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PRESERVAÇÃO E GESTÃO DA PAISAGEM TOMBADA
CAVACO, ANDRÉ FARIAS; VASQUES, VIVIANNE SAMPAIO
1. Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac. Departamento do Patrimônio Cultural e Natural
Rua da Quitanda, 86 / 8º andar. Centro, Rio de Janeiro – RJ. CEP 20091-902 [email protected]
2. Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac. Departamento do Patrimônio Cultural e Natural
Rua da Quitanda, 86 / 8º andar. Centro, Rio de Janeiro – RJ. CEP 20091-902 [email protected]
RESUMO O reconhecimento, a preservação e a participação na gestão do patrimônio cultural fluminense são algumas das atribuições do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, órgão vinculado a Secretaria de Estado de Cultura do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Tendo como principal instrumento o tombamento, desde o início o Inepac se mostrou como Instituição de vanguarda no que diz respeito ao reconhecimento de bens culturais de diversos conceitos, nesses mais de cinquenta anos de existência foram tombadas não só grandes obras de valor erudito e histórico, mas também diversos bens de notável valor para as comunidades nas quais estão inseridos: árvores, pedras, morros, aldeias, cachoeiras e etc. Destacam-se, pela magnitude da abrangência e complexidade, os tombamentos: Litoral Fluminense, abrangendo praias, costões rochosos, restingas, manguezais e ilhas de Paraty, Niterói, São Francisco de Itabapoana e São João da Barra; os morros e pedras da Barra da Tijuca e de Jacarepaguá, conforme proposta formulada por Lúcio Costa, Estes últimos recentemente se constituíram num grande desafio por abrigar diversos equipamentos de suporte aos eventos esportivos que atenderão aos Jogos Olímpicos. Desta forma, mesmo abarcando um grande acervo de bens de valor paisagístico, a preservação e a gestão dessas áreas é algo que, devido também ao aumento das pressões antrópicas, demanda cada vez mais esforços por parte dos técnicos. A conservação e o restauro de bens materiais, sendo eles arquitetura ou bens móveis e integrados, é um campo bastante difundido dentro da área da preservação do patrimônio, contando já com diversas técnicas e teorias, assim como com certo número de cursos, empresas e profissionais especializados. Porém, nas rotinas de acompanhamento e fiscalização das paisagens tombadas, os técnicos se deparam com outros desafios, como à baixa produção acadêmica para referência e, principalmente, o caráter interdisciplinar e multi-institucional exigido para sua gestão. Acrescenta-se o fato das paisagens estarem em constante mutação, constituindo-se em organismos vivos, diferentemente de bens como igrejas, museus e palácios, por exemplo. O presente artigo tem como finalidade explicitar as dificuldades, as experiências acumuladas pelos técnicos e o próprio amadurecimento do órgão no campo da preservação e gestão de bens tombados de natureza ambiental e paisagística, considerando o conceito de Paisagem Cultural. A metodologia aplicada será o estudo de referência de trechos dos tombados supracitados, nos quais os autores vêm atuando. Serão expostos os entraves encontrados, as atividades bem sucedidas, assim como as propostas de atuação vislumbradas pelos técnicos resultado da reflexão da prática profissional nestas áreas.
Palavras-chave: Paisagem Cultural; Inepac; Gestão.
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
O Inepac e a Proteção da Paisagem Cultural
O reconhecimento, a preservação e a participação na gestão do patrimônio cultural
fluminense são algumas das atribuições do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac,
órgão de preservação e fiscalização do Patrimônio Cultural do Estado do Rio de Janeiro,
primeiro órgão estadual de patrimônio, criado em 1964 com nome de Divisão do Patrimônio
Histórico e Artístico do Estado da Guanabara – DPHA.
O Inepac vem sendo, desde a sua criação, uma instituição de vanguarda no que diz respeito
ao reconhecimento do valor de bens culturais de diversos conceitos. O primeiro tombamento,
do eclético Parque Henrique Laje em 1965, já evidenciava uma linha de pensamento
diferente, seguiram-se tombamentos como a Ilha de Brocoió, dez árvores em Paquetá, uma
Figueira na Tijuca, uma série de pedras e morros da Baixada de Jacarepaguá. Caracterizando
a preocupação com a “proteção de bens decididamente naturais tanto pelo valor
ecológico-ambiental como pelo seu valor de referência cultural” (ROCHA-PEIXOTO).
Desta forma, mesmo abarcando um grande acervo de bens de valor paisagístico, a
preservação e a gestão dessas áreas é algo que, devido também ao aumento das pressões
antrópicas, demanda cada vez mais esforços por parte dos técnicos. A conservação e o
restauro de bens materiais, sendo eles arquitetura ou bens móveis e integrados, é um campo
bastante difundido dentro da área da preservação do patrimônio, contando já com diversas
técnicas e teorias, assim como com certo número de cursos, empresas e profissionais
especializados. Porém, nas rotinas de acompanhamento e fiscalização das paisagens
tombadas, os técnicos se deparam com outros desafios, como à baixa produção acadêmica
para referência e, principalmente, o caráter interdisciplinar e multi-institucional exigido para
sua gestão. Acrescenta-se o fato das paisagens estarem em constante mutação,
constituindo-se em organismos vivos, diferentemente de bens como igrejas, museus e
palácios, por exemplo.
A seguir, a partir da experiência acumulada na atuação dos técnicos, temos por objetivo
explicitar as dificuldades, as atividades bem sucedidas e o próprio amadurecimento do órgão
no campo da preservação e gestão de bens tombados de natureza ambiental e paisagística,
considerando o conceito de Paisagem Cultural.
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
Experiências na gestão dos Tombamentos dos Morros da Barra e
Jacarepaguá, Rio de Janeiro- Rj
O tombamento dos Morros da Barra da Tijuca e Jacarepaguá foi um dos primeiros
tombamentos efeituados sob a égide do antigo Estado da Guanabara e também de vanguarda
na proteção de áreas naturais em todo o país.
A região das Baixadas de Jacarepaguá ladeada de morros, pedras, maciços, áreas de
restinga e a faixa litorânea, possui beleza ímpar, tendo seu processo de urbanização iniciado
na década de 60.
Quando do desenvolvimento do Plano Piloto para Urbanização da Barra da Tijuca, Pontal de
Sernambetiba e de Jacarepaguá, vetor orientado de expansão da cidade, o arquiteto Lúcio
Costa, já se depara com a necessidade de urbanizar e, ao mesmo tempo, proteger e valorizar
as condições paisagísticas e ambientais primitivas da região.
De fato, o Plano Piloto como instrumento de ordenação urbana da região da Barra da Tijuca e
Jacarepaguá provocou conflitos entre os agentes de produção do espaço urbano fazendo
com que o Plano não fosse completamente instaurado, ficando as questões relativas às áreas
naturais ainda vulneráveis às pressões antrópicas. (SILVA, 2004).
O tombamento dos Morros da Barra da Tijuca e Jacarepaguá vem preencher essa lacuna e,
hoje, se configura como um importante elemento de contenção à especulação imobiliária.
Primeiramente no final da década de 1960 foram tombados isoladamente algumas formações
rochosas e, anos mais tarde, já década de 1980, a proteção desses monumentos naturais foi
ratificada e incluído novos exemplares constituindo ao todo onze formações rochosas, marcos
da paisagem da Baixada de Jacarepaguá. (INEPAC, 2012, p.68)
Três monumentos naturais se destacam no extremo sul da Baixada de Jacarepaguá: Pontal
de Sernambetiba, Pedra de Itapuã e Morro do Rangel. A paisagem formada por eles em
conjunto com os costões rochosos do Maciço da Pedra Branca, que levam as praias da
Prainha e Grumari1, constituem “um dos mais belos cenários remanescentes da paisagem
primitiva do litoral carioca” (LERNER, 2016).
1 O “Monumento natural da praia de Grumari” também foi objeto de tombamento pelo Estado do Rio de
Janeiro (Processo E- 18/300.117/1984).
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Figura 1- Paisagem cultural formada pelo Morro do Rangel, Pedra de Itapuã e Pontal de Sernambetiba. Fonte: Inepac, 2016.
Recentemente, por ocasião da análise de pedidos de aprovação de projetos imobiliários de
vulto no entorno da Pedra de Itapuã e Morro do Rangel e diante da proposta de implantação
pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente do Projeto Corredor Verde 2 Recreio, cuja
intenção é interligar, através da promoção de estratégias ambientais, o Parque Estadual da
Pedra Branca ao Parque Natural de Marapendi, despertou novas reflexões a esse coletivo de
bens.
Ao analisarmos conjuntamente os dois tombamentos verifica-se que, em relação às áreas de
tutela para proteção da ambiência, geograficamente resta uma pequena porção de lotes
desabonados de tutela, incidindo apenas as legislações impostas pelo Município, em geral
menos restritivas que as de preservação do patrimônio cultural.
Para o entorno do Morro do Rangel foi definida uma área de ambiência delimitada pela curva
de nível de cota 10 metros e a paralela distando 150 metros da mesma, que alcança quase a
2 A proposta do Projeto Corredores Verdes é a reconexão de áreas remanescentes do Bioma Mata Atlântica,
incluindo a ligação de alguns parques municipais através dos fundamentos de Restauro Ecológico, Infraestrutura
Verde e Ecologia Urbana. Na prática o projeto visa proteger e melhorar o desempenho ambiental e a contribuição
social dos fragmentos verdes colaborando na conscientização ambiental e na qualidade de vida da população
local. Disponível em: https://issuu.com/embya/docs/parquescariocas_n__4. Acesso em: 20 de agosto de 2016.
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totalidade dos terrenos do quarteirão da Praia da Macumba (ver fig. 2). Tem-se como
parâmetro para as novas construções na área a altura máxima de 11 metros.
A área tombada da Pedra de Itapuã é delimitada por um círculo de raio igual a 50m (cinquenta
metros), cujo centro está situado no ponto mais alto da pedra, sendo a área de tutela, neste
caso específico intitulada zona especial de proteção, compreendida entre o referido círculo e
outro raio concêntrico de raio igual a 70m (setenta metros) (ver fig. 2).
O Pontal de Sernambetiba, por sua configuração insular, a área de proteção da ambiência se
restringe a faixa de areia.
Figura 2 - Áreas de entorno do Morro do Rangel e da Pedra de Itapuã. Fonte: Inepac, 2016.
Cabe mencionar que a municipalidade reconheceu a importância dessa faixa de território
criando a Área de Proteção Ambiental da Paisagem e do Areal da Praia do Pontal, através do
Decreto nº 18.849 de 04/8/2000, que visa “proteger o importante acervo ambiental da Praia do
Pontal e promover a ocupação sem prejuízo das condições ambientais do areal da Praia do
Pontal”.
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Emerge a necessidade latente de revisão dos parâmetros urbanísticos de uso e ocupação do
solo para os terrenos da Praia da Macumba que ficaram situados fora dos limites das áreas
tuteladas do Morro do Rangel da Pedra de Itapuã, mas que são imediatamente contíguos às
mesmas conferindo a esta unidade paisagística o mesmo tratamento.
Como proposta de trabalho futuro, cabe um estudo estendendo-se a análise até o Pontal de
Sernambetiba, que é exatamente a área abarcada pela da APA da Paisagem e do Areal da
Praia do Pontal.
Experiências na gestão do Tombamento Litoral Fluminense em
Paraty-RJ
O tombamento denominado Litoral Fluminense, publicado em 09 dezembro de 1985 e
ratificado definitivamente em 11 de maio 1987, “representa um marco na história da atuação
do Inepac sob a égide da política cultural do então secretário de Estado Darcy Ribeiro”
(INEPAC, 2012, p.13), teve dois fundamentos principais: contribuir para preservar alguns dos
mais belos e importantes ecossistemas da nossa costa e garantir a permanência nessas
áreas das comunidades tradicionais de pescadores (LERNER, 2011). Foram tombados
trechos do litoral nos munícipios de Paraty, Niterói, São João da Barra e São Francisco de
Itabapoana.
Em Paraty localizam-se a maioria dos trechos tombados, incluindo praias, costões rochosos,
restingas, manguezais e ilhas. Costa de Trindade, Enseada do Sono, praia da Ponta do Caju,
Enseada do Pouso, Ilha de Itaoca, Saco e Manguezal de Mamanguá, enseada de Paraty
Mirim, Ilha das Almas, praia Grande, Ilha do Araújo, Praia de Tarituba. O estudo para
tombamento delimitou a faixa de 50 metros, para garantia da permanência dos
assentamentos remanescentes de grupos de pescadores com sua cultura própria, além de
plena e livre utilização da orla marítima para servir de ancoradouro e puxada de redes. Foram
também consideradas integrantes da área tombada as ilhas e os dois sacos existentes –
Mamanguá e Grande – cujas águas mornas rasas e tranquilas propiciam a desova de peixes,
estimulando a piscosidade da baía de Ilha Grande e consequentemente a atividade
pesqueira, elos da mesma cadeia ecológica (INEPAC, 2012, p.52).
Tratam-se de aldeamentos originalmente habitados por famílias que retiravam seu sustento
da pesca de subsistência e comercial de pequena escala, e de atividades rurais, como
plantação de aipim, produção de farinha, criação de pequenos animais... Configuravam-se,
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portanto, em áreas rurais, diferenciadas pela concentração em aldeamentos e a
predominância da pesca.
Atualmente essas comunidades experimentam transformações advindas do declínio da
atividade da pesqueira, da facilitação do acesso trazida principalmente pela construção da
rodovia Rio-Santos na década de 70, do aumento do turismo e a especulação imobiliária é um
temor que permanece presente. A maioria não mais trabalha na pesca ou nas atividades
rurais, surgem bares / mercearias e pequenos restaurantes. Em período de temporada os
barcos priorizam o transporte dos turistas e os moradores alugam suas casas, embarcações
mais ágeis de fibra de vidro ganham espaço frente aquelas tradicionais de madeira.
Figura 03: trechos tombados em Paraty (FONTE: demarcação sobre imagem do Google Earth
elaborada pele equipe do Inepac)
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Principais desafios encontrados
Dinâmica social. As comunidades estão em constante movimentação, o que não é diferente
naquelas tradicionais integrantes aos trechos tombados, devemos, portanto, enxergá-las
como organismos vivos. A própria dinâmica das famílias onde casamentos são realizados,
filhos nascem, outros vão viver na cidade... Pessoas encantadas com a região decidem ali
morar. Muitas vezes as atividades econômicas exercidas pelas famílias têm que se adaptar as
novas realidades, como o crescimento do turismo.
Alterações arquitetônicas. Todas essas transformações sociais, junto com avanço da
tecnologia e acesso de novos materiais, acabam gerando transformações físicas nas
comunidades: surgem acréscimos, demolições e novas construções, além da incorporação de
novos materiais como telhas de fibrocimento, tijolos furados, blocos de concreto, janelas de
alumínio.
Parâmetros de preservação. Diferentemente dos centros históricos tombados, onde a
ambiência arquitetônica é um dos objetivos principais da preservação, ou em um bem
tombado individualmente, onde muitas vezes deve ser avaliado até mesmo se a recuperação
de uma argamassa está empregando o traço original, o tombamento Litoral Fluminense, como
citado acima, visa garantir a permanência das comunidades tradicionais de pescadores e
contribuir para a preservação do ecossistema. Sendo assim, mesmo estando inseridas nos
trechos tombados diversas edificações, não podemos considerar um desrespeito ao
tombamento que sejam feitas certas alterações arquitetônicas nas moradias, ou que, sejam
construídas algumas novas edificações, principalmente levando-se em consideração que são
comunidades com certa fragilidade social e fundiária.
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Imagem 04: ranchos e canoa caiçaras em Trindade na época do tombamento
(AUTOR: Ricardo Brasil - Acervo Inepac)
A tentativa de “congelamento” das configurações arquitetônicas originais, ao invés de
contribuir para a preservação dessas comunidades, provavelmente levaria a sua extinção.
Neste raciocínio, o que deve ser avaliado é se essas transformações, se advindas da própria
dinâmica social, influenciam e ameaçam as características da comunidade tradicional.“Esse
tipo de tombamento [..] exige novos procedimentos de conservação. [...] Os renques de casas
de pescadores, mesmo tombados, não podem ser controlados como igrejas barrocas, ou
palacetes neoclássicos”. (CAMPOFIORITO, 1986, p. 34)
A princípio, certos parâmetros urbanísticos poderiam ser utilizados para balizar as novas
intervenções: gabarito máximo das edificações, obrigatoriedade de afastamentos mínimos,
taxa de ocupação que resguardem o adensamento. Tais parâmetros, porém, são complexos e
exigem estudos mais aprofundados.
Veremos mais a frente que, aliada aos desafios conceituais presentes nesse tipo de
tombamento, a fiscalização deficitária de todos os níveis de governo gera uma ausência de
controle do que é construído, demolido ou alterado, fazendo com que o ritmo das
transformações das comunidades ocorra mais de uma maneira espontânea do que orientadas
pelas diretrizes do Estado.
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Ocupação de novas áreas. Ocorre também a ocupação de novas áreas, anteriormente
verdes. O crescimento das comunidades, a construção de novas casas de veraneio e também
o processo de aluguel das casas próximas à praia e ocupação das áreas mais altas
contribuem para essa expansão. O problema se agrava quando se formam zonas de
ocupação predominante recente, sem ligações formais com a comunidade pré-existente,
gerando trechos similares a favelização.
Unidades de Conservação. Muitas das comunidades estão inseridas dentro de unidades de
conservação de diversos tipos, algumas delas que não preveem ocupação antrópica, em
contradição direta com os objetivos do tombamento. Estão em andamento estudos para a
recategorização de algumas unidades, o olhar do patrimônio cultural nesse processo se faz
necessário para que possa ser reconhecido as comunidades com valores tradicionais.
Fiscalização deficitária. A localização e isolamento dos trechos tombados e das
comunidades, a falta de estrutura dos órgãos de fiscalização e até mesmo a incoerência dos
parâmetros de ocupação da área (ver tópico Unidades de Conservação), contribuem para a
escassa presença de fiscalização, seja da esfera municipal, dos órgãos ambientais ou dos
órgãos de preservação do patrimônio.
Os órgãos ambientais são aqueles mais frequentemente notados por moradores e turistas,
talvez por serem mais bem estruturados, contando nas áreas de preservação, com portarias,
sinalizações e presença de guardas uniformizados. Também podemos considerar que a
grande marca da região são as belezas naturais, relegando as questões culturais a um
segundo plano.
Questão fundiária. A própria história da região, que após o período de pungência econômica
manteve-se isolada durante séculos, proporcionou que vários trechos fossem ocupados
espontaneamente por comunidades de pescadores porém, sem segurança quanto à posse
dessas terras. Por décadas desenvolveram e adaptaram-se a região sem agredir a natureza,
ao ponto de serem reconhecidas como comunidades tradicionais, mas com a facilitação do
acesso a partir da década de 70, cresceu interesse do mercado por essas áreas, o que gerou
e ainda gera muitos conflitos.
Ainda hoje a questão é um grande tormento para os moradores, a incerteza da posse das
terras mina as intenções de melhoria do local e dificulta o controle de construções.
Recentemente, em Trindade, um jovem foi morto reacendendo o pesadelo da disputa entre
moradores e funcionários armados a serviço do poder econômico.
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Imagem 05: ranchos compartilhando seu espaço com uma nova construção de veraneio em Tarituba
(AUTOR: André Cavaco - Acervo Inepac)
Acesso e transporte. Região montanhosa junto ao mar, baia de águas calmas (excetua-se
somente o trecho entre a ponta da Joatinga e a divisa com o Estado de São Paulo). Desde o
início da ocupação o transporte marítimo se mostrou mais adaptado à região, estradas
existiam somente em direção à região das minas gerais, cortando as serras transversalmente
a litoral. Ao longo da costa o transporte era executado em embarcações, mesmo para o Rio de
Janeiro.
Neste litoral algumas vilas surgiram, mas todo resto era uma grande zona rural, onde
espalhavam-se fazendas que também escoavam sua produção via mar. As comunidades
tradicionais de pescadores, que ao longo dessa costa se consolidaram, adaptaram-se aos
deslocamentos marítimos, exemplo maior é a canoa caiçara, moldada em um único tronco
das árvores da região.
Tal dinâmica só foi alterada a partir da implantação da rodovia Rio-Santos. Algumas
comunidades ainda mantém o isolamento, com acesso somente por barco ou trilha, outras se
localizam tão próximas a estrada que já se tornaram simples bairros de Paraty, as outras
desenvolveram acesso por carro, mas por estradas secundárias que até hoje apesar de
asfaltadas não apresentam boa acessibilidade.
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A forma de acesso às comunidades impacta diretamente nos seus estágios de
descaracterização, aquelas localizadas muito próximas a Rodovia (Tarituba e Praia Grande),
apresentam maior quantidade de construções de veraneio sem características tradicionais.
Aquelas com acesso por estradas secundárias (Paraty-Mirim e Trindade), apesar de manter a
atmosfera de aldeia de pescadores, no período de temporada convivem com o caos, tendo
como protagonista a circulação e estacionamento de veículos. As comunidades com acesso
somente por barco ou trilha (Pouso da Cajaíba, Ponta Negra e Ilha do Araújo) conseguem
manter as configurações tradicionais, mas são impactadas pela a dificuldade de acesso e
ausência de transporte público. Os serviços públicos como saúde, educação e saneamento
básico sofrem com a dificuldade de acesso, os moradores dependem de meios próprios para
se deslocar, a fiscalização é ainda menos presente.
Enquanto moradores e alguns turistas defendem a melhoria dos acessos, ambientalistas e
outros visitantes defendem a manutenção do isolamento como forma de preservação do
caráter bucólico das comunidades e contenção do adensamento. Combinando esses pontos
de vistas, pode-se sugerir que uma rede de transporte público que abrangesse todas as
comunidades, englobando meios terrestre, marítimo e respeitando o caráter tradicional das
mesmas, junto com uma política de ordenação do acesso do transporte individual, fortaleceria
a fixação das famílias e inibiria o turismo predatório desordenado.
Exemplos de Preservação
Seguem abaixo, listadas em ordem alfabética, algumas breves descrições de exemplos de
atividades realizadas nos trechos tombados e acompanhadas pelos técnicos do Inepac que
contribuem para preservação das comunidades e seu patrimônio. São inúmeros os parceiros
e interessados na preservação da região, não sendo o objetivo deste artigo listar todas as
organizações e instituições com atuação na região. O objetivo dos técnicos do Inepac é
acompanhar, incentivar e participar dessas atividades como forma de gestão e preservação
do patrimônio fluminense.
Cinebola Caiçara. Festival de cinema a céu aberto realizado cada ano em uma praia da
região, conta com exibição de filmes sobre a cultura tradicional e o já tradicional e disputado
torneio de futebol de praia masculino e feminino entre as comunidades tradicionais da região
(caiçaras, indígenas e quilombolas), incluí também oficinas de capacitação. Idealizado pela
cineasta Cecília Lang, é organizado pela Sociedade Angrense de Proteção Ecológica –
SAPÊ. O Inepac esteve presente na última edição do festival.
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Coordenação Nacional Caiçara. Reunião das lideranças caiçaras do litoral sul e sudeste do
Brasil. Tem como objetivo alinhar as demandas das comunidades com os membros eleitos
para Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais, divididos entre representantes do Paraná, litorais sul e norte de São Paulo e Rio
de Janeiro. O 2º Encontro ocorreu durante o VII Cine Bola Caiçara, contando com a presença
do Inepac como ouvinte.
Imagem 06: oficina Partilha de Turismo de Base Comunitária, organizada pela FCT durante o VII Cine Bola Caiçara, na comunidade do Aventureiro na Ilha Grande (AUTOR: André Cavaco - Acervo Inepac)
Festival Maré Cheia. Mostra de cinema de filmes brasileiros na praia ao ar livre, conta
também com oficinas e Corrida de Canoa Caiçara. Realizado tradicionalmente na praia de
Ponta Negra, também conta com exibições no Pouso da Cajaíba, ambas integrantes ao
tombamento Litoral Fluminense.
Fórum das Comunidades Tradicionais de Angra, Paraty e Ubatuba-FCT. Movimento de
base comunitária, tem como missão promover o desenvolvimento sustentável dos Povos e
Comunidades Tradicionais, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos
seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com respeito e
valorização à sua identidade, suas formas de organização e suas instituições, conforme
instituído pelo Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
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Tradicionais. É aberto à participação de todas as comunidades tradicionais da região
abrangendo Angra dos Reis (RJ), Paraty (RJ) e Ubatuba (SP).
Vem atuando é prol das comunidades tradicionais, incluídos aquelas listadas no tombamento
Litoral Fluminense, atua como articulador das comunidades e representante realizando
também oficinas de capacitação.
Instituto de Permacultura e Educação Caiçara – IPECA. Núcleo experimental de ensino e
aprendizagem em vivências da Permacultura e Educação na comunidade caiçara do Pouso
da Cajaíba - Paraty. Vem organizando vivencias que combinam o ensino de técnicas de
construção tradicionais e sustentáveis com a construção de pontos de cultura caiçara.
Observatório dos Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaína – OTSS. Fruto da
parceria entre Fiocruz, Funasa e Fórum das Comunidades Tradicionais desenvolve ações e
projetos com foco em: Fortalecimento e qualificação do FCT; Defesa do território a partir de
assessoria jurídica, mobilizações e articulações institucionais estratégicas; Produção de uma
base de informações e dados georreferenciados sobre o território; Saneamento ecológico;
Educação diferenciada; Promoção da saúde; Incubadora de Tecnologias Sociais;
Agroecologia; Turismo de Base Comunitária.
Dentro dos projetos de Saneamento Ecológico, o OTSS em julho de 2015 entregou o primeiro
módulo construído na Escola Municipal Martim de Sá, na Comunidade Caiçara da Praia do
Sono, trecho integrante ao tombamento, está em execução na comunidade mais 10 módulos
em núcleos familiares.
Programa de Apoio à Pesca Artesanal e Seu Território. Criado pela Secretaria Estadual de
Desenvolvimento Regional, Abastecimento e Pesca – SEDRAP, do Governo do Estado do Rio
de Janeiro, tem como objetivo o desenvolvimento econômico e social aliado à preservação do
patrimônio cultural local, incluindo a pesca artesanal e os valores históricos, paisagísticos e
ambientais. Até o momento foram contempladas as comunidades pesqueiras localizadas no
Canto de Itaipu (trecho integrante ao tombamento Litoral Fluminense) e Jurujuba, ambas em
Niterói – RJ, e Gradim, em São Gonçalo-RJ.
O Programa Urbanístico e Socioambiental contou com as seguintes etapas: Lançamento do
Projeto, Apresentação Institucional, Sensibilização ao Projeto, Cadastro Socioeconômico,
Cadastro Físico, Oficinas (Leitura Comunitária, Plano de Intervenção e Validação do Projeto),
Grupos Focais de Pesca (Pesca de Arrasto de Praia, Pesca de Mergulho e Pesca de Rede de
Espera), Grupos de Trabalho (Atividade Pesqueira, Ordem Urbana, Atividade Comercial,
Infraestrutura e Meio Ambiente, Mobilidade, Lazer e Patrimônio, Demandas Sociais,
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concluindo-se um Projeto Urbanístico. Participaram do Projeto diversas entidades Federais,
Estaduais e Municipais, Sociedade Civil Organizada e Concessionárias.
As entidades governamentais são responsáveis por áreas muitos abrangentes, por esse fato
e pela quantidade deficiente de pessoal, percebe-se que iniciativa privada, através de
escritórios especializados e organizações não governamentais, apresenta uma maior
agilidade e capacidade técnica pra desenvolver estudos e propostas para a comunidade.
(CAVACO; SOUZA, 2013)
RAÍZES E FRUTOS. Projeto de Extensão do Departamento de Geografia da UFRJ, propõe
vivência nas comunidades caiçaras da Juatinga – Paraty – RJ, incluindo estudantes,
pesquisadores, educadores e sonhadores de diferentes áreas do conhecimento.
Referências
CAMPOFIORITO, Italo. Patrimônio cultural: “Onde a cultura existe, dar voz a ela”, 1986. Em:
Fazimentos / Rio de Janeiro, outubro de 2009 –Fundação Darcy Ribeiro.
CAVACO, André; SOUZA, Luciane. O Inepac e a proteção da Paisagem Cultural: o caso de
Tarituba, Paraty. ANAIS 7º SIMP -Semniário Internacional em Memória e Patrimônio.
Disponível em: http://simp.ufpel.edu.br. Acesso em 05/08/2016.
GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. SECRETARIA DE ESTADO DE CULTURA.
INEPAC. Processo de Tombamento E-18/300.459/85.
______. Relatório de Vistoria, trecho Paraty - Tombamento E-18/300.459/85. Técnico
responsável André F. Cavaco. Acervo Inepac, 2013.
______. Processo: 03/300197/72. Tombamento do Pontal de Sernambetiba, Baixada de
Jacarepaguá.
______. Processo: 03/01924/80. Tombamento do Morro do Rangel, Estrada do Pontal
Recreio dos Bandeirantes.
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