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RIO DE JANEIRO PRÉDIO IRREGULAR DESABA EM RIO DAS PEDRAS Tragédia que ocorreu na madrugada de ontem devastou uma família: pai, de 30 anos, e filha, de apenas 2, morreram. Mais quatro pessoas se feriram, entre elas, a mãe da criança, que está no CTI P ouco mais de dois anos depois da tragédia na Muzema, na Zona Oes- te do Rio, outro desabamento de uma construção irregular na mes- ma região, desta vez, na comunidade de Rio das Pedras, deixou dois mortos e qua- tro feridos. O prédio, de quatro andares e habitado por pessoas da mesma família, na Rua das Uvas, tombou de madrugada, por volta das 3h. As vítimas fatais são pai e filha: Natan de Souza Gomes, de 30 anos, e Maitê, uma criança de apenas 2 anos. Ontem à noite, a polícia divulgou que o prédio foi construído pelo pai de Na- tan e avô da menina. O desabamento também atingiu as construções do en- torno e moradores tiveram que deixar suas casas — a prefeitura prometeu as- sistência às famílias. Entre os feridos estão a mãe da menina e mulher de Natan, Kiara Abreu, de 26 anos, que passou seis horas sob os escombros. Desde o início da manhã, os bombeiros con- versavam com Kiara, que estava debaixo de uma placa de concreto. Ela foi resgatada lú- cida, com trauma nos membros inferiores, por volta das 9h20, e levada ao Hospital Mi- guel Couto, Z. Sul, onde passou por cirurgia e seguia no CTI até ontem à noite. “Ela (mulher) está passando informa- ções de possível localização onde estão um homem e uma criança. É um local de difícil acesso e de risco para todos”, explicou o coronel Leandro Monteiro, chefe do Corpo de Bombeiros, antes de a mulher ser resgatada e de as vítimas fatais serem localizadas. TRÊS QUARTÉIS E AERONAVE Bombeiros de três quartéis (Barra, Alto da Boa Vista e Jacarepaguá) trabalharam no resgate com ajuda de cães farejadores. Seis ambulâncias da corporação também faziam atendimentos e uma aeronave au- xiliou os socorristas. Segundo a prefeitura e o Corpo de Bom- beiros, os outros três feridos foram encami- nhados para o Hospital Municipal Louren- ço Jorge, na Barra. São duas irmãs e o mari- do de uma delas. Eles sofreram ferimentos leves. São eles: Jonas Souza, 29; Antonia Souza, 38; e Nataniela Bras, 28. Jonas e An- tonia receberam alta pela manhã. Natanie- la seguia internada, com estado de saúde estável, até o fechamento da edição. REPRODUÇÃO FACEBOOK DANIEL CASTELO BRANCO > A Polícia Civil montou força-ta- refa com a 16ª DP (Barra), 32ª DP (Taquara), Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente e Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Or- ganizadas e Inquéritos Especiais (Draco) para apurar as causas do desabamento e investigar possí- vel envolvimento de milicianos em construções irregulares na região. Ontem à tarde, porém, a Polícia descobriu que o prédio foi cons- truído pelo pai da vítima, Genivan Macedo, que prestou depoimento como testemunha na 16ª DP. Apuração da Draco mostra que o homem não tem envolvimento com milícia. A prefeitura também informou que o imóvel foi construí- do irregularmente há 21 anos, mas que se tratava de prédio familiar. Força-tarefa para investigar Kiara Abreu com Natan e Maitê. Imagem foi publicada nas redes sociais em janeiro de 2020 FALHAS N Mais um desastre envolvendo cons- trução irregular na cidade volta a escancarar falhas e a falta de fiscali- zações do poder público nas comuni- dades. Enquanto isso, vem crescendo a atuação da milícia nessas regiões: a ausência de vistorias da prefeitura e governo estadual abre espaço para grupos paramilitares. A comunidade de Rio das Pedras, inclusive, é consi- derado o berço das milícias. À época do desabamento de dois prédios na comunidade da Muzema, em 12 de abril de 2019, a prefeitura informou que as obras foram erguidas por grupos paramilitares de forma ilegal. Os imóveis estavam localizados em área de prote- ção ambiental e foram interditados. Na ocasião, 24 pessoas acabaram mortas na tragédia. As construções, que eram irregulares, caíram quatro dias depois que uma forte tempesta- de atingiu a cidade. De acordo com a Polícia Civil, Rio das Pedras e Muzema são dois bairros controlados pela milícia. Investiga- ções apontam que uma das fontes de lucro dos paramilitares é o ramo imobiliário clandestino. No último dia 24 de maio, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio decidiu sol- tar três acusados pelo desabamento na comunidade da Muzema. A juíza Simone de Faria Ferraz, da 1ª Vara Criminal, assi- nou a decisão que colocava em liberda- de José Bezerra de Lira, Rafael Gomes da Costa e Renato Siqueira Ribeiro. De acordo com a magistrada, os acusados foram liberados da prisão preventiva por ‘excesso de prazo na custódia’. Agora, os três réus irão aguardar o julgamento do caso em liberdade. Entretanto, eles são obrigados a in- formar mensalmente seus paradei- ros à Justiça fluminense e também não podem ter contato com teste- munhas do processo. Ausência do poder público escancarada DIANTE DE RISCO N A Defesa Civil do Rio teve que interdi- tar sete imóveis após o desabamento. O órgão também teve que demolir o prédio ao lado do edifício que desabou por ris- cos de desmoronamento. A destruição começou à tarde e teve uso de uma re- troescavadeira. Segundo o engenheiro do órgão, André Luiz Alves, a construção ficou extremamente comprometida e oferecia risco aos moradores. “O prédio lateral ficou instável e corria risco de de- sabar, por isso ele foi demolido até com o que tinha dentro. O edifício ficou com a estrutura comprometida”. Kerlim Cutrim, 29, morava ali com a mãe, marido e as duas filhas, de 11 e 4 anos. Durante o desabamento do prédio vizinho, uma parede invadiu o quarto de suas filhas, deixando a caçula com um ferimento na cabeça. Defesa Civil demole construção ao lado O prédio lateral corria risco de desabar, por isso ele foi demolido até com o que tinha dentro” ANDRÉ ALVES, Engenheiro da Defesa Civil Bombeiros de três quartéis trabalharam no resgate. Militares encontraram corpo de Natan no início da tarde O DIA I SEXTA-FEIRA, 4 . 6 . 2021 3

PRÉDIO IRREGULAR

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RIO DE JANEIRO

PRÉDIO IRREGULARDESABA EM RIO DAS PEDRASTragédia que ocorreu na madrugada de ontem devastou uma família: pai, de 30 anos, e filha, de apenas 2, morreram. Mais quatro pessoas se feriram, entre elas, a mãe da criança, que está no CTI

Pouco mais de dois anos depois da tragédia na Muzema, na Zona Oes-te do Rio, outro desabamento de uma construção irregular na mes-

ma região, desta vez, na comunidade de Rio das Pedras, deixou dois mortos e qua-tro feridos. O prédio, de quatro andares e habitado por pessoas da mesma família, na Rua das Uvas, tombou de madrugada, por volta das 3h. As vítimas fatais são pai e filha: Natan de Souza Gomes, de 30 anos, e Maitê, uma criança de apenas 2 anos.

Ontem à noite, a polícia divulgou que o prédio foi construído pelo pai de Na-tan e avô da menina. O desabamento também atingiu as construções do en-torno e moradores tiveram que deixar suas casas — a prefeitura prometeu as-sistência às famílias.

Entre os feridos estão a mãe da menina e mulher de Natan, Kiara Abreu, de 26 anos, que passou seis horas sob os escombros. Desde o início da manhã, os bombeiros con-versavam com Kiara, que estava debaixo de uma placa de concreto. Ela foi resgatada lú-cida, com trauma nos membros inferiores, por volta das 9h20, e levada ao Hospital Mi-guel Couto, Z. Sul, onde passou por cirurgia e seguia no CTI até ontem à noite.

“Ela (mulher) está passando informa-ções de possível localização onde estão um homem e uma criança. É um local de difícil acesso e de risco para todos”, explicou o coronel Leandro Monteiro, chefe do Corpo de Bombeiros, antes de a mulher ser resgatada e de as vítimas fatais serem localizadas.

TRÊS QUARTÉIS E AERONAVEBombeiros de três quartéis (Barra, Alto da Boa Vista e Jacarepaguá) trabalharam no resgate com ajuda de cães farejadores. Seis ambulâncias da corporação também faziam atendimentos e uma aeronave au-xiliou os socorristas.

Segundo a prefeitura e o Corpo de Bom-beiros, os outros três feridos foram encami-nhados para o Hospital Municipal Louren-ço Jorge, na Barra. São duas irmãs e o mari-do de uma delas. Eles sofreram ferimentos leves. São eles: Jonas Souza, 29; Antonia Souza, 38; e Nataniela Bras, 28. Jonas e An-tonia receberam alta pela manhã. Natanie-la seguia internada, com estado de saúde estável, até o fechamento da edição.

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> A Polícia Civil montou força-ta-refa com a 16ª DP (Barra), 32ª DP (Taquara), Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente e Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Or-ganizadas e Inquéritos Especiais (Draco) para apurar as causas do desabamento e investigar possí-vel envolvimento de milicianos em construções irregulares na região. Ontem à tarde, porém, a Polícia descobriu que o prédio foi cons-truído pelo pai da vítima, Genivan Macedo, que prestou depoimento como testemunha na 16ª DP.

Apuração da Draco mostra que o homem não tem envolvimento com milícia. A prefeitura também informou que o imóvel foi construí-do irregularmente há 21 anos, mas que se tratava de prédio familiar.

Força-tarefa para investigar

Kiara Abreu com Natan e Maitê. Imagem foi publicada nas redes sociais em janeiro de 2020

FALHAS

N Mais um desastre envolvendo cons-trução irregular na cidade volta a escancarar falhas e a falta de fiscali-zações do poder público nas comuni-dades. Enquanto isso, vem crescendo a atuação da milícia nessas regiões: a ausência de vistorias da prefeitura e governo estadual abre espaço para grupos paramilitares. A comunidade de Rio das Pedras, inclusive, é consi-derado o berço das milícias.

À época do desabamento de dois prédios na comunidade da Muzema, em 12 de abril de 2019, a prefeitura informou que as obras foram erguidas por grupos paramilitares de forma ilegal. Os imóveis estavam localizados em área de prote-ção ambiental e foram interditados.

Na ocasião, 24 pessoas acabaram mortas na tragédia. As construções, que eram irregulares, caíram quatro dias depois que uma forte tempesta-de atingiu a cidade.

De acordo com a Polícia Civil, Rio das Pedras e Muzema são dois bairros controlados pela milícia. Investiga-ções apontam que uma das fontes de lucro dos paramilitares é o ramo imobiliário clandestino.

No último dia 24 de maio, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio decidiu sol-tar três acusados pelo desabamento na comunidade da Muzema. A juíza Simone de Faria Ferraz, da 1ª Vara Criminal, assi-nou a decisão que colocava em liberda-de José Bezerra de Lira, Rafael Gomes da Costa e Renato Siqueira Ribeiro. De acordo com a magistrada, os acusados foram liberados da prisão preventiva por ‘excesso de prazo na custódia’.

Agora, os três réus irão aguardar o julgamento do caso em liberdade. Entretanto, eles são obrigados a in-formar mensalmente seus paradei-ros à Justiça fluminense e também não podem ter contato com teste-munhas do processo.

Ausência do poder público escancarada

DIANTE DE RISCO

N A Defesa Civil do Rio teve que interdi-tar sete imóveis após o desabamento. O órgão também teve que demolir o prédio ao lado do edifício que desabou por ris-cos de desmoronamento. A destruição começou à tarde e teve uso de uma re-troescavadeira. Segundo o engenheiro do órgão, André Luiz Alves, a construção ficou extremamente comprometida e oferecia risco aos moradores. “O prédio lateral ficou instável e corria risco de de-sabar, por isso ele foi demolido até com o que tinha dentro. O edifício ficou com a estrutura comprometida”.

Kerlim Cutrim, 29, morava ali com a mãe, marido e as duas filhas, de 11 e 4 anos. Durante o desabamento do prédio vizinho, uma parede invadiu o quarto de suas filhas, deixando a caçula com um ferimento na cabeça.

Defesa Civil demole construção ao lado O prédio lateral

corria risco de desabar, por isso ele foi demolido até com o que tinha dentro”ANDRÉ ALVES,Engenheiro da Defesa Civil

Bombeiros de três quartéis trabalharam

no resgate. Militares encontraram corpo de

Natan no início da tarde

O DIA I SExtA-FEIRA, 4.6.2021 3