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1 2018/2019 João Manuel Sales Brites Moita Priorização explícita: uma solução para Portugal? Explicit prioritization: a solution for Portugal? março, 2019

Priorização explícita: uma solução para Portugal? Explicit ... · Priorização explícita: uma solução para Portugal? Resumo Cada vez mais a sociedade tem conhecimento dos

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2018/2019

João Manuel Sales Brites Moita

Priorização explícita: uma solução para Portugal?

Explicit prioritization: a solution for Portugal?

março, 2019

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João Manuel Sales Brites Moita

Priorização explícita: uma solução para Portugal?

Expicit prioritization: a solution for Portugal?

Mestrado Integrado em Medicina

Área: Administração Hospitalar

Tipologia: Monografia

Trabalho efetuado sob a Orientação de:

Doutora Guilhermina Rego

Trabalho organizado de acordo com as normas da revista:

Acta Médica Portuguesa

março, 2019

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Índice

Resumo .................................................................................................... 2

Abstract ................................................................................................... 2

Introdução ............................................................................................... 3

Racionamento em saúde ..................................................................... 6

Holanda ................................................................................................. 7

Noruega ................................................................................................. 7

Suécia .................................................................................................... 8

Dinamarca ............................................................................................. 8

Comparação dos modelos ................................................................ 10

Portugal ................................................................................................. 11

Considerações finais .......................................................................... 12

Bibliografia ........................................................................................... 13

Anexos ................................................................................................... 14

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Priorização explícita: uma solução para Portugal?

Explicit prioritization: a solution for Portugal?

João Moita

Faculdade de medicina da Universidade do Porto

Correspondência:

João Manuel Sales Brites Moita

Endereço: Rua Maria Feliciana n.152 HB402, 4465-280, São Mamede Infesta,

Matosinhos.

Telefone: 910361356

Email: [email protected]

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Priorização explícita: uma solução para Portugal?

Resumo

Cada vez mais a sociedade tem conhecimento dos seus direitos, sendo a proteção da

saúde um pilar do estado social da maioria dos países ocidentais. A realidade

portuguesa, à semelhança da maioria dos países ocidentais, depara-se com um

crescimento dos gastos com a saúde, cada vez mais difíceis de suportar pelo orçamento

do estado. Neste sentido, é já reconhecida a necessidade de racionar os recursos

disponíveis, tendo já sido implementadas algumas medidas. No entanto, passados

alguns anos, a tendência para a insustentabilidade dos gastos com a saúde, mantem-

se. Em alguns países europeus e no estado norte americano de Oregon, foram

implementados modelos de priorização explícita. Os vários modelos, têm

especificidades próprias, bem como obtiveram resultados diferentes. Em Portugal, a

implementação de um modelo semelhante parece ser eminente, no entanto, tirar lições

dos erros cometidos pelos outros países, bem como dos sucessos obtidos, poderá ser

um fator decisivo para o sucesso de Portugal com o setor da saúde. Tendo a saúde

especificidades diferentes de outros bens, o maior desafio, será encontrar equilíbrio

entre princípios economicistas e éticos, de modo a que o novo modelo de estado que

se prevê, mesmo não prestando cobertura universal à população, seja legítimo, justo e

compreendido pela sociedade.

Palavras-chave: racionamento, priorização explícita, Portugal.

Abstract

The society is more and more aware of its rights, health protection being a pillar of the

social state of most Western countries. The portuguese reality, like most of the Western

countries, faces a growth in health spending, which is increasingly difficult to bear with

the state budget. In this way, the need to ration the available resources has already been

recognized and some measures have already been implemented. However, after a few

years, the trend towards the unsustainability of the health spending still exists. In some

European countries and in the North American state of Oregon, explicit prioritization

models have been established. These various models have their own specificities as well

as different results. In Portugal, the implementation of a similar model seems to be

eminent, however learning from the mistakes made by the other countries as well as

from the successes they obtained could be a decisive factor for Portugal’s success with

the health sector. The health being different from the other goods, the greatest challenge

will be to find a balance between economic and ethical principles, so that the new state

model that is expected, even if it doesn’t provide universal coverage to the population

will be legitimate, fair and understood by the society.

Keywords: rationing, explicit prioritization, Portugal.

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Introdução

Na diversidade das sociedades ocidentais, das quais Portugal faz parte, existem

discrepâncias no que diz respeito aos indicadores de desenvolvimento humano e

económico, refletindo-se em diferentes formas de exercício da cidadania por parte das

suas populações. Porem, de uma forma geral, estas sociedades reconhecem o direito

à protecção da saúde, como um direito de natureza civilizacional conquistado por elas

mesmas, considerando mesmo, uma expressão da dignidade humana (1).

No entanto, ao longo das últimas décadas, a definição de saúde tem vindo a tornar-se

cada vez mais abrangente e transversal a várias dimensões humanas. A Organização

Mundial de saúde define saúde como “um completo bem-estar físico, mental e social e

não apenas a ausência de doença ou enfermidade”, considerando-se atualmente,

também componentes emocional, moral, social e espiritual (2) Esta visão cada vez mais

holística e integrada da saúde transmite à sociedade uma ideia de que a saúde é um

bem desejável por todos, como meio crucial de atingir uma possível felicidade, auto

realização ou mesmo auto transcendência (1).

Aliados a esta cada vez mais abrangente definição de saúde, o envelhecimento

populacional, o avanço tecnológico e a descoberta de novos e dispendiosos

tratamentos, a universalização do Sistema Nacional de Saúde (SNS) e a

consciencialização da população dos seus direitos enquanto cidadãos, fazem com que

a procura pelos serviços prestados pelo SNS tenda a aumentar (3).

Assim, cria-se um contexto em que o crescimento económico do país não acompanha

o aumento dos gastos com a saúde e consequentemente o peso do SNS no Produto

Interno Bruto (PIB) do país tende a aumentar (4,5). As seguintes medidas, surgem

então, como meios de manter a viabilidade do SNS (6):

- Limitação dos gastos;

- Disponibilização de mais recursos (materiais, tecnológicos ou humanos);

- Otimização da gestão dos recursos do SNS tornando-o mais eficiente;

- Criação de sistemas de priorização, em que certos tratamentos ou certas pessoas

passam a ter prioridade sobre outras;

- Aumento da comparticipação dos utentes

- Alternativas privadas

Se por um lado a disponibilização de mais recursos pode implicar a diminuição do

investimento do estado em outras áreas, como por exemplo a educação, fundamentais

ao desenvolvimento e manutenção de um estado estável e sustentável, por outro, limitar

os gastos, aumentar a comparticipação dos utentes ou recorrer a alternativas privadas

como seguros, iria contra a tendência que o SNS tem para a gratuitidade bem como

limitaria os cuidados de saúde apenas a práticas economicamente viáveis, podendo

estas não constituir o estado da arte para a medicina baseada em evidência (1, 7, 13).

Tudo isto, leva-nos a pensar que a otimização da gestão de recursos teria que ser posta

em prática antes de tudo, uma vez que limitar o acesso à saúde sem antes ter a garantia

que estão sendo feitos todos os esforços no sentido de gastar da forma mais eficiente

possível os recursos do estado, seria eticamente condenável (1).

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No caso de Portugal, têm sido feitos esforços no sentido de aumentar a eficiência do

SNS e diminuir os desperdícios, sem pôr em causa os princípios fundamentais do nosso

SNS. Neste sentido, destacamos como medidas já implementadas, o New Public

Management (NPM) e a triagem de Manchester (8).

A necessidade de implementar o NPM, surge da incapacidade da gestão tradicional do

estado responder aos novos desafios económicos, tecnológicos e sociais, sendo

caracterizada por processos de gestão demasiado centralizado e burocráticos, deixando

o SNS menos ligado às comunidades e sem a flexibilidade necessária para responder

às questões que dela surgem, impedindo a otimização da gestão financeira do SNS (9).

A NPM consiste na delegação de órgãos de gestão do sector público a entidades

privadas que operam com uma lógica empresarial guiada pelas exigências da economia

de mercado. Esta empresarialização, torna possível, aplicar métodos de gestão privada

que visam essencialmente, aumentar a eficiência do SNS, maximizando a sua

produtividade e minimizando os custos associados, tanto quanto possível (9).

Com isto, o estado passou então, a ter mais um papel de regulador, e menos de

prestador de serviços (1). Este papel regulador do estado revela-se indispensável, uma

vez que, se o SNS, no controlo de uma gestão privada, seguisse uma lógica de mercado

pura que visa a eficiência e obtenção de lucros, sem haver uma regulação ética,

facilmente poderíamos pôr em risco os preceitos éticos em que se baseia o nosso SNS,

tais como a equidade e a universalidade, em nome de uma lógica baseada na obtenção

de lucros ou mesmo no utilitarismo (1). Assim, o papel regulador do estado tem como

objectivo garantir que a otimização da gestão do SNS pelo NPM, não ultrapasse os

limites impostos pela bioética.

A triagem de Manchester por sua vez, é um sistema de priorização explícita

implementado nos serviços de urgência dos hospitais em Portugal (9). Este sistema de

triagem prioriza casos que necessitam de intervenção urgente ao invés de atender os

doentes por ordem de chegada (9). Constitui assim, uma forma de gerir os recursos

disponíveis na urgência de forma mais eficiente, atribuindo menores tempos de espera

a casos mais graves e emergentes, algo facilmente compreendido e aceite pela

comunidade (9).

A triagem de Manchester e a NPM, começaram a ser implementadas nos anos de 2000

e 2002, respetivamente, anos em que as despesas com a saúde representavam cerca

de 8,5% do PIB (9, 10). Porém, mesmo com a melhora nos indicadores de eficiência

dos hospitais portugueses, o Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou que em 2017

as despesas com a saúde constituíram cerca de 9% do PIB, confirmando o facto já

mencionado, que o aumento das despesas com a saúde crescem a um ritmo mais

acelerado que o crescimento do PIB (10).

Feitos os esforços possíveis, até ao momento, de modo a aumentar a eficiência do SNS,

os custos do mesmo mantem-se cada vez mais difíceis de suportar pelo estado.

Aumentar a carga fiscal dos contribuintes ou incluir taxas moderadoras poderia ser uma

solução, uma vez que os impostos dos portugueses representam 34,7% do PIB, abaixo

da média europeia de 39,3%, sendo que vários países com índices de desenvolvimento

humano superiores e economias mais estáveis e prósperas que a portuguesa,

apresentam valores superiores à média europeia, facto que poderia legitimar uma maior

contribuição por parte dos cidadãos (1). Porém, os cidadãos portugueses têm

rendimentos abaixo da média europeia, refletindo-se num fraco poder de compra,

quando comparados com cidadãos de outros países (1). Podemos então imaginar que

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aumentar a carga fiscal, poderá criar um desconforto social e até mesmo um

abrandamento do crescimento económico do país.

Em outras sociedades onde a implementação do estado social é anterior ao caso

português, foram adotadas medidas de priorização explícita, onde certos tratamentos

foram excluídos do pacote de tratamentos oferecido pelo estado de modo a manter

viável sistemas de saúde que se não podem garantir todos os possíveis tratamentos a

todos os cidadãos, pelo menos garantem um determinado pacote básico de

tratamentos, respeitando assim, o princípio da igualdade de oportunidades (11).

Este trabalho tem como objetivo analisar os contextos em que a priorização explícita foi

implementada noutros países, bem como discutir os resultados económicos e sociais

obtidos, até que ponto os limites da bioética foram ou não ultrapassados, e qual a

possibilidade de aplicação de um modelo de priorização explícita no SNS português.

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Racionamento em saúde

O SNS é visto pela sociedade como um dos pilares do no estado social. Ao aplicar

medidas de racionamento, estaremos a fazer um investimento em determinados

cuidados de saúde, em detrimento de outros. Estaremos a estabelecer prioridades num

setor delicado como é a saúde, algo sempre controverso (12), Porém, devido à

crescente procura de cuidados de saúde pela população, e aos recursos limitados do

SNS, racionar, torna-se inevitável (12).

Assim, a necessidade de racionar é já reconhecida pela maioria das pessoas, sendo

uma ideia implícita numa lógica de utilização dos recursos de forma justa e racional (5).

O SNS português oferece à população cobertura universal (13). Essa cobertura

universal, faz com que a definição explícita de prioridades e a limitação na prestação de

cuidados de saúde, como medidas de racionamento, seja ilegal em Portugal (8).

Neste sentido, os esforços feitos em Portugal para evitar gastos desnecessários, estão

implícitos nas práticas clínicas e de gestão, sendo as medidas definidas pelos

profissionais que atuam a estes níveis, recaindo sobre estes, uma carga de

responsabilidade que torna a prestação dos cuidados de saúde uma tarefa eticamente

complexa (8). Adicionalmente, população fica exposta aos juízos de valor de cada

profissional, havendo risco de serem aplicadas medidas que descriminem indivíduos ou

grupos de indivíduos, em nome de princípios economicistas ou utilitaristas, e que em

determinados contextos, podem não ser aprovados pela sociedade, gerando

sentimentos de injustiça e desagrado com o setor da saúde (1).

Através da priorização implícita, são criadas listas de espera, é diminuído ou mesmo

negado o acesso aos utentes, e a qualidade dos serviços prestados diminui (8). Este

cenário põe em causa a eficácia dos cuidados de saúde, bem como o princípio da

universalidade, por limitar o acesso à saúde apenas aos que satisfazem a lógica por

detrás das escolhas feitas por quem aplica as medidas de racionamento.

A necessidade de fazer escolhas e estabelecer prioridades de forma explícita no setor

da saúde revela-se, então, fundamental para o seu adequado funcionamento, sendo

importante refletir constantemente sobre o respeito pelos direitos fundamentais como

justiça e equidade (6).

Por outro lado, as inerentes desigualdades económicas existentes na sociedade, torna

também o estabelecimento de prioridades de forma explícita, eticamente legítimo, sendo

crucial para a obtenção de equidade na distribuição dos cuidados de saúde (6). Nesta

lógica, devemos priorizar populações mais desfavorecidas e com o acesso à saúde mais

limitado, de modo a tentar diminuir as desigualdades sociais.

Consequentemente, a realidade atual, obriga o setor da saúde a adotar medidas de

priorização, porem, estas, adotadas de forma implícita como acontece em Portugal, põe

em causa os princípios base do SNS, podendo transformar-se até num caso de injustiça

social.

Adotar medidas de priorização explícita baseadas em processos mais transparentes e

com maior participação da sociedade, poderia ser uma forma de restabelecer essa

justiça social.

Noruega, Holanda, Suécia, Dinamarca, desenvolveram princípios, de forma a orientar

os esforços de priorização, enquanto Reino Unido, Israel, Nova Zelândia e o Estado

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Norte Americano de Oregon, estabeleceram grupos de trabalho para recomendar que

serviços devem ser providenciados pelo sistema de saúde (11). De seguida, iremos

abordar de forma breve, os esforços postos em prática por alguns desses países.

Holanda

Em 1990, foi criado na holanda um comité, com o objetivo de elaborar métodos e

princípios que serviriam de base para a definição de prioridades no sistema se saúde

holandês (11).

Os princípios definidos como prioritários foram (11):

• Necessidade, atribuído a qualquer intervenção com potencial benefício;

• Efetividade, que serviu para distinguir intervenções com evidência de trazer

benefício clínico, intervenções de benefício clínico limitado e intervenções sem

evidência de trazer qualquer benefício;

• Eficiência, que avaliaria cada intervenção com base na relação entre custos e

efetividade, estabelecendo uma efetividade mínima exigida para cada

intervenção de modo a justificar determinados custos;

• Responsabilidade individual, que tem como objetivo, excluir intervenções que

possam ser pagas individualmente, e não, deixar de tratar condições causadas

por estilos de vida entendidos como prejudiciais à saúde, correndo o risco de

serem feitas discriminações incompreendidas pela sociedade.

Foi então criado um pacote de serviços que seriam prestados pelo sistema de saúde

holandês, que iria conter cerca de 95% dos possíveis serviços disponíveis (11).

O comité, tentou incluir nas suas decisões, uma visão da comunidade sobre esta

problemática, bem como assumiu o princípio da solidariedade como inerente à

sociedade, como potencial influenciador das suas decisões, e não teve como objetivo

negligenciar populações mais vulneráveis (11).

Noruega

O governo norueguês criou uma comissão em 1987, com o objetivo de definir princípios

para a implementação de medidas de priorização (11). O único critério utilizado

inicialmente foi a gravidade da doença, tendo sido definidos cinco grupos consoante o

nível de gravidade.

Dez anos mais tarde, foi criada uma segunda comissão, que incorporou como princípios

básicos para a priorização, a efetividade e os custos dos tratamentos. Os serviços

prestados, foram então, divididos em quatro grupos: serviços fundamentais, serviços

suplementares, serviços pouco prioritários e serviços não prioritários. Assim, para

decidir em que categoria cada serviço deveria ser incluído, a comissão iria basear-se

nos critérios de gravidade, efetividade do tratamento e custos associados.

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Com a criação desta segunda comissão, o governo pretendeu criar um sistema de

priorização que se baseasse no equilíbrio dos princípios definidos (11).

Foi também sugerido que fossem definidos grupos de especialistas, de modo a definir

prioridades específicas para cada especialidade (11).

Suécia

Em 1992, foi criada uma comissão formada por membros parlamentares e especialistas,

tendo definido como princípios básicos para o processo de priorização: dignidade

humana, necessidade e solidariedade, e custo-eficiência (8, 14). Com base nestes

princípios, foram formados cinco grupos baseados no tipo de doenças e tratamentos em

causa (8). No entanto, parte do poder de decisão foi atribuído a autoridades regionais

(14).

Em 1994, foi criada uma nova comissão com o objetivo de adicionar a opinião pública

aos princípios adotados pela comissão precedente (14).

Em 2001, foi criado o Centro Nacional de priorização para os cuidados de saúde. Apesar

de algumas guidelines produzidas por esta entidade terem sido adotadas, um relatório

publicado pela mesma, mostrou haver falta de transparência nas decisões de

priorização e falta de informação sobre os princípios base, por parte dos profissionais

de saúde (14).

Assim, em 2003, foi feita uma declaração de limitação dos cuidados de saúde, na

tentativa de estimular o debate sobre a importância desta problemática, e com isto,

foram criadas listas de serviços a deixar de ter prioridade (14). No entanto, este esforço

não foi observado com a atenção esperada por parte dos profissionais de saúde, e a

adesão às guidelines definidas, não sendo obrigatória, foi variável (14).

Tal como na holanda, a suécia atribui extrema importância ao princípio da solidariedade,

intrínseca à população, dando sempre atenção às populações vulneráveis (11).

Dinamarca

Em 1996 o Conselho Dinamarquês para a ética, promoveu os princípios de igualdade,

solidariedade, segurança e autonomia, como base do serviço de saúde (11). A estes,

viriam juntar-se os princípios de equidade, qualidade, custo-eficiência e democracia,

que seriam promovidos em equilíbrio com os já mencionados, de forma a manter o

sistema de saúde numa base ética de promoção da individualidade humana e da não

discriminação (11).

No entanto, não foram instituídas novas guidelines, tendo servido como argumento, as

diferentes necessidades dos vários prestadores de cuidados de saúde (14).

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Oregon

No estado norte americano de Oregon, foi posto em prática a partir de 1989, um

processo de estabelecimento de prioridades no já implementado Medicaid (programa

criado no âmbito de facilitar o acesso aos cuidados de saúde aos mais carenciados).

O objetivo foi cobrir toda a população abaixo do limiar de pobreza, ao invés dos

anteriores 58% (11).

Ao contrário dos países previamente descritos, no estado de Oregon, a opinião pública

foi incorporada no processo desde o início, através de por exemplo, consultas públicas

(11).

Foi então criado um ranking para os serviços prestados pelo Medicaid, baseado tanto

na opinião da sociedade, como na relação custo-eficácia de cada tratamento (11). Este

método, gerou resultados controversos: o tratamento do linfoma de Hogkin, por

exemplo, apareceu no ranking como menos prioritário que tratamentos dentários

clinicamente não urgentes (11).

Assim, a comissão, rapidamente descartou os resultados obtidos, elaborando um novo

método que iria dar mais importância à opinião de profissionais de saúde e definiria

critérios menos estritos, não obstante, haver representantes da comunidade na

comissão (11).

Ainda assim, o resultado final deste método, foi um conjunto de normas de priorização

concretas, definidas explicitamente, retirando das mãos dos profissionais de saúde a

responsabilidade pela alocação de recursos disponíveis (16).

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Comparação dos modelos

Em todos os modelos abordados, houve desde o início, uma discussão contínua sobre

a importância da transparência e do respeito pelos princípios éticos fundamentais.

Manter a transparência e o envolvimento do público nas tomadas de decisões,

revelaram-se dificuldades comuns a todos os grupos de trabalho abordados, sendo o

resultado das primeiras consultas públicas no estado de Oregon, um exemplo.

Sendo assim, devido a descrença no rigoroso cumprimento destes princípios, as

recomendações nem sempre foram suficientemente concretas e rigorosas, limitando

assim, a aplicação prática das mesmas.

Aqui, o estado de Oregon destaca-se dos países europeus, devido a rigidez do seu

modelo, tendo este produzido recomendações mais específicas e concretas, facilitando

a aplicação prática destas.

Outros países como Reino Unido, Israel ou Nova Zelândia, à semelhança do estado de

Oregon, produziram recomendações mais específicas, tendo tido também um impacto

prático mais significativo que os modelos europeus aqui abordados, que pelas

dificuldades éticas naturais do processo, estagnaram numa fase pouco concreta e mais

filosófica (11, 14).

Nos países com modelos mais rígidos, a aceitação social foi relativamente boa (11).

Num estudo feito na Austrália, a opinião pública revelou uma significativa compreensão

sobre princípios utilitaristas e economicistas e que a luz dos princípios éticos, devem

em certa medida, ser aplicados ao setor da saúde (15).

Porém, esta aceitação social pode ser posta em causa, devido a uma possível falta de

informação necessária por parte da sociedade, bem como pelo sentimento de

impotência relativamente as decisões tomadas pelos órgãos responsáveis (11).

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Portugal

Aplicar um modelo de priorização explícita em Portugal, não significa necessariamente

que devemos passar pelas diversas etapas e problemas que os outros países passaram

(14). Em vez disso, podemos tirar lições destes exemplos.

Ficou claro que para aumentar os níveis de compreensão e aceitação social, é da

máxima importância garantir o máximo de transparência e envolvimento social, tanto

quanto possível. No entanto, como se observou no estado de Oregon, os mecanismos

de envolvimento social, nem sempre são perfeitos, obtendo resultados desanimadores.

Assim um dos desafios da criação de um modelo de priorização explícita, seria criar

meios de consulta social e de análise dos resultados, que garantam níveis de

transparência e rigor necessários.

De qualquer forma, consultar uma sociedade desinformada, seria também um exercício

pouco legítimo. Revela-se então, de máxima importância, estimular o debate social,

envolvendo as várias classes socias e profissionais.

Na área da saúde, os médicos possuem conhecimentos técnicos e éticos privilegiados,

sendo lhes dada muitas vezes, a responsabilidade de determinar preferências dos

consumidores da saúde (7). No delicado processo de estabelecimento de princípios e

normas para a priorização, em jeito de analogia, os médicos teriam um papel crucial,

transmitindo a melhor informação possível a sociedade e interpretando as opiniões e

preferências da mesma.

Assim, outro desafio, seria encontrar um equilíbrio entre os papeis das diferentes

classes na direção das tomadas de decisão, e a forma como estas classes seriam

representadas.

Por fim, estimular a responsabilidade individual, fornecendo aos cidadãos uma

educação para a saúde adequada, seria não só uma medida de saúde pública, uma vez

que grande parte do dinheiro gasto no setor da saúde e devido a doenças que podem

ser evitadas com as mudanças comportamentais, mas também uma medida de

democratização do conhecimento e da saúde, uma vez que transmitiríamos poder de

decisão aos cidadãos, algo que muitas vezes revela se difícil garantir na prática (17).

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Considerações finais

A consciência da necessidade de conter os gastos com o sistema de saúde em Portugal

já existe, tendo sido feitas reformas nesse sentido. No entanto, não foram atingidos

ainda, os níveis de exigência ideias.

Ainda assim, através do exemplo de outros países, prevê se uma eminente mudança

de paradigma na prestação de cuidados de saúde em Portugal, com a priorização

explícita como solução futura e viável, desde que sejam aplicados e continuamente

revisitados, os princípios da bioética.

Em termos legislativos, teriam também que ser feitas alterações, sendo o consenso e a

aceitação social, o maior desafio.

Num possível novo paradigma aqui proposto, onde o estado deixa de disponibilizar

todos os cuidados de saúde que hoje disponibiliza, para além de um papel regulador,

seria também importante assumir a responsabilidade por educar a sociedade, de forma

a que fosse legítimo aplicar o princípio da responsabilidade individual.

Conclui-se assim, que a priorização explícita é uma solução viável para o sistema de

saúde português, e que é imperioso estimular o debate sobre o papel do estado na

sociedade, sobre a responsabilidade individual, e sobre o equilíbrio que será necessário

encontrar entre estes, visando a nova realidade que se prevê.

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para um novo SNS. Coimbra: Grafica de Coimbra; 2003.

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Anexos

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