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1
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO E ARTES
A PARTICIPAÇÃO DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL COMO
ASPECTO FACILITADOR DURANTE OS PROCESSOS DE AQUISIÇÃO
Adalberto Andrade Mateus [email protected]
Daiana Cardoso Sampaio [email protected]
Elenice Rodrigues da Cruz [email protected]
João Batista Pereira [email protected]
Vanessa Camila da Silva [email protected]
Belo Horizonte
Faculdade de Comunicação e Artes da PUC Minas
2008
2
Adalberto Andrade Mateus
Daiana Cardoso Sampaio
Elenice Rodrigues da Cruz
João Batista Pereira
Vanessa Camila da Silva
A PARTICIPAÇÃO DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL COMO
ASPECTO FACILITADOR DURANTE OS PROCESSOS DE AQUISIÇÃO
Monografia apresentada à Coordenação do curso de
Comunicação Social – Gestão de Comunicação
Integrada da Faculdade de Comunicação e Artes da
Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais/Unidade São Gabriel como requisito parcial
para obtenção do título de Bacharel em Comunicação
Social.
Orientadora: Alessandra Coelho Girard – Mestre em
Administração
Belo Horizonte
Faculdade de Comunicação e Artes da PUC Minas
2008
3
RESUMO
Sob os impactos do desenvolvimento econômico, as organizações se viram diante de uma
nova situação de relacionamento no mercado: atraente e inovadora, a aquisição é núncio de
uma nova época, em que as organizações passam a presenciar um processo específico e
complexo que pode acarretar prejuízo ou lucro nas transações. A investigação acerca da
participação da comunicação nesse cenário é fundamental, principalmente quando se trata da
construção de uma nova identidade perante os públicos envolvidos das organizações co-
relacionadas no processo de aquisição. As interrogações sobre essa participação são muitas,
em especial por tratar-se de um período tão recente, denominado globalização. Sendo assim, a
presente pesquisa tenta identificar e elucidar esses questionamentos, valorizando, também nas
aquisições, o papel estratégico da comunicação organizacional.
Palavras-chave: Comunicação; Aquisição; Cultura Organizacional; Identidade
Organizacional.
4
LISTA DE QUADRO
QUADRO 1 Motivos para fusões e aquisições ..................................................................... 44
5
LISTA DE SIGLAS
CEO – Chief Executive Officer
CWT – Carlson Wagonlit Travel
BFB – Banco Francês Brasileiro
F & A – Fusões e Aquisições
6
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 08
2 REFERENCIAL TEÓRICO – Vertentes da Identidade e da Cultura na
Comunicação organizacional ........................................................................................ 13
2.1 A Comunicação Estratégica .................................................................................... 13
2.2 A identidade das organizações ................................................................................ 24
2.3 O fator cultural na organização ............................................................................. 30
3 O PROCESSO DE AQUISIÇÃO – Contextualização ............................................. 36
3.1 Decurso histórico da aquisição ................................................................................ 37
3.2 Impactos do processo de aquisição no Brasil ......................................................... 40
3.3 As fases do processo de aquisição............................................................................ 42
3.3.1 A motivação do negócio ......................................................................................... 42
3.3.2 A escolha da empresa-alvo .................................................................................... 46
3.3.3 Avaliação do negócio ............................................................................................. 49
3.3.4 Estruturação do negócio e Forma de Pagamento ................................................ 51
3.3.5 Pós-aquisição ......................................................................................................... 51
4 DESCRIÇÃO DOS CASOS ....................................................................................... 53
4.1 ABN AMRO/BANCO REAL ................................................................................... 53
4.1.1 Histórico das empresas envolvidas ........................................................................ 53
4.1.2 Avaliação do cenário .............................................................................................. 54
4.1.3 A Due Diligence e a Carta de Intenções ................................................................ 55
4.1.4 Formalização do Processo de Compra .................................................................. 56
4.1.5 A percepção da Comunicação no Processo ........................................................... 57
4.2 BANCO ITAÚ/BANCO FRANCÊS E BRASILEIRO ......................................... 59
4.2.1 Histórico das empresas envolvidas ........................................................................ 59
4.2.2 Avaliação do cenário .............................................................................................. 60
4.2.3 A Due Diligence e a Carta de Intenções ................................................................ 61
4.2.4 Formalização do Processo de Compra .................................................................. 61
4.2.5 A percepção da Comunicação no Processo ........................................................... 62
4.3 CARLSON WAGONLIT TRAVEL (CWT)/AGETUR......................................... 64
4.3.1 Histórico das empresas envolvidas ........................................................................ 64
4.3.2 Avaliação do cenário .............................................................................................. 65
4.3.3 A Due Diligence e a Carta de Intenções ................................................................ 66
4.3.4 Formalização do Processo de Compra .................................................................. 66
4.3.5 A percepção da Comunicação no Processo ........................................................... 67
4.4 RHODIA/VENESIL ……………………………………......................................... 69
4.4.1 Histórico das empresas envolvidas ........................................................................ 69
4.4.2 Avaliação do cenário .............................................................................................. 70
4.4.3 A Due Diligence e a Carta de Intenções ................................................................ 71
4.4.4 Formalização do Processo de Compra .................................................................. 72
4.4.5 A percepção da Comunicação no Processo ........................................................... 72
7
4.5 THYSSENKRUPP/SÛR .....……………………………......................................... 74
4.5.1 Histórico das empresas envolvidas ........................................................................ 74
4.5.2 Avaliação do cenário .............................................................................................. 75
4.5.3 A Due Diligence e a Carta de Intenções ................................................................ 77
4.5.4 Formalização do Processo de Compra .................................................................. 77
4.5.5 A percepção da Comunicação no Processo ........................................................... 78
5 ANÁLISE DOS CASOS - LIÇÕES APRENDIDAS ................................................ 80
6 CONCLUSÃO ............................................................................................................. 87
7 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ........................................................................... 89
8
1. INTRODUÇÃO
As estratégias desenvolvidas em operações de fusões e aquisições representam um
importante objeto de pesquisa, dado seu papel marcante no processo de reestruturação
organizacional no século XX e seus efeitos sobre o bem estar social e sobre o desempenho das
empresas envolvidas. Entre as diversas áreas do conhecimento inseridas nesse processo, uma
delas, com certeza, é a da comunicação. A comunicação social, de acordo com Cruz (2003),
encontra-se atualmente na linha de frente das organizações, em destaque no organograma,
com conhecimentos e estratégias que contribuirão para que as empresas superem os conflitos
existentes e atuando na prevenção à manifestação destes.
Tais operações configuram-se como elemento de destaque nas estratégias de
crescimento econômico adotadas por diversas organizações em nível mundial. Observou-se,
portanto, que a negociação de uma empresa configura um processo complexo, em que uma
metodologia adequada torna-se fundamental. Nesse sentido, é necessário destacar o fato de
que os casos de aquisição mais bem sucedidos envolveram equipes multidisciplinares no
modelo processual das operações de aquisições, pois o processo pôde ser avaliado sob
diferentes ângulos.
Nesse aspecto, pôde ser constatado que processos comunicacionais desenvolvidos nas
organizações, em relação a seus públicos interno e externo, tiveram papel fundamental na
integração das culturas organizacionais envolvidas. A identidade e a cultura tornaram-se
fatores preponderantes nesses processos, pois se tratam de componentes imprescindíveis para
a constituição de uma organização: a identidade está impregnada na forma de ser e de fazer da
organização, em sua atuação global e que é compartilhada por seu público interno. Assim,
identidade e cultura podem ser vistas como dois elementos interativos. Os elementos
significantes existentes na organização, como as suas expressões verbais e visuais em
conjunto com as mensagens expressas por produtos, propaganda e relações públicas, inseridos
no contexto organizacional, estruturam a formação da cultura, que deve, por sua vez, dar
moldes à identidade.
Nesta perspectiva, a organização que deseja garantir um ciclo de vida promissor no
cenário contemporâneo, deverá ir além de um sistema altamente tecnicista que tem como
principal foco o processo produtivo, devendo, portanto, concentrar seus esforços na avaliação
do corpo funcional, o que possibilitará o conhecimento de cada um em sua individualidade,
no que tange aos seus comportamentos que incluem sua forma de ser e agir.
9
No momento em que diversos setores da economia rumam claramente para a
consolidação, com a intensificação de operações de fusão e aquisição de empresas
no Brasil e no mundo, todos aqueles que se propõem a apontar tendências para o
ambiente de negócios são chamados a desenvolver instrumentos mais sofisticados
para avaliar os novos movimentos do universo corporativo (DELOITTE, 2006, p.03)
Como qualquer atividade, as transações de aquisição envolvem diferentes níveis de
complexidade, pois requerem conhecimento especializado sobre como conduzir o processo,
tanto em âmbito administrativo/financeiro, quanto nas relações com os públicos estratégicos.
No entanto, diante do cenário de acirrada competição e, marcado pelo crescimento e
aceleração de redes econômicas e culturais que operam em escala mundial, a informação
passa a ser pré-requisito no processo de aquisição. As organizações envolvidas nesse processo
estão descobrindo que nessas operações não se deve considerar apenas a transação financeira,
mas também os conflitos culturais, que por sua vez, podem causar grandes danos, se não
forem administrados corretamente.
O trabalho em uma perspectiva maior objetivou a investigação, por meio da análise de
casos, de que modo a comunicação organizacional pode ser estruturada, como aspecto
facilitador contribuindo no processo de aquisição das empresas minimizando os choques
culturais característicos a essa operação.
Para isso, a pesquisa se lançou em diversas frentes como: a discussão da função da
Comunicação Organizacional dentro do processo de aquisição de empresas, estudando suas
características e dimensionando a sua participação; a identificação dos problemas recorrentes
provocados pela falta ou má condução de um plano estratégico de comunicação, da mesma
forma identificando os benefícios de considerar o papel estratégico da comunicação durante o
processo de aquisição e, por fim, a observação de como a comunicação é ou poderia ser
trabalhada dentro da empresa, durante o processo de aquisição, sob a perspectiva dos públicos
envolvidos, principalmente, os internos ao processo.
A investigação mostrou que a informação é vista como diferencial estratégico, sendo
capaz de atribuir valor no momento da escolha da empresa a ser adquirida, por isso, a análise
de valor da empresa não deve limitar-se apenas aos estudos financeiros, incluindo a
observação dos aspectos humanos envolvidos.
Em um processo de aquisição são apresentados ganhos em vários níveis: expansão
geográfica, know how, vantagens tecnológicas, aumento da participação no mercado,
diversificação de produtos e serviços, mas, por outro lado, as aquisições também apresentam
perigosas armadilhas que podem ser evitadas caso fossem observados seus diferentes
10
aspectos, sejam eles administrativos, financeiros, humanos ou culturais. A mais comum das
armadilhas é a resistência das pessoas às mudanças ocorridas no período da aquisição.
Para tanto, nossa análise privilegiou a comunicação organizacional e os elementos
dessa cultura, buscando as situações semelhantes vivenciadas nos casos analisados e verificar
em que medida o fator comunicacional poderia ser trabalhado de forma estratégica na
condução do processo de aquisição, dirimindo as dúvidas, as inseguranças, enfim, cumprindo
um papel de articulação essencial para o sucesso da operação.
Este trabalho foi realizado por meio de uma pesquisa exploratória em que se procurou
superar o patamar técnico-instrumental da comunicação partindo para sua análise nos campos
processual e relacional. Dentro do ambiente global de negócios, atividades como liderança,
motivação, negociação, tomada de decisões e troca de informações, quase sempre, se baseiam na
habilidade de gerentes e funcionários pertencentes à uma organização. Para a pesquisa, buscou-se,
através de uma abordagem teórica, a análise de casos descritos na obra Fusões e Aquisições no
Brasil, da pesquisadora Betânia Tanure.
A utilização da pesquisa exploratória se justifica pela necessidade de desenvolver uma
pesquisa focada nos processos de comunicação durante a aquisição de empresas e tem como
objetivo maior a ampliação do conhecimento existente sobre esta temática. A falta de uma
avaliação criteriosa e de um planejamento antecipado das diferentes fases da operação leva à perda
ou à não-identificação de potenciais sinergias.
O segundo capítulo da pesquisa se iniciou com uma discussão teórica sobre a Comunicação
Organizacional e suas características, de forma a detectar a sua abrangência, assim como a
sugestão de uma possível influência que ela exerce durante o processo de aquisição. Foi feita
uma abordagem da Comunicação Organizacional com apresentação de uma base conceitual
estruturada no estudo da identidade organizacional, com ênfase para o clima interno e para a
cultura em um cenário dinâmico, com uma reflexão sobre sua dimensão estratégica. Partiu-se
da perspectiva de que a comunicação com os diferentes públicos das empresas envolvidas neste
processo, tornou-se um dos principais aspectos apontados pelos autores como chave para o
sucesso da operação. Isso se confirma com a posição defendida pelo professor e presidente da
Fundação Dom Cabral, Emerson de Almeida, citado por Barros (2003, p. 131):
Por medida de sobrevivência, as empresas envolvidas em processos de fusão costumam
pensar demais na negociação financeira e se esquecem das pessoas. As pesquisas
comprovam que as questões relativas à gestão dos recursos humanos são fatores-chave
para o sucesso dos processos de reestruturação. Ao redor do mundo, três fatores foram
avaliados como atividades críticas no plano de integração: retenção dos talentos,
integração de culturas e comunicação.
11
A pesquisa teórica teve como suporte a discussão sobre de que modo a Comunicação pode
ajudar as empresas na construção de sua identidade organizacional. No caso da aquisição, como a
comunicação pode ser utilizada? Quais autores podem ser tomados como base? O que eles dizem?
Para debater sobre o papel da Comunicação Organizacional, tomou-se como referência
teórica autores como: Kunsch, Oliveira, Argenti e outros que, por sistematizarem o foco de
trabalho sobre a Comunicação Organizacional, possibilitam conhecer suas características e seus
âmbitos de ação.
A pesquisa, tendo como ponto de partida esse estudo sobre a Comunicação Organizacional,
buscou estabelecer a relação entre esta área e o processo de aquisição de empresas, privilegiando o
entendimento de sua contribuição para o alcance dos objetivos estabelecidos pela transação
comercial. Sob esse olhar, a comunicação deixa de ser considerada como técnico-
instrumental e se insere na cadeia decisória das organizações e nos seus processos estratégicos.
Para Troy, citado por Riel (1997, p. 1):
Diretores de comunicação organizacional não são meros condutores de informação,
eles desempenham o papel de assessores estratégicos da gerência. A comunicação,
junto com a gestão financeira, a gestão de produção e a gestão de recursos humanos,
espera contribuir para o alcance dos objetivos da empresa.
Foi necessário, neste momento, discutir o papel estratégico da comunicação dentro das
organizações de forma a reconhecer a implementação de ações e das próprias tomadas de decisões.
Realizada a discussão sobre a função da Comunicação Organizacional dentro do
processo de aquisição de empresa, fundamentando assim a pesquisa, partiu-se para o
segundo momento. Buscou-se neste terceiro capítulo as constantes mudanças que o mercado
vem apresentando, atrelados à visão de diversos autores sobre as etapas do processo de
aquisição. Foi abordado o universo corporativo como passível de mudanças tecnológicas,
políticas e sociais, já que estas transformações causam um grande impacto na vida social,
nos valores, na política e na cultura em âmbito global. Foi apresentado o estudo do cenário
onde as aquisições de empresas se estabelecem e as conseqüências decorrentes dessa
transição.
Betânia Tanure de Barros destaca que:
Os processos mais bem sucedidos são os que conseguem passar segurança aos diferentes
stakeholders [públicos envolvidos] das organizações envolvidas, nos diversos
momentos do processo, garantindo uma transição rápida e menos sofrida. Isso sem
falar na diferença cultural entre as empresas, que costuma acarretar problemas e
divergências. (BARROS, 2003, p.13)
12
No quarto capítulo desta pesquisa foram destacados, através de análise individual,
todos processos de aquisição apresentados no livro Fusões e Aquisições no Brasil, abordando
os históricos das organizações envolvidas e as principais situações vivenciadas pelas
organizações nas etapas do processo, o que incluiu a análise da percepção sobre a
comunicação e sua contribuição para o resultado da operação.
Como a fonte de informações sobre os processos de aquisição só pode ser fornecida pelas
empresas envolvidas, para não comprometer o desenvolvimento da pesquisa, uma vez que estas
mantêm os dados destas transações sob sigilo, a análise empírica baseou-se no livro da
pesquisadora Betânia Tanure de Barros, Fusões e aquisições no Brasil. O livro aborda, sob as
perspectivas da administração, a questão das fusões e aquisições no país. São nove casos que
movimentaram o mercado brasileiro. Para esta pesquisa foram focados os capítulos que
apresentaram cinco casos relacionados aos processos de aquisição de empresas: Rhodia, Thyssen
Sûr, Carlson Wagonlit Travel, Banco Itaú e Banco Real. No quinto capítulo, analisou-se o papel
exercido pela comunicação nestes processos de aquisição identificando, quando presente, a
contribuição na direção dos processos e, quando ausente, as suas possibilidades de atuação
dirimindo as complicações decorrentes.
A partir desta análise, tornou-se evidente como a comunicação e suas ferramentas
formam componentes particularmente importantes para o gerenciamento da complexidade de
cenários e de conseqüências de mudanças rápidas e contínuas nas relações de trabalho e no
ambiente interno, reduzindo ruídos decorrentes do processo de aquisição, que causam
inseguranças e insatisfações, influenciando o clima organizacional e o relacionamento com os
públicos envolvidos.
Neste momento privilegiou-se a análise perante a pesquisa teórica realizada e a
explanação das percepções sobre a importância da comunicação para o desenvolvimento do
processo de aquisição de empresa.
13
2. VERTENTES DA IDENTIDADE E DA CULTURA NA COMUNICAÇÃO
ORGANIZACIONAL
Impulsionado pelo fenômeno da globalização e com a conseqüente abertura da
economia ao mercado global – através das exportações e entrada do capital estrangeiro – o
Brasil passou a viver novas experiências na esfera das organizações privadas. Importantes e
estratégicas decisões começaram a ser tomadas tendo em vista a competitividade e a
concorrência decorrentes dessa nova fase econômica.
De acordo com Oliveira e Paula (2007, p.9):
A sociedade contemporânea estrutura-se sob o modo de produção capitalista, que,
apesar de passar por processos contínuos de mudança, renova sua capacidade de
adaptação com outras bases da relação capital-trabalho [...] Esses processos marcam
a integração dos mercados, a descentralização e a diversificação da produção, a
(de)codificação do conhecimento, a aceleração da circulação de informações e o uso
das tecnologias de informação e comunicação.
2.1 A Comunicação Estratégica
As configurações atuais da comunicação organizacional são heranças do período da
Revolução Industrial, que trouxe muitas mudanças com o processo de expansão empresarial.
O processo de produção e de comércio, sofrendo as muitas alterações pelo desenvolvimento
capitalista, provocou o surgimento da comunicação empresarial, que na maioria das vezes,
busca uma abordagem integrada, respaldada no planejamento, dentro de uma concepção que a
insere na cadeia de decisões das organizações e em seus processos estratégicos.
Essas mudanças influenciaram os modos de gerenciar as relações de trabalho, as
estratégias de negócios e o relacionamento das organizações com os atores sociais. A
estruturação da sociedade em redes1 promoveu a facilidade de se trocar opiniões e
informações, ampliando assim os espaços de articulação entre os atores sociais.
Se o trabalho do início do século XX era uma atividade que tinha como característica a
mecânica submetida ao ritmo da máquina, na contemporaneidade o perfil é orientado pela
1Manuel Castells (2005, p.89) defende que “a lógica do funcionamento de redes, cujo símbolo é a Internet,
tornou-se aplicável a todos os tipos de atividades, a todos os contextos e a todos os locais que pudessem ser
conectados eletronicamente”.
14
informação e pelo conhecimento. “O trabalho intelectualizado ganha dimensão no interior da
organização, e habilidades e competências individuais passam a ser valorizadas” (OLIVEIRA
e PAULA, 2007, p.13).
Exigência de qualificação, pró-atividade e capacidade de resolver problemas por parte
dos empregados são fatores que impactaram e transformaram as relações de trabalho. Os
fluxos de informações são também direcionados para as demandas de mercado, pois a
produção está cada vez mais determinada por estímulos do ambiente externo.
Para Kunsch (2003), as organizações modernas assumem novas posturas na sociedade
atual. A velocidade das mudanças que ocorrem em todos os campos impele as organizações a
um novo comportamento institucional perante a opinião pública. Conseqüentemente, essas
mudanças influenciaram as formas de gerenciar as relações de trabalho, as estratégias de
negócios e as formas de relacionamento com os diversos públicos. Oliveira e Paula (2007)
ainda consideram que daí vem a preocupação com as relações sociais, com os acontecimentos
políticos e com os fatos mundiais, criando, assim, a necessidade de se abrir espaços de
interlocução para as empresas se comunicarem com os atores sociais.
Nesse sentido, Oliveira (2003) salienta que a comunicação deve trabalhar os fluxos
informacionais no que se refere à produção de sentidos em processos de transferência, tendo
em vista a dinâmica dos processos da contemporaneidade. Nesta perspectiva, os fluxos
informacionais são divididos em:
1) redes de comunicação formais – referem-se à informação que perpassa formalmente as
diferentes unidades de trabalho como diretorias, gerências, divisões, departamentos,
seções, por meio de memorandos, atas, relatórios, planilhas, e-mails etc. Estabelecem-
se, segundo Torquato (2002), por meio dos canais oficiais traduzindo valores,
diretrizes, normas e o pensamento da organização sobre os mais variados assuntos;
2) redes de comunicação informais – estes devem estar relacionados à informação
gerada/comunicada entre as pessoas, por meio das relações humanas construídas nas
diferentes unidades de trabalho. De acordo com Torquato (2002), essa rede abriga as
manifestações espontâneas da comunidade e suas interpretações acerca das questões
relacionadas à cultura, clima interno e políticas normativas da instituição.
Para estabelecer sentido aos processos, Oliveira (2003, p.5) propõe o envolvimento de
todos os grupos em um sistema de redes, afirmando que “uma rede de relacionamentos se
15
concretiza como envolvimento de todos os grupos que são afetados ou afetam as estratégias
organizacionais”.
Toda organização é marcada pela ordem de ações dinâmicas operacionais e
processuais que apontam a sua complexidade nos processos e relacionamentos internos e
externos, reafirmando essa mesma complexidade quanto aos processos do espaço e
articulação em todas as interações, sejam de mudanças internas ou externas na ordem
econômica, cultural, política e social. As empresas, por meio dos fluxos informacionais, têm a
possibilidade de alcançar o ordenamento de suas ações, conciliando as atividades e processos
dos atores sociais. Esses fluxos se processam por meio de símbolos e bens culturais dentro das
empresas e, nessa interação, a comunicação se aplica na definição dos processos decisórios e
na análise sobre os impactos das políticas definidas.
Já os fluxos da comunicação, de acordo com Torquato (2002), exercem grande
influência sobre a eficácia do processo comunicacional. Constituindo todos os caminhos,
ruídos e obstáculos da comunicação, sua complexidade está diretamente relacionada ao tipo
de organização, com seus variados graus de hierarquia. Os fluxos são classificados, por
Torquato (2002), em quatro tipos: os descendentes, ascendentes, laterais e diagonais.
O fluxo descendente está relacionado às comunicações gerenciais formais, obedecendo
a linha hierárquica de cima para baixo. Neste fluxo a comunicação entre a cúpula –
representada por diretores e superintendentes – e os níveis gerenciais intermediários são mais
eficazes e menos complicados do que a comunicação que se estabelece entre os níveis
intermediários e suas chefias subordinadas e para as bases da organização. A comunicação em
excesso, neste fluxo, tende a provocar a interrupção dos canais de comunicação, pois um dos
entraves do sistema de comunicação gerencial diz respeito à retenção das informações pelas
gerências e chefias intermediárias. De acordo com Torquato essa situação é creditada ao fato
de que a informação – e sua retenção – representa poder para os níveis intermediários: “Sabe-
se que os „donos da informação‟ detêm poder. E quanto mais poder possuem, mais poder
conseguem. Por conseguinte, generaliza-se em muitas organizações a prática de „prender a
bola no meio-de-campo‟, evitando que outros jogadores a recebam” (2002, p. 39).
No fluxo ascendente as comunicações tendem a ser menos formais percorrendo, na
linha hierárquica, o fluxo de baixo para cima. Nesta classificação as comunicações estão a
serviço do sistema de controle das organizações sendo que, a comunicação entre as bases da
organização e o nível gerencial intermediário tende a ser mais lenta do que as entre esses
níveis e os superiores. Constituem-se neste fluxo as comunicações da chamada “rádio-peão”,
ao lado de outros veículos informais que surgem da iniciativa pessoal de grupos que
16
disseminam informações de forma desordenada pelas bases da organização. De acordo com
Torquato (2002) são algumas das formas que respondem pelo fluxo ascendente, os planos de
sugestões, boletins de resultados de tarefas e os círculos de controle de qualidade.
O fluxo lateral está relacionado às comunicações que se estabelecem entre os níveis
hierárquicos com mesma posição no organograma, constituindo uma importante maneira de
sistematização e uniformização de idéias e informações. O fluxo lateral é considerado muito
estratégico para efeitos de programas de ajuste e integração de propósitos relacionados à
consecução de metas. Entre os mais sérios problemas de comunicação neste fluxo, Torquato
(2002) destaca o efeito “redoma” que surge em função do acobertamento de informações
diretamente relacionado à competitividade e ao sentimento de emulação (que incita o
concorrente a igualar ou superar o outro) que surgem entre os níveis gerenciais. Para Torquato
“quem trabalha de maneira mais aberta, co-participativa, tem menos problemas de
comunicação tanto no fluxo lateral quanto nos fluxos descendente e ascendente” (2002, p.41).
Por fim, é apresentado o fluxo diagonal que se trata das mensagens trocadas entre um
superior e um subordinado de outra área/departamento. Esse fluxo abrange as comunicações
diagonais sendo mais comuns em organizações mais abertas, menos burocráticas e com forte
peso nos programas interdepartamentais. Entre os pontos positivos deste fluxo informal, que
quebra a linha hierárquica, Torquato (2002) destaca a rapidez, a tempestividade no sistema
decisório e a transparência. Um ponto negativo apontado pelo autor é que neste fluxo a quebra
da hierarquia pode gerar problemas numa organização que não cultive este tipo de atitude. Há
ainda que se levar em conta o fato de a organização ser um sistema vivo, aberto, com fluxos
de entrada e saída de informações e interações, onde cada setor exerce diferentes funções,
com papéis distintos. Sendo assim, todo o processo e construção da organização influi para a
construção da linguagem da comunicação. De acordo com Torquato “a comunicação é,
portanto, uma área multidisciplinar, mediando interesses dos participantes, os interesses da
empresa, enquanto unidade econômica, e os interesses da administração” (1986, p. 17).
A comunicação, como mediação de interesses, deve procurar dentro de cada empresa
os tipos de canais melhores e mais eficazes para montar sua estrutura, permitindo uma ligação
e interatividade, num constante fluxo de negociações.
Por sua dinâmica, a comunicação está em vários processos na sociedade, sendo
reconhecida como participativa e atuante não somente nas negociações que envolvem os
processos de mudança ou reestruturação. Para Bueno (2003, p.4) a comunicação é o espelho
das organizações, sendo que, auxilia na busca de caminhos para valorizar o profissionalismo e
transparência, responsabilidades e na orientação de sentidos.
17
Essa busca torna-se ainda mais necessária, visto que, a todo momento, as empresas
incorporam novas práticas e metodologias às suas rotinas, buscando resultados que permitam
alcançar um novo patamar, sendo impulsionadas à convergência de fatores de naturezas tanto
econômicas, políticas, sociais e culturais.
Dentre as novas modalidades de relações existentes entre as organizações surge o
fenômeno da aquisição. Esse processo é uma das estratégias para que as empresas possam
competir em âmbito global. De acordo com Vilaça e Drummond Júnior (2004, p.1), “a
globalização fez emergir uma nova necessidade: para que as empresas pudessem competir
globalmente, tiveram de se mobilizar a favor da competitividade e da conquista de mercados”.
Nesse cenário, em que as relações estruturam-se sob o espectro do modo de produção
capitalista, e com o acelerado desenvolvimento da tecnologia, o papel central ocupado pela
informação e pelo conhecimento intensificam-se:
[...] os fluxos informacionais das organizações, tanto nos ciclos de
produção/serviços quanto na sua relação com a sociedade. Em um mercado global e
informatizado, a informação, atrelada às tecnologias, passa a ser considerada
elemento determinante nas estruturas organizacionais.” (OLIVEIRA e PAULA,
2007, p.09).
Diante dessa perspectiva, a análise desta pesquisa estende-se sobre a Comunicação
Organizacional, que abrange os estudos do processo comunicacional nas organizações e que,
segundo Kunsch (2003), surge por ser um fenômeno inerente aos agrupamentos de pessoas
que integram uma organização ou a ela se ligam. Sendo assim, a comunicação permeia toda a
atividade desenvolvida pelas organizações, configurando as diferentes modalidades
comunicacionais desenvolvidas.
A comunicação organizacional engloba quatro modalidades que são voltadas,
fundamentalmente, para os públicos ou segmentos com os quais a organização se relaciona e
dos quais depende para seu funcionamento:
1) A comunicação institucional - responsável direta pela construção e formação de uma
imagem e identidade corporativas fortes e positivas de uma organização. Está
intrinsecamente ligada aos aspectos corporativos institucionais que explicitam o lado
público das organizações, além de construir uma personalidade creditiva
organizacional;
2) A comunicação mercadológica – está vinculada ao marketing e é responsável por toda
18
a produção comunicativa em torno dos objetivos mercadológicos como a divulgação
publicitária dos produtos ou serviços de uma empresa;
3) A comunicação interna – viabiliza toda a interação possível entre a organização e seus
empregados, usando ferramentas da comunicação institucional e até da comunicação
mercadológica. Essa modalidade perpassa todos os setores da organização;
4) A comunicação administrativa – atuando dentro da organização, está no âmbito das
funções administrativas permitindo a viabilização de todo o sistema organizacional
por meio da confluência dos fluxos (processada dentro da organização, no âmbito das
funções administrativas).
A comunicação não deve ser vista e, exercida, de forma fragmentada, mas deve ser
entendida em sua totalidade de interações. Sua atuação pode ser percebida em seu
direcionamento aos seus públicos. É importante salientar que a comunicação deve ser
exercida em seus aspectos gerenciais, pois, segundo Torquato (1991), o sistema de
comunicação gerencial é importante para alavancar as energias das pessoas agilizando
decisões e ações, sendo que, sua ordenação se apóia na necessidade de desobstruir os fluxos
da comunicação. Para o autor, a comunicação gerencial mostra-se como resultado do
aprimoramento do esforço das habilidades da comunicação em seus canais e condições das
técnicas e adaptações a serem utilizadas para a qualificação da mensagem e preparação
adequada dos receptores.
Van Riel reforça esse papel gerencial quando afirma que:
La comunicación ya no está restringida a la comunicación de RP y/o de marketing.
Hay una creciente concienciación de la importancia de la comunicación por parte de
otras áreas de gestión funcional. En la dirección de recursos humanos se utiliza la
comunicación como una de las herramientas para reclutar y retener personal valioso
(1997, p.152)
Os esforços para se estabelecer uma comunicação organizacional mais efetiva são
muitos. De acordo com Kunsch (1997), a partir da década de 1960, com a expansão dos
departamentos de relações públicas nas grandes organizações, as publicações empresariais
passaram por um processo de constante valorização, de forma a atender às novas demandas
surgidas da comunidade e da opinião pública. Com isso houve campo para o aperfeiçoamento
do relacionamento entre o capital e o trabalho; entre as organizações e seu universo de
19
públicos externos.
No decurso histórico da comunicação organizacional, ela atinge seu auge a partir de
1985, com a reabertura política do Brasil, com a nova visão que as empresas passam a ter da
necessidade de transparência e do relacionamento pelas vias democráticas com a sociedade.
Para Kunsch (1997), as diversas mudanças ocorridas no pós-Guerra Fria foram determinantes
para alterar o comportamento institucional. Nesta fase, a comunicação passou a ser vista como
uma área estratégica imprescindível às organizações para auxiliar na detecção das
oportunidades e ameaças advindas do macroambiente.
A autora, ao destacar as fases da comunicação organizacional, considera as passagens
sucessivas por uma era do produto (década de 1950), da imagem (década de 1960), da
estratégia (décadas de 1970 e 1980) e da globalização (década de 1990).
Importante ressaltar também que, apesar de suas especificidades, a comunicação
organizacional não se restringe apenas ao ambiente empresarial. Segundo Kunsch (2003) o
termo comunicação organizacional se aplica a qualquer tipo de organização (sejam elas
privadas, públicas, fundações, sem fins lucrativos etc.), o que mostra sua característica de
amplitude, não se atendo somente aos âmbitos do que é denominado „empresa‟.
De acordo com Oliveira (2003), a comunicação organizacional, na
contemporaneidade, requer novos paradigmas para enfrentar as transformações da sociedade.
As dimensões estratégicas de cada organização avançaram para o diálogo com os grupos com
os quais se relaciona, numa dimensão em que se podem constituir mecanismos de
interlocução, considerando suas diferentes perspectivas nas decisões.
O cenário contemporâneo instiga uma revisão teórico-conceitual da comunicação
organizacional que:
[...] avança de uma visão meramente informativa para outra, com ênfase nos
relacionamentos com os atores sociais. A partir daí, concebe-se a comunicação
organizacional como a aplicação do campo da comunicação nas organizações, que
se efetiva por meio das práticas dos subcampos de relações públicas, jornalismo e
publicidade e propaganda de forma integrada, planejada e articulada com outros
campos de conhecimento como administração, psicologia. (OLIVEIRA e PAULA,
2007, p.20)
Essas mudanças são também conseqüentes do novo modo de as empresas se
relacionarem com os empregados após a automação, da especialização da mão de obra, do
crescimento da produção em massa e do envolvimento do público externo com a atuação das
empresas, surgidos depois da expansão dos meios de comunicação de massa. Com essas
características, as empresas se viram obrigadas a desenvolver uma comunicação que
20
contemplasse publicações específicas dirigidas aos empregados e para divulgação de seus
produtos. Através da comunicação interna as organizações objetivam, de acordo com
Torquato (2002), gerar consentimentos em torno do sistema de valores da organização,
produzindo aceitação que em determinados momentos será vital para o encaminhamento de
soluções de forma a se atingir as metas programadas.
Segundo Oliveira e Paula (2007), pelo menos dois componentes da gestão estratégica
da comunicação são relevantes:
1) O alinhamento da comunicação com os objetivos e estratégias de negócio e
gestão, destacando sua contribuição para o alcance dos resultados
organizacionais e;
2) A comunicação atuando como processo balizador e mediador do ambiente
interno e externo – considerando-se a perspectiva dos atores sociais nas
decisões organizacionais.
Com as mudanças advindas das transformações econômicas e sociais, em que a
globalização é promotora de profundas modificações, a Comunicação Organizacional passa a
ser vista em seu papel estratégico deixando de ser percebida como elemento secundário ou
marginal do processo de gestão. De acordo com Bueno, citado por Cruz (2003), atualmente a
comunicação está na linha de frente, em destaque nos organogramas organizacionais, com
conhecimento e formulação de estratégias de forma a superar conflitos existentes em
empresas e entidades e, num plano maior, provocando o surgimento de uma consciência de
uma atuação preventiva a essas situações.
Ainda sobre o papel estratégico da comunicação, o autor Van Riel, citado por Oliveira
e Paula (2007), define a comunicação como tendo a responsabilidade sobre duas funções: a
“função janela” e a “função espelho”. A primeira tem como objetivo garantir a elaboração das
políticas de comunicação e assegurar a unicidade das mensagens, representando as facetas da
comunicação de forma clara e atrativa. A “função espelho” diz respeito ao acompanhamento
das mudanças relevantes do ambiente, garantindo antecipação aos possíveis impactos na
política de comunicação da organização.
Neste novo comportamento institucional, as organizações passaram a enxergar
oportunidades e ameaças do macro-ambiente, com o uso estratégico da comunicação
(KUNSCH, 1997). O Brasil também se torna palco para essa mudança de visão e percepção
21
da Comunicação Organizacional, pois até o final da década de 1980 a sua atuação era
essencialmente tática, muito associada à elaboração e produção de jornais internos e ações
esporádicas destinadas ao público externo (OLIVEIRA e PAULA, 2007).
De acordo com Oliveira e Paula (2007), a concepção estratégica da comunicação
organizacional é pressuposto para a ampliação do seu papel e de sua função, conquistando
espaço gerencial, promovendo e revitalizando os processos de interação e interlocução dos
atores sociais, prestando sempre atenção às suas políticas e objetivos estratégicos.
Esta concepção está relacionada aos objetivos e metas estabelecidas pela organização
de forma integrada aos seus valores e ações. Entre as estratégias para a comunicação, de
acordo com Torquato (2002), destaca-se a implantação de um modelo integrativo de
coordenação de comunicação, de forma a propiciar o desenvolvimento de ações sinérgicas, o
uso de linguagens homogêneas e a definição clara das linhas de ação. Para Oliveira e Paula
(2006) ao termo da gestão estratégica estão envolvidos dois aspectos relevantes: o que se situa
na perspectiva da organização, referindo-se ao alinhamento do processo comunicacional com
os objetivos e estratégias de negócio e de gestão – destaca-se neste aspecto o alcance dos
resultados organizacionais; e um segundo aspecto que se relaciona com a consideração da
perspectiva dos atores sociais nas decisões organizações. Para as autoras, à concepção
estratégica se ligam cinco componentes fundamentados na teoria da comunicação e em
subsídios do campo da administração: o tratamento processual da comunicação, a inserção na
cadeia decisória, a gestão dos relacionamentos com os atores sociais, o uso sistemático de
planejamento e o monitoramento de desempenho e da contribuição para os resultados
organizacionais.
De acordo com Torquato (1986), a comunicação empresarial não envolve apenas as
formas, os recursos e os canais da comunicação coletivos, partindo para uma ação que abarca
as comunicações humanas, interpessoais, grupais, abrangendo os fluxos e redes para a criação
de climas sócio-organizacionais. Integrar tais circuitos e torná-los sinérgicos é o indício da
concepção estratégica que a comunicação passa a ter na contemporaneidade.
A necessidade de as empresas sempre buscarem a liderança no mercado deu força ao
planejamento comunicacional estratégico, pois, de acordo com Torquato (2002), através dele a
organização tem a oportunidade de traçar objetivos como: o fortalecimento do conceito de um
organismo que busca a modernização dos processos, das estruturas, ações e métodos de
trabalho, além, é claro, de ser importante instrumento para criar internamente, com seu
público, condições propícias para o desenvolvimento de ações definidas pela direção da
organização. O autor ainda destaca que, através do Plano de Comunicação, as bases
22
funcionais da organização poderão ser informadas corretamente sobre as propostas de
mudança, criando uma compreensão adequada sobre as metas de modernização e
modificações da estrutura, influenciando as bases no sentido de engajamento neste processo
de mudanças. Ainda são objetivos explícitos do planejamento de comunicação, a proposta de
atenuar os pontos possíveis de atrito entre as bases funcionais e a administração favorecendo
o diálogo, o entendimento e a negociação entre as partes.
Devido à abertura do universo da locução no cenário organizacional, propiciado no
início dos anos 1990 com a abertura dos mercados, as idéias das organizações passaram a ser
apresentadas nos meios de comunicação pelos empresários de forma intensa. Os padrões
autoritários, que provocaram o encolhimento do discurso das organizações, tenderam a dar
lugar às novas formas de interação destas com a sociedade, que passou, por sua vez, a cobrar
ações mais transparentes das empresas. Torquato (2002, p.8) afirma que:
[...] estavam em jogo a competitividade acirrada, a busca de qualidade, as novas
relações com o consumidor, as estratégias de aproximação junto aos poderes. Na
comunicação interna, as empresas começaram a focar melhor o clima
organizacional.
Com a quebra da “redoma” estabelecida entre a administração organizacional e seus
públicos, tanto internos quanto externos, torna-se necessária uma análise do processo do
discurso comunicacional abrindo espaço, desta forma, para se enxergar a postura das
organizações visando uma prática condizente ao período vivenciado pelos atores
organizacionais no alvorecer do novo século.
Berlo (2003) propõe, neste novo exame da comunicação, enxergá-la na condição de
um processo, vendo os acontecimentos e as relações como dinâmicos, em evolução, ou seja,
em constante mudança. O processo também está relacionado a algo que não tem um começo
ou um fim, não se estabelecendo uma seqüência fixa de eventos. Nesta visão, todos os
elementos são considerados condicionantes que tem influência uns sobre os outros.
De acordo com Berlo (2003), o interesse pela comunicação tem produzido muitas
tentativas de se criar modelos do processo com a descrição e as relações de seus ingredientes.
Para o autor, esses modelos que, naturalmente se diferem, tem que ser vistos não sob o olhar
do processo certo ou verdadeiro, sendo que uns podem ser mais úteis que outros e podem
corresponder mais ao presente estado de conhecimento sobre a comunicação.
Os estudos acerca do pensamento comunicacional na primeira metade do século XX
propuseram modelos de comunicação que consideraram os seguintes componentes: o emissor,
a mensagem, o canal, o receptor e a (de)codificação. De acordo com Berlo (2003), em relação
23
ao modelo comunicacional proposto por Aristóteles, considerado por muitos autores o
fundador dos modelos comunicacionais, as novas propostas tendem a acrescentar dois
elementos ao processo: o canal e a decodificação. Para o autor, os modelos comunicacionais
tendem a seguir a mesma idéia apresentada por Aristóteles que, à época em sua obra “A
Retórica”, considerava somente três ingredientes: a pessoa que fala (a fonte), o discurso que
faz (a mensagem) e a pessoa que ouve (o receptor): “a maioria dos atuais modelos de
comunicação são similares ao de Aristóteles, embora um tanto mais complexos” (BERLO,
2003, p.29).
Na década de 1970, os modelos passam a contemplar a dialogicidade, sendo que, a
partir do estudo de Pasquali (1973), novas reflexões a respeito foram apresentadas, mostrando
a possibilidade de simetria entre emissor e receptor, podendo esses dois agentes inverter seus
papéis durante o processo comunicacional (OLIVEIRA e PAULA, 2007).
A partir dessa corrente de pensamento, foi dada atenção às questões relacionais e
desde então, o campo da comunicação passa por revisões teóricas. Houve a saída de uma
relação de estrutura fixa para uma dinâmica e aberta. Agora, emissor e receptor são
interlocutores e há a consideração do contexto. Diante deste novo cenário em que as
organizações estabelecem o processo de interlocução com os atores sociais, os processos
comunicacionais passam a ser pensados e planejados a partir de estratégias de interação com a
sociedade, de acordo com as políticas e práticas de gestão.
Veiga (citado por Oliveira, 2007, p.26) diz que “a comunicação é fundamental no
estabelecimento e manutenção de vínculo social, pois a sociedade só existe nos e pelos atos
comunicacionais, o que reforça os espaços de interlocução” e a comunicação organizacional é
um espaço de construção dessa interlocução entre a organização e os atores sociais com os
quais interage.
Nesse sentido, é necessária a compreensão de elementos inseridos no sistema
organizacional que o configuram como unidade social: a questão da identidade e da cultura
das organizações. Morgan (1996, p.125) define as organizações como sendo “minissociedades
que têm os seus próprios padrões distintos de cultura e de subcultura. Assim, uma organização
pode ver-se como um grupo bem integrado ou família que acredita no trabalho conjunto”.
Oliveira e Paula (2007) reforçam essa idéia, quando afirmam que o envolvimento e o
compromisso dos trabalhadores estão diretamente relacionados com a qualidade e a
quantidade do trabalho desenvolvido nas organizações. As autoras ainda ressaltam que o
trabalho passa a ter um caráter subjetivo quando o sujeito usa bens simbólicos como a
informação e a cultura para desenvolver suas atividades, parecendo assim ser possível a
24
formulação de uma ligação entre a gestão organizacional e o trabalho imaterial gerados pela
cooperação e ação coletiva.
Para tanto, cabe neste momento analisar não somente a questão da cultura como
também trazer à luz da discussão a questão da identidade, que é indissociável ao tema.
Segundo Nogueira e Machado da Silva (2003, p.01):
as culturas não só oferecem significados às pessoas possibilitando sentidos às suas
vidas, mas, também, constituem fonte de significados para as identidades delas, na
medida em que contribuem para a compreensão de como se identificam para si e
entre si. O conceito de identidade está intimamente ligado ao conceito de cultura.
A análise dessas duas variáveis será iniciada, de forma a identificar, a partir de seus
conceitos que se relacionam e se interagem, a dinâmica e sua influência para o estudo da
participação da comunicação durante o processo de aquisição. Entender a identidade e a
cultura de uma empresa torna-se primordial para o estudo dos impactos de uma aquisição
perante seus públicos, tendo em vista que novos cenários surgem determinados pelas
mudanças no ambiente organizacional, caracterizados pelas novas relações sociais que
envolvem a participação de diversos atores sociais e trazem desafios para as organizações
como gerenciar a identidade e administrar o choque entre culturas (ALMEIDA, 2005).
2.2 A Identidade das Organizações
Morfologicamente, a palavra identidade deriva dos vocábulos latinos idem e identitas
e do vocábulo entitas, que se refere à entidade. Essas raízes levaram à interpretação de que
identidade poderia então significar „a mesma entidade‟.
É possível constatar que os indivíduos criam laços com as organizações que
ultrapassam as fronteiras da realização material obtida através da venda de mão-de-obra: os
homens “ligam-se às organizações não só por laços materiais, mas por laços afetivos,
imaginários e psicológicos” (FREITAS citado por VILAÇA e DRUMMOND JÚNIOR, 2004,
p.1).
Já Rego nos apresenta que, se buscada a origem latina do termo, perceberemos a
ligação com a questão da individualidade, da personalidade. Para ele identidade reflete o
plano real e a imagem como conotação de uma representação: “A minha identidade é o que eu
mesmo sou” (1986, p.97).
25
De acordo com Almeida (2005), a identidade organizacional pode ser considerada, e
muitos empregados assim a vêem, como sendo a essência da organização que a permite se
distinguir das outras, principalmente com a percepção do que é estável ao longo do tempo –
sendo a ligação entre o passado e o presente e, provavelmente, o futuro.
Segundo Argenti,
a identidade de uma empresa é a manifestação visual de sua realidade, conforme
transmitida através do nome, logomarca, lema, produtos, serviços, instalações,
folheteria, uniformes e todas as outras peças que possam ser exibidas, criadas pela
organização e comunicadas a uma grande variedade de públicos (ARGENTI,2006,
p.80).
As mensagens que as empresas emitem são responsáveis pela percepção que os
diferentes públicos terão. O autor ainda ressalta que se essas imagens difundidas refletirem
com precisão a realidade da organização, aí sim o programa de identidade terá obtido o êxito.
Se houver percepções diferentes da realidade é indício de que a estratégia utilizada não foi
eficiente ou será necessário mudar de tática.
A identidade não é inata e nem exclusiva do indivíduo, podendo ser estendida às
organizações. Neste âmbito, é destacada como elemento fundamental presente em todos os
indivíduos e dá-lhes o sentido de pertencimento, de unidade histórica e emerge, com
destacada força no convívio com o outro. É nas interações sociais que a identidade é
construída. Desde o nosso nascimento, vivemos em grupos e estes contribuem para a
formação da nossa identidade.
É nessa relação que o indivíduo cria o sentimento de pertencimento ao coletivo.
Muitos autores reconhecem que o sentimento de identidade está presente em todos os
indivíduos, reconhecendo sua unicidade e sua continuidade histórica, mas Vilaça e
Drummond Júnior (2004, p.2) destacam que “no entanto, é na relação com o outro que a
identidade emerge com maior força, é nessa relação com o outro que o indivíduo se constitui,
é reconhecido e se reconhece”.
Nesse sentido, Nogueira (2004) reforça que o desenvolvimento do indivíduo, seria em
um sentido mais amplo, pois ele não se basearia simplesmente na adoção de outros indivíduos
para com ele, sendo assim compreendido por meio das amplas atividades desenvolvidas em
uma sociedade organizada.
Um ponto de partida para construção da identidade da empresa, como já citado
anteriormente, está relacionado à percepção que o público tem de símbolos (produtos,
serviços, pessoas, as instalações, os nomes) que fazem parte dessa realidade. Em cada
26
empresa, estrutura-se a identidade corporativa, tendo, cada uma, estratégias e a preferência de
firmá-las ou não.
Pensando estrategicamente, cabe à empresa estabelecer seus valores junto aos seus
públicos, e nessa fase ficará responsável por gerenciar a sua identidade e estruturar a forma
como sua imagem, que é a projeção da identidade (TORQUATO, 2002), vem se consolidando
através das percepções. Alguns autores destacam que não há a necessidade de estratégias para
a formação da identidade corporativa, pois ela é inerente à condição da existência, mas
Torquato (2002) defende o processo de construção da identidade que deve levar em
consideração valores e critérios como o foco, a essência, a capacidade de permanência e
singularidade, a especificidade e a unicidade que garantam a coerência à realidade. Neste
momento é essencial a presença articuladora do sistema comunicacional no auxílio à
identificação dos valores da organização e na correta correspondência da projeção da
realidade. Para Silva (2005) uma boa imagem será conquistada quando a identidade
corporativa consistir e corresponder ao que efetivamente a organização é na realidade, através
de sua missão, seus valores e através de seu comportamento apresentado em suas atividades.
Para a autora “as empresas com melhor imagem pública são também as que possuem
objetivos estratégicos bem definidos e consciência clara de que a perenidade da empresa está
acima das considerações ou vantagens circunstanciais” (SILVA, 2005, p.5). Ou seja, a imagem
corporativa deve ser a projeção daquilo que a empresa é, não se constituindo numa falsa e
distante imagem do posicionamento estratégico da corporação verificado. Para concluir, Silva
(2005, p.6) defende que “a coerência entre o comportamento institucional e a sua
comunicação integrada (por meio de ações convergentes da comunicação institucional,
mercadológica, interna e administrativa) leva à construção de uma identidade corporativa
forte e, em conseqüência, de uma imagem positiva”.
Sobre o processo de construção da imagem, Morgan faz uma abordagem defendendo
que, na atualidade, muitas organizações estão preocupadas em avaliar e conhecer os seus
ambientes separadamente, ou seja, estão dissociando o ambiente externo dos processos
internos. Isso nos leva a refletir sobre falhas dessas organizações no que tange à construção e
ou manutenção de suas identidades. O autor nomeia certas empresas como “organizações
egocêntricas”, que têm dificuldades de lidar com o exterior, estando voltadas somente para os
processos internos, “não reconhecem que são uma parte dos seus respectivos ambientes”
(MORGAN, 1996, p.249).
Na perspectiva desse autor, as empresas ditas egocêntricas, voltam para si mesmas e
superenfatizam sua importância, ao mesmo tempo em que subestimam o significado do
27
sistema de relações mais amplo no qual estão associadas, isso quer dizer que desprezam o
meio e o conjunto de fatores que as fazem existir.
Ao explicar o discurso acima, o autor utiliza como metáfora o espelho. De acordo com
ele, a metáfora do espelho explica que o objeto e o cenário estão intrínsecos em sua
composição, um depende do outro para obter forma. Ao olharmos no espelho, criamos uma
relação entre a figura projetada – o personagem (a empresa) – e o fundo, ou seja, o cenário ou
sistema que, para Morgan, trata-se do contexto no qual a figura encontra-se localizada. A
partir da metáfora, o autor nos mostra que ao nos atermos somente a uma parte do composto,
ou seja, se observarmos somente o cenário, ou apenas a figura, perderemos informações,
gerando-se desequilíbrio e tornando o processo de percepção incompleto. Para Morgan
[...] como um rosto no espelho depende de uma grande quantidade de condições para
existir, tais como os processos biológicos que criam e sustentam a face e as
condições físicas e culturais necessárias à existência do espelho, os traços que
caracterizam as organizações dependem de uma grande quantidade de relações
contextuais menos óbvias que precisam ser mantidas, caso a organização queira
continuar existindo. (1996, p.249)
Nesse sentido, o composto, a figura e o cenário são partes do mesmo sistema de
relações e não podem existir sozinhas, sendo que uma depende da outra. Morgan (1996)
finaliza essa percepção nos atentando para o fato de que quando a organização lida com o
ambiente de forma egocêntrica é quase certo que não compreenderá as suas próprias
complexidades e as muitas voltas recorrentes das quais possibilita sua existência. No entanto
afirma que como resultado do egocentrismo as organizações acabam sustentando identidades
pouco realistas ou que destroem os contextos dos quais fazem parte.
Na perspectiva de Morgan (1996), a sobrevivência das organizações deverá estar
associada ao ambiente e não contra ele, sendo que, “concepções menos egocêntricas de
identidade facilitam este processo” (1996, p. 252). Para isso, torna-se evidente a participação
das organizações de forma efetiva na construção do ambiente não se atendo apenas a seus
próprios interesses. Reforça também a necessidade de se entender a identidade das
organizações como um fator estratégico, correspondente à realidade e singularidade da
empresa, mas também vinculado ao ambiente externo.
Nesse processo, torna-se relevante destacar que a identidade corporativa refere-se às
características que distinguem uma organização das demais. Gerenciá-la significa relacionar
as estratégias de negócios da empresa, a filosofia dos seus principais executivos, a cultura
corporativa e a arquitetura organizacional. Pode-se, então, construir a imagem de uma
empresa, apresentando-a por meio de uma campanha coordenada que envolva os sistemas
28
formais da comunicação (como o nome, a logo, as simbologias e as propagandas
institucionais), que refletem a identidade corporativa. À comunicação organizacional cabe o
desafiador papel, como afirmado anteriormente, de auxílio no processo de construção da
identidade corporativa e de preparar o processo da correta projeção da imagem da organização
(GRAY e BALMER, 1998).
Vivenciando um espaço econômico marcado pela competitividade, escassez de
recursos e uma grande semelhança entre os produtos no mercado global, a identidade se torna
um traço diferenciador de uma empresa em relação à outra, principalmente porque sendo ela
um valor intangível, pode tornar-se uma vantagem competitiva para a organização no
mercado. “Os consumidores fazem cada vez mais distinções com base em outras noções que
não aquelas do produto em si, transformando, portanto, a imagem e a identidade em
diferenciadores significativos” (ARGENTI, 2006, p.84). De acordo com Silva (2005) diante
desta nova concepção de espaço social pode-se perceber que há grande preocupação no
sentido de dar às organizações uma dimensão social como nunca antes havia sido dado. Além
de unidades econômicas, as organizações passaram a ser consideradas unidades sociais com
responsabilidade de atuação perante seus públicos e seu entorno ambiental.
Nesse contexto, os funcionários e outros públicos devem relacionar-se com a visão
corporativa, que precisa ser consistente em todos os elementos de identidade. Para Argenti
(2006), entre esses elementos, um dos mais importantes na identidade corporativa seria a da
visão que abrange os principais valores, filosofias, padrões e objetivos de uma empresa.
Embora não exista dúvida quanto à importância da identidade para as organizações, Almeida
(2005) apresenta que, nos últimos dez anos, foi possível comprovar, através de vários estudos,
a impossibilidade de se definir um único conceito para identidade, devido principalmente ao
fato desta estar sempre em dependência com o ângulo em que é analisada. Alguns autores vão
mais além quando afirmam que:
as organizações podem ter múltiplas identidades [...] Da mesma forma que
psicólogos e sociólogos afirmam que o indivíduo tem múltiplas identidades, as
organizações têm sido concebidas como tendo vários “eus”. (PRATT e FOREMAN
citados por ALMEIDA, 2005, p.3).
Dentre os vários conceitos de identidade, Van Riel (citado por Almeida, 2005, p.3),
destaca quatro tipos: a identidade percebida, a projetada, a desejada e a aplicada. De acordo
com ele:
1) Identidade Percebida – significa a coleção de atributos vistos como típicos
29
pelos membros da organização. Seria a essência da organização, o que a
distingue de outras e o que permanece ao longo dos anos.
2) Identidade Projetada – é a auto-representação da organização. É como a
organização divulga seus atributos considerados chave a seus públicos internos
e externos através da comunicação e de seus símbolos.
3) Identidade Desejada – elemento sonhado pela alta administração que acredita
que a organização deva inferir a partir de sua liderança.
4) Identidade Aplicada – são os sinais que, através dos membros da organização,
são transmitidos, consciente ou inconscientemente, a todos os níveis da
organização.
Compreender esses tipos de identidade apresentados é, antes de tudo, compreender a
dinâmica do processo de como a empresa se apresenta aos seus públicos e como ela desejaria
se apresentar, estabelecendo, desta forma, as estratégias eficazes para seu comportamento no
mercado.
Nesse aspecto, Torquato ressalta a importância da identidade das organizações no que
diz respeito à sua visibilidade midiática. Para ele, um dos maiores desafios da comunicação
moderna é compatibilizar a visibilidade de uma organização com sua identidade, uma vez que
essa visibilidade corresponde a um conjunto de manifestações externas que tornam uma
empresa visível e perceptível aos olhos da opinião pública. Salienta ainda que, o ponto de
maior proveito entre a visibilidade e a identidade é atingido quando “um cidadão comum,
consumidor alvo, tocado pela mensagem de uma empresa, é capaz de responder, com razoável
grau de acerto, as perguntas sobre os principais produtos fabricados, formas de exposição da
empresa junto à opinião pública e valores embutidos nas linhas de comunicação.” (1991, p.
243). Face ao discurso de Torquato, Maia (2006, p.158) afirma que “o espaço de visibilidade
midiática não existe separadamente, mas, sim, numa intrínseca relação histórica com as
práticas sociais, ancoradas nos múltiplos domínios da sociedade” e que os profissionais da
mídia atuam como agentes políticos importantes, filtrando informações e produzindo quadros
interpretativos.
Torna-se claro então que o entendimento sobre o processo de construção da identidade
pode contribuir para o gerenciamento de aspectos que podem transformar-se em vantagem
competitiva para a organização. De acordo com Almeida (2005), um efetivo gerenciamento da
identidade resultará em uma imagem corporativa favorável que, ao longo do tempo,
possibilitará a construção de uma reputação positiva, que, entre outras definições, representa o
30
julgamento de valor feito pelas pessoas sobre as qualidades de uma empresa. Isso contribui
para que estes públicos tenham uma disposição favorável em relação à organização. Através
de um adequado processo de comunicação, uma organização pode criar estratégias e
instrumentos para expressar ao seu público o que deseja.
Entre os recursos de uma empresa estão seus intangíveis, ou seja, aqueles que não
podem ser mensurados. De acordo com Richard Hall (1992), esses recursos variam entre a
propriedade intelectual de marcas, direitos autorais, segredos de mercado, conhecimento
público e, inclusive, recursos subjetivos ou dependentes de pessoas (por meio do know-how),
redes, cultura organizacional e a reputação de um produto ou empresa. Os recursos intangíveis
podem ser classificados em atributos ou habilidades. Para Hall (1992), quando uma empresa é
vendida, o adquirente pode ter a certeza de que adquiriu os atributos (em que se incluem as
patentes, a marca e os direitos autorais), mas não tem a garantia de que terá com a aquisição
os recursos intangíveis como o know-how, a cultura e as redes. Para esta pesquisa, coube
analisar atentamente no processo de aquisição os recursos intangíveis classificados como
habilidades, pois elas constituíram-se, em alguns casos, como fatores determinantes na
motivação do negócio, principalmente, quando são consideradas vantagens competitivas da
empresa.
A identidade é uma das maneiras de construir sentido sobre o que constitui a cultura
nas organizações e a cultura proporciona um senso de identidade nos indivíduos, ou seja,
ambas variáveis estão diretamente relacionadas.
2.3 O Fator Cultural na Organização
As organizações estão cada vez mais atentas às mudanças e uma revolução em âmbito
mundial vem acontecendo no que se refere ao novo comportamento empresarial. Os principais
fatores decorrentes dessas mudanças estão relacionados à tecnologia, ao sistema de qualidade
total, atendimento personalizado, modernização e humanização – principais conceitos
voltados para a eficácia dos processos das empresas. Assim sendo, é importante estudar o
fator cultural das organizações, pois não há como dissociar este fator dos processos que
compõem a realização das atividades empresariais.
A palavra cultura surgiu a partir do estudo da antropologia social, quando grupos de
estudiosos, no final do século XIX e início do século XX, começaram a pesquisar sobre as
31
sociedades primitivas e verificaram que os modos de vida de cada sociedade se diferiam entre
si e entre regiões. Fleury (citado por Monteiro, Ventura e Cruz, 1999, p.02) constata que:
[...] os antropólogos tenderam sempre a conceber os padrões culturais não como um
molde que produziria condutas estritamente idênticas, mas antes como as regras de
um jogo, isto é, uma estrutura que permite atribuir significado a certas ações e em
função da qual se jogam infinitas partidas.
Nogueira e Machado da Silva (2003, p.3) apontam a cultura organizacional como
sendo as "crenças, valores e significados concebidos, aprendidos e compartilhados pelos
membros de uma organização ou grupo que dá sentido, formula e permite a interpretação da
realidade".
Ao identificarmos esta análise antropológica, torna-se possível a associação do capital
humano com a organização que, em plena atividade e, contendo características próprias e
coletivas na sua forma de pensar e agir e com as quais convive habitualmente, formam no
cotidiano do trabalho, a cultura organizacional. Esta abrange todas as formas de pensar, as
condutas e os símbolos que dão significado ao contexto. Nesse sentido, é importante ressaltar
a relevância da cultura no ambiente das organizações e em seu processo comunicacional.
Nesta perspectiva, Torquato (1991) afirma que um grande problema verificado no processo
administrativo é a diferença existente entre as decisões normativas e as realidades culturais
que fazem a identificação da personalidade do público interno da organização.
O autor atribui à cultura da organização a formação de redes de comunicação formal e
informal, sendo que esta é aferida pelas expressões dos funcionários e laços informacionais, a
outra ponta do sistema cultural. Para tanto, cultura é definida para o autor como "a somatória
dos inputs técnicos, administrativos, políticos, estratégicos, táticos, misturados às cargas
psicossociais, que justapõe fatores humanos individuais, relacionamentos grupais,
interpessoais e informais" (TORQUATO, 1991, p. 3).
Já para Schein (citado por Freitas, 1991), cultura é o aprendizado coletivo ou
compartilhado, desenvolvido por uma unidade social ou qualquer grupo de acordo com a sua
capacidade para fazer face ao ambiente externo e lidar com suas questões internas. Robbins,
citado por Padoveze e Benedicto (2003, p.4), diz que a cultura pode ser definida como:
"diferenças psicológicas e individuais, tais como traços de personalidade e, evidentemente, os
diversos sistemas sociais, políticos e educacionais da sociedade".
Já Adler (1997) afirma que, no ambiente global dos negócios, as atividades
relacionadas com a liderança, a motivação, a negociação, a tomada de decisões e a troca de
informações e idéias estão diretamente relacionadas à habilidade dos gerentes e funcionários,
32
pertencentes à uma determinada cultura, de se comunicarem com seus colegas, clientes e
fornecedores, todos pertencentes a outras culturas. Desta forma, a comunicação abre espaço
para uma relação intercultural que permite que uma pessoa de uma determinada cultura emita
uma mensagem para uma pessoa de outra cultura.
De acordo com Trompenaars e Hampden-Turner (1993), sendo a organização uma
construção subjetiva em que seus integrantes darão um significado ao ambiente dentro de sua
própria cultura, ela deve se assemelhar a uma família ou a um sistema impessoal designado a
alcançar resultados. Dentro desta perspectiva os autores destacam, em metáfora, quatro tipos
de cultura organizacionais: a Família, a Torre Eiffel, a Guiada pelo Míssel e a Incubadora. A
cultura Família é a que, ao mesmo tempo, é pessoal, com um relacionamento próximo face a
face e também hierárquico. Ressalta, neste tipo de cultura, o poder da figura do “pai”,
cuidadoso e que zela pelo que deve ser feito para a organização e o que é melhor para seus
subordinados. O modelo familiar atribui baixa relevância a „fazer as coisas corretas‟ e alta
relevância ao modo de „fazer corretas as coisas‟. É essencialmente política a mudança no
modelo familiar orientada pelo poder, sendo necessária a conquista de personagens-chave
para modificação de políticas de atuação, contudo, pode responder rapidamente à mudança de
ambientes que afetam seu poder.
Já a cultura da Torre Eiffel, assim como o monumento, é um tipo de organização onde
o sistema é íngreme, simétrico, estreito no topo e largo na base, sólido, rígido e robusto. Neste
modelo, a estrutura é mais importante que sua função e sua hierarquia é muito diferente do
tipo da família, pois cada nível alto tem uma função clara e demonstrável de manter coesos os
níveis mais baixos. O subordinado obedece ao chefe porque é função deste instruí-lo. Ao
contrário da cultura Família, onde são permitidos os relacionamentos pessoais, a Torre Eiffel
condena esse tipo de relacionamento, pois como se baseia nas regras e nas funções claras do
papel do subordinador, esses relacionamentos deturpam julgamentos, criam favoritismo e
multiplicam as exceções para as regras estabelecidas, tornando obscuras as fronteiras claras
entre os papéis e as responsabilidades. Para os autores, mudar a Torre Eiffel é afetar as regras
de mudança e qualquer alteração na proposta da companhia deve trazer mudanças naquilo que
é necessidade para seus empregados fazerem. Neste contexto, esse tipo de cultura não se
adapta bem aos ambientes turbulentos, sendo bastante complexas as mudanças neste sistema.
A cultura Guiada por Míssel tende a ser igualitária em comparação às demais e visa,
com intenção estratégica, basicamente, os seus objetivos e finalidades. Nesta cultura, com
tarefas determinadas e empreendidas por equipes ou grupo de projetos, tudo tem que ser feito
para o cumprimento das metas idealizadas. Sua classificação como igualitária deve-se ao fato
33
de que todos necessitam da ajuda de todos, e aí se incluem quaisquer especialistas, para o
alcance do intuito final. O resultado é conhecido, mas as trajetórias são incertas. Aos grupos
cabe um papel altamente estratégico, sendo que tendem a ser temporários com
relacionamentos transitórios a cada projeto. A mudança neste modelo acontece rapidamente,
com o movimento do alvo. Surgem novos alvos, novos grupos de projeto são formados e os
antigos são dissolvidos.
Por fim, a cultura Incubadora é aquela em que as organizações são secundárias para o
desempenho dos indivíduos. Existem para serem toleradas, para servir como incubadoras para
auto-expressão e auto-realização dos indivíduos. Neste modelo, a proposta é a liberdade para
os indivíduos executarem atividades criativas, fugindo, assim, das rotineiras. Sendo pessoal e
igualitária, quase não tem estrutura e quando a fornece é meramente para conveniência
pessoal. As incubadoras freqüentemente operam em um ambiente de intenso
comprometimento emocional, pois como não tem uma hierarquia estabelecida, tanto a figura
que seria a da autoridade quanto a do subordinado fazem o comando pensando estritamente
em suas vontades pessoais, não há a relação de subordinação. A natureza das idéias e a
inspiração de suas visões levam todos a trabalhar com motivações. A mudança na cultura
Incubadora pode ser rápida e espontânea, pois os membros estão sintonizados uns com os
outros e todos motivados pela contribuição para o desenvolvimento de algo novo.
De acordo com Trompenaars e Hampden-Turner (1993) esses tipos de cultura
organizacional raramente existem em uma qualidade „pura‟, sendo possível, na prática, a
mistura ou uma nova „roupagem‟ para uma cultura dominante.
Como a presente pesquisa trata de uma temática nos âmbitos da gestão administrativa
nacional, buscou-se também compreendê-la sob a ótica da cultura brasileira, através de
autores como Prates e Barros (1997), que a classificam como um “estilo brasileiro de
administrar”. Esses autores abordam as diferenças de povos atribuindo-lhes culturas
diversificadas e associando essa diferença também à forma de administração das empresas,
afirmando ser necessária a compreensão da ação cultural de maneira integrada. Para tanto,
faz-se necessário – ao pensarmos em modelagem da cultura brasileira – “levar em
consideração não somente o traço cultural típico de forma isolada e descrevê-lo, mas,
principalmente, sua interação com outros traços, formando uma rede de causas e efeitos que
se reforçam e se realimentam” (PRATES e BARROS, 1997, s/p.).
Em relação à discussão acima, os autores ainda trazem uma abordagem diferenciada
em que dividem o sistema de ação cultural brasileiro em quatro subsistemas:
34
1) O institucional (ou formal) – que está relacionado com os traços culturais que
são encontrados no aspecto da “rua”, ou seja, relações de mercado formal
sejam de cunho pessoal ou profissional;
2) O pessoal (ou informal) – que está relacionado aos traços peculiares ao espaço
da „casa‟. Neste caso predominam-se as relações familiares;
3) O dos líderes – que reúne traços encontrados naqueles que detêm o poder e,
4) O dos liderados – que abrange os aspectos culturais mais próximos daqueles
subordinados ao poder.
Para Freitas (1997) muitos esforços têm se concentrado no desenvolvimento de um
modelo gerencial brasileiro. É buscado um modelo que consiga estabelecer a articulação entre
os principais traços de nossa cultura e os desafios atuais demandados pela modernização.
Na tentativa de sumarizar os traços brasileiros mais visíveis a influenciar as
organizações, o autor destaca a hierarquia, o personalismo, a malandragem, o sensualismo e o
espírito aventureiro.
Na hierarquia são identificadas como características-chave: a tendência à centralização
do poder dentro dos grupos sociais; o distanciamento nas relações entre os diferentes grupos e
a passividade e aceitação dos grupos inferiores perante os superiores. No personalismo são
destaque: a sociedade baseada em relações pessoais; a busca da proximidade e afeto nessas
relações; e o paternalismo (domínio moral e econômico). Na malandragem é identificada a
situação do “jeitinho brasileiro” baseada na flexibilidade e adaptabilidade como meio de
navegação social. No sensualismo é identificado, nas relações sociais, o gosto pelo sensual e
pelo exótico. Por fim, no traço do espírito aventureiro é identificada a característica do
brasileiro ser mais sonhador do que disciplinado, com tendência à aversão ao trabalho manual
ou metódico.
Tratando-se especificamente das questões culturais nos processos de aquisição, de
acordo com Bueno (2003), as empresas estão descobrindo que nessas operações não se deve
considerar apenas a transação financeira, mas também os conflitos culturais, que podem
causar grandes danos, se não forem administrados corretamente. Esse processo de mudança e
transformação verificado nas organizações levou as empresas a repensarem seus processos de
produção, organização e gestão do trabalho diante da perspectiva de vislumbrar novas formas
de relacionamento com outras empresas. Isso, muito em parte, trouxe um novo foco à gestão
das pessoas, principalmente na questão de que, para manter a empresa “viva”, ela deve, antes
de tudo, atentar para a disposição de seus empregados internalizarem novas estratégias
35
criando alternativas de ação e construção de novos cenários (BECKER, 2002). A autora ainda
destaca que, em se tratando de operações de fusões e aquisições de empresas, algumas
dificuldades enfrentadas nessas situações contribuem para aumentar o percentual de casos de
fracassos. Entre essas dificuldades é apontada a falta de domínio das questões jurídicas e
legais, a incompatibilidade contábil-financeira, desentendimento nas definições estratégicas e
por fim, o choque cultural das organizações envolvidas nestes processos.
Nesta perspectiva, a organização que deseja garantir uma vida promissora no cenário
atual deve ir além de um sistema altamente tecnicista e produtivo, devendo, portanto, voltar
seus esforços para o conhecimento das pessoas, bem como seus comportamentos que incluem
sua forma de ser e agir. Nogueira (2004, p.6) reforça esse raciocínio ao identificar que no
processo de cultura organizacional e sua relação com os atores sociais, “os membros da
organização não estariam engajados num processo de descobrir a, ou alguma, realidade já
existente e dada, mas em um processo de criá-la e/ou apreendê-la dos outros que estão
mutuamente envolvidos na construção da realidade”.
Portanto, toda organização deve desenvolver um espírito crítico e ações efetivas junto
ao público interno, para que este possa representá-la da melhor forma possível, partindo do
pressuposto que toda organização é desenvolvida e estimulada pelos indivíduos e seus valores
de identidade são construídos a partir desse envolvimento.
36
3 O PROCESSO DE AQUISIÇÃO - CONTEXTUALIZAÇÃO
O contexto social vigente e as mudanças de mercado no mundo capitalista delimitaram
um novo olhar sobre o papel da empresa na atualidade. Em uma escala global, as
organizações brasileiras desenvolveram outras experiências e dimensões do âmbito
empresarial.
O fim das barreiras ao surgimento de novas tecnologias e novas modalidades de
atuação no mercado incitou, conseqüentemente, novos perfis para as organizações. De acordo
com Wood Jr., vivemos uma era da hipercompetição onde “o jogo competitivo é superlativo.
São muitas empresas, oferecendo enorme variedade de produtos e modelos para um mercado
globalizado. É o jogo da complexidade e da hipercompetição” (1999, p. 41). Ainda de acordo
com o autor, esse é um cenário onde as empresas interagem mundialmente e as vantagens
competitivas (que asseguram o sucesso da organização) são efêmeras.
Para Olave e Neto (2001), nas últimas duas décadas essas mudanças passaram a ser
percebidas com maior nitidez entre as empresas, consolidando uma lógica que envolveria as
transformações técnicas, organizacionais e econômicas. Essas alterações interferiram
significativamente na maneira de produzir, administrar e distribuir tarefas, produtos e
serviços. Simultaneamente, é exigido um novo formato de organização, cuja lógica altera os
modelos conhecidos de competição. Novas relações entre as empresas, entre empresas e
trabalhadores, e entre empresas e instituições configuram o atual cenário mercadológico e
econômico.
De acordo com Peter Seiffert, diante dos desafios atuais apresentados às organizações,
o formato burocrático, até então vigente, já não “consegue oferecer as soluções necessárias
em um ambiente de hipercompetitividade que exige maior flexibilidade e capacidade de
adaptação organizacional” (2003, p.36). Diante desta situação, as empresas passaram a pensar
em novos formatos organizacionais que privilegiassem a visão de uma organização mais
orgânica e flexível às mudanças.
As estratégias de decisões e o empreendedorismo (com suas constantes atividades
relacionadas às ações de criação, renovação e inovação) entraram no foco das organizações,
enfatizando sempre a competitividade decorrente do mercado globalizado e globalizante em
sua essência. De acordo com Seiffert, “indivíduos que atuam dentro de uma organização de
forma dependente, criando novas organizações renovando ou inovando organizações
existentes são empreendedores coorporativos” (2005, p.23).
37
Tanure e Cançado confirmam que “os novos formatos organizacionais implicam
diferentes tipos de relacionamentos entre as empresas, que se deslocam do chamado
„posicionamento competitivo‟ para a „cooperação competitiva‟” (2003, p.5). Neste novo
comportamento das empresas surgem diversas formas de relacionamento, que variam desde o
relacionamento transacional até a unificação entre as organizações.
Barros (2003) destaca que, entre as empresas, os formatos de relacionamento podem
estabelecer-se nas seguintes modalidades:
1) Licenciamento: venda de um serviço com algum tipo de relacionamento entre
empresas;
2) Parceria ou aliança estratégica: esforço cooperativo entre duas ou mais
empresas visando um objetivo estratégico comum. Salienta-se que a aliança é
realizada entre concorrentes e a parceria entre fornecedores ou clientes, na
lógica da cadeia de valor;
3) Joint venture: duas ou mais empresas se reúnem para criar uma nova, separada
das demais, com governança, força de trabalho, procedimentos e cultura
própria;
4) Fusão: combinação de duas ou mais empresas que deixam de existir diante da
formação de uma terceira empresa com nova identidade e, teoricamente, sem
predominância de nenhuma das empresas;
5) Aquisição: desaparecimento legal de uma empresa que teve seu controle
acionário comprada por outra.
3.1 Decurso Histórico da Aquisição
Ao analisarmos o histórico dos processos de Aquisições, observamos que este tipo de
formato não tem início recente, como registrado no Brasil. Há registros desses processos
ainda no início da Revolução Industrial. Segundo Camargos e Barbosa (2003), a partir do fim
do século XVIII, houve uma forte concentração de capitais, o que favoreceu os processos de
Fusões & Aquisições (F&A).
Estes autores fazem uma discussão sobre o assunto, nomeando-o como “Onda das
F&A”, para tanto, estabelecem uma cronologia, abrangendo o início aproximado no ano de
1887 até o final da década de 1980. Para melhor compreensão e organização dos
38
acontecimentos, eles propõem uma divisão em quatro fases. Essas fases são definidas da
seguinte forma:
1ª) 1887 a 1904 – A grande onda das Fusões e Aquisições;
Sobre essa fase, Camargos e Barbosa (2003) abordam rapidamente as principais
características dessa época, salientando que os anos compreendidos entre 1887 e 1904 foram
marcados pelas grandes transformações nos transportes, comunicações, tecnologias de
manufatura; competição e instituições legais, com consolidações nas indústrias de petróleo,
aço, tabaco, dentre outros. Ainda nesse período é identificada a formação dos grandes
monopólios.
2ª) 1916 a 1929 – Movimento nas Fusões;
No que ele chama de “Movimento nas Fusões”, fala sobre o boom do mercado de
capitais que ajudou os investidores financeiros a consolidarem empresas em vários setores,
tais como: serviço de utilidade pública, comunicação e o automobilístico. Observa que as
fusões de várias empresas em uma única companhia não foram mais permitidas por leis que
restringiam a concentração de várias empresas em um único dono ou grupo empresarial.
Identificadas como leis anti-truste, essas leis buscavam garantir a concorrência de empresas
no mercado, evitando assim a formação de monopólios. Essa onda apresentou mais fusões por
integração vertical e diversificação do que a precedente. Foi então caracterizada por fusões
que visavam o poder de oligopólio, enquanto a onda precedente caracterizou-se por fusões
que objetivavam o monopólio. (STIGLER, 1950).
Para melhor entendimento, vale salientar as características dos processos verticais,
horizontais e conglomerados. Segundo Ross, Westerfield e Jaffe (1995), uma fusão ou uma
aquisição podem ser:
1) horizontais: união entre firmas atuantes no mesmo ramo de atividade,
geralmente concorrentes;
2) verticais: quando resultam da união entre firmas que fazem parte da mesma
cadeia produtiva, podendo ser para cima (montante), em direção aos
fornecedores, ou para baixo (jusante), em direção aos distribuidores;
3) conglomerado ou co-seguro: quando envolvem firmas em ramos de atividade
não relacionados, cujo principal objetivo, na maioria das vezes, é a
diversificação de investimentos, visando a reduzir riscos e aproveitar
39
oportunidades de investimento.
Weston e Brigham citados por Camargos e Barbosa (2003) assinalam ainda que as
operações de aquisição congênere envolvem empresas que estão no mesmo setor de
atividades, mas que não atuam na mesma cadeia produtiva, ou seja, não são nem fornecedoras
nem clientes.
3ª) Década de 60 – Onda de Fusões de Conglomerados
Nas “Ondas de Fusões de Conglomerados”, Camargos e Barbosa (2003) retratam a
predominância das fusões que visavam a diversificação do tipo de conglomerado. É
estabelecida a união de diferentes atividades, como uma resposta às maiores restrições às
fusões horizontais e verticais introduzidas pelas alterações nas leis anti-truste em 1950.
Durante os anos 60, as aquisições foram influenciadas pelo boom do mercado de capitais e
encorajadas pelas inovações nos mecanismos financeiros. É interessante ater-se ao fato que,
nesse cenário, grande parte das fusões e aquisições registraram seu fracasso em conseqüência
da não observância do princípio fundamental de Adam Smith, que se refere ao aumento da
eficiência e produtividade através da especialização (TRICHES, 1996).
4ª) Década de 80 – A onda dos anos 80.
Finalmente, durante “A onda dos anos 80”, o processo de fusões e aquisições
constituíram um dos fenômenos de destaque no cenário econômico internacional, sendo que, a
partir dessa década, essa fase ganhou impulso com o intenso desenvolvimento tecnológico das
telecomunicações, dos transportes, além de maior integração dos mercados e abertura
econômica de muitos países. Nessa perspectiva, Camargos e Barbosa (2003) caracterizam a
onda dos anos 80 como sendo a da expansão empresarial e aproveita para enfatizar que se
trata de uma expansão devida não a investimentos em novas unidades de produção ou na
diversificação das atividades da empresa, mas na aquisição de outras. Esse fator teve impulso,
principalmente, devido à baixa de valor monetário das ações das empresas adquiridas. Triches
(1996) aponta o crash da Bolsa de Nova York, em outubro de 1987, como possibilitador de
empresas estrangeiras comprarem as americanas, o que resultou em uma explosão de
aquisições hostis. Além disso, nessa onda foi verificado um grande número de transações
entre organizações de mesmo porte, diferentemente das demais, nas quais predominaram as
negociações entre empresas de portes desiguais. No boom das fusões e aquisições dos anos
1980 na economia norte-americana era visada, principalmente, a expansão internacional das
40
grandes corporações multinacionais, enquanto nos anos 1990 esta atividade pode ser vista
como uma adequação inteligente a ambientes de negócios em constante mutação e adequação
determinada por um mercado em retração, com reformas governamentais e mudanças
tecnológicas.
No que se refere ao movimento em “ondas” das fusões e aquisições, Camargos e
Barbosa (2003) consideram que estes processos se efetivam em épocas de alta atividade
econômica, quando os mercados estão aquecidos. Já o momento de prospecção por
oportunidades de fusões e aquisições ocorre em épocas de baixa nestes mercados, em que as
empresas buscam associações ou passam por dificuldades financeiras. Nelson, citado por
Camargos e Barbosa (2003), conclui que as decisões de fusões e aquisições estão associadas a
motivações estratégicas de longo prazo, enquanto a concretização dos negócios está associada
às boas condições do curto prazo.
3.2 Impactos do Processo de Aquisição no Brasil
No Brasil, a redução das barreiras à entrada de capital estrangeiro da década de 1990
propiciou ao país inserir-se num mercado global, caracterizado pela concorrência que
começava a ultrapassar as fronteiras geográficas. Neste contexto, o processo de aquisição
empresarial tornou-se intenso. Estimuladas pela possibilidade de expansão, as organizações
buscam, nessas operações, as facilidades de acesso às novas tecnologias, mercados e
produtos; a ampliação de negócios já existentes; a penetração em novos mercados em curtos
períodos de tempo. Para Bonelli (2000), na origem de tudo isso estão diversos fatores
envolvidos como a globalização, o modelo de produção e finanças, fenômeno esse estimulado
pela extraordinária e crescente liquidez internacional associada à criação e à rápida
disseminação de novos instrumentos financeiros, destacando-se a expansão do progresso
técnico em atividades industriais e de serviços e as novas tecnologias de transmissão de
informações.
De acordo com a pesquisa realizada pela KPMG Consultores Independentes (2001),
um dos marcos na evolução do número de aquisições ocorridas no Brasil é a implantação do
Plano Real na economia. As fusões e aquisições podem ser separadas em dois grupos: as
operações entre empresas brasileiras – que são chamadas operações domésticas; e as
aquisições de companhias brasileiras por empresas estrangeiras – conhecidas como operações
41
cross borders. Constata-se que o número de operações de aquisições de empresas brasileiras
por empresas estrangeiras predominou ao longo deste período.
A aquisição contribui para o crescimento e competitividade das organizações, mas
grandes desafios são enfrentados pelos condutores deste processo para o alcance do sucesso
projetado. Apesar dessa operação consistir na integração técnica administrativa e cultural, “as
organizações participantes destes processos centralizam suas atenções nos recursos físicos,
mercadológicos e econômico-financeiros” (MONTEIRO, 200-, p.4). É pequena a
preocupação dispensada às pessoas (suas crenças, seus valores, sua natureza). Neste sentido,
Goldner, citado por Corbari, Huppes e Pacheco (2007, p.4), acrescenta:
os principais fracassos observados em processo de fusão e aquisição decorrem da
superestimação do valor da empresa; conflito de estratégias entre as empresas;
recursos e sinergias desejados; mercado no qual a empresa compete; capacidade de
colaboração no negócio da empresa adquirente; e, conflito entre culturas
organizacionais.
De acordo com Barros e Cançado, o sucesso da operação está relacionado ao
planejamento e a etapa de integração tem papel fundamental, pois quando “uma empresa é
incorporada à outra há o encontro de duas culturas diferentes, tendo cada uma delas
pressupostos, valores, crenças, modos distintos de interpretar a realidade, de organizar os
processos e de fazer acontecer” (2003, p.09).
Barros (2003) destaca a importância de estudar a cultura organizacional e que
raramente este esforço integra a etapa inicial do processo, sendo que, a história recente aponta
alguns fracassos provocados pela impossibilidade de integração de culturas organizacionais.
Senn (citado por BARROS, 2003) atenta em suas pesquisas para a necessidade de entender
previamente a cultura organizacional, lembrando que a maior causa isolada da não-
concretização do desempenho projetado pela equipe de avaliação é a incompatibilidade
cultural das empresas.
Nesta perspectiva, é necessária uma breve abordagem das fases do processo de
aquisições, identificando os pontos relevantes no que tange às dificuldades dos
administradores e condutores das negociações, bem como sua implantação.
Embora o foco desse estudo seja o processo de aquisição é necessário mencionar que,
em muitas vezes, o processo de Fusão é associado à discussão, pois ambas as operações são
tratadas pelos autores de forma conjunta, embora haja distinções entre seus aspectos
característicos.
42
3.3 As Fases do Processo de Aquisição
As áreas relacionadas aos modelos de fusões e aquisições são diversas, ao contrário do
que se pressupõe. Notadamente é comum pensar em finanças e administração, mas vemos que
outras áreas, tais como: a Comunicação, o Direito, a Contabilidade, os Recursos Humanos e a
Psicologia, têm forte apelo no que diz respeito às suas contribuições durante o processo.
Algumas empresas indicam uma equipe multidisciplinar capacitada e com experiência
para cumprir a etapa inicial do processo de aquisição, a due diligence, quando são feitos os
levantamentos e as análises sistematizadas sobre a empresa a ser adquirida. Mas essa não é
uma regra geral e o que normalmente acontece é a formação de uma equipe voltada para a
análise das implicações financeiras e questões legais que venham a influenciar a operação
(BARROS, 2003). De acordo com Barros, diversos autores apresentam que os casos mais
bem sucedidos envolvem equipes multidisciplinares nesta etapa inicial, devido principalmente
ao fato da empresa ser analisada por diversos ângulos. “A presença da multidisciplinaridade
possibilita uma visão mais estratégica de todas as competências da empresa” (BARROS,
2003, p.25). O processo de avaliação envolve o cálculo de sinergias e prêmios que estão
associados diretamente à adquirente e também questões jurídicas e contábeis na estruturação
do negócio, além da definição da efetivação financeira da negociação.
Autores como Barros e Cançado (2003), Camargos e Barbosa (2003), dentre outros,
definem uma metodologia para a avaliação de uma possível aquisição. Não se trata de uma
“receita de bolo”, mas orienta sobre o planejamento da adquirente, pois, através desses
tópicos, é possível fazer um diagnóstico eficaz para, concomitantemente, traçar
procedimentos que garantam a eficiência durante o processo.
O processo de avaliação proposto por esses autores, no que se refere à aquisição de
uma empresa ou ativo, podem ser estruturados nas seguintes etapas: motivação do negócio,
due diligence e carta de intenções, escolha da empresa-alvo, avaliação do negócio e
estruturação do negócio.
3.3.1 A Motivação do Negócio
43
Podemos dizer que a motivação é a “tacada inicial”, a base para o processo de estudo
de aquisição. A existência de uma motivação para a realização do negócio, além de embasar
qualitativamente a prospecção de uma empresa alvo que atenda às características procuradas
é, na maioria dos casos, a etapa inicial que justifica a continuidade dos estudos de avaliação.
O primeiro aspecto para adesão de algo, é o interesse por ele.
Como mencionado, as aquisições podem se dar por vários motivos: estratégicos,
econômicos, conjunturais, estruturais, entre outros. Em um mercado já saturado pela atuação
de empresas num setor, por exemplo, a única maneira de se inserir dentro da indústria ou
ampliar sua participação no mercado, é através da aquisição de alguma empresa já atuante.
Segundo Barros (2003), a lógica da maximização do valor é a motivação ligada
diretamente ao aumento do valor para os acionistas. Já a motivação do corpo diretivo está
relacionada ao mercado, ou seja, aumento do market share, resultando em sucesso para a
direção da empresa.
Para tanto, uma vez já estabelecida, a estratégia de entrada em um mercado, o
administrador pode fazê-la de duas diferentes maneiras. A primeira é o que chamamos de
crescimento orgânico que consiste no investimento em uma nova unidade
operacional/expansão, desenvolvimento de um novo produto/abertura do leque de produtos
etc. A segunda maneira é a aquisição de uma empresa que já opere no mercado em que a
adquirente pretende atuar, ou seja, a absorção da concorrente. Esta estratégia possui a
vantagem de reduzir o tempo de entrada, reduzindo também o risco de concretização do
negócio, uma vez que o grau de maturidade associado a uma empresa já operando é superior à
maturidade de um novo investimento.
Especialistas atentam para um cuidado especial no tocante a esta etapa, pois a
justificativa fornecida para compra da empresa ou ativo em questão guiará todo processo de
avaliação. Por ser um assunto multidisciplinar, permeado por diversas áreas do conhecimento,
são muitas as motivações que podem induzir uma empresa a analisar uma aquisição.
Normalmente, mais de uma justificativa é utilizada como razão para a realização da aquisição.
Camargos (2005) apresenta vários fatores (descritos no QUADRO 1) como motivação
para aquisição de uma empresa.
44
Quadro 1: Motivos para fusões e aquisições
Fonte: Camargos, 2005, p.36.
Para o motivo razões gerenciais, Camargos (2005) aponta a existência de três teorias,
bem como os autores que as defendem:
Expectativas Assimétricas
diferentes expectativas sobre o futuro levam os investidores a atribuírem valores
diferentes a uma mesma empresa, ocasionando propostas de compra
Irracionalidade Individual nas
Decisões de Dirigentes
justificativa hipotética para as fusões, segundo a qual, sob condições de incerteza, os
indivíduos nem sempre tomam decisões racionais; essa irracionalidade é diluída ou
anulada quando considerada de forma agregada na interação dos vários agentes
econômicos
Compensações e Incentivos
Tributários
advindos de créditos tributários, relativos ao fato de prejuízos acumulados por uma
das firmas envolvidas poderem ser compensados em exercícios futuros pela outra
firma que venha apresentando lucros
Custos de Reposição e Valores de
Mercado
situação existente quando os custos de reposição dos ativos de uma firma forem
maiores que o seu valor de mercado.
Busca de Economias de Escala e
Escopo
advindas de possíveis reduções nos custos em função do aumento do nível de
produção, maior racionalização do esforço de pesquisa e desenvolvimento, uso
conjunto de insumos específicos não divisíveis e transferência de tecnologia e
conhecimento (know-how)
Efeitos Anticompetitivos e Busca do
Poder de Monopólio
advindos de ganhos com o aumento da concentração de mercado e da conseqüente
redução da competição
Redução do Risco de Insolvência
advinda da fusão entre duas ou mais firmas com fluxos de caixa sem correlação
perfeita (F&As conglomerado e co-seguro)
Razões Gerenciais
as F&As podem ocorrer visando tanto o aumento do bem-estar dos diretores das
firmas, mesmo que a operação cause impacto negativo no valor de mercado de suas
ações, como a substituição de diretores que não estejam maximizando o valor de
mercado de suas firmas
Capacidades Adicionais e Sinergias
Operacionais
decorrentes do crescimento da demanda e da expectativa de aumento na riqueza dos
acionistas como resultado da fusão
45
1. Teoria do Mercado de Controle Corporativo, defendida por Manne, segundo a qual as
fusões e aquisições têm por objetivo a substituição de gestores ineficientes;
2. Teoria do Fluxo de Caixa Livre, defendida por Jensen, de acordo com a qual as fusões
e aquisições são formas de os gestores gastarem dinheiro ao invés de distribuí-los aos
acionistas;
3. Teoria da Maximização do Crescimento, defendida por Mueller, segundo a qual os
administradores maximizam o crescimento de suas firmas mais do que os lucros ou o
bem-estar dos acionistas.
Nesse sentido, ainda é colocado que a motivação para realização de fusões e
aquisições encontra suporte teórico nas Teorias da Firma e na Teoria da Agência.
(CAMARGOS, 2002; CAMARGOS & BARBOSA, 2003). Segundo essas teorias, os
principais motivos estão assim fundamentados:
1) Teoria Neoclássica da Maximização dos Lucros da Firma: em que as forças do
mercado motivam os gestores a tomarem decisões que maximizem o valor das
firmas e a riqueza dos acionistas. As firmas se engajarão em fusões e
aquisições se esses processos resultarem no aumento da riqueza dos acionistas
adquirentes, advindos de aumentos na rentabilidade, seja pela criação do poder
de monopólio, sinergias, ou substituição de gestores ineficientes nas firmas
adquiridas;
2) Teoria da Maximização da Utilidade Gerencial: além de um nível satisfatório
de lucro, os administradores tentarão maximizar sua utilidade (redução do risco
de perder seus empregos, aumento dos seus salários e de poder e satisfação no
trabalho), em detrimento da maximização da riqueza dos acionistas. Objetivos
que podem ser obtidos por meio do aumento do tamanho da firma, sendo as
fusões e aquisições uma forma rápida de consegui-los.
Camargos (2002) ainda aponta que as idéias e conseqüências dessas teorias afetam
tanto a distribuição de riqueza criada pelas firmas, como também aspectos relacionados aos
incentivos que os públicos envolvidos têm em investir e participar de atividades que resultem
na criação de valor no desenvolvimento das atividades das empresas.
46
3.3.2 Escolha da Empresa-Alvo – A Due Diligence
Esta etapa está diretamente associada à motivação do negócio. São realizadas de forma
conjunta ou até mesmo invertidas, ou seja, é feito – a priori – o estudo de um negócio/
empresa, e depois é despertado o desejo pela aquisição dele, daí então, parte-se para a etapa
seguinte, em que o negócio é avaliado com mais cautela. Nesse caso, a forma mais indicada
para a escolha de uma empresa é uma avaliação minuciosa do seu planejamento estratégico,
bem como na observância do seu desenvolvimento no mercado. Uma vez identificada a
maneira que a empresa irá alcançar a dimensão desejada, inicia-se uma prospecção por
oportunidades de investimento que se adequam ao plano e interesses da adquirente.
Barros (2003) classifica essa como sendo a primeira etapa de um processo de
aquisição também chamado de due diligence. São quando são feitos os levantamentos iniciais
e análises sistematizadas sobre a empresa a ser adquirida. Nesta etapa estariam focalizadas as
implicações financeiras e questões legais a influenciar na transação. A autora defende também
a focalização do trabalho das equipes multidisciplinares durante esse momento inicial,
atuando de forma estratégica nas questões que envolvem a qualidade dos recursos humanos,
do marketing, dos clientes, o estudo do capital humano.
Assim, due diligence é a investigação detalhada dos aspectos que envolvem a
operação que será realizada, possibilitando a implantação de medidas com a finalidade de
reduzir ao máximo os riscos que poderiam dificultar as negociações ou trazer problemas
futuros aos novos sócios. Portanto, o due diligence é recomendado para os compradores ou
partes interessadas que desejam conhecer passivos fiscais, trabalhistas, ambientais,
previdenciários, entre outros, que serão assumidos com a efetivação do negócio. A partir desse
processo é possível prever fatores importantes no curso das transações. Eventuais
contingências pontuadas poderão ser consideradas na negociação do preço e nas garantias
estabelecidas, tendo impacto fundamental no formato final da operação do contrato que será
formalizado entre as partes.
Para Klug, a integração dos gestores (CEO2) com o due diligence, é um fator de
extrema importância apontando que os resultados da avaliação “são críticos para a elaboração
de gamas de valor e o estabelecimento de parâmetros de negociação” (1995, p. 66). O autor
ainda pontua alguns dados que devem ser observados durante o due diligence, que, segundo
2 CEO é a abreviatura de Chief Executive Officer, o principal executivo de uma empresa. No Brasil, o título que
mais se aproxima é Diretor-Presidente
47
ele, servirão para garantir uma base para uma avaliação eficaz, estabelecendo quatro frentes:
1) Relação Produtos/Mercados: deverá ser observada a divisão de
volumes/margens por linhas de produtos, relacionando à projeção do
crescimento das vendas, seja de produtos já existentes, seja com os novos.
Ainda neste aspecto é necessária a avaliação das atuais necessidades, bem
como os custos de marketing e vendas futuras. Ainda, as tendências de
preços/margens, as futuras restrições, bem como as oportunidades.
2) Relação Operações/Organização: deverão ser observados aqui, os componentes
que fazem parte da organização como um todo, desde a estrutura operacional
(administrativo, financeiro, recursos humanos) e de produção, de forma a
identificar os custos e identificação de pessoas chaves.
3) Finanças: avaliação de dispêndio de capital; necessidade de capital de giro e o
impacto do crescimento; custos que permanecem, crescem ou declinam após a
aquisição; e as sinergias que poderão reduzir custos durante o processo de
aquisição.
4) Relação Negócio/Concorrência: devem ser criteriosamente observadas as ações
dos concorrentes que por ventura poderão afetar os preços ou a demanda; as
tendências gerais do mercado que estão diretamente ligadas à produção, e ou
serviço, que de certa maneira, poderão afetar as receitas ou custos.
Nessa perspectiva, Klug quer salientar que independente do segmento do negócio, o
processo de due diligence tem um objetivo comum:
a aquisição em potencial deve ser suficientemente bem compreendida para que se
possa julgar se os ganhos históricos reportados constituem a base certa sobre a qual
se pode avaliar a empresa, ou se são necessários ajustes para que aquele número
reflita razoavelmente a verdade (KLUG, 1995, p. 67).
Um ponto fundamental nos estudos relativos à aquisição de um ativo ou empresa é a
consideração dos custos de oportunidade. Antes de se adquirir qualquer que seja a empresa,
deve-se sempre considerar a possibilidade de aquisição de outros ativos similares disponíveis
no mercado. Desta maneira se considera a rentabilidade do capital da empresa investidora em
48
outros negócios, e garante que este é o melhor investimento a ser realizado dentre os
disponíveis no mercado.
A identificação da empresa alvo para os estudos necessários à aquisição está
intimamente ligada à motivação para realização do negócio. Listamos a seguir, algumas
relações entre a motivação para a realização da aquisição e as características da empresa alvo:
a) Subvalorização: Negociação abaixo do valor estimado;
b) Diversificação: Está em um setor diferente do negócio da empresa
compradora;
c) Sinergia Operacional: Existem características que criam sinergia operacional,
como economia de custos (com a economia de escala, caso atuem no mesmo
setor), crescimento mais alto (com potencial para abrir novos mercados ou
expandir os existentes); e
d) Sinergia Financeira: Existem características que criam sinergia financeira,
como a economia de impostos (propiciando um benefício tributário para o
comprador), uma maior capacidade de endividamento (sendo capaz de tomar
mais dinheiro emprestado a taxas mais baixas), possuir sobras de caixa
(possuindo ótimos projetos, mas não tendo fundos para investir).
e) Controle: Trata-se de uma empresa cujas ações tiveram desempenho abaixo do
mercado.
f) Interesse da Administração: Existem características que melhor atendem às
necessidades de poder de ego dos altos executivos.
Segundo Copeland et al. (2002) a classificação de fluxos de caixa incrementais indica
que as fontes possíveis de sinergia se encaixam em quatro categorias básicas:
A primeira está ligada ao aumento de receitas: um motivo importante para a realização
de aquisições é a possibilidade de que a empresa combinada gere mais receita do que as duas
separadas. O aumento de receitas pode resultar dos ganhos de marketing, benefícios
estratégicos e poder de mercado.
49
A segunda está ligada à redução de custos: para uma fusão é muito visada a
possibilidade de que a empresa combinada opere mais eficientemente do que as duas
empresas independentes. Uma empresa pode conseguir maior eficiência operacional de várias
maneiras, via fusão ou aquisição.
A terceira corresponde aos ganhos fiscais que podem ser um forte incentivo para
algumas aquisições, e por fim a quarta que é o custo de Capital que pode ser freqüentemente
reduzido quando duas empresas se fundem, pois os custos de emissão de títulos estão sujeitos
a economias de escala.
Através de pesquisa da DELOITTE (2006), uma das maiores organizações do mundo
na prestação de serviços de auditoria e consultoria, ficou evidenciado que o fator mais
relevante na identificação da empresa a ser adquirida é o seu setor de atuação. Há uma
preferência, pela empresa adquirente, por organizações que estejam inseridas no seu mesmo
segmento de mercado ou, pelo menos, em um setor similar ou complementar. A pesquisa
contou com a participação de 204 empresas com faturamento anual superior a R$ 50 milhões
e que atuam em todo o território nacional. Elas responderam a questionários aplicados nos
meses de outubro, novembro e dezembro de 2005.
3.3.3 Avaliação do Negócio:
Nesta fase, são analisados fatores como o alinhamento estratégico, restrições para
aquisição, disponibilidade de recursos, forma de participação no negócio, entre outros. É
considerada, por alguns autores, a etapa mais importante dentro do processo de avaliação de
uma aquisição. A avaliação do negócio envolve estudos detalhados na análise estratégica, na
análise dos concorrentes, no alinhamento estratégico, em variáveis macro-econômicas, no
estudo apresentado pela due dilligence, na avaliação econômica sob o ponto de vista do
comprador e da empresa alvo, na valoração das sinergias identificadas na proposição do
negócio.
[...] o conhecimento do negócio de uma aquisição em potencial é crítico. A avaliação
da aquisição em potencial – que inclui a determinação de um preço justo para ela – é
parte integrante de uma atividade de desenvolvimento corporativo bem dirigida.
(KLUG, 1995, p.64,)
Procura-se, contudo, identificar três diferentes valores: o valor dos ativos tangíveis e
50
intangíveis, o valor associado à melhora da gestão destes ativos e as possíveis sinergias
decorrentes de uma gestão conjunta entre as duas empresas.
É importante ressaltar que, como qualquer atividade de maior complexidade no mundo
contemporâneo, a venda ou a compra de uma empresa requer um conhecimento especializado
sobre como conduzir o processo, tanto em âmbito administrativo e ou financeiro, quanto nas
relações com os públicos estratégicos. A negociação de uma empresa é um processo
complexo, em que a metodologia é fundamental. O encaminhamento adequado da avaliação
da empresa que está sendo negociada, as comparações com outras empresas do ramo que já
foram negociadas, a busca dos eventuais interessados, a condução adequada das negociações,
a estruturação correta do negócio, são todas, questões fundamentais para o empresário e ou
administrador que deseja ingressar em um processo de aquisição. Nesse aspecto, objetivando
a maximização do valor para o acionista, as empresas estabelecem um planejamento
estratégico e estipulam objetivos e metas para suas diversas áreas de negócio. Normalmente,
entre as metas estipuladas, podem-se encontrar itens como a oferta de novos produtos,
aumento do market share, alcance de índices financeiros de excelência, entre outros.
Sob esta ótica, diversos autores fazem uma abordagem em que dizem que o objetivo
de qualquer administrador é a maximização de valor das empresas. Para tanto, os indivíduos
que nela atuam têm como foco, a criação de empresas mais saudáveis, ou seja, que possuem
uma economia mais sólida, padrão de vida mais elevado e maior oportunidade de carreira e de
negócios. Ainda nesta perspectiva, afirmam que a análise do valor de sua empresa não deve
limitar-se apenas à avaliação financeira, deve, fundamentalmente, começar pela avaliação
estratégica da aquisição (ou fusão) dentro dos planos de longo prazo da empresa adquirente.
A avaliação de uma empresa aborda vários aspectos, tais como: avaliação financeira e
estratégica dos negócios, avaliação operacional, avaliação de projetos imobiliários,
negociação, contratos, mercado de capitais etc. Vale ressaltar, então, que nos processos de
fusões e aquisições é necessário um esforço em equipe para produzir melhores resultados.
Um dos fatores que contribuem para o fracasso de uma aquisição é quando o
adquirente negligencia a importância da construção de uma base estratégica e ou
programa qualificado para efetuar tal processo. (BIBLER, 1995, p.27)
Para autores como Copeland et al. (2002, p.VIII), a criação de valor para as empresas
está ligada à aquisição de ativos de negócios. Ao fazer esta reflexão, no que se refere ao papel
dos administradores na atual realidade, afirmam que “na busca pelo valor, eles percebem que
devem considerar alternativas tão radicais quanto vender as „jóias da coroa‟ ou reestruturar
51
completamente o aspecto operacional”.
3.3.4 Estruturação do Negócio e Forma de Pagamento
A Estruturação do Negócio é a etapa responsável por definir a forma de incorporação
da empresa alvo à empresa compradora, tendo influência direta nos cálculos tributários e
impactos fiscais da transação. Esta etapa, à semelhança das duas primeiras etapas do processo,
deve ocorrer paralelamente à etapa de Avaliação do Negócio.
É necessário mencionar também o processo conhecido como Forma de Pagamento que
define como será concluída a negociação. A Forma de Pagamento é reconhecida, por alguns
autores, como decisiva e em linha com a expectativa da próxima etapa. Esta pode ocorrer com
dinheiro (equity ou debt) ou com ações da própria empresa compradora.
3.3.5 Pós-Aquisição
Fase final do processo de avaliação de aquisições. É nesta fase que a gerência irá
buscar a realização e implantação das sinergias e prêmios identificados e quantificados na fase
de Avaliação do Negócio. Neste caso, a aquisição realizada com pagamento em ações pode
colaborar para um maior comprometimento da empresa alvo na busca pela excelência
operacional, uma vez que esta ficará mais envolvida com o processo de gestão.
Para tanto, Copeland et al. (2002) afirmam que a excelência do programa está na
estratégia adotada, e é fato que, um bom planejamento resulta na efetividade do processo.
Defendem ainda que um programa abrangente de aquisição deve compreender algumas
tarefas fundamentais:
1) Estabelecimento de responsabilidades no nível de políticas
2) Desenvolvimento de um plano de aquisição
3) Definição de critérios de aquisição
4) Identificação de todos os candidatos em potencial para aquisição
5) Estabelecimento de contatos eficazes com os candidatos
52
6) Realização da due diligence
7) Negociação de termos que preservem os benefícios identificados
8) Aproveitamento dos benefícios através de uma integração pós-aquisição eficaz.
Essas tarefas relacionadas acima serão avaliadas na descrição dos casos apresentados
no próximo capítulo de forma a identificar quais foram as estratégias adotadas em cada
processo, de modo a estabelecer um diálogo com processos comunicacionais que, se
desenvolvidos paralelamente às estratégias administrativas, facilitariam o processo de
aquisição.
53
4 DESCRIÇÃO DOS CASOS
Como analisado no capítulo anterior, vários fatores são apontados como motivação
para aquisição de uma empresa, tais como: expectativas assimétricas, irracionalidade
individual nas decisões de dirigentes, compensações e incentivos tributários, busca do poder
de monopólio, e capacidades adicionais e sinergias operacionais, entre outros.
Assim como outros programas corporativos importantes, os altos gerentes precisam se
encarregar das decisões críticas que cercam tanto a estratégia global como as transações de
aquisições individuais. Para tanto, o papel dos executivos de uma empresa fica evidente
durante o curso do processo. Sabemos que ganham crédito pelo sucesso, assim como são
responsabilizados pela culpa quando uma transação é mal planejada ou mal executada. E é
nesse aspecto que ressaltaremos a importância de uma força interna para a execução do
processo, tendo por base os casos a serem analisados. A evidência de uma equipe bem
treinada e capacitada, evidenciada a presença de um processo comunicacional estratégico na
condução do processo, pode indicar, ao final, um processo bem sucedido.
Para isso, os executivos têm que prever falhas, bem como oportunidades e planejar
todo o processo antes mesmo de começá-lo. Nesse sentido, identificaremos nos casos
apresentados por Barros (2003), sob a perspectiva da comunicação organizacional estratégica,
acertos e possíveis falhas, tendo como parâmetro as fases do processo de aquisição.
Para melhor entendimento e exploração do caso, traçamos uma estrutura de análise
que será aplicada a todos. Em primeiro momento apresentamos um breve histórico de cada
empresa envolvida no processo, identificando sua origem, sua trajetória, seu comportamento
no mercado e participação em outros processos de aquisição; em segundo lugar, apontamos o
que foi observado durante o processo, bem como a forma com que foi conduzido; e por
último, abordaremos a presença de aspectos ligados à comunicação, identificando os
principais formatos apresentados.
4.1 ABN AMRO/BANCO REAL
4.1.1 Histórico das Empresas Envolvidas
Histórico do ABN AMRO
Resultado de uma fusão, em 1991, do Banco ABN com o centenário banco holandês
54
AMRO, o grupo ABN AMRO ocupava, em 1996, o 14º lugar no ranking dos bancos mais
importantes do mundo. Seus principais mercados eram os Países Baixos e os Estados Unidos,
onde as aquisições feitas pelo grupo o transformaram no maior banco estrangeiro estabelecido
no país.
Histórico do BANCO REAL
De origem brasileira, o Banco Real foi fundado em 1925, em Belo Horizonte/MG, pelo
Dr. Clemente de Faria. Com a compra de vários bancos regionais brasileiros desde a sua
fundação, o Real transferiu sua sede para São Paulo. Entre as operações do grupo destacavam-
se, além do banco comercial, companhias de seguro e crédito imobiliário, subsidiárias da área
de tecnologia de informações e uma pequena agência de viagens. De acordo com Barros
(2003), as atividades do banco comercial estavam focadas em operações de empréstimo
comercial de curto prazo e serviços transacionais para clientes corporativos e individuais. Em
1998, o Banco Real, dentre os bancos privados, ocupava o quarto lugar em depósitos, redes e
ativos.
4.1.2 Avaliação do Cenário (Motivações)
Em 1998, o ABN AMRO passava pelo processo de redefinição de suas estratégias
gerais de atuação e com a reafirmação dos valores centrais do banco. A idéia de tornar-se um
banco universal, que oferecia serviços integrados (com produtos e serviços para todos os
segmentos de clientes), através de todos os canais de distribuição disponíveis sob uma única
marca, era considerada como o melhor conceito de longo prazo e foi adotado como princípio
estratégico básico do grupo.
A visão da estratégia do grupo era que “adicionalmente aos Países Baixos e ao Meio
Oeste americano, nosso foco predominante são os mercados emergentes” onde os clientes, as
perspectivas de mercado e os bancos locais de todos os segmentos estariam menos
desenvolvidos e eram apresentadas as melhores oportunidades de crescimento para um banco
estrangeiro (BARROS, 2003, p.51).
A América Latina representava um mercado atraente e enquadrava-se no foco
estratégico do ABN AMRO principalmente pelas suas características de possibilidades de
expansão e pela negligência com que, até então, o Grupo tratava a região. De acordo com o
Chefe de Operações para a América Latina, Floris Deckers, a região era descrita como a de
55
um buraco negro: “Ninguém no ABN entendia, na verdade, a América Latina e apenas
algumas pessoas falavam espanhol. Eu, de meu lado, não tinha qualquer afinidade, simpatia
ou sentimento pela América Latina” (BARROS, 2003, p.53).
Em um primeiro momento, as ações do ABN AMRO voltaram-se para a Argentina,
pois os investimentos para o Brasil foram considerados muito altos e a tática de crescimento
eram as aquisições de bancos nacionais ou subsidiários de outros multinacionais. Com a
melhora da situação financeira do mercado brasileiro – pelo recém instituído Plano Real – e a
compra sucessiva de bancos estatais e ineficientes por grandes grupos europeus,
principalmente espanhóis, diversos executivos do grupo ABN AMRO estavam receosos de
que a janela para aquisições se fechasse subitamente, principalmente porque estavam à
disposição para venda somente bancos com desempenho ruim – os bad banks.
Para mudar o foco inicial e passar a concentrar sua atenção no Brasil, a discussão
sobre as estratégias para o continente tomaram novos rumos e identificaram-se condicionantes
estabelecidas para as aquisições, dentre elas, a de que teria que ser um banco privado, pois os
bancos estatais tinham uma cultura muito diferente, e uma forte cadeia de varejo, a fim de
complementar as operações já desenvolvidas pelo ABN AMRO, dentro do conceito de banco
universal. “Esse conjunto de circunstâncias, de fato, transformou o Banco Real, na
perspectiva mais interessante” (BARROS, 2003, p.55). Com a base de clientes do banco
comercial compreendendo cerca de dois milhões de clientes de varejo de média e alta rendas,
duas mil grandes corporações, 2,4 mil empresas de porte médio (com faturamentos entre US$
20 milhões e US$ 70 milhões) e 115 mil pequenas empresas, o Banco Real tinha a imagem de
bem administrado, bastante conservador, com administração centralizada em seu executivo
chefe, Dr. Aloysio Faria, que era avesso ao risco e tinha alto nível de eficiência na sua área de
tecnologia de informação, contando com sistema de informações gerenciais que incluía
resultados por segmento de clientes, linha de negócios e filiais.
4.1.3 A Due Diligence e a Carta de Intenções
Em novembro de 1997, o chefe de operações na América Latina, Floris Deckers
decidiu agir não somente avaliando detalhadamente o Unibanco, mas abordando também o
Banco Real. A primeira resposta da direção do banco foi negativa, tendo em vista que o Dr.
Aloysio Faria não estava convencido da venda do banco, que, além de ter sido fundado por
seu pai, era um empreendimento bem sucedido.
Tendo em vista as discussões com o Presidente Executivo do Banco Real sobre as
56
avaliações do contexto do banco e do mercado, Dr. Aloysio, apesar de ainda não estar
interessado na venda, concordou em avaliar a idéia e testar a hipótese com a definição das
qualidades que esperava de um pretendente aceitável. De acordo com Barros (2003) foram
estabelecidas as seguintes condições:
1) O candidato tinha que ser forte e, em seu ponto de vista, nenhum banco
privado nacional, era grande o suficiente;
2) O banco estrangeiro teria que estar disposto a pagar bem, já que a rede de
varejo e a marca seriam valorizadas;
3) As discussões tinham que ocorrer em completo segredo, já que qualquer banco
brasileiro que estivesse à venda seria, a priori, considerado problemático; e
4) O pretendente deveria ter características culturais semelhantes, de forma a
“garantir” o estilo do banco no trato com seus funcionários, além de não ter
rede de agências, para que a compra não provocasse demissão em massa.
Para se ter uma idéia da preocupação do Banco Real com o sigilo do processo, a
terceira condição foi determinada em função dos bancos americanos, pois os bancos europeus
eram vistos como mais discretos no desenvolver das negociações.
Em janeiro de 1998, foram iniciadas as discussões, mas facilitadores externos nunca
foram chamados a participar das negociações, que envolveram poucos executivos que se
encontravam secretamente. A administração regional do ABN AMRO fez um pedido formal,
em março de 1998, à matriz corporativa para que permitisse a assinatura de uma carta de
intenções, com a proposta de adquirirem-se as ações do Dr. Aloysio Faria, que representavam
o controle total do grupo.
4.1.4 Formalização do Processo de Compra
O investimento total, em um cenário mais provável, chegava a aproximadamente US$
2,8 bilhões, incluindo a compra das ações do Dr. Aloysio e dos acionistas minoritários. Barros
(2003) destaca que havia um sentimento nacionalista que pressionava para que o Banco Real
fosse vendido para algum dos grandes bancos nacionais, o que significava uma pressão para
que a oferta do ABN AMRO não fosse mais baixa, caso contrário perderia o negócio.
Na avaliação de executivos do ABN AMRO, a aquisição do Banco Real representava
um grande negócio com a aquisição de um banco sadio e de boa reputação, pertencente à
57
primeira categoria dos bancos brasileiros, além da impulsão do grupo à quarta posição entre
os bancos privados brasileiros (BARROS, 2003).
4.1.5 A Percepção da Comunicação no Processo
O anúncio da aquisição do Banco Real foi feito de forma cuidadosa considerando um
discurso direcionado ao mercado e outro discurso, especial, direcionado aos funcionários
deixando claro que a partir daquele momento estava estabelecida “uma parceria entre
vencedores” (BARROS, 2003, p.60).
A percepção deste anúncio teve um grande impacto no corpo social do Banco Real,
com o sentimento de “abandono pelo grande pai” – Dr. Aloysio Faria. Com uma cultura
baseada no paternalismo, tendo à frente a figura do Dr. Aloysio, era natural se esperar esse
sentimento por parte dos funcionários, principalmente, pela operação ter sido cercada de
muito sigilo, como determinado pela direção do Banco Real no início do processo. Para
reforçar o discurso de que se tratava de uma aquisição baseada no sucesso do Banco Real, e
não de seu fracasso, os altos executivos estavam atentos e direcionando o discurso no sentido
de exaltar as qualidades do Real que instigou o processo de aquisição.
Com um de seus valores mais fortes – a cautela do respeito – o ABN AMRO
estabeleceu um forte plano de integração, baseado na cooperação, já verificada no processo de
due diligence. A preocupação com as pessoas, a cultura e o estilo das organizações fez, de
acordo com Floris Deckers (BARROS, 2003, p.61), com que fossem formados, com “os
melhores de cada setor”, grupos de trabalhos com objetivos definidos para atuarem em várias
frentes ao mesmo tempo no processo de integração.
Vários pontos da cultura do Banco Real foram percebidos pelo ABN AMRO somente
após a aquisição, mas para Fábio Barbosa, brasileiro contratado pelo ABN no momento em
que o grupo definiu como foco a América Latina, era de se esperar a diferença cultural, pois o
“Banco Real tem traços típicos da empresa brasileira: centralização, paternalismo, lealdade às
pessoas e evita-se o conflito com superiores de forma dramática” (BARROS, 2003, p.61). Já o
ABN AMRO apresentava os traços culturais da cultura Guiada por Míssel, identificada em
grandes organizações como a descentralização, o debate, a lealdade às organizações e,
principalmente, a orientação voltada para o cumprimento das tarefas. Conscientes das
diferentes culturas organizacionais e de ser esse o principal fator por trás das operações de
fusões e aquisições fracassadas, os executivos do ABN AMRO comprometeram-se com essa
questão através do processo de integração. Foi contratada uma empresa, especialmente, para
58
elaborar o diagnóstico cultural e foi feito um processo intenso de comunicação.
Para não permitir que uma comunicação informal se estabelecesse com vigor através
dos fluxos informais, até mesmo porque esse comportamento tinha campo para se desenvolver
tendo em vista o sentimento de abandono dos funcionários do Banco Real, a direção do
processo utilizou de todos os meios disponíveis para esclarecer o processo e os dois principais
executivos do ABN AMRO visitaram pessoalmente mais de 500 filiais do banco entre 1998 e
1999. Foram contratadas oito consultorias e o trabalho foi desenvolvido em um novo pacote
de benefícios e capacitação das equipes para que o processo fosse descentralizado – o que
garantiria agilidade – sem grandes rupturas.
Alguns valores do Banco Real foram mantidos pelo ABN AMRO, o que provocou um
comportamento nos negócios de acordo com o previsto. Os cuidados para uma transição sem
rupturas são refletidos através da reunião dos comitês de integração, inclusive o de Recursos
Humanos, que continuaram se encontrando, após a operação de aquisição, com o objetivo de
acompanhamento. Mesmo assim alguns pontos não foram superados: “O ABN AMRO diz
que é transparente, porém o grupo ex-Real queixa-se da falta de transparência, o que na
linguagem do Banco Real significa ausência de instruções claras, detalhadas e limites
definidos” (BARROS, 2003, p.62). Diante dos problemas identificados na falta de
similaridade da linguagem entre os dois grupos, foram realizados seminários de integração
cultural com os 200 principais funcionários, na expectativa da disseminação das informações
e da nova filosofia, o que não foi suficiente, pois de acordo com Barros “não chegou à base”
(2003, p.62). Uma nova marca do Banco Real, agora acrescida da logomarca do ABN AMRO,
foi lançada para o público interno em outubro de 1999. Como não houve resistências, o que
surpreendeu a equipe de transição, no final de janeiro do ano seguinte, lançou-se a marca para
o público externo, por meio de uma ação de comunicação. Em 2001, os bons resultados da
integração são demonstrados:
Com grande esforço em treinamento e gestão do processo de integração, a primeira
fase do processo teve como foco mudar o estilo do exercício do poder buscando um
modelo mais participativo. Desenvolver sistemas de acompanhamento e controle
mais rigorosos e capacitar o grupo gerencial foram metas atingidas nessa primeira
etapa do processo. (BARROS, 2003, p.63).
Mudanças significativas aconteceram, em nível mundial, no ABN AMRO Bank, no
ano de 2000. Essas mudanças envolveram, principalmente, a implantação de um novo
pensamento organizacional estratégico.
No ano de 2002, 4 anos após o início do processo de aquisição, o Banco Real já
59
percebe certa acomodação da estrutura, mas ainda são levantadas questões com relação ao
sentimento de pertencimento através das seguintes indagações: “quem cuida de minha carreira
e salário se meu chefe direto está em outra parte do mundo e não acompanha o meu dia-a-
dia?” ou “a que empresa eu pertenço?”. De acordo com Barros “o reequilíbrio, parte induzido
formalmente, parte acontecendo natural e informalmente magnetizado pela reconhecida
liderança do presidente no Brasil, começou a instaurar-se” (2003, p.66).
Um dos fortes projetos que ajudaram a consolidar, localmente, o processo de mudança,
foi o programa de Responsabilidade Social, consistente com a estratégia do banco e com
impactos na gestão da organização, na gestão de clientes e no mercado. Ao final de todo
processo teve se a percepção de que a mudança baseada na qualidade dos serviços e pelos
valores da organização foi o grande diferencial em todos os momentos.
4.2 BANCO ITAÚ/BANCO FRANCÊS E BRASILEIRO
4.2.1 Histórico das Empresas Envolvidas
Histórico do BANCO ITAÚ
O Banco Itaú foi fundado em 1945 e sua trajetória de crescimento é marcada por
fusões e aquisições. De acordo com Barros (2003), a partir de 1972, é iniciado o ciclo de
aquisições do banco, o que possibilita ao grupo o acúmulo de experiências na administração
de instituições financeiras totalmente distintas, sejam estas de origem pública ou privada,
nacional ou estrangeira.
O foco das estratégias do Itaú está relacionado a um balanceamento equilibrado de
crescimento com rentabilidade, buscando criar valor para o acionista em longo prazo. Entre
suas operações estão as carteiras comercial, de investimentos, de crédito ao consumidor e de
crédito imobiliário. Em 2001, o Banco Itaú foi reconhecido como a marca mais valiosa do
Brasil e classificado como o segundo maior banco privado do país.
Histórico do BANCO FRANCÊS E BRASILEIRO
Uma das filiais do banco francês Crédit Lyonnais, o Banco Francês e Brasileiro (BFB)
foi instalado no Brasil no final da década de 1940. Ganhou expressividade na década de 1970
60
quando alcançou o segundo lugar entre os bancos estrangeiros e o 14º lugar geral no ranking
geral dos bancos. O BFB baseava seu crescimento no atendimento a pessoas jurídicas, pelo
menos até a década de 1980, quando decidiu atender também a pessoas físicas. Para atender a
uma clientela de alta renda, com elevada capacidade de poupança e investimento, o banco
reestrutura-se criando duas linhas: o societé para pessoas jurídicas e o personnalité para
pessoas físicas.
De acordo com Barros: “A estratégia de posicionamento contemplava mudanças que
iam desde a melhoria física das agências até campanhas de marketing para fixar o BFB como
marca de qualidade e excelência” (2003, p.72). Em 1995, o BFB era considerado o maior
banco estrangeiro do Brasil em patrimônio líquido e ativo.
4.2.2 Avaliação do Cenário (Motivações)
Em 1993 o Banco Itaú, para oferecer aos seus clientes atendimento e produtos
personalizados, cria um modelo de segmentação que favorece a oferta de serviços
personalizados e o desenvolvimento de um suporte operacional altamente padronizado. Nesta
segmentação destacam-se: o Itaucorp (grandes corporações), Itaú Empresas, Itaú Private
Bank, e o Itaú Agências (pessoas físicas com renda inferior à R$2.000) (BARROS, 2003).
Com a crise enfrentada no final da década de 1990 pela matriz francesa do Crédit
Lyonnais e, mesmo com a independência entre a matriz e suas filiais, o grupo coloca à venda
suas participações em instituições na América Latina para cobrir os prejuízos.
O anúncio da venda do Banco Francês e Brasileiro desperta na direção executiva do
Banco Itaú o interesse e a motivação para a negociação. No início da década de 1990, o Itaú já
tinha tido acesso a uma pesquisa que apontava o BFB como o maior banco de prestígio entre
o segmento de alta renda e sua possível aquisição traria ao grupo a experiência e tecnologia de
relacionamento desenvolvida entre o BFB e seus clientes e fortaleceria um dos segmentos
adotados pelo Itaú em 1993. Coincide também neste contexto a retomada da estratégia de
crescimento do Itaú impulsionada pela estabilização da economia.
A compra do Banco Francês e Brasileiro representaria ao Itaú a ampliação de sua
penetração nos segmentos em que o BFB detinha maior competência, “como no atendimento
a pessoas físicas de alta renda – Personnalité – e em operações mais complexas com moedas
estrangeiras e financiamentos de comércio exterior – Societé” (BARROS, 2003, p. 73).
Nessa perspectiva, Barros (2003) ainda aponta outras peculiaridades do BFB, como
seu traço pessoal muito diferente sem a orientação por pesquisas. Em suas características
61
eram apontados fatores intuitivos, criativos e, sobretudo voltados para o cliente, estratégia que
o fizera tornar-se o maior banco estrangeiro do país em tão pouco tempo, tendo em vista o
cenário competitivo. Essas características podem ser consideradas mais um valor agregado e
potencial motivação para uma aquisição. Para a autora, “essas características aliadas à
racionalidade própria do Itaú conformavam dois mundos diferentes, mas complementares”
(2003, p.79).
4.2.3 A Due Diligence e a Carta de Intenções
O processo de venda do Banco Francês e Brasileiro iniciou-se em fevereiro de 1995 e
possuía critérios para a participação e avaliação do banco e do mercado. Em um primeiro
momento havia oito interessados e após a abertura da documentação para consulta, somente
três instituições permaneceram: BankBoston, Banco Itaú e Sogeral (de origem francesa).
Em julho do mesmo ano, o Itaú enviou carta de intenções ao Crédit Lyonnais fixando
as condições e exigindo exclusividade. Um dos pontos positivos que o Itaú adotou neste
momento foi a definição de um profissional para coordenar todo o processo de due diligence:
“o Itaú elege um coordenador do processo e indica um executivo de cada área do banco para
analisar os dados, formular questões e entrevistar o executivo do banco a ser comprado,
responsável pela área equivalente” (BARROS, 2003, p.74)
Nesta etapa, de acordo com Barros (2003), o grupo Itaú pode avaliar as suas
impressões sobre o BFB, confirmando assim o desejo de aquisição, pois se esperava que o
BFB viesse agregar valores aos produtos do Itaú, assim como aos seus procedimentos.
Segundo alguns executivos que participaram do processo, “Operar o segmento personnalité,
por exemplo, exigia muita flexibilidade e nós não agíamos assim” (BARROS, 2003, p.74)
4.2.4 Formalização do Processo de Compra
Em outubro de 1995 a aquisição é confirmada com a assinatura do contrato. Em
seguida, o Itaú assume a gestão do BFB mantendo o seu nome, mas inicia uma série de
mudanças na estrutura administrativa, de forma a otimizar as áreas administrativas dos bancos
e mantê-los separados na área comercial. O processo foi conduzido por dois executivos do
Itaú, cada qual responsável pelos segmentos de atendimento do BFB: o societé e o
personnalité. As reuniões com executivos dos dois bancos eram freqüentes e as decisões do
grupo Itaú eram comunicadas com riqueza de detalhes para os executivos do BFB. De acordo
62
com Barros “o Itaú desejava fazer a incorporação do BFB sem perder algumas características
para o tipo do negócio, que no BFB eram mais fortes, como a criatividade e a flexibilidade”
(2003, p.77).
Apesar de separados na parte comercial, muitas adaptações foram promovidas pelo
Itaú nos segmentos societé e personnalité como a integração de competências e
informatização dos procedimentos. Com isto houve a melhora em vários aspectos do BFB e a
implementação de vários mecanismos de controle inexistentes anteriormente.
4.2.5 A Percepção da Comunicação no Processo
Os funcionários do Banco Francês e Brasileiro já sabiam, bem antes do início do
processo de aquisição, que o banco poderia ser vendido e a decisão da matriz francesa já
repercutia, prejudicando o clima e a performance do banco, principalmente com a falta de
recursos para investimentos e de motivação para a manutenção das pessoas na empresa.
Durante a due diligence, com a presença de três bancos como possíveis adquirentes
para o BFB, seus funcionários já construíam possíveis cenários. Entre as preferências estavam
o BankBoston que tinha um perfil parecido com o BFB e o Sogeral que, também de origem
francesa, sugeria poucas mudanças ao modelo do Francês e Brasileiro. O Itaú era o último na
preferência dos funcionários, pois se previam demissões e a mudança de estilo e foco de
atuação, com a transformação do BFB em um banco tipicamente de varejo. Esse temor era tão
forte que, no anúncio da venda do BFB, o único fato que causou inquietação no corpo social
foi o novo dono do banco. “Os empregados pensaram: não vai sobrar pedra sobre pedra.
Vamos nos transformar em um banco de varejo, totalmente informatizado e com
procedimentos padronizados” (BARROS, 2003, p.75). Alguns clientes também manifestaram
receio de perder o atendimento personalizado e distinto que o BFB reservava a eles.
Diante da percepção desse cenário, o Itaú anunciou ao mesmo tempo da divulgação do
negócio, que o BFB seria totalmente preservado. Mesmo assim ocorreram mudanças
significativas em agências localizadas em cidades de médio porte com a sua transformação,
em todos os aspectos, em uma agência do Itaú. Percebe-se nesse momento que a estratégia do
Itaú ainda era uma incógnita para seus „novos‟ funcionários.
A diferença cultural entre os dois bancos foi evidenciada neste momento, pois, de
acordo com funcionários do BFB, “muitos colegas queriam viver no passado e não encaravam
a nova realidade. O BFB era um banco de bancários e não de banqueiros” (BARROS, 2003,
p. 76). O Itaú, após dois anos da aquisição, incorporou o segmento societé ao Itaucorp, que
63
atuava na mesma linha. Esse tempo era necessário e fazia parte da estratégia do Itaú para que,
ao fazer a incorporação, algumas características importantes para o segmento não se
perdessem, como a flexibilidade e a criatividade que os funcionários do BFB possuíam. Mas a
maioria das pessoas reconhece que esse momento foi necessário para a implantação das
mudanças de controle e procedimentos das atividades bancárias. No momento da
incorporação, os clientes não demonstraram qualquer preocupação com a mudança, o que
pode ser resultado da estratégia de anúncio desta nova fase do banco. Segundo Barros, “para
concretizar a incorporação foram realizadas visitas e almoços com todos os clientes para
informar as razões da mudança” (2003, p.78).
Com o segmento personnalité, o Itaú adotou o mesmo comportamento preservando
inicialmente as atuações de forma separada. “Se concordávamos que Know-how de
atendimento e diferenciação de produtos tinha valor para o Itaú, não podíamos ceder à
tentação de buscar todas as sinergias. Mantivemos toda a operação bem distinta” (2003, p.79).
O Itaú realizou várias pesquisas de mercado para entender as necessidades e as expectativas
dos clientes e o comportamento dos bancos concorrentes, para assim compreender e definir
melhor esse segmento. Como já dito anteriormente, as características do Banco Francês e
Brasileiro, de flexibilidade e criatividade voltadas ao relacionamento personalizado com os
clientes, refletiu em melhoria substantivas na carteira de crédito e em maior agressividade de
vendas para o Itaú. O banco, na comunicação com os funcionários, destacava a continuidade
do estilo “BFB Personnalité” afastando a especulação sobre a perda desse diferencial de
relacionamento com os clientes. Como o BFB era um banco mais informal, no sentido da
linha hierárquica, e com seus funcionários sendo mais autônomos, alguns fatores críticos
foram apontados no momento para manutenção do BFB Personnalité como:
1) Manutenção de uma política de recrutamento e de remuneração diferente da
praticada pelo Itaú;
2) Realização de pesquisas com clientes;
3) Monitoramento freqüente das reações dos clientes a qualquer mudança
introduzida;
4) Cuidado com os detalhes em qualquer abordagem com o cliente;
5) Reforço da marca Personnalité; e
6) Intensificação do relacionamento com os clientes.
Com o tempo, os clientes assimilaram a aquisição do BFB e o Itaú praticamente não
64
perdeu clientes por esse motivo. A mudança da marca foi cuidadosamente anunciada a eles em
fevereiro de 1999. Uma das ações do banco foi o envio, a cada um, de um vídeo e de uma
carta personalizada explicando as razões da mudança. Fator importante para o processo de
integração entre o BFB e o Itaú é que o adquirente não ignora as dificuldades surgidas no pós-
aquisição. “Nesses anos, o Itaú Personnalité foi construindo sua identidade. Deixou de ser
BFB, assumiu algumas características do Itaú e moldou, principalmente, por meio dessas
influências, traços que o diferenciam de seus concorrentes e do próprio Banco Itaú”
(BARROS. 2003, p.82).
Ao final do processo de integração, os antigos funcionários do BFB, por
experimentarem no antigo banco relações mais flexíveis, autônomas e criativas, apontaram
que a cultura do Banco Itaú é mais focada na busca de resultados do que nas próprias pessoas.
E no Itaú as tarefas são totalmente monitoradas e são base para as avaliações, concessão de
bônus e recompensas. A um corpo de funcionários que se voltava mais para o bom
relacionamento e a amizade entre os colegas de banco, os „novos‟ funcionários tiveram que se
adaptar ao estilo do banco Itaú. A partir dos modelos apresentados por Trompennars é
possível identificar os traços da Cultura Torre Eiffel no Banco Itaú e os traços da Cultura
Incubadora no Banco Francês Brasileiro.
É importante destacar que as práticas desenvolvidas pelo Banco Francês e Brasileiro e
a sua competência no segmento personnalité agregaram ao Itaú, na parte de pesquisa e
desenvolvimento, operações mais sofisticadas, que refletiram, inclusive, em uma tesouraria
mais arrojada e o reforço do atendimento personalizado aos clientes de alto poder aquisitivo e
às pessoas jurídicas do banco.
4.3 CARLSON WAGONLIT TRAVEL (CWT)/AGETUR
4.3.1 Histórico das Empresas Envolvidas
Histórico da CWT
A Carlson Wagonlit Travel (CWT), maior rede do mundo especializada em viagens de
negócios surgiu, em 1994, a partir da fusão da Carlson, maior rede de agência de turismo
norte-americana, com a Accor, segunda maior rede européia do setor de hotelaria e de
serviços. Há de se ressaltar que a fusão ocorreu entre dois grupos de empresas que cresceram
65
e se fortaleceram através de aquisições ocorridas no início da década de 1990: a Wagonlit,
centenária companhia belga especializada no setor de transportes foi adquirida pelo grupo
Accor, em 1991, e o grupo Carlson incorporou tradicional empresa de turismo norte-
americana, neste mesmo ano.
A CWT tem atuação no Brasil, representando 3% das vendas do grupo mundial. A
baixa porcentagem pode ser explicada pelo fato de, apesar do grupo Carlson Wagonlit ser
mundial, no Brasil a empresa de turismo pertence somente ao grupo Accor. No Brasil, as
empresas do grupo Accor são as primeiras no ranking de filiais em termos de volume,
espectro de negócios e número de clientes, o que representa 10% do faturamento mundial do
grupo.
O grupo CWT trabalha com clientes corporativos e dois pontos devem ser atendidos
ao mesmo tempo: as necessidades deste público exigente com serviços personalizados e a
redução do preço dos pacotes de viagem para economia das empresas. Entre 1995 e 2000 o
grupo CWT adquiriu 13 agências de viagens em todo o mundo.
Histórico da AGETUR
Agetur é o nome fictício de uma empresa pertencente a uma grande corporação que
reunia 16 empresas conhecidas no Brasil pela atuação em setores como os de transportes,
hotelaria, segmentos de informática, agropecuária, mineração, veículos e autopeças.
Com características de um grupo conduzido por uma família, a Agetur, era uma
empresa que tinha seus resultados aquém dos esperados, apesar de sua cartela de clientes ser
composta por vários tipos de organização (governos, privadas, internacionais e
multinacionais). A empresa, em 2000, teve um faturamento de R$53,2 milhões e empregava
312 pessoas.
4.3.2 Avaliação do Cenário (Motivações)
A estratégia de atuação definida pela CWT apontava para um crescimento norteado
por operações de aquisição. Experiência preliminar a esse momento foi a tumultuada
incorporação, em 1993, da agência Prodetur, propriedade do Banco Francês e Brasileiro.
Neste processo ficou clara a ação de demissão de muitos funcionários da empresa adquirida, o
que significou, para muitos dos funcionários da Prodetur, a perda da história da empresa. Em
1995, diante do erro cometido anteriormente, a CWT comprou a pequena agência de viagens
66
Transmar com um processo que valorizou o corpo de funcionários.
Para alcançar uma posição superior à sua maior concorrente no mercado brasileiro, a
CWT definiu como plano de negócios a aquisição de diversas empresas. Neste momento, a
orientação era a aquisição de empresas com o seguinte perfil: “comprar de quem quer vender,
de quem não tem sucessor, de quem está no prejuízo, ou está cansado, querendo sair do setor”
(BARROS, 2003, p. 134). No período de 1998/1999, a CWT adquiriu quatro empresas, e em
2000, outras quatro foram alvo do processo de crescimento da empresa. Entre essas operações
se destaca, pelas suas peculiaridades, o processo de aquisição da Agetur.
Entre os principais motivos da aquisição da Agetur pela CWT estava a presença da
empresa em 10 salas de aeroportos e 10 filiais para prestar assistência aos clientes. Isto era um
diferencial na motivação da compra, pois se tratava de uma oportunidade para competição da
CWT no mercado brasileiro já que as autoridades competentes haviam fechado novas
concessões de espaço em aeroportos. Como a CWT era a maior rede especializada em viagens
de negócios do mundo, com atuação nesse segmento, buscavam-se clientes corporativos. A
aquisição da Agetur seria a oportunidade de equilibrar exigências dos passageiros com
necessidades de contenção de despesas, mudando a lógica do atendimento. Entre as
características da adquirida estavam o tamanho da empresa, a dispersão geográfica e a sua
cultura familiar.
4.3.3 A Due Diligence e a Carta de Intenções
A aproximação entre a CWT e a Agetur começou em meados do ano de 1999, durante
um evento do setor. Neste momento a CWT propôs a compra por gerenciamento da carteira
de clientes da Agetur. As negociações não prosperaram, em primeiro momento, com a
negativa da Agetur.
Mais à frente, as negociações foram retomadas com a proposta de assinatura da carta
de intenções garantindo sigilo a um possível processo de aquisição. Para a CWT esse sigilo
era essencial para não abalar as negociações. O modelo de aquisição da Agetur não previa a
due diligence. “A percepção era de uma empresa com ótima distribuição geográfica,
importante posicionamento em número e localização de salas de aeroportos e uma carteira de
clientes de qualidade questionável” (BARROS, 2003, p.137).
4.3.4 Formalização do Processo de Compra
67
O diretor geral da CWT foi o responsável pelas negociações que foram realizadas em
sigilo, como em outras aquisições, para que houvesse a retenção de talentos. Para a
finalização da aquisição, foi ouvida a opinião do comitê executivo da CWT. Os membros
tinham opiniões diferentes: alguns consideravam que era melhor esperar que fossem
“digeridos” os movimentos realizados no passado. Outros concordavam com a compra.
O contrato de compra foi assinado em dezembro de 2000 em condições diferentes dos
negócios anteriores, como a estipulação de um preço fixo, acrescido dos custos com
desligamento e admissão de pessoas. O contrato previa prazos rígidos para o deslocamento
das pessoas. Esses prazos vieram através da elaboração de um cronograma de atividades com
o estabelecimento de prioridades para os próximos 120 dias.
4.3.5 A Percepção da Comunicação no Processo
O silêncio do processo de aquisição definido pela CWT tinha como objetivo a retenção
de talentos, pois nesse caso “quando a operação é anunciada antes da conclusão do negócio
muitas pessoas apressam-se em buscar novos empregos, prejudicando a manutenção da
equipe original” (BARROS, 2003, p.136). A manutenção de pessoas-chaves, no caso, era
essencial para o sucesso da aquisição, visto que bons consultores nessa área de turismo não
surgem da noite para o dia.
Apesar desse cuidado com o sigilo da operação, boatos surgiram de várias fontes,
principalmente pelo despreparo do grupo de executivos na condução dos negócios. “Na CWT
os diretores foram informados sobre a operação em reunião de rotina e algumas pessoas
revelaram ter recebido comunicados informais sobre o que estava por vir” (BARROS, 2003,
p.137). Nesse processo podem ser identificadas duas correntes que ajudaram a tumultuar o
processo. De um lado, o sentimento de apreensão vivido pelos funcionários da CWT com a
preocupação e a certeza de aumento da carga de trabalho que viria com a aquisição da Agetur
e de outro, a impressão generalizada de que a organização não estava preparada para assumir
uma empresa de tamanha grandeza e complexidade. A Agetur não tinha uma boa imagem
junto à maioria dos funcionários da CWT que acreditavam na existência de sérios problemas
financeiros e de pessoal, sendo vista como um bom negócio apenas pelo corpo diretivo da
CWT, principalmente, pela localização de espaços em aeroportos e pela expansão das
atividades no território nacional.
Do outro lado os funcionários da Agetur alimentavam um intenso clima de boatos e
especulações. Os próprios executivos das empresas „pecaram‟ ao divulgar a aquisição por
68
meio de um fax enviado às filiais. E antes dessa divulgação os boatos de indício da aquisição
já propalavam pelos corredores da empresa. Susto, medo e ansiedade eram sentimentos que
inquietavam o corpo de funcionários da Agetur e o desencontro de informações reafirmaram
essa sensação de insegurança. A comunicação oficial anunciava um acordo operacional. De
acordo com funcionários, “o discurso de que a empresa não foi vendida é para o cliente. É
mais bonito falar em parceria, fusão. Mas, internamente, você sente que foi comprado. A
gente perde o poder de decisão” (BARROS, 2003, p.138). A única segurança dos funcionários
era a confiança passada pelo corpo gerencial que buscava demonstrar que a operação era uma
coisa boa.
Diante disso a comunicação foi intensificada pela CWT com a criação de
oportunidades para integração entre as pessoas e as atividades. Mas as dificuldades do
processo de integração ainda permaneceram e foram intensificadas com a preocupação
focalizada somente na integração dos procedimentos operacionais, diante da falta de um
discurso coeso e bem estruturado que atingisse toda a extensão geográfica de atuação da
Agetur, e com o cumprimento do cronograma definido para a formalização do contrato de
pessoal com a CWT. E nesse cenário a troca física do espaço para a CWT deu a sensação de
encerramento imediato da Agetur: “a gente trouxe a equipe para o espaço da Wagonlit, mesmo
onde o espaço deles [Agetur] era maior. Tinha que ficar bem claro que a Agetur acabou”
(BARROS, 2003, p.139).
Ao anunciar a operação de aquisição, o discurso da CWT não foi uniforme o que
gerou várias interpretações pelos funcionários. Uns discursavam em torno da modernização
da empresa onde permaneceriam somente os melhores, outros discursavam em defesa de um
processo de integração que levaria à troca de experiência e o conhecimento. Outro fato
curioso foi a de que os funcionários da Agetur desconheciam o nome Carlson Wagonlit e
acreditavam na ruína de uma potência como a Agetur em troca de uma empresa de menor
importância.
A estruturação organizacional aconteceu de modo diferenciado nas filiais, ocorrendo
situações em que gerentes de várias empresas incorporadas no mesmo período disputaram
atividades sem a definição de um comando da direção geral: “Em Curitiba, quatro gerentes
(um proveniente da Renocar, dois da CWT e um da Agetur) tiveram que conviver por seis
meses, disputando espaço, sem explicitação de comando” (BARROS, 2003, p.140).
A CWT era considerada, por muitos de seus funcionários, como um mosaico de
culturas: em cada região um grupo, de uma agência específica, exercendo uma influência. O
sistema operacional utilizado, com a padronização de procedimentos, é indicado como um dos
69
únicos meios responsáveis pela homogeneidade dos escritórios da empresa. Esse foi
considerado como um dos fatores que mais contribuiu para gerar as percepções diferentes
durante o processo de aquisição, pois as linhas de definição estratégica ficaram
desconhecidas. Os profissionais que passaram a fazer parte do grupo CWT, vivenciando a
cultura familiar da Agetur, consideram que o nível de autonomia diminuiu muito e isto exigiu
destes funcionários bastante esforço para o aprendizado de uma nova técnica de trabalho.
De acordo com Barros (2003), alguns consideraram a aquisição da Agetur um caso de
sucesso pelo aumento no número de transações, sendo que a CWT entrou em novos
mercados, já que a Agetur estava melhor distribuída geograficamente. Mas a diferença entre o
foco estratégico das organizações (a Agetur buscava atender os clientes e a CWT tinha foco
nas empresas) pode ser apontada como um questionamento para as razões da compra, pois a
CWT transformou as salas dos aeroportos em espaço apenas para gerenciamento dos serviços
prestados.
Em contrapartida, grande parte dos entrevistados afirma que o objetivo de adquirir a
carteira de clientes foi alcançado, mas a inadimplência dos clientes tornou o processo não
muito bem sucedido: “A CWT comprou uma coisa e na verdade era outra. Foi comprada a
carteira de clientes, mas a Agetur tinha problemas de faturamento e inadimplência”
(BARROS, 2003, p.144).
Mesmo com o encerramento da aquisição da Agetur e das outras várias empresas
adquiridas pela CWT, permanece na organização o desafio de fazer uma integração mais
profunda, indo além da padronização das atividades operacionais, por meio da consolidação
de sua cultura, diminuindo assim as evidências de um mosaico cultural sem identidade.
4.4 RHODIA/VENESIL
4.4.1 Histórico das Empresas Envolvidas
Histórico da Rhodia
A Rhodia é uma empresa global com sede na França, e uma das líderes de mercado no
segmento de química. À época, em 2003, tinha atuação em 135 países, com aproximadamente
110 fábricas, 23.500 funcionários e um faturamento anual de US$ 7 bilhões.
As empresas que se relacionam com a Rhodia, em sua maioria, internacionais, estão
em busca de um produto universal, com alto índice de qualidade em padrões globais. Isto
70
justifica o desenvolvimento de quatro Pólos de Pesquisa para desenvolver pesquisas e
compreender as necessidades do mercado em cada país. Esses centros estão localizados na
França (2), nos Estados Unidos e no Brasil.
Entre os componentes químicos manipulados pela Rhodia está a sílica, que dá à
organização a liderança no mercado mundial desse produto. A produção de sílica pela Rhodia
representa, aproximadamente, 23% da capacidade mundial.
Histórico da Venesil
A Venesil é uma empresa venezuelana, fundada entre o final da década de 1970 e
início dos anos 1980 por um grupo de empresários. A Venesil começou as suas atividades por
meio de uma joint venture com empresários americanos, mas em pouco tempo os
venezuelanos compraram essa participação, assumindo o controle acionário. A fábrica da
Venesil, que foi instalada em Barquisimeto, desenvolveu tecnologia própria e obteve
rentabilidade adequada com dolarização dos preços.
4.4.2 Avaliação do Cenário (Motivações)
Embora o Grupo Rhodia estivesse presente em quase todos os continentes era um
desejo estratégico se alcançar uma posição mais forte na América Latina, sobretudo no norte,
América Central e sul dos EUA. A Rhodia tinha interesse em instalar uma planta ou fazer um
acordo para a aquisição de uma fábrica na região da Venezuela, tendo em vista que a sílica é
um pó de difícil transporte e para sua venda ser ampliada nesta região seria necessário essa
adaptação logística. Nesse contexto, surgiu a principal motivação para a aquisição da Venesil,
pois a empresa já vendia seus produtos para grandes clientes e era reconhecida pelo mercado.
Nesta região do continente a Venesil era um concorrente bastante competitivo da Rhodia, pois
seus produtos eram de qualidade e os preços praticados indicavam um custo de produção de
seu interesse.
No começo da década de 1990 foi iniciada, por um grupo de brasileiros responsável
pela negociação de sílica na região, a formulação de um projeto para fazer a aquisição da
Venesil. Para concretizar o negócio duas fortes resistências deviam ser superadas: vencer as
resistências dentro do próprio Grupo Rhodia para iniciar o processo e convencer o dono da
Venesil da importância da venda da empresa.
Para a alta gerência da Rhodia, na França, essa negociação era vista como um projeto
71
regional e a questão do crescimento de vendas na região poderia ser resolvida com a
intensificação da produção de suas unidades regionais já instaladas. Outra questão que seria
decisiva para não atrair o interesse da alta gerência era a produção, muito abaixo da
capacidade instalada, da Venesil: a fábrica produzia apenas 6.500 das 20.000 toneladas de
sílica possíveis ao ano. Esse quadro seria revertido somente após três anos da provável
aquisição, quando se esperava que a fábrica venezuelana passasse a ser responsável por 10%
de toda a sílica produzida no mundo pela Rhodia. Para convencer a alta gerência, os
profissionais envolvidos na coordenação do projeto, apresentaram um dossiê com dados
estatísticos do mercado mundial evidenciando a viabilidade da operação. Ao mesmo tempo, o
grupo se encarregou de montar uma estratégia para convencer o dono da Venesil.
O perfil do dono da Venesil era um dos grandes empecilhos para a concretização do
negócio, pois quando abordado, sempre se esquivava mostrando que se a questão era
tecnologia, sua empresa tinha condições de se adaptar e modernizar-se. Diante das várias
recusas, formou-se um grupo na Rhodia para avaliar o preço estimado para a Venesil. Com o
tempo, esse grupo partiu para uma postura mais agressiva em direção à Venesil. Nesse
contexto o mercado já se apresentava mais competitivo, o que favoreceu o crescimento da
vulnerabilidade da empresa venezuelana, que não acompanhava o mesmo ritmo de
modernização.
4.4.3 A Due Diligence e a Carta de Intenções
As conversações mais objetivas para o início do processo só se efetivaram em 1996,
quando as dificuldades impostas pelo mercado à Venesil tornaram-se maiores, com a queda
das vendas e redução dos lucros. A equipe de negociação formada foi fundamental para o
início do processo de aquisição, já que ela acompanhava todo o desenvolvimento do mercado
e as possíveis saídas e ofertas viáveis naquele cenário. Com uma estratégia bem articulada e
que apresentava metas e objetivos bem definidos entre as duas organizações, os debates se
tornaram mais intensos.
Estudos e levantamentos de dados estatísticos fizeram parte da principal pesquisa
apresentada para os representantes da Venesil, que aos poucos foram aceitando a idéia de
vender a fábrica. O principal problema nessa etapa foi o despreparo da venezuelana em
receber a equipe brasileira nas negociações para a análise das possibilidades.
Ao contrário da Rhodia, que formou uma equipe para negociação, a Venesil não
contratou nenhum profissional para apoiar a negociação. Era o próprio dono que analisava
72
todos os contratos e apegava-se a detalhes, tornando essa rodada de negociações intermináveis
e tensas (BARROS, 2003). Depois do processo, o ex-proprietário da empresa reconheceu que
a falta de uma equipe de assessores dificultou muito as negociações com a Rhodia, trazendo
prejuízos a ambas as partes envolvidas.
Para iniciar o processo de negociação foi estabelecido que tanto a Rhodia como a
Venesil estavam impossibilitadas de negociarem com outras empresas. Quase todos os
processos de negociação para efeito de aquisições são feitos em sigilo, o que não deixa de ser
uma estratégia de comunicação, entretanto essa opção é complexa e evidencia pelo menos
duas variáveis. Se por um lado o sigilo faz parte do segredo do negócio, por outro pode
inquietar os colaboradores da empresa a ser adquirida, causando insegurança e incertezas
quanto ao futuro de seus empregos. Nesse sentido, destaca-se, no processo de aquisição da
empresa venezuelana, o fato de os seus funcionários só ficarem sabendo da possível venda,
seis meses antes da assinatura do contrato, em outubro de 2000.
Alguns funcionários que antes eram acostumados a competir com a Rhodia, agora,
tinham que fazer relatórios e boletins para ela (Rhodia) sem clareza do que se passava com a
Venesil, o que deixava a situação tensa e instável na empresa. A falta de transparência na fase
de due diligence poderia colocar em risco todo o trabalho desenvolvido por mais de dez anos.
Um novo trabalho teria que ser feito para reverter esse quadro.
4.4.4 Formalização do Processo de Compra
Em outubro de 2000, o contrato de compra foi assinado e destaca-se nesse momento a
tensão que se estabeleceu para o fechamento do processo de aquisição.
Com as negociações concluídas, era o momento de colocar em prática todas as
estratégias para a integração das duas culturas e aumentar a produção da empresa
venezuelana. O primeiro passo foi criar uma equipe que pudesse estudar a cultura do país e da
região em que a fábrica estava instalada, quais as possibilidades de atuação e como os
negócios deveriam ser tratados. De agora em diante, para unificar as duas fábricas, com o
menor trauma possível de uma cultura organizacional para a outra.
4.4.5 A Percepção da Comunicação no Processo
A aquisição da Venesil foi anunciada três meses antes de sua conclusão. Os primeiros a
receberem a comunicação foram os gerentes que repassaram a notícia para suas equipes. A
73
lentidão identificada durante a due diligence e a falta de transparência do processo, suscitaram
nos funcionários angústia e temor quanto ao futuro de seus empregos na organização.
A estratégia de integração começou a ser preparada pela equipe de coordenação seis
meses antes da aquisição e contou com o auxílio da gerente de recursos humanos da Rhodia
Brasileira. Duas linhas de frente foram adotadas para os trabalhos de transição e integração
das diferentes culturas organizacionais, um antes do anúncio da aquisição e outro após. No
primeiro momento buscou-se o entendimento da cultura da Venezuela, prestando-se atenção
com as especificidades da gestão das empresas venezuelanas como as leis trabalhistas, o
comportamento dos trabalhadores e o relacionamento com os sindicatos. A estratégia adotada
focou uma maior aproximação com as lideranças da fábrica para compreender aspectos do
ambiente interno e o universo cultural daqueles trabalhadores e a divulgação da operação para
os empregados e outros públicos relevantes envolvidos, como clientes, fornecedores e
comunidade. Foram realizadas reuniões, seminários e workshops com os gerentes e suas
equipes para a construção de planos de ação e metas que deveriam ser alcançadas pela
organização.
Após o anúncio da aquisição, em um segundo momento, foi desenvolvido um
planejamento com reuniões com a gerência e seminários em cada setor para apresentar a
Rhodia aos funcionários da nova fábrica. Esse passo foi fundamental para apresentar os
valores, a qualidade de produtos e serviços, estratégias de trabalho e política de funcionários
que seriam adotados. Por parte dos funcionários da Venesil, foram levantados os principais
valores da empresa que poderiam agregar valor à Rhodia na Venezuela como a manutenção
do espírito de companheirismo, união e informalidade.
Com o caso Rhodia/Venesil é possível constatar que apesar de todos os esforços, ficou
mais uma vez claro que mudar a estrutura cultural de uma empresa é um trabalho lento,
delicado e cheio de tensões, mas que pode ter seus traumas minimizados com estratégias
comunicacionais que abram o diálogo e promovam a participação dos funcionários na nova
etapa da organização, por isso foi importante o reconhecimento de que a Venesil tinha
características diferentes da Rhodia: “As pessoas têm vontade de conhecer e aprender coisas
novas, mas não poderíamos passar a idéia de que um pacote estava caindo sobre elas. A
construção conjunta da visão da empresa e a formulação de um plano de ação foram muito
importantes” (BARROS, 2003, p.185).
Ficou evidente que as culturas organizacionais da Rhodia e da Venesil apresentavam
traços completamente diferentes. A Venesil trabalhava com uma estrutura informal, familiar
com as pessoas mais próximas, com uma relação paternalista entre funcionários, gerentes e
74
proprietários da organização. E a Rhodia com um modelo mais hierarquizada e seguindo
sobretudo as orientações vindas da decisão da matriz da empresa, o que classifica esse modelo
cultural dentro da concepção da Torre Eiffel, no qual os conflitos pessoais são vistos como
irracionais e ofensas contra a eficiência do trabalho.
A percepção dos colaboradores venezuelanos em relação ao grupo Rhodia é ainda bem
diluída. Poucos conhecem outras empresas do grupo e a referência está no perfil e estilo de
atuação dos brasileiros, considerada decisiva para o sucesso da operação. Os argumentos
defendidos por eles foram aceitos e valorizados pela coerência entre o discurso e a prática, ou
seja, permitiu uma identidade forte e coesa, o que influenciou em muito a adaptação dos
funcionários à uma nova estrutura organizacional (BARROS, 2003). Essa percepção foi
importante porque fez com que a lealdade, uma marca dos funcionários da Venesil, tinha
campo para se estabelecer em relação com a Rhodia, pois de acordo com eles “tudo o que foi
falado nas reuniões de integração está acontecendo na prática. Os brasileiros não prometem
mais do que podem cumprir” (BARROS, 2003, p.190). A cultura da Rhodia foi implantada
em conjunto com as características dos funcionários venezuelanos:
A questão que se coloca é sobre as possibilidades que existem de se completar esse
ciclo sem perder a simplicidade operativa da Venesil. Vencê-los significa encontrar a
forma de implantar uma estratégia de levar as pessoas a assimilar a cultura Rhodia e,
ao mesmo tempo, respeitar a essência do jeito de ser dos venezuelanos, que se
consideram serenos, tranqüilos, hospitaleiros e trabalhadores (BARROS, 2003,
p.192).
4.5 – THYSSEN/SÛR
4.5.1 Histórico das Empresas Envolvidas
Histórico da Thyssen
O grupo Thyssenkrupp surgiu com a fusão de duas grandes empresas com sede na
Alemanha: a Thyssen e a Krupp. Com presença em todos os continentes, o grupo tem como
seus principais produtos elevadores, escadas rolantes, esteiras e passarelas para aeroportos. A
organização, com seis divisões de negócios, tinha um faturamento de 39 bilhões de euros e
empregava cerca de 200 mil pessoas. A divisão de negócio de elevadores representava,
aproximadamente, 10% deste faturamento e a empresa era a quarta empresa no ranking
mundial do setor.
75
Histórico da Sûr
A empresa Elevadores Sûr existia há 56 anos no mercado, e tinha sua sede na cidade
de Guaíba, no Rio Grande do Sul. Em 1999 a organização era responsável pela fabricação,
instalação e assistência técnica de mais de 33 mil elevadores vendidos no Brasil, seu principal
mercado, e no exterior. Detinha 26% do mercado nacional e seu faturamento anual girava em
torno de R$147 milhões.
A Sûr surgiu na década de 1940 em um contexto marcado pela redemocratização em
termos políticos e econômicos e a consolidação da vocação industrial do país com a abertura
para o capital estrangeiro, favorável para a revelação da capacidade criativa e empreendedora
dos brasileiros. “A empresa cresceu apoiada em uma cultura artesanal, marcada pela
informalidade nas relações, pelo espírito de inovação, de audácia” (BARROS, 2003, p.196).
4.5.2 Avaliação do Cenário (Motivações)
O processo de aquisição da Sûr pelo grupo ThyssenKrupp tem sua estrutura diferente
dos demais processos apresentados nesta pesquisa. A venda da Sûr surgiu, em muito, do
desejo da própria empresa de ser adquirida face à acirrada disputa das empresas do setor. Em
seu contexto de crescimento e desempenho no mercado, precisava estar melhor qualificada.
Ligada ao setor de construção civil, possuía uma visão míope sobre as possibilidades de
atuação, tendo um foco mais direcionado para os produtos que para assistência técnica.
Para compreender a situação da empresa cabe destacar a grande crise enfrentada em
1976 quando problemas financeiros levaram um grupo japonês a assumir o controle acionário
da empresa. A falta de similaridade cultural entre os dois grupos provocou o rompimento da
operação após um ano de seu início. O grande empenho de seu novo administrador é apontado
pelas diferentes pessoas de variados níveis hierárquicos da Sûr como a razão para que ela
continuasse funcionando, principalmente, durante a complicada situação econômica do país
na década de 1980. O perfil emotivo, paternalista e centralizador do seu proprietário, Carlos
Adroaldo Aumond, é apontado pelos funcionários como esforço e persistência, que impediram
o fechamento da empresa.
Em 1995, a elaboração do primeiro Planejamento Estratégico da Sûr representou um
marco da mudança que a empresa viveu a partir de então. Nesse planejamento foram
avaliadas as forças e as fraquezas, buscando-se identificar como prioridade a visão do negócio
76
e o aumento do nível de competência dos funcionários. Toda a estrutura organizacional da Sûr
foi reorganizada com base em uma divisão em áreas de negócios, políticas de recursos
humanos, administração e finanças que foram formuladas e novas rotinas e normas de
trabalho foram implantadas.
Neste mesmo momento, paralelamente, a Sûr começou uma discussão sobre seu
negócio e sua área de atuação. Fabricando elevadores basicamente para atender às demandas
do setor de construção civil, a empresa passou a ser compreendida como uma prestadora de
serviços, que precisava antecipar-se às necessidades de seus clientes, oferecendo ao mercado
“serviços e soluções em movimento”.
Diante dos esforços realizados, a Sûr apresentou resultados positivos e aumentou sua
participação no mercado. Mas o ritmo de crescimento evidenciou, no entanto, problemas,
como a dificuldade de acesso a financiamentos, capital de giro e escala e, mesmo que a
empresa continuasse a crescer em ritmo maior que os concorrentes, todas as avaliações feitas
evidenciavam que para manter a performance de crescimento era necessária a busca de
alianças estratégicas com grandes empresas do mercado mundial.
A abertura do mercado brasileiro para as marcas mundiais iniciou uma grande
concorrência entre os fabricantes de elevadores, dificultando o crescimento das vendas da Sûr.
Diante desse cenário, a estratégia da Sûr foi continuar sua trajetória de crescimento para
tornar-se atrativa, de forma a garantir parcerias ou, até mesmo para ser vendida.
Várias empresas demonstraram interesse em comprar a Sûr, mas seu sócio-controlador
resistia às ofertas. A estratégia de venda passou então a ser discutida com todo o corpo
gerencial, pois de acordo com o sócio-controlador, a decisão de venda seria sua, mas todos
participariam do processo, ajudando-o a definir para quem a Sûr seria vendida. Todas as
concorrentes que, à época, estavam no mercado passaram pela avaliação do corpo gerencial e
a possível negociação era analisada do ponto de vista dos acionistas, dos clientes, dos
fornecedores e dos empregados. A melhor opção seria vender a empresa para outra que já
estivesse presente no país. Mas, por outro lado, acreditava-se que os problemas de sinergia e
racionalização seriam minimizados se a venda ocorresse para empresas que estivessem fora
do país. Tornava-se claro, para a Sûr, que se não escolhesse seu parceiro, em pouco tempo
seria escolhida. No mercado, após muitas movimentações, apenas a Otis (primeira colocada
do setor) e Thyssen permaneceram com o interesse em adquirir a Sûr. A Thyssen oferecia um
valor inferior ao oferecido pela Otis.
O corpo gerencial decidiu pela venda ao grupo Thyssen, pois por não ter planta
industrial no país, o quadro de funcionários poderia não sofrer fortes alterações e, além disso,
77
“possuía tecnologia avançada no segmento de elevadores e estilo de gestão orientado para
pensar globalmente o negócio e agir respeitando a cultura local” (BARROS, 2003, p.200).
4.5.3 A Due Diligence e a Carta de Intenções
Dois pontos chamaram a atenção e repercutiram positivamente para o processo de
aquisição da Sûr: o sentimento da empresa escolher o seu comprador e o gesto do sócio-
controlador de escolher uma empresa que oferecia um valor menor do que o apresentado pela
Otis, mas que acenava com outros benefícios, em especial aqueles relacionados à gestão das
pessoas e à cultura já estabelecida. De acordo com Barros (2003), os primeiros contatos entre
Thyssen e Sûr aconteceram em 1989, quando assinaram um contrato para fabricação conjunta
de escadas rolantes no Brasil. O negócio não foi adiante, mas os contatos permaneceram e
foram incrementados ao final da década de 1990 quando a matriz da Thyssen passava por
várias mudanças.
Na ocasião, a Thyssen se incorporara à Krupp, revendo sua estratégia de atuação e
voltando seu foco ao segmento de elevação (elevadores). Na América Latina, o grupo se
interessou pelas marcas brasileiras Atlas e Sûr. A complexidade da aquisição da Atlas pelo seu
tamanho e a diferença cultural em relação ao grupo Thyssen, fizeram com que a operação
fosse descartada.
Sûr e Thyssen eram parecidas culturalmente, em alguns aspectos, sendo empresas
consideradas ágeis, participativas e abertas. O fator cultural deve ser um dos principais pontos
levados em consideração nas motivações para a aquisição, especialmente porque, segundo
orientação da Thyssen espanhola, no segmento de elevadores, a questão cultural tem que ser
vista como vantagem competitiva, sendo necessário o conhecimento dos clientes e a ação em
acordo com a visão de que as pessoas do país têm sobre a qualidade dos produtos e do
atendimento, pois assim os relacionamentos são geridos melhor e obtém-se o sucesso
(BARROS, 2003).
4.5.4 Formalização do Processo de Compra
As negociações com a Sûr foram conduzidas por profissionais da ThyssenKrupp
espanhola, responsável, em nível corporativo, pela área de recursos humanos e comunicação.
O diretor responsável por conduzir a negociação baseou-se em êxitos e fracassos vividos,
pessoalmente, em outros processos de aquisição.
78
Mesmo com a boa condução do processo, pequenos embates sobre a operação
aconteceram, internamente, entre a alta gerência da ThyssenKrupp. O Plano de Negócios, que
justificava o investimento no Brasil, foi intensamente discutido entre a direção da empresa na
Alemanha e a Thyssen espanhola. A apresentação de dados e projeções sobre a viabilidade do
empreendimento, reafirmou o empenho pessoal do diretor espanhol em defesa do
investimento.
O investimento foi aprovado e a aquisição realizada, tendo como primeira ação da
Thyssen a sinalização de que fosse assinado um contrato garantindo a permanência dos
diretores da Sûr por quatro anos. Os diretores não concordaram com a assinatura do contrato,
partindo da premissa de que ficariam na empresa apenas enquanto pudessem contribuir para o
alcance dos resultados.
4.5.5 A Percepção da Comunicação no Processo
Uma das principais decisões iniciais da Thyssen espanhola foi deixar claro que
nenhuma postura agressiva seria tomada em relação à Sûr e a proposta de assinatura de
contrato com os diretores da empresa confirmava essa postura:
Manter os mesmos diretores mostrava que não estávamos tomando posse da
empresa, que as pessoas não precisavam sentir-se ameaçadas em seus postos de
trabalho [...]. Não chegamos para roubar o protagonismo da empresa, procuramos
respeitar a cultura, o mercado e a imagem da Sûr. (BARROS, 2003. p.202)
A operação foi mantida em sigilo somente por alguns dias. E uma decisão importante
nesse momento foi a de anunciar ao mercado, em conjunto pelas duas empresas, a operação e,
em especial para os empregados, como sendo uma aliança estratégica para o crescimento e
não como uma aquisição. Esta estratégia visava valorizar o esforço e a postura adotada pela
Sûr e por seus funcionários, ao tornarem a empresa mais atrativa para uma parceria. O
anúncio de compra poderia causar um impacto negativo no mercado. Na análise, relacionar
essa estratégia à importância de, nos processos comunicacionais, escolher bem as mensagens
a serem comunicadas, de forma a minimizar ruídos e direcionar o feedback, persuadindo
corretamente os interlocutores.
O anúncio, sendo planejado pela direção das duas empresas, com participação efetiva
da área de marketing, resultou na preparação de comunicados distribuídos para a imprensa e
para os empregados onde se ressaltava a união de forças que, em busca do crescimento,
representava a abertura para novos mercados. No dia do anúncio, marcado pela emoção e
79
simbolismos (como o hasteamento da bandeira da Thyssen ao lado da bandeira da Sûr), foi
realizada, inclusive, uma festa de confraternização para os funcionários com discursos
ressaltando a operação de parceria. O anúncio diminuiu a tensão dos empregados que já
sabiam da operação pelos jornais: “A rádio peão sempre afirmava que a Sûr estava de namoro
com algumas empresas. O anúncio oficial foi importante, mas ficamos sabendo mesmo da
Thyssen pelos jornais” (BARROS, 2003, p.203).
Mesmo que a operação tenha sido anunciada como aliança e não como venda, os
funcionários perceberam desde o primeiro momento que se tratava de uma aquisição.
80
5 ANÁLISE DOS CASOS – LIÇÕES APRENDIDAS
A descrição dos casos permitiu realizar uma avaliação acerca da contribuição dos
processos comunicativos em operações de aquisições. Em consonância com o referencial
teórico trabalhado ao início da pesquisa, torna-se possível pontuar, durante as várias fases do
processo, elementos essenciais como o modelo de integração adotado, o respeito à cultura da
adquirida e o discurso de anúncio, propriamente dito, das negociações. Esses elementos,
quando recorrentes em todos os casos, abrem as possibilidades de interpretação dos melhores
posicionamentos adotados pelas adquirentes, e também os não indicados.
A análise do processo de aquisição será iniciada pela fase da motivação das partes.
Tendo em vista a participação da comunicação na cadeia decisória das organizações, sua
contribuição não deve se dar na decisão de aspectos administrativos e financeiros da operação
e sim na avaliação do processo desde o início com vistas à possibilidade de se construírem os
cenários prováveis. Através destes cenários, poderão ser construídos em que momentos a ação
da comunicação deve ser mais incisiva ou não.
Um dos principais objetivos deste estudo é mostrar a importância de um processo
comunicativo estratégico durante todas as etapas da aquisição, visando a promoção do
processo de integração das empresas envolvidas, buscando sinergia na construção dos novos
valores decorrentes do contato de duas culturas diferentes.
Cumprindo seu papel, a comunicação busca lidar não somente com os desafios da
mudança organizacional, mas agindo também como canal propulsor para traduzir valores,
diretrizes, normas e pensamento das organizações envolvidas.
No primeiro momento da aquisição, na motivação, a comunicação está presente,
mesmo que à primeira vista não sejam apresentadas as necessidades de um processo
comunicativo que vislumbre fazer a apresentação da empresa com intuito de compra ou
venda. E esse processo exige um gerenciamento específico. Em determinados casos, essa
intenção apresentou-se de maneira mais intensa. No caso da ThyssenKrupp/Sûr, a necessidade
de mostrar uma empresa consolidada aos olhos do mercado fez com que muitas habilidades e
ferramentas comunicativas fossem utilizadas para atrair atenção dos concorrentes,
compradores potenciais da empresa. Como dito no caso, “uma empresa que havia se
preparado como uma noiva em busca do parceiro” (BARROS, 2003, p.202) não poderia, sem
um processo cuidadoso de investimento e exposição da empresa, por meio do uso de
ferramentas da comunicação institucional e a mercadológica, chamar atenção do mercado
conquistando as empresas interessadas como foi o caso da Otis, que chegou a oferecer 20%
81
acima do valor proposto pela Thyssen.
Em termos de comunicação, nessa etapa, vale explorar o fato de que empresas com
imagens e reputações positivas e consolidadas no mercado, tornam-se mais atrativas aos
adquirentes, auxiliando na justificativa da compra. Não é à toa que vemos as empresas
interessadas em abrir capital para o mercado, investindo muito em comunicação institucional.
Vale mencionar ainda que, quanto mais clara uma empresa for na apresentação das
informações que podem influenciar positivamente a avaliação da adquirente, melhor. Assim, a
comunicação poderá contribuir através do tratamento das informações de forma mais
persuasiva. Apesar da decisão da empresa que seria adquirente partir do corpo gerencial e do
seu dono, os fatos nos mostram que, se bem trabalhada, como foi no caso, a imagem de uma
organização no mercado pode chamar mais atenção do que ela mesmo pensa, conquistando
assim bons parceiros e elevando bem o seu valor de mercado. O único caso, dos apresentados,
em que a adquirida é que iniciou o processo de aquisição é o da Sûr, pois nos demais foram as
adquirentes que buscaram realizar as operações por razões diversas já descritas. A questão do
trabalho de imagem bem realizado pôde ser constatado no processo da Venesil em que a
empresa venezuelana, por ser reconhecida no mercado, atraiu os interesses da Rhodia para a
operação de aquisição.
Na segunda etapa do processo, durante a due diligence, é que a comunicação
estratégica vai ter sua atuação mais clara e decisiva e também será quando se delimitarão os
aspectos que contribuirão para a formação de uma identidade organizacional coerente com a
cultura resultante da integração das empresas. Com a articulação das primeiras etapas sendo
desenvolvida pelos setores administrativos e financeiros para a negociação das partes, a
comunicação não tem voz para atribuir valor ao processo, e esse não é o seu papel. Mas cabe
a ela evitar todo tipo de situação que possa comprometer o processo. A due diligence é a fase
do processo onde o silêncio, quase sempre, é condição estabelecida nos termos da carta de
intenções para realização do negócio. Entre os casos, o ABN AMRO/Banco Real foi o que
apresentou o silêncio como estratégia decisiva para não comprometer o processo. Preparado
por uma equipe exclusiva, escolhida “a dedo” pelo dono do Real, o caso apresentado explicita
a importância que foi dada à comunicação durante esta etapa e, nesse caso, tratamos o silêncio
tanto ao público externo – mercado – quanto ao público interno – funcionários – como
estratégia comunicacional para evitar turbulências em um cenário que por si só é bastante
complexo.
O sigilo, cláusula considerada das mais importantes neste caso, permitiu ao banco a
preparação de um discurso “cuidadoso” e direcionado especialmente aos seus funcionários.
82
Mesmo assim, as especulações advindas da comunicação informal são inevitáveis em um
processo de mudança sugerido por uma aquisição de empresas. No caso do Banco Real, elas
vieram, mas, amenizadas pelo cuidado com que a comunicação foi desenvolvida, os efeitos da
aquisição foram sentidas somente na percepção que os funcionários tiveram de abandono pelo
dono do banco. Os gerentes desempenharam um papel fundamental de multiplicadores do
discurso do grupo ABN, estratégia eficaz para esta situação em que a adquirida era
caracterizada por uma cultura familiar, onde a comunicação face a face é muito importante e
os vínculos entre as pessoas são mais fortes. Numa cultura familiar os funcionários tendem a
estar atentos a toda mudança que envolva o poder e, pelo fato da decisão ter sido anunciada
após todo o processo de aquisição já estar concluído, os funcionários do Real sentiram a
necessidade de uma comunicação face a face que partisse da gerência do banco.
Sugere-se que o grande fator que amenizou os impactos deste anúncio tenha sido o
discurso elaborado de que se tratava de uma operação que se baseava no sucesso do Banco
Real. Consideramos que a preocupação dispensada pelo Banco Real ao processo teve reflexos
positivos para que, após a aquisição, os resultados financeiros e operacionais não fossem
afetados pela mudança cultural que viria, naturalmente, após a negociação. Ao contrário, na
aquisição da Agetur pela CWT, a mensagem sobre a operação não era uniforme e antes do
anúncio oficial boatos e especulações surgiram, aumentando assim apreensão dos
funcionários ao futuro de seus empregos.
Outro ponto a ser destacado foi a visita feita, pessoalmente, pelos novos executivos do
banco a mais de 500 filiais no período de dois anos conhecendo de perto os pontos de trabalho
levando uma mensagem oficial do grupo e vivenciando as percepções de todo o processo.
Nesta ação pode ser exemplificado um modelo de comunicação face a face e gerencial que foi
muito importante para a empresa neste momento para evitar que as especulações tivessem
maior participação comprometendo o sucesso do processo. A realização de seminários com os
principais funcionários do banco é outro ponto a ser visto como a utilização da comunicação,
à primeira vista, em um fluxo descendente, que se desdobraria posteriormente, entre os
funcionários ali presentes um fluxo lateral com todos os funcionários trocando experiências e
sistematizando as idéias e informações acerca do novo processo. Com isso, a utilização deste
fluxo de informações pode ter sido o responsável por surtir efeitos estratégicos no programa
de ajustes de metas e integração dos novos propósitos a serem estabelecidos para a “nova
empresa”. Nesse momento, foi muito importante a uniformização da comunicação
estabelecida nos níveis internos da empresa como a institucional, a interna e a administrativa,
pois a falta de alinhamento, justamente nesse momento considerado instável, poderia
83
comprometer todo o discurso instigando boatos, por meio da rede de comunicação informal,
que gerariam apreensão e medo de demissão por parte dos funcionários como verificado nos
casos do Itaú/BFB.
Quanto ao sigilo, no caso da CWT foram identificadas situações em que, preparada
para atuar, a comunicação poderia reverter. O próprio despreparo para a operação, por parte
de executivos da CWT, fez com que vários boatos surgissem, tumultuando assim o processo.
Os funcionários da CWT especulavam sobre o aumento da carga de trabalho e a falta de
preparo do grupo para assumir uma empresa do tamanho da Agetur. Pelo fato de ser uma
empresa grande, com muitos funcionários, e pela sua dispersão geográfica no território
nacional, a falta de discurso coeso e bem preparado refletiu em um processo que se deu de
variadas formas em cada filial. A falta de uma imagem consolidada da Agetur junto ao
mercado também contribuiu para que dúvidas fossem geradas a respeito da empresa pelos
funcionários da CWT.
Quando anunciou a operação de aquisição, a falta de um discurso coeso e seguro,
pelos próprios canais formais de comunicação da CWT, instigou o surgimento de boatos que
garantiram o clima de insegurança. O próprio discurso não correspondia à realidade da
operação e, ao contrário de outros casos que anunciavam a operação de uma forma diferente
por razões de mercado, a CWT anunciava a aquisição como sendo um acordo operacional,
quando na verdade o público interno sabia bem da operação que se tratava. Esse fato faz com
que as pessoas não atribuam veracidade às informações passadas pela empresa não
constituindo, a longo prazo, a relação de lealdade, que muitas empresas desejam e que pôde
ser comprovado no caso Rhodia/Venesil.
A CWT deveria ter recorrido à uma abordagem da comunicação integrada para fazer o
anúncio da operação na tentativa de convencer a equipe da Agetur sobre a importância
daquela negociação para ambas as partes. Pelo contrário, a única confiança que os
funcionários da Agetur tinham, era com as informações passadas pelos gerentes. Ou seja, se
fosse bem preparado, o discurso que poderia ser repassado pelo próprio corpo gerencial
tenderia a ser aceito pelos funcionários devido à relação de confiança estabelecida entre as
partes. Mas a CWT equivocadamente fez o anúncio somente por uma comunicação impessoal
de fax enviada às filiais. A empresa que, anteriormente tinha passado por operações não bem
sucedidas de aquisição, em que o corpo de funcionários não havia sido valorizado, repetia na
operação com a Agetur o mesmo comportamento. O caso CWT/Agetur foi bastante
tumultuado, o que se deveu, basicamente, a falta de estabelecimento de uma linha de
comunicação uniforme e abrangente ao mesmo tempo. Até mesmo a linha de atuação da
84
empresa, durante o processo, não tinha um discurso definido, pois uns afirmavam que a
modernização da empresa viria através da troca de funcionários, outros defendiam a linha de
integração entre os funcionários e a nova empresa.
Outro fato no caso CWT que deve ser apontado é a questão da falta de percepção de
uma identidade na empresa. Vista como um mosaico de culturas, um dos únicos pontos que
garantiam a homogeneidade das operações da empresa eram seus procedimentos operacionais.
Isto é grave para uma empresa que deseja o crescimento por meio de operações de aquisições,
porque se não tem uma identidade como é que uma empresa pode consolidar-se após
operações de aquisição? No mínimo o que será verificado é a falta de uma identidade que
garanta a unidade da empresa sendo cada vez mais difícil, as tentativas de integração cultural
entre a CWT e as empresas que desejar adquirir. Antes de buscar a participação em processos
de aquisição, a CWT deveria rever toda a sua estrutura e consolidar uma identidade e imagem
de modo a não sofrer processos traumáticos no mercado.
No caso do Itaú/BFB esse aspecto se torna em um agravante porque um dos principais
atrativos para a motivação da negociação estava justamente nos aspectos intangíveis do Banco
Francês e Brasileiro que dispunha de uma equipe que lidava muito bem com método
personnalité. A apreensão e fuga dos funcionários, pois estes estariam certos da demissão,
provocaria ao Itaú prejuízo justamente nos aspectos que eram seu foco na negociação. Neste
caso, um processo de comunicação estratégico, bem traçado, trabalharia a questão do clima
interno de forma a garantir que as pessoas não temessem a aquisição, a ponto de procurarem
outro emprego, antes mesmo de saber como o processo de incorporação à adquirente foi
estabelecido. Seria promovido, através de um discurso franco e esclarecedor, um clima
favorável, sem especulações, que reteria as pessoas na organização durante o processo de
aquisição.
Pode ser visto que a etapa de due diligence é uma das etapas mais expressivas de um
processo de aquisição, principalmente, porque nela é que se dão os primeiros contatos entre as
empresas. A participação da comunicação neste processo é fundamental para garantir a não
existência de rupturas que prejudiquem o andamento das negociações. Não cumprir essa etapa
pode acarretar em sérios problemas como até mesmo o questionamento das razões da compra
como foi verificado no caso CWT/Agetur. A decisão por não cumprir a etapa de due diligence
refletiu no momento pós-aquisição quando os inconvenientes da Agetur, como a
inadimplência dos clientes, eram elementos desconhecidos pela CWT.
Um dos grandes problemas identificados no caso CWT/Agetur refere-se a falta de
articulação entre as áreas administrativas e a da comunicação. O foco da CWT era voltado
85
totalmente para questão burocrática de incorporação dos clientes através dos contratos de
trabalho, sendo que à integração cultural não foi dada a mesma atenção necessária.
Sobre a coerência entre o discurso difundido pelas organizações e a prática do dia-a-
dia, estes devem ser concomitantes para a construção sólida da identidade e imagem das
empresas, que em uma instituição só pode ser percebida quando há uma praxe
comunicacional bem estabelecida dentro da organização, envolvendo seus diversos públicos.
Pode ser sugerido que a Rhodia, com anos de experiência no campo da comunicação, em que
se destaca seu Plano de Comunicação Social, desenvolvido em 1985, pode ter escolhido as
ferramentas mais indicadas para o processo de apresentação de sua identidade junto aos
funcionários da Venesil e prova disso foram os elementos da comunicação gerencial, como a
comunicação face a face, desenvolvidos durante o processo.
Após o processo de aquisição, em aspectos culturais, foi identificado que no caso da
Rhodia/Venesil os primeiros resultados apresentados pela nova empresa, a Rhodia Sílices da
Venezuela, mostrou que a equipe de brasileiros que gerenciaram o processo de aquisição teve
êxito significativo. Apesar de a nova organização ainda não ter adotado todas as
características culturais do grupo Rhodia, o sucesso se deveu, provavelmente, ao fato de a
cultura brasileira ser similar à cultura venezuelana. Os resultados poderiam ter sido
completamente diferentes se um grupo de outro país tivesse encabeçado o gerenciamento das
negociações para a aquisição e a integração das empresas, pois as diferenças culturais
poderiam dificultar a comunicação, o diálogo e a integração.
No caso da Thyssen/Sûr a questão cultural também foi trabalhada, tendo sido
considerada como vantagem competitiva. Pela orientação da Thyssen espanhola, responsável
pela gerência de todo o processo, a questão cultural apontava para um gerenciamento mais
adequado dos relacionamentos obtendo-se o sucesso ao final da operação. A Thyssen optou
por uma operação que não tivesse sigilo. Neste caso, a empresa trabalhou a questão do
anúncio de toda a operação para os funcionários que, admiraram o comportamento da
empresa de ter fechado uma negociação que teve valor inferior do que poderia ter sido
alcançado. No discurso foi reafirmado que se tratava de uma aliança estratégica para o
crescimento da empresa. Isso ressalta a importância, durante operações desse tipo, do discurso
estratégico com uma mensagem direcionada em que foi minimizado o peso do discurso, no
mercado, sobre a venda de uma empresa. O mesmo discurso foi feito pelo ABN AMRO ao
anunciar que se tratava de uma “parceria entre vencedores”. Os funcionários da Sûr
afirmaram que sabiam que se tratava de uma aquisição, e não de uma parceria como fora
anunciado, mas mesmo assim o discurso da aliança estratégica não foi desacreditado. Mas
86
isso demonstra que, em todos os casos em que o discurso da aquisição tentou ser minimizado
por outros termos, na realidade vigorou a verdadeira natureza da operação.
Desta forma, ao final desta análise, foi possível levantar as principais e recorrentes
questões de dificuldades decorrentes de quando houve a falta de um processo de comunicação
estratégica e levantar subsídios para investigações futuras acerca da participação da
comunicação em processos de aquisição.
87
6 CONCLUSÃO
Abordar a comunicação organizacional, como um facilitador nos processos de
aquisição, nos permite concluir que a sua grande participação se dá por meio de um canal
firmado entre as áreas gerenciais da empresa, bem como os setores administrativos e de
recursos humanos etc.
Durante o desenvolvimento da pesquisa, percebemos que a comunicação está ligada a
uma rede de saberes que para ser efetiva em todos os seus processos, ela precisa observar e
trabalhar no campo gerencial tanto a questão cultural como a identidade da empresa
projetando uma boa imagem para todos os públicos envolvidos.
Diante dos processos de aquisição, a comunicação não deve ser entendida como a
possuidora da fórmula mágica ou da receita em que, sendo seguida à risca possibilitará a
inexistência de erros durante o processo. Prova disso é que, diante dos casos analisados, cada
um, mesmo adotando uma mesma seqüência, pela qual foram observados, percebe-se que
cada empresa, diante de sua peculiaridade e de seu contexto cultural adotou e desenvolveu
uma metodologia diferente, adotando, até mesmo, comportamentos divergentes onde poderia
se esperar a mesma ação.
Lidar com os processos comunicacionais requer não seguir uma receita específica, que
está sujeita aos erros e acertos, mas perceber de maneira ativa como a comunicação pode
ajudar a materializar os processos de aquisição junto ao seus públicos envolvidos, sejam eles
clientes ou seus funcionários, que são diretamente atingidos pelas negociações,
principalmente quando são geradas as sensações de medo, apreensão e angústia frente à
mudança pela qual a empresa vivenciará, seja através da situação funcional diante do risco de
demissões, seja por meio da adaptação dos procedimentos de trabalho.
Um bom clima poderá ser vivenciado dentro da empresa que passa por esse período
instável e de mudança, se gerado por um efetivo canal de comunicação que busque a gestão
do choque cultural advindo nessa operação.
Diante dessas observações foi possível identificar os impactos dentro das organizações
que não se adequaram ou se preocuparam em utilizar as ferramentas da comunicação
gerencial estratégica gerando um turbulento processo de mudança.
A pesquisa buscou, desde o início, aplicar os conceitos da comunicação organizacional
e gerencial em processos que, em primeiro momento tem um caráter meramente
administrativo. Analisando dentro da lógica da comunicação organizacional todos os passos
88
da aquisição, identificamos as situações em que poderia ter sido dada maior atenção às
práticas comunicacionais no direcionamento do processo conseguindo assim, a minimização
dos choques culturais. Tendo em vista os casos apresentados na fonte secundária, percebemos
que a comunicação pode ser analisada pelos seus aspectos facilitadores nos processos de
aquisição, levando em consideração a percepção de cada empresa, de suas necessidades de
gerenciamento e consideração com os aspectos humanos e culturais. Com a observação dos
processos, diante das tentativas e abordagens feitas durante as operações, podemos ressaltar
que a comunicação, com as ferramentas de um planejamento estratégico possibilitou, em
muitos momentos, um melhor diálogo entre as empresas envolvidas e um desempenho
satisfatório perante seus públicos.
A reflexão teórica deste trabalho nos mostrou que a comunicação bem como seu
estudo está ligada a todas as instâncias do conhecimento, sociais e de planejamento de toda e
qualquer organização e atividade, com isso foi possível analisar sob a ótica da comunicação,
um livro de aspectos administrativos. O livro, em seu contexto, foi um mediador para
construção de nossa análise, e juntamente com o referencial utilizado, nos possibilitou
entrelaçar e construir a percepção da necessidade de abordar a comunicação em meio aos
processos de aquisições.
Num processo de intensa análise em um meio até então pouco explorado pela própria
comunicação, acreditamos que a partir da construção desse olhar – o olhar da comunicação –
junto aos processos de aquisição, buscamos lançar, audaciosamente, no meio da comunicação
a proposta de construção da análise desta contribuição e de seu entendimento nesta complexa
operação.
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