas. Não se admite que todas elas possam ter a virtude, o efeito jurídico de servir de elemento neutralizador de ingressos, para fins de confronto e constatação de eventual saldo positivo. Daí referirmos “certas” saídas.181

Esse exemplo toca no cerne da questão, qual seja, as despesas importantes para fins

tributários devem ser qualificadas. Mas essa afirmação suscita alguns questionamentos: como

qualificá-las? A quem cabe fazê-lo? Quais são os requisitos objetivos a serem atendidos?

Quais são as provas necessárias para tal qualificação? A resposta relativa aos qualificadores

das despesas não deve ser buscada em qualquer outra fonte senão nos princípios jurídicos,

como demonstraremos.

4.2.1 Dedutibilidade como elemento de salvaguarda dos princípios da igualdade, capacidade

contributiva, vedação do uso de tributo com efeito de confisco, segurança jurídica,

mínimo existencial

Considerando-se os princípios da universalidade e da generalidade, encontramos a

justificativa para os fatos-acréscimos — que, combinados com os fatos-decréscimos,

originarão a renda — advirem de qualquer fonte e serem percebidos por qualquer pessoa. Tais

normas prescrevem que serão alvo do IR todas as rendas e todos os proventos auferidos

(universalidade) por toda e qualquer pessoa (generalidade). Daí a procedência da afirmação

anterior de que, em princípio, todos os ingressos percebidos contribuirão para determinar a

181 GONÇALVES, 2002, p. 182–3.

Page 123: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

122

renda, excluindo-se só os que, por essência, não se prestem a contribuir para a conformação

de riqueza nova, promovendo mera rearrumação patrimonial.

Quanto às despesas, de outra parte, reprisamos que deverão ter sido incorridas ou

para viabilizar a produção dos fatos-acréscimos, ou garantir a manutenção da fonte produtora.

Com base nos reflexos irradiados pelos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e

de vedação do uso de tributos com efeito de confisco, infere-se a justificativa para que os

gastos incorridos para viabilizar os fatos-acréscimos sejam deduzidos. Se não procedermos

assim, o patrimônio estará sendo alvo do IR ou, no mínimo, a receita bruta do sujeito, e não o

que lhe foi agregado, a renda efetivamente auferida.

Com efeito, se para a produção dos fatos-acréscimos foram necessários dispêndios

prévios — cujos recursos se teriam levantado no patrimônio da pessoa —, então tais

dispêndios entrarão no cômputo para determinar o quantum que terá sido de fato agregado ao

patrimônio no momento de percepção do ingresso. Grosso modo, podemos dizer que, ao

realizar o dispêndio, o sujeito sofre uma redução patrimonial, porque está destacando e se

desfazendo de uma parcela de seu patrimônio, daquele seu conjunto de bens e direitos

preexistentes. São os chamados encargos da renda.

Todavia, esse dispêndio possibilitará um ingresso, cujo montante total terá uma parte

destinada a repor a parcela do patrimônio despendida antes, justamente para possibilitar a

obtenção do ingresso. Só o restante representa riqueza nova, portanto se caracteriza como

renda. Apenas como reconhecimento da necessidade de se abaterem os dispêndios incorridos

para só então se apurar a riqueza nova é que cumprimos o primado da isonomia — e, de seu

corolário, a capacidade contributiva —, além do princípio que veda a imposição de tributo

com efeito confiscatório. Na verdade, a igualdade na tributação pressupõe, em última análise,

a justa distribuição da carga tributária,182 impondo que cada contribuinte arque com o ônus

182 ZILVETI, 2004, p. 124.

Page 124: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

123

tributário segundo suas condições pessoais. De sua parte, a capacidade contributiva realiza a

isonomia, porque assegura que a tributação considere o sinal de riqueza manifestado pela

ocorrência do fato jurídico tributário. Logo, o potencial econômico refletido pelo fato deve

funcionar como referencial para a tributação.

Ao afirmarmos que renda é a riqueza nova agregada a um dado patrimônio, temos

que é o montante da renda, como tradutor de potencial econômico, que deve servir de

parâmetro à incidência fiscal. Daí a correlação necessária entre base de cálculo e

materialidade do tributo, já mencionada no capítulo 1. Nessa base, só conseguiremos apurar a

renda se considerarmos a totalidade das despesas incorridas em sua produção. Do contrário,

afastando-se a possibilidade do abatimento das despesas, a tributação recairá sobre uma

parcela do patrimônio, o que configura confisco. Nesse caso, cabe salientar que não será

configurada a hipótese de incidência do IR porque não foi considerada a renda, e sim o

patrimônio/receita bruta do sujeito. Segundo Estevão Horvath, vedar tributação com efeito de

confisco, além de propiciar um sistema de tributação mais justo, “[...] impede o excesso de

tributo ou que se alcance alguém que não praticou o fato ou não demonstrou capacidade

contributiva”.183 Isso porque a renda consubstancia o incremento patrimonial percebido, é a

renda líquida;184 não se resume ao valor nominal do ingresso. Ao mesmo tempo, os

abatimentos dos dispêndios incorridos para manter a fonte produtora devem ser garantidos

para se cumprirem os princípios da segurança jurídica e do mínimo vital — este, relembre-se,

aplicável às pessoas físicas e às jurídicas.

Por essas diretrizes, assegura-se que a tributação não seja severa a ponto de

comprometer a manutenção de vida digna das pessoas físicas; também que haja a manutenção

integral das condições de atuação, possibilitando que as pessoas jurídicas possam se perenizar

183 HORVATH, 2002, p. 67. 184 Na verdade, consideramos retórica a expressão renda líquida. Renda, como base para incidência do IR , é necessariamente líquida, porque resulta do confronto entre ingressos e dispêndios; se não for líquida, não será renda para fins tributários.

Page 125: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

124

com saúde. Ainda sobre as pessoas jurídicas, devemos considerar que o ordenamento jurídico

lhes confere personalidade distinta da de seus sócios justamente para resguardar sua vivência

autônoma. Em regra, toda pessoa jurídica visa se perpetuar.185 Assim, deve ser repudiada

qualquer conduta fiscal que ameaçar sua subsistência, justificando-se acolhimento do

princípio do mínimo vital.

A conjugação da diretriz da segurança jurídica — que irradia efeitos por todo o

ordenamento – com a do mínimo vital atesta o abatimento imprescindível dos gastos e

dispêndios necessários à manutenção da fonte produtora da renda. Outra vez, teremos

caracterizado confisco se não observarmos essa regra, porque a tributação recairá sobre o

patrimônio, o rendimento ou a receita bruta, desconfigurando a própria exação tributária. Por

isso, reforçamos que serão materializados os princípios da isonomia, da capacidade

contributiva, da vedação do confisco, da segurança jurídica e do mínimo vital mediante a

possibilidade de abatimento integral e irrestrito das despesas. Só com o entrelaçamento dessas

diretrizes norteadoras da ordem jurídica é que poderemos ponderar sobre a conformação de

renda e, assim, a incidência do IR. Caso contrário, a tributação tomará como referência o

patrimônio, o rendimento ou a receita bruta da pessoa, o que não autoriza a incidência do IR.

Assim, endossamos as palavras de Misabel Derzi:

[...] A capacidade econômica de concorrer, a título de tributo, às despesas do Estado quer das pessoas naturais, quer das jurídicas, somente se inicia após a dedução de todos os custos e gastos necessários à aquisição, produção e manutenção da renda em sentido lato (quer consumida, percebida ou poupada — patrimônio). Antes disso, não há capacidade contributiva, sendo confiscatória a tributação: a) que reduza substancialmente o patrimônio, impedindo a sua manutenção; b) que atinja o mínimo vital, uma existência digna, pessoal e familiar do contribuinte; c) que obste ao consumo dos gêneros de primeira e média necessidade.186

185 Ressalvados os casos em que a constituição da pessoa jurídica se dá por prazo certo. 186 DERZI, Misabel. Notas de atualização. In: BALEEIRO, Aliomar de. Limitações constitucionais ao poder de

tributar. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 578–89.

Page 126: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

125

4.2.2 Dedutibilidade como elemento de salvaguarda do princípio da progressividade

Paralelamente aos princípios enumerados no item anterior, vemos um reflexo da garantia de

dedução de despesas no princípio da progressividade. Ao discorrermos sobre esse princípio em momento

anterior, atribuímos-lhe uma extensão mais larga do que simplesmente considerá-lo como aumento

progressivo das alíquotas quanto maior for a base de cálculo. De fato, tendo-se em vista a finalidade da

progressividade — gravar com mais contundência aqueles que apresentarem manifestação de riqueza mais

significativa —, então julgamos o aumento nominal da alíquota como insuficiente. A progressividade só é

atendida plenamente quando consideramos o efetivo ônus tributário. Para nós, não é eficaz a preocupação

exclusiva com a alíquota nominalmente sem estimarmos com exatidão a adequação da base de cálculo.

Nesse contexto, surge a relevância da dedutibilidade no âmbito do IR, imposto diretamente

informado pela progressividade, conforme a Constituição Federal. Por isso queremos enfatizar a

necessidade de que a sistemática de deduções assegure a correlação exata entre o acréscimo

patrimonial percebido e a base calculada para incidência da tributação. É importante, por exemplo,

que o valor definido para a dedução pelas pessoas físicas, com seus dependentes, correlacione-se

com os dispêndios que, na prática, são ocasionados a quem mantém terceiros sob sua

responsabilidade. Só assim a progressividade será aplicada; do contrário, não se pode assegurar a

devida diferenciação entre os sujeitos passivos por causa da diversidade de suas situações pessoais

(por exemplo, um com dependentes, outro sem), fim último da progressividade.

Roque Antonio Carrazza subsidia esse posicionamento ao dizer que

Também para o que o critério da progressividade no IR se cumpre é preciso que a legislação autorize às pessoas que auferem rendimentos, certas deduções que lhes garantam a subsistência e a de seus dependentes (deduções com estudos, alimentação, vestuário, etc.). A renda tributável deve ser obtida subtraindo-se da renda global os gastos necessários do contribuinte, máxime os representados por seus encargos familiares. Senão o tributo acaba se transformando num imposto sobre receitas brutas — inconstitucional, porque desatende aos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.187

187 CARRAZZA, 2006, p. 68–9.

Page 127: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

126

Portanto, para nós, um sistema de dedutibilidade eficaz cumpre, igualmente, o

princípio da progressividade, assegurando um menor ônus tributário (e não uma alíquota mais

elevada), a quem, por circunstâncias pessoais, incorra em despesas mais elevadas.

4.3 Despesas no âmbito do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF): breves considerações

Embora não seja objeto central de nosso estudo, consideramos importante nos deter

na análise das despesas sob o enfoque das pessoas físicas para completar o raciocínio.

Primeiramente, pondera-se que a disciplina do IRPF é dada pelo RIR/99, desde seu artigo 1º

até o artigo 145. A combinação dos artigos 2º e 3º define as pessoas que se enquadrarão como

contribuintes: pessoas físicas domiciliadas ou residentes no Brasil, titulares de disponibilidade

econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza, inclusive ganhos de

capital, bem como residentes ou domiciliadas no exterior, com relação à renda e proventos de

qualquer natureza percebidos no país.

No trato da matéria, o RIR pormenoriza, a partir de seu artigo 43, os fatos-acréscimos

que deverão ser computados para se determinar a base de cálculo do imposto, denominando-

os rendimentos. Assim, faz-se referência aos rendimentos decorrentes do trabalho assalariado,

do trabalho não assalariado, de pensões, de benefícios de previdência privada, de aluguéis,

dentre outros. A legislação nomeia esses fatos-acréscimos como rendimentos, o que procede,

dentro do que já mencionamos, quando da análise pela negativa do conceito de renda. E mais:

o regulamento prevê diversas sistemáticas para tributar pessoas físicas: tributação na fonte,

tributação exclusivamente na fonte, tributação pelo próprio beneficiário e declaração anual de

rendimentos. Todavia, não serão enfocados em minúcias aqui porque fogem ao objeto desta

investigação.

Convém aludir às deduções ventiladas na legislação, listadas resumidamente a seguir.

• Deduções mensais do rendimento tributável (arts. 74, 75, 77, 78 e 79):

Page 128: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

127

o deduções das contribuições para a Previdência Social da União, Estados,

Distrito Federal ou Municípios;

o deduções das contribuições para entidades de previdência privada

domiciliadas no país, destinadas a custear benefícios complementares

assemelhados aos da Previdência Social (a legislação limita o percentual a

ser deduzido: a somatória desse montante com as contribuições para o

Fundo de Aposentadoria Programada Individual/FAPI não pode exceder a

12% do total dos rendimentos computados para determinar a base de

cálculo do imposto devido na declaração de rendimento);

o dedução com dependentes (limitada a R$ 137,99/mês, para o ano de 2008

— valor definido pela lei n. 11.482/2007, resultado da conversão da

medida provisória 340/2006);

o pensões alimentícias decorrentes de decisão ou acordo judiciais, segundo

as normas de direito de família;

o proventos e pensões recebidos por pessoas maiores de 65 anos, pagos pela

Previdência Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios, por qualquer pessoa jurídica de direito público interno, ou

por entidade de previdência privada (limitada a R$ 1.372,81/mês, para o

ano de 2008 – valor definido pela lei n. 11.482/2007, resultado da

conversão da medida provisória 340/2006).

• Deduções na declaração de rendimentos (arts. 80, 81 e 82), além dos já

discriminados:

o despesas médicas efetuadas no ano-base em favor de médicos, dentistas,

psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e

Page 129: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

128

hospitais, bem como despesas com exames laboratoriais, serviços

radiológicos, aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas e dentárias;

o despesas com educação, educação pré-escolar, de 1º, 2º e 3º graus, cursos

de especialização ou profissionalizantes (limitada a R$ 2.592,29/ano,

para o ano de 2008 — valor definido pela lei n. 11.482/2007, resultado

da conversão medida provisória 340/2006);

o despesas de contribuições para o Fundo de Aposentadoria Programada

Individual/FAPI (a legislação põe uma limitação ao percentual a ser deduzido:

a somatória desse montante com as contribuições para previdência privada

não pode exceder 12% do total dos rendimentos computados para determinar

a base de cálculo do imposto devido na declaração de rendimento).

Portanto, verificamos que o RIR se refere expressamente aos abatimentos permitidos

da base de cálculo do IR. Disso sobrevêm esta idéia: as deduções admitidas são apenas as

definidas na legislação188 e, exceto a autorização para sua respectiva dedutibilidade,

encontrariam fundamento na própria legislação ordinária; logo, elencá-las seria incumbência

do legislador infraconstitucional.

Isso não nos parece, contudo. O embasamento para essas deduções flui

diretamente da Constituição Federal. Para confirmar esse raciocínio, devemos focar o

conceito de renda como produto de acréscimos e decréscimos juridicamente relevantes.

Portanto, a dedutibilidade de despesas é inerente ao conceito de renda. Caso não se

proceda assim, a tributação não recairá sobre renda, mas sobre o patrimônio, os

rendimentos ou a receita bruta da pessoa física. Enfim, estará recaindo sobre outra

grandeza, que não renda. Além disso, está claro que a “Constituição Cidadã” recebeu esse

188 A interpretação predominante no âmbito das pessoas jurídicas é diversa. Para estas, a legislação se refere apenas às despesas necessárias, de modo que, em princípio, tudo o que se enquadrar nesse conceito poderá ser deduzido da base de cálculo do IR.

Page 130: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

129

nome porque consagrou direitos sociais importantes, a exemplo do direito a saúde,

educação, alimentação, moradia, proteção à família e outros;189 há enunciados sobre todos

esses direitos fundamentais, representativos da restauração de valores sociais cuja

referência é o ser humano. Trata-se de uma conquista posterior a sucessivos regimes

ditatoriais, quando as garantias ao ser humano foram marginalizadas. No âmbito

tributário, o Texto Constitucional prestigiou princípios que garantem tributação justa,

fundada na capacidade contributiva, na vedação do confisco e no respeito a necessidades

vitais básicas, assegurando condições dignas de sobrevivência a todos os administrados.

Portanto, a definição das despesas dedutíveis para fins de IRPF começa a tomar corpo

na interpretação sistemática do Texto Constitucional, donde se concluirá que quaisquer gastos

ou dispêndios relativos aos princípios preservados pela Carta Constitucional serão,

inexoravelmente, dedutíveis, estejam relacionados ou não em textos da legislação ordinária.

Como dissemos, a doutrina, com pequenas variações, reconhece alguns parâmetros objetivos

para se definir o que sejam despesas dedutíveis: para fins de IRPF, são os dispêndios

incorridos para se obter renda e os dispêndios necessários para se garantir o mínimo vital.

Rubéns Gomes de Sousa apontava esse caminho com exatidão já no início da década de 1950:

Em princípio, a dedutibilidade de quaisquer verbas para efeito de incidência do imposto de renda baseia-se na distinção entre as verbas que constituem encargos da renda e aquelas que constituem emprego, aplicação ou utilização da renda pelo seu titular. [...] Como encargos da renda definem-se, em primeiro lugar e evidentemente, as despesas necessárias à própria percepção daquela. [...] Mas não só essas: importa considerar também como encargos da renda as despesas necessárias à manutenção da integridade do capital.190

189 O preâmbulo da Lex Mater se refere a direitos sociais e individuais: liberdade, segurança, bem-estar, desenvolvimento, igualdade e justiça. O artigo 5º materializou os direitos individuais, referindo-se, no seu caput, à garantia da inviolabilidade dos direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. E, não bastassem esses enunciados gerais, ainda foi destacado um título exclusivamente para a Ordem Social, onde encontramos referências aos direitos à saúde (art. 196), educação (art. 205), à família (art. 226) e outros. 190 SOUSA, Rubéns Gomes de. O imposto de renda e o seguro dotal. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, v. 27, 1952, p. 16.

Page 131: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

130

Ao asseverar que a dedutibilidade deve abraçar as despesas necessárias à obtenção da

renda e à manutenção da integridade do capital, esse autor explicita ser imperioso que a

tributação preserve a fonte produtora da renda. Esse mandamento, aplicável à pessoa física,

demanda respeito à capacidade contributiva e ao mínimo vital — aquele conjunto de

condições mínimas que permitam assegurar meios dignos de sobrevivência ao administrado.

Diz ele:

A não-incidência do imposto, quer sobre as despesas necessárias à produção da renda, quer sobre as despesas (ou sobre as reservas, ainda que não sejam rigorosamente despesas) necessárias à manutenção da integridade do capital, é portanto essencial em todo o sistema de imposto de renda que vise tributar efetivamente a renda, sem extravasar do seu alcance próprio para atingir também o capital.191

Segue direção idêntica o comentário de Roque Antonio Carrazza sobre a base de

cálculo possível para o IRPF:

É que só quando há tal montante líquido se pode falar em existência de riqueza nova no patrimônio do contribuinte. Chega-se a tal montante líquido

abatendo-se da renda bruta os gastos necessários a obtê-la mais o mínimo vital, ou seja, a importância imprescindível para que a pessoa física possa adequadamente manter-se e a seus dependentes econômicos.192

Essas considerações dirimem quaisquer dúvidas atinentes à nossa afirmação anterior

de que a tributação na fonte só pode ocorrer a título de antecipação, como objeto de ajuste

posterior, jamais de forma definitiva. Tributar definitivamente na fonte significa

desconsiderar por completo a realidade dos fatos-decréscimos. Assim, tributa-se qualquer

outra grandeza (patrimônio, ingressos, rendimentos, dentre outros) que não renda.

Outras questões suscitam debates sobre as deduções admitidas para pessoas físicas.

A primeira é a definição do parâmetro para o mínimo vital, que deveria servir de referência à

determinação da faixa de isenção — hoje fixada em R$ 1.372,81, conforme lei n.

191 SOUSA, 1952, p. 16–7. 192 CARRAZZA, 2006, p. 39.

Page 132: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

131

11.482/2007, resultado da conversão da medida provisória 340/2006. Conforme Luís César

Souza de Queiroz,193 tal parâmetro deve ser o salário mínimo, em atenção ao artigo 7º, IV da

CF/88. Consideramos essa uma referência objetiva, portanto teoricamente aceitável.

Todavia, a transposição desse raciocínio ao campo pragmático revela a insuficiência

desse critério porque a base de mensuração eleita (salário mínimo) não se presta aos fins que,

constitucionalmente, foram-lhe delegados. Com efeito, há uma série de indicadores — que

fogem da seara jurídica e invadem o campo político e econômico — demonstrativos de que os

valores do salário mínimo são insuficientes para prover todos os direitos assegurados pela

Carta Magna, muito inferiores ao que deve ser tido por mínimo vital. Eis por que, na

conjuntura atual, tal critério se revela inadequado; mais que isso, inadmissível.

Outra questão polêmica é a indedutibilidade de certos dispêndios que, em tudo e por

tudo, qualificam-se, em essência, como dedutíveis: gastos com alimentação, remédios,

vestuário e até recolhimentos tributários, que são dedutíveis na pessoa jurídica. Mary Elbe

Queiroz levanta essas questões relevantes e se manifesta com certo inconformismo

(absolutamente compreensível):

Entre esses gastos [imprescindíveis e essências à própria existência e manutenção da fonte produtora e à produção dos rendimentos] podem ser citados, por exemplo: alimentação; remédios; vestuário; combustíveis; contratação de prestação de serviços por trabalhadores autônomos; empregados domésticos; seguros contra roubos; remédios; aparelhos ortopédicos; gastos com a conservação de veículos; contas de energia elétrica e telefônicas; educação integral: cursos de línguas estrangeiras; e principalmente, à semelhança da deduções para a pessoa jurídica, os gastos referentes a outros tributos já pagos pela pessoa física, como IPTU, IPVA, ICMS [sobre energia elétrica e comunicações], IOF, CPMF. Cumpre ressaltar que o valor pago a trabalhadores autônomos é, igualmente, passível de sofrer tributação como “renda” dos mesmos.194

Com efeito, determinar o que sejam dispêndios necessários à manutenção da fonte

produz um conceito que evolui com a sociedade. Na mesma intensidade com que novas

193 QUEIROZ, 2003, p. 272–3. 194 QUEIROZ, 2004, p. 380.

Page 133: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

132

necessidades da vida social surgem, os dispêndios para sua viabilização se tornam necessários

— nalguns casos, até imprescindíveis. Os dispêndios com recolhimento de tributos são

exemplos claros que nos permitem concluir, nesse contexto, que o sistema atual de

dedutibilidade das pessoas físicas é insuficiente e ineficaz. Pagamentos de tributos são típicas

despesas necessárias porque são relativos às condições de manutenção de uma vida digna,

regular, livre de pendências. Tanto o é, que são dedutíveis para pessoas jurídicas, mas não o

são para pessoas físicas, o que é injustificável.

Há outro ponto referente à legitimidade das limitações estabelecidas pelo legislador

para deduzir algumas despesas, por exemplo, com educação ou dependentes. Para nós, tais

limitações — em geral determinadas por critérios aleatórios e incoerentes — são ilegítimas.

Renda como produto líquido de ingressos diminuídos de dispêndios não comporta

restrições, por isso julgamos inexistir embasamento legal para as limitações postas. O

quadro fica mais oneroso quando nos deparamos com dispêndios incorridos por força da

ineficácia do Estado, dos quais despesas com educação são um exemplo. Segundo a Carta

Constitucional de 1988, educação é direito fundamental de todos e dever do Estado (art.

205), portanto cabe a este provê-la. Como isso não ocorre, os administrados se vêem

obrigados a suportar essas despesas privativa e exclusivamente. Assim, eles suprem

deficiências da máquina estatal e não lhes é dado, sequer, o direito de deduzir tais dispêndios

incorridos para fins de tributação.

Eis algumas ponderações sobre a dedutibilidade do IRPF, cujos efeitos são

percebidos maciçamente pelos administrados. Do cotejo das conjecturas teóricas com as

evidências práticas, percebemos que a sistemática vigente está longe de alcançar suas

finalidades, por isso carece de ajustes. No plano pragmático, tal constatação denuncia que, na

verdade, não temos ainda uma tributação que incida sobre a renda das pessoas físicas —

Page 134: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

133

considerando-se a essência dessa grandeza — justamente porque não há uma sistemática de

deduções eficaz.

4.4 Despesas no âmbito do Imposto de Renda Pessoas Jurídicas (IRPJ)

Conforme o artigo 44 do CTN, há três modalidades de tributação pelo IRPJ: lucro

real, lucro presumido e lucro arbitrado. Só a primeira se ajusta, com a adequação exata, ao

nosso conceito de renda. Noutros termos, apenas na sistemática de tributação pelo lucro real

temos o efetivo confronto entre fatos-acréscimos e fatos-decréscimos, num lapso temporal

correspondente a um ano, para se determinar, ao fim desse período, o acréscimo patrimonial

percebido pela pessoa jurídica. As demais modalidades têm como base de cálculo presunções,

estabelecidas pela legislação. Portanto, não incidem sobre renda, considerada na essência.

A modalidade lucro presumido é optativa: está à disposição do contribuinte, que

recorre a ela se lhe convier. O lucro arbitrado é empregado com mais freqüência pelo Fisco

quando está impossibilitado de usar algum dos outros dois sistemas. Resta-nos, então, o lucro

real, que se insere em nossa definição de renda. Conforme aventamos ao analisar o critério

quantitativo do IR, no âmbito das pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, sua base

de cálculo é aferida conforme os registros contábeis, escriturados em livros e documentos

próprios, escorada na legislação comercial e societária. Logo, a base de cálculo do IRPJ é

definida como lucro. Como base de cálculo do IRPJ, o lucro real tem origem no lucro contábil

da pessoa jurídica, apurado segundo seus resultados operacionais e não operacionais,

devidamente ajustados aos moldes disciplinados pela lei fiscal. Desse montante, deverão ser

deduzidos custos e despesas. A renda ou o lucro real resulta desse confronto.

A disciplina legal aplicável à dedutibilidade no âmbito das pessoas jurídicas é um

pouco diversa daquela aplicada às pessoas físicas. Como vimos, em geral a legislação

restringe ou até veda (porque não as prevê) a dedução de despesas indubitavelmente

Page 135: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

134

necessárias para pessoas físicas. Observamos, oportunamente, que as despesas admitidas para

o IRPF são só aquelas previstas pela legislação. Entretanto, na esfera das pessoas jurídicas,

essa situação se inverte: as previsões legais são amplas, e se presume, de saída, a

possibilidade de haver dedução de quaisquer custos ou despesas necessárias à consecução de

suas atividades sociais. Fala-se tão-somente na dedutibilidade dos custos e das despesas

operacionais (art. 300 do RIR/99). Segundo Misabel Derzi, essa diversidade de tratamento:

[...] resultou de uma vitória antiga das corporações comerciais e industriais, em favor de uma equiparação entre lucro apurado pela contabilidade comercial e pela fiscal, é explicada pelos estudiosos alemães, como vimos, por meio das peculiaridades da atividade empresarial, que não é possível sem a afetação de um patrimônio ao seu desenvolvimento. Por isso esse patrimônio não pode ser atingido pelo imposto de renda.195

Luís César Souza de Queiroz refina essa ponderação; para tanto, vale-se dos

elementos materialmente essenciais para se criar e manter uma pessoa jurídica: existência de

um patrimônio que lhe seja próprio; uma finalidade ou objetivo social que lhe seja inerente.

Com base nesse binômio — patrimônio próprio e finalidade ou objetivo social — conclui ele

que deverão ser dedutíveis quaisquer dispêndios que, de algum modo, atinjam esses

elementos, os quais, a seu ver, podem ser: simples decréscimos no valor de um direito

subjetivo patrimonial, fatos diretamente ligados ao processo de obter a finalidade da pessoa

jurídica e fatos que, embora não ligados diretamente, vinculem-se à obtenção da finalidade.196

Julgamos que devem ser admitidos como dedutíveis todos os dispêndios incorridos,

seja para garantir o advento de futuros fatos-acréscimos ou assegurar a manutenção da fonte

produtora. Isso por causa do próprio conceito de renda, que — reiteramos — exige que a

tributação recaia tão-somente sobre o incremento patrimonial percebido. Esse conceito de

dispêndios dedutíveis não inclui gastos que não se relacionem, sob qualquer aspecto, com a

195 DERZI, Misabel. Os conceitos de renda e patrimônio (efeitos da correção monetária insuficiente no imposto de renda. Belo Horizonte: Del Rey, 1992, p. 24-25 apud QUEIROZ, 2004, p. 158. 196 QUEIROZ, 2003, p. 278–9.

Page 136: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

135

atividade produtiva da pessoa jurídica — por exemplo, os pagamentos feitos por liberalidade,

os quais, entretanto, devem estar cabalmente comprovados.

Embora seja de fácil intelecção no plano teórico, a questão da dedutibilidade fiscal

para as pessoas jurídicas ainda suscita dúvidas ferrenhas na prática, incitando uma disputa

recorrente entre Fisco e contribuintes, diga-se, entre a interpretação restritiva da

Administração Pública e a interpretação larga dos administrados. Em princípio, a resolução

dessa controvérsia não deve pender para nenhuma das partes; antes, precisa advir do

ordenamento jurídico, pois são os princípios legais que vão nos fornecer os elementos para

que possamos avaliar, com parcimônia e razoabilidade, essa questão e transparecer os

critérios necessários a fim de que objetivemos as regras para tal.

4.4.1 Custos e despesas

Nesse ponto, abrimos um parêntese para fazer um esclarecimento. Do ponto de vista

jurídico, temos aqui nos referido às despesas como os fatos-decréscimos que, confrontados

com os fatos-acréscimos, conformam o núcleo da materialidade e a base de cálculo do IR: a

renda. E empregamos a denominação despesa de forma genérica, muitas vezes para abarcar os

fatos-decréscimos sem distinção. No entanto, para se apurar a base de cálculo do IRPJ, são

dedutíveis contabilmente não só as despesas, mas também os custos. Definamos os conceitos

de cada uma dessas grandezas.197

Custos representam gastos relativos a bens ou serviços usados na produção de outros

bens e serviços; logo, associam-se aos produtos ou serviços produzidos pela pessoa jurídica.

Exemplo de custos podem ser os gastos com matérias-primas, materiais de embalagens,

materiais auxiliares, mão-de-obra industrial, aluguéis, seguros das instalações industriais e

outros. Os custos podem ser diretos ou indiretos. Os diretos, dada a sua natureza e por causa

197 Classificação baseada nestas obras: MARTINS, Eliseu. Contabilidade de custos. São Paulo: Atlas, 2008, p. 39 e seguintes; BRUNI; FAMÁ, 2003, p. 25 e ss; BERNARDI, 1996, p. 39 e seguintes.

Page 137: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

136

de suas características próprias e da objetividade de identificação no produto ou serviço, são

imputados por medições objetivas e controles individuais, sempre de forma direta; essa

categoria inclui a maioria dos materiais usados na atividade da empresa e a mão-de-obra

empregada diretamente para tanto. Os custos indiretos são aqueles que, por razões técnicas,

operacionais ou de relevância, impossibilitam sua medição objetiva individual e, por

conseqüência, apropriação direta.

As despesas correspondem aos bens ou serviços consumidos, direta ou

indiretamente, para se obter a receita operacional da empresa; mas não se associam com a

produção de um produto ou serviço. Como exemplo citamos gastos com salários de

vendedores, com funcionários administrativos e outros. Bulhões Pedreira sintetizou com rigor

as diversidades entre custos e despesas sob o enfoque jurídico-contábil:

Despesa é mutação patrimonial que importa redução do patrimônio líquido sem ter por contrapartida a aquisição de novo direito ou o aumento de valor de direito existente. Essa característica a distingue do custo de aquisição ou produção, que também é mutação patrimonial que importa redução do patrimônio líquido, mas tem por contrapartida acréscimo de valores ativos. Por isso o custo é — diferentemente da despesa — aplicação de capital financeiro em elementos do ativo.198

Embora os critérios de diferenciação de custos e despesas sejam visuais no plano

teórico, na prática a separação entre eles se revela difícil. Tal dificuldade é reconhecida pela

própria ciência contábil:

Teoricamente, a separação é fácil: os gastos relativos ao processo de produção são custos, e os relativos à administração, às vendas e aos financiamentos são despesas. Na prática, entretanto, uma série de problemas aparece pelo fato de não ser possível a separação de forma clara e objetiva. Por exemplo, é comum encontrarmos uma única administração, sem a separação da que realmente pertence à produção; surge daí a prática de se ratear o gasto geral da administração, parte para despesa e parte para custo, rateio esse sempre arbitrário, pela dificuldade prática de uma divisão científica. Normalmente, a divisão é feita em função da proporcionalidade

198 PEDREIRA, 1979, p. 369.

Page 138: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

137

entre número de pessoas na fábrica e fora dela, ou com base nos demais gastos, ou simplesmente em porcentagens fixadas pela diretoria.199

Reproduzimos o excerto acima, sobretudo, para destacar que a delimitação dos

conceitos de custos e despesas não é nítida, o que enseja dúvidas ao interpretarmos a

legislação tributária e fiscal que emprega tais termos. Sabemos que a índole desses conceitos é

contábil, daí se poderia discutir, em tese, que seriam dispensáveis neste estudo. Todavia,

cremos que foram emprestados para a legislação tributária e fiscal, que — acreditamos — os

juridicizou segundo o sentido atribuído pela contabilidade. Daí a importância de precisarmos

suas respectivas definições. Portanto, no enfoque contábil são diversas as naturezas dos custos

e das despesas, embora ambos sejam dedutíveis porque atendem aos requisitos dos fatos-

decréscimos para fins de tributação pelo IR.

Além disso, contabilmente há a figura das perdas: gastos não intencionais

decorrentes de fatores externos anormais ou da atividade produtiva da própria empresa e que

deverão ser contabilizados como despesa ou custo, vai depender da situação concreta (serão

lançadas como custo quando se relacionarem com atividade normal da empresa). Em

princípio, portanto, as perdas são dedutíveis — ou como custo, ou como despesa — para fins

de apuração do IRPJ.

Entretanto, cabe sublinhar, as polêmicas em torno da dedutibilidade tocam com mais

proximidade as despesas, pois os custos, por se vincularem estritamente à própria atividade da

pessoa jurídica, são presumivelmente dedutíveis. Por outro lado, as despesas serão dedutíveis

quando cumprirem os requisitos da necessidade e da usualidade (conforme artigos 299 e 300

do RIR/99), quando tiverem sido incorridas e estiverem regularmente documentadas — nesse

caso, caberá ao sujeito passivo (a própria pessoa jurídica) estimar o atendimento a esses

requisitos. Assim, classificar certo dispêndio já pago ou incorrido como necessário e usual,

em última análise, será tarefa do próprio sujeito passivo dotado de alto grau de subjetividade. 199 MARTINS, 2008, p. 39–40.

Page 139: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

138

A classificação dos dispêndios como despesas operacionais fica a cargo do sujeito passivo.

Justamente daí advêm dúvidas e as diversidades de interpretação relativas aos dispositivos

legais que tratam da dedutibilidade fiscal.

Como adiantado desde a introdução deste trabalho, pretendemos identificar critérios

jurídicos que permitam uma objetivação maior das regras de dedutibilidade. Passemos a isso.

4.4.2 Embasamento legal e requisitos para dedutibilidade no âmbito das pessoas jurídicas

As definições jurídicas dos conceitos de custos e despesas constam, originalmente, da lei

4.506/64 e estão compiladas e disciplinadas no artigo 299 do RIR/99 (Seção III — custos, despesas

operacionais e encargos). Reproduzimos os dispositivos legais que nos interessam:

Art. 299. São operacionais as despesas não computadas nos custos, necessárias à atividade da empresa e à manutenção da respectiva fonte produtora (Lei nº 4.506, de 1964, art. 47). § 1º São necessárias as despesas pagas ou incorridas para a realização das transações ou operações exigidas pela atividade da empresa (Lei nº 4.506, de 1964, art. 47, § 1º). § 2º As despesas operacionais admitidas são as usuais ou normais no tipo de transações, operações ou atividades da empresa (Lei nº 4.506, de 1964, art. 47, § 2º). § 3º O disposto neste artigo aplica-se também às gratificações pagas aos empregados, seja qual for a designação que tiverem. Art. 300. Aplicam-se aos custos e despesas operacionais as disposições sobre dedutibilidade de rendimentos pagos a terceiros (Lei nº 4.506, de 1964, art. 45, § 2º).

Pode-se perceber que a legislação se refere a custos e despesas operacionais e garante,

em seguida, sua dedutibilidade. Analisemos com mais detalhes tais preceitos.

O caput do artigo 299 do RIR/99 menciona despesas operacionais e as define como

aquelas não computadas nos custos, “[...] necessárias à atividade da empresa e à manutenção

da respectiva fonte produtiva”. Portanto, despesas operacionais são necessárias. Depois, o § 1º

desse artigo se refere a uma condição para se deduzir um dispêndio: ter sido pago ou

incorrido. Esse § 1º ainda traz a definição do que seja o predicado necessário, e o § 2º mostra,

ao lado da necessidade, o requisito usualidade para qualificar as despesas operacionais

Page 140: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

139

dedutíveis. Assim, a leitura a ser feita dos dispositivos legais que versam sobre dedutibilidade

deve ser: são dedutíveis, para a apuração do lucro (base de cálculo do IRPJ), os custos, as

despesas necessárias à atividade da empresa e as usuais, que tenham sido pagas ou incorridas.

Está claro que, embora haja previsão legislativa genérica que autorize a dedutibilidade de

custos e despesas operacionais, o ordenamento jurídico não abarca nenhum rol ou elenco de

dispêndios enquadrados nesses conceitos. Portanto, esses enunciados disciplinadores da matéria

se caracterizam como cláusulas abertas: são preceitos que não estabelecem modelos de conduta

semanticamente fechados, mas que, de revés, abrangem uma variada gama de hipóteses.

De saída, consignamos que a opção legislativa nos parece adequada, pois, ao se

preferir usar cláusulas abertas, evitou-se o excessivo rigor jurídico de que são dotadas as

definições cerradas, que não demoram a se tornar ultrapassadas e não mais suprir a demanda

social para que foram projetadas. A elasticidade conteudística do preceito aberto — que

apenas faz referência a um padrão de conduta aceito no tempo e no espaço — permite-lhe se

adaptar às alterações/evoluções sociais, dando-lhe, em tese, maior sobrevida.

Aliada a isso está, ainda mais latente, a necessidade de que a disciplina legal não se

engesse, sobretudo porque não há como se prever, de antemão, todas as espécies de

dispêndios potencialmente dedutíveis para se elaborar um elenco legal exemplificativo

tampouco taxativo. Num exercício hipotético, esse elenco estaria sujeito a variações

dependentes do porte da pessoa jurídica, de seu segmento de atuação etc., o que, na prática

inviabilizaria ou, no mínimo, tornaria muito mais difícil aplicação do preceito.

Acrescente-se que pretender que o legislador interfira na determinação dos

dispêndios passíveis de serem qualificados como despesas implicaria, em última análise, uma

distribuição do poder de administração da empresa, o que não se justifica. Nesse viés, é

precisa a observação de Hugo de Brito Machado:

Page 141: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

140

[...] não se pode admitir que o Fisco tenha ingerência na empresa a ponto de poder decidir quais as despesas que pode, e quais as que não pode realizar, porque são, ou não são necessárias à manutenção da fonte produtora. Tal decisão faz parte do risco inerente à atividade empresarial e só pode pertencer a quem assume esse risco. O Fisco não participa do risco empresarial porque apenas aufere proveitos do resultado positivo. Não sofre os prejuízos, que são suportados apenas pelos empresários.200

Portanto, ao estabelecer amplamente a dedutibilidade das despesas tidas por

necessárias para fins de IRPJ, o legislador conferiu ao sujeito passivo a prerrogativa de ele

mesmo aferir, por sua conta e risco, o grau de necessidade da despesa a fim de enquadrá-la ou

não como dedutível. E o fez porque — como assevera Hugo de Brito Machado — o Fisco não

participa do risco empresarial, por isso não lhe cabe decidir se dada despesa é dedutível ou

não. Nesse exercício, todavia, espera-se que predominem os critérios da razoabilidade e a

proporcionalidade, pois que tal consiste no primeiro passo para se evitar condutas

fraudulentas. Ao mesmo tempo em que a amplitude do comando legislativo é benéfica,

porque assegura ao contribuinte — conhecedor de seu negócio em pormenores — poder

definir as despesas necessárias, gera implicações práticas relevantes, sobretudo em virtude da

interpretação restritiva que, não raro, o Fisco leva a cabo.

A problemática em tela já havia sido anotada pelo jurista Brandão Machado, cuja

crítica é relevante e atesta a necessidade de que o temário da dedutibilidade seja interpretado

com razoabilidade:

Seja exemplo (da necessidade de atendimento ao princípio da capacidade

contributiva) a aplicação de cláusula geral, que voltou a constar na legislação brasileira para a apuração da renda do trabalho autônomo (Lei n. 8.134, de 27/12/1990, art. 6º, III). O dispositivo admite que o contribuinte deduza da receita bruta todas as despesas necessárias, mas não define o que seja despesa necessária, de modo que cabe ao contribuinte e ao fisco encontrar um conceito que atenda ao interesse de ambos. O contribuinte não há de liberalizá-lo a ponto de forrar-se de qualquer imposto, da mesma forma

200 MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao código tributário nacional. São Paulo: Atlas, 2003, p. 450.

Page 142: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

141

que o fisco não poderá restringi-lo e com isso reduzir a capacidade contributiva do contribuinte.201

Para solucionar essa questão, vemos como necessário fixar diretrizes objetivas que,

analisadas à luz dos princípios jurídicos, permitam-nos identificar com clareza a presença dos

predicativos postos pela legislação para qualificar os dispêndios como despesas, o que,

inexoravelmente, culminará no reconhecimento de sua dedutibilidade. Para tanto, parece-nos

conveniente, de início, explanarmos as condições postas pela legislação para qualificar as

despesas, para fins de IRPJ, a saber: que sejam dispêndios necessários e usuais, que tenham

sido “pagos ou incorridos”.

4.4.2.1 Requisito n. 1: dispêndio deve ser necessário

A legislação dispõe que, para ser dedutível, a despesa haverá de ser necessária. Mas

como aferir o grau de necessidade de uma despesa? Quais são os requisitos para tanto? Já

dissemos que a dedutibilidade se condiciona à demonstração de que o dispêndio tenha sido

pago ou incorrido visando obter fatos-acréscimos e/ou manter sua fonte produtora. Isso ocorre

por força da interpretação sistemática do próprio ordenamento jurídico, pois, para conformar

o conceito de renda, devem ser conjugados os fatos-acréscimos (ingressos) e demais

dispêndios efetuados para se obterem esses fatos-acréscimos, mais aqueles para se preservar a

fonte produtora. Tudo em razão do influxo dos princípios jurídicos que norteiam a atividade

da tributação, em especial a capacidade contributiva e o mínimo vital. Portanto, a aferição do

grau de necessidade dos dispêndios deve considerar, fundamentalmente, se estes foram

incorridos visando algum desses objetivos, que, em síntese, relacionam-se com as atividades

da pessoa jurídica.

201 MACHADO, Brandão. Imposto de renda. Ganhos de capital. Promessa de venda de ações. Decreto-lei n. 1.510, de 1976. Revista de Direito Tributário Atual. São Paulo: Resenha Tributária, v. 11/12, 1992, p. 3.215–6.

Page 143: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

142

Tal análise — acreditamos — só pode ser feita pelo próprio sujeito passivo do IRPJ:

a pessoa jurídica, pois apenas esta tem condições de avaliar os dispêndios no contexto de suas

atividades para, assim, classificá-los, diferenciando os que configuram efetivas despesas dos

que representam consumo de renda. Dessa inferência decorre uma primeira conclusão: não

necessariamente todas as pessoas jurídicas, ainda que de um mesmo segmento econômico,

incorrerão nas mesmas espécies de despesas; isso depende de fatores como porte da empresa,

estratégia de atuação, dentre outros, e corrobora a conveniência de que a norma em análise

tenha sido construída com base num enunciado aberto.

Não temos como excluir de vez certo grau de subjetividade nessa análise para

identificação das despesas. Todavia, o ponto fundamental deve ser a resposta a esta questão: o

dispêndio guarda relação com qualquer atividade desempenhada pela pessoa jurídica visando

à sua regular manutenção? Em caso de resposta positiva, teremos cumprido o primeiro dos

requisitos para identificar despesa, que, por conseqüência lógica e inafastável, deve influir na

determinação da base de cálculo do IRPJ.

Observe-se que em tal indagação usamos a expressão “qualquer atividade

desempenhada pela pessoa jurídica”; e assim o fizemos para demonstrar que o enquadramento

no conceito de despesa não exige que o dispêndio se relacione restritamente só com o objetivo

social da pessoa jurídica; para sua regular manutenção, basta estar conectado a qualquer

negócio ou operação praticados pela pessoa jurídica. A aferição do atendimento do requisito

da necessidade deve ser pontual, diga-se, deve considerar individualmente cada operação

praticada pela pessoa jurídica.

Para demonstrar o exposto, recorremos às palavras de Bulhões Pedreira ao falar do

conceito de necessidade: “A necessidade não é referida, genericamente, ao tipo de atividade

da empresa, mas a cada um dos seus negócios ou operações. A despesa é necessária desde que

Page 144: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

143

paga ou incorrida para realizar qualquer negócio exigido pela atividade do contribuinte”.202

Disso se deduz: a necessidade referida pelo legislador pode se estender a dispêndios

acessórios, feitos para assegurar a manutenção da pessoa jurídica. Eis por que são dedutíveis,

por exemplo, dispêndios relativos a pagamento de juros resultantes da contratação de

empréstimos em favor da pessoa jurídica; assim como o são despesas com viagens a trabalho

e até a despesa de um almoço num restaurante de luxo com um potencial cliente: basta

comprovar que o incurso nesse dispêndio ocorreu no âmbito da atividade de prospecção da

empresa. Cabe esclarecer, desde logo, que ao lado do atendimento ao requisito da

necessidade, as despesas devem estar escrituradas e acompanhadas de documentação hábil e

idônea.

A aferição quanto a necessidade deve se dar, sempre, pautada pela razoabilidade e

proporcionalidade (princípios ou postulados, como quer Humberto Ávila). Com isso assegura-

se que a disciplina a ser atribuída à situação se paute no bom senso, noutras palavras, se

oriente segundo critérios normais, passíveis de serem acatados. Em função disso é que

dispêndios incompatíveis com o poder econômico da pessoa jurídica não haverão de ser

reconhecidos. Veja-se que, com essa afirmação, não pretendemos qualificar a dedutibilidade

estritamente segundo seu aspecto quantitativo – em detrimento do qualitativo – mas tão

somente aplicar os princípios/postulados da razoabilidade e proporcionalidade, que colaboram

na compreensão do direito. O valor envolvido, por si só, nada quer significar, impondo-se seu

cotejo numa estrutura macro. A razoabilidade e a proporcionalidade são aspectos da

necessidade que, portanto, devem ser tomados em consideração.

Nesses exemplos, a configuração das despesas depende diretamente da consonância

entre os gastos, a contabilidade e a documentação que escora tais gastos. O que queremos

dizer é que, sendo despesa, o dispêndio deve ser necessário à pessoa jurídica nos moldes

202 PEDREIRA, 1979, p. 372.

Page 145: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

144

postos pelo artigo 299 do RIR/99. Na prática, isso suscita numerosas controvérsias, originadas

de divergências de interpretação entre Fisco e contribuintes. A pretexto de se interpretar o teor

desse artigo, foi editado o parecer normativo CST n. 32, de 17/8/1981, que assim dispõe:

[...] o gasto é necessário quando essencial a qualquer transação ou operação exigida pela exploração das atividades, principais ou acessórias, que estejam vinculadas com as fontes produtoras de rendimentos. Por outro lado, despesa normal é aquela que se verifica comumente no tipo de operação ou transação efetuada e que, na realização do negócio, se apresenta de forma usual, costumeira ou ordinária. O requisito de usualidade deve ser interpretado na acepção de habitual na espécie de negócio.

O próprio Fisco já se manifestou nesse sentido que temos defendido. No entanto, as

divergências remanescem no plano da pragmática: é significativo o número de autuações

fiscais vinculadas à temática das despesas dedutíveis.

Também nesse requisito ganha relevo a razoabilidade e proporcionalidade, como

mecanismos para compreensão do direito.

Para nós, a análise das situações in concreto deve ser feita com objetividade, diga-se,

deve se guiar pela resposta a ser dada ao questionamento, feito linhas atrás, sobre a relação do

dispêndio com alguma atividade desempenhada pela pessoa jurídica em prol de sua

manutenção regular. Em caso de resposta positiva, teremos dado um passo importante na

identificação da despesa como fato delimitador da base de cálculo do IRPJ. Do contrário,

podemos dizer que estamos diante de hipótese de consumo da renda, em que os gastos se dão

de forma desvinculada da obtenção de receitas ou da preservação da fonte.

4.4.2.2 Requisito n. 2: dispêndio deve ser usual/normal

A legislação menciona, ainda, o requisito da usualidade ou normalidade da despesa:

para configurar despesa, o dispêndio haverá de ser usual, normal. De imediato, cabe

desmitificar um ponto relevante: o requisito da usualidade ou normalidade não impõe que o

Page 146: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

145

dispêndio seja freqüente, isto é, tenha de ser suportado com recorrência pelo sujeito passivo;

não é esse o sentido do dispositivo legal. Será usual ou normal o dispêndio que, ainda que

excepcional, for aceitável no universo das atividades da pessoa jurídica. A usualidade,

portanto, liga-se não à periodicidade do dispêndio, mas à sua adequação e pertinência ao rol

de atividades da empresa, não exclusivamente seu objetivo social precípuo, mas aquelas

desempenhadas para sua autopreservação. De novo nosso entendimento se apóia em Bulhões

Pedreira, para quem:

Despesa normal é a usual, costumeira ou ordinária no tipo de negócios do contribuinte. O requisito legal não é que seja usualmente paga pelo contribuinte: pode ser excepcional ou esporádica na experiência do contribuinte, desde que possa ser considerada como usual ou normal do tipo de seus negócios, operações ou atividades.203

O mesmo parecer normativo 32 do CST, citado há pouco, contém a descrição do que

é usualidade e conclui que “[...] o requisito da usualidade deve ser interpretado na acepção de

habitual na espécie do negócio”. Tal como ocorre com a necessidade, não se impõe que o

dispêndio se vincule diretamente ao objetivo social da empresa, mas fundamentalmente que

seja aceitável no âmbito de todas as operações engendradas pela pessoa jurídica.

Com base na formulação de uma pergunta como recurso para se identificar o

requisito, podemos dizer que a usualidade ou normalidade estará presente sempre que

tivermos uma resposta positiva a esta indagação: o dispêndio pode ser considerado habitual no

âmbito de qualquer das operações praticadas pela pessoa jurídica visando sua regular

manutenção? Se a resposta for negativa, não teremos outra coisa, senão a configuração de

mero consumo de renda, ineficaz para fins de determinação da renda tributável ou, noutro

dizer, do lucro real.

4.4.2.3 Requisito n. 3: dispêndios devem ter sido pagos ou incorridos

203 PEDREIRA, 1979, p. 372.

Page 147: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

146

O § 1º do artigo 299 do RIR/99 dispõe que, para configurar uma despesa e, por

conseqüência, ser dedutível, o dispêndio deve ter sido pago ou incorrido. Ora, ao estabelecer

que só são dedutíveis os dispêndios pagos ou incorridos, o legislador restringe a abrangência

dos fatos-decréscimos — reforçando sua diferença relativas às hipóteses de consumo da renda

— e determina que apenas se subsumem a esse conceito as prestações objeto de obrigações

jurídicas devidamente constituídas e passíveis de serem exigidas. Isso porque só serão

relevantes para conformação da base de cálculo do IR hipóteses de pagamento ou incurso em

dispêndios relativos a obrigações que efetivamente existam. Noutras palavras, para ser

dedutível, o gasto deve se relacionar com negócios jurídicos já usufruídos ou disponibilizados

ao sujeito passivo; deve, portanto, ser um gasto existente e determinado ou, no mínimo,

determinável.

Contabilmente, as despesas transitam diretamente pelas contas de resultado,

reduzindo o patrimônio líquido da pessoa jurídica. Verifica-se, entretanto, que a legislação

considera como despesas — e, portanto, tem por dedutíveis — os dispêndios pagos e os que

tenham sido incorridos. Nos casos de pagamento, não restam dúvidas interpretativas, pois a

constituição da obrigação jurídica é acompanhada da imediata saída de recursos. Essa

simultaneidade entre obrigação e dispêndio a ela respectivo torna clara a afetação do resultado

da pessoa jurídica.

Isso não ocorre quanto ao que a legislação (art. 299 do RIR/99) denomina dispêndios

incorridos, cujo conteúdo semântico, a nosso ver, deve ser delineado. Para tanto, julgamos

necessário, de início, contextualizar essa previsão legal. Já nos referimos ao fato de que, após

a criação da lei n. 6.404/76, adotou-se como regra o princípio da competência para se

registrarem as mutações patrimoniais da pessoa jurídica (art. 177 da Lei do Anonimato).

Assim, o reconhecimento contábil das receitas e despesas deve acontecer de forma

independente do respectivo trânsito de valores, considerando-se, exclusivamente, o período-

Page 148: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

147

base em que foi conformada a obrigação e no qual tenham nascido o direito e o dever jurídico

correlatos.

Nesse contexto, convém abordar o conceito de despesas incorridas, ou seja, as que,

embora se liguem diretamente a uma obrigação jurídica regularmente constituída,

determinada ou, ao menos, determinável, não são seguidas das respectivas saídas de recursos.

Considera-se, para tanto, o momento em que nasce a obrigação de pagar. As despesas

incorridas são dedutíveis desde que sejam cumpridos os demais requisitos, porque, mesmo

que ainda não pagas, vinculam-se a obrigações já constituídas e exigíveis. Essa característica

as difere das provisões, que são reservas de capital vinculadas a fatos ainda não ocorridos.

Para elucidar o conceito de despesas incorridas, a Administração Pública Federal já

pronunciou seu entendimento em algumas oportunidades. Destacamos o parecer normativo do

CST n. 110, de 16/2/1971, que, em resposta à consulta sobre a possibilidade de dedução de

certo tipo de provisão, dispôs que:

2. Permite-se deduzir do lucro das pessoas jurídicas, para efeito do imposto de renda, as despesas pagas ou incorridas no ano-base da declaração de rendimentos, entendendo-se por incorridas as que, embora realizadas e quantificadas, não tenham sido pagas. 3. Assim, determinada despesa, originada de uma obrigação contratual ou de contraprestação de um serviço, porém perfeitamente identificada, gera um passivo exigível enquanto não for paga e, logicamente, dedutível do lucro tributável. 4. Outra coisa será estimar-se um gasto, sem identificação e pretender-se onerar a conta de resultado, sem mesmo conhecer sua quantificação definitiva, mediante a constituição de uma reserva, ainda que sob a denominação de provisão.

Também ressaltamos o parecer normativo do CST n. 7, de 1º/2/1976, que, na linha

do anterior, define despesas incorridas nestes termos:

3. Como despesas incorridas, entendem-se as relacionadas a uma contraprestação de serviços ou obrigação contratual e que, embora caracterizadas e quantificadas no período-base, nele não tenham sido pagas, por isso figurando o valor respectivo no passivo exigível da empresa.

Page 149: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

148

Por fim, sublinhamos o parecer normativo do CST n. 58, de 1º/9/1977, também

voltado à temática das despesas incorridas:

[...] a obrigação de pagar determinada despesa (enquadrável como operacional) nasce quando, em face da relação jurídica que lhe deu causa, já se verificaram todos os pressupostos materiais que a tornam incondicional, vale dizer, exigível independentemente de qualquer prestação por parte do respectivo credor [...]. Despesas incorridas [...] são aquelas que, embora nascida a obrigação correspondente, o momento ajustado para pagá-las, ou seu vencimento, ou outra circunstância qualquer, determinam que o respectivo pagamento venha a ocorrer em exercício subseqüente.

A fim de deixar mais claro esse conceito, vejamos o artigo 9º da resolução do

Conselho Federal de Contabilidade (CFC) n. 75, de 29/12/1993, que, dispondo sobre o

princípio da competência, relata:

Art. 9º. As receitas e as despesas devem ser incluídas na apuração do resultado do período em que ocorrerem, sempre simultaneamente quando se correlacionarem, independentemente de recebimento ou pagamento. [...] § 4º Consideram-se incorridas as despesas: I – quando deixar de existir o correspondente valor ativo, por transferência de sua propriedade para terceiros; II – pela diminuição ou extinção do valor econômico de um ativo; III – pelo surgimento de um passivo, sem o correspondente ativo.

Está claro que a nota fundamental do conceito de despesa incorrida é que esta deve

se vincular a uma obrigação exigível.

Em 3/10/2005, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou a deliberação n.

489, que aprovou o pronunciamento do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil

(IBRACON)/Norma de Procedimento de Contabilidade (NPC) nº 22, que trata de provisões,

passivos, contingências passivas e contingências ativas. Essa deliberação veio adequar as

práticas contábeis brasileiras aos padrões mundialmente aceitos, aumentar a transparência e

segurança das informações contábeis e facilitar as relações internacionais. Nesse mister, ela

pormenorizou conceitos de suma importância, inclusive quanto ao nosso objeto de estudo. Por

ora, destacamos os conceitos de provisão e obrigação legal nela constantes:

Page 150: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

149

• uma provisão é um passivo de prazo ou valor incertos;

• uma obrigação legal é a que deriva de um contrato (por meio de termos explícitos

ou implícitos), de uma lei ou de outro instrumento fundamentado em lei.

É nítida a diversidade entre tais conceitos. Pelo fato de o sistema jurídico tributário

brasileiro ter adotado o regime de competência, é inexorável que a regra de dedutibilidade

seja formulada de modo a atingir as despesas incorridas, logo se revela adequado, em termos

técnicos, falar em despesas pagas. A referência às despesas pagas constante do § 1º do artigo

299 do RIR/99 nos parece mais adequada ao regime de caixa, no qual o que importa é o

trânsito de recursos. Se se trata do regime de competência — e esse é o caso —, então sempre

teremos de considerar as despesas incorridas, porque o que importa são a existência e

exigibilidade da prestação, seja qual for seu adimplemento efetivo. Nesse contexto,

afirmamos que o requisito ora analisado decorre diretamente da adoção do regime de

competência, e é imperativo lógico para a configuração de despesa.

Feitos esses esclarecimentos preliminares sobre o conceito de despesas pagas e

incorridas, agora enfocamos aquela que talvez seja a maior problemática relacionada com esse

requisito: as dificuldades recorrentes com que nos deparamos, no plano pragmático, em

estabelecer com segurança os critérios de diferenciação entre os conceitos de despesa

incorrida e provisão. Tal diferenciação é fundamental porque, enquanto as despesas são

dedutíveis, as provisões — salvo exceções — não o são, por força da disposição expressa no

artigo 335 do RIR/99.204 Diferentemente das despesas, as provisões — cuja constituição é

exigida pela Lei do Anonimato205 — se desvinculam de obrigações jurídicas exigíveis: estão

204 Art. 335. Na determinação do lucro real somente serão dedutíveis as provisões expressamente autorizadas neste Decreto 205 Na sua redação atual, o artigo 183 da lei n. 6.404/76, ao dispor sobre os critérios para avaliação de elementos do ativo do balanço, refere-se à provisão para ajuste ao valor de mercado dos bens do ativo circulante ou realizável a longo prazo (inciso II); e provisão para perdas na realização do valor de investimentos (incisos III

Page 151: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

150

condicionadas a fatos futuros que, embora possíveis, são incertos. São reservas contábeis

constituídas ante a probabilidade de, no futuro, surgir uma obrigação que provoque uma

contingência. O simples fato de haver a expectativa de conformação dessa obrigação jurídica

impõe que a pessoa jurídica reserve recursos para uma potencial contingência.

Devemos dizer que, embora as provisões ensejem decréscimo patrimonial — porque

afetam o resultado da empresa —, não se subsumem ao conceito de despesas porque não se

vinculam a uma obrigação jurídica certa e exigível, e sim a uma obrigação futura. Sobre as

provisões, José Luiz Bulhões Pedreira diz que “prover significa, nesse caso, munir-se, ou

abastecer-se: a provisão aparta ou guarda recursos financeiros para absorver diminuição do

patrimônio líquido que provavelmente se efetivará no futuro, como efeito de fatos ocorridos

no exercício”.206 Essas considerações visam elucidar as dúvidas quanto ao terceiro requisito

para a configuração de despesa típica: a necessidade de que o dispêndio tenha sido pago ou

incorrido; para tanto, impõe-se sua vinculação a uma obrigação jurídica, existente e exigível.

Nessa concepção, as provisões estão fora do conceito de despesas, portanto são

indedutíveis para fins de IRPJ, ou seja, não cumprem o requisito ora analisado. Essa

conclusão, a nosso ver, considera elementos essenciais das duas realidades em análise:

despesas incorridas e provisões. A indedutibilidade das provisões não encontra amparo direto

no artigo 299 do RIR/99, mas sim no próprio conceito de renda, já apresentado e discutido

neste estudo, e em todos os princípios que informam o IR. Para nós, os três requisitos

verificados definem e delimitam o conceito de despesas, no sentido de fatos-decréscimos. Ao

nos depararmos com um dispêndio, temos de buscar a identificação concomitante de todos

esses requisitos. Se a conclusão for pela identificação de todos, então estaremos diante de uma

típica despesa; do contrário, teremos outra figura, inábil a gerar reflexos no processo de

conformação da base de cálculo do IRPJ.

e IV). A seu turno, o artigo 184, ao dispor sobre os critérios para avaliação de elementos do passivo do balanço, refere-se a encargos e riscos. 206 PEDREIRA, 1979, p. 231.

Page 152: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

151

4.4.3 Retorno à noção de linguagem e apontamento dos requisitos correlatos para a

identificação das despesas: escrituração/comprovação documental e débito no

período-base competente

No subitem precedente, situamos os requisitos que devem ser considerados para se

configurarem receitas, a fim de pontuar as notas divergentes quanto a outros conceitos que

com este se confundem, a exemplo do de provisão. Nossa intenção foi objetivar o conteúdo

semântico da locução despesas dedutíveis, daí nossa preocupação em fornecer elementos que

devem ser buscados para se configurar essa realidade. Apontamos como requisitos para

configurar despesas que os dispêndios sejam necessários, usuais ou normais e tenham sido

incorridos. Esses são, a nosso ver, os requisitos intrínsecos que devem ser buscados na

essência do dispêndio para quadrá-lo ao conteúdo semântico do termo “despesas”.

Todavia, há doutrinadores que apontam a necessidade de que sejam cumpridos, além

desses, outros requisitos: a comprovação de que os dispêndios estão lastreados por

documentação hábil e idônea e foram corretamente escriturados, bem como que seu

aproveitamento tenha se dado no período-base competente. Ricardo Mariz de Oliveira elenca

esses critérios dentre os que ele denomina “[...] regras gerais básicas da dedutibilidade”.207

Concordamos integralmente com esse autor que tais condições — comprovação documental e

aproveitamento no período-base competente — devem estar presentes para subsidiar a

dedutibilidade da despesa. Mas fazemos uma ressalva: separar tais exigências do conteúdo

semântico do vocábulo despesas; e o fazemos pelas razões que se seguem.

Estamos buscamos construir o conceito do termo despesas com base nos requisitos

objetivos que nos permitam identificar, no bojo dos numerosos dispêndios percebidos pela

pessoa jurídica, aqueles que possam ser qualificados como tal e que, portanto, devem gerar

reflexos na composição da base de cálculo do IRPJ-lucro real. Nesse processo de qualificação

207 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Guia IOB Imposto de renda pessoa jurídica comentado e atualizável. IOB.

Page 153: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

152

dos dispêndios, devem ser ponderadas características que lhe são ínsitas e que defluem do

conceito de renda constitucionalmente pressuposto, demonstrando, pois, a vinculação que se

estabelece entre esses fatos. A comprovação documental da despesa — parece-nos — é

matéria de prova, que tomará lugar no bojo de um processo, judicial ou administrativo, caso

haja qualquer questionamento concernente à sua dedutibilidade.

Como dissemos no início deste estudo, adotamos a premissa segundo a qual o direito

se materializa por meio de linguagem. Com isso, queremos dizer que cogitamos a

conformação de um fato jurídico se — e somente se — tal fato estiver vertido em linguagem,

no caso, linguagem jurídica. Essa condição se faz presente para todo fato jurídico e reforça a

diferença entre evento e fato, apontada pelo professor Paulo de Barros Carvalho: evento é a

ocorrência, o acontecimento do mundo factual; fato é relato lingüístico do evento, portanto é a

entidade que importa para o direito, porque comporá a norma jurídica individual e concreta

que, uma vez introduzida no ordenamento, motivará a constituição do liame jurídico, no qual

se correlacionarão direitos e deveres. O direito atua sobre fenômenos pretéritos, que nos são

apresentados mediante provas, indícios, que nos permitem tomar conhecimento, tanto mais

próximo quanto possível, de uma realidade passada. As provas não cuidam de reproduzir o

evento ocorrido, mas sim de confirmar as afirmações sobre esse evento, numa dialética

comunicacional que é nota característica do direito.

São esclarecedoras aqui as palavras de Fabiana Del Padre Tomé ao discorrer sobre a

finalidade da prova:

Provar um fato é estabelecer sua existência (ou inexistência, na hipótese de pretender-se desconstituir o fato). Nessa medida, a tarefa daquele que produz a prova jurídica é semelhante à do historiador: ambos se propõem a estabelecer fatos representativos de acontecimentos pretéritos, por meio dos rastros, vestígios ou sinais deixados por referidos eventos e utilizando-se de processos lógico-presuntivos que permitam a constituição ou desconstituição

Page 154: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

153

de determinado fato. Esse é o fim da prova: a fixação dos fatos no mundo jurídico.208

Portanto, ao afirmarmos que os dispêndios, necessariamente, haverão de estar

lastreados em documentação hábil e idônea, ressaltamos uma condição da própria existência

da despesa como fato jurídico.

Nesse cenário, a documentação consubstancia num processo o meio de prova pelo

qual o sujeito passivo do IRPJ estabelecerá a relação entre um evento passado — o dispêndio

(saída de recursos) — e o efeito jurídico a ele atribuído — dedutibilidade —, pois, como

elucida Fabiana Del Padre Tomé, “[...] a prova não pode ser considerada um fim em si

mesma. É instrumento para construir a verdade no processo: a prova é sempre prova de

algo”.209

Nesse mesmo sentido segue o que diz Susy Gomes Hoffmann,

Então o que sabemos sobre o fato são as versões, as linguagens que temos sobre ele. E, no sistema positivo, os fatos serão apresentados pelos enunciados feitos sobre eles, os quais forem fundamentados nas provas. Para o direito, tal premissa assume proporções muito importantes, pois os eventos que adentram pelo sistema jurídico se apresentam por meio da linguagem que os relata, linguagem essa que é redigida ou elaborada segundo as regras impostas pelo sistema jurídico.210

Nesses termos, ser despesa e estar hábil a gerar os efeitos jurídicos típicos desse

elemento pressupõe transmudar o evento — descritível como a saída dos recursos — para fato

jurídico. Eis por que temos nos referido aqui a fatos-acréscimos e fatos-decréscimos. A

denominação é proposital e objetiva ressaltar que só teremos esses fatos se os eventos tiverem

sido inseridos, via linguagem, na realidade do direito.

208 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2005, p. 177. 209 TOMÉ, 2005, p. 177. 210 HOFFMANN, 1999, p. 73.

Page 155: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

154

Posto isso, não nos esqueçamos que não só o fato jurídico despesa demanda uma

linguagem que o insira no mundo do direito; esta é uma condição para configurar todo e

qualquer fato jurídico, pois este nada mais é que uma entidade lingüística.

No que nos interessa para este estudo, a escrituração e documentação atinente às

despesas consubstanciam o veículo que, pela linguagem, constituirá o fato despesa,

habilitando-o a produzir seus efeitos jurídicos. O artigo 251 do RIR/99 corrobora nosso

entendimento ao estabelecer a obrigatoriedade de que a pessoa jurídica tributada com base no

lucro real mantenha regular escrituração, pois, com isso, assegura-se que todas as operações

por ela praticadas sejam legitimamente introduzidas no mundo do direito e gerem seus

reflexos jurídicos. Eis os seus termos:

Art. 251. A pessoa jurídica sujeita à tributação com base no lucro real deve manter escrituração com observância das leis comerciais e fiscais (Decreto-lei nº 1.598, de 1977, art. 7º). Parágrafo único. A escrituração deverá abranger todas as operações do contribuinte, os resultados apurados em suas atividades no território nacional, bem como os lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior (Lei nº 2.354, de 29 de novembro de 1954, art. 2º, e Lei nº 9.249, de 1995, art. 25).

Embora reconheçamos a importância da existência de documentação que lastreie e

comprove as despesas incorridas pela pessoa jurídica, nós a temos como a prova que deve ser

produzida na hipótese de o sujeito passivo ser questionado em razão de tê-las diminuído na

apuração do lucro real (base de cálculo do IRPJ); é o julgador, da esfera administrativa ou

judicial, seu principal destinatário. Não se trata, portanto, de requisito objetivo para

configuração de despesa, mas de veículo para a conformação desse fato jurídico.

Uma discussão que ganha relevo neste estudo se refere ao tipo de documentação que

tem sido aceito pelo Fisco para comprovação da despesa incorrida. Dito de outro modo, na

visão do Fisco, quais veículos são legitimados a inserir no ordenamento jurídico os fatos

jurídicos despesas? No ímpeto de responder de imediato a esse questionamento, poderíamos

Page 156: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

155

simplesmente dizer que a demonstração da despesa haverá de se ser por meio do cotejo dos

dados de sua escrituração com a nota fiscal correspondente. A nota fiscal é legitimada, pelas

legislações estaduais atinentes ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços

(ICMS), para subsidiar a ocorrência das operações mercantis, portanto serve ao mister de

constituir o fato jurídico despesa.

Além da nota fiscal, há outros tipos de documentos sobre os quais remanescem

dúvidas quanto à habilidade e suficiência para comprovação de despesas: são as notas fiscais

simplificadas, os cupons fiscais e s recibos. Quanto aos dois primeiros, cabe ressaltar o teor

do parecer normativo do Coordenador do Sistema de Tributação (CST) n. 83/1976, por meio

do qual o Fisco se posicionou pela imprestabilidade de tal documentação para amparar a

dedutibilidade:

[...] não contêm eles [a nota fiscal simplificada e o cupom de máquina registradora] a descrição dos produtos adquiridos, fato que impossibilita averiguar-se se o dispêndio reúne os requisitos de necessidade e normalidade que a lei exige para autorizar sua dedução do lucro sujeito ao pagamento do imposto de renda. 5. Em face do exposto, é de se concluir que a nota fiscal simplificada e o cupom de máquina registradora não são documentos hábeis para comprovar despesas operacionais, de vez que não possuem elementos materiais capazes de ajuizar-se se os gastos atendem as condições de dedutibilidade estipuladas no artigo 162 do RIR/75.

Embora seja antigo, o teor desse parecer ainda é, por vezes, prestigiado, em especial

na esfera administrativa. É certo, contudo, que os motivos que ensejaram a formalização desse

parecer normativo — a simplicidade dos documentos (nota fiscal simplificada e cupom

fiscal), aliada à insuficiência dos dados relativos à descrição dos produtos — não mais

remanescem nos dias atuais, sobretudo por causa da modernização dos equipamentos

emissores. Assim, não podemos deixar de consignar a necessidade de revisão do

posicionamento ilustrado no parecer normativo n. 83/76, visando a sua adequação à realidade

atual.

Page 157: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

156

Sobre os recibos, as dúvidas persistem e são solucionadas — ao que nos parece —

caso a caso. Encontramos precedentes no Conselho de Contribuintes que defendem a

aceitação desse meio de prova desde que haja outros elementos que permitam atestar a

necessidade da despesa.

IRPJ — COMPROVAÇÃO DE DESPESAS — A comprovação de despesas operacionais poderá ser feita através de recibos, desde que do conjunto de provas resulte patente a necessidade de aquisição dos bens ou serviços para a manutenção da fonte produtora dos rendimentos. Despesas de pequeno valor e difícil comprovação poderão ser tidas como acessórias ante a razoabilidade da comprovação das principais.211

A nosso ver, a questão deve ser solucionada pela casuística. Não se mostra razoável

afastar os recibos como meio de prova para demonstrar a ocorrência das despesas, afinal há

diversos tipos de atividades para as quais é dispensada a emissão de nota fiscal. Esse fato, por

si só, põe abaixo a afirmação peremptória de que os recibos não poderiam ser considerados

para esse fim.

À parte a questão dos meios admitidos para comprovação documental das despesas, há

outro indicador apontado pela doutrina e sobre o qual temos de nos manifestar: o período-base

para seu aproveitamento (das despesas). Ante a adoção do regime de competência, as despesas

haverão de ser reconhecidas no momento em que for constituída a obrigação legal a elas

correlatas. Portanto, a afirmação de que a despesa deve ser escriturada e deduzida no período-base

em que for incorrida decorre diretamente do princípio da competência — um princípio contábil.

Hiromi Higuchi e Fábio Hiroshi Higuchi exemplificam bem a sistemática do

reconhecimento dos eventos contábeis pelo regime de competência:

No dia 10/5/2003 a empresa brasileira contraiu empréstimo do exterior com vencimento em 10/5/2004 e pagamento de juros nessa data. No dia 31/12/2003, a empresa brasileira poderá fazer o lançamento contábil dos juros do período de 10/5/2003 a 31/12/2003 com débito de despesas e a crédito do beneficiário no exterior. Nessa hipótese, os juros são despesas financeiras dedutíveis em 2003 pelo regime de competência, ainda que a

211 10º Conselho de Contribuintes, 5ª Câmara, Recurso Voluntário n. 119.019, acórdão 105–13018, relator Rosa Maria de Jesus da Silva Costa de Castro, julgado na sessão de 7/12/1999.

Page 158: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

157

incidência do imposto de renda exclusivo na fonte ocorra no pagamento em 10/5/2004.212

Nesses termos, é inexorável a conclusão de que o prazo para aproveitamento das

despesas não consubstancia requisito intrínseco à configuração destas; é só um reflexo da

adoção do princípio da competência, que vincula o comportamento do sujeito passivo do

tributo com o período em que for constituída a relação jurídica (direito do Fisco versus

dever do sujeito passivo), relegando a um segundo plano o trânsito de valores.

Afirmamos que o prazo para seu aproveitamento não é uma característica inerente à

despesa porque a adoção do regime de competência — o que impõe a observância a esse

critério — pode, em tese, ser modificada a qualquer tempo (por exemplo, se advier novel

legislação instituindo, como regra, o regime de caixa), sem que isso altere a essência do

conteúdo semântico do vocábulo despesa, desde que se mantenha a estrutura atual de

nosso sistema constitucional tributário (que, como visto, encampa um conceito

pressuposto de renda).

Assim, a nosso ver, nem a obrigatoriedade de escrituração/comprovação das

despesas nem a exigência de que seu aproveitamento se dê no respectivo período-base (em

atenção ao princípio da competência) se revelam requisitos intrínsecos e inafastáveis do

conceito de despesa; de revés, trata-se de meios de prova, mediante os quais o evento — saída

de recursos — é introduzido no mundo jurídico, agora sob a roupagem de fato jurídico,

habilitando-se a produzir seus reflexos jurídicos.

4.5 Impossibilidade de o legislador infraconstitucional definir o conceito de despesas,

vedando, restringindo ou condicionando sua dedutibilidade

212 HIGUCHI, Hiromi; HIGUCHI, Fábio Hiroshi. Imposto de renda das empresas 2008: interpretação e prática.

33. ed. São Paulo: IR Publicações, 2008, p. 342.

Page 159: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

158

Ao estudar o conceito de renda como complemento da materialidade e base de

cálculo do IR, afirmamos que se trata de um conceito relacional, pois consiste no resultado

positivo do confronto entre o que denominamos fatos-acréscimos e fatos-decréscimos. Assim,

será necessário cotejar os ingressos com os dispêndios — estes para se obterem novos

ingressos ou manter sua fonte produtora — a fim de que, como resultado, conformemos a

grandeza tributável renda. Constatamos que o Texto Constitucional delineia os contornos do

conceito de renda; nos termos exatos a que nos referimos, a Lex Mater expressa a

materialidade do IR e, implicitamente, seu conteúdo semântico.

Feita essa constatação e dadas as características do ordenamento jurídico, em

especial sua rigidez, afirmamos categoricamente que não cabe ao legislador ordinário criar

enunciados prescritivos atinentes ao IR que contradigam as balizas fixadas pela Carta Magna.

Como demonstramos, pensamos que o legislador infraconstitucional federal deve redesenhar a

hipótese de incidência do IR, embora — reiteramos — tal atuação seja parametrizada pela

Constituição, que traz um conceito pressuposto de renda a ser observado, inclusive para fins

de determinação do conjunto de sujeitos que serão colhidos pela regra-matriz de incidência

tributária – todos aqueles que denotarem a manifestação de riqueza exigida na regra-matriz:

auferir renda. Do contrário, além de se exceder os limites da competência impositiva

atribuídos ao ente tributante (porque se tributará outra grandeza além da renda), afronta-se os

princípios da capacidade contributiva, da isonomia, da vedação de uso de tributo com efeito

confiscatório e outros.

Diante das peculiaridades do sistema jurídico, ao afirmarmos que há um imperativo

lógico impondo a assunção da premissa quanto à existência de um conceito de renda

constitucionalmente pressuposto e que este é relacional, temos de admitir que os próprios

fatos que concorrem para conformar a renda encontram balizas no Texto Constitucional.

Portanto, os fatos-acréscimos (ingressos) e os fatos-decréscimos (dispêndios), que,

Page 160: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

159

conjugados, conformarão a renda efetivamente auferida pelo sujeito passivo, têm seu

conteúdo semântico indicado no Texto Constitucional. Eis por que José Artur Lima

Gonçalves definiu o conceito de renda como saldo positivo resultante do confronto entre

certas entradas e certas saídas.213 A restrição de umas e de outras se fundamenta nos

princípios e nas diretrizes constitucionais que informam o IR e visa delimitar o conjunto de

sujeitos a ser colhido pela regra de tributação.

No que interessa a este trabalho, não nos furtaremos a constatar que o conteúdo

semântico do termo despesa encontra parâmetros na Magna Carta. Isso é claro e incontestável.

Tanto o é que, ao indicarmos os requisitos a serem identificados nos dispêndios para

qualificá-los como efetivas despesas, sempre nos referimos aos princípios constitucionais: os

dispêndios devem ter sido incorridos para se adquirirem novos ingressos (atenção aos

princípios da capacidade contributiva, isonomia e vedação ao confisco, dentre outros) ou para

manter sua fonte produtora (mínimo vital e outros). Assim, pode-se concluir que a definição

do conceito de despesas, em última instância, é direcionada pelo Texto Constitucional.

Dito isso, afirmamos a existência do conceito de renda constitucionalmente

pressuposto e, por conseqüência, que a determinação quanto aos fatos-acréscimos e fatos-

decréscimos que o conformarão está plasmada na Carta Constitucional. Assim, não admitimos

que o legislador infraconstitucional possa dispor livremente sobre questões afetas à

dedutibilidade fiscal para vedar, restringir ou condicionar o aproveitamento de despesas.

Primeiramente, não percamos de vista que todo dispêndio qualificado como despesa será

dedutível — a dedutibilidade é propriedade geral das despesas. Uma vez configurada a

despesa, não cabe questionar sua eventual dedutibilidade; trata-se de uma propriedade que lhe

é intrínseca, inexorável. Por causa disso, consideramos retórica a expressão despesas

dedutíveis. Afinal, toda despesa é, pela sua essência, dedutível. Em segundo lugar, temos

213 GONÇALVES, 2002, p. 179.

Page 161: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

160

convicção de que não cabe ao legislador infraconstitucional vedar, limitar ou condicionar o

aproveitamento das despesas, porque é desse conceito de despesas que se origina o conceito

renda (constitucionalmente pressuposto). Modificar o conceito de despesa implica modificar a

base de cálculo do IR; ao modificar sua base de cálculo há, outrossim, distorção na

materialidade da exação e, consequentemente, ofensa ao Texto Constitucional.

Por outro lado, reforçamos a afirmação de que a dedutibilidade não se condiciona à

expressa previsão legal, por isso consideramos que o artigo 250 do RIR/99214 apenas explicita

um mandamento que pode ser formulado partindo-se de uma interpretação sistemática do

Texto Constitucional. O suporte para a dedutibilidade não deriva diretamente desse artigo;

decorre, sim, da assunção da premissa de que existe um conceito de renda

constitucionalmente pressuposto. Portanto, adotar o imperativo lógico de tal existência supõe

acatar que há um conceito constitucionalmente pressuposto de despesas, assim como há de

ingressos para fins de IRPJ. Todos eles são conceitos parametrizados pela Constituição

Federal.

214 Art. 250 RIR/99: Na determinação do lucro real, poderão ser excluídos do lucro líquido do período de apuração (Decreto-lei nº 1.598, de 1977, art. 6º, § 3º): I – os valores cuja dedução seja autorizada por este Decreto e que não tenham sido computados na apuração do lucro líquido do período de apuração; II – os resultados, rendimentos, receitas e quaisquer outros valores incluídos na apuração do lucro líquido que, de acordo com este Decreto, não sejam computados no lucro real; III – o prejuízo fiscal apurado em períodos de apuração anteriores, limitada a compensação a trinta por cento do lucro líquido ajustado pelas adições e exclusões previstas neste Decreto, desde que a pessoa jurídica mantenha os livros e documentos, exigidos pela legislação fiscal, comprobatórios do prejuízo fiscal utilizado para compensação, observado o disposto nos arts. 509 a 515 (Lei nº 9.065, de 1995, art. 15 e parágrafo único). Parágrafo único. Também poderão ser excluídos: a) os rendimentos e ganhos de capital nas transferências de imóveis desapropriados para reforma agrária, quando auferidos pelo desapropriado (CF, art. 184, § 5º); b) os dividendos anuais mínimos distribuídos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento (Decreto-lei nº 2.288, de 1986, art. 5º, e Decreto-lei nº 2.383, de 1987, art. 1º); c) os juros produzidos pelos Bônus do Tesouro Nacional – BTN e pelas Notas do Tesouro Nacional – NTN, emitidos para troca voluntária por Bônus da Dívida Externa Brasileira, objeto de permuta por dívida externa do setor público, registrada no Banco Central do Brasil, bem assim os referentes aos Bônus emitidos pelo Banco Central do Brasil, para os fins previstos no art. 8º do Decreto-lei nº 1.312, de 15 de fevereiro de 1974, com a redação dada pelo Decreto-lei nº 2.105, de 24 de janeiro de 1984 (Lei nº 7.777, de 19 de junho de 1989, arts. 7º e 8º, e Medida Provisória nº 1.763-64, de 11 de março de 1999, art. 4º); d) os juros reais produzidos por Notas do Tesouro Nacional – NTN, emitidas para troca compulsória no âmbito do Programa Nacional de Privatização – PND, controlados na parte “B” do LALUR, os quais deverão ser computados na determinação do lucro real no período do seu recebimento (Lei nº 8.981, de 1995, art. 100); e) a parcela das perdas adicionadas conforme o disposto no inciso X do parágrafo único do art. 249, a qual poderá, nos períodos de apuração subseqüentes, ser excluída do lucro real até o limite correspondente à diferença positiva entre os ganhos e perdas decorrentes das operações realizadas nos mercados de renda variável e operações de swap (Lei nº 8.981, de 1995, art. 76, § 5º).

Page 162: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

161

Posto isso, podemos concluir que serão inconstitucionais todas as normas ou

enunciados da legislação ordinária que imponham vedação ou restrição ao aproveitamento de

despesas, para fins de IRPJ, ou mesmo que condicionem tal aproveitamento. Se, numa

argumentação hipotética, cogitarmos que o legislador ordinário tem ingerência sobre o rol de

despesas juridicamente admitidas, então estaremos, em última instância, afrontando o próprio

conceito de renda, porque admitiremos que a tributação pelo IRPJ recaia sobre outra coisa que

não acréscimo patrimonial, ou seja, que não renda.

O escólio de José Artur Lima Gonçalves lastreia a íntegra de nosso

posicionamento. Na ocasião em que analisou e se pronunciou especificamente sobre a

possibilidade de se deduzirem valores pagos para se obter autorização para funcionamento

de instituição financeira estrangeira, esse autor partiu do conceito de renda

constitucionalmente pressuposto para concluir que é possível haver dedução integral dos

valores despendidos. Diz ele:

É juridicamente irrelevante o fato da lei concordar ou não com a dedutibilidade; necessária a despesa, é ela dedutível. São ineficazes as tentativas de restringir a dedutibilidade dos custos e das despesas necessárias. O custo e a despesa é dedutível [SIC] desde que seja necessária à percepção do rendimento; sendo necessária, é dedutível, facultando-se à lei apenas a definição de métodos e critérios para identificá-la, sem, no entanto, inviabilizar a produção de seus efeitos (redutores da base de cálculo do IR). A medida da dedutibilidade de um custo ou despesa necessária ou útil à percepção do rendimento não pode ocasionar a tributação de algo que não seja renda. Há contornos constitucionais mínimos que precisam ser respeitados.215

Portanto, numa perspectiva prática, a identificação das despesas deve se guiar pela

busca da presença dos requisitos da necessidade e usualidade no dispêndio incorrido, que

deverá, igualmente, estar vertido em linguagem competente (escriturado e comprovado). Ao

se constatar a presença desses requisitos, então a dedutibilidade se impõe automaticamente, e

215 GONÇALVES, José Artur Lima. Pagamento para obtenção de autorização para funcionamento de instituição financeira estrangeira — Desembolso pela filial local — Dedutibilidade para fins de imposto sobre a renda. Revista de Direito Tributário, São Paulo, v. 70, p. 203.

Page 163: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

162

ao legislador infraconstitucional não caberá restringi-la, sob pena de afrontar o conceito de

renda. Concordamos integralmente com esse argumento.

Eurico Marcos Diniz de Santi e Paulo Ayres Barreto corroboram nosso pensamento,

como se denota do resulta do estudo a que procederam, atinente à dedutibilidade das

contribuições para previdência privada. Vale a reprodução das assertivas seguintes:

As entradas relevantes, analisando-se as pessoas jurídicas, são as receitas; as saídas relevantes, os custos e despesas. Qualquer modificação dos conceitos de “receita”, “custo” e “despesa” pode comprometer o fato gerador (permitindo a incidência do tributo sobre algo que renda não é) e a sua base de cálculo (mensurando-se grandeza diversa do real acréscimo patrimonial verificado). O legislador infra-constitucional não é livre para estabelecer os conceitos de “receita”, “custo” e “despesa”. Sendo assim, toda despesa necessária à operação da empresa deve ser dedutível.216

Essa questão foi analisada, por outro prisma, por Helenilson Cunha Pontes, para

quem a restrição ao aproveitamento das despesas implementada por dispositivo da legislação

ordinária, além de ofender o conceito constitucionalmente pressuposto de renda, não se

sustenta ante o princípio do substantive due process of law, ou seja, o devido processo

legal.217 Acolhido na íntegra pelo ordenamento jurídico, no inciso LIV do artigo 5o da CF/88,

esse princípio apregoa a necessidade de haver proteção aos direitos e às necessidades dos

administrados perante dispositivos legais destituídos de razoabilidade, proporcionalidade e

justa causa. Ora, ao restringir, sem motivação, a possibilidade de aproveitar despesas para fins

de IRPJ, o legislador ordinário afronta o devido processo legal, porque tal conduta não se

justifica. Eis o que diz esse autor:

Ora, nisto reside a inconstitucionalidade aqui apontada, uma vez que não

há motivo plausível, justa causa, razoabilidade, racionalidade e

proporcionalidade em ser vedado ao contribuinte, na apuração das bases de cálculo do IRPJ e CSL, a dedutibilidade da despesa correspondente ao

216 PONTE, 1997, p. 58–60. 217 SANTI, Eurico Marcos Diniz; BARRETO, Paulo Ayres.Contribuições para previdência privada. dedutibilidade em face do imposto sobre a renda. Força da EC 20/98. Aplicabilidade da lei n. 9.532/97 no tempo. Revista

Dialética de Direito Tributário, v. 93, 2003, p. 124-133.

Page 164: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

163

recolhimento destes tributos, enquanto que as despesas relativas aos recolhimentos de todos os demais tributos (inclusive os federais), não sofrem essa limitação. [...] não se sustente sob bases minimamente racionais ou razoáveis, atentando flagrantemente contra a garantia do substantive due process of law (art. 5o, LIV, CF) ao estabelecer uma limitação ao direito de propriedade consubstanciada em normas tributárias impositivas absolutamente desproporcionais e desarrazoadas.218

Enfim, concluímos que é ilegítima a restrição do aproveitamento das despesas pela

legislação infraconstitucional, seja porque afronta o conceito de renda constitucionalmente

pressuposto ou porque ofende o princípio do devido processo legal. Ainda assim, verificamos

que, na prática, ocorre o oposto: são diversos os dispositivos que preconizam restrições ou

vedações ao aproveitamento de típicas e genuínas despesas. Assim, após uma síntese do que

expusemos até então e a introdução de nosso conceito de dispêndios dedutíveis, identificamos

e comentamos algumas dessas hipóteses.

4.6 Construção do nosso conceito de dispêndios dedutíveis

Feitos os esclarecimentos pertinentes sobre a indissociabilidade do conceito de

dispêndios dedutíveis (fatos-decréscimos) do conceito de renda — que o abarca; apontados os

requisitos que, a nosso ver, devem estar presentes para sua configuração e averiguados os

limites que são impostos pelo próprio ordenamento jurídico ao legislador ordinário para

modificação de seus lindes, cabe, neste ponto, expor nosso conceito de dispêndios dedutíveis.

Entendemos que, numa perspectiva jurídica, o conceito de dispêndios dedutíveis

pode ser delimitado como sendo todos os custos (assim entendidos os dispêndios associados

com produtos ou serviços produzidos pela pessoa jurídica) ou despesas (assim entendidos os

dispêndios não computados nos custos) que sejam necessárias à atividade da empresa (diga-

se, que estejam relacionados com qualquer atividade desempenhada pela pessoa jurídica),

usuais e normais (ou seja, que sejam aceitáveis no universo das atividades praticadas pela

218 PONTE, 1997, p. 58–60.

Page 165: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

164

pessoa jurídica), pagos ou incorridos (portanto, que estejam vinculados a uma obrigação

jurídica existente e exigível), visando obter fatos-acréscimos e/ou manter sua fonte produtora.

Em consonância com o que expusemos até aqui, resta indubitável que esse conceito

tem raízes, em última análise, no próprio conceito de renda — decorre dele. Por causa disso,

reforçamos nosso entendimento de que não é dado ao legislador infraconstitucional lhes

modificar os contornos, visto que estão embasados em princípios fundamentais do

ordenamento jurídico pátrio. A conclusão a que chegamos, na observação prática do

tratamento dispensado aos fatos-decréscimos aponta em sentido diametralmente oposto, em

especial porque é, com freqüência, que nos deparamos com dispositivos que vedam,

restringem ou condicionam seu aproveitamento.

Para completarmos a extensão de nossa análise, se o dispêndio não preencher os

requisitos apontados há pouco, estarão, no mais das vezes, configurados gastos efetuados por

liberalidade, que, pela sua natureza, são indedutíveis, pois representam consumo da renda

previamente auferida.

Os gastos por liberalidade ficam caracterizados quando são dispêndios efetuados em

favor de terceiros (que não sócios ou acionistas219) e não decorrentes da lei ou de obrigações

jurídicas correlacionadas com a manutenção da empresa. O parecer normativo CST n. 29, de

18/3/1974, embora antigo, revela as nuanças do conceito de gastos por liberalidade: ao

analisar a dedutibilidade de valores pagos à família de ex-funcionário falecido coincidentes

com o valor que seria devido caso esse empregado tivesse transacionado seu tempo de serviço

anterior à opção pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), concluiu a

Administração Pública Federal ser o mesmo indedutível, pois seu pagamento “[...] decorre de

liberalidade da empresa uma vez que nem a lei nem o contrato de trabalho a obrigam a efetuá-

lo”.

219 Sob pena de caracterização de distribuição disfarçada de lucros.

Page 166: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

165

Portanto, para se determinar a dedutibilidade do dispêndio, impõe-se a análise de sua

essência e substância, seguida de seu cotejo com eventuais mandamentos legais ou contratuais

que o exijam. Mas esse percurso é tormentoso porque está sujeito a variações, conforme a

situação concreta. Em muitos casos, a linha divisória entre despesa e dispêndio por

liberalidade é tênue.

Mesmo com as conclusões a que chegamos — de que ao legislador

infraconstitucional é vedado restringir o conceito de despesas, porque este está amarrado ao

conceito de renda —, na prática, o tratamento dispensado aos fatos-decréscimos aponta

sentido diametralmente oposto, em especial porque, com freqüência, deparamo-nos com

dispositivos que vedam, restringem ou condicionam seu aproveitamento. Somos categóricos

ao afirmar que, a nosso ver, esses dispositivos sempre serão incompatíveis com o

ordenamento jurídico — e, portanto, inconstitucionais —, caso se demonstre que, a despeito

da vedação à sua dedutibilidade, são gastos necessários, usuais e regularmente incorridos pelo

sujeito passivo do IR, objetivando viabilizar o ingresso de novos recursos e/ou a manutenção

da fonte produtiva, observados parâmetros razoáveis e proporcionais para tanto.

Independe a previsão legal estatuída; o que deve ser analisado, objetivamente, é o

preenchimento dos requisitos mencionados há pouco; uma vez que isso tenha ocorrido, a

conclusão é que o dispêndio deverá ser deduzido na apuração do lucro real, sob pena de ficar

ofendido o conceito de renda constitucionalmente pressuposto. Convém salientar que o

atendimento aos requisitos por parte do sujeito passivo é ato que cabe exclusivamente a esse

último e que poderá variar por causa de numerosos fatores, a exemplo do porte da empresa,

do tipo de atividade, do tipo de fornecedor, dentre outros.

Devemos ter em vista que o conceito de despesa deve, inafastavelmente, ser

analisado no âmbito do conceito de renda, porque concorre para sua conformação. Portanto,

assumir a existência de um conceito constitucionalmente pressuposto de renda implica

Page 167: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

166

assumir a existência de um conceito de despesa constitucionalmente pressuposto. Qualquer

vicissitude identificada nesse último maculará inevitavelmente o primeiro, por isso dizemos

que os dispositivos que obstem, restrinjam ou condicionem a dedutibilidade de típicas

despesas padecem de inconstitucionalidade: são ofensivos ao conceito constitucional de

renda. A afronta, portanto, é ao dispositivo constitucional; como acentua José Artur Lima

Gonçalves,

Por respeito ao conceito (constitucionalmente pressuposto) de renda, o custo ou despesa necessária à percepção do rendimento é, por definição, dedutível, independentemente da vontade do legislador ou da União. Do contrário, a tributação recairá sobre algo que renda não é, o que a Constituição veda, perempetoriamente.220

A aplicabilidade prática de nosso modelo teórico será testada na seqüência, pois

faremos referência a alguns dispositivos que, em sentido oposto, impõem — despidos de

qualquer embasamento — óbices, restrições ou condições ao aproveitamento de despesas.

4.7 Identificação e conclusões sobre os dispositivos legais que vedam ou restringem a

dedutibilidade de despesas

Entramos agora no viés mais pragmático deste trabalho. Uma vez firmada a premissa

de que é o Texto Constitucional, pelo influxo dos princípios por ele agasalhados, que limita o

conceito de renda e, por conseguinte, de despesas, apontaremos disposições advindas da

legislação ordinária que elucidam opções legislativas que passam ao largo de nossas

conclusões. Salientamos que uma análise ampla de nosso ordenamento jurídico revelará a

existência de diversos enunciados que dão suporte à construção de normas jurídicas cujos

mandamentos se direcionam à vedação ou restrição da dedutibilidade para fins de IRPJ. Não

pretendemos esgotar a análise de tais dispositivos, mas, fundamentalmente, destacar alguns

220 GONÇALVES, 2002, p. 203.

Page 168: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

167

que, para nós, ganham relevo no corpo do sistema e explicitar, na seqüência, seus principais

desdobramentos.

Nesse sentido, sublinhamos o disposto no artigo 249 do RIR/99, que, tendo sua

redação-base originária do decreto-lei 1.598/77, veicula o conceito de lucro real,

explicitando as adições que devem ser promovidas ao lucro líquido para se apurar essa

grandeza tributável (base de cálculo do IRPJ). Eis a dicção precisa desse dispositivo:

Art. 249. Na determinação do lucro real, serão adicionados ao lucro líquido do período de apuração (Decreto-lei nº 1.598, de 1977, art. 6º, § 2º): I – os custos, despesas, encargos, perdas, provisões, participações e quaisquer outros valores deduzidos na apuração do lucro líquido que, de acordo com este Decreto, não sejam dedutíveis na determinação do lucro real; II – os resultados, rendimentos, receitas e quaisquer outros valores não incluídos na apuração do lucro líquido que, de acordo com este Decreto, devam ser computados na determinação do lucro real. Parágrafo único. Incluem-se nas adições de que trata este artigo: I – ressalvadas as disposições especiais deste Decreto, as quantias tiradas dos lucros ou de quaisquer fundos ainda não tributados para aumento do capital, para distribuição de quaisquer interesses ou destinadas a reservas, quaisquer que sejam as designações que tiverem, inclusive lucros suspensos e lucros acumulados (Decreto-lei nº 5.844, de 1943, art. 43, § 1º, alíneas “f”, “g” e “i”); II – os pagamentos efetuados à sociedade civil de que trata o § 3º do art. 146 quando esta for controlada, direta ou indiretamente, por pessoas físicas que sejam diretores, gerentes, controladores da pessoa jurídica que pagar ou creditar os rendimentos, bem como pelo cônjuge ou parente de primeiro grau das referidas pessoas (Decreto-lei nº 2.397, de 21 de dezembro de 1987, art. 4º); III – os encargos de depreciação, apropriados contabilmente, correspondentes ao bem já integralmente depreciado em virtude de gozo de incentivos fiscais previstos neste Decreto; IV – as perdas incorridas em operações iniciadas e encerradas no mesmo dia (day-trade), realizadas em mercado de renda fixa ou variável (Lei nº 8.981, de 1995, art. 76, § 3º); V – as despesas com alimentação de sócios, acionistas e administradores, ressalvado o disposto na alínea “a” do inciso II do art. 622 (Lei nº 9.249, de 1995, art. 13, inciso IV); VI – as contribuições não compulsórias, exceto as destinadas a custear seguros e planos de saúde, e benefícios complementares assemelhados aos da previdência social, instituídos em favor dos empregados e dirigentes da pessoa jurídica (Lei nº 9.249, de 1995, art. 13, inciso V); VII – as doações, exceto as referidas nos arts. 365 e 371, caput (Lei nº 9.249, de 1995, art. 13, inciso VI); VIII – as despesas com brindes (Lei nº 9.249, de 1995, art. 13, inciso VII); IX – o valor da contribuição social sobre o lucro líquido, registrado como custo ou despesa operacional (Lei nº 9.316, de 22 de novembro de 1996, art. 1º, caput e parágrafo único);

Page 169: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

168

X – as perdas apuradas nas operações realizadas nos mercados de renda variável e de swap, que excederem os ganhos auferidos nas mesmas operações (Lei nº 8.981, de 1995, art. 76, § 4º); XI – o valor da parcela da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS, compensada com a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, de acordo com o art. 8º da Lei nº 9.718, de 1998 (Lei nº 9.718, de 1998, art. 8º, § 4º).

Ora, ao estabelecer “adições” ao lucro real, esse dispositivo não faz outra coisa senão

obstar a dedutibilidade de determinados dispêndios. Em outras palavras, ordena-se que certos

dispêndios não possam ser excluídos do lucro real, ou seja, que permaneçam inseridos na base

de cálculo do IRPJ, submetendo-se à tributação regular. Em princípio, não verificamos

empecilhos diretos à explicitação, via dispositivos da legislação ordinária, dos valores para os

quais fique vedada a dedutibilidade. Mas é essencial e inafastável que a prescrição legal

observe o conteúdo semântico do conceito de despesas, sob pena de inconstitucionalidade.

Com efeito, já buscamos dirimir de dúvidas o fato de que, ao assumirmos a premissa

de que há um conceito de renda constitucionalmente pressuposto, admitimos, por

conseqüência lógica, que a conceituação do termo despesas deve ser consoante com tal

conceito. Portanto, cabe reiterar: se for caracterizada despesa, a dedutibilidade é inafastável, e

não basta haver dispositivo legal vedando ou restringindo a possibilidade de dedução; trata-se

de uma propriedade inerente à natureza jurídica do conceito de despesas. Numa analogia,

seria como cogitar que dada atividade se trata de serviço porque foi incluída no anexo da lei

complementar n. 116/2003 como atividade sujeita ao Imposto sobre Serviços de Qualquer

Natureza (ISSQN). Essa afirmação é descabida; ser abrangida pela lei não significa que esta

tem a capacidade de modificar a natureza jurídica. É o que ocorre in casu, pois não basta

haver vedação legal à dedutibilidade de dado dispêndio se, pela essência de sua natureza

jurídica, este se revela uma despesa; se houver configuração de uma despesa, esta deve

auxiliar no desenho da materialidade do IRPJ, porque — como já foi explanado — o conceito

de renda é relacional.

Page 170: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

169

Convictos desse pressuposto, cumpre-nos fazer uma crítica ao inciso I do artigo 249

do RIR/99, segundo o qual não serão dedutíveis “[...] os custos, despesas, encargos, perdas,

provisões, participações e quaisquer outros valores” para os quais o RIR/99 estabelecer

vedação expressa. Ora, cabe reiterar: se for despesa efetiva, então a dedutibilidade lhe é

propriedade inafastável. Mesmo havendo dispositivo legal em sentido contrário — diga-se,

predizendo sua indedutibilidade —, para nós se trata de dispositivo flagrantemente

inconstitucional. É necessário analisar a substância jurídica do dispêndio para só então se

visualizarem seus reflexos. Observe-se, ainda, que diversos incisos do artigo 249 foram

incluídos pelo artigo 13 da lei n. 9.249, de 26/12/1995.

Bastante combatido à época de seu advento, esse dispositivo tem esta redação:

Art. 13. Para efeito de apuração do lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido, são vedadas as seguintes deduções, independentemente do disposto no art. 47 da Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964: I – de qualquer provisão, exceto as constituídas para o pagamento de férias de empregados e de décimo-terceiro salário, a de que trata o art. 43 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, com as alterações da Lei nº 9.065, de 20 de junho de 1995, e as provisões técnicas das companhias de seguro e de capitalização, bem como das entidades de previdência privada, cuja constituição é exigida pela legislação especial a elas aplicável; (vide Lei 9.430, de 1996). II – das contraprestações de arrendamento mercantil e do aluguel de bens móveis ou imóveis, exceto quando relacionados intrinsecamente com a produção ou comercialização dos bens e serviços; III – de despesas de depreciação, amortização, manutenção, reparo, conservação, impostos, taxas, seguros e quaisquer outros gastos com bens móveis ou imóveis, exceto se intrinsecamente relacionados com a produção ou comercialização dos bens e serviços; IV– das despesas com alimentação de sócios, acionistas e administradores; V – das contribuições não compulsórias, exceto as destinadas a custear seguros e planos de saúde, e benefícios complementares assemelhados aos da previdência social, instituídos em favor dos empregados e dirigentes da pessoa jurídica; VI – das doações, exceto as referidas no § 2º; VII – das despesas com brindes.

Contudo, a vedação à dedutibilidade de despesas efetivas para fins de IRPJ não está

concentrada só no artigo 249 do RIR/99; de revés, no corpo de todo o regulamento há diversos

Page 171: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

170

dispositivos que vedam, restringem ou impõem condicionantes à regular dedutibilidade, em

flagrante inconstitucionalidade. Para enriquecer nossa exposição sem pretender esgotar a

totalidade das hipóteses, citamos estes:

Art. 303. Não serão dedutíveis, como custos ou despesas operacionais, as gratificações ou participações no resultado, atribuídas aos dirigentes ou administradores da pessoa jurídica (Lei nº 4.506, de 1964, art. 45, § 3º, e Decreto-lei nº 1.598, de 1977, art. 58, parágrafo único). Art. 355. As somas das quantias devidas a título de royalties pela exploração de patentes de invenção ou uso de marcas de indústria ou de comércio, e por assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, poderão ser deduzidas como despesas operacionais até o limite máximo de cinco por cento da receita líquida das vendas do produto fabricado ou vendido (art. 280), ressalvado o disposto nos arts. 501 e 504, inciso V (Lei nº 3.470, de 1958, art. 74, e Lei nº 4.131, de 1962, art. 12, e Decreto-lei nº 1.730, de 1979, art. 6º).

Portanto, a despeito do posicionamento que firmamos — a nosso ver, consoante com

as diretrizes dadas pela Carta Magna —, encontramos na legislação pátria diversos

dispositivos tendentes a obstar, restringir ou condicionar a dedutibilidade de dispêndios.

Como estudiosos, cabe-nos analisá-los a fim de verificarmos sua (in)compatibilidade com o

sistema jurídico. É o que faremos, levantando alguns problemas práticos e indicando o

posicionamento adotado pelo Fisco.

4.8 Alguns problemas de ordem prática

Sem pretender esgotar a análise das disposições legais que impõem obstáculos ou

condições à dedutibilidade integral das despesas, traremos alguns exemplos, para melhor

análise e compreensão da problemática.

4.8.1 Indedutibilidade das provisões e os depósitos judiciais de tributos controversos

A princípio, não vemos óbices à explicitação, em geral oriunda da legislação

ordinária, da indedutibilidade das provisões, como procedido pelo inciso I do artigo 13 da lei

Page 172: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

171

n. 9.249/95, pois tais dispêndios, a nosso ver, não se subsumem ao conceito de despesas.

Com efeito, as provisões são lançamentos que dependem de um evento futuro. Há expectativa

para sua ocorrência, mas ainda não há uma definição disso.

Veja-se, no entanto, que a legislação excepciona alguns tipos de provisões,

prescrevendo sua dedutibilidade: são aquelas relacionadas com direitos ou benefícios dos

trabalhadores (férias, seguros, previdência privada), exigidas pela legislação. Da forma como

vemos, o problema maior quanto à indedutibilidade das provisões se adstringe a algumas

situações em que há indefinição contábil da caracterização efetiva desse instituto contábil. É o

caso dos tributos que estão com exigibilidade suspensa por força de depósitos judiciais, nos

termos do artigo 151, II do Código Tributário Nacional (CTN). Vejamos o teor do artigo 41, §

1º da lei n. 8.981/95:

Art. 41. Os tributos e contribuições são dedutíveis, na determinação do lucro real, segundo o regime de competência. § 1º O disposto neste artigo não se aplica aos tributos e contribuições cuja exigibilidade esteja suspensa, nos termos dos incisos II a IV do art. 151 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, haja ou não depósito judicial.

Portanto, há dispositivo legal expresso vedando a dedução de valores depositados em juízo,

embora se reconheça que os tributos são, em essência, despesas, portanto são dedutíveis.

As decisões do Poder Judiciário seguem a linha da prescrição legal:

RECURSO ESPECIAL — ALEGADA VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 535, INCISO, II, DO CPC E 43 DO CTN — TRIBUTOS COM EXIGIBILIDADE

SUSPENSA — RENDIMENTOS DE DEPÓSITO JUDICIAL — IMPOSTO DE

RENDA — APURAÇÃO DO LUCRO REAL (BASE DE CÁLCULO DOS

TRIBUTOS) — PRETENDIDO AFASTAMENTO DO § 1º DO ART. 41 DA LEI

N. 8.981/95 — LEGALIDADE. O depósito judicial não é, desde logo, pagamento liberatório da obrigação, pois visa garantir o juízo e demonstrar, em princípio, a um tempo, a solvibilidade do contribuinte e seu propósito não procrastinatório. “Legalidade da Lei n. 8.541/92, que proibiu expressamente a dedução dos depósitos do lucro real, sem violação ao art. 43 do CTN” (REsp 226.978/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU 5.2.2001). Verifica-se que a disciplina adotada pelo § 1º do artigo 41 da Lei n. 8.981/95 possui similitude com a oriunda da Lei n. 8.541/92, as quais se amoldam perfeitamente ao Sistema Tributário Nacional e bem assim não desvirtuam o conceito de renda

Page 173: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

172

descrito no artigo 43 do CTN, ao determinarem que apenas o tributo realmente pago deve ser considerado como despesa dedutível. Recurso especial improvido.221

A despeito do entendimento consolidado pelo Poder Judiciário, temos convicção de

que o preceito legal em análise afronta o conceito de renda, razão por que não se

compatibiliza com o sistema jurídico. Vejamos!

Toda obrigação tributária toma corpo após a ocorrência, no mundo factual, da

situação, in concreto, cujos contornos estejam descritos abstratamente na hipótese de

incidência do tributo. Ao lado disso, tenhamos em mente que toda norma jurídica válida222

tem a presunção de constitucionalidade — presunção que só será elidida com o surgimento de

uma nova norma, que expurgará a primeira do ordenamento pela sua incompatibilidade. Uma

vez embasada numa norma jurídica válida — portanto, presumivelmente constitucional —,

toda obrigação tributária é responsável por estabelecer um vínculo, que une Fisco e sujeito

passivo, em torno de uma prestação que, no caso, vai se consubstanciar na entrega de dado

quantum a um dos entes tributantes a título de tributo.

Eventual discussão sobre a legitimidade da exigência do recolhimento do tributo

apenas será cabível após a conformação da obrigação tributária. Em outras palavras, primeiro

deve advir a obrigação tributária, com a constituição do respectivo crédito tributário, para que,

só então, esta possa ser questionada. Tal discussão poderá vir ou não acompanhada de medida

que promova a suspensão da exigibilidade do crédito tributário (artigo 151 do CTN). Uma

dessas medidas é o depósito judicial, que deve ser feito no montante exato contemplado na

obrigação tributária instaurada antes.

221 Superior Tribunal de Justiça, Resp. n. 642.686/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, publicado no DJ

14.03.2005 P. 291. 222 Referimo-nos ao conceito de validade como relação de pertinencialidade da norma ao sistema jurídico. São válidas, a nosso ver, as normas que, oriundas de órgão legitimado à sua expedição, tenham ingressado no ordenamento mediante procedimento adequado.

Page 174: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

173

Posto isso, temos como certo que os valores despendidos para efetivar depósitos

judiciais de tributos sub judice não se enquadram no conceito de provisão, porque não

dependem da ocorrência de evento futuro. O evento já aconteceu e resultou na instauração a

obrigação tributária, que ocorre em momento anterior à implementação da medida de

suspensão da exigibilidade do crédito. Assim, parece certo para nós que os depósitos judiciais

não são provisões; trata-se, de revés, de dispêndios relativos a obrigações tributárias já

constituídas, sendo, por isso, passíveis de dedutibilidade nos termos do caput do artigo 41 da

lei n. 8.981/95.

No mesmo sentido em que nos posicionamos segue a deliberação da Comissão de

Valores Mobiliários (CVM) n. 489/2005. Tendo aprovado o pronunciamento do Instituto dos

Auditores Independentes do Brasil (IBRACON)/Norma de Procedimento de Contabilidade

(NPC) nº 22 (que trata de provisões, passivos, contingências passivas e contingências ativas),

tal deliberação dispõe:

Tributos (a) A administração de uma entidade entende que uma determinada lei federal, que alterou a alíquota de um tributo ou introduziu um novo tributo, é inconstitucional. Por conta desse entendimento, ela, por intermédio de seus advogados, entrou com uma ação alegando a inconstitucionalidade da lei. Nesse caso, existe uma obrigação legal a pagar à União. Assim, a obrigação legal deve estar registrada, inclusive juros e outros encargos, se aplicável, pois estes últimos têm a característica de uma provisão derivada de apropriações por competência. Trata-se de uma obrigação legal e não de uma provisão ou de uma contingência passiva, considerando os conceitos da NPC.

Contabilmente, deve ser esclarecido que o reconhecimento dos valores depositados

em juízo não deve se dar a título de provisão, e sim de contas a pagar, justamente porque se

vincula a uma obrigação legal já constituída. Logo, não há dúvidas de que valores de tributos

depositados em juízo são, em essência, despesas, visto que representam contrapartidas de

obrigações tributárias. O disposto no art. 41, § 1º da lei n. 8.981/95 não encontra amparo no

Page 175: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

174

ordenamento jurídico, reforçando a tese que advogamos, qual seja: independentemente da

previsão legal, o que deve ser analisado é a natureza jurídica do dispêndio.

4.8.2 Indedutibilidade das contraprestações de arrendamento mercantil e do aluguel de bens

móveis ou imóveis, exceto quando relacionados intrinsecamente com a produção ou

comercialização dos bens e serviços

Temos como absolutamente despiciendo o dispositivo inscrito no artigo 13, II da lei

n. 9.249/95. Ora, ao prescrever que só serão dedutíveis as contraprestações de arrendamentos

mercantis e alugueres quando relacionados intrinsecamente com a atividade da empresa, esse

dispositivo reforça um requisito que configura despesas, qual seja, o de que o dispêndio

guarde relação com a tal atividade. Aparentemente, ao estatuir esse dispositivo, o legislador

intencionou restringir o aproveitamento das despesas, assinalando a necessidade de que, para

se aproveitá-las, tinham de ter vínculo “intrínseco” com a atividade da empresa.

Contudo, é da natureza mesma das despesas serem intrinsecamente relacionadas com

a atividade social da pessoa jurídica, até mesmo em função do requisito da necessidade; por

isso concluímos que o dispositivo em análise não inova, em nenhum aspecto, a temática da

dedutibilidade fiscal. Se o gasto não estiver ligação intrínseca com a atividade da empresa,

então é indedutível. Essa norma — cabe reiterar — pode ser extraída diretamente do conceito

de renda, pois na sua conformação haverão de ser considerados os fatos-decréscimos ligados à

atividade da pessoa jurídica, inclusive as contraprestações ora referidas.

4.8.3 Indedutibilidade das despesas de depreciação, amortização, manutenção, reparo,

conservação, impostos, taxas, seguros e quaisquer outros gastos com bens móveis ou

imóveis, exceto se intrinsecamente relacionados com a produção ou comercialização

dos bens e serviços

Neste item valem todas as considerações aventadas no tópico precedente, visto que a

exceção posta pela legislação no artigo 13, III da lei n. 9.249/95 não faz outra coisa senão

reforçar o requisito da necessidade da despesa. Já afirmamos que as despesas, para serem

Page 176: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

175

qualificadas com tal, devem se relacionar com a atividade da empresa. Essa relação — é

óbvio — é intrínseca. Portanto, tal disposição só cuida de repisar esse requisito.

4.8.4 Indedutibilidade de valores despendidos com alimentação dos sócios, acionistas e

administradores

O inciso IV do artigo 13 da lei n. 9.249/95 veda a dedução de valores gastos para a

alimentação dos sócios, acionistas e administradores. Trata-se de uma prescrição genérica

que, porém — como a vemos —, visa alcançar apenas e tão-somente dispêndios dessa

natureza incorridos extratrabalho. Não se pretende atingir os programas de refeições regulares

servidos pela empresa — afinal nessa hipótese fica caracterizada cabalmente a vinculação do

dispêndio com a atividade da empresa, impondo-se sua dedutibilidade.

4.8.5 Indedutibilidade das contribuições não compulsórias, exceto as destinadas a custear

seguros e planos de saúde, e benefícios complementares assemelhados aos da

previdência social, instituídos em favor dos empregados e dirigentes da pessoa jurídica

Aqui começamos a vislumbrar vicissitudes na disciplina legal, em especial nos

dispêndios com benefícios da previdência complementar. Com efeito, a legislação contempla,

no inciso V do artigo 13 da lei n. 9.249/95, previsão para a dedutibilidade dos dispêndios

destinados a custear a previdência complementar, porém apresenta um condicionante: os

benefícios do plano devem se assemelhar aos previstos pela previdência social. A

interpretação estreita desse dispositivo conduz à conclusão de que, caso o plano de benefícios

tenha cobertura mais abrangente que a da previdência social, ficará vedada sua dedutibilidade.

De fato, esse é o posicionamento que tem sido adotado pelo Fisco federal e seguido

pela nossa jurisprudência administrativa, como se pode depreender desta ementa:

BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS — EMPREGADOS E DIRIGENTES —

INDEDUTIBILIDADE: São indedutíveis as contribuições não compulsórias destinadas a custear planos de benefícios complementares não assemelhados aos da previdência social, instituídos em favor dos empregados e dirigentes da pessoa jurídica. A previsão contratual de resgate independentemente da

Page 177: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

176

ocorrência de um estado de necessidade como o que ocorre na previdência social, descaracteriza a semelhança, tornando indedutíveis os pagamentos. (Lei nº 9.249/95 art. 13 inciso V c/c Lei 8.213/91 arts. 1º e 18). Recurso negado.223

Da forma como vemos, cabe à Previdência Social prover a seus segurados condições

dignas de sobrevivência em situação de necessidade vivenciada por eles ou seus dependentes.

Coberturas complementares só intensificam esse benefício, portanto sua dedutibilidade

integral é cabível. Num aspecto prático, parece-nos que o dispositivo em referência visa coibir

as situações em que haja desvirtuação do uso do plano de previdência privada, sobretudo nos

casos em que, sendo permitidos resgates a qualquer tempo, o plano de previdência passe a ser

usado como meio para remunerações indiretas aos funcionários. Veja-se, nesse viés, que o

acórdão se refere à previsão contratual que assegura ao beneficiário do plano o resgate dos

valores independentemente da ocorrência de estado de necessidade, e isso é apontado como

fator de diferenciação relativamente à previdência social. Por conta disso, fica vedada a

possibilidade de dedução. A nosso ver, tal previsão contratual revela uma cobertura mais

benéfica quanto à Previdência Social e, salvo melhor juízo, não justifica a vedação à

dedutibilidade integral do valor dos dispêndios incorridos a esse título. Sublinhe-se, nesse

sentido, que a legislação não veda a possibilidade de resgate; noutros termos, trata-se de uma

previsão legal. Logo, não pode constituir elemento impeditivo à configuração da despesa com

previdência complementar para fins de dedutibilidade do lucro real.

Ainda que sejam conjecturas, é possível que, em tese, a desvirtuação da finalidade do

plano não dê supedâneo à disposição legal em análise, pois a teoria das provas assegura ao

Fisco mecanismos para coibir condutas fraudulentas. Em eventual demanda, as partes — Fisco

e contribuinte — poderão elucidar e comprovar seus argumentos. Embora plausível, tal

constatação não justifica a disposição legal em análise, haja vista que — repita-se — a teoria

223 1º Conselho de Contribuintes. 7ª Câmara. Processo n. 16327.002712/2001–18, Recurso n. 135.495, Rel. José Clóvis Alves, julgado em sessão de 15/10/2003.

Page 178: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

177

das provas assegura ao Fisco a possibilidade de desconstituir situações irregulares. Nesses

termos, só será possível desenquadrar a despesa com o pagamento de planos de previdência

complementar caso se configure dolo, fraude ou simulação; não bastam meras alegações quanto

à ocorrência de qualquer dessas condutas, sendo, de revés, imperiosa sua comprovação.

4.8.6 Indedutibilidade das doações

O inciso VI do artigo 13 da lei n. 9.249/95 dispõe sobre a indedutibilidade das

doações, exceto as referidas em seu § 2º, que se referem a doações feitas em favor do Fundo

Nacional de Cultura ou a instituições de ensino e pesquisa (escolas públicas) ou, enfim, a

entidades civis sem fins lucrativos caracterizadas como de utilidade pública. Porém, pensamos

que o legislador ordinário foi apressado na fixação dessa diretriz, pois, além de incorrer em

inconstitucionalidade, ao taxar os beneficiários das doações dedutíveis à pessoa jurídica

doadora, não incluiu alguns importantes tipos de instituições que, a nosso ver, deveriam estar

acobertados por essa regra.

Em primeiro lugar, devemos ter fixa uma noção que tem se solidificado cada vez

mais no ordenamento jurídico do país e foi reforçada pelo Código Civil de 2002: a noção de

função social da empresa. Com efeito, se o Código Civil de 1916 tinha um caráter

individualista, o de 2002 trouxe princípios e diretrizes que apontam a supremacia do

indivíduo e de seu papel na sociedade; daí a importância assumida por conceitos de

socialidade, coletividade, eticidade e dignidade.

Seguindo essa tendência, na disciplina das pessoas jurídicas, o legislador do Código

Civil pôs, ao lado da função econômica da empresa (movimentação da economia, sustento da

máquina estatal, geração de empregos, dentre outras), a necessidade de que sua atuação se

volte, ainda, a um benefício coletivo. Assim, pode-se dizer que a função social da empresa é

alcançada quando, além de cumprir tal mister, ela observa outros princípios encampados pelo

Page 179: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

178

ordenamento, dentre os quais destacamos a solidariedade (CF/88, art. 3°, inc. I), a justiça

social (CF/88, art. 170, caput), a livre iniciativa (CF/88, art. 170, caput e art. 1°, inc. IV), a

busca de pleno emprego (CF/88, art. 170, inc. VIII), a redução das desigualdades sociais

(CF/88, art. 170, inc. VII), o valor social do trabalho (CF/88, art. 1°, inc. IV), a dignidade da

pessoa humana (CF/88, art. 1°, inc. III) e a observação dos valores ambientais (CDC, art. 51,

inc. XIV). Nesse contexto, contribuir com entidades sociais mediante doação é um mecanismo

que atende à função social da empresa porque faz cumprir esses princípios. Vê-se, então, o

descompasso entre a legislação fiscal e a noção de função social da empresa, não se

justificando, nesse aspecto, a vedação à dedutibilidade dos dispêndios a esse título.

Além disso, cabe salientar, ao optar pelo elenco taxativo das instituições habilitadas a

receber doações dedutíveis, o legislador excluiu alguns tipos importantes de entidades, a

exemplo de outras entidades dedicadas à educação. Nesse caso, fica vedada, por exemplo, a

doação de computadores a uma escola particular, o que é incoerente com os princípios

consagrados na CF/88, em especial o direito à educação e instrução. Logo, também aqui se

mostra se descabida e inconstitucional a vedação à dedutibilidade das despesas com doações.

4.8.7 Indedutibilidade das despesas com brindes

O último inciso do artigo 13 da lei n. 9.249/95 — inciso VII — também não escapa

ileso a uma análise de compatibilidade com o sistema jurídico pátrio. A questão dos brindes é

muito controvertida. Com efeito, até a criação dessa lei, a dedutibilidade dos brindes era

acatada; a ressalva se referia tão-somente a seus respectivos valores. Nesse sentido, veja-se o

teor do parecer normativo CST n. 15, de 1º/4/1976:

As despesas efetivamente realizadas com aquisição e distribuição de “brindes”, desde que correspondam a objetos de pequeno valor e sejam em índice moderado, relativamente à receita operacional da empresa, são admissíveis como operacionais, na forma do art. 162 do RIR/75.

Page 180: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

179

A lei n. 9.249/95 vedou a dedutibilidade dos brindes, o que não se justifica, pois

entregar brindes a clientes, em especial em datas festivas, mais que um gesto de cortesia, é um

meio de publicidade importante. Assim, restam preenchidos os requisitos de dedutibilidade,

visto que a entrega dos brindes consiste numa forma de propaganda; logo, cabe registrar aqui

que o RIR/99 contempla expressamente regra para dedutibilidade de dispêndios com

propaganda:

Art. 366. São admitidos, como despesas de propaganda, desde que diretamente relacionados com a atividade explorada pela empresa e respeitado o regime de competência, observado, ainda, o disposto no art. 249, parágrafo único, inciso VIII).

Nesses termos, não se justifica a desigualdade no tratamento, sobretudo quando se

demonstra que a finalidade dos brindes se assemelha à da propaganda. A afirmação de Hiromi

Higuchi e Fábio Hiroshi Higuchi traduz a contento nosso pensar: “Dispositivo legal dessa

natureza (art. 13, VII, da lei n. 9.249/95) só pode ter saído da cabeça de leigo em matéria de

tributação e arrecadação”.224

4.8.8 Indedutibilidade da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL) do lucro real (e

de sua própria base de cálculo)

O artigo 249 do RIR/99 ainda traz previsão de que deve ser adicionado ao lucro

líquido o valor da contribuição social sobre o lucro líquido registrado como custo ou despesa

operacional. Em outras palavras, tal dispositivo estabelece que não pode ser excluído, para

fins de apuração do lucro real (base de cálculo do IRPJ), o valor da CSLL. Tal prescrição segue

a orientação traçada pelo artigo 1º da lei n. 9.316, de 22/11/1996:

Art. 1º. O valor da contribuição social sobre o lucro líquido não poderá ser deduzido para efeito de determinação do lucro real, nem de sua própria base de cálculo.

224 HIGUCHI; HIGUCHI, 2008, p. 253.

Page 181: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

180

Parágrafo único. Os valores da contribuição social a que se refere este artigo, registrados como custo ou despesa, deverão ser adicionados ao lucro líquido do respectivo período de apuração para efeito de determinação do lucro real e de sua própria base de cálculo.

Observe-se que, embora o artigo 41 da lei n. 8.981/95 se expresse quanto aos

tributos serem dedutíveis na determinação do lucro real segundo o regime de competência, a

lei n. 9.316/96 dispõe de forma diversa: prescreve que a CSLL, especificamente, não é

dedutível. Com isso, embute essa contribuição na base de cálculo do IRPJ e, logo, dela

mesma.

Para nós, essa disposição viola flagrantemente o conceito de renda

constitucionalmente pressuposto e todos os princípios que o informam, porque restringe

sem justificativa a dedução de um dispêndio que cumpre todos os requisitos previamente

estabelecidos para a configuração das despesas. Assim, é necessário — porque seu não-

pagamento acarreta pendências em nome do sujeito passivo, cuja situação será de

irregularidade fiscal, o que compromete a própria consecução de seus objetivos sociais;

é usual e normal — porque o pagamento de tributos é conduta exigida no âmbito das

atividades sociais de uma empresa; e trata-se de dispêndio incorrido — porque se

vincula a uma obrigação legal: a obrigação tributária que se instaura entre Fisco e

contribuinte, em vista da ocorrência fática do evento previsto no antecedente da regra-

matriz de incidência, que desencadeia a incidência tributária. Portanto, a vedação à

exclusão da CSLL da base de cálculo do IRPJ é disposição que está em desacordo com o

conceito constitucionalmente pressuposto de renda, do que resulta sua

inconstitucionalidade.

A despeito dessas conclusões, verificamos que a jurisprudência atual tem trilhado

caminho diametralmente oposto ao admitir que o legislador infraconstitucional possa vedar a

dedução da CSLL. À guisa de exemplo, destacamos o acórdão proferido pela Terceira Turma

do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em sessão ocorrida em 15/5/2008, na qual se

Page 182: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

181

decidiu, por unanimidade de votos, negar provimento a recurso de apelação do contribuinte,

obstando a dedução dos valores da CSLL da base de cálculo do IRPJ e dela mesma. Seguem-se

trechos do voto proferido, que orientou o julgamento em que são apresentados os principais

argumentos invocados para subsídio da decisão:

Em face do que assinalado pelo contribuinte, cumpre considerar que o conceito de despesa não pode ser abrangente a ponto de permitir que a tributação social exclua algo que representa o próprio lucro ou acréscimo patrimonial do contribuinte. Desse modo, é de rigor a distinção entre despesas, de um lado, e resultado do processo produtivo, de outro, este passível de tributação. O IRPJ e a CSL, incidindo sobre renda ou lucro, devem excluir aquilo que, sem representar diretamente o acréscimo patrimonial, contribuiu para a formação do fato material que, ao final, gera a incidência tributária. Todavia, é inequívoco que a contribuição social sobre o lucro, na sua própria conformação constitucional, representa a expressão material e concreta do lucro, razão pela qual o seu pagamento não se equipara a despesas próprias do processo produtivo, ou seja, as operacionais (necessárias, usuais, normais, identificadas e quantificadas), para as quais é dada ou pode ser dada uma disciplina fiscal específica. [...] A base de cálculo, como dimensionada pela Lei nº 9.316/96, não sujeitou o contribuinte a uma situação de tributação desproporcional, abusiva, excessiva ou extrema, em sua dimensão econômica ou jurídica; nem foi oblíqua, indireta, dissimulada ou, por qualquer outro meio ou argumento, lesivo ao princípio da segurança jurídica, considerando, neste aspecto, que a alteração, produzida a partir da MP nº 1.516/96, apenas restabeleceu a incidência possível, nos termos da Constituição e da lei, revogando o que se configurou, até então, como mero benefício fiscal. De fato, o artigo 41 da Lei nº 8.981/95 expressamente admitiu que os “tributos e contribuição são dedutíveis, na determinação do lucro real, segundo o regime de competência”, o que, no entanto, foi permitido a título exclusivo e com a configuração específica de benefício fiscal, em caráter excepcional, sem gerar direito adquirido e, pois, qualquer espécie de impedimento, legal ou constitucional, para a revisão da outorga, como veio a ocorrer com a previsão do artigo 1º da Lei nº 9.316/96. Ainda que a hipótese fosse de majoração de tributo, ao invés de revogação de benefício fiscal — como, de fato, é —, não poderia ser acolhida, tampouco, a tese de ofensa ao princípio da irretroatividade, pois a Lei nº 9.316, de 22/11/96, somente teve eficácia “em relação aos períodos de apuração iniciados a partir de 1º de janeiro de 1997” (artigo 4º), ou seja, depois da respectiva publicação e vigência. [...] Ante o exposto, por meu voto, nego provimento à apelação do contribuinte, e dou provimento à apelação fazendária, para reformar a r. sentença, nos termos supracitados225

A posição externada nessa decisão não nos parece compatível com o sistema

jurídico; está embasada em premissa equivocada, qual seja, a de que a dedutibilidade da CSLL 225 Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Apelação cível REsp. n. 2002.61.00.003305–2, 3ª Turma, Rel. Des. Federal Carlos Muta, julgado em 15/5/2008.

Page 183: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

182

decorre de mero benefício fiscal e que, portanto, pode ser restringida pelo legislador

infraconstitucional.

Inadmitir que esta contribuição seja excluída do lucro real (e de sua própria base de

cálculo) implica considerar como parcela da renda um valor que, no entanto, é tributo,

portanto é dedutível, a teor do artigo 41 da lei n. 8.981/95. Não se sustenta o argumento de

que a dedutibilidade da CSLL consiste em benefício fiscal porque não se trata de mero favor,

conferido por iniciativa exclusiva da Administração Pública. Ao contrário, é uma decorrência

lógica do sistema constitucional tributário, em particular do conceito de renda, que não pode

ser alterado pela ação do legislador ordinário. Uma vez caracterizada despesa, logo é

dedutível. Portanto, a questão em debate é constitucional: decorre da constatação de que a

CSLL configura dispêndio que cumpre todos os requisitos para se qualificar como despesas; é,

por conclusão, dedutível para fins de apuração do lucro real.

Nesse sentido, a disposição constante do artigo 1º da lei n. 9.316, de 22/11/1996

destoa da direção apontada pelo ordenamento jurídico vigente, pois reflete situação em que o

legislador ordinário desbordou dos limites de competência que lhe foram conferidos pelo

constituinte, não encontrando cabida, assim, em nosso ordenamento jurídico.

4.9 Incompatibilidade da vedação, restrição ou condição da dedutibilidade de despesas

frente ao ordenamento jurídico pátrio

A compreensão do que sejam dispêndios dedutíveis deve se dar tendo o conceito de

renda como pano de fundo, pois entre eles se estabelece uma relação de continência: os

dispêndios dedutíveis concorrem para a conformação da renda. Ora, considerando-se que o

conceito de renda tem base constitucional, então somos levados a concluir que o conceito de

dispêndios dedutíveis também encontra parâmetros na Constituição Federal. Senão vejamos.

Relembre-se que, na outorga de competência tributária, o legislador constituinte

destacou fatos da realidade, com conteúdo econômico, os quais, uma vez ocorridos e

Page 184: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

183

juridicizados (traduzidos para a linguagem do direito) desencadeiam a relação jurídica, que

une Fisco e contribuinte, em torno de uma prestação. Há, portanto, um desenho do âmbito das

competências, pré-determinado. O legislador ordinário, ao fazer uso essa competência –

mediante a instituição/majoração do tributo – deve se ater a esse âmbito de competência,

definido pelo constituinte. Não há necessidade de se exaurir esse campo de competência, mas

tão somente observar os limites que encontram esteio no Texto Constitucional.

Essa evidência, somada às características típicas da ordem jurídica – rigidez e

exaustividade – apontam no sentido de que a atuação do legislador ordinário é limitada; e é

limitada pela Constituição Federal.

Assim sendo, não é dado ao legislador ordinário vedar, restringir ou condicionar o

aproveitamento de legítimos dispêndios dedutíveis, pois que, tratando-se de elementos que

concorrem para a conformação da renda, o óbice para sua dedutibilidade importa em

modificações na base de cálculo – e consequentemente – na materialidade do IR. E isso revela

que o legislador infra-constitucional desbordou o limite da competência que lhe fora atribuída.

Enfim, o fato é que, ao vedar ou restringir a dedutibilidade, o legislador infra-

constitucional obriga à tributação valores que não se quadram ao conceito de renda, porque

não representam riqueza nova; e, com isso, exacerba os limites da competência que lh foi

constitucionalmente atribuída, implicando flagrante incompatibilidade para com o

ordenamento jurídico.

Eventuais abusos ou condutas em desconformidade com o ordenamento poderão – e

deverão – ser repudiadas; para tanto, é de extrema valia a teoria das provas, cujo emprego terá

o condão de desconstituir o estado de coisas criado sobre a conduta fraudulenta. Nesse

sentido, a teoria das provas é posta à disposição do Fisco que, por seu intermédio, buscará

desconstituir as despesas indevidamente aproveitadas, para, em seguida, lançar o tributo que

deixou de ser recolhido sem prejuízo das penalidades cabíveis, inclusive na esfera penal.

Page 185: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

184

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em remate à nossa exposição, cabe delimitar e reforçar uma afirmação que fizemos

em todo o seu curso: os dispêndios dedutíveis estão contidos no conceito constitucionalmente

pressuposto de renda, por isso tem seus contornos delimitados pela Carta Constitucional.

Qualquer modificação no conteúdo semântico de dispêndio dedutível — dentre os quais

enfatizamos as despesas — implicará distorções no conceito de renda e, portanto, em

alteração na base de cálculo do IR; tal alteração, de sua parte, distorce a materialidade do

tributo – porque relembre-se que uma das características da base de cálculo é medir as

proporções do fato jurídico –, ensejando, em última análise, tributação em desconformidade

com o Texto Constitucional.

O legislador constituinte parametrizou o conceito de renda e, nesse passo, definiu

rigidamente — porque o ordenamento jurídico pátrio se caracteriza pela rigidez e

exaustividade — o complemento constante da materialidade e a base de cálculo do IR (os

critérios material e quantitativo da regra-matriz de incidência tributária se vinculam

estreitamente). Logo, alterações em quaisquer dos elementos que conformam essa grandeza

— renda — geram efeitos práticos de relevo.

A compreensão do que sejam dispêndios dedutíveis deve se dar tendo o conceito de

renda como pano de fundo, pois entre eles se estabelece uma relação de continência: os

dispêndios dedutíveis concorrem para a conformação da renda. Por isso, em todo momento

em que nos referimos à dedutibilidade, nós o fizemos cientes de que sua delimitação

conceitual é importante para fins de determinação da materialidade e da base de cálculo do IR,

sobretudo do IRPJ. E mais, por conta das características do ordenamento jurídico-

constitucional vigente, fomos levados a concluir que não cabe ao legislador

infraconstitucional instituir dispositivos que impliquem vedação, restrição ou condição ao

Page 186: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

185

aproveitamento dos dispêndios dedutíveis. Com isso, ele está, na verdade, modificando o

conceito de renda, distorcendo a regra-matriz de incidência do IRPJ, o que lhe é vedado na

estrutura do ordenamento, por implicar em indevido alargamento da competência tributária.

Parece-nos, em princípio, que as disposições que impõem vedação, restrição ou

condição à dedutibilidade fiscal intencionam coibir abusos praticados por alguns contribuintes

que, na tentativa de se eximir ilegitimamente da tributação, criam artimanhas que permitem

reduzir a incidência tributária mediante o aproveitamento de despesas artificialmente

construídas. Esse cenário, embora plausível — porque temos ciência de que há situações

desse tipo —, não é argumento suficiente para legitimar a distorção de um conceito

constitucionalmente posto. Com efeito, se admitirmos a manutenção dos enunciados que

apontam a vedação ao aproveitamento das despesas, não faremos outra coisa que não

distorcer o conceito de renda — o que é insustentável. Daí nossa conclusão, firmada

precipuamente com base nas lições de José Artur Lima Gonçalves, de que não é dado ao

legislador ordinário modificar conceitos delineados pela Constituição Federal. Nas palavras

desse autor, “[...] por respeito ao conceito (constitucionalmente pressuposto de renda), a

despesa necessária à percepção do rendimento é, por definição, dedutível, independentemente

da vontade do legislador ou da União”.226

Se uma despesa é forjada só para evitar a incidência do IR, caberá ao fisco

desconstituí-la segundo a linguagem das provas. Em termos mais diretos, se o contribuinte

indica, em sua declaração de rendimentos, que incorreu em dado dispêndio, escapando da

incidência do IR quanto a essa parcela, a veracidade dessa informação poderá, legitimamente,

ser checada pela autoridade fiscal, que, ao provar ser ela falsa, lançará o tributo que deixou de

ser recolhido sem prejuízo das penalidades cabíveis, inclusive na esfera penal. Essa tese se

ampara nas palavras de Humberto Ávila: “[...] é razoável presumir que as pessoas dizem a

226 GONÇALVES, 2002, p. 209.

Page 187: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

186

verdade e agem de boa-fé, em vez de mentir ou agir de má-fé. Na aplicação do Direito deve-

se presumir o que normalmente acontece, e não o contrário”.227

Assim, se o direito é linguagem e se a constituição do evento em fato se dá por meio

da linguagem, então a realidade do direito só pode ser modificada por outro fato; logo, a

linguagem das provas é que determinará a validade da informação, examinando seu

fundamento. Se for baseada em simulação ou em hipótese que não atende aos requisitos sobre

os quais tratamos, a desconstituição do fato dispêndio dedutível terá lugar no âmbito de um

procedimento fiscal, abrindo-se caminho para se constituir um fato jurídico tributário e se

impor uma sanção pela sua ocultação.

227 ÁVILA, 2007, p. 152–3.

Page 188: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

187

REFERÊNCIAS ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

AMARO, Luciano. Imposto de Renda: regime jurídico. In: MARTINS, I. G. S. (Coord.). Curso

de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2001.

AMARO, Luciano. Periodicidade do Imposto de Renda I. Revista de Direito Tributário, v. 63, 1994.

ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968.

ATALIBA, Geraldo. Periodicidade do Imposto de Renda I. Revista de Direito Tributário, v. 63, 1994.

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios, da definição à aplicação dos princípios

jurídicos. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário, de acordo com a emenda

constituição n. 53, de 19/12/2006. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

BARRETO, Paulo Ayres. Imposto sobre a renda e preços de transferência. São Paulo: Dialética, 2001.

BASTOS, Celso R. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 2002.

BELLUCCI, Maurício. Imposto sobre a renda e indenizações. 2008. Dissertação (Mestrado em Direito) — Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2008.

BERNARDI, Luiz Antonio. Política e formação de preço: uma abordagem competitiva, sistêmica e integrada. São Paulo: Atlas, 1996.

BRUNI, Adriano Leal; FAMÁ, Rubéns. Gestão de custos e formação de preços: com aplicações na calculadora HP12C e excel. São Paulo: Atlas, 2003.

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

CARVALHO, Paulo de Barros. IPI: comentários sobre as regras de interpretação da tabela NBM/SH (TIPI/TAB). Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, v. n. 12, set. 1996.

CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1998.

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência tributária. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

Page 189: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

188

CARVALHOSA, Modesto. Imposto de Renda: conceituação no sistema tributária da carta constitucional. Revista de Direito Público, n. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967.

CHIESA, Clélio. A competência tributária do Estado brasileiro. São Paulo: Max Limonad, 2002.

COSTA, Alcides Jorge. Capacidade contributiva. Revista de Direito Tributário, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 55., 1991.

DERZI, Misabel Abreu Machado. Periodicidade do Imposto de Renda II. Revista de Direito

Tributário, v. 63, 1994.

DERZI, Misabel. Notas de atualização. In: BALEEIRO, Aliomar de. Limitações

constitucionais ao poder de tributar. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

DÓRIA, Antonio Roberto Sampaio. Distribuição disfarçada de lucros e imposto de renda. São Paulo: Resenha Tributária, 1974.

FALCÃO, Amílcar A. Fato gerador da obrigação tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974.

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

FILHO, Marçal Justen. Periodicidade do Imposto de Renda I. Revista de Direito Tributário, v. 63, 1994.

GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a Renda: pressupostos constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2002.

GONÇALVES, José Artur Lima. Isonomia da norma tributária. São Paulo: Malheiros, 2003.

GONÇALVES, José Artur Lima. Pagamento para obtenção de autorização para funcionamento de instituição financeira estrangeira — Desembolso pela filial local — Dedutibilidade para fins de imposto sobre a renda. Revista de Direito Tributário, São Paulo, v. 70.

GRECO, Marco Aurélio. Contribuições (uma figura sui generis). São Paulo: Dialética, 2000.

GUIBORG, Ricardo; GUIGLIANI, Alejandro; GUARINONI, Ricardo. Introducción al

conocimiento científico. Buenos Aires: Eudeba, 1985.

HIGUCHI, Hiromi; HIGUCHI, Fábio Hiroshi. Imposto de renda das empresas 2008: interpretação e prática. 33. ed. São Paulo: IR Publicações, 2008.

HOFFMANN, Susy Gomes. Teoria da prova no direito tributário. Campinas: Copola, 1999.

HORVATH, Estevão. O princípio do não-confisco no direito tributário. São Paulo: Dialética, 2002.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

LAPATZA, José Juan Ferreiro. Direito tributário: teoria geral do tributo. Barueri: Manole; Espanha: Marcial Pons, 2007.

LEMKE, Gisele. Imposto de renda: os conceitos de renda e de disponibilidade econômica e jurídica. São Paulo: Dialética, 1998.

LINS Robson Maia. Controle de constitucionalidade da norma tributária — decadência e prescrição. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

Page 190: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

189

MACHADO, Brandão. Imposto de renda. Ganhos de capital. Promessa de venda de ações. Decreto-lei n. 1.510, de 1976. Revista de Direito Tributário Atual. São Paulo: Resenha Tributária, v. 11/12, 1992.

MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao código tributário nacional. São Paulo: Atlas, 2003.

MARQUES, Márcio Severo. Classificação constitucional dos tributos. São Paulo: Max Limonad, 2000,

MARTINS, Natanael. A reforma da lei das sociedades anônimas — lei n. 11.638/07 — e seus impactos na área tributária. Artigo inédito, 2008.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Imposto sobre a Renda — depósitos bancários — sinais exteriores de riqueza. Revista de Direito Tributário, ano 7, n. 23/24, 1983.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário. 7ª ed. São Paulo: Dialética, 2007.

MINATEL, José Antonio. Conteúdo do conceito de receita e regime jurídico para sua

tributação. São Paulo: MP, 2005.

MONTESQUIEU. Do espírito das leis. Título original: De l’éspirit des lois, ou du rapport que

les lois doivent avoir avec la constituin de chaque gouvernement, les moeurs, le climat, la

religion, le commerce, etc (1ª edição 1748). São Paulo: Martin Claret, 2002.

MOSQUERA, Roberto Q. Renda e proventos de qualquer natureza. São Paulo: Dialética, 1996.

MOSQUERA, Roberto Quiroga. Tributação no mercado financeiro e de capitais. 2. ed. São Paulo: Dialética, 1999.

NOGUEIRA, Júlia de Menezes. Imposto sobre a renda na fonte. São Paulo: Quartier Latin, 2007.

OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Guia IOB Imposto de renda pessoa jurídica comentado e

atualizável. IOB.

PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto de Renda. Rio de Janeiro: Justec, 1979.

PONTE, Helenilson Cunha. A dedutibilidade das despesas tributárias e o substantive due

process of law. Revista Dialética de Direito Tributário, v. 24, 1997.

QUEIROZ, Luís César Souza de. Imposto sobre renda: requisitos para uma tributação constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

QUEIROZ, Luís César de Souza. Imposto sobre a renda — irretroatividade e anterioridade — os riscos da não-aplicação pelo STF. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ESTUDOS TRIBUTÁRIO

DO IBET, 4., São Paulo. Anais... São Paulo: Noeses, 2007.

QUEIROZ, Mary Elbe. Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza: princípios, conceitos, regra-matriz de incidência, mínimo existencial, retenção na fonte, renda transnacional, lançamento, apreciações críticas. Barueri: Manole, 2004.

Page 191: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP … · concentração Direito do Estado e subárea de Direito Tributário), sob a orientação do Professor Doutor José

190

ROBLES, Gregório. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito. Barueri: Manole, 2005.

SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento tributário. São Paulo: Max Limonad, 1996.

SANTI, Eurico Marcos Diniz. As classificações no sistema tributário brasileiro. Justiça

tributária, Max Limonad, 1998.

SANTI, Eurico Marcos Diniz; BARRETO, Paulo Ayres.Contribuições para previdência privada. dedutibilidade em face do imposto sobre a renda. Força da EC 20/98. Aplicabilidade da lei n. 9.532/97 no tempo. Revista Dialética de Direito Tributário, v. 93, 2003.

SILVA, Joana Lins e. Fundamento da norma tributária. São Paulo: Max Limonad, 2001.

SOUSA, Rubéns Gomes de. Compêndio de legislação tributária; coordenação: IBET, Instituto Brasileiro de Estudos Tributários; obra póstuma. São Paulo: Resenha Tributária, 1975.

SOUSA, Rubéns Gomes de. O imposto de renda e o seguro dotal. Revista de Direito

Administrativo, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, v. 27, 1952.

SOUSA, Rubéns Gomes de. Pareceres — 1: imposto de renda. São Paulo: Resenha Tributária, 1975.

TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2005.

TORRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional: planejamento tributário e operações transnacionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Revista dos Tribunais; Educ, 1977.

XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma anti-elisiva. São Paulo: Dialética, 2001.

ZILVETI, Fernando Aurélio. Princípios de direito tributário e a capacidade contributiva. São Paulo: Quartier Latin, 2004.