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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano XLVIII, número 50 (2.494) Cidade do Vaticano quinta-feira 14 de dezembro de 2017 y(7HB5G3*QLTKKS( +_!#!?!,!"! Decisões eficazes para contrastar as mudanças climáticas No Angelus os apelos a favor do meio ambiente, direitos humanos e desarmamento nuclear A revolução de Maria CONTINUA NA PÁGINA 2 Solenidade da Imaculada Conceição Não se resignar à degradação LUCETTA SCARAFFIA No dia da Imaculada, o Papa Francisco multiplicou a tradicional homenagem que os Pontífices pres- tam a Maria: não só foi até à colu- na a Ela dedicada na praça de Es- panha, mas primeiro rezou diante do ícone que lhe é muito querido, conservado em Santa Maria Maior, e depois à igreja de Santo André “delle Fratte”, lugar de uma apari- ção milagrosa. Gestos que não sur- preendem num Papa que, desde o início, revelou uma devoção parti- cular a Nossa Senhora com as nu- merosíssimas visitas à imagem da Salus populi Romani e aos santuá- rios marianos durante as suas via- gens. Esta sua predileção, acompanha- da por um estilo de comunicação bastante simples, que todos enten- dem, levou muitos a etiquetá-lo co- mo um Pontífice próximo do povo, das suas devoções. Usando pala- vras menos diplomáticas, um Papa considerado demasiado simples, excessivamente modesto, desprovi- No centenário do falecimento Francisca Cabrini mãe e irmã dos migrantes PÁGINA 2 História e destino da cidade três vezes santa GIOVANNI MARIA VIAN NA PÁGINA 8 Mensagem para as vocações Chamada à alegria PÁGINA 5 Festa da Virgem de Guadalupe O cântico dos povos latino-americanos Na missa celebrada na basílica para a festa da Virgem de Guada- lupe na tarde de terça-feira, 12 de dezembro, o Papa frisou que é necessário «defender os nossos povos de uma colonização ideoló- gica que cancela as suas riquezas, quer eles sejam indígenas, afro-americanos, mestiços, campo- neses ou habitantes das perife- rias». Entre os presentes, Guz- mán Carriquiry, secretário encar- regado da vice-presidência da Pontifícia Comissão para a Amé- rica Latina, e os participantes na conferência organizada para o vi- gésimo quinto aniversário da fun- dação Populorum progressio — que teve lugar na manhã de terça-feira dia 12 — aos quais o Santo Padre enviou uma mensagem que publi- caremos no próximo número. PÁGINA 11 Danielle Nelisse, «Climate Change» Aos leigos da América Latina Reabilitar a dignidade da política PÁGINA 10 Férmin Revueltas, «Alegoría de la Virgen de Guadalupe» (mural) Decisões eficazes para contrastar as mudanças climáticas foram invoca- das pelo Papa no final do Angelus de domingo 10 de dezembro na pra- ça de São Pedro, na vigília do “O ne planet summit” inaugurado no dia 12 na capital francesa. «Dois anos após a adoção do Acordo de Paris sobre o clima», a nova Cimeira — disse o Santo Padre — «pretende re- novar o compromisso pela sua con- cretização e consolidar uma estraté- gia partilhada a fim de contrastar o fenómeno preocupante da mudança climática». Por conseguinte, o Pontífice fez votos de que o encontro parisiense, «assim como as outras iniciativas análogas, favoreçam uma clara toma- da de consciência sobre a necessida- de de medidas realmente eficazes» a fim de contrastar o fenómeno «e, ao mesmo tempo, combater a pobreza e promover o desenvolvimento huma- no integral». Significativo o apelo a favor do desarmamento atómico e da defesa dos direitos humanos, no dia em que foi conferido o prémio Nobel da paz à campanha internacional para abolir as armas nucleares. Frisando que o reconhecimento foi atribuído em coincidência com o dia procla- mado pelas Nações Unidas para os direitos humanos, o Papa realçou «o forte vínculo» entre estes dois temas. PÁGINA 7 Uma oração a Maria a fim de que ajude Roma «a desenvolver os “an- ticorpos” contra alguns vírus dos nossos tempos» como «a indiferen- ça, a falta de educação cívica, o me- do do diferente e do estrangeiro, o conformismo disfarçado de trans- gressão, a hipocrisia, a exploração» e sobretudo «a resignação à degra- dação» foi elevada pelo Papa na tar- de de sexta-feira, 8 de dezembro, por ocasião da tradicional homena- gem à Imaculada na praça de Espa- nha. Depois de ter recordado que se tratou da quinta peregrinação «co- mo bispo de Roma», o Papa agra- deceu à Mãe «a solicitude com a qual» acompanha «o percurso das famílias, das paróquias, das comuni- dades religiosas» e de «quantos to- dos os dias atravessam» a cidade «para ir ao trabalho», assim como «dos doentes, dos idosos, de todos os pobres, de muitas pessoas imigra- das para aqui de terras de guerra e de fome». PÁGINA 3

Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · ção milagrosa. Gestos que não sur-preendem num Papa que, desde o início, revelou uma devoção parti-cular

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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00

L’O S S E RVATOR E ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suum

EM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Ano XLVIII, número 50 (2.494) Cidade do Vaticano quinta-feira 14 de dezembro de 2017

y(7HB5G3*QLTKKS( +_!#!?!,!"!

Decisões eficazes para contrastaras mudanças climáticas

No Angelus os apelos a favor do meio ambiente, direitos humanos e desarmamento nuclear

A revolução de Maria

CO N T I N UA NA PÁGINA 2

Solenidade da Imaculada Conceição

Não se resignar à degradação

LU C E T TA SCARAFFIA

No dia da Imaculada, o PapaFrancisco multiplicou a tradicionalhomenagem que os Pontífices pres-tam a Maria: não só foi até à colu-na a Ela dedicada na praça de Es-panha, mas primeiro rezou diantedo ícone que lhe é muito querido,conservado em Santa Maria Maior,

e depois à igreja de Santo André“delle Fratte”, lugar de uma apari-ção milagrosa. Gestos que não sur-preendem num Papa que, desde oinício, revelou uma devoção parti-cular a Nossa Senhora com as nu-merosíssimas visitas à imagem daSalus populi Romani e aos santuá-rios marianos durante as suas via-gens.

Esta sua predileção, acompanha-da por um estilo de comunicaçãobastante simples, que todos enten-dem, levou muitos a etiquetá-lo co-mo um Pontífice próximo do povo,das suas devoções. Usando pala-vras menos diplomáticas, um Papaconsiderado demasiado simples,excessivamente modesto, desprovi-

No centenário do falecimento

Francisca Cabrinimãe e irmã dos migrantes

PÁGINA 2

História e destinoda cidade três vezes santa

GI O VA N N I MARIA VIAN NA PÁGINA 8

Mensagem para as vocações

Chamada à alegria

PÁGINA 5

Festa da Virgem de Guadalupe

O cânticodos povos

latino-americanos

Na missa celebrada na basílicapara a festa da Virgem de Guada-lupe na tarde de terça-feira, 12 dedezembro, o Papa frisou que énecessário «defender os nossospovos de uma colonização ideoló-gica que cancela as suas riquezas,quer eles sejam indígenas,afro-americanos, mestiços, campo-neses ou habitantes das perife-rias». Entre os presentes, Guz-mán Carriquiry, secretário encar-regado da vice-presidência daPontifícia Comissão para a Amé-rica Latina, e os participantes naconferência organizada para o vi-gésimo quinto aniversário da fun-dação Populorum progressio — queteve lugar na manhã de terça-feiradia 12 — aos quais o Santo Padreenviou uma mensagem que publi-caremos no próximo número.

PÁGINA 11

Danielle Nelisse, «Climate Change»

Aos leigos da América Latina

Reabilitara dignidade da política

PÁGINA 10

Férmin Revueltas, «Alegoría de la Virgende Guadalupe» (mural)

Decisões eficazes para contrastar asmudanças climáticas foram invoca-das pelo Papa no final do Angelusde domingo 10 de dezembro na pra-

ça de São Pedro, na vigília do “O neplanet summit” inaugurado no dia12 na capital francesa. «Dois anosapós a adoção do Acordo de Parissobre o clima», a nova Cimeira —disse o Santo Padre — «pretende re-novar o compromisso pela sua con-cretização e consolidar uma estraté-gia partilhada a fim de contrastar ofenómeno preocupante da mudançaclimática».

Por conseguinte, o Pontífice fezvotos de que o encontro parisiense,«assim como as outras iniciativasanálogas, favoreçam uma clara toma-da de consciência sobre a necessida-de de medidas realmente eficazes» afim de contrastar o fenómeno «e, aomesmo tempo, combater a pobreza epromover o desenvolvimento huma-no integral».

Significativo o apelo a favor dodesarmamento atómico e da defesados direitos humanos, no dia emque foi conferido o prémio Nobel dapaz à campanha internacional para

abolir as armas nucleares. Frisandoque o reconhecimento foi atribuídoem coincidência com o dia procla-mado pelas Nações Unidas para os

direitos humanos, o Papa realçou «oforte vínculo» entre estes dois temas.

PÁGINA 7

Uma oração a Maria a fim de queajude Roma «a desenvolver os “an-ticorp os” contra alguns vírus dosnossos tempos» como «a indiferen-ça, a falta de educação cívica, o me-do do diferente e do estrangeiro, oconformismo disfarçado de trans-gressão, a hipocrisia, a exploração»e sobretudo «a resignação à degra-dação» foi elevada pelo Papa na tar-de de sexta-feira, 8 de dezembro,por ocasião da tradicional homena-gem à Imaculada na praça de Espa-nha. Depois de ter recordado que setratou da quinta peregrinação «co-mo bispo de Roma», o Papa agra-deceu à Mãe «a solicitude com aqual» acompanha «o percurso das

famílias, das paróquias, das comuni-dades religiosas» e de «quantos to-dos os dias atravessam» a cidade«para ir ao trabalho», assim como«dos doentes, dos idosos, de todosos pobres, de muitas pessoas imigra-das para aqui de terras de guerra ede fome».

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página 2 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 14 de dezembro de 2017, número 50

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suumEM PORTUGUÊSNon praevalebunt

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GI O VA N N I MARIA VIANd i re t o r

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Às missionárias do sagrado Coração de Jesus no centenário do falecimento da fundadora

Francisca Cabrinimãe e irmã dos migrantes

«O seu carisma é de grandeatualidade, porque os migrantesprecisam certamente de boas leis, deprogramas de desenvolvimento, mastêm sempre necessidade também e antesde tudo de Deus, que encontraram noamor gratuito de uma mulher que, como coração consagrado, é irmã e mãe»,disse o Papa no centenário da mortede Santa Francisca Cabrini, ao receberas missionárias do Sagrado Coração deJesus no dia 9 de dezembro, na SalaClementina.

Queridas irmãs e amados irmãos!É com grande prazer que recebo to-dos vós, representantes da FamíliaCabriniana, que deste modo desejaisconcluir as celebrações do centenáriodo nascimento para o céu de SantaFrancisca Xavier Cabrini. A 17 dedezembro de 1917 esta santa mulher,que cruzou por vinte e quatro vezeso oceano a fim de assistir os migran-tes nas Américas, e que, incansavel-mente, se tinha aventurado até aosAndes e também à Argentina, fale-ceu repentinamente em Chicago, epartiu para a última viagem.

Saúdo D. Rino Fisichella, que vossegue com tanto afeto; e agradeço àMadre Barbara Louise Staley, as pa-lavras de saudação e o engajamentoconcreto, onde se encontram mi-grantes, a tornar sempre presentes oacolhimento e o testemunho doamor cristão.

Santa Cabrini foi uma verdadeiramissionária. Cresceu tendo diante desi o exemplo de São Francisco Xa-vier, pioneiro da evangelização noOriente. No seu coração tinha aChina e esperava levar o anúncio doEvangelho àquela terra distante.Não pensava nos milhares de emi-grantes que por causa da fome, dafalta de trabalho e da ausência deum futuro embarcavam com os seuspoucos haveres a fim de chegar àAmérica, levados pelo sonho de umavida melhor. Como sabemos, foi aclarividência do Papa Leão XIII que,com uma frase, fez com que mudas-se de rota: “Não a Oriente, Cabrini,mas a Ocidente!”. A jovem Madre,que fundara de recente as Missioná-rias do Sagrado Coração, tinha queabrir os seus olhos a fim de ver paraonde Deus a enviava em missão.Não onde ela queria ir, mas ondeEle tinha preparado para ela o cami-nho, a via do serviço e da santidade.Eis o exemplo de uma verdadeiravocação: esquecer-se de si para seabandonar plenamente ao amor deD eus.

Depois de tantos anos, a realidadedos migrantes, aos quais Santa Fran-cisca Xavier dedicou toda a sua vi-da, evoluiu e é atual como nunca.Novos rostos de homens, mulheres ecrianças, marcados por tantas formas

de pobreza e de violência, estão no-vamente diante dos nossos olhos eesperam encontrar no seu caminhomãos estendidas e corações acolhe-dores como os da Madre Cabrini. Avós, em particular, é oferecida a res-ponsabilidade de ser fiéis à missãoda vossa Santa Fundadora. O seucarisma é de extraordinária atualida-de, porque os migrantes certamenteprecisam de boas leis, de programasde desenvolvimento, de organização,mas têm sempre necessidade tam-bém e antes de tudo de amor, ami-zade, proximidade humana; preci-sam de ser ouvidos, fitados nosolhos, acompanhados; têm necessi-dade de Deus, que encontraram noamor gratuito de uma mulher que,com o coração consagrado, é irmã emãe.

O Senhor renove sempre em vós oolhar atento e misericordioso sobreos pobres que vivem nas nossas ci-dades e países. A Madre Cabrini ti-nha a coragem de fitar nos olhos ascrianças órfãs que lhe eram confia-das, os jovens sem trabalho que sesentiam tentados pela delinquência,os homens e as mulheres exploradosnos trabalhos mais humildes; e porisso hoje estamos aqui para dar gra-ças a Deus pela sua santidade. Emcada um daqueles irmãos e irmãs,ela reconhecia o rosto de Cristo e,genial como era, foi capaz de fazerfrutificar os talentos que o Senhorlhe confiara (cf. Mt 25, 14-23). Tinhaum agudo sentido da ação apostóli-ca; e se teve tanta energia para reali-zar em tão poucos anos um trabalhoextraordinário, foi unicamente pelasua união a Cristo, segundo o mode-lo de São Paulo, do qual tirou o seumote: «Tudo posso n’Aquele que mefortalece» (Fl 4, 13). Uma vida verti-

ginosa cheia de trabalho, viagenssem fim a pé, de comboio, de navio,de barco, a cavalo...; criando do na-da sessenta e sete obras entre cre-ches, escolas, colégios, hospitais, or-

fanatos, laboratórios... tudo parapropagar a força do Evangelho, quelhe tinha dilatado o coração paraque pertencesse a todos.

Santa Cabrini viveu da espirituali-dade do Sagrado Coração de Jesus.Passo após passo, a sua existênciafoi totalmente dedicada a confortar,fazer conhecer e amar o SagradoCoração. E isto tornou-a capaz deolhar para o coração daqueles dosquais se aproximava e assistia paralhes corresponder de maneira coe-rente. Este importante aniversário re-corda a todos nós, com vigor, a ne-cessidade de uma fé que sabe aco-lher o momento de graça que se vi-ve. Por mais difícil que possa pare-cer, diz-nos que devemos fazer comoela: ser capazes de captar os sinaisdo nosso tempo, lê-los à luz da Pa-lavra de Deus e vivê-los de maneiraa dar uma resposta que alcance ocoração de cada pessoa.

Queridas irmãs e estimados ir-mãos que partilhais o carisma cabri-niano, agradeço-vos o vosso compro-misso. Acompanho-vos com a Bên-ção apostólica e peço a cada um devós que não vos esqueçais de rezarpor mim.

Meo Carbone, «Homenagem a Santa Francisca Xavier Cabrini»

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 1

A revolução de Maria

do de profundidade teológica. Masestes observadores foram apressa-dos e superficiais, não prestandoatenção ao verdadeiro significadodas palavras de Bergoglio, que nãosó são compreensíveis, mas tam-bém cheias de ensinamento teoló-gico e espiritual.

Com efeito, no Angelus de on-tem, dedicado ao episódio evangé-lico da Anunciação, o Pontíficeaprofundou o significado das pri-meiras palavras que o anjo dirigiua Maria, «cheia de graça», isto é,«Maria é cheia da presença deDeus. E se é inteiramente habitadapor Deus, nela não há lugar para opecado. É algo extraordinário, por-que no mundo infelizmente tudoestá contaminado pelo mal». Trata-se uma reflexão sobre o dogma daImaculada Conceição que leva aver em Maria, ser humano único eespecial, precisamente uma unici-dade — ser cheia da presença deDeus — diretamente ligada à ma-ternidade, ou seja, à sua corajosaaceitação de se tornar medianeiraentre Deus e a humanidade, permi-tindo a Encarnação.

A devoção mariana não é apenasprotetora, mas leva ao centro da fé

cristã, ao cerne do mistério da En-carnação, sem a qual não haveria ocristianismo. Portanto, a nova reli-gião nasce da coragem de uma mu-lher muito jovem, à qual Deus pe-diu a autorização para realizar omilagre. A aceitação de Mariadiante de uma perspetiva misterio-sa e sobretudo socialmente muitoperigosa para ela — um filho quenasce fora do casamento — abre asportas à salvação da humanidade.

Até uma simples reflexão — co-mo o Papa Francisco bem sabe —sobre este episódio quase incrível,numa sociedade na qual a vontadedas mulheres nem sequer era tidaem consideração, faz entender o al-cance revolucionário do ensina-mento de Jesus. Como canta a pró-pria Maria no Magnificat, o Salva-dor vem para derrubar as hierar-quias sociais, para estabelecer umanova ordem na qual os frágeis (e asmulheres, frágeis entre os frágeis)teriam mais importância do que ospoderosos. Portanto, evocar Mariasignifica despertar o poder revolu-cionário do ensinamento evangéli-co e recordar a uma instituição quese apresenta como compactamentemasculina, que deve tudo a umam u l h e r.

número 50, quinta-feira 14 de dezembro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

Não se resignar à degradação

O pecado faz envelhecerNo Angelus o Pontífice explicou por que Maria é cheia de graça

«O que quer dizer cheia de graça? QueMaria é cheia da presença de Deus. Enela não há espaço para o pecado»,ressaltou o Papa Francisco no Angelusrecitado na praça de São Pedro a 8 dedezembro, solenidade da ImaculadaConceição.

Estimados irmãos e irmãsbom dia e feliz festa!Hoje contemplamos a beleza de Ma-ria Imaculada. O Evangelho, quenarra o episódio da Anunciação, aju-da-nos a entender aquilo que festeja-mos, sobretudo através da saudaçãodo anjo. Ele dirige-se a Maria comuma palavra não fácil de traduzir,que significa “cheia de graça”, “cria-da pela graça”, «cheia de graça» (Lc1, 28). Antes de chamar Maria, cha-ma-lhe cheia de graça, e assim revelao novo nome que Deus lhe atribuiue que é mais apropriado do que onome que lhe foi dado pelos seuspais. Também nós lhe chamamos as-sim, a cada Av e - Ma r i a .

O que quer dizer cheia de graça?Que Maria é cheia da presença de

Deus. E se é inteiramente habitadapor Deus, nela não há lugar para opecado. Trata-se de algo extraordi-nário, porque infelizmente tudo nomundo está contaminado pelo mal.Cada um de nós, olhando dentro desi mesmo, vê lados obscuros. Inclu-sive os maiores santos eram pecado-res, e todas as realidades, até as maissublimes, são manchadas pelo mal:todas, exceto Maria. Ela é o único“oásis sempre verde” da humanida-de, a única incontaminada, criadaImaculada para acolher plenamente,com o seu “sim”, Deus que vinha aomundo e deste modo começar umanova história.

Cada vez que a reconhecemoscheia de graça, fazemos-lhe o maiorelogio, o mesmo que Deus lhe fez.O melhor elogio que se pode dizer auma senhora é falar-lhe, com amabi-lidade, que demonstra menos idade.Quando dizemos a Maria cheia deg ra ç a , num certo sentido dizemos-lhetambém isto, ao nível mais elevado.Com efeito, reconhecemo-la semprejovem, porque jamais envelhecida

pelo pecado. Só existe uma coisaque deveras faz envelhecer, envelhe-cer interiormente: não é a idade,mas o pecado. O pecado envelhece-nos, porque esclerosa o coração. Fe-cha-o, torna-o inerte, fá-lo murchar.Mas a cheia de graça é vazia de peca-do. Então é sempre jovem, é «maisjovem que o pecado», é «a mais jo-vem do género humano» (G. Berna-nos, Diário de um pároco de aldeia,II, 1988, p. 175).

Hoje a Igreja felicita-se com Ma-ria chamando-lhe toda bela, tota pul-c h ra . Assim como a sua juventudenão depende da idade, do mesmomodo a sua beleza não consiste naexterioridade. Como mostra o Evan-gelho de hoje, Maria não se dintin-gue pela aparência: de família sim-ples, vivia humildemente em Nazaré,um povoado quase desconhecido. Enão era famosa: até quando o anjo avisitou, ninguém soube disto, naque-le dia ali não havia re p ó r t e r algum.Nossa Senhora também não levouuma vida confortável, mas teve preo-cupações e temores: ela «sentiu-se

muito perturbada» (v. 29), reza oEvangelho, e quando o anjo «seafastou dela» (v. 38), os problemasaumentaram.

No entanto, a cheia de graça levouuma vida bonita. Qual era o seu se-gredo? Podemos compreendê-loolhando novamente para o cenárioda Anunciação. Em muitas pinturasMaria é representada sentada diantedo anjo com um pequeno livro nasmãos. Este livro é a Escritura. AssimMaria costumava ouvir Deus e estarcom Ele. A Palavra de Deus era oseu segredo: perto do seu coração,depois se encarnou no seu seio. Per-manecendo com Deus, dialogandocom Ele em todas as circunstâncias,Maria tornou bela a sua vida. O quefaz bela a vida não é a aparência,não é aquilo que é passageiro, mas ocoração orientado para Deus. Con-templemos hoje com alegria a cheiade graça. Peçamos-lhe que nos ajudea permanecer jovens, dizendo “não”ao pecado, e a levar uma vida bonita,dizendo “sim” a Deus.

Publicamos a oração que o Papa Francisco recitou naparte da tarde de 8 de dezembro, no ato deveneração da Imaculada Conceição na Praça deEspanha.

Mãe Imaculada,pela quinta vez venho aos teus pés como Bispode Roma,]prestar-te homenagem em nome de todos oshabitantes desta cidade.]Queremos agradecer-te a atenção constante]

com que acompanhas o nosso caminho,o caminho das famílias, das paróquias,das comunidades religiosas;]o caminho de quantos, todos os dias, às vezescom dificuldade,]atravessam Roma para ir trabalhar;dos doentes, dos idosos, de todos os pobres,de tantas pessoas que imigraram para cá de terrasde guerra e de fome.]Obrigado porque, assim que te dirigimos ump ensamento]ou um olhar, ou uma Ave-Maria fugaz,sentimos sempre a tua presença materna, terna eforte.]

Ó Mãe, ajuda esta cidade a desenvolveros “anticorp os”]contra alguns vírus dos nossos tempos:a indiferença, que diz: “Não me diz respeito”;a má educação cívica que despreza o bemcomum;]o medo do diverso e do estrangeiro;o conformismo disfarçado de transgressão;a hipocrisia de acusar os outros, quando se fazemas mesmas coisas;]a resignação à degradação ambiental e ética;a exploração de tantos homens e mulheres.Ajuda-nos a rejeitar estes e outros víruscom os anticorpos que derivam do Evangelho.Leva-nos a adquirir o bom hábitode ler todos os dias um trecho do Evangelhoe, a teu exemplo, conservar no coração a Palavra,]para que, como uma boa semente, dê fruto nanossa vida.

Virgem Imaculada,há 175 anos, pouco distante daqui,na igreja de Santo André “delle Fratte”,tocaste o coração de Afonso Ratisbonne,que naquele momento]de ateu e inimigo da Igreja, se tornou cristão.A ele mostraste-te como Mãe de graçae de misericórdia.]Concede também a nós, especialmente naprovação e na tentação,]fixar o olhar nas tuas mãos abertas,que deixam descer sobre a terra as graças doS e n h o r, ]e despojar-nos de qualquer arrogância orgulhosa,]

para nos reconhecermos como somos realmente:pequenos e pobres pecadores, mas sempre teusfilhos.E assim, pegar na tua mão para nos deixarmosreconduzir rumo a Jesus, nosso irmãoe salvador,]e ao Pai celeste, que nunca se cansade nos esperar]e de nos perdoar, quando voltamos para Ele.Obrigado, ó Mãe, porque nos ouves sempre!Abençoa a Igreja que está em Roma,abençoa esta Cidade e o mundo inteiro.Amém!

Depois da homenagem a Nossa Senhorana Praça de Espanha, o Santo Padre dirigiu-se a pé

até à basílica de Santo André «delle Fratte»onde foi recebido e saudado pelos frades e pelas religiosas

do Coração de Jesus. Em seguida, o Pontífice rezouem silêncio diante da imagem de Nossa Senhora

da medalha milagrosa e abençoou o presépio preparado nanave esquerda. A tarde mariana do Pontífice concluiu-se

por volta da 16h35, quando regressou ao Vaticano.

página 4 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 14 de dezembro de 2017, número 50

Formar os jovens na arte do diálogoDiscurso a uma delegação ecuménica de Taiwan

O convite a formar os jovens na «artedo diálogo», de modo que «possamtornar-se protagonistas de uma culturada harmonia e da reconciliação», foidirigido pelo Papa Francisco aosmembros do Conselho nacional dasIgrejas de Taiwan, recebidos emaudiência na manhã de 7 de dezembro,na sala do Consistório. Eis o discursodo Pontífice.

Caros irmãos e irmãs!Responsáveis e membros do Natio-nal Council of Churches of Taiwan,dou-vos as minhas mais cordiaisboas-vindas e agradeço-vos as amá-veis palavras de saudação que me di-rigistes.

Como sabeis, acabei de regressarde uma visita ao Myanmar e aoBangladesh. Deste modo pude fazerexperiência da vitalidade e da inven-tiva que caraterizam os povos daÁsia, mas também do rosto sofredorde uma humanidade demasiadas ve-zes desprovida de prosperidade ma-terial e de bem-estar social. Existemmuitos âmbitos nos quais, comocristãos, somos chamados a trabalharjuntos para promover a dignidadede cada ser humano e para ajudarquantos são menos favorecidos. Sin-

to-me encorajado por aquilo que medissestes: «Sem amor, a paz não éverdadeiramente tal; sem amor, omundo precipita no caos». Comocristãos, devemos antes de tudo pôrem prática o mandamento do Se-nhor: «Assim como Eu vos tenhoamado, também vós deveis amar-vosuns aos outros. Nisto todos conhece-rão que sois meus discípulos» (Jo 13,34-35). Por conseguinte, o amor deDeus que deve ser encarnado con-cretamente na vida é a nossa viamestra, a responsabilidade que te-

mos em comum perante o mundo,para darmos testemunho da nossaesperança (cf. 1 Pd 3, 15).

Através da Conferência Episcopalregional chinesa, a Igreja católica es-tá comprometida, desde a Fundaçãodo National Council of Churches ofTaiwan, em 1991, a promover umamaior unidade entre os crentes noSenhor. O fortalecimento das rela-ções entre as Confissões cristãs e oanúncio de Jesus, que podereis em-preender em conjunto, também atra-

vés de obras de caridade e de proje-tos formativos destinados aos jovens,hão de beneficiar a sociedade intei-ra. Com efeito, um porvir melhorpara todos exige a formação das jo-vens gerações, de maneira especialna arte do diálogo, de tal maneiraque possam tornar-se protagonistasde uma cultura da harmonia e da re-conciliação, tão necessária, permane-cendo dispostos a percorrer, com aajuda de Deus, aquele percurso quevai do conflito à comunhão e que sedemonstrou tão frutuoso no cami-nho ecuménico.

Agradeço a cada um de vós ocompromisso a prosseguir ao longodesta vereda, revigorando a fraterni-dade e a colaboração entre as vossascomunidades. Continuemos a cami-nhar juntos, no primado da caridade,rumo ao dia em que se há de cum-prir o desejo de Jesus: «Para que to-dos sejam sejam um só... a fim deque o mundo creia» (Jo 17, 21). Peçoa Deus que vos abençoe, juntamentecom os vossos entes queridos e comas vossas comunidades, e a vós, quevos recordeis de mim na oração; econvido-vos a rezar juntos o Pai-Nosso.

Notas de serenidadeAo pequeno coro do Antoniano de Bolonha

Pelos noventa anos do cardeal decano

Homem eclesialmente disciplinadoNa manhã de 7 de dezembro, na Capela paulina do Palácio apostólico, o Papa Francisco presidiuà celebração eucarística por ocasião do nonagésimo aniversário do cardeal decano. Concelebraramtrinta e oito purpurados, entre os quais Parolin, secretário de Estado, além de numerosos prelados,entre os quais os arcebispos Becciu, substituto da Secretaria de Estado, Pawłowski, delegado paraas Representações pontifícias, e Gänswein, prefeito da Casa pontifícia. Entre os presentes, tambémas religiosas de Santa Marta que prestam serviço nos aposentos do cardeal Sodano. Após a leiturado trecho evangélico de João, dedicado ao bom Pastor, o decano proferiu a homilia. No final dorito, o Pontífice pronunciou estas palavras.

A 7 de dezembro, na SalaClementina, o Santo Padrerecebeu em audiência opequeno coro Mariele Ventredo Antoniano de Bolonha enessa ocasião pronunciou ested i s c u rs o .

Queridas crianças e jovens!Saúdo-vos com afeto assimcomo quantos vos seguemnas atividades do PequenoCoro Mariele Ventre do Anto-niano de Bolonha, que esteano festeja sessenta anos dacompetição denominada“Lo Zecchino d’O ro”.

Desejo exprimir o meuapreço pela celebridadeque o vosso Coro alcançounestes anos através das bo-nitas execuções musicais,que encontraram predileçãono mundo das crianças etambém dos adultos. E istoporque através das vossascanções, com simplicidadee competência, transmitisum sentido de serenidade,tão necessária para todos,especialmente para as famí-lias provadas por dificulda-des e sofrimentos.

Continuai o vosso cami-nho: cantai os valores au-tênticos da vida e, median-te o canto, louvai e dai gra-ças a Deus por todo o bemque Ele nos concede. Nestetempo de Advento em pre-paração para o Santo Na-tal, as vossas canções, quenarram o evento do nasci-

mento de Jesus, possamajudar quantos vos ouvema compreender o amor e aadmiração do que aconte-ceu em Belém há dois milanos. Deus fez-se Meninopara estar próximo do ho-mem de todos os tempos,demonstrando-lhe a sua in-finita ternura.

Peço-vos que rezeis pormim, e de coração invocosobre vós a Bênção do Se-nhor, que estendo ao vossoAssistente espiritual, aosFrades Franciscanos e a to-dos os vossos familiares.

E agora, de onde esta-mos sentados tranquilos,olhemos para Nossa Se-nhora que espera o Meni-no, que espera Jesus. Tam-bém todos nós esperamosJesus, todos, que venha aonosso coração. Todos jun-tos rezemos a Nossa Se-nhora, a Ave-Maria.

[Ave Maria]Cada vez que tivermos

necessidade, se nos sentir-mos tristes ou com algumadificuldade, doentes oucom problemas, peçamos aNossa Senhora, que nosensine a esperar Jesus. Je-sus vem sempre. É necessá-rio um pouco de paciência,como ela teve — no meiode grandes dificuldades! —para receber Jesus.

Agora concedo a bênçãoa todos.

Todos os dias damos graças ao Senhor poraquilo que Ele faz na nossa vida; mas quan-do há celebrações importantes — 25°, 50°aniversário e também as dezenas de anos —damos graças a Deus com maior força. Enestas comemorações torna-se mais vigorosaa memória do caminho percorrido, e estamemória leva-nos a oferecer um dom. Me-mória que é uma dimensão da vida. É umadesgraça perder a memória de tudo o queDeus fez por nós: “Recorda-te, Israel, recor-da-te...”, aquela dimensão deuteronómica davida.

O Cardeal Sodano fez memória destesanos, e cada vez que fazemos memória, en-contramo-nos diante de uma nova graça.Memória até da nossa pequenez, dos nossoserros e também dos pecados. São Paulo or-gulhava-se deles, porque só Deus merece aglória; todos nós somos frágeis. E esta me-mória dá-nos a força para caminhar rumo aoutro decénio. É uma graça da memória. Eaquilo que o Cardeal fez a fim de se prepa-rar para esta celebração é oferecido a nóscomo dom: a dádiva de um testemunho davida que faz bem a todos.

Cada vida é diferente. Cada um de nóstem a própria experiência, e o Senhor leva-opor um caminho diverso, mas é sempre oSenhor que nos pega pela mão, é Ele. Este éum dom que recebemos, e nós oferecemos odom do testemunho de uma vida. O Senhorsabe qual é o verdadeiro testemunho, aqueleque está escondido e que fez o bem semaparecer. Vemos no Cardeal o testemunho

de um homem que fez muito pela Igreja, emdiferentes situações, com alegria e com lágri-mas. Mas o testemunho que hoje me parece,talvez, o maior que nos dá é o de um ho-mem eclesialmente disciplinado, e esta é umagraça pela qual lhe estou grato, Senhor Car-deal. E peço que este testemunho da dimen-são eclesial, na disciplina eclesial, nos ajudea ir em frente na nossa vida. Muito obriga-do, Senhor Cardeal!

número 50, quinta-feira 14 de dezembro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 5

Mensagem para o dia mundial de oração pelas vocações

Chamada à alegria

Deus «ao longo das estradas por vezespoeirentas da nossa vida e, conscienteda nossa pungente nostalgia de amor efelicidade, chama-nos à alegria»,escreveu o Papa Francisco namensagem enviada por ocasião doquinquagésimo quinto dia mundial deoração pelas vocações, que serácelebrado a 22 de abril de 2018,quarto domingo de Páscoa. Eis aspalavras do Pontífice.

Escutar, discernir, vivera chamada do Senhor

Queridos irmãos e irmãs!No próximo mês de outubro, vairealizar-se a XV Assembleia GeralOrdinária do Sínodo dos Bispos,que será dedicada aos jovens, parti-cularmente à relação entre jovens, fée vocação. Nessa ocasião, teremosoportunidade de aprofundar como,no centro da nossa vida, está a cha-mada à alegria que Deus nos dirige,constituindo isso mesmo «o projetode Deus para os homens e mulheresde todos os tempos» (SÍNOD O D OSBISPOS, XV ASSEMBLEIA GERAL OR-DINÁRIA, Os jovens, a fé e o discerni-mento vocacional, Intro dução).

Trata-se de uma boa notícia, cujoanúncio volta a ressoar com vigor no55º Dia Mundial de Oração pelasVocações: não estamos submersos noacaso, nem à mercê de uma série deeventos caóticos; pelo contrário, anossa vida e a nossa presença nomundo são fruto de uma vocação di-vina.

Também nestes nossos agitadostempos, o mistério da Encarnaçãolembra-nos que Deus não cessa ja-mais de vir ao nosso encontro: éDeus connosco, acompanha-nos aolongo das estradas por vezes poei-rentas da nossa vida e, sabendo danossa pungente nostalgia de amor efelicidade, chama-nos à alegria. Nadiversidade e especificidade de cadavocação, pessoal e eclesial, trata-sede escutar, discernir e viver esta Pala-vra que nos chama do Alto e, aomesmo tempo que nos permite pôr arender os nossos talentos, faz de nóstambém instrumentos de salvação nomundo e orienta-nos para a plenitu-de da felicidade.

Estes três aspetos — escuta, discer-nimento e vida — servem de molduratambém ao início da missão de Je-sus: passados os quarenta dias deoração e luta no deserto, visita a suasinagoga de Nazaré e, aqui, põe-Seà escuta da Palavra, discerne o con-teúdo da missão que o Pai Lhe con-fia e anuncia que veio realizá-la «ho-je» (cf. Lc 4, 16-21).

Escutar

A chamada do Senhor — fiqueclaro desde já — não possui a evi-dência própria de uma das muitascoisas que podemos ouvir, ver ou to-car na nossa experiência diária.Deus vem de forma silenciosa e dis-creta, sem Se impor à nossa liberda-de. Assim pode acontecer que a suavoz fique sufocada pelas muitas in-quietações e solicitações que ocupama nossa mente e o nosso coração.

Por isso, é preciso preparar-se pa-ra uma escuta profunda da sua Pala-vra e da vida, prestar atenção aospróprios detalhes do nosso dia-a-dia,aprender a ler os acontecimentoscom os olhos da fé e manter-se aber-to às surpresas do Espírito.

Não poderemos descobrir a cha-mada especial e pessoal que Deuspensou para nós, se ficarmos fecha-dos em nós mesmos, nos nossos há-bitos e na apatia de quem desperdi-ça a sua vida no círculo restrito dopróprio eu, perdendo a oportunida-de de sonhar em grande e tornar-seprotagonista daquela história única eoriginal que Deus quer escrever con-nosco.

Também Jesus foi chamado e en-viado; por isso, precisou de Se reco-lher no silêncio, escutou e leu a Pa-lavra na Sinagoga e, com a luz e aforça do Espírito Santo, desvendouem plenitude o seu significado rela-tivamente à sua própria pessoa e àhistória do povo de Israel.

Hoje este comportamento vai-setornando cada vez mais difícil, imer-sos como estamos numa sociedaderumorosa, na abundância frenéticade estímulos e informações que en-chem a nossa jornada. À barafundaexterior, que às vezes domina as nos-sas cidades e bairros, correspondefrequentemente uma dispersão econfusão interior, que não nos per-mite parar, provar o gosto da con-templação, refletir com serenidadesobre os acontecimentos da nossa vi-da e realizar um profícuo discerni-mento, confiados no desígnio amo-roso de Deus a nosso respeito.

Mas, como sabemos, o Reino deDeus vem sem fazer rumor nem cha-mar a atenção (cf. Lc 17, 21), e só épossível individuar os seus germesquando sabemos, como o profetaElias, entrar nas profundezas donosso espírito, deixando que este se

abra ao sopro impercetível da brisadivina (cf. 1 Rs 19, 11-13).

Discernir

Na sinagoga de Nazaré, ao ler apassagem do profeta Isaías, Jesusdiscerne o conteúdo da missão paraa qual foi enviado e apresenta-o aosque esperavam o Messias: «O Espí-rito do Senhor está sobre Mim; por-que Me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-Me a pro-clamar a libertação aos cativos e, aoscegos, a recuperação da vista; amandar em liberdade os oprimidos,a proclamar o ano favorável da partedo Senhor» (Lc 4, 18-19).

De igual modo, cada um de nóssó pode descobrir a sua própria vo-cação através do discernimento espi-ritual, um «processo pelo qual apessoa, em diálogo com o Senhor ena escuta da voz do Espírito, chegaa fazer as opções fundamentais, acomeçar pela do seu estado da vida»(SÍNOD O D OS BISPOS, XV ASSEM-BLEIA GERAL ORDINÁRIA, Os jovens,a fé e o discernimento vocacional, II.2).

Em particular, descobrimos que avocação cristã tem sempre uma di-mensão profética. Como nos atesta aEscritura, os profetas são enviadosao povo, em situações de grandeprecariedade material e de crise espi-ritual e moral, para lhe comunicarem nome de Deus palavras de con-versão, esperança e consolação. Co-mo um vento que levanta o pó, oprofeta perturba a falsa tranquilida-de da consciência que esqueceu aPalavra do Senhor, discerne os acon-tecimentos à luz da promessa deDeus e ajuda o povo a vislumbrar,nas trevas da história, os sinais deuma aurora.

Também hoje temos grande neces-sidade do discernimento e da profe-cia, de superar as tentações da ideo-logia e do fatalismo e de descobrir,no relacionamento com o Senhor, oslugares, instrumentos e situaçõesatravés dos quais Ele nos chama. To-do o cristão deveria poder desenvol-ver a capacidade de «ler por dentro»a vida e individuar onde e para quêo está a chamar o Senhor a fim deser continuador da sua missão.

Viver

Por último, Jesus anuncia a novi-dade da hora presente, que entusias-mará a muitos e endurecerá a outros:

cumpriu-se o tempo, sendo Ele oMessias anunciado por Isaías, ungi-do para libertar os cativos, devolvera vista aos cegos e proclamar o amormisericordioso de Deus a toda acriatura. Precisamente «cumpriu-sehoje, afirma Jesus, esta passagem daEscritura que acabais de ouvir» (Lc4, 20).

A alegria do Evangelho, que nosabre ao encontro com Deus e os ir-mãos, não pode esperar pelas nossaslentidões e preguiças; não nos toca,se ficarmos debruçados à janela, coma desculpa de continuar à espera deum tempo favorável; nem se cumprepara nós, se hoje mesmo não abra-çarmos o risco de uma escolha. Avocação é hoje! A missão cristã é pa-ra o momento presente! E cada umde nós é chamado — à vida laical nomatrimónio, à vida sacerdotal no mi-nistério ordenado, ou à vida de es-pecial consagração — para se tornartestemunha do Senhor, aqui e agora.

Realmente este «hoje» proclama-do por Jesus assegura-nos que Deuscontinua a «descer» para salvar estanossa humanidade e fazer-nos parti-cipantes da sua missão. O Senhorcontinua ainda a chamar para vivercom Ele e segui-Lo numa particularrelação de proximidade ao seu servi-ço direto. E, se fizer intuir que noschama a consagrar-nos totalmente aoseu Reino, não devemos ter medo. Ébelo — e uma graça grande — estarinteiramente e para sempre consa-grados a Deus e ao serviço dos ir-mãos!

O Senhor continua hoje a chamarpara O seguir. Não temos de esperarque sejamos perfeitos para dar comoresposta o nosso generoso «eis-meaqui», nem assustar-nos com as nos-sas limitações e pecados, mas aco-lher a voz do Senhor com coraçãoaberto. Escutá-la, discernir a nossamissão pessoal na Igreja e no mun-do e, finalmente, vivê-la no «hoje»que Deus nos concede.

Maria Santíssima, a jovem meninade periferia que escutou, acolheu eviveu a Palavra de Deus feita carne,nos guarde e sempre acompanhe nonosso caminho.

Vaticano, 3 de dezembro de 20171º domingo de Advento

página 6 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 14 de dezembro de 2017, número 50

Não devemos pararFrancisco pediu aos luteranos para continuar o caminho ecuménico

«A unidade reconciliada entre os cristãos é uma parte indispensável» do anúnciodo Evangelho, recordou o Sumo Pontífice durante a audiência concedida aosmembros da presidência da Federação luterana mundial, realizada na manhã de7 de dezembro. Quem saudou o Santo Padre em nome de todos os presentes foi opresidente, o arcebispo nigeriano Musa Panti Filibus, o qual lhe agradeceu aparticipação na comemoração dos quinhentos anos da Reforma, que teve lugar emLund, definindo-a uma dádiva preciosa e um ponto de viragem, graças ao qualjá não são os contrastes do passado que determinam a relação entre católicos eluteranos, mas a unidade como dom do Espírito Santo. A seguir, o discurso doPapa Francisco.

gratidão, depois de cinquenta anos,reconhecendo também alguns textosparticularmente importantes, como aDeclaração conjunta sobre a doutrinada justificação e, por último, o docu-mento Do conflito à comunhão.

Com a memória purificada, hojepodemos olhar com confiança paraum futuro não sobrecarregado decontrastes e preconceitos do passa-do; um porvir sobre o qual só pesa adívida do amor recíproco (cf. Rm 13,

8); um futuro no qual somos chama-dos a discernir os dons que derivamdas diversas tradições confessionais ea aceitá-los como património co-mum. Com efeito, antes das oposi-ções, das diferenças e das feridas dopassado, está a realidade presente,comum, fundativa e permanente donosso Batismo. Ele tornou-nos filhosde Deus e irmãos entre nós. Por is-so, nunca mais poderemos permitir-nos ser adversários ou rivais. E se opassado não se pode mudar, o futu-ro interpela-nos: agora, não pode-mos deixar de procurar e promoveruma maior comunhão na caridade ena fé.

Somos chamados também a vigiar,perante a tentação de parar ao longodo caminho. Na vida espiritual, as-sim como na vida eclesial, quandoestamos parados voltamos sempreatrás: contentar-se, deter-se por me-do, preguiça, cansaço ou conveniên-

cia, enquanto se caminha rumo aoSenhor com os irmãos, significa de-clinar o seu próprio convite. E paraavançar juntos rumo a Ele não sãosuficientes boas ideias, mas é precisodar passos concretos e estender amão. Isto quer dizer, acima de tudo,engajar-nos na caridade, olhandopara os pobres, os irmãos mais pe-queninos do Senhor (cf. Mt 25, 40):são estes os nossos preciosos indica-dores ao longo do caminho. Far-nos-á bem tocar as suas feridas com aforça purificadora da presença de Je-sus e com o bálsamo do nosso servi-ço.

Com este estilo simples, exemplare radical somos chamados, de ma-neira especial hoje, a anunciar oEvangelho, prioridade do nosso sercristãos no mundo. A unidade re-conciliada entre os cristãos é umaparte indispensável deste anúncio:«Na verdade, como anunciar oEvangelho da reconciliação sem,contemporaneamente, se empenhar aagir pela reconciliação dos cristãos?»(Ut unum sint, 98). Ao longo do ca-minho, somos animados pelos exem-plos de quantos padeceram por cau-sa do nome de Jesus e já foram re-conciliados plenamente na vitóriapascal. Nos dias de hoje, ainda exis-tem muitas pessoas que sofrem devi-do ao testemunho de Jesus: o seuheroísmo manso e pacífico constituipara nós uma chamada urgente auma fraternidade cada vez mais real.

Estimado Irmão, invoco de cora-ção sobre Vossa Excelência todas asBênçãos de Deus e peço ao EspíritoSanto, que une quanto está dividido,a fim de que derrame sobre nós asua sabedoria plácida e corajosa. E acada um de vós peço, por favor, quereze por mim.

O brigado!

O Papa convidou cientistas, economistas e políticos a colaborar

Nenhuma atitude negacionista acerca da crise ambientalPerante a atual crise ambiental não é lícita «alguma ati-tude negacionista», afirmou o Sumo Pontífice no mensagemvídeo enviada aos participantes no congresso internacionalsobre «Laudato si’. O cuidado da casa comum, uma con-versão necessária para a ecologia humana» — p ro m o v i d opela universidade católica da Costa Rica, com a colabora-ção da Fundação vaticana Joseph Ratzinger Bento XVI —que teve lugar de 29 de novembro a 1 de dezembro em SanJosé. Publicamos a seguir a nossa tradução do texto damensagem pontifícia.

Saúdo todos vós que participais neste Congresso orga-nizado pela Universidade Católica da Costa Rica, coma colaboração da Fundação Ratzinger. Agradeço aoPresidente da República o apoio oferecido a esta ini-ciativa, a qual promove uma causa que muito me preo-cupa.

Através da Encíclica Laudato si’ voltei a chamar aatenção da humanidade e da Igreja para as exigênciasmais urgentes que dizem respeito ao cuidado da nossacasa comum e ao presente e futuro dos povos que nelahabitam. Os problemas da destruição do meio ambien-te natural são cada vez mais graves, e as consequênciassobre a vida das pessoas são dramáticas.

Para os enfrentar é necessário ter uma visão ampladas causas, da natureza da crise e dos seus diversifica-dos aspetos. Perante esta problemática mundial, não élícita alguma atitude negacionista. É indispensável a

colaboração de cientistas, sociólogos, economistas epolíticos, assim como de educadores e formadores dasconsciências. Porque sem uma verdadeira conversãodas nossas atitudes e dos nossos comportamentos quo-tidianos, as soluções técnicas não serão suficientes parasalvar a nossa casa comum.

Como justamente disse o Papa Bento XVI, é necessá-ria uma «ecologia humana», que coloque no centro odesenvolvimento integral da pessoa e apele à sua res-ponsabilidade pelo bem comum, pelo respeito e pelaboa administração das criaturas que Deus nos confiou.

Faço votos de coração para que este Congresso dêum vigoroso impulso à colaboração das Universidadescatólicas — em particular na América Latina e nas Ca-raíbas — para o estudo dos problemas, do desenvolvi-mento da situação e das possíveis soluções; e tambémpara sugerir propostas concretas, com a finalidade desuscitar uma responsabilidade mais viva pelo cuidadoda casa comum, não apenas nas pessoas individual-mente, mas inclusive nas comunidades políticas, so-ciais, eclesiais e, enfim, nas famílias.

São necessários a solidariedade e o esforço da partede todos. E Encíclica Laudato si’ é um apelo a todos ea cada um. É preciso a colaboração de todos para aco-lher a mensagem da Laudato si’ e traduzi-la na vidaconcreta, pelo bem e pelo futuro da família humana.

Obrigado pelo vosso trabalho. Deus vos abençoe!

Prezado IrmãoEstimado Arcebispo Musa!Saúdo-o de coração, juntamentecom o Dr. Junge, Secretário-Geral,com os Vice-Presidentes e com osDelegados da Federação LuteranaMundial e, enquanto lhe agradeçoas suas amáveis palavras, congratulo-me pela sua recente nomeação paraP re s i d e n t e .

Juntos, como a Escritura ensina,hoje podemos fazer memória daqui-lo que o Senhor levou a cabo nomeio de nós (cf. Sl 77, 12-13). A re-cordação dirige-se, de maneira parti-cular, aos momentos que distingui-ram ecumenicamente o Ano da Co-memoração da Reforma, há poucoencerrado. Apraz-me pensar de novosobretudo no dia 31 de outubro de2016, quando pudemos rezar emLund, onde foi instituída a Federa-ção Luterana Mundial. Foi impor-tante encontrar-nos antes de tudo naoração, porque o dom da unidadeentre os crentes não germina nemfloresce a partir de projetos huma-nos, mas da graça de Deus. Somenterezando podemos proteger-nos unsaos outros. A oração purifica, forta-lece, ilumina o caminho e faz ir emfrente. A oração é como o combustí-vel da nossa viagem rumo à plenaunidade. Com efeito, o amor do Se-nhor, que obtemos rezando, põe emmovimento a caridade que nos apro-xima: daqui deriva a paciência donosso esperar-nos, o motivo do nos-so reconciliar-nos, a força para ir emfrente juntos. A partir da oração,que é “a alma da renovação ecumé-nica e da aspiração à unidade”; odiálogo “fundamenta-se sobre ela edela recebe sustento” (cf. Carta Enc.Ut unum sint, 28).

Rezando, podemos ver-nos unsaos outros cada vez na correta pers-petiva, a do Pai, cujo olhar se pousasobre nós amorosamente, sem prefe-rências nem distinções. E no Espíri-to de Jesus, no qual oramos, reco-nhecemo-nos irmãos. Este é o pontodo qual partir e voltar a partir sem-pre. Daqui olhamos também para ahistória passada e damos graças aDeus porque as divisões, até muitodolorosas, que nos viram distantes eopostos uns aos outros durante sécu-los, nas últimas décadas confluíramnum caminho de comunhão, na ve-reda do ecumenismo suscitado peloEspírito Santo. Ele levou-nos aabandonar os antigos preconceitos,como aqueles sobre Martinho Luteroe sobre a situação da Igreja católicanesse período. Para isto contribuinotavelmente o diálogo entre a Fe-deração Luterana Mundial e o Pon-tifício Conselho para a Promoção daUnidade dos Cristãos, levado emfrente desde 1967; um diálogo doqual hoje é preciso recordar com

número 50, quinta-feira 14 de dezembro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 7

Angelus no primeiro domingo de Advento

Um caminho no desertoO Advento é o tempo propício para «aplainarcaminhos de esperança no deserto dos corações áridosde tantas pessoas», disse o Pontífice durante oAngelus de domingo, 10 de dezembro, na praça deSão Pedro.

Amados irmãos e irmãs, bom dia!No domingo passado iniciámos o Advento com oconvite a vigiar: hoje, segundo domingo destetempo de preparação para o Natal, a liturgia indi-ca-nos os seus conteúdos específicos: é um tempopara reconhecer os vazios a serem preenchidos nanossa vida, para aplainar as asperezas do orgulhoe dar espaço a Jesus que vem.

O profeta Isaías dirige-se ao povo, anunciandoo fim do exílio na Babilónia e o regresso a Jerusa-lém. Ele profetiza: «Uma voz clama: “Preparai nodeserto um caminho para o Senhor [...] todo ovale seja alterado”» (40, 3-4). Os vales a serem al-terados representam todos os vazios do nossocomportamento diante de Deus, todos os nossospecados de omissão. Um vazio na nossa vida po-de ser o facto de não rezarmos ou de rezarmospouco. Portanto, o Advento é o tempo favorávelpara rezar com mais intensidade, para reservar àvida espiritual o lugar importante que lhe compe-te. Outro vazio poderia ser a falta de caridade pa-ra com o próximo, sobretudo para com as pessoasmais necessitadas de ajuda não só material, mastambém espiritual. Somos chamados a estar maisatentos às necessidades dos outros, mais próxi-

mos. Como João Batista, deste modo podemosabrir caminhos de esperança no deserto dos cora-ções áridos de tantas pessoas.

«Toda a colina e toda a montanha sejam abai-xadas» (v. 4), exorta ainda Isaías. Os montes e ascolinas que devem ser abaixadas são o orgulho, asoberba, a prepotência. Onde há orgulho, ondehá prepotência, onde há soberba o Senhor nãopode entrar porque aquele coração está cheio deorgulho, de prepotência, de soberba. Por isso, de-vemos abaixar este orgulho. Devemos assumir ati-tudes de mansidão e de humildade, sem gritar,ouvir, falar com mansidão para preparar assim avinda do nosso Salvador, Ele que é manso e hu-milde de coração (cf. Mt 11, 29). Depois é-nos pe-dido para eliminar todos os obstáculos que levan-tamos contra a nossa união com o Senhor: «todosos cumes sejam aplainados e todos os terrenos es-carpados sejam nivelados! Então a glória de Deus— diz Isaías — manifestar-se-á e todas as criaturasjuntamente a verão» (Is 40, 4-5). Mas estas açõesdevem ser realizadas com alegria, porque se desti-nam à preparação da chegada de Jesus. Quandoesperamos em casa a visita de uma pessoa queri-da, predispomos tudo com esmero e felicidade.Ao mesmo tempo, queremos predispor-nos para avinda do Senhor: esperar todos os dias com soli-citude, para sermos colmados com a sua graçaquando ele vier.

O Salvador que aguardamos é capaz de trans-formar a nossa vida com a sua graça, com a forçado Espírito Santo, com a força do amor. Com

efeito, o Espírito Santo derrama nos nossos cora-ções o amor de Deus, fonte inexaurível de purifi-cação, de vida nova e de liberdade. A VirgemMaria viveu em plenitude esta realidade, deixan-do-se “batizar” pelo Espírito Santo que a inundoucom o seu poder. Ela, que preparou a vinda deCristo com a totalidade da sua existência, nosajude a seguir o seu exemplo e guie os nossospassos ao encontro do Senhor que vem.

No final da prece mariana, o Papa recordou o «fortevínculo» entre direitos humanos e desarmamentonuclear, fazendo depois um apelo a favor da lutacontra as mudanças climáticas e expressando a suaproximidade às populações indianas e albanesasatingidas por furacões.

Queridos irmãos e irmãs!Hoje será conferido o Prémio Nobel da Paz àCampanha Internacional para abolir as armas nu-cleares. Este reconhecimento coincide com o Diadas Nações Unidas para os Direitos Humanos, eisto evidencia o forte vínculo entre os direitos hu-manos e o desarmamento nuclear. Com efeito,comprometer-se pela tutela da dignidade de todasas pessoas, de maneira especial pelas mais débeise desfavorecidas, significa trabalhar também comdeterminação para construir um mundo sem ar-mas nucleares. Deus dá-nos a capacidade de cola-borar para construir a nossa casa comum: temos aliberdade, a inteligência e a capacidade de guiar atecnologia, de limitar o nosso poder, ao serviçoda paz e do verdadeiro progresso (cf. Carta enc.Laudato si’, 78, 112, 202).

Depois de amanhã terá lugar em Paris a Cimei-ra “Our Planet Summit”. Dois anos após a adoçãodo Acordo de Paris sobre o clima, ele pretende re-novar o compromisso pela sua concretização econsolidar uma estratégia partilhada para contras-tar o fenómeno preocupante da mudança climáti-ca. Faço sentidos votos por que esta Cimeira, as-sim como as demais iniciativas que vão na mesmadireção, favoreçam uma clara tomada de consciên-cia sobre a necessidade de adotar decisões real-mente eficazes para contrastar as mudanças climá-ticas e, ao mesmo tempo, combater a pobreza epromover o desenvolvimento humano integral.

Neste contexto gostaria de expressar a minhaproximidade às populações indianas atingidas pe-lo furacão Okhi, sobretudo às famílias dos muitís-simos pescadores dispersos; e também à popula-ção da Albânia, duramente provada por gravesinundações.

Saúdo todos vós, romanos e peregrinos! Desejoa todos feliz domingo e um bom caminho de Ad-vento, aplainando a via para o Senhor que vem.

Por favor, não vos esqueçais de rezar por mim.Bom almoço e até à vista!

El Greco«São João Batista»

Mais atentos às necessidades dos pobresPor ocasião da oferta da árvore e do presépio para São Pedro

«O Natal do Senhor seja ocasião para estarmosmais atentos às necessidades dos pobres», disse oPapa Francisco ao encontrar-se com as delegaçõespolaca e italiana que trouxeram a árvore e opresépio oferecidos para a praça de São Pedro. Aaudiência, que teve lugar a 7 de dezembro na SalaPaulo VI, foi introduzida pelo cardeal Bertello,presidente do Governatorato. Sucessivamente,saudaram o Papa o abade de Montevergine, o bispode Ełk e o arcebispo de Spoleto-Norcia.

Queridos irmãos e irmãs!É uma alegria para mim receber-vos nesta cir-cunstância e dirigir-vos o meu agradecimento pe-lo dom do presépio e da árvore de Natal, coloca-dos na praça de São Pedro. Transmito de cora-ção a todos vós a minha saudação, iniciando pe-las Autoridades e representantes das Instituiçõesque promoveram esta iniciativa. Saúdo o Abadede Montevergine, pelo dom do presépio; o Arce-bispo de Warmia e o Bispo de EłK na Polónia...de onde provém a árvore, juntamente com a Di-reção das Florestas Estatais de Białystok. Saúdotambém as crianças em tratamento nas unidadesoncológicas de alguns hospitais italianos e dasregiões que sofreram o sismo no Centro da Itá-lia, coordenados pela Fundação “Condessa LeneThun”, que realizaram os enfeites.

Todos os anos o presépio e a árvore de Natalfalam-nos com a sua linguagem simbólica. Elestornam mais visíveis o que se aprende na expe-riência do nascimento do Filho de Deus. São ossinais da compaixão do Pai celeste, da sua parti-cipação e proximidade junto da humanidade, aqual sente que não está abandonada na noitedos tempos, mas visitada e acompanhada naspróprias dificuldades. A árvore, que aponta parao alto, estimula a elevarmo-nos “para os donsmais altos” (cf. 1 Cor 12, 31), a erguermo-nos pa-ra além da neblina que ofusca, a fim de sentir-mos como é bom e jubiloso estar imersos na luz

de Cristo. Na simplicidade do presépio encon-tramos e contemplamos a ternura de Deus, ma-nifestada na do Menino Jesus.

O presépio este ano, realizado na típica ex-pressão da arte napolitana, inspira-se nas obrasde misericórdia. Elas recordam-nos que o Se-nhor nos disse: "O que quiserdes que os homensvos façam, também vós fazei a eles” (Mt 7, 12).O presépio é o lugar sugestivo no qual contem-plamos Jesus, que assumindo sobre si as misé-rias do homem, nos convida a fazer o mesmoatravés de ações de misericórdia. A árvore, pro-veniente este ano da Polónia, é sinal da fé da-quele povo que, inclusive com este gesto, quisexprimir a própria fidelidade à sé de Pedro.

Queridas crianças, o meu obrigado é dirigidosobretudo a vós. Para os vossos trabalhos trans-feristes os vossos sonhos e desejos que quereiselevar ao céu e fazer conhecer Jesus, que se fazcriança como vós para dizer que vos ama. Obri-gado pelo vosso testemunho, por terdes tornadomais bonitos esses símbolos natalícios, que osperegrinos e os visitantes provenientes do mun-do inteiro poderão admirar. Obrigado! Obriga-do! Esta noite, quando se acenderem as luzes dopresépio e da árvore de Natal, também os dese-jos que transferistes para os vossos trabalhos dedecoração da árvore serão iluminados e vistospor todos. Obrigado!

O Natal do Senhor seja ocasião para estarmosatentos às necessidades dos pobres e daquelesque, como Jesus, não encontram alguém que osacolha. A vós aqui presentes, aos vossos entesqueridos e a quantos representais, formulo senti-dos votos de Feliz Natal. Garanto-vos a minhaoração a fim de que o Senhor receba e atenda asvossas expetativas. Também vós rezai por mim epelo meu serviço à Igreja.

E agora concedo a bênção a todos vós, masantes rezemos a Nossa Senhora, juntos: AveMaria...

número 50, quinta-feira 14 de dezembro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 8/9

História e destinoda cidade três vezes santa

que oferecem as vítimas — mas tudoocorre com reverência digna da majes-tade divina (...) A visão geral de tal es-petáculo desperta temor reverencial eassombro, a ponto de se pensar quechegamos em outro mundo, fora donosso. Posso assegurar que quem querque vá assistir à cena descrita será to-mado por uma indizível admiração eestupor, e ficará abalado no seu íntimopela marca de santidade implícita emcada detalhe» (83-99).

Dois séculos depois, tudo acabou: aotérmino da terrível guerra judaica nar-rada por Flávio Josefo, no ano 70, ogrande templo, magnificamente restau-rado por Herodes, o Grande, foi incen-diado, enquanto, em 135, reprimida aúltima revolta antirromana, a cidade foiarrasada, e o seu nome apagado, substi-tuído pelo pagão — desejado pelo im-perador Adriano e execrável aos ouvi-dos dos judeus — de Aelia Capitolina.Quem salvou a sua memória (e o seunome) foram os cristãos, dos quais jáao redor do ano 170 estão atestadas pe-

ma Jerusalém anunciada pelos oráculosdos profetas, aquela Jerusalém em rela-ção à qual inúmeros são os louvores ce-lebrados longamente pelas profeciasinspiradas pelo espírito divino. Antesde tudo, Constantino quis adornar osagrado espéculo, porque o consideravao centro ideal do mundo inteiro: de fa-to, tratava-se do sepulcro embebido emperene memória, do lugar que conser-vava o troféu da vitória que o nossogrande Salvador havia alcançado contraa morte, do divino sepulcro, junto doqual um dia resplandeceu a luz do anjoque anunciou a todos os homens a boanova da regeneração revelada atravésdo Salvador» (Sobre a vida de Constan-tino, III, 33).

Na Basílica do Santo Sepulcro, Eusé-bio — testemunha quase incrédula dainversão do destino cristão em menosde trinta anos, da feroz perseguiçãodiocleciana que se enfureceu contra aPalestina até o nascimento da “terrasanta” — assim identificava a Jerusalémescatológica entrevista pelos profetas e

Apelo dos líderes cristãos ao presidente Trump

Jerusalém património de todos

Francisco pede perspicácia e prudência

Evitar uma novaespiral de violência

Porta de Damasco

Jerusalém numa fotografia de 1956

Emblemática do papel especial da ci-dade entre os judeus radicados em ou-tras nações é a longa digressão que lheé dedicada pela Carta de Aristeias. Otexto judaico-helenístico é um belíssi-mo escrito de propaganda da segundametade do século II antes da Era Cristãe deve a sua fama ao relato, de traçoslendários bem enraizados na história,

GI O VA N N I MARIA VIAN

«S e eu me esquecer de ti, Jeru-salém, que seque a minhamão direita. Que a minha

língua se cole ao paladar, se eu não melembrar de ti e se eu não elevar Jerusa-lém ao topo da minha alegria!» (Salmo136, 5-6). As pungentes palavras de umpoeta anônimo, forçado a se distanciarda cidade — talvez em exílio na Babilô-

Capital das religiõesSempre foi atormentada a história da cidade santa, àqual são dedicados os livros de Eric H. ClineGerusalemme assediata. Dall’antica Canaan allo Statod’I s ra e l e (Torino, Bollati Boringhieri, 2017, pagine 421,26 euros) e de Giovanni Brizzi 70 d. C. La conquistadi Gerusalemme (Roma-Bari, Editori Laterza, 2015,páginas XI + 426). Da revista «Vita e Pensiero» (86,2003, n. 6, pp. 17-21) publicamos o artigo que saiucom o título Sos para Jerusalém, capital das religiões.

nia no século VI antes da Era Cristã —ecoam novamente as dos chamados sal-mos graduais ou das ascensões. Essas 15composições (120-134 na numeração he-braica, 119-133 na grega e latina, maisdifundida) eram provavelmente canta-das pelos peregrinos judeus que subiamà colina hierosolimitana, onde surgia oantigo santuário atribuído ao mítico so-berano Salomão, destruído pelos babi-lônios e muito mais tarde reconstruído:«Nossos passos já se detêm junto aosteus umbrais, Jerusalém! Jerusalém éfundada como cidade bem compacta.Para ela sobem as tribos, as tribos doSenhor (…) Desejem a paz para Jerusa-lém» (121, 2-4.6). Nessas palavras —mais tarde assumidas pelos cristãos e,graças a eles, enormemente difundidas(pense-se no destino litúrgico, musical epoético) — pode-se resumir o vínculomuito forte e inegável da antiga religiãode Israel e, depois, do judaísmo com oentão pequeno centro, destinado a umaventura simbólica incomparável e a umdestino histórico fascinante e trágico.

de como se havia chegado à versão gre-ga das Sagradas Escrituras hebraicas,atribuída a setenta e dois tradutores e,desde então, chamada “dos Setenta”[ou Septuaginta]. A descrição da cida-de e do templo (o segundo santuário,reconstruído após a destruição da Babi-lônia) é posta na boca de embaixadoresalexandrinos estupefatos: «Quandochegamos ao lugar, observamos a cida-de situada no centro de toda a Judeia(...) No topo, erguia-se o Templo, quetem dimensões grandiosas (...) O solo éinteiramente pavimentado com lajes depedra e tem encostas na direção dospontos adequados à canalização daságuas que servem para purificá-lo dosangue das vítimas, porque, nos dias defesta, são oferecidos em sacrifício mui-tos milhares de animais (...) O ofíciodos sacerdotes é incomparável pela for-ça física que requer, pelo decoro e pelosilêncio (...) Reina um silêncio absolu-to, tanto que pareceria que não há vivaalma, enquanto os oficiantes chegam a700 — e grande é a multidão daqueles

ra admirar o esplendor da cidade oupara rezar no antigo Templo», mas sim«para admirar os efeitos da conquista eda destruição de Jerusalém» e, acimade tudo, «para rezar no Monte dasOliveiras em frente à cidade», lá «ondese detiveram os pés do Salvador» (De-monstração Evangélica, VI, 18, 23).

O autor do renascimento religioso deJerusalém e de toda a região foi Cons-tantino, imperador entre 306 e 337,após a revolução pró-cristã de 312 egraças a uma imponente política edifi-catória que constelou de lugares de cul-to toda a Palestina, transformada em“terra santa” dos cristãos e cada vezmais meta de peregrinações, como Eu-sébio narra ainda com claro espírito an-tijudaico: «As ordens recém-emitidasimediatamente tornavam-se operativas,e, assim, no mesmo lugar onde o Salva-dor foi sepultado, foi construída a novaJerusalém, em contraposição à cidadeantiga e famosa, que, após o cruel as-sassinato de nosso Senhor, foi abaladaaté sofrer a devastação extrema, pagan-do com isso o tributo pela culpa dosseus ímpios habitantes. Diante dela, oimperador, com suntuosa e pródigamunificência, edificou um monumentoque testemunhava a vitória que o Sal-vador havia alcançado contra a morte,e talvez não seja errado identificar pre-cisamente nesse monumento a novíssi-

que, depois, sempre permaneceu no pa-no de fundo da apocalíptica judaica.Mas a história não terminou, e Jerusa-lém conheceu novas guerras e conquis-tas: no século VII, a breve temporadapersa e, portanto, após a reconquistabizantina, o início em 638 da domina-ção muçulmana, apoiada pela sacraliza-ção islâmica da cidade: terceiro lugarsanto do Islã — depois de Meca (metada grande peregrinação muçulmana) eMedina — por causa do misteriosotransporte noturno de Maomé narradopelo Al c o r ã o (XVII, 1), Jerusalém lembra

regrinações, como ado bispo Melitão deSardes, que quis sedocumentar sobre asEscrituras judaicas lá“onde elas foram pre-gadas e se desenvolve-ram” (Eusébio de Ce-sareia, História Ecle-siástica, I V, 26, 14).

E Eusébio observaque, no seu tempo —no início do século IV— dirigiam-se a Jerusa-lém os crentes emCristo «de todas aspartes do mundo, não,como no passado, pa-

A Santa Sé segue com grande atenção a evolução da situação no Médio Oriente,com referência especial a Jerusalém, cidade sagrada para cristãos, judeus e muçul-manos de todo o mundo. Ao exprimir pesar pelos conflitos que nos últimos diascausaram vítimas, o Santo Padre renovou o seu apelo à perspicácia e à prudênciade todos e elevou fervorosas preces a fim de que os responsáveis pelas nações,neste momento de particular gravidade, se comprometam a evitar uma nova espi-ral de violência, respondendo, com palavras e factos, aos anseios de paz, justiça esegurança das populações daquela terra martirizada.

As preocupações pelas perspetivas de paz na região são objeto nestes dias devárias iniciativas, entre as quais as reuniões convocadas com urgência pela LigaÁrabe e pela Organização para a Cooperação islâmica. A Santa Sé mostra-se sen-sível a tais preocupações e, evocando as palavras fervorosas do Papa Francisco,reafirma a sua conhecida posição acerca do singular caráter da Cidade Santa e daimprescindibilidade do respeito pelo seu status quo, em conformidade com as de-liberações da Comunidade internacional e com as repetidas súplicas das Hierar-quias das Igrejas e das comunidades cristãs da Terra Santa. Ao mesmo tempo, rei-tera a própria convicção de que só uma solução negociada entre Israelitas e Pales-tinianos pode levar a uma paz estável e duradoura e garantir a coexistência pacífi-ca de dois Estados dentro de confins internacionalmente reconhecidos.

no seu nome árabe, al-Quds, a abso-lutez da santidade divina. Os quasetreze séculos da dominação islâmica —encerrada em 1917 pela entrada em Je-rusalém das tropas britânicas — foramuma sucessão muitas vezes trágica deacontecimentos em que Oriente eOcidente, sagrado e profano, misériase sonhos, ideais e interesses políticosse misturaram inextricavelmente, co-mo mostra de modo emblemático ocaso das Cruzadas na história, na pro-paganda e no imaginário coletivo.

No entanto, também na Idade Mo-derna e Contemporânea, a misturaentre mitos religiosos e realizações po-líticas marcou a cidade, e o motivo é,em última análise, o valor escatológi-co de Jerusalém para os três grandesmonoteísmos que cresceram um sobreo outro, um contra o outro, um como outro, indissoluvelmente. Assim, naInglaterra anglicana do século XVII —como agora entre os fundamentalistasprotestantes estadunidenses — re f l e t i a -se sobre o retorno dos judeus à Pales-tina e sobre a sua conversão final,prelúdio para a vinda final de Cristo,enquanto a crítica religiosa judaica foia primeira a se opor às teorias do sio-nismo político, nascido perto do fimdo século XIX e realizado no séculoXX, o século despedaçado pela catás-trofe europeia da Shoá. Sionismo eShoá são historicamente os sinais donascimento, em 1948, do Estado deIsrael. E, na segunda metade do sécu-lo XX — entre guerras e inescrupulosaspolíticas de poder de cada um dosadversários e dos seus defensores, quenunca olharam para o interesse dospovos, particularmente do palestino —parece uma miragem distante a pazinvocada para Jerusalém pelo salmis-ta.

A ofensiva terrorista em escalamundial — que até agora teve o seuauge no tremendo ataque de 11 de se-tembro de 2001 aos Estados Unidos,que reserva, quase todos os dias, hor-ríveis novidades — complicou muito ocenário internacional, no qual semprese deve situar a já cinquentenáriaquestão do Oriente Próximo e de Je-rusalém. E precisamente a condiçãoda cidade parece ser hoje um símbolodo trágico impasse em que pareceafundar toda esperança e do qual sãoexpulsas as vozes que invocam uma

solução negociável. Para a cidade,anexada por Israel em duas fases (em1948 e em 1967), a Santa Sé — que,desde 1994, tem relações diplomáticasnormais com Israel — continua sendofavorável à resolução da Organizaçãodas Nações Unidas que, em 1947, de-sejava para Jerusalém um status espe-cial garantido internacionalmente.

No contexto mais amplo da ques-tão palestina, que exige uma soluçãourgente, a preocupação da Santa Sé écom a paz e com o apoio à presençacatólica e cristã na região. De fato,extremismos políticos e fundamenta-lismos religiosos estão cada vez maisreduzindo a consistência das diversascomunidades cristãs e até mesmo asp eregrinações.

Depois de mais de meio século desangue e de ódio — para se limitar àhistória recente — é preciso, pelo me-nos em Jerusalém, abandonar ressenti-mentos e reivindicações. O verdadeirodestino da cidade, nos três monoteís-mos, é o escatológico. Os crentes de-vem ter consciência disso, rezar e agir;e quem não crê deve levar isso emconsideração. No interesse de umaconvivência finalmente tolerante e pa-cífica.(tirado do site www.ihu.unisinos.br)

A anunciada transferência da embaixa-da dos Estados Unidos de Tel Aviv pa-ra Jerusalém corre o risco de «produzirum aumento do ódio, do conflito, daviolência e dos sofrimentos em Jerusa-lém e na Terra Santa». Eis o alarmeexpresso, pouco tempo depois da de-claração do presidente Trump, pelosresponsáveis das Igrejas de Jerusalém,os quais afirmaram que acompanham«com preocupação» as notícias de umreconhecimento «unilateral» da cidadecomo capital de Israel. Uma tomadade posição manifestada poucas horasdepois das palavras de «profundapreocupação» pronunciadas pelo Pon-tífice que, na audiência geral de quar-ta-feira 5 de dezembro, lançou um ape-lo urgente a fim de que «seja compro-misso de todos respeitar o status quo,

em conformidade com as pertinentesresoluções das Nações Unidas».

A declaração dos líderes cristãos dacidade santa está contida numa cartadirigida ao presidente dos EstadosUnidos, Donald Trump. A missiva foiassinada por treze representantes de di-versas confissões presentes em Jerusa-lém, entre as quais o patriarca greco-ortodoxo Teófilo III, o patriarca armé-nio apostólico, Nourhan Manougian, oarcebispo administrador apostólico dopatriarcado de Jerusalém dos Latinos,Pierbattista Pizzaballa, e o guardião daTerra Santa, padre Francesco Patton.No texto evidencia-se o perigo de umafastamento «do objetivo de unidade»,caminhando na direção de uma «divi-são destrutiva». Por isso, os líderescristãos pediram ao presidente Trumpque «ajude todos nós a mover-nos ru-mo a uma paz e a um amor duradou-ros», finalidade que «não pode ser al-cançada» se não se considerar a cidadesanta património «de todos». Nestaperspetiva, escreveram, «o nosso apelo,e solene conselho, é que os EstadosUnidos continuem a reconhecer oatual status internacional de Jerusalém.Qualquer mudança imprevista poderiacausar danos irreparáveis. Estamosconfiantes de que, com o forte apoiodos nossos amigos israelitas e palesti-nianos, podemos trabalhar para nego-ciar uma paz sustentável e justa, emvantagem de todos aqueles que dese-jam que a cidade santa de Jerusalémrealize o seu destino».

Com efeito, lê-se na mensagem, Je-rusalém poderá «ser compartilhada e

desfrutada plenamente quando o pro-cesso político conseguir libertar dascondições de conflito e destruição ocoração de todas as pessoas que vivemno seu seio». Por isso, pediram que Je-rusalém «não seja desprovida da paz»,exatamente na iminência do Natal. Edirigindo-se de modo direto ao presi-dente Trump, os líderes cristãos convi-daram-no a «caminhar ao nosso ladona esperança, enquanto edificamosuma paz justa e inclusiva para todos ospovos desta cidade singular e santa».

Também o secretário-geral do Wo rl dCouncil of Churches (Wcc), Olav FykseTveit, manifestou a sua profunda preo-cupação por uma decisão que põe ulte-riormente em perigo o equilíbrio jáprecário da região médio-oriental.

Com efeito, numa declaração divul-gada pelo site do Wcc foi evidenciadoque a nova linha política de Washing-ton «terá graves repercussões sobre asegurança e a estabilidade do MédioOriente, tornando vãos os esforços daadministração norte-americana até ago-ra envidados em benefício do processode paz, e alimentando os ressentimen-tos dos palestinianos, tanto muçulma-nos como cristãos». Expressaram-senesta mesma linha também o presiden-te e o secretário-geral da Federaçãomundial luterana, respetivamente o ar-cebispo Panti Filibus Musa e o pastorMartin Junge. Numa carta aberta en-dereçada ao presidente Trump, escreve-ram: «O Médio Oriente e o mundotêm necessidade de paz, não de ulte-rior violência».

página 10 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 14 de dezembro de 2017, número 50

O Papa pediu aos leigos católicos para não permanecerem às margens da coisa pública

Para reabilitara dignidade da política

Bom dia!Desejo antes de mais saudar e agra-decer aos dirigentes políticos queaceitaram o convite para participarnum evento que eu mesmo encorajeidesde a sua génese: «o Encontro dosleigos católicos que assumem res-ponsabilidades políticas ao serviçodos povos da América Latina». Saú-do também os senhores Cardeais eBispos que os acompanham, com osquais tereis um diálogo que serámuito útil para todos.

Desde o Papa Pio XII até hoje, osPontífices que se sucederam referi-ram-se sempre à política como “no-bre forma de caridade”. Poderia sertraduzido também como serviço ines-timável de dedicação para a conse-cução do bem comum da sociedade.A política é antes de mais serviço;não é serva de ambições individuais,de prepotência de facções e de cen-tros de interesses. Como serviço,nem sequer é dona, pretendendo re-gular todas as dimensões da vidadas pessoas, recorrendo até a formasde autocracia e totalitarismo. Equando falo de autocracia e de tota-litarismo não estou a falar do séculopassado, mas sim de hoje, do mun-do de hoje, e talvez também de al-guns países da América Latina. Po-deríamos afirmar que o serviço deJesus — que veio para servir e nãopara ser servido — e o serviço que oSenhor exige dos seus apóstolos ediscípulos é por analogia o tipo deserviço que se pede aos políticos.Trata-se de um serviço de sacrifício ede dedicação, a ponto que por vezesos políticos podem ser considerados“m á r t i re s ” de causas pelo bem co-mum das suas nações.

O ponto de referência fundamen-tal deste serviço, que requer constân-cia, engajamento e inteligência, é obem comum, sem o qual os direitose as mais nobres aspirações das pes-soas, das famílias e dos grupos inter-mediários em geral, não poderiamrealizar-se plenamente, porque viriaa faltar o espaço organizado e civilno qual viver e trabalhar. É de certaforma o bem comum concebido co-mo clima de crescimento da pessoa,da família, dos grupos intermediá-rios. O bem comum. O Concílio Va-ticano II definiu o bem comum, se-gundo o património da DoutrinaSocial da Igreja, como «o conjuntodas condições de vida social quepermitem aos indivíduos, famílias eassociações alcançar mais plena e fa-cilmente a própria perfeição» (Gau-dium et spes, 74).

É claro que não se deve contraporo serviço ao poder — ninguém quer

um poder impotente! — mas o poderdeve estar ordenado para o serviço afim de não degenerar. Isto é, qual-quer poder não ordenado para o ser-viço degenera. Naturalmente não meestou a referir à “boa política”, naacepção mais nobre do seu significa-do, nem sequer às degenerações da-quela a que chamamos “p olitiquice”.«Para estabelecer uma vida políticaverdadeiramente humana — ensinaainda o Concílio — nada melhor doque fomentar sentimentos interioresde justiça e benevolência e serviçodo bem comum e reforçar as convic-ções fundamentais acerca da verda-deira natureza da comunidade políti-ca, bem como do fim, reto exercícioe limites da autoridade» (Ibid., 73).Estai certos de que a Igreja católica«louva e aprecia o trabalho de quan-tos se dedicam ao bem da nação etomam sobre si o peso de tal cargo,ao serviço dos homens» (Ibid., 75).

Ao mesmo tempo, estou certotambém de que todos sentimos ne-cessidade de reabilitar a dignidade dapolítica. Se penso na América Latina,como não observar o descrédito po-pular no qual caíram todas as ins-tâncias políticas, a crise dos partidospolíticos, a ausência de debates polí-licos de valor que visem projetos eestratégias a nível nacional e conti-nental que vão além das políticas decabotagem! Além disso, o diálogoaberto e respeitador que procuraconvergências possíveis é com fre-quência substituído por rajadas deacusações recíprocas e quedas dema-gógicas. Faltam também a formaçãoe o intercâmbio de novas geraçõespolíticas. Por isso os povos olhamde longe e criticam os políticos e ve-em-nos como uma corporação deprofissionais que cuidam dos pró-prios interesses ou denunciam-noscom raiva, por vezes sem as devidasdistinções, como impregnados decorrupção. Isto nada tem a ver coma necessária e positiva participaçãodos povos, apaixonados pela própriavida e destino, que deveria animar ocenário político das nações. É claroque há necessidade de dirigentes po-líticos que vivam com paixão o seuserviço aos povos, que vibrem comas fibras íntimas do seu etos e da suacultura, solidários com os seus sofri-mentos e esperanças; políticos queanteponham o bem comum aos seusinteresses privados, que não se dei-xem intimidar pelos grandes poderesfinanceiros e mediáticos, que sejamcompetentes e pacientes face a pro-blemas complexos, que sejam aber-tos a ouvir e a aprender no diálogodemocrático, que conjuguem a buscada justiça com a misericórdia e a re-

conciliação. Não nos contentemoscom as limitações da política: preci-samos de dirigentes políticos capazesde mobilizar vastos setores popula-res seguindo grandes objetivos na-cionais e continentais. Conheço pes-soalmente dirigentes políticos latino-americanos de diversas orientaçõespolíticas que se aproximam desta fi-gura ideal.

Como precisamos hoje na Améri-ca Latina de uma “boa e nobre polí-tica” e dos seus protagonistas! Nãodevemos porventura enfrentar pro-blemas e desafios muito grandes?Em primeiro lugar a preservação dodom da vida em todas as suas fasese manifestações. A América Latinaprecisa também de um crescimentoindustrial, tecnológico, autossusten-tado e sustentável, ao lado de políti-cas que enfrentem o drama da po-breza e visem a equidade e a inclu-são, porque não é verdadeiro desen-volvimento aquele que deixa multi-dões indefesas e continua a alimen-tar uma escandalosa desigualdadesocial. Não se pode descuidar umaeducação integral, que começa na fa-mília e se desenvolve numa escolari-zação de qualidade para todos. Énecessário reforçar o tecido familiare social. Uma cultura do encontro —e não de antagonismos constantes —deve fortalecer os vínculos funda-mentais de humanidade e sociabili-dade e lançar fundamentos sólidospara uma amizade social que deixepara trás as garras do individualismoe da massificação, da polarização eda manipulação. Devemos encami-nhar-nos rumo a democracias madu-ras, participativas, sem as chagas dacorrupção nem das colonizaçõesideológicas, nem sequer das preten-sões autocráticas ou demagogias fá-ceis. Cuidemos da nossa casa co-mum e dos seus habitantes mais vul-neráveis, evitando qualquer tipo deindiferença suicida e de exploraçãoselvagem. Resgatemos concretamen-te a exigência de uma integraçãoeconómica, social, cultural e políticade povos irmãos para construir apouco e pouco o nosso continente,que será ainda maior quando incluir“todas as identidades”, completandoa sua mestiçagem, e será paradigmade respeito dos direitos humanos,paz e justiça. Não nos podemos re-

signar à situação deteriorada na qualhoje com frequência nos debatemos.

Gostaria de dar mais um passonesta reflexão. O Papa Bento XVI,no seu discurso de inauguração da VConferência Geral do EpiscopadoLatino-Americano em Aparecida, in-dicou com preocupação: «A notávelausência, no âmbito político [...] devozes e iniciativas de chefes católicoscom uma forte personalidade e dedi-cação generosa, que sejam coerentescom as suas convicções éticas e reli-giosas». E os bispos de todo o con-tinente decidiram inserir aquela ob-servação nas conclusões de Apareci-da, falando de «discípulos e missio-nários na vida pública» (n. 502). Narealidade, num continente com umgrande número de batizados naIgreja católica, de substrato culturalcatólico, no qual a tradição católicaainda é muito viva nos povos e noqual abundam as grandes manifesta-ções da piedade popular, como épossível que os católicos sejam bas-tante irrelevantes no cenário político,ou até equiparados com uma lógicamundana? Não há dúvida de queexistem testemunhos de católicosexemplares no cenário político, masnota-se a ausência de correntes for-tes que abram caminho ao Evange-lho na vida política das nações. E is-to não significa fazer proselitismoatravés da política, nada tem a vercom isto. Há muitos que se profes-sam católicos — e não devemos jul-gar as suas consciências, mas sim assuas ações — que com frequência de-monstram uma escassa coerênciacom as convicções éticas e religiosaspróprias do magistério católico. Nãosabemos o que acontece na suaconsciência, não a podemos julgar,mas vemos as suas ações. Outros es-tão de tal forma absorvidos pelosseus compromissos políticos queacabam por relegar a sua fé para se-gundo plano, empobrecendo-se, sema capacidade de ser critério-guia edeixar a sua marca em todas as di-mensões da vida da pessoa, tambémna sua prática política. E não faltamaqueles que não se sentem reconhe-cidos, encorajados, acompanhados eamparados na preservação e no cres-cimento da fé, pelos Pastores e pelas

Hoje é preciso «reabilitar a dignidade da política», através de uma nova geraçãode leigos católicos para que «não permaneçam indiferentes à coisa pública»,recomendou o Papa numa mensagem vídeo enviada aos participantes no«Encontro dos leigos católicos que assumem as responsabilidades políticas aoserviço dos povos da América Latina», organizado pela Pontifícia comissão p a raa América Latina (Cal) e pelo Conselho episcopal latino-americano (Celam), queteve lugar em Bogotá, na Colômbia, na sede da Conferência episcopal nacional,de 1 a 3 de dezembro, dez anos depois da publicação do documento de Aparecida.Eis a nossa tradução do texto pontifício.

CO N T I N UA NA PÁGINA 11

Mary Clanahan, «City life»

número 50, quinta-feira 14 de dezembro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 11

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 10

Aos leigos católicos

comunidades cristãs. No final, acontribuição cristã para a ação polí-tica manifesta-se somente através dasdeclarações dos Episcopados, semque se sinta a missão peculiar dosleigos católicos de organizar, gerir etransformar a sociedade segundo oscritérios evangélicos e o patrimónioda Doutrina Social da Igreja.

Por tudo isto, quis escolher comotema da precedente Assembleia Ple-nária da Pontifícia Comissão para aAmérica Latina o tema: «O compro-misso indispensável dos leigos cató-licos na vida pública dos países lati-no-americanos» (1-4 de março de2016). E a 19 de março enviei umacarta ao Presidente daquela Comis-são, Cardeal Marc Ouellet, na qualadmoestei mais uma vez contra orisco do clericalismo e apresentei aquestão: «O que significa para nóspastores o facto de que os leigos es-tejam a trabalhar na vida pública?».«Significa procurar o modo para po-der encorajar, acompanhar e estimu-lar todas as tentativas e esforços queatualmente já se fazem para manter

vivas a esperança e a fé num mundocheio de contradições, especialmentepara os mais pobres, especialmentecom os mais pobres. Significa, comopastores, comprometermo-nos nomeio do nosso povo e, com o nossopovo, apoiar a fé e a sua esperança.Abrindo portas, trabalhando comele, sonhando com ele, refletindo e,sobretudo, rezando com ele. “P re c i -samos de reconhecer a cidade” — eportanto todos os espaços onde serealiza a vida do nosso povo — “apartir de um olhar contemplativo, is-to é, um olhar de fé que descubraDeus que habita nas suas casas, nassuas ruas, nas suas praças”».

E ao contrário «muitas vezes caí-mos na tentação de pensar que o lei-go comprometido é aquele que tra-balha nas obras da Igreja e/ou nasrealidades da paróquia ou da dioce-se, e refletimos pouco sobre o modocomo acompanhar um batizado nasua vida pública e quotidiana; sobrecomo, na sua atividade diária, comas responsabilidades que tem, secompromete como cristão na vidapública. Sem nos darmos conta dis-so, gerámos uma elite laical acredi-

tando que só são leigos comprometi-dos os que trabalham nas “re a l i d a -des dos sacerdotes”, e esquecemos,descuidando-o, o crente que muitasvezes queima a sua esperança na lu-ta quotidiana para viver a fé. São es-tas as situações que o clericalismonão pode ver, porque está maispreocupado em dominar espaços doque em gerar processos. Portanto,devemos reconhecer que o leigo pelasua realidade, a sua identidade, porestar imerso no coração da vida so-cial, pública e política, por ser partí-cipe de formas culturais que se ge-ram constantemente, precisa de no-vas formas de organização e de cele-bração da fé».

É necessário que os leigos católi-cos não permaneçam indiferentes àvida pública nem fechados nos seustemplos, nem sequer que esperem asdiretrizes e as recomendações ecle-siais para lutar a favor da justiça, deformas de vida mais humanas paratodos. «Não é o pastor que deve di-zer ao leigo o que fazer e dizer, elesabe tanto e melhor que nós. Não éo pastor que deve estabelecer o queos fiéis devem dizer nos diversos

âmbitos. Como pastores, unidos aonosso povo, faz-nos bem perguntar-nos como estamos a estimular e apromover a caridade e a fraternida-de, o desejo do bem, da verdade eda justiça. Como podemos fazer pa-ra que a corrupção não se aninhenos nossos corações». Até nos nos-sos corações de Pastores. E, ao mes-mo tempo, faz-nos bem ouvir commuita atenção a experiência, as refle-xões e as preocupações que podempartilhar connosco os leigos que vi-vem a sua fé nos diversos âmbitosda vida social e política.

O vosso diálogo sincero neste En-contro é muito importante. Falaicom liberdade. Um diálogo que sejaentre católicos, prelados e políticos,no qual a comunhão entre pessoasda mesma crença resulte mais deter-minante que as legítimas oposiçõesde opções políticas. Por tudo istoparticipamos na Eucaristia, fonte eápice de qualquer comunhão. Dovosso diálogo poder-se-ão obter ele-mentos iluminados, elementos orien-tadores para a missão da Igreja naatualidade. Obrigado de novo ebom trabalho!

Na festa da Virgem de Guadalupe o Pontífice convidou a defender a riqueza das diversidades culturais

O cânticodos povos latino-americanos

É necessário «defender os nossos povoscontra uma colonização ideológica queanula o que existe de mais preciosoneles, quer sejam indígenas, afro-americanos, mestiços, camponeses ousuburbanos», frisou o Papa Franciscoao celebrar na tarde de 12 dedezembro, no altar da Confissão dabasílica de São Pedro, a missa para afesta da Virgem de Guadalupe.

O Evangelho que acaba de ser pro-clamado é o prefácio de dois gran-des cânticos: o cântico de Maria, co-nhecido como o «Magnificat», e ocântico de Zacarias, o «Benedictus»,e apraz-me chamar-lhe «o cântico deIsabel, ou da fecundidade». Milha-res de cristãos do mundo inteiro co-meçam o dia cantando: «Bendito se-ja o Senhor» e acabam a jornada«proclamando a sua grandeza, por-que olhou com bondade para a hu-mildade da sua serva». Desta forma,os crentes de diversos povos, no diaa dia, procuram fazer memória; re-cordar que de geração em geração amisericórdia de Deus se estende so-bre todo o povo, como tinha prome-tido aos nossos pais. É neste contex-to de memória grata que brota ocântico de Isabel em forma de per-gunta: «Quem sou eu, para que amãe do meu Senhor venha ter comi-go?». Isabel, a mulher marcada pelosinal da esterilidade, encontramo-lacantando sob o sinal da fecundidadee do deslumbre.

Gostaria de sublinhar estes doisaspetos. Isabel, a mulher sob o sinalda esterilidade e sob o sinal da fe-cundidade.

1. Isabel, mulher estéril, com tudo oque isto implicava para a mentalida-de religiosa da sua época, que consi-derava a esterilidade como um casti-

go divino, fruto do próprio pecadoou do esposo. Um sinal de vergonhalevado na própria carne, ou por seconsiderar culpado de um pecadoque não cometeu, ou por se sentirpouco importante, por não estar àaltura do que se esperava dela. Ima-ginemos, por um instante, os olharesdos seus familiares, dos seus vizi-nhos, de si mesma... esterilidade queentra nas profundezas e acaba porparalisar a vida inteira. Esterilidadeque pode ter muitos nomes e for-mas, cada vez que uma pessoa sentena sua carne a vergonha por se verestigmatizada ou se sentir insignifi-cante.

Assim podemos ver isto no peque-no índio Juan Diego, quando diz aMaria: «Na verdade, de nada valho,sou mecapal, cacaxtle, cauda, asa,submetido a ombros e à dependên-

cia de outrem, este não é o meu pa-radeiro, e nem sequer vou para ondete dignas enviar-me» (Nican Mo-pohua, n. 55). Assim também estesentimento pode existir — como jus-tamente nos mostraram os bispos la-tino-americanos — nas nossas comu-nidades «indígenas e afro-america-nas que, em várias ocasiões, não sãotratadas com dignidade e igualdadede condições; numerosas mulheressão excluídas, devido ao seu sexo,raça ou condição socioeconómica;jovens que recebem uma educaçãode baixa qualidade e não têm opor-tunidades de progredir em seus estu-dos nem de entrar no mercado detrabalho para se desenvolver e cons-tituir uma família; muitos pobres,desempregados, migrantes, desloca-dos, agricultores sem terra, aquelesque procuram sobreviver na econo-

mia informal; meninos e meninassubmetidos à prostituição infantil li-gada muitas vezes ao turismo se-xual» (Documento de Aparecida, n.65).

2. E juntamente com Isabel, amulher estéril, contemplamos Isabel,a mulher fecunda-deslumbrada. Ela éa primeira que reconhece e abençoaMaria. Foi ela que, na velhice, expe-rimentou na sua própria vida, na suacarne, o cumprimento da promessafeita por Deus. Ela, que não podiater filhos, trouxe no seu ventre oprecursor da salvação. Nela entende-mos que o sonho de Deus não énem será a esterilidade, nem estig-matizar ou encher os seus filhos devergonha, mas fazer brotar neles edeles um cântico de bênção. Vemo-lo, de igual modo, em Juan Diego.Foi precisamente ele, e não outro,quem trouxe na sua tilma a imagemda Virgem: a Virgem de pele morenae rosto mestiço, sustentada por umanjo com asas de quetzal, pelicano earara; a mãe capaz de assumir os tra-ços dos seus filhos para os levar asentir-se partícipes da sua bênção.

Parece que de vez em quandoDeus insista em mostrar-nos que apedra descartada pelos construtoresse torna a pedra angular (cf. Sl 117,22).

Queridos irmãos, no meio destadialética de fecundidade-esterilidadeolhemos para a riqueza e a diversi-dade cultural dos nossos povos daAmérica Latina e do Caribe, ela é si-nal da grande riqueza que estamosconvidados não apenas a cultivarmas, especialmente no nosso tempo,a defender com coragem contra to-

CO N T I N UA NA PÁGINA 13

página 12 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 14 de dezembro de 2017, número 50

Entre simplicidade e complexidade

capacidade extraordinária de recolhade fontes e de pesquisa, o texto ofe-rece um aprofundamento sistemáticodo património cultural e das influên-cias intelectuais que contribuírampara formar a personalidade e o“p ensamento” de Jorge Mario Ber-goglio. Trata-se de um contributoindispensável a fim de conhecer me-lhor a personalidade complexa doPapa Francisco, na qual se conjugama sua experiência pastoral, mística ea intelectual.

A escassez de referências, relativasà sua biografia intelectual, deve-se,em primeiro lugar, ao próprio PapaFrancisco, que não lhe apraz osten-tar as suas capacidades e qualidadesa este respeito e, certamente, nãogostaria da qualificação de “intelec-tual”. Bergoglio, como se sabe, de-testa os intelectualismos abstratos,sempre tentados por uma derivaideológica, muros que fecham e dis-traem da relação com Deus e com oseu povo. Ainda por cima, em cadahomilia, catequese ou mensagem,não costuma incluir desenvolvimen-tos teológicos que não sejam breves,adequados e comunicados de manei-ra simples. Deseja privilegiar sempreaquela “gramática da simplicidade”— que nunca é simplismo — no seumodo direto e autêntico de se expri-mir, de comunicar, de se dirigir a to-dos e a cada um, e alcançar o cora-ção de quantos à escuta, onde querque se encontrem e seja qual for oseu nível de instrução e de formaçãocristã.

A simplicitas representa no PapaBergoglio, como afirma MassimoBorghesi, um «ponto de chegadaque pressupõe a complexidade deum pensamento profundo e origi-nal». Às perplexidades de alguns,que não se identificam com o estilode comunicação do novo Papa,acrescenta-se a desconfiança de al-guns ambientes eclesiásticos e inte-lectuais em relação a um Papa “lati-no-americano”, “a rg e n t i n o ”, “p opu-lista”, considerado não à altura dosparâmetros culturais europeus. Estescríticos mostram-se insensíveis aoabraço universal e às chamadas cla-

diálogo estreito, que sabe estabelecercom as correntes mais fecundas docatolicismo europeu. O estereótipodo Papa “a rg e n t i n o ” tem certamenteuma sua verdade. Contudo, não de-ve ser, como documenta o texto queapresentamos, absolutizado. Bergo-glio é argentino e, ao mesmo tempo,devido aos autores da sua formação

e às suas leituras de referência, pro-fundamente europeu.

Como indica a sua dialética popu-lar, especificada no encontro idealcom Romano Guardini, ele mesmo é“p onte” entre dois continentes. Eis autilidade do livro de MassimoBorghesi, o qual oferece uma quadrode riqueza extraordinária, mostrandoas diversas correntes culturais e inte-lectuais que se entrelaçam na perso-nalidade do futuro Papa e que cons-tituem o substrato iluminador doseu magistério e da sua ação pasto-ral. O leitor terá deste modo a opor-

tunidade de compreender a verda-deira génese do pensamento de Jor-ge Mario Bergoglio, que até agoraficou velada aos vários interpretes.Esta deve-se a uma concepção dialé-tica, “p olar”, da realidade que o jo-vem estudante de filosofia e teologiado Colégio San Miguel amadurecegraças à renovação da concepçãoinaciana levada em frente pelo seuprofessor Miguel Ángel Fiorito e pe-la leitura que os intelectuais jesuítas,como Gaston Fessard e Karl HeinzCrumbach, faziam dos Exercícios es-pirituais. Começa aqui a redescober-ta da mística jesuítica e a apreciaçãoda figura de Pierre Favre lida atravésde Michel de Certeau.

A visão dialética revelar-se-á pre-ciosa quando Bergoglio, ainda jovemProvincial dos jesuítas argentinos,nos atribulados anos setenta, secomprometerá numa visão sintéticada Companhia de Jesus, da Igreja,da sociedade, de maneira a subtrair-se à contradição, dilacerante, entreos adeptos da ditadura militar e osrevolucionários pró-marxismo. É amesma visão dialética que o leva aencontrar-se com Amelia Podetti, a“filósofa” argentina mais perspicazdos anos setenta, e com Alberto Me-thol Ferré, o mais importante inte-lectual católico latino-americano dasegunda metade do século XX . A re-flexão de Bergoglio, como demons-tra bem Borghesi, deve muito a umatradição específica do pensamentojesuíta. Borghesi delineia, deste mo-do, um fio condutor do pensamentode Bergoglio cuja presença não forasentida pelos estudiosos. O que ex-plica, em grande medida, também asacusações daqueles que, hostis à li-nha do Pontificado, não hesitaramem acusar Francisco de escassa pre-paração no âmbito teológico-filosófi-co.

Mérito do volume de Borghesiconsiste em inserir a visão ideal deBergoglio no seio do cenário históri-co, eclesial e político da Argentinados anos setenta e oitenta. Podemoscompreender assim a sua opiniãopeculiar sobre o “ p eronismo”, a suacrítica à teologia política a partir deum horizonte eminentemente agosti-niano. É igualmente iluminada a suaadesão à «Teologia do povo», a cor-rente da Teologia da libertação ela-borada pela escola do Río de la Pla-ta segundo a qual a opção preferen-cial pelos pobres, afirmada no docu-mento de Puebla (1979) da Igreja la-tino-americana, unia-se a uma firmeoposição em relação ao marxismo.

Esta escola, cujos protagonistasforam Lucio Jera, Rafael Tello, Justi-no Farrell, Juan Carlos Scannone,Carlos Galli, deixará o seu sinal nosdocumentos de Puebla e de Apareci-da (2007). É graças a ela que foidescoberta a religiosidade popular,tema muito querido a Bergoglio, oqual nem por isso é menos atento àdimensão própria do “e n c o n t ro ” quecarateriza o testemunho cristão nohorizonte secularizado específico dasgrandes metrópoles. Daqui o desen-volvimento que tem, na reflexão dosúltimos anos, a categoria da “b eleza”na sua unidade com o bem e com overdadeiro. Uma reflexão que devemuito à leitura do grande teólogoHans Urs von Balthasar.

Vinte e cinco anos da fundação Populorum progressio

Ao serviço da América Latina«Vinte e cinco anos de serviço para o desenvolvimento humano inte-gral olhando para o futuro»: foi o tema da conferência promovida a 12de dezembro em Roma pela fundação Populorum progressio para aAmérica Latina no vigésimo quinto aniversário da sua instituição.Confiada ao Pontifício conselho Cor Unum por João Paulo II desde oseu nascimento, a 13 de fevereiro de 1992, agora a fundação está inseri-da na missão pastoral do Dicastério para o serviço do desenvolvimentohumano integral.

Na sessão inaugural, após a saudação do cardeal Turkson, prefeitodo Dicastério e presidente da fundação, o cardeal Baldisseri, secretá-rio-geral do Sínodo dos bispos, introduziu alguns elementos do sínododedicado à Amazônia e aos povos indígenas, programado para 2019.Seguiram-se reflexões por parte dos bispos da América Latina que es-tavam presentes. Guzmán Carriquiry apresentou lineamentos da reali-dade latino-americana de hoje.

No dia seguinte teve lugar a reunião anual do conselho de adminis-tração, durante a qual foi deliberado o financiamento de projetos a fa-vor dos as comunidades indígenas, mestiças, afro-americanas e campo-nesas da América Latina e do Caribe para 2018. A reunião representoutambém uma ocasião para refletir sobre as melhores modalidades paracumprir o mandato da fundação. Atualmente fazem parte do conselho:D. Edmundo Luis Flavio Abastoflor Montero, arcebispo de La Paz(Bolívia), presidente; D. Antonio Arregui Yarza, arcebispo emérito deGuayaquil (Equador), vice-presidente; cardeal Nicolás de Jesús LópezRodríguez, arcebispo emérito de Santo Domingo; D. Óscar UrbinaOrtega, arcebispo de Villavicencio (Colômbia); D. Murilo SebastiãoRamos Krieger, arcebispo de São Salvador da Bahia (Brasil); D. JavierAugusto Del Río Alba, arcebispo de Arequipa (Peru); D. José LuisAzuaje, bispo de Barinas (Venezuela); e mons. Segundo Tejado Mu-ñoz, subsecretário do Dicastério. Nestes anos foram realizados mais de4.300 projetos para um total de 41 milhões de dólares. Esses projetosabrangem as comunidades locais e são destinados a vários setores, co-mo a agricultura e a criação de gado, o artesanato e as microempresas,as infraestruturas para a água potável, a formação, as estruturas escola-res, a saúde e a construção. Entre os maiores benfeitores da fundação,além de participações individuais, destaca-se em particular a Conferên-cia episcopal italiana.

Uma biografia intelectualSaiu no mês passado nas livrarias italianas oestudo de Massimo Borghesi Jorge MarioBergoglio. Una biografia intellettuale. Dialettica emistica [Jorge Mario Bergoglio. Uma biografiaintelectual. Dialética e mística] (Milano, JacaBook, 2017, 303 páginas, 20 euros. Do livro,dedicado à memória do pensador uruguaioAlberto Methol Ferré (1929-2009), publicamosuma apresentação do autor e amplos excertos doprefácio de Guzmán Carriquiry, secretárioencarregado da vice-presidência da Pontifíciacomissão para a América Latina.

GUZMÁN CARRIQUIRY

Neste livro, intitulado J o rg eMario Bergoglio. Una biogra-fia intellettuale. Dialettica e

mistica, o autor faz uma abordagemoriginal em relação a toda a literatu-ra sobre Francisco. Através de uma

ramente evangélicas do Papa. Per-manecem fechados numa velha Eu-ropa, onde ainda ardem as brasas dogrande fogo da sua melhor tradição,mas que todavia hoje nada gera:nem filhos — estamos no pleno in-verno demográfico — nem novas cor-rentes intelectuais, movimentos, ho-

rizontes políticos queabram o caminho aum destino de espe-rança. São comoaqueles “doutores daLei” que se questio-navam se algo bomjamais poderia vir deNazaré, de um “filhode carpinteiro”. Nestecaso Nazaré indica oCone Sul do mundo.

Em relação a estapanorâmica, o valordo volume consisteem colocar Bergogliono âmbito de uma ri-ca tradição intelectualque encontra as suasraízes na Argentina ea sua fecundidade no

número 50, quinta-feira 14 de dezembro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 13

Sobre a formaçãode Jorge Mario Bergoglio

Ano do laicatono Brasil

Uma oportunidade para valorizar ulteriormen-te a presença e a missão dos cristãos leigos naIgreja e na sociedade: eis o objetivo do ano na-cional do laicato lançado nos últimos dias pelaConferência episcopal brasileira. Concluir-se-áno dia 25 de novembro de 2018 e tem como te-ma «Cristãos leigos e leigas, sujeitos na “I g re j aem saída”, a serviço do Reino», com o lema«Sal da terra e luz do mundo», de Ma t e u s , 5,13-14.

«Temos a alegria de começar o ano do laica-to», disse o arcebispo de Brasília, cardeal Sér-gio da Rocha, presidente do episcopado, se-gundo o qual — lê-se numa nota — cada Igrejano Brasil está convidada a viver intensamenteeste acontecimento através de orações, celebra-ções e reflexões, mas sobretudo encorajando eapoiando uma participação cada vez maior doscristãos leigos na vida da comunidade eclesiale da sociedade «a fim de que sejam deveras salda terra e luz do mundo numa Igreja em saí-da. Possa Deus — disse o purpurado — ab en-çoar todos aqueles que já estão engajados narealização deste ano do laicato. Possa trazermuitos frutos com a participação de muita gen-te e, sobretudo, pela graça de Deus».

MASSIMO BORGHESI

Aideia de escrever um livro sobre a formaçãointelectual de Jorge Mario Bergoglio surgiude dois motivos. O primeiro foi ditado pe-

lo espetáculo dos críticos de profissão, os teólogosda última hora, segundo os quais o Papa sul-ame-ricano não teria a preparação teológico-filosóficapara exercer o ministério de sucessor de Pedro.Nestes casos, o esnobismo mistura-se com notá-veis doses de arrogância e de ignorância. O se-gundo motivo, foi a descoberta de um forte nú-cleo conceitual, presente no pensamento do futu-ro Pontífice: o de uma concepção da vida funda-da sobre uma tensão entre opostos, sobre a dialé-tica antinómica dos contrários, que a mim, estu-dioso de Romano Guardini, recordava de perto ag u a rd i n i a n a .

Lendo a Evangelii gaudium, com o seu modelosocial centrado nos três binómios polares (pleni-tude-limite, ideia-realidade, globalização-localiza-ção), assim como nas lições ministradas na segun-da metade dos anos setenta pelo jovem provincialdos jesuítas argentinos, era evidente que Bergo-glio aplicava ao complexo contexto do seu país,dividido entre ditadura militar e guerrilha revolu-cionária, o modelo de uma polaridade que nestecaso se tornou patológica, incapaz de solução.Uma contradição que interpelava a Igreja e aCompanhia de Jesus, também elas divididas noseu interior.

De onde lhe derivava este modelo dialético?Não de Guardini, cuja doutrina filosófica só setornará importante para ele em 1986, no momentode desenvolver a sua tese de doutoramento emFrankfurt, nunca concluída. De que autor Bergo-glio hauria a sua ideia fundamental das oposiçõesautênticas, não disjuntivas, que regulam a vidapessoal, social e eclesial? A leitura dos seus textose das biografias não permitia resolver a questão.

Só me restava perguntar a ele, ao Papa. Graçasa Guzmán Carriquiry pude enviar ao Pontíficeuma série de perguntas sobre o seu pensamento,os seus mestres, a sua formação. Às interrogaçõesanexei o meu livro Romano Guardini. Dialética ea n t ro p o l o g i a , porque imaginava que lhe pudesseinteressar. Não esperava que Francisco respondes-se. Não apenas pelo tempo e pelos compromissos,mas também pela sua desconfiança em relaçãoàquela parte do mundo intelectual que gosta dese mover no abstrato, no limbo das ideias desliga-das da realidade e da história.

Mas ele respondeu. Em quatro documentos emáudio, de janeiro a março, com suma cortesia, oPapa ofereceu esclarecimentos fundamentais sobreo seu pensamento e sobre a sua formação intelec-tual. A primeira e fundamental é a confissão daimportância da leitura dos anos sessenta, repetidavárias vezes, do livro La dialectique des “E x e rc i c e sspirituels” de saint Ignace de Loyola, de Gaston Fes-

sard. O nome de Fessard, um dos maiores intelec-tuais jesuítas da segunda metade do século XX,amigo de Henri de Lubac e, juntamente com ele,protagonista da Ecole de Lyon, abriu-me a perspe-tiva sobre toda a reflexão de Bergoglio. Era comoencontrar o fio condutor, a unidade de um pensa-mento poliédrico.

Inspirado por Maurice Blondel, Fessard ofereceuma leitura dialética e antinómica da espirituali-dade inaciana, em tensão entre graça e liberdade,entre o infinitamente grande e o infinitamente pe-queno. Perfila a ideia do catolicismo como coinci-dentia oppositorum, síntese vital das polaridadesopostas. É a mesma ideia do grande eclesiólogode Tübingen, Adam Möhler, retomada pelos je-suítas Erich Przywara e de Lubac. Trata-se daideia da vida como tensão polar que voltamos aencontrar em Romano Guardini, e isto explica otema escolhido por Bergoglio para a sua tese dedoutoramento. Guardini não consta no início dareflexão de Bergoglio; no entanto, representa umasua importante confirmação e uma ampliação dehorizontes. Por conseguinte, a reflexão do futuroPapa insere-se no contexto de um filão específicodo pensamento católico entre os séculos XIX-XX: oderivante de Möhler, Guardini, Przywara, de Lu-bac e Fessard.

Um filão que entende a Igreja como o instru-mento através do qual o mistério de Deus uneaquilo que, no plano da natureza, não parececomponível. Uma unidade que mantém as dife-renças, sem a pretensão de as anular. Na Argenti-na dos anos setenta, ele não era o único que pro-fessava esta visão. Compartilhava-a com o genialintelectual uruguaio Alberto Methol Ferré, o pen-sador católico latino-americano mais relevante dasegunda metade do século XX . Methol expressavaum tomismo dialético que, também no seu caso,dependia de Gaston Fessard.

Methol Ferré e Bergoglio, cujos destinos se cru-zam em 1979, a partir da conferência de Puebla,compartilham perspetivas ideais e esperanças so-bre a renovação eclesial latino-americana. Ambossão promotores da teología del pueblo, versão ar-gentina da teologia da libertação, que unia a op-ção preferencial pelos pobres e a redescoberta dafé popular à rejeição clara da ideologia marxista.Ambos desejam a pátria grande da América Lati-na, numa tensão construtiva com os Estados na-cionais.

Bergoglio estimava muito a geopolítica eclesiale do seu amigo, o fulcro do pensamento, tão se-melhante ao dele. Depois de Fessard, Methol Fer-ré tornou-se o seu filósofo. Partilha com ele nãoapenas o modelo dialético, mas também a opçãopela estética teológica de Hans Urs von Balthasar,pela unidade dos transcendentais (belo-bom-ver-dadeiro) na afirmação do ser e pela primazia con-cedida ao belo, ao testemunho, na comunicaçãoda verdade.

Daqui deriva a união polar de misericórdia everdade, a sua tensão unitiva, insuprimível e in-compreendida tanto pelos tradicionalistas comopelos modernistas. Deste modo, a “biografia inte-lectual” de Jorge Mario Bergoglio permite entrarno laboratório ideal de Francisco, esclarecendo in-diretamente a lógica eclesial que preside ao seup ontificado.

Uma lógica da totalidade que não deve ser en-tendida analisando apenas os seus aspetos parti-culares, como costumam fazer os críticos, mas naperspetiva do conjunto. Ela esclarece que o Papaé, por exemplo, profundamente sensível a um tes-temunho social diante dos problemas da pobreza,da guerra e do clima. E como, ao mesmo tempo,o Pontífice é também, seguindo Santo Inácio, ummístico, um cristão consciente do p r i m e re a r dagraça sobre todas as ações do homem, do “D eussempre maior”. No seguimento de Pierre Favre,amigo e discípulo de Inácio, querido a Bergoglio,o cristão é o contemplativo na ação, é a unidadeviva dos opostos. A vida cristã move-se entre océu e a terra, uma tensão que não encontra solu-ção num sistema, mas unicamente no Mistérioque orienta a história.

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O cântico dos povos latino-americanos

das as tentativas niveladoras,que acabam por impor — comslogans atraentes — uma únicamaneira de pensar, de ser, desentir e de viver, que acabampor tornar inválido ou estéril tu-do o que herdamos dos nossospais; que levam a sentir-se pou-co importantes especialmente osnossos jovens por pertencerem auma determinada cultura. Emdefinitiva, a nossa fecundidadeexige que defendamos os nossospovos de uma colonização ideo-lógica que cancela o que elespossuem de mais precioso, quer

sejam indígenas, afro-america-nos, mestiços, camponeses ousuburbanos.

A Mãe de Deus é figura daIgreja (cf. Lumen gentium, 63) edela queremos aprender a serIgreja com rosto mestiço, comrosto indígena, afro-americano,com rostro camponês, com ros-tro cola, ala, cacaxtle. Semblan-te pobre, de desempregado, demenino e menina, idoso e jo-vem, para que ninguém se sintaestéril nem infecundo, a fim deque ninguém se sinta envergo-nhado ou de pouca monta.Mas, ao contrário, para que ca-da um, como Isabel e Juan Die-

go, possa sentir-se portador deuma promessa, de uma esperan-ça, e dizer do íntimo do seu ser:«Aba, ou seja, Pai!» (Gl 4, 6), apartir do mistério desta filiaçãoque, sem cancelar os traços decada um, nos universaliza cons-tituindo-nos povo.

Irmãos, neste clima de memó-ria grata por sermos latino-ame-ricanos, entoemos no nosso co-ração o cântico de Isabel, o cân-tico da fecundidade, e digamosjuntos aos nossos povos quenão se cansem de o repetir:Bendita sois Vós entre todas asmulheres, e bendito é o fruto dovosso ventre, Jesus.

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Missa matutina em Santa MartaTe r ç a - f e i r a

5 de dezembro

A verdadeira humildade

No início do caminho de Advento, oPapa Francisco indicou dois aspetosfundamentais para cada cristão: a ta-refa a perseguir e o estilo a manter,centrando a sua reflexão no trechodo profeta Isaías (11, 1-10) propostopela liturgia do dia.

Trata-se de um excerto, disse, que«fala sobre a vinda do Senhor, a li-bertação que Deus trará ao seu po-vo, o cumprimento da promessa». Éo trecho em que o profeta anunciaque «brotará uma vara do tronco deJessé». E sobre esta primeira expres-são o Pontífice evidenciou que se fa-la de um «rebento» que é «pequenocomo broto», sobre o qual contudo«pousará o espírito do Senhor, espí-rito de sabedoria e de inteligência,espírito de conselho e de fortaleza,de conhecimento e de temor do Se-nhor», isto é, «os dons do EspíritoSanto». Eis então o primeiro aspetofundamental: «da pequenez do re-bento à plenitude do Espírito. Estaé a promessa, este é o reino deDeus». Que, acrescentou Francisco,«começa na pequenez, vem de umaraiz, brota um rebento; cresce, vaiem frente — porque o Espírito estáali — e chega à plenitude».

Uma dinâmica, observou o Papa,que se encontra também no próprioJesus, o qual «ao seu povo na sina-goga de Nazaré» se apresenta domesmo modo. Não diz: «Sou o re-bento»; mas propõe-se com humil-dade e afirma: «O Espírito está so-bre mim», ciente de ter sido enviado«para anunciar a boa nova, isto é,para os pobres».

A mesma dinâmica, disse o Pontí-fice, aplica-se à «vida do cristão».De facto, é preciso estar ciente deque «cada um de nós é um rebentodaquela raiz que deve crescer com aforça do Espírito Santo, até à pleni-tude do Espírito Santo em nós». Eperguntou: «Qual seria a tarefa docristão?». A resposta é simples:«Preservar o rebento que cresce emnós, cuidar do crescimento, conser-var o Espírito. “Não entristeçais oEspírito”, diz Paulo».

Portanto, viver como cristão «éconservar o rebento, o crescimento eo Espírito e não esquecer a raiz». OPapa esclareceu: «Não esqueças araiz, da qual vens. Recorda-te de on-de vens, esta é a sabedoria cristã».

Se esta é a tarefa, «qual é o esti-lo?». Francisco explicou: «Vê-se cla-ramente: um estilo como o de Jesus,de humildade». Com efeito, «sãonecessárias fé e humildade para crerque este rebento, este dom tão pe-queno alcançará a plenitude dosdons do Espírito Santo. É precisoter humildade para acreditar que oPai, Senhor do céu e da terra, comodiz o Evangelho de hoje, escondeuestas coisas aos sábios, aos doutorese revelou-as aos pequeninos». Na vi-da diária, humildade significa «serpequeno, como o rebento, pequenoque cresce todos os dias, pequenoque precisa do Espírito Santo parapoder continuar rumo à plenitudeda própria vida».

De resto, explicou o Pontífice,«Jesus era humilde, Deus era humil-

de. Deus é humilde porque teve etem muita paciência connosco. E ahumildade de Deus manifesta-se nahumildade de Jesus». Mas, acrescen-tou, é preciso esclarecer as ideias so-bre o significado da palavra humil-dade: «Alguns acreditam que ser hu-milde é ser educado, cortês, fecharos olhos na oração...», ter uma espé-cie de «cara de santinho». Mas«não, ser humilde não é isto».

O próprio Francisco forneceu achave interpretativa: «Há uma mar-ca, um sinal, o único: aceitar as hu-

milhações. Humildade sem humilha-ções não é humildade. Humilde é ohomem, a mulher, que é capaz desuportar as humilhações como as su-portou Jesus, o humilhado, o grandehumilhado».

Eis o que põe à prova o cristão:«Muitas vezes, quando somos humi-lhados, quando nos sentimos humi-lhados por alguém, imediatamentetemos a vontade de responder, denos defendermos». Ao contrário, épreciso olhar para Jesus: «Ele per-maneceu quieto no momento da

maior humilhação». E de facto, dis-se o Papa «não há humildade sem aaceitação das humilhações». Portan-to, «humildade não é só estar quie-to, tranquilo. Não. Humildade éaceitar as humilhações quando che-gam, como fez Jesus».

O cristão é chamado a aceitar «ahumilhação da cruz», como Jesusque «foi capaz de conservar o reben-to, o crescimento e o Espírito».

Não é simples nem imediato. OPontífice recordou, a propósito, quecerta vez ouviu uma pessoa brincar:«Sim, humilde sim, mas nunca hu-milhado!». Uma brincadeira, comen-tou o Papa, mas que «tocava umponto verdadeiro». De facto, muitosdizem: «Sim, sou capaz de aceitar ahumildade, ser humilde, mas semhumilhações, sem cruz».

Terminando a meditação, Francis-co resumiu assim o seu pensamentodo dia: «Preservar o rebento em ca-da um de nós. Cuidar do crescimen-to, conservar o Espírito, que nos le-vará à plenitude». Sem «esquecer araiz. E o estilo? Humildade». De-pois, acrescentou: «De que modo seise sou humilde? Se sou capaz, coma graça do Senhor, de aceitar as hu-milhações». E exortou a recordar oexemplo de «tantos santos que nãosó aceitaram as humilhações mas pe-diram-nas: “Senhor, manda-me hu-milhações para que me assemelhe ati, para ser mais parecido contigo”».

«Que o Senhor — concluiu — nosconceda a graça de conservar o pe-queno rebento rumo à plenitude doEspírito, de não nos esquecermos daraiz, de aceitarmos as humilhações».

Will Felix, «Humildade»

Apresentadas as credenciaisdo novo embaixador da Nigéria

Sua Excelência o Senhor Godwin George Umo, novoembaixador da Nigéria junto da Santa Sé, nasceu a 15de agosto de 1956; é casado e tem filhos. Frequentou aescola militar nigeriana em Zaria (1970-1974). Iniciou asua formação de cadete oficial na academia de defesanigeriana (Nda) em Kaduna, concluindo-a em 1977. Jo-vem oficial, formou-se em engenharia eletrónica e detelecomunicações na Obafemi Awolowo university emIle-Ife (1978-1981). Desempenhou os seguintes cargos:major da 51a divisão em Kaduna (1990-1991); substitutode comandante de campo (1992-1993); instrutor no staffdo colégio do comando das Forças armadas em Jaji(1993-1995); comandante de regimento em Jos (1995-1996); comandante do departamento de comunicaçõesdo Ecomog na Libéria (1996-1998); instrutor-chefe naescola de sinalização do exército nigeriano em Lagos(1999-2001); primeiro-oficial do staff de coordenação daacademia nigeriana da defesa em Kaduna (2002-2003);diretor da formação, com grau de brigadeiro-geral, doexército nigeriano em Abuja (2006-2007); diretor dosstandards de habilitação ao combate na sede de Abuja(2007-2008); diretor das relações civis-militares juntodo comando da defesa, Abuja (2008); comandante docentro de formação do exército nigeriano, Kontagor(2008-2009); chefe do comité para um sistema integra-do de segurança das comunicações (2009); diretor dascomunicações, corpo de comunicação do exército nige-riano, Apapa, em Lagos (2009-2010); diretor do centrode simulação das Forças armadas, em Jaji (2010-2011);transferido para cursos de governo e management noinstituto de sistemas de management em Londres(2011-2014); transferido à espera da convocação paraum programa de estratégias na universidade de Ibadan(2015-2016). Atualmente é hoteleiro e preside à Igrejapentecostal unida da Nigéria.

Na manhã de sábado, 9 de dezembroo Papa Francisco recebeu em audiência

Sua Excelência o senhor Godwin George Umonovo embaixador da Nigéria

por ocasião da apresentação das Cartasmediante as quais o ilustre diplomata

é acreditado junto da Santa Sé

número 50, quinta-feira 14 de dezembro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 15

INFORMAÇÕESAudiências

O Papa Francisco recebeu em audiên-cias particulares:

A 7 de dezembroSua Ex.cia o Senhor Denis Zvizdić,Presidente do Conselho de Minis-tros da Bósnia e Herzegovina, como Séquito.

A 9 de dezembroO Senhor Cardeal Marc Ouellet,Prefeito da Congregação para osBisp os.Sua Ex.cia o Senhor Godwin GeorgeUmo, Embaixador da Nigéria, paraa apresentação das Credenciais.D. Edgar Peña Parra, Núncio Apos-tólico em Moçambique; D. LionelGendron, Bispo de Saint-Jean —Longueuil (Canadá), Presidente daConferência dos Bispos Católicos doCanadá; com D. Richard JosephGagnon, Arcebispo de Winnipeg,Vice-Presidente, e Mons. Frank Leo,S e c re t á r i o - G e r a l .

A 13 de dezembroD. Claudio Maria Celli, PresidenteEmérito do Pontifício Conselho paraas Comunicações Sociais.

RenúnciasO Santo Padre aceitou a renúncia:

No dia 7 de dezembro

Do Cardeal Norberto Rivera Carre-ra, ao governo pastoral da Arquidio-cese de México (México).Do Cardeal André Vingt-Trois, aogoverno pastoral da Arquidiocese deParis (França).

No dia 8 de dezembroDe D. Henryk Hoser, S.A.C., ao go-verno pastoral da Diocese de Varsó-via–Praga (Polónia).De D. Yvon Joseph Moreau,O.C.S.O., ao governo pastoral da Dio-cese de Sainte-Anne-de-la-Pocatière(Canadá).

No dia 9 de dezembroDe D. Berard Toshio Oshikawa,O.F.M. Conv., ao governo pastoral daDiocese de Naha (Japão).

No dia 11 de dezembroDe D. John Baptist Tseng Chien-Tsi,ao cargo de Auxiliar da Diocese deHwalien (Taiwan).

Nomeações

O Sumo Pontífice nomeou:

A 7 de dezembroArcebispo Metropolitano da Arqui-diocese de México, o Senhor Car-deal Carlos Aguiar Retes, até estadata Arcebispo de Tlalnepantla.

Arcebispo Metropolitano da Arqui-diocese de Paris (França), D. MichelAupetit, até hoje Bispo de Nanterre.Bispo da Diocese de San Miguel (ElSalvador), D. Fabio Reynaldo Colin-dres Abarca, até agora OrdinárioMilitar de El Salvador.Coadjutor da Diocese de Alleppey(Índia), o Rev.mo Mons. James Ra-phael Anaparambil, do clero de Al-lepp ey.

D. James Raphael Anaparambilnasceu a 7 de março de 1962, emKandakadavu (Índia). Foi ordenadoSacerdote em 17 de dezembro de 1986.

A 8 de dezembroBispo da Diocese de Varsóvia-Praga(Polónia), D. Romuald Kamiński,até agora Coadjutor da mesma Sede.Bispo de Sainte-Anne-de-la-Pocatiè-re (Canadá), o Rev.do Pe. PierreGoudreault, do clero de Rouyn-No-randa, até esta data Moderador daUnidade Pastoral Sainte-Trinité.

D. Pierre Goudreault nasceu no dia27 de maio de 1963, em Rouyn-No-randa (Canadá). Foi ordenado Sacer-dote a 18 de maio de 1991.

Bispo de Islamabad-Rawalpindi (Pa-quistão), D. Joseph Arshad, até ago-ra Bispo da Diocese de Faisalabad,simultaneamente promovido a Arce-bispo ad personam.Prefeito Apostólico do Azerbaijão, oR e v. do Pe. Vladimír Fekete, S.D.B., si-multaneamente eleito Bispo Titularde Municipa.

D. Vladimír Fekete, S.D.B., nasceuem Bratislávia (Eslováquia), em 11 deagosto de 1955. Recebeu a Ordenaçãosacerdotal a 30 de janeiro de 1983.

A 9 de dezembroBispo de Naha (Japão), o Rev.do Pe .Wayne Berndt, O.F.M. Cap., até hojePároco de Yonabaru.

D. Wayne Berndt, O.F.M. Cap.,nasceu em Fitchburg (EUA), no dia 15de maio de 1954. Foi ordenado Sacer-dote a 21 de maio de 1983.

A 11 de dezembroBispo de Galway e Kilmacduagh(Irlanda), D. Brendan Kelly, até ago-ra Bispo de Achonry.

A 13 de dezembroBispo da Diocese de São José dosPinhais (Brasil), D. Celso AntônioMarchiori, até esta data Bispo deApucarana.

Prelados falecidos

Adormeceram no Senhor:

No dia 28 de novembroD. Rafael Llano Cifuentes, do cleroda prelatura pessoal do Opus Dei,Bispo Emérito de Nova Friburgo(Brasil).

O saudoso Prelado nasceu a 18 defevereiro de 1933 na Cidade do Méxi-co. Recebeu a Ordenação sacerdotal em1959. Foi ordenado Bispo no dia 29de junho de 1990. Renunciou ao go-verno pastoral da Diocese em 20 dejaneiro de 2004.

No dia 6 de dezembro

D. Dominic Mai Luong, ex-Auxiliarde Orange (E UA ).

O ilustre Prelado nasceu a 20 dedezembro de 1940, em Minh Cuong(Vietname). Foi ordenado Sacerdote nodia 21 de maio de 1966. Recebeu aOrdenação episcopal em 11 de junho de2003.

No dia 8 de dezembroD. Carlos María Franzini, Arcebispode Mendoza (Argentina).

O saudoso Prelado nasceu em Bue-nos Aires (Argentina), a 6 de setembrode 1951. Recebeu a Ordenação sacerdo-tal a 13 de agosto de 1977. Foi ordena-do Bispo em 19 de junho de 2000.

No dia 10 de dezembroD. Antonio Riboldi, Bispo Eméritode Acerra (Itália).

O venerando Prelado nasceu emTriuggio (Itália), no dia 16 de janeirode 1923. Foi ordenado Sacerdote a 29de junho de 1951. Recebeu a Ordena-ção episcopal em 11 de março de 1978.

Início de Missãode Núncio Apostólico

D. Andrés Carrascosa Coso, Arcebis-po Titular de Elo, no Equador (27de setembro).

Marcada a data do próximo sínodo dos bispos

Encontro com os jovens

Intenções de oração

Sem cuidadosaos idosos

não há futuro«Um povo que não cuida dosavós e não os trata bem é um po-vo que não tem futuro», afirmouFrancisco na mensagem vídeo queindica a intenção para o mês dedezembro (www.thepopevi-deo.org), no âmbito da iniciativaproposta pela Rede mundial deoração do Papa.

«Os idosos — frisou — p ossuema sabedoria. Foi-lhes confiada atransmissão da experiência da vi-da, da história de uma família, deuma comunidade, de um povo».Eis o apelo: «Não nos esqueça-mos dos nossos idosos para que,apoiados pelas famílias e institui-ções, colaborem com a sabedoriae a experiência para a educaçãodas novas gerações».

Para acompanhar as palavrasde Francisco, no vídeo passam asimagens de alguns idosos que sereúnem para tocar música. De-pois, à banda une-se um jovemque com o saxofone executa umacanção com eles, entrando emperfeita sintonia com o espíritodo grupo, representando simboli-camente as novas gerações cha-madas a recolher o melhor da ex-periência dos avós e a pô-la emprática numa relação de partilha ede solidariedade fraterna.

Como os anteriores, o vídeo —com legendas em nove línguas —foi preparado pela agência LaMachi, que se ocupa da produçãoe da distribuição, em colaboraçãocom o Centro televisivo do Vati-cano que o gravou.

A próxima assembleia sinodal dedicada aos jovens terá lugar de 3 a 28 deoutubro de 2018. O anúncio oficial foi dado no final da terceira reuniãodo XIV conselho ordinário da Secretaria geral do Sínodo dos bispos, pre-sidida pelo Papa Francisco nos dias 16 e 17 de novembro. Contextualmen-te, o próprio Pontífice comunicou a nomeação do relator-geral, que seráo cardeal brasileiro Sérgio da Rocha, e a dos secretários especiais: o jesuí-ta Giacomo Costa e o salesiano Rossano Sala.

Os trabalhos da reunião tiveram início com o pronunciamento do se-cretário-geral, cardeal Lorenzo Baldisseri, que agradeceu ao Papa a pre-sença e também a convocação da assembleia especial para a região pan-amazônica, que será realizada em outubro de 2019. Depois, o purpuradodeu as boas-vindas a todos os participantes e traçou o caminho percorri-do desde a convocação da XV assembleia geral ordinária até agora, falan-do sobre o documento preparatório e o questionário enviado aos organis-mos participantes, sobre a abertura de um portal online com um questio-nário “ad hoc” para os jovens, sobre a ativação de canais apropriados nossocial networks e também acerca do seminário internacional realizado emsetembro passado, dedicado à condição juvenil.

Depois do seu pronunciamento, debateu-se acerca dos critérios de ela-boração do Instrumentum laboris, com a finalidade de fazer confluir neletodas as diversas abordagens da fase de consultas ainda em ato.

Em seguida apresentaram-se algumas comunicações sobre os trabalhosdo recente seminário internacional. Além disso, os participantes foram in-formados sobre as respostas ao questionário do documento preparatórioque chegaram até agora, assim como dos primeiros dados estatísticos rela-tivos ao questionário online que decidiram deixar na rede até 31 de de-zembro próximo.

Entre as atividades programadas, uma atenção especial foi prestada àreunião pré-sinodal de jovens, convocada pelo Papa em Roma de 19 a 24de março de 2018. Em relação a ela foi aprovada a proposta de ampliar aparticipação dos jovens — além dos que serão convidados para o encontro— também através dos social networks.

Por fim, os membros do conselho ordinário trataram o tema da revisãonormativa do Sínodo dos bispos. O subsecretário D. Fabio Fabene leuum relatório que ilustrou o trabalho realizado pela Secretaria geral, aoqual se seguiu uma profícua troca de opiniões.

Na conclusão o Pontífice agradeceu aos membros do conselho e aosdemais participantes a contribuição e o espírito de comunhão fraterna vi-vido durante a reunião.

página 16 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 14 de dezembro de 2017, número 50

Na audiência geral o Pontífice explicou por que devemos ir à missa no dia do Senhor

Domingo cristãoE exortou as Ongs de inspiração católica a lutar por um mundo mais justo

Bom dia, prezados irmãos e irmãs!Retomando o caminho de catequesessobre a Missa, hoje perguntemo-nos:por que ir à Missa aos domingos?

A celebração dominical da Euca-ristia está no centro da vida da Igre-ja (cf. Catecismo da Igreja Católica, n.2177). Nós, cristãos, vamos à Missaaos domingos para encontrar o Se-nhor Ressuscitado, ou melhor, paranos deixarmos encontrar por Ele,ouvir a sua palavra, alimentar-nos àsua mesa e assim tornar-nos Igreja,isto é, seu Corpo místico vivo nomundo.

Compreenderam isto, desde oprincípio, os discípulos de Jesus, quecelebraram o encontro eucarísticocom o Senhor no dia da semana aoqual os judeus chamavam “o primei-ro da semana” e os romanos “dia dosol”, porque naquele dia Jesus tinharessuscitado dos mortos e aparecidoaos discípulos, falando com eles, co-mendo com eles, concedendo-lhes oEspírito Santo (cf. Mt 28, 1; Mc 16,9.14; Lc 24, 1.13; Jo 20, 1.19), como

descanso que revigora a alma e ocorpo (cf. Catecismo da Igreja Católi-ca, nn. 2177-2188). De todos estes va-lores a Eucaristia é a nossa mestra,domingo após domingo. Por isso, oConcílio Vaticano II quis reiterar que«o domingo é, pois, o principal diade festa a propor e inculcar no espí-rito dos fiéis; seja também o dia daalegria e do repouso, da abstençãodo trabalho» (Const. S a c ro s a n c t u mconcilium, 106).

A abstenção dominical do traba-lho não existia nos primeiros sécu-los: é uma contribuição específica docristianismo. Por tradição bíblica, osjudeus descansam no sábado, en-quanto na sociedade romana não es-tava previsto um dia semanal de abs-tenção dos trabalhos servis. Foi osentido cristão do viver como filhose não como escravos, animado pelaEucaristia, que fez do domingo —quase universalmente — o dia dodescanso.

Sem Cristo estamos condenados aser dominados pelo cansaço do dia adia, com as suas preocupações, e pe-

dor, nem luto, nem lágrimas, mas sóa alegria de viver plenamente e parasempre com o Senhor. Inclusive so-bre este abençoado descanso nos fa-la a Missa dominical, ensinando-nos,no decorrer da semana, a confiar-nosnas mãos do Pai que está no Céu.

Como podemos responder a quemdiz que não é preciso ir à Missa,nem sequer aos domingos, porque oimportante é viver bem, amar o pró-ximo? É verdade que a qualidade davida cristã se mede pela capacidadede amar, como disse Jesus: «Distotodos saberão que sois meus discí-pulos, se vos amardes uns aos ou-tros» (Jo 13, 35); mas como podemospraticar o Evangelho sem haurir aenergia necessária para o fazer, umdomingo após o outro, na fonteinesgotável da Eucaristia? Não va-mos à Missa para oferecer algo aDeus, mas para receber dele aquilo deque verdadeiramente temos necessidade.Recorda-o a oração da Igreja, queassim se dirige a Deus: «Tu não pre-cisas do nosso louvor, mas por umdom do teu amor chamas-nos a dar-te graças; os nossos hinos de bênçãonão aumentam a tua grandeza, masobtém para nós a graça que nos sal-va» (Missal Romano, Prefácio co-mum IV).

Em síntese, por que ir à Missa aosdomingos? Não é suficiente respon-

as demais Ongs católicas e com osrepresentantes da Santa Sé, como sinaldo compromisso da Igreja naconstrução de um mundo cada vezmais justo e solidário» foi dirigido peloPapa aos participantes no Fóruminternacional das Ongs de inspiraçãocatólica, saudados no final daaudiência geral e recebidos um poucoantes no gabinete da Sala Paulo VI.

Saúdo os participantes no Fórum in-ternacional das Ongs de inspiraçãocatólica, reunidos em Roma nestesdias. Exprimo profundo apreço pe-los vossos esforços de levar a luz doEvangelho às várias periferias do

chamadas a recolher-se em oraçãoem nome do Senhor, ouvindo a Pa-lavra de Deus e mantendo vivo odesejo da Eucaristia.

Algumas sociedades secularizadasperderam o sentido cristão do do-mingo iluminado pela Eucaristia. Is-to é pecado! Em tais contextos épreciso reavivar esta consciência, pa-ra recuperar o significado da festa, osignificado da alegria, da comunida-de paroquial, da solidariedade e do

lo medo do amanhã. O encontro do-minical com o Senhor dá-nos a forçapara viver o presente com confiançae coragem, e para progredir com es-perança. Por isso nós, cristãos, va-mos encontrar-nos com o Senhoraos domingos, na celebração eucarís-tica.

A Comunhão eucarística com Je-sus, Ressuscitado e Vivo eternamen-te, antecipa o Domingo sem ocaso,quando já não haverá cansaço nem

der que é um preceito da Igreja; istoajuda a preservar o seu valor, massozinho não basta. Nós, cristãos, te-mos necessidade de participar naMissa dominical, porque só com agraça de Jesus, com a sua presençaviva em nós e entre nós, podemospôr em prática o seu mandamento, eassim ser suas testemunhas credíveis.

Um encorajamento «a trabalhar emespírito de comunhão e colaboração com

Dirijo uma cordial saudação aosperegrinos de língua portuguesa,convidando todos a permanecer fiéisao encontro dominical com CristoJesus. Ele desafia-nos a sair do nos-so mundo limitado e estreito para oReino de Deus e a verdadeira liber-dade. O Espírito Santo vos iluminepara poderdes levar a Bênção deDeus a todos os homens. A VirgemMãe vele sobre o vosso caminho evos proteja.

ouvimos na Leitura bí-blica. Também a gran-de efusão do Espíritono Pentecostes teve lu-gar no domingo, cin-quenta dias depois daRessurreição de Jesus.Por estas razões, o do-mingo é um dia santopara nós, santificadopela celebração eucarís-tica, presença viva doSenhor entre nós e pa-ra nós. Portanto, é aMissa que faz o domin-go cristão! O domingocristão gira em volta daMissa. Que domingoé, para o cristão, aque-le no qual falta o en-contro com o Senhor?

Existem comunida-des cristãs que, infeliz-mente, não podem be-neficiar da Missa todosos domingos; no en-tanto, também elas,neste dia santo, são

nosso mundo, para de-fender a dignidade dohomem, para promovero desenvolvimento in-tegral dos povos e parair ao encontro das ne-cessidades materiais eespirituais de tantosmembros da nossa fa-mília humana. Encora-jo-vos a trabalhar sem-pre em espírito de co-munhão e colaboraçãocom as demais Ongscatólicas e tambémcom os representantesda Santa Sé, como si-nal do compromisso daIgreja na construção deum mundo cada vezmais justo e solidário.Com os votos de queestes dias de reflexão eintercâmbio sejam fe-cundos para as vossasatividades, concedo-vosde coração a minhaBênção apostólica.

«Existem comunidades cristãs que, infelizmente, não podem beneficiar da Missatodos os domingos»; e existem «sociedades secularizadas que perderam o sentidocristão do domingo iluminado pela Eucaristia», frisou o Papa na audiência ge ra lde quarta-feira, 13 de dezembro, na sala Paulo VI, explicando por que motivo oscristãos têm necessidade de participar na celebração eucarística dominical.

Ivan Guaderrama, «Última Ceia»