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PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU DIREITO PROCESSUAL CIVIL A PÓS QUE ACOMPANHA VOCÊ | www.posestacio.cers.com.br ORDEM DOS PROCESSOS NOS TRIBUNAIS, UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA E INSTITUTOS CORRELATOS NO NOVO CPC RENATO PESSOA MANUCCI Procurador Jurídico da Câmara Municipal de Bragança Paulista Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Professor Tutor do curso de Pós-Graduação em Direito Processual Civil da Estácio/CERS. Professor Universitário Advogado 1. Introdução. 2. Protocolo, registro e distribuição. 4. Poderes do relator. 5. Revisor. 6. Julgamento. 6.1 Colegialidade. 6.2 Convocação de juízes. 6.3 Ordem de julgamento, inclusão e publicação de pauta. 6.4 Sustentação oral. 6.5 Pedido de vista. 6.6 Correção de defeito processual. 6.7 Modificação de voto. 7. Incidentes em julgamento de tribunal. 7.1 Incidente de uniformização de jurisprudência. 7.2 Incidente de arguição de inconstitucionalidade. 7.3 Incidente de Assunção de Competência. 7.4 Incidente de resolução de demandas repetitivas. 1. Introdução Enquanto os juízes de primeiro grau são órgãos singulares, o tribunal funciona coletivamente, sendo a decisão proferida resultado de uma conjugação de vontades dos seus integrantes (acórdãos). Entretanto, os tribunais nem sempre decidem pela totalidade de seus integrantes, havendo uma divisão de trabalho e de tarefas entre seus

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU DIREITO PROCESSUAL … 19 - Direito... · aos processos que tramitam perante os tribunais, tais como o protocolo, registro e distribuição, os poderes

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

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ORDEM DOS PROCESSOS NOS TRIBUNAIS, UNIFORMIZAÇÃO DE

JURISPRUDÊNCIA E INSTITUTOS CORRELATOS NO NOVO CPC

RENATO PESSOA MANUCCI

Procurador Jurídico da Câmara Municipal de Bragança Paulista

Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Professor Tutor do curso de Pós-Graduação em Direito Processual Civil da Estácio/CERS.

Professor Universitário

Advogado

1. Introdução. 2. Protocolo, registro e distribuição. 4. Poderes do relator. 5.

Revisor. 6. Julgamento. 6.1 Colegialidade. 6.2 Convocação de juízes. 6.3 Ordem de

julgamento, inclusão e publicação de pauta. 6.4 Sustentação oral. 6.5 Pedido de

vista. 6.6 Correção de defeito processual. 6.7 Modificação de voto. 7. Incidentes em

julgamento de tribunal. 7.1 Incidente de uniformização de jurisprudência. 7.2

Incidente de arguição de inconstitucionalidade. 7.3 Incidente de Assunção de

Competência. 7.4 Incidente de resolução de demandas repetitivas.

1. Introdução

Enquanto os juízes de primeiro grau são órgãos singulares, o tribunal funciona

coletivamente, sendo a decisão proferida resultado de uma conjugação de vontades dos

seus integrantes (acórdãos). Entretanto, os tribunais nem sempre decidem pela

totalidade de seus integrantes, havendo uma divisão de trabalho e de tarefas entre seus

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membros que se organizam em Câmaras Cíveis e Criminais, sem prejuízo das matérias

sujeitas a apreciação do Tribunal Pleno ou do Órgão Especial1.

“Em geral, o procedimento no tribunal tem duas fases distintas: uma perante o

relator, a quem se atribui a função de praticar todos os atos até a sessão de julgamento, e

a outra, de competência do colegiado, que tem por finalidade o debate e o julgamento

do caso”2.

Tal fato, por si só, exige a normatização de diversos aspectos a fim de assegurar

o eficiente funcionamento dos órgãos jurisdicionais de segunda instância, seja quando

julgam causas originárias, sejam quando apreciam os recursos interpostos contra as

decisões de grau inferior.

As referidas regras constam do Código de Processo Civil (CPC), das leis de

organização judiciária e dos regimentos internos dos tribunais. Frise-se, no entanto, que,

a teor do art. 96, inciso I, alínea “a”, da Constituição Federal (CF ou CF de 1988), ao

regimento interno reserva-se tão somente a regulamentação da distribuição da

competência do tribunal internamente, cabendo à legislação dispor sobre a competência

material e funcional dos tribunais.

Nesse cenário, o novo CPC (NCPC ou CPC de 2015), nos arts. 929 a 946,

constantes do Capítulo II do Livro III, normatiza os aspectos procedimentais inerentes

aos processos que tramitam perante os tribunais, tais como o protocolo, registro e

distribuição, os poderes do relator, a sustentação oral, o julgamento e seus consectários.

Dessa forma, com o presente estudo objetivou-se aprofundar a análise dos referidos

institutos, sem esgotar o tema, sempre com uma visão crítica e comparativa em relação

ao Código de Processo Civil vigente (CPC vigente ou CPC de 1973).

1 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I: Teoria Geral do

Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 55ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 2318. 2 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito

Processual Civil. Vol. 03: Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais. 12ª

ed. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 561.

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2. Protocolo, registro e distribuição.

Aportando os autos no tribunal, seja em razão do encerramento da atuação dos

órgãos jurisdicionais inferiores, seja por força de competência originária, serão

registrados no protocolo do dia de sua entrada, cabendo à secretaria ordená-los, com

imediata distribuição (art. 929, caput do NCPC). O dispositivo mencionado aperfeiçoou

a redação do art. 547 do CPC vigente e, por conseguinte, acolheu as críticas de Fredie

Didier Jr., para quem “o registro e a distribuição devem ser feitos não apenas nesses

casos, aplicando-se também a ações originárias, a incidentes e a simples petições

dirigidas ao tribunal”3.

O protocolo constitui fator determinante para a verificação do fenômeno da

prevenção, dispondo nesse sentido o parágrafo único do art. 930 que “o primeiro

recurso protocolado no tribunal tornará prevento o relator para eventual recurso

subsequente interposto no mesmo processo ou em processo conexo”.

O parágrafo único do art. 929 repetiu a regra do parágrafo único do art. 547, a

qual foi incluída no CPC de 1973 com o advento da Lei 10.352, de 26 de dezembro de

2001, segundo a qual os serviços de protocolo poderão ser descentralizados, a critério

do tribunal, mediante delegação a ofícios de justiça de primeiro grau. Com idêntica

finalidade, a nova Codificação permite que o agravo de instrumento, que é recurso

interposto diretamente no tribunal, seja protocolado na própria comarca, seção ou

subseção judiciárias (art. 1.017, § 2º, inciso II, NCPC).

Trata-se de medida que tende a garantir o mais amplo acesso aos órgãos

jurisdicionais de segundo grau, na medida em que os órgãos de primeiro grau de

jurisdição ficam autorizados a receber mediante protocolo os recursos e petições

endereçados ao tribunal.

3 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito

Processual Civil. Vol. 03 … p. 563.

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3. Poderes do relator

Nos tribunais, a tutela jurisdicional é prestada por meio de decisão coletiva, que

é fruto de uma conjugação de vontades de seus membros, sendo exceção as decisões

unipessoais proferidas pelos relatores (princípio da colegialidade). Não obstante,

incumbe ao relator preparar o processo para julgamento pelo órgão colegiado,

proferindo as decisões interlocutórias necessárias. O art. 931, nesse sentido, estabelece

que “distribuídos, os autos serão imediatamente conclusos ao relator, que, em 30 (trinta)

dias, depois de elaborar o voto, restituí-los-á, com relatório, à secretária”.

Aliás, o art. 932 do CPC de 2015 ampliou as competências do relator,

esclarecendo que incumbe ao relator dirigir e ordenar o processo no tribunal, inclusive

em relação à produção de provas, bem como homologar autocomposição das partes,

quando for o caso; determinar a intimação do Ministério Público, quando for o caso;

decidir o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, quando este for

instaurado originariamente perante o tribunal, além de exercer outras atribuições

estabelecidas no regimento interno do tribunal (art. 932, incisos I, VI, VII e VIII).

Outrossim, manteve-se os típicos poderes do relator para julgar

monocraticamente os recursos e processos de competência originária do tribunal,

consagrados no ordenamento jurídico a partir da Lei 8.038/90, inicialmente reservado

aos procedimentos originários de competência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do

Superior Tribunal de Justiça (STJ), e posteriormente estendido aos demais

procedimentos (art. 557 do CPC vigente).

Dessa forma, deparando-se o relator com recurso manifestamente improcedente

por veicular pretensão contrária à Súmula do STF, do STJ ou do próprio tribunal; à

acórdão proferido pelo STF ou STJ em julgamento de recursos repetitivos ou à

entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou assunção

de competência, poderá negar provimento monocraticamente (art. 932, inciso IV,

alíneas “a” a “c” do NCPC).

Nas mesmas circunstâncias, poderá o relator, depois de facultada a apresentação

das contrarrazões recursais, dar provimento ao recurso que impugnar decisão contrária

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aos sobreditos entendimentos jurisprudenciais (art. 932, inciso V, alíneas “a” a “c” do

NCPC).

Tiago de Figueiredo Gonçalves, a propósito dos poderes do relator, assevera que

“ao autorizar que o relator, enquanto órgão singular, decida sozinho o recurso

distribuído para si e para o órgão colegiado que integra, o legislador cria uma espécie de

competência simultânea ou concorrente entre o relator (órgão singular) e o colegiado

(órgão coletivo)”4.

De outro lado, a nova Codificação limitou os poderes do relator para inadmissão

de recurso por deficiência nos requisitos de admissibilidade, impondo que seja

previamente concedido ao recorrente prazo de cinco dias para sanar o vício ou

complementar a documentação faltante (art. 932, parágrafo único, NCPC), somente

declarando-se inadmissível o recurso caso persista o vício.

Portanto, a teor do Enunciado 82 do Fórum Permanente de Processualistas Civis

é dever do relator, e não mera faculdade, conceder prazo ao recorrente para sanar vício

ou complementar a documentação exigível, antes de inadmitir qualquer recurso,

inclusive os excepcionais. No mesmo sentido, Luiz Alves Pereira, comentando o

dispositivo (antes de sua aprovação), assevera:

Da leitura da nova regra se extrai, em resumo, o seguinte conceito: em sede

recursal, independente de qual seja o recurso – se a norma está inserida nas

regrais [sic] gerais recursais deve ser aplicada a qualquer espécie de recurso –

caso o Relator observe algum vício, ou por exemplo, a ausência de algum

documento indispensável para análise do caso concreto, deverá, antes de

considerar o recurso inamissível, intimar a parte para sanar a irregularidade

no prazo de 05 (cinco) dias. Somente se, após tal intimação, a parte

permanecer inerte, é que o recurso será conhecido.5.

Segundo Cássio Scarpinella Bueno, a regra em comento evitará a proliferação de

“[…] entendimentos radicais (e errados, mesmo à luz do CPC atual) como os da Súmula

4 GONÇALVES, Tiago Figueiredo. Poderes do Relator e Agravo Interno no Projeto 8046/2010. In

Novas Tendências do Processo Civil. Estudos sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil.

Vol. III. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 748. 5 PEREIRA, Luis Alves. Uma nova ordem dos processos nos tribunais. In Novas Tendências do

Processo Civil. Estudos sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Vol. III. Salvador:

Juspodivm, 2014, p. 255.

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115 do STJ, que não permite a emenda ou a correção de atos processuais no âmbito dos

Tribunais não subsistirão ao novo CPC, destarte”6.

Em suma, os novos dispositivos legais evidenciam o caráter cogente da

jurisprudência, valorizando uma vez mais o precedente, bem como privilegiam o

contraditório na construção do provimento jurisdicional em segundo grau de jurisdição,

característica típica do modelo cooperativo consagrado pela nova Codificação.

4. Julgamento

O novo diploma processual civil aboliu a figura do revisor, prevendo que após a

apresentação do relatório, os autos serão encaminhados ao presidente, a quem caberá

designar data para julgamento e proceder à publicação da pauta no diário oficial (art.

934). A opção legislativa justifica-se porquanto no regime do CPC vigente a ausência

da figura do revisor nos casos em que obrigatória sua atuação7 enseja a nulidade

absoluta do julgamento8.

Designada a data para julgamento, far-se-á a publicação da pauta de julgamento

na imprensa oficial, devendo a sessão de julgamento ocorrer depois de decorrido, pelo

menos, cinco dias da referida publicação, incluindo-se em nova pauta os processos que

não tenham sido julgados, salvo aqueles cujo julgamento houver sido expressamente

adiado para a primeira sessão seguinte (art. 935, caput). Nesse interregno (entre a

publicação da pauta e a sessão de julgamento), as partes terão vista dos autos em

cartório (§ 1º).

Comparando a nova disposição ao comando correspondente no CPC vigente (art.

552, § § 1º, 2º e 3º), verifica-se que houve uma ampliação no prazo, que era de 48

(quarenta e oito) horas e passou para 5 (cinco) dias. Luis Alves Pereira, em comentários

ao projeto que originou o NCPC, enaltece a referida modificação, in verbis:

6 BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p.

581. 7 Na forma do art. 551, é obrigatória a intervenção do revisor no julgamento de apelação, embargos

infringentes e ação rescisória. 8 Nesse sentido: STJ, REsp 250.106/DF, 2ª T., rel. Min. Eliana Calmon, rel. p/ acórdão Paulo Gallotti, j.

20.02.2001, DJ de 13.08.2001, p. 95.

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[…] Este prazo [48 horas, previsto no CPC vigente] se mostra

demasiadamente curso para o fim a que se destina, de modo que a ampliação

deste prazo para 05 (cinco) dias, como prevê a redação do § 1º do art. 948

[convertido no § 1º do art. 935] do projeto de Novo CPC constitui-se em

medida que efetivamente resultará em justificada melhora para o

jurisdicionado que, assim, terá tempo hábil para apresentação de memoriais e

preparação de sustentação oral, que muitas vezes, dependendo evidentemente

das peculiaridades de cada caso concreto, têm grande relevância para a

demonstração do direito perseguido pela parte através do direito de petição.9.

Por conseguinte, tendo a norma modificado tão somente o prazo e mantido o

espírito que norteou o legislador originário, não houve a superação da Súmula 117 do

STJ10, que deve ser lida à luz da nova sistemática, de modo que a inobservância do

prazo de cinco dias entre a publicação da pauta e o julgamento sem a presença das

partes, importa em nulidade.

Observadas as formalidades mencionadas alhures, o processo é levado a

julgamento em sessão pública, na qual, primeiramente, o relator fará a exposição da

causa e em seguida o presidente, em se tratando de apelação, recurso ordinário, recurso

especial, recurso extraordinário, embargos de divergência ou ação rescisória, mandado

de segurança e reclamação, bem como agravo de instrumento interposto contra decisões

interlocutórias que tenham por objeto tutelas provisórias de urgência ou de evidência11,

dará a palavra, sucessivamente, ao recorrente, ao recorrido e, quando couber sua

intervenção, ao Ministério Público, pelo prazo improrrogável de 15 (quinze) minutos

para cada um, a fim de sustentarem suas razões (art. 937, caput, NCPC).

Interessante inovação, a propósito da sustentação oral, constou do § 4º do art.

937 do CPC de 2015, segundo o qual “é permitido ao advogado com domicílio

profissional em cidade diversa daquela onde está sediado o tribunal realizar sustentação

9 PEREIRA, Luis Alves. Uma nova ordem dos processos nos tribunais. In Novas Tendências … p.

261. 10 Súmula 117, STJ: “A inobservância do prazo de 48 horas, entre a publicação de pauta e o julgamento

sem a presença das partes, acarreta nulidade”. 11 O projeto previa, ainda, que seria cabível sustentação oral “no agravo interno originário de recurso de

apelação, de recurso ordinário, de recurso especial ou de recurso extraordinário”. Contudo, o inciso VII

do art. 937 foi vetado pelo Chefe do Poder Executivo, sob a justificativa de que a sustentação oral em tais

situações resultaria em prejuízo à celeridade processual almejada pela nova Codificação. Cássio

Scarpinella Bueno, criticando as razões do veto, lembra que “[…] a tão propalada ‘celeridade processual’

deve ser sempre pensada em termos de eficiência e não de rapidez, diferentemente do que consta

expressamente das razões transcritas” (BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código … p. 586).

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oral por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons

e imagens em tempo real, desde que o requeira até o dia anterior ao da sessão”.

Importa registrar, ainda, que nem o CPC vigente e tampouco o NCPC exigem

que o advogado realize previamente a sua inscrição para realizar sustentação oral, razão

pela qual, nas situações descritas no art. 937, caput, o presidente, obrigatoriamente,

concederá a palavra ao recorrente e ao recorrido. Mesmo porque, no referido comando

legal, o legislador se utilizou de comando impositivo (“dará a palavra”).

Em seguida, o órgão jurisdicional passará ao julgamento da controvérsia

submetida ao seu crivo, sendo a decisão tomada por maioria de votos (princípio da

colegialidade), oportunidade em que, havendo questão preliminar suscitada no

julgamento, esta será apreciada e decidida antes do mérito, ficando este prejudicado

caso seja incompatível com a decisão (art. 938, caput, NCPC).

Caso seja constatada no transcorrer do julgamento a existência de vício sanável,

incluindo aqueles cognoscíveis de ofício, o relator determinará a realização ou a

renovação do ato processual, no próprio tribunal ou em primeiro grau de jurisdição,

intimando as partes (art. 938, § 1º, NCPC). Exemplificativamente, considera-se vício

sanável, que autoriza a aplicação da regra em comento, a apresentação de procuração e

de guia de custas ou depósito recursal em cópia, cumprindo ao relator assinalar prazo

para a parte renovar o ato processo com a juntada dos originais (Enunciado 332 do

Fórum Permanente de Processualistas Civis).

Outra circunstância que enseja a interrupção do julgamento é o pedido de vista

de qualquer membro da Câmara, Órgão Especial ou Pleno do Tribunal, que não se

considere habilitado a proferir imediatamente seu voto, limitado ao prazo máximo de 10

(dez) dias, após o que o recurso (ou ação originária) será reincluído em pauta para

julgamento na sessão seguinte à data da devolução (art. 940, caput, NCPC). No entanto,

“não é qualquer juiz do tribunal, ou mesmo do órgão que está em sessão de julgamento,

que tem o poder de vista dos autos, mas apenas aqueles que compõem o órgão no

momento do julgamento do feito e, na mesma ocasião, não se consideram aptos a

votar”12.

Adverte Fredie Didier Jr. que “o relator não pode pedir vista, pois ele já viu os

autos; a prática, porém, é frequente no foro, pois muitos relatores não vêem os autos,

12 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I … p. 2328.

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confiando em seus assessores. Rigorosamente, em situações como essas, configura-se

hipótese de pedido de retirada de pauta, feito pelo próprio relator”13.

Ao final, proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado do julgamento,

designando para redigir o acórdão o relator ou, caso vencido este, o autor do primeiro

voto vencedor (art. 941, caput, NCPC). Até o advento do CPC de 2015, cuja vacatio

legis se encerra em março de 2016, não havia norma expressa tratando da modificação

de voto, prevalecendo, por força de interpretação do art. 556 do CPC de 1973, o

entendimento de que a proclamação do resultado encerra a atividade jurisdicional e, por

conseguinte, impede a modificação do voto proferido.

A nova Codificação positivou no § 1º do art. 941 o referido posicionamento

doutrinário, dispondo que o voto poderá ser alterado até o momento da proclamação do

resultado pelo presidente, salvo aquele já proferido por juiz afastado ou substituído.

Outra inovação consta do § 3º do mesmo dispositivo legal, segundo o qual o voto

vencido será necessariamente declarado e integrará o acórdão para todos os fins legais,

inclusive de pré-questionamento.

Cássio Scarpinella Bueno, em comentários ao art. 941 faz uma análise histórica

do projeto que culminou com a aprovação do NCPC e afirma:

Havia um § 4º no Projeto da Câmara (art. 954) que enaltecia a importância da

motivação completa e adequada das decisões como fator indispensável para a

construção de uma verdadeira teoria dos precedentes em terras brasileiras.

Era o seguinte o seu conteúdo: “Para adequada observância do procedente

judicial na forma do art. 521, as questões relevantes do caso em análise

devem ser indicadas de modo claro no acórdão”. A regra, a despeito de não

ter sido aprovada pelo Senado Federal na última etapa do processo

legislativo, subsiste por força das diretrizes do § 1º do art. 489, aplicáveis por

força do § 1º do art. 927.

13 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito

Processual Civil. Vol. 03 … p. 600.

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5. Incidentes em julgamento de tribunal

Não raras vezes, no julgamento dos feitos de competência do tribunal (originária

ou recursal), emergem questões específicas que ensejam o deslocamento da

competência funcional para outro órgão do tribunal, caracterizando verdadeiros

incidentes processuais, cujo principal exemplo é o incidente de uniformização de

jurisprudência. Nesse caso, uma vez admitido o incidente, cinge-se a competência,

ficando um órgão julgador incumbido de apreciar a questão incidente, sem prejuízo da

apreciação da questão principal por outro órgão.

Consoante autorizado magistério, tais incidentes “não são recurso, nem ação

autônoma de impugnação nem outro meio de impugnação atípico de decisão judicial,

pois, ao contrário, servem como etapa no processo de criação da decisão, e não da sua

impugnação”14. Com esse espírito, o CPC de 2015, além da uniformização de

jurisprudência, disciplina a partir do Capítulo III do Título I do Livro III o incidente de

assunção de competência, o incidente de arguição de inconstitucionalidade, o conflito

de competência, a homologação de decisão estrangeira e a concessão do exequatur à

carta rogatória, bem como a ação rescisória, a reclamação e o novel incidente de

resolução de demandas repetitivas.

No presente ensaio, contudo, serão analisados somente os incidentes

relacionados à uniformização de jurisprudência, à assunção de competência, à arguição

de inconstitucionalidade e ao julgamento de demandas repetitivas.

5.1 Da uniformização de jurisprudência

Indiscutivelmente, a jurisprudência na contemporaneidade é fonte do direito,

característica que, gradativamente, vem afastando o ordenamento jurídico pátrio do

14 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito

Processual Civil. Vol. 03 … p. 609.

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sistema de civil Law, de tradição romano-germânica, e o aproximando da commom Law,

derivado do Direito anglo-saxão.

No entanto, a efetividade do modelo de precedentes pressupõe que a

jurisprudência mantenha-se estável, íntegra e coerente, incumbindo aos tribunais

proceder à sua uniformização, nos termos do art. 926 do NCPC. Historicamente, o CPC

de 1939 previa como instrumento para a uniformização da jurisprudência o recurso de

revista, cabível nas hipóteses em que houver divergência entre duas ou mais câmaras,

turmas ou grupo de câmaras quanto ao modo de interpretar o Direito em tese (art. 853).

O CPC de 1973 substituiu a revista pelo incidente de uniformização de

jurisprudência (arts. 476-479), conferindo-lhe a configuração de “incidente verificável

nos julgamentos dos tribunais, por provocação interna dos juízes ou por iniciativa da

parte”15. Por sua vez, o CPC de 2015, no art. 926, prescreveu que “os tribunais devem

uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.

5.2 Do incidente de Assunção de Competência

A assunção de competência, prevista no art. 947 do CPC de 201516, é incidente

processual que permite a avocação, pelo órgão jurisdicional competente para realizar a

uniformização de jurisprudência (indicado pelo regimento interno do respectivo

tribunal), do julgamento do recurso, remessa necessária ou outro processo de

competência originária do tribunal, quando tenha por objeto relevante de direito, com

repercussão social, sem repetição em múltiplos processos (art. 947, caput).

A expressão “sem repetição em múltiplos processos” constante da parte final do

caput do art. 947 esclarece que não há possibilidade de coexistirem simultaneamente os

15 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I … p. 2057. 16 Não se trata de inovação da nova Codificação, embora seja inédita a denominação e alguns aspectos do

instituto. Isso porque, com outra roupagem, o art. 555, caput e § 1º do CPC vigente cuida do mesmo

assunto:

“Art. 555. No julgamento de apelação ou de agravo, a decisão será tomada, na câmara ou turma, pelo

voto de 3 (três) juízes.

§ 1o Ocorrendo relevante questão de direito, que faça conveniente prevenir ou compor divergência entre

câmaras ou turmas do tribunal, poderá o relator propor seja o recurso julgado pelo órgão colegiado que o

regimento indicar; reconhecendo o interesse público na assunção de competência, esse órgão colegiado

julgará o recurso”.

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incidentes de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas. Em

outras palavras, não cabe o incidente de assunção de competência quando couber

julgamento de casos repetitivos.17.

Cássio Scarpinella Bueno, em comentários ao preceptivo em estudo, obtempera:

Trata-se, neste sentido, de técnica disposta a evitar disperção jurisprudencial

– “prevenção ou composição de divergência entre câmara ou turmas do

tribunal”, como se lê do § 4º – e, por isso, não é considerada pelo novo CPC

como uma das técnicas de julgamento de “casos repetitivos”, nos moldes do

art. 928. Para tanto, a exemplo do incidente de resolução de demandas

repetitivas e dos recursos extraordinários ou especiais repetitivos, precisaria

haver “múltiplos processos” julgados em sentidos diversos, o que o caput e o

§ 4º do art. 947, cada um a sua maneira, expressamente dispensam. De

qualquer sorte, é irrecusável que a instauração deste incidente pressupõe, ao

menos em tese, a possibilidade de existirem decisões diferentes sobre uma

mesma tese jurídica.18.

O incidente pode ser proposto de ofício pelo relator ou a requerimento da parte,

do Ministério Público ou da Defensoria Pública, hipótese em que, caso acolhido (art.

947, § 2º), haverá o deslocamento da competência originária para outro órgão

jurisdicional coletivo indicado pelo regimento interno do tribunal como competente

para a uniformização de jurisprudência.

O reconhecimento do interesse público na assunção de competência produz

importante efeito, que é a vinculação de todos os juízes e órgãos fracionários ao

entendimento firmado pelo órgão colegiado no julgamento do recurso, remessa

necessária ou processo de competência originário avocado, salvo quando revista a tese

(art. 947, § 3º, NCPC). “[…] Cabe anotar que é o único caso em que o novo CPC vale-

se da palavra ‘vinculante’ ao não se referir a Súmulas vinculantes […]”19.

17 Nesse sentido dispõe o Enunciado 334 do Fórum Permanente de Processualistas Civis que “por força

da expressão ‘sem repetição em múltiplos processos’, não cabe o incidente de assunção de competência

quando coube julgamento de casos repetitivos”. 18 BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código … p. 593. 19 BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código … p. 594.

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5.3 Do incidente de arguição de inconstitucionalidade

O modelo constitucional brasileiro convive com uma dualidade de sistemas de

controle de constitucionalidade: difuso ou incidental e concentrado ou por via de ação,

importando para o presente instituto a primeira modalidade. Deveras, no referido

controle, qualquer magistrado tem legitimidade para reconhecer a inconstitucionalidade

de lei ou ato normativo como questão incidente, ficando os efeitos da decisão restritos

aos sujeitos da relação processual (coisa julgada inter partes).

Nos juízos singulares, a aplicação da mencionada sistemática é simples e não

demanda maiores dificuldades. De outro lado, tratando-se de juízos coletivos

(tribunais), eventual inconstitucionalidade incidental não pode ser objeto de deliberação

do órgão fracionário (Câmara ou Turma), exigindo a manifestação do Tribunal Pleno ou

do Órgão Especial, por meio de quorum qualificado de votação. Cuida-se da

denominada cláusula de reserva de plenário (ou regra da full bech), consagrada no

art. 97 da CF, segundo o qual “somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros

ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”.

O meio processual para garantir a observância da referida garantia é o incidente

de arguição de inconstitucionalidade, disciplinado nos arts. 948 a 950, constante do

Capítulo IV do Título I do CPC de 2015 (procedimento previsto nos arts. 480 a 482 do

CPC de 1973). “Trata-se, pois, de incidente objetivo, no qual se decide apenas sobre a

constitucionalidade da lei. O caso concreto a partir do qual o incidente fora suscitado

não tem sua competência deslocada para o Pleno, permanecendo sob a competência do

órgão fracionário ao qual fora originariamente distribuído”20. Destarte, arguida a

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, o relator, após ouvir o

Ministério Público e as partes, submeterá a questão à turma ou câmara à qual competir o

conhecimento do processo (art. 948).

Insta esclarecer que ao órgão fracionário incumbe julgar o cabimento do

incidente, admitindo-o ou não (art. 949, caput, incisos I e II, NCPC), mas não lhe é

20 OLIVEIRA, Guilherme Peres de. Incidente de demandas repetitivas – uma proposta de

interpretação de seu procedimento. In Novas Tendências do Processo Civil. Estudos sobre o

Projeto do Novo Código de Processo Civil. Vol. II. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 667.

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lícito adentrar ao mérito da postulação declarando a inconstitucionalidade do ato

questionado, que é de competência privativa do Tribunal Pleno ou Órgão Especial.

Igualmente, não pode o órgão fracionário, a despeito de não declarar expressamente a

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afastar a sua incidência,

no todo ou em parte, por força da Súmula Vinculante 10.

Excepcionalmente, contudo, o órgão fracionário poderá dispensar o incidente

caso já exista pronunciamento do plenário ou órgão especial do Tribunal ou do plenário

do STF sobre a questão objeto da arguição (art. 949, parágrafo único, NCPC). De igual

modo, é lícito ao órgão fracionário prosseguir no julgamento da causa

independentemente de instauração do incidente, quando rejeitar a alegação de

inconstitucionalidade, mantendo a presunção de constitucionalidade da norma.

Evidentemente que, se o caso principal que ensejou a arguição de

inconstitucionalidade já estiver tramitando no pleno ou órgão Especial, “[…] não haverá

qualquer protelação do julgamento, pois a preliminar será decidida na própria sessão de

julgamento do feito”21. A propósito desta inusitada situação, Fredie Didier Jr. et al

exemplifica:

Imagine-se, por exemplo, um mandado de segurança impetrado,

originariamente, no tribunal de justiça contra o Governador do Estado, tendo

como causa de pedir a inconstitucionalidade de determinado ato ou norma

Em muitos tribunais, é o pleno ou o órgão especial que julga esse mandado

de segurança originário. Nesse caso, já sendo o julgamento da causa de

competência do pleno ou do órgão especial, ocioso instaurar-se o incidente de

inconstitucionalidade, devendo a causa ser julgada desde logo. Pode ocorrer,

em casos assim, uma situação interessante: mesmo acolhido o pedido por

maioria, a parte autora resta denotada. Suponha-se que o órgão especial seja

composto de 15 (quinze) membros. Deve, portanto, a inconstitucionalidade

ser reconhecida por, pelo menos, 8 (oito) votos, ainda que a composição do

órgão, no momento do julgamento, não esteja completa. Imagine-se, ainda,

que estejam presentes, apenas, 13 (treze) membros, havendo a ausência

justificada de 2 (dois) deles. Se o julgamento for proferido por maioria de

votos, num escore de 7 (sete) a 6 (seis), a parte, mesmo a votação sendo-lhe

formalmente favorável, não venceu. Isso porque, sendo a causa de pedir a

inconstitucionalidade de ato ou norma, é preciso que tal inconstitucional

idade seja reconhecida por, pelo menos, 8 (oito) votos. Nessa hipótese ora

aventada, conquanto haja votação majoritária para o impetrante, não se

alcançou o quorum mínimo para a declaração de inconstitucionalidade,

devendo ser tida como improcedente a pretensão processual.22.

21 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I … p. 2047. 22 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito

Processual Civil. Vol. 03 … p. 622.

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De resto, o art. 950 do NCPC, reproduzindo as disposições do art. 482 do CPC

vigente, assegura a participação de diversos entes no procedimento, tais como as

pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição do ato questionado (§ 1º),

as partes legitimadas a deflagrar o controle concentrado de constitucionalidade (§ 2º) e

o amicus curiae (§ 3º).

5.4 Do incidente de resolução de demandas repetitivas

Trata-se de inovação do NCPC (arts. 976-987, NCPC) tendente a assegurar a

efetividade do sistema de precedentes vinculante, evitando decisões contraditórias

(segurança jurídica) e primando pela igualdade das partes. Segundo reza o art. 976,

caput, o incidente terá lugar quando preenchidos, simultaneamente, os seguintes

requisitos: I. efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma

questão unicamente de direito e II. risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

Implícito no primeiro requisito está o fato de que “a instauração do incidente pressupõe

a existência de processo pendente no respectivo tribunal”23.

“[…] O incidente, destarte, é vocacionado a desempenhar, na tutela daqueles

princípios, da isonomia e da segurança jurídica, papel próximo (e complementar) ao dos

recurso extraordinários e especiais repetitivos (art. 928, II) e, mais amplamente, ao dos

‘precedentes’ (v., em especial, art. 926)”24. No mesmo sentido, estabelece o Enunciado

345 do Fórum Permanente de Processualistas Civis que “o incidente de resolução de

demandas repetitivas e o julgamento dos recursos extraordinários e especiais repetitivos

formam um microssistema de solução de casos repetitivos, cujas normas de regência se

complementam reciprocamente e devem ser interpretadas conjuntamente”.

Todavia, a teor do § 4º do art. 976, não existe a possibilidade de tramitarem

ambos os institutos concomitantemente, pois “é incabível o incidente de resolução de

demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva

23 Enunciado 345 do Fórum Permanente de Processualistas Civis. 24 BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código … p. 614.

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competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito

material ou processual repetitiva”.

Não satisfeitos os pressupostos de sua admissibilidade, delineados nos incisos I e

II do art. 976 do CPC de 2015, o incidente de resolução de demandas repetitivas será

inadmitido. Tal decisão não impede a repropositura do incidente quando satisfeito

posteriormente o requisito faltante, podendo-se afirmar, portanto, que a inadmissão é

regida pela cláusula rebus sic stantibus, ou seja, enquanto não sobrevier situação nova

que perfectibilize os pressupostos ausentes no momento da inadmissão o incidente não

terá cabimento.

O incidente pode ser instaurado por iniciativa do juiz ou relator, por ofício, e das

partes, por petição, bem como do Ministério Público ou da Defensoria Pública, por

petição, devendo o pedido ser endereçado ao presidente do tribunal (art. 977, incisos I,

II e III). O Ministério Público, quando não requerer o incidente, nele intervirá

obrigatoriamente, devendo assumir sua titularidade em caso de desistência ou abandono

(art. 976, § 1º).

Sobre a legitimidade do Ministério Público e da Defensoria Pública, Cássio

Scarpinella Bueno lembra que “[…] a legitimidade daqueles órgãos dá-se tanto quando

atuam como parte (em processos coletivos, portanto) como também quando o

Ministério Público atuar na qualidade de fiscal da ordem jurídica e a Defensoria Pública

estiver na representação de hipossuficiente ou, de forma mais ampla, desempenhando

seu papel institucional em processos individuais”25.

Importante frisar que, na proposta legislativa aprovada pela Câmara dos

Deputados, a legitimidade para provocar o incidente era mais ampla abrangendo pessoas

jurídicas de direito público e associações civis cuja finalidade institucional incluísse a

defesa do interesse ou direito objeto do incidente (redação originária do inciso III do §

3º do art. 988 do Substitutivo da Câmara dos Deputados)26.

Apresentado o incidente, este será distribuído ao órgão colegiado competente, a

quem caberá realizar o juízo de sua admissibilidade, oportunidade em que serão

verificados os pressupostos dispostos no art. 976 do CPC de 2015 (art. 981). A

25 BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código … p. 616. 26 Cássio Scarpinella Bueno ressalta que as referidas entidades foram suprimidas quando da revisão final

do texto, não compreendendo, portanto, modificação meramente redacional, o que macula a alteração de

vício de inconstitucionalidade formal.

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admissibilidade do incidente, portanto, é de competência do órgão colegiado, não

podendo ser aferida monocraticamente pelo relator, a quem são reservadas as

atribuições constam do art. 982, o qual não a contempla27.

Instaurado o incidente, caberá ao órgão indicado pelo regimento interno do

tribunal como responsável pela uniformização de jurisprudência proceder ao seu

julgamento no prazo de um ano (art. 980, NCPC28), fixando a tese jurídica, bem como

julgar o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária de onde

se originou o incidente (art. 978, NCPC).

A propósito, Cássio Scarpinella Bueno entende inconstitucional o parágrafo

único do art. 978, que atribui ao órgão coletivo a competência para, além de fixar a tese

jurídica, julgar o recurso, a remessa necessário ou o processo de competência originária,

pois “[…] não cabe à lei federal definir a competência dos órgãos dos Tribunais

Regionais Federais nem dos Tribunais de Justiça dos Estados. A iniciativa viola, a um

só tempo, os arts. 108 e 125, § 1º, da CF […]”.

Outrossim, eventual desistência ou abandono do processo não prejudica o exame

do mérito do incidente, incumbindo ao Ministério Público assumir a sua titularidade

(art. 976, §§ 1º e 2º).

Conclusão

O NCPC manteve a mesma sistemática e disciplinou a ordem dos processos nos

tribunais e os incidentes correlatos, valorizando o contraditório e o modelo cooperativo

que motivaram a sua edição. Tanto que os poderes do relator foram remodelados,

exigindo que, nas situações em que cabível o julgamento monocrático, seja garantida a

prévia manifestação das partes. Nesse novo cenário, não pode o relator negar

27 Nesse sentido dispõe o Enunciado 91 do Fórum Permanente de Processualistas Civis que “cabe ao

órgão colegiado realizar o juízo de admissibilidade do incidente de resolução de demandas repetitivas,

sendo vedada a decisão monocrática”. 28 “Art. 980. O incidente será julgado no prazo de 1 (um) ano e terá preferência sobre os demais feitos,

ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.

Parágrafo único. Superado o prazo previsto no caput, cessa a suspensão dos processos prevista no art.

982, salvo decisão fundamentada do relator em sentido contrário”.

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seguimento a recurso por deficiência nos pressupostos de admissibilidade sem antes

conceder ao recorrente a oportunidade de sanar a irregularidade.

De outro lado, a nova Codificação rompeu definitivamente com o modelo de

civil Law, valorizando os precedentes vinculantes, razão pela qual atribuiu aos tribunais

à tarefa de manter a jurisprudência estável, íntegra e coerente. Para o atingimento de tal

desiderato, o CPC de 2015 consagrou como um ônus do tribunal realizar a

uniformização de sua jurisprudência, colocando a disposição destes o incidente de

assunção de competência e o incidente de resolução de demandas repetitivas.

Referências

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 250.106/DF, rel. Min. Eliana Calmon, rel.

p/ acórdão Min. Paulo Gallotti. Diário de Justiça. Brasília 13 ago. 2001, p. 95.

BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo:

Saraiva, 2015.

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso

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Processo nos Tribunais. 12ª ed. Salvador: Juspodivm, 2014.

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OLIVEIRA, Guilherme Peres de. Incidente de demandas repetitivas – uma proposta

de interpretação de seu procedimento. In Novas Tendências do Processo Civil.

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Juspodivm, 2014, p. 667.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 2ª ed. São

Paulo: Método, 2011.

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PEREIRA, Luis Alves. Uma nova ordem dos processos nos tribunais. In Novas

Tendências do Processo Civil. Estudos sobre o Projeto do Novo Código de Processo

Civil. Vol. III. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 255-265.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I: Teoria

Geral do Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 55ª ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2014.