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Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7
Cadernos PDE
VO
LU
ME
I I
O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Produção Didático-Pedagógica
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ
SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO
DIRETORIA DE POLÍTICAS E PROGRAMAS EDUCACIONAIS
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL
PROFESSORA PDE: Janete Demeterko Ditzel
ORIENTADORA: Soely Bettes
UNICENTRO – Unidade Universitária de Irati
O TRABALHO COM GÊNEROS TEXTUAIS EM SALA DE AULA:
UMA EXPERIÊNCIA DESAFIADORA
IRATI/PR
2010
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.........................................................................................................................4
UNIDADE I – OS GÊNEROS TEXTUAIS EM SALA DE AULA.......................................6
O TRABALHO EM SALA DE AULA.......................................................................................9
O QUE SÃO GÊNEROS TEXTUAIS?....................................................................................13
UNIDADE II – A PRÁTICA COM GÊNEROS TEXTUAIS EM SALA DE AULA........17
O GÊNERO TEXTUAL: POEMA...........................................................................................21
O GÊNERO TEXTUAL: FÁBULA.........................................................................................27
O GÊNERO TEXTUAL: PIADA.............................................................................................32
O GÊNERO TEXTUAL: CRÔNICA.......................................................................................37
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................45
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................47
“O que move o trabalho é o
processo de ensino realizado,
compreendido como as mediações,
concretamente estabelecidas entre
aluno, professor e conhecimento”.
(Geraldi)
4
INTRODUÇÃO
O Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) é uma política pública de formação
continuada compromissada com a valorização dos professores da educação do Paraná. Apresenta
uma proposta de enfrentamento aos problemas de ensino-aprendizagem levando em consideração a
experiência pedagógica da Educação Básica e o conhecimento educacional do Ensino Superior.
Assim sendo, o Projeto de Intervenção Pedagógica e a elaboração de produções didático-
pedagógicas, sob a orientação da IES/UNICENTRO, contemplam o desenvolvimento de estratégias
pedagógicas, a fim de atender as dificuldades diagnosticadas pelo professor em seu espaço
específico de trabalho e estimular o trabalho intelectual dos alunos e docentes, tendo em vista a
criticidade, a apreensão, construção e res-significação do conhecimento. Portanto, não devem ser
vistos como instrumentos imediatos para o uso mecânico e sim como sugestões.
O Caderno Pedagógico é uma atividade elaborada pelos professores PDE, dentre muitas
outras desenvolvidas no programa, e constitui-se em um material didático de
intervenção/implementação pedagógica, que pretende colaborar com os professores, por meio de
estudos teóricos e possíveis construções e ações práticas. Pois, segundo Antunes (2007), o papel do
professor nas abordagens às práticas de leitura, oralidade, escrita e análise linguística não se reduz a
“transmitir”, a “repassar”, ano após ano, conteúdos selecionados por outros; mas alguém que
também produz conhecimento.
Em 2009, participei do Programa PDE e o resultado dos estudos realizados, nesse período,
está registrado neste Caderno Pedagógico, o qual se apresenta dividido em duas Unidades
Didáticas.
A Unidade I apresenta pressupostos teóricos acerca dos diferentes gêneros textuais e explora
estratégias a respeito desse trabalho em sala de aula. Na Unidade II, constam as atividades práticas
e/ou encaminhamentos metodológicos com os gêneros textuais selecionados: poema, fábula, piada e
crônica, na dimensão social e linguístico-textual, a fim de que os conhecimentos e as metodologias
com gêneros cheguem até o professor e se concretizem em sala de aula.
A implementação destas atividades de Intervenção Pedagógica acontecerá no 4º ano
Formação de Docentes da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, do Colégio
Estadual São Vicente de Paulo - Ensino Fundamental, Médio e Normal, localizado na cidade de Irati
– PR, prevista para o segundo semestre de 2010, visando à construção das competências linguísticas
dos alunos na dimensão filosófica, artística e científica do conhecimento, preparando, assim,
5
cidadãos éticos e políticos para que possam participar de eventos sociais com um conhecimento
cultural, social, linguístico e discursivo.
Para realizar o Plano de Ação, durante a Implementação Pedagógica, não haverá,
inicialmente, nenhuma discussão prévia com os alunos sobre gêneros e tipologias textuais e o
desenvolvimento da linguagem, pois o objetivo é diagnosticar o conhecimento dos alunos acerca do
direcionamento das atividades de leitura, tendo como objeto de estudo os gêneros. Portanto, para a
coleta de dados, num primeiro momento, será solicitado aos alunos do 4º ano Formação de
Docentes do Colégio Estadual São Vicente de Paulo uma proposta de leitura envolvendo os
seguintes gêneros: poema, fábula, piada e crônica. Essas atividades serão desenvolvidas no período
de 16 a 27 de agosto de 2010, totalizando seis horas-aula.
Na explanação da proposta de leitura, elaborada pelos alunos em sala de aula, será
observado o seguinte:
• Está claro para os alunos o trabalho de leitura a partir dos gêneros?
• A proposta de trabalho contempla os gêneros na dimensão social e linguístico-textual?
• As atividades demonstram interação na lingua(gem) em situação de uso? Ou o texto foi
utilizado apenas como pretexto para o trabalho com a gramática?
Após o levantamento dos dados obtidos, por meio das respostas dos itens elencados acima,
no período de 27 de setembro a 29 de outubro de 2010, totalizando 15 horas-aula, serão
proporcionadas atividades de leitura com a turma selecionada para o corpus da intervenção
pedagógica, a fim de se discutir e estudar a dimensão social e linguístico-textual dos gêneros
textuais solicitados aos alunos no Plano de Ação.
Ao término dos estudos e das discussões em sala de aula com os alunos, será feita uma
reformulação das propostas de leitura adequando-as à perspectiva dialógica da linguagem, tendo
como base as primeiras atividades elaboradas pelos alunos e as atividades propostas na Intervenção
Pedagógica, a fim de verificar os avanços obtidos.
O resultado desta proposta de Intervenção Pedagógica será exposto em artigo, conforme
consta no cronograma do projeto.
6
UNIDADE I
OS GÊNEROS TEXTUAIS EM SALA DE AULA
Um dos maiores desafios para o ensino da Língua Portuguesa enfrentados, hoje, pela escola
é o de articular o conhecimento gramatical com a necessidade de aprimorar a capacidade de ler e
produzir textos coerentes, pois sabemos que um dos problemas do ensino é o tratamento inadequado
que o texto vem recebendo. (Marcuschi, 2008) fala de exercícios de “copiação”, em vez de
7
compreensão.
Constatam-se, também, muitas dúvidas e dificuldades em relação ao ensino dos conteúdos
nas aulas de língua materna, ora a prática insistente no normativismo e no trato com os recursos da
língua, ora o silenciamento do papel da gramática enquanto conteúdo/método/prática. Por isso,
torna-se necessário harmonizar a linguagem e seu funcionamento à ação, ao social, ao histórico e à
forma, ou seja, um ensino de língua materna que integre oralidade, leitura, produção e o
aprimoramento dos conhecimentos linguísticos por meio da análise linguística.
Trabalhos recentes de Lopes-Rossi (2008), Brandão (2008) e Hila (2007), entre outros,
evidenciam as dificuldades encontradas pelos professores e a necessidade de se repensar a aula de
leitura, para além do uso do texto, como pretexto para o ensino de gramática.
Para entender melhor esse panorama, abordaremos um pouco a trajetória do trabalho com o
texto apresentada pelas autoras Vieira e Brandão (2007).
Até as décadas de 1940 e 1950, o princípio em que se baseava o ensino da interpretação de
texto na escola era, sobretudo, de natureza estética e moralizante, com ênfase nos textos literários e
nos de conteúdo ideológico, cujos temas se relacionavam ao amor, à família, à pátria, deveres do
cidadão.
Numa segunda fase, sem eliminar a primeira, predominou a leitura com finalidade
informativa – lia-se para obter conteúdos e deixar o aluno bem informado – incentiva-se a pesquisa
em enciclopédias e revistas. O conteúdo do texto jornalístico passou a ser um referencial em provas,
em concursos e exames vestibulares. Por essa preocupação informativa, acreditava-se que o
significado denotativo do texto era facilmente apreendido e, tendo como foco o estudo do léxico,
buscava-se o que os autores propunham.
E o ensino da leitura e interpretação, até hoje, muitas vezes, é centrado na fixação de um
determinado conteúdo. Segundo as autoras (2007, p. 241), “o aluno diante do texto, comporta-se
como se ele tivesse uma fonte, um sentido hegemônico, derivado do conteúdo, apresentado pelo
professor, o qual, por ser um leitor mais experiente, domina os segredos de cada texto”. Mas, sabe-
se que há problemas com essa metodologia, uma vez que por mais que o professor “ensine” a ler
textos, nunca poderá esgotar o potencial de interpretação possível.
Sabemos dos muitos avanços nas pesquisas da Linguística do texto e que as mudanças nos
parâmetros da sociedade influenciaram na renovação de metodologias de ensino: houve a
consciência de que repetir apenas não significa compreender e de que a formação do educando
envolve muito mais do que memorizar conceitos, aprender técnicas. Muito mais do que receber,
informar-se, o aluno, atualmente, deve saber relacionar, tirar conclusão; e para isso, o texto mostra-
se imprescindível, pois “é um lugar de correlações”. E o texto não é um produto, algo pronto e
8
acabado. (GERALDI, 1997, p. 23)
Diante desse quadro, há um grande desafio nas práticas escolares, para tornar o ensino
menos artificial e mais significativo. Há necessidade de se realizar uma proposta de trabalho numa
tentativa de aliar os elementos da língua a uma concepção atual da linguagem, visto que o texto, por
muito tempo foi visto como objeto de memorização, leitura silenciosa, mas não como objeto de
compreensão. Hoje, pretende-se mais a aprendizagem da língua do que o ensino da língua. E o
trabalho com gêneros textuais torna-se uma oportunidade de se lidar com a aprendizagem da língua
em seus variados usos no dia a dia.
Dessa forma, estaremos favorecendo o trabalho com a língua, abrindo possibilidades de se
integrar as práticas de leitura, de escrita e análise linguística, visando a ajudar o aluno na construção
de uma competência textual e discursiva relevante para a sua interação.
Para isso, Antunes (2002) esclarece que os diferentes gêneros, não só os literários, passem a
ser objetos de estudo e assumam sua dimensão concreta nas aulas de Língua Portuguesa, mesmo nas
primeiras séries do Ensino Fundamental.
Deve-se propor uma gramática que tenha como referência o funciona-mento efetivo da língua, o qual, como se sabe, acontece não através de palavras soltas, mas como apenas mediante a condição do texto. As-sim, o professor deve apresentar uma gramática que privilegie, de fato, a aplicabilidade real de suas regras, tendo em conta inclusive, as especificidades de tais regras, conforme esteja em causa a língua fala-da ou a língua escrita, o uso formal ou o uso informal da língua. (AN-TUNES, 2003, p. 96)
Como podemos observar, segundo a autora, para que haja uma compreensão funcional e dis-
cursiva da gramática é necessário trabalhá-la de forma contextualizada aos diferentes gêneros textu-
ais.
9
O TRABALHO EM SALA DE AULA
Texto- criação: Janete Demeterko Ditzel
Diante de tantas dúvidas inerentes a todos nós, professores, percebemos a importância de
leituras e estudos teóricos, a fim de construir e entender as concepções que constituem o princípio
norteador do nosso trabalho com a língua. Os sujeitos em seus processos de aprendizagem
manifestam seus saberes adquiridos e cumulativos por meio de diferentes contextos exteriores:
escola, amigos, comunidade, leituras. Esses sujeitos tecem outros conhecimentos ressignificando as
experiências, pois o conhecimento se constitui a partir de todas as experiências que tivemos e
temos, de todos os modos como nos inserimos no mundo à nossa volta. O conhecimento e a
10
aprendizagem são provocados, quando há conexão com os interesses e crenças, valores e saberes
daquele que escuta. Sendo assim, as expectativas são de que as observações realizadas, neste
Caderno Pedagógico, atendam algumas das necessidades nossas e dos alunos, não sirvam apenas
como informação e sim como conhecimento enriquecedor e fortalecedor da nossa atuação, dando-
nos clareza na concepção de língua, de gramática adotada e segurança no trabalho desenvolvido em
sala de aula.
As sugestões, aqui apresentadas, emergem para o despertar do trabalho constante de estudar,
de pesquisar, de avaliar, de criar, de inventar, e reinventar a prática, pois não se pretende apresentar
um modelo de leitura de diferentes gêneros textuais, mas apresentar possíveis encaminhamentos
que conduzam à leitura crítica desses recursos pedagógicos.
Assim, o professor deixa de ser visto como alguém que apenas transmite conhecimentos e
passa a ser visto como alguém que pesquisa os fatos linguísticos, analisa, reflete, descobre, aprende,
reaprende e interage, cria e produz conhecimento.
Segundo Bezerra (2007), por volta da década de 50 do séc. XX, estudava-se português nos
próprios manuais de gramática, pois o público que tinha acesso à escola falava o português padrão.
Era possível estudar as regras gramaticais sem tantas dificuldades. A partir da década de 50,
começam a acontecer as transformações nas condições de ensino-aprendizagem de
português. A escola passa a receber alunos de outras camadas sociais, com práticas de letramento
diferentes ou até mesmo nulas. Com o aumento da população escolar, ampliou-se o número de
professores sem muitos conhecimentos sobre a variedade da língua. As propostas do ensino
continuaram as mesmas: análise gramatical (embora juntamente com o texto). Surgem, então, os
livros didáticos (com textos e lições de gramática e exercícios para suprirem as lacunas de
conhecimento desses professores). De acordo com Geraldi (1991), o material didático facilitou a
tarefa do professor, porém diminuiu sua responsabilidade na escolha do que ensinar.
A partir da última década do séc. XX, houve a intervenção do Estado, após estudos e
pesquisas, e os autores dos livros didáticos são pressionados a realizar mudanças em seus
conteúdos, metodologias e concepções teóricas. Porém, quase não houve mudanças. O texto cada
vez mais presente, mas, muitas vezes, como pretexto para o ensino de regras gramaticais.
Antunes (2004, p. 41) afirma sobre a necessidade de admitir que “uma concepção
interacionista da linguagem, funcional e contextualizada, pode fundamentar um ensino da língua
que seja, individual e socialmente produtivo e relevante”. Esse trabalho proporciona aos alunos o
desenvolvimento de habilidades que envolvem o ensino linguístico, social, textual e a produção
escrita e, também, contribui para a formação de cidadãos conscientes e responsáveis. Assim o aluno
constrói, analisa, discute, levanta hipóteses, a partir dos diferentes gêneros textuais “única instância
11
em que o aluno pode chegar a compreender como, de fato, a língua que ele fala funciona”.
Para saber mais, acesse o link abaixo e leia um texto sobre as concepções de língua e de ensino, por Jossely Bezerra
M. de Oliveira.
http://escrevendo.cenpec.org.br/ecf/index.php?option=com_content&task=view&id=232&Itemid=99999999 , acesso
em 18/05/2010.
A concepção de língua interacional é a mais viável, uma vez que para compreendê-la, ela
deixa de ser vista como simples representação mental, e passa a ser vista e entendida como uma
atividade interativa. Essa concepção conduzirá, conforme (Marcuschi, 2008, p. 65), ao
desenvolvimento de competências discursivas funcionalmente adequadas. A língua tem a função de
“inserir os indivíduos em contextos socio-históricos e permitir que se entendam” (p. 67), afirma,
também, que
toda linguagem é dialógica, todo enunciado é sempre um enunciado de alguém para alguém. Daí a noção de gênero como enunciado responsivo “relativamente estável”, o que está de acordo com a ideia de linguagem como atividade interativa e não como forma ou sistema. (MARCUSCHI, 2008, p. 20)
O ensino de Língua Portuguesa vem passando, nos últimos anos, por mudanças que buscam
a melhoria de sua qualidade. E essa qualidade se efetiva quando os conteúdos são explorados com
adequação teórica e significativa, uma vez que a escola é um lugar de aprendizagem.
As Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná de Língua Portuguesa (doravante DCEs)
(PARANÁ, 2008, p. 50-90) propõem que o trabalho com a língua, na sala de aula, deve partir da
linguagem em uso. “A disciplina vai considerar os gêneros discursivos que circulam socialmente,
com especial atenção àqueles de maior exigência na sua elaboração formal”. “O professor de
Língua Portuguesa precisa, então, propiciar ao educando a prática, a discussão, a leitura de textos
das diferentes esferas sociais (jornalística, literária, cotidiana, etc). “Caberá ao professor selecionar
os gêneros a serem trabalhados, não se prendendo à quantidade, mas sim, preocupando-se com a
qualidade do encaminhamento, com a compreensão do uso do gênero e de sua esfera de circulação’.
As DCEs destacam, ainda, que ao escolher um gênero nem sempre todas as práticas necessitam ser
abordadas, tudo dependerá dos objetivos e das intenções do gênero selecionado para o trabalho.
Assim sendo, nesta proposta de trabalho serão abordados, na dimensão social e linguístico-
textual, os gêneros: poema, fábula, piada e crônica.
Ao trabalhar com o tema do gênero selecionado, o professor propiciará ao aluno a análise
crítica do conteúdo do texto e seu valor ideológico, escolhendo conteúdos específicos, seja para a
12
prática de leitura ou de produção (oral e/ou escrita), explorando os três elementos bakhtinianos que
constituem um gênero (tema, estilo e construção composicional).
A forma composicional dos gêneros será analisada pelos alunos, no intuito de
compreenderem algumas especificidades e similaridades das relações sociais, numa dada esfera
comunicativa. Para essa análise, é preciso que os alunos considerem o interlocutor do texto, a
situação de produção, a finalidade, o gênero ao qual pertence cada texto, entre outros aspectos.
As marcas linguísticas também devem ser abordadas no trabalho com os gêneros, para que o
aluno compreenda os usos da língua e os sentidos estabelecidos pela escolha de um ou de outro
elemento linguístico. Essas marcas apresentam “traços da posição enunciativa do locutor e da forma
composicional do gênero” (ROJO, 2005, p. 196). Para o aluno observar e refletir sobre esses usos
da língua, o professor selecionará conteúdos específicos que explorem os recursos linguísticos e
enunciativos do texto (como: modalizadores, operadores argumentativos, recursos de referenciação,
modos verbais, pontuação etc.).
Ressaltamos que esses três elementos constitutivos do gênero são articulados entre si, isto é,
um depende do outro, portanto não funcionam de modo autônomo.
A partir da escolha de um determinado gênero textual, elegendo-o com objeto de estudo ora
para a oralidade, leitura, ou escrita e análise linguística, é possível selecionar conteúdos e atividades
significativas e relevantes, a fim do aluno compreender como se dizem, ou se escrevem diversos
gêneros de textos.
13
O QUE SÃO GÊNEROS TEXTUAIS?
No dia a dia, deparamo-nos com variados textos como: cartas, manuais, receitas, anotações,
rótulos, etc. Mas o que vem a ser um texto? Uma receita, um rótulo, a letra de uma música, uma
conta de telefone, são textos. Todos eles com um formato específico, possíveis propósitos de leitura,
enfim, apresentam “características sócio-comunicativas”, definidas pelo
conteúdo, pela função, pelo estilo e pela composição, essas características definem o gênero. Assim,
quando interagimos com outras pessoas, por meio da linguagem oral ou escrita, produzimos certos
tipos de texto que, com poucas variações, se repetem no conteúdo, no tipo de linguagem e na
estrutura. Esses tipos de textos constituem os chamados “gêneros textuais”, os quais foram
historicamente criados pelo homem para atender a determinadas necessidades de interação verbal.
(BAKHTIN, 2004)
Segundo Bakhtin (2003), os gêneros do discurso são eventos enunciativos que atendem as
necessidades sociais, e apresentam um conjunto de características relativamente estáveis. Essas
características configuram diferentes gêneros textuais caracterizados por três elementos básicos que
o autor aponta como componentes integrantes e indissociáveis de cada gênero: conteúdo temático,
estrutura composicional e estilo.
Acesse o vídeo disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=A0_STXPaNz0&feature=relatedE suscite discussões sobre a diversidade de gêneros que estão disponíveis na sociedade para a leitura e convide os alunos a pesquisar e trazer para a aula diferentes textos.
Sugestão: Visualização do vídeo: “Gêneros textuais’, disponível no link abaixo para compreender melhor o que é
gênero textual.
http://www.youtube.com/watch?v=OQPw-xUK_tk
http://www.youtube.com/watch/v=QQPw.xuk_tk
Acesse, também, o link abaixo e leia a resenha de Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz: Os gêneros escolares: das práticas de linguagem aos objetos de estudo
http://escrevendo.cenpec.org.br/ecf/index.php?option=com_content&task=view&id=159&Itemid=9 acesso em 17/05/2010.
Os textos são produzidos em situações e contextos diferentes e cada um com uma finalidade
específica. Eles desempenham papel fundamental em nossa vida social e as situações comunicativas
são inúmeras, portanto, inúmeros são os gêneros textuais.
Marcuschi (2008) afirma que o estudo dos gêneros não é novo, surgiu com Platão e
Aristóteles, tendo origem em Platão a tradição poética e em Aristóteles a tradição retórica.
O que se tem atualmente é uma nova visão do trabalho com gêneros textuais na área da
linguística e, em particular, nas perspectivas discursivas. Os Parâmetros Curriculares Nacionais
14
(BRASIL,1998), as DCEs (PARANÁ, 2008) e projetos pedagógicos recentes têm proposto os
gêneros textuais como objetos do ensino da linguagem a partir de uma perspectiva
sociointeracionista, ou seja, um exercício de práticas individuais e sociais de linguagem, incluindo o
trabalho da análise linguística.
Dessa forma, as práticas sociais mobilizam diversas atividades de linguagem, as quais
envolvem variados modos de expressão por meio dos gêneros textuais, materializados em diferentes
textos, que implicam diversas capacidades de compreensão e de produção. Isso explica, então, a
razão pela qual não é possível mais usar em sala de aula apenas a noção de tipologia textual para a
aula de leitura e produção textual – a qual define os textos como narrativos, argumentativos,
descritivos, expositivos, injuntivos, já que, eles não dão conta de cumprir as diferentes situações
comunicativas, atendendo as capacidades de leitura e de escrita necessárias para a participação
efetiva do indivíduo num mundo multissemiótico, no qual há necessidade de leitores não apenas do
texto verbal, mas de textos que trazem múltiplos sistemas de linguagem (verbal, visual, audiovisual,
gestual). É possível ler, por exemplo, uma crônica, uma piada, uma tira apenas com a noção de
tipologia textual?
A competência (a sociocomunicativa) leva à diferenciação de determinados gêneros de textos, como saber se está perante uma anedota, um poema, um enigma, uma explicação, uma conversa telefônica,etc. Há o conhecimento, pelo menos intuitivo, de estratégias de construção e interpretação de um texto. A competência textual de um falante permite-lhe, ainda, averiguar se em um texto predominam sequências de caráter narrativo, descritivo, expositivo e/ou argumentativo. (KOCH, 2002, p. 53)
Bakhtin (2002) distingue os gêneros textuais como primários e secundários:
gêneros primários
– aqueles que fazem parte da esfera cotidiana da linguagem, tais como: bilhetes, cartas, diálogos, relato familiar, piada etc.
gêneros secundários
– textos, geralmente mediados pela escrita, mas não unicamente por ela; pertencem à esfera da comunicação cultural mais elaborada, dentre eles, o romance, o teatro, o discurso científico, os quais, por esta razão, não possuem o imediatismo do gênero anterior. Há, também, uma interdependência dos gêneros por exemplo: uma conversa entre amigos pode adquirir a forma de uma dissertação filosófica.
15
Por que o professor deve trabalhar os gêneros textuais na sala de aula?
As razões para esse trabalho são muitas, como explica Barbosa (2000):
(a) abrem possibilidades de se integrar a prática da leitura, da escrita e da análise linguística,
comumente estanques nos currículos da escola básica;
(b) permitem a concretização de um ideal de formação com vistas ao exercício pleno da
cidadania (já que se utilizam de textos de efetiva circulação social e de diferentes esferas e práticas
sociais);
c) possibilitam a concretização de uma perspectiva enunciativa para as aulas de língua
portuguesa, o que quer dizer, uma perspectiva que leve em conta o conhecimento situado, a
linguagem efetivamente em uso, o trabalho com textos e práticas didáticas plurais e multimodais;
d) conseguem dar conta tanto de noções discursivas como também mantém noções
eminentemente estruturais ou linguísticas/enunciativas, todas elas necessárias para o letramento do
sujeito e para a correta compreensão do próprio gênero;
e) fornecem subsídios para (re)pensarmos novas formas de organização curricular.
E, hoje, a tendência é explicar como os gêneros se constituem e circulam socialmente, pois a
humanidade não para de evoluir. E com sua evolução, evolui também a linguagem por ela usada;
tanto a linguagem oral quanto a escrita. Os gêneros textuais, utilizados nos mais diversos ambientes
linguísticos, retratam de forma ideal a evolução da linguagem.
O avanço da tecnologia permite o surgimento de novos gêneros textuais, a adaptação de
alguns e a evolução de muitos outros. Postos, na sala de aula, ajudam a subsidiar a competência
argumentativa dos alunos a partir de relações lógico-discursivas e críticas sociais trazidas, à tona,
por eles.
Assim, a maneira mais produtiva para se construir a criticidade dos alunos e uma certa
subjetividade, que saibam utilizar a língua adequadamente, em diferentes contextos, consiste na
elaboração de atividades que despertem a “réplica” e o entendimento flexível da polissemia das
palavras. Essa prática que contempla o texto como um todo, possibilita ao aluno a compreensão do
uso dos elementos da língua e também das diferentes formas empregadas em cada modalidade
linguística. Portanto, é necessário que o professor ofereça ao aluno a oportunidade de se apropriar
devidamente de diferentes gêneros textuais, socialmente utilizados, para que ele saiba movimentar-
se no seu dia a dia, percebendo que é a partir dos exercícios da linguagem que se dá sua constituição
como sujeito.
17
UNIDADE II
A PRÁTICA COM GÊNEROS TEXTUAIS EM SALA DE AULA
A entrada dos gêneros textuais nas atividades práticas de sala de aula, concomitantemente à
exploração dos recursos da língua na sua dimensão social e linguístico-textual, visam à superação
desse ensino artificial e a um ensino significativo. Esse procedimento e essa compreensão permitem
integrar as práticas sociais de linguagem, escrita, leitura e oralidade, de modo a ampliar a
competência discursiva do aluno, privilegiando as propriedades discursivas, interativas e
enunciativas da linguagem. Portanto, o estudo dos gêneros textuais é uma alternativa para conduzir
o trabalho produtivo com a língua por meio do texto (falado ou escrito), tendo como base a
concepção sociointeracionista da linguagem.
Diante da nova concepção de linguagem que norteia o trabalho de Língua Portuguesa, os
gêneros textuais passam a ser o propulsor deste trabalho, e a gramática vista como uma ferramenta
que auxilia na produção de sentidos dos gêneros e não como principal instrumento para o ensino-
aprendizagem.
Koch (2003, p. 59) destaca que na medida em que o gênero é apreendido, ele “se torna
acessível a todos nas práticas linguageiras de aprendizagem” e que é necessário reavaliar as práticas
e tomar consciência do papel central dos gêneros como objeto e ferramenta de trabalho, para o
desenvolvimento da linguagem, visando a objetivos precisos de aprendizagem.
As DCEs (PARANÁ, 2008) propõem que a língua seja trabalhada em sala de aula, a partir
da linguagem em uso, considerando os gêneros discursivos. Orientam o trabalho dos professores,
para que propiciem ao aluno a prática e discussão, a leitura e escrita de textos das diferentes esferas
sociais (jornalística, literária, publicitária, etc). Possibilitem também o entendimento do texto, não
apenas nos seus limites formais, mas, sim, nos seus elementos constitutivos que envolvem o antes,
ou seja, as condições de elaboração, produção, circulação e recepção, e o depois, a leitura ou a
resposta ativa, isto é, o entendimento do texto, seus sentidos, suas intenções e visões de mundo.
Por isso, na abordagem do gênero escolhido, é necessário considerar os leitores, os suportes,
a esfera de circulação, a intencionalidade, escolhendo o conteúdo temático, a forma composicional
no intuito de os alunos compreenderem algumas especificidades e similaridades, como o
interlocutor do texto, a situação de produção, a finalidade, o gênero, o suporte, o ato estilístico.
Portanto, pretende-se, na realização desta prática com gêneros textuais, não abordar o texto
pelo texto, o que não leva à compreensão, e sim considerá-lo como construção de sentidos, nas mais
18
diversas possibilidades de leitura, porém fundamentadas com elementos do texto que, muitas vezes,
revela-se polissêmico. O aluno, então, passa a compreender como o gênero estudado funciona, suas
implicações em um dado contexto histórico e os valores inseridos na sua materialidade linguística.
Assim, sugere-se, nesta Unidade, atividades de leitura dos gêneros selecionados com o
objetivo de possibilitar aos alunos a construção de significados para além da superfície do texto,
observando a função social nos diferentes contextos e, que a partir dessa criticidade adquirida, os
alunos possam participar ativamente de práticas sociais.
As práticas sociais, segundo Hila (2009), são as formas de organização de uma sociedade e,
por meio delas, é que se definem as atividades. Também afirma que a noção de prática social
convoca um dos primeiros argumentos em defesa dos gêneros em sala de aula. A autora cita como
exemplo as atividades desenvolvidas pelo professor no cotidiano da escola: a ação de ir à escola
exige diversas atividades como: planejar, ouvir, discutir etc. Com isso, o professor assume o seu
papel social e elabora os chamados gêneros textuais: agenda, prova, resumo, plano de aula etc.
Sugestão: leitura do artigo:
A INCORPORAÇÃO DA TEORIA DE GÊNERO TEXTUAL DE ABORDAGEM SÓCIO-DISCURSIVA PELOS PROFESSORES DE LÍNGUA MATERNAAngela Mari GUSSO (Universidade Federal do Paraná)http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/cd/Port/18.pdf . acesso em 17/05/2010.
O artigo aborda como a questão do gênero textual está sendo apropriada pelos professores que trabalham com o
ensino da língua materna.
Ainda, conforme Hila (2009), para se entender a noção de gênero, é necessário entender o
que é enunciado concreto, e cita um exemplo, referindo-se ao trabalho de sala de aula, o qual poderá
ser analisado de duas perspectivas diferentes de ensino.
a) Uma perspectiva é usar a frase para mero reconhecimento de estruturas gramaticais,
desvinculadas de sentido:
“A porta está aberta”.
• Qual é o sujeito da frase?
• Que tipos de predicados?
b) Outra é centrar o trabalho na significação do enunciado concreto, levando em conta os
elementos contextuais que, para Bakhtin (1994), são as condições de produção.
Assim, a frase “A porta está aberta” se for dita por um marido na hora da discussão, com o
objetivo de se livrar da mulher, terá como significado um pedido para que a mulher vá embora. Se
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ao contrário, alguém querido pelo falante, grita, o significado é de boas vindas, pode entrar. A partir
dessas duas perspectivas, observamos que não podemos desvincular o enunciado do sentido e não
privilegiar apenas o reconhecimento das estruturas gramaticais.
No enfoque enunciativista da leitura nos orientamos com duas dimensões: a dimensão social
e a dimensão verbal, também chamada linguístico-textual ou multimodal. Inicia-se o trabalho a
partir das condições de produção do texto, ou seja, primeiramente, uma análise dos aspectos sociais
e, posteriormente, a análise da parte verbal dos dados, do ponto de vista enunciativo, orientando-se
por perguntas.
Antes de iniciar a leitura propriamente dita do gênero textual, a autora sugere o início do
trabalho com a fase de pré-leitura que normalmente deve durar cinco minutos.
Esta fase é muito importante, para que os alunos façam previsões, lancem hipóteses e
tragam o conhecimento de mundo sem recorrer ao texto, não tendo, portanto, a função de realizar a
etapa de compreensão. Esta fase é a preparação do aluno para o encontro com o texto. Nela, é
possível ativar o conhecimento prévio dos alunos e trabalhar o tema, as especificidades do gênero, e
a tipologia textual. (SOLÉ, 1998)
Sugestão de leitura:
Para saber mais sobre atividades de pré-leitura, consulte o artigo: TAGLIEBER, L. K.; PEREIRA, C. M.
Atividades de pré-leitura. Gragoatá, Niterói, 1 sem. 1997.
Há também um outro artigo sobre o mesmo tema em estudo:
A formação do leitor competente:
Estratégias de leitura
Maria de Jesus Ornelas Valle
Professora de Português no Colégio Estadual
Lúcia Alves de Oliveira Schoffen, Altônia, PR.
http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/306-4.pdf
Após essa etapa, o professor passa para o gênero a ser lido. A fase de leitura visa à
compreensão e ao desenvolvimento de capacidades, confrontando e entendendo as informações do
texto, somadas às informações do leitor e, a partir dessas, a produção de uma nova informação.
Neste momento, a orientação é a de que se insiram questões que denominaremos de gênero, são
aquelas que envolvem a estrutura composicional, o estilo e o tema do gênero, além de questões de
inferenciação, lembrando que no trabalho, em sala de aula, esses três elementos (conteúdo temático,
estrutura composicional e estilo) são componentes integrantes e indissociáveis de cada gênero,
portanto devem ser contemplados coerentemente, sem privilegiar um em detrimento do outro.
Para trabalhar o tema, é necessário pensar no suporte, pois a partir dele é que o tema e os
interlocutores são instaurados. Marcuschi, (2008, p. 174) mostra a importância do suporte na
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construção dos sentidos. Cita, como exemplo, o seguinte enunciado:
“Paulo, te amo, me ligue o mais rápido que puder.
Te espero no fone 55443322.
Verônica”.
O autor expõe os possíveis sentidos para o texto dependendo do suporte:
a) Se estiver escrito num papel colocado sobre a mesa da pessoa indicada (Paulo), pode ser
um bilhete;
b) se for passado pela secretária eletrônica, é um recado;
c) remetido pelos correios num formulário próprio, pode ser um telegrama;
d) exposto num outdoor, pode ser uma declaração de amor.
O certo é que o conteúdo não muda, mas o gênero é sempre identificado na relação com o
suporte. Portanto, o autor define suporte como um “locus físico ou virtual com formato específico
que serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado com texto”.
Ao trabalhar com a estrutura composicional, auxiliamos o aluno a observar se, para um
determinado gênero, há ou não uma estrutura mais estável. No caso da receita, há estruturas textuais
mais marcadas (título, ingredientes, modo de fazer.
Trabalhar o estilo significa selecionar os elementos que são constitutivos e significativos
para o gênero, levando o aluno a perceber os aspectos estilísticos do gênero trabalhado e as suas
condições de produção. Referem-se a qualquer plano da língua (fonológico, morfológico, sintático,
semântico, pragmático) ou nível (lexical, frasal, textual).
Assim, a proposta deste Caderno Pedagógico é trabalhar os gêneros textuais num enfoque
enunciativo da leitura. A prática de leitura, nesse enfoque, será realizada por meio de determinado
conjunto de textos selecionados na etapa de busca dos gêneros programados: poema, fábula, piada
e crônica, em que serão exploradas as duas dimensões constitutivas do gênero e do enunciado: a
dimensão social e a dimensão verbal.
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O GÊNERO TEXTUAL: POEMA
CONHECENDO O GÊNERO
O poema emerge de um momento de reflexão diante de fatos que nos fazem parar e
contemplar, ou de perplexidade diante da falta de lucidez da humanidade, pois a massificação, a
mercantilidade, a burocratização e a banalização também imperam dificultando o domínio, o cultivo
da palavra e da língua. Isto tudo na tentativa de resgatar o belo e o se reencantar pelo mundo. A
escola, no intuito de captar o belo, a sensibilidade e o impulso precisa possibilitar momentos de
apreciação do texto, no que tange à criatividade, à beleza das palavras. Educar o ser sensível,
inteligente e criativo é exercitá-lo nos domínios da palavra, brincando e explorando a sonoridade, os
ritmos.
Carlos Drummond nos faz um convite: “Chega mais perto contempla as palavras.
Trouxestes a chave?”
O autor, ainda, se manifestou da seguinte maneira, a respeito da relação escola e poesia:
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o que eu pediria à escola, se não me faltassem luzes pedagógicas, era considerar a poesia como primeira visão direta das coisas, e depois como veículo de informação prática e teórica, preservando em cada aluno o fundo mágico, lúdico, intuitivo e criativo, que se identifica basicamente com a sensibilidade poética. (Jornal do Brasil, 20 de julho de 1974)
Esse pensamento nos faz refletir sobre o trabalho realizado com poemas, cuja função deve
ser de sensibilizar.
Enfim, é necessário mostrar ao aluno “o que pode’ e ‘o que quer esta língua”, pois ela é
objeto de criação artística e podemos utilizá-la de forma criativa com muitas possibilidades de
expressão para revelar o teor humano estético.
INTRODUÇÃO AO GÊNERO
O poema é um gênero literário que registra visões particulares, exprime sentimentos
universais, reinventa a linguagem e revela o teor humano, por isso oportuniza profundas reflexões
sobre a identidade humana, individual e social. Faria (2008) relata que, muitas vezes, solicita-se aos
alunos a produção de textos espontâneos, como se houvesse o domínio por parte deles de todos os
elementos básicos para a construção de narrativas ou poemas, porém a aquisição dessas
competências passa de início pela leitura ou audição de narrativas e poemas.
Porém, muitas vezes a leitura é utilitária sendo aproveitada apenas como material de
ensinamentos gramaticais, impedindo o leitor de manter o contato dialógico com o texto, discutir a
liberdade da linguagem poética, a função social, a essência do objeto poético, ou até a contagem e
classificação das sílabas métricas.
Trevisan (1998) relata que a poesia continua sendo usada na escola como um mero
instrumento de leituras redutoras, centradas em questões de interpretação superficiais, contagem de
sílabas métricas, versos e estrofes e como pretexto para o uso gramatical.
(...) se a poesia é uma estrutura comunicacional específica (que se abre à criatividade do leitor, na produção de sentidos legitimáveis tanto para o texto como para a vida), a tarefa do leitor só pode ser buscar (com prazer) a adequação do papel modelizante dos signos à concepção de mundo veiculada pela obra’. (TREVISAN, 1998, p. 98)
Observamos que muitos autores de livros didáticos e muitos professores, ainda, apresentam
um trabalho com o texto desprovido da construção de sentidos. Falta reconhecer, principalmente na
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abordagem do texto poético, a essencialidade e a função do texto enquanto experiência humana, e
para isso é imprescindível estabelecer relações de significados entre as palavras e ir além do sentido
literal do conteúdo.
A exemplo disso, Irandé Antunes no livro Aula de Português – encontro&interação, 2004,
p. 72, faz um comentário sobre a proposta de estudo de um gênero textual, o poema Ave Maria de
Sylvia Orthof, contido em um livro didático. A atividade, contida no livro didádico, segundo a
autora, além de “matar” toda a poesia do texto, leva o aluno a formar frases soltas indo na direção
contrária da textualidade. O exercício não considera o texto como objeto de estudo, serve apenas
como pretexto para o estudo gramatical.
Para que a poesia figure no espaço escolar como recurso de formação leitora sugere-se o
trabalho com poemas na sala de aula, a fim de tornar a leitura deste gênero algo prazeroso e
significativo, primando pelo estético.
TRABALHANDO O GÊNERO
Segundo Cardoso (2008), há várias maneiras de se analisar um texto poético, uma delas é
verificar como, por meio das escolhas lexicais, o autor pode criar determinados efeitos de sentido. A
análise inicia-se a partir de várias leituras do texto, pois a cada leitura mais elementos podem ser
detectados e analisados. Passa-se, então, ao exame do léxico, prestando atenção na escolha das
palavras, nos seus significados, na relação existente entre elas e nos efeitos que criam.
Portanto, selecionei o poema “Ritmo” de Mário Quintana, pois o título sugere algo rotineiro,
monótono, regular. No conteúdo do poema há um retrato de atividades diárias que se repetem, na
mesma rotina, porém fazem o leitor refletir sobre elas. Os significados da palavra “ritmo” se
reproduzem nas várias etapas do poema. Porém, o ritmo parece se quebrar nas duas últimas estrofes.
1) Atividades de pré-leitura
• Quem é Mário Quintana?
• Você gosta de poesia?
• O que é poesia para você?
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Ritmo
“Na portaa varredeira varre o cisco
varre o ciscovarre o cisco....
(...)
(...)até que enfim
se desenrola
toda a corda
e o mundo gira imóvel como um pião!
(Mário Quintana)
2) Dimensão social do gênero poema
• Que assuntos costumamos encontrar em poemas?
• Quem é o autor?
• Com que propósito esse texto foi escrito?
• Quem é Mário Quintana? Que lugar social ele ocupa? Para quem ele escreve? Com que
finalidade?
• A quem interessam os poemas?
• Que efeitos de sentido têm o texto?
• Em qual objeto você se apoia para regular o tempo?
• Cite outras palavras que remetem à palavra “Ritmo.
• Neste poema, você percebe algum tipo de avaliação da sociedade?
• Sendo veiculado em um cartaz em uma academia, o público é o mesmo? As reações-respostas
são as mesmas?
1)Dimensão línguístico-textual do gênero poema
• O que sugere o título do poema?
• O que caracterizam os verbos no tempo presente?
• Quintana usa o recurso da repetição de estruturas sintáticas, palavras e sons, e usa vocábulos
regionais para retratar o quê?
• Quais as expressões do texto que indicam os lugares das várias ações desenvolvidas?
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• Os versos da 1ª estrofe podem ser lidos prosaicamente formando um só período. O primeiro
informa o local onde a ação se passa: “na porta”- lugar de ação. Não se trata de “uma porta”,
mas da porta. Qual é o sentido dessas duas expressões?
• No plano sonoro do texto o que você percebe em cada estrofe? Os sons aludem a quê?
• Qual é a função do artigo definido “a” de “a varredeira”, “a” de “a menininha”, “a” de “a
lavadeira” (representa uma classe, uma categoria)?
• O universo do texto é culto ou se aproxima da coloquialidade?
• Quais são as informações sobre os sujeitos das ações que representam uma classe ou categoria?
• Qual é a estrofe em que se percebe o destoamento das demais, mudando o ritmo que vinha
sendo estabelecido?
• Por que a ação de desenrolar não é repetida como nas estrofes anteriores?
• Por que o autor optou pela continuidade do texto usando a pontuação somente no último verso?
• Qual é a função da exclamação somente no último verso?
• O sufixo (eiro-eira) pode significar profissão. Enumere outras palavras com esses sufixos que
signifiquem profissão.
O título – “Ritmo” suscita em diversos momentos do poema imagens de algo regular, rotineiro,
repetitivo, pois o poema apresenta paralelismo sintático, isto é, as estruturas sintáticas se repetem ao
longo do texto, havendo uma quebra desse “ritmo”, apenas na última estrofe. Essa quebra é marcada
graficamente quando os últimos versos se destoam dos demais, até pela estrutura sintática que muda da
ordem direta (comumente usada) para a indireta, e no último verso retorna à ordem direta. Isso, para
mostrar que nas ações rotineiras, onde são necessárias várias repetições, deverá haver momentos em
que precisamos parar, repensar, mudar, “dar “corda’, seguir em frente e retornar ao dia a dia fortes,
para resolver qualquer problema.
. O poema descreve atividades cotidianas e induz a reflexões sobre elas. O autor por meio de
escolha lexicais, recursos da repetição, estruturas sintáticas e sons reforça a regularidade que marca
toda a estrutura do poema. O uso de construções idênticas, verbos no presente do indicativo e uso de
alguns vocábulos regionais retratam a repetição e a monotomia do cotidiano. No plano sonoro, o autor
optou pelo uso de sons nasais e sibilantes, a fim de evocar a alguns ruídos como exemplo a expressão
“escova os dentes’, o “es’ faz alusão ao escorrer da água. Essa exploração de recursos sonoros também
cria vários efeitos de sentido e acrescenta significados ao poema. Quintana estabelece uma comparação
do mundo com o pião, na forma como ele se movimenta. A palavra imóvel, no último verso,
contrapõe-se ao verbo girar, pois mesmo desenrolando a corda, os movimentos regulares continuam
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acontecendo. O poema trabalha com duas oposições básicas: regularidade x mudança. Há
predominância em todo o texto do uso dos artigos definidos para determinar os sujeitos e os objetos
diretos: “a lavadeira / “a roupa”, como representantes de uma classe, uma categoria. Somente no
último verso o uso do artigo indefinido para simbolizar qualquer pião. A expressão “como um” se
funde formando um vocábulo sonoro “comum’.
Sugestão de leitura
Assistir ao filme O Carteiro e o Poeta de Michael Radford. Esse filme filme explora a essência da vida contida na
palavra poética e defende a argumentação de que as palavras e ideias podem mudar o homem e o mundo.
No trabalho, por exemplo, com o gênero “receita” pode-se observar a recorrência às
instruções, a fim de organizar a vida diária. No de “rótulos”, a necessidade das escolhas. No de
“poema”, como o caso deste estudo, a repetição dos mesmos atos, porém, na última estrofe do
poema, observamos a ocorrência da ruptura.
Agora, vamos abordar um gênero que diverge da ideia de seguir as instruções sem a devida
consciência do que é “certo” ou “errado”, é um ensinamento para a não repetição dos atos: a fábula.
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O GÊNERO TEXTUAL: FÁBULA
CONHECENDO O GÊNERO
A fábula nasceu no Oriente e foi reinventada no ocidente pelo escravo grego Esopo, que
criava histórias baseadas em animais para mostrar como agir com sabedoria. Suas fábulas, mais
tarde, foram reescritas em versos, com um acentuado tom satírico, pelo escravo romano Fedro.
Contudo, o grande responsável pela divulgação e reconhecimento da fábula no ocidente moderno,
foi o francês Jean de La Fontaine, um poeta que conhecia muito bem a arte e as manifestações da
cultura popular.
Motivado pela natureza simbólica das fábulas, La Fontaine criava suas histórias com um
único objetivo: tornar os animais o principal agente da educação dos homens. Para isso, os animais
são colocados numa situação humana exemplar, tornando-se uma espécie de símbolo. Por exemplo:
a formiga representa o trabalho; o leão simboliza a força; a raposa, a astúcia; o lobo, o poder
despótico, e assim por diante. (MACHADO,1994, p. 57)
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INTRODUÇÃO AO GÊNERO
A fábula é uma narrativa curta que trata de certas atitudes humanas, como a disputa entre
fortes e fracos, a esperteza e a lerdeza, a ganância e a bondade, a gratidão e a avareza, o bondoso e o
ruim.
Muitas vezes, no final das fábulas, aparece uma frase destacada chamada de moral da
história, com provérbio ou não, às vezes essa moral está implícita nas últimas linhas do texto.
Também ocorre nesse gênero textual: a presença de animais nas histórias com característica
humanas, o título aparece destacado com o nome de animais, é comum aparecer diálogo entre os
animais, o tempo aparece de forma indeterminada (certa vez), que garante a esse gênero sua
atualidade. A fábula é um gênero que se divide em duas partes: a narração como texto figurativo,
em que os personagens são animais, e a moral, que é um texto temático, e reitera o significado da
narração, indicando a leitura que se deve fazer.
Alguns animais assumem características específicas conforme seu comportamento, havendo
até uma comparação com atitudes humanas. Por exemplo: a ovelha simboliza a obediência, por isso
algumas pessoas são chamadas de maria-vai-com-as-outras.
TRABALHANDO O GÊNERO
1) Atividades de pré-leitura
• O que sugere a expressão “Era uma vez.....” ?
• Como é chamado o gênero textual que apresenta animais como personagens principais?
• Quais fábulas conhecem?
• Quais as características da personagem ovelha na dimensão linguístico-textual?
Maria vai-com-as-outras
Era uma vez uma ovelha chamada Maria. Aonde as outras iam, Maria ia também. As ovelhas iam pra baixo,
Maria ia pra baixo. As ovelhas iam pra cima. Maria ia pra cima. Maria ia sempre com as outras.
Um dia, todas as ovelhas resolveram comer salada de jiló, Maria comia também. Que horror! Foi quando, de
repente, Maria pensou: “Se eu não gosto de jiló, por que é que eu tenho de comer salada de jiló?”
Maria pensou, suspirou, mas continuou fazendo o que as outras faziam...
Até ...
(Pelos caminhos da comunicação. 3 ed, São Paulo: FTD, 1984, p 37.)
O texto acima é uma fábula contemporânea, com rimas marcando o ritmo e um refrão
ecoante, no final de cada situação.
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Muitos aspectos desse texto podem ser trabalhados nas aulas de língua materna. As atividades
podem variar conforme a série, os objetivos do professor, as necessidades dos alunos, as possibilidades
do próprio texto. Nesta seção, a título de exemplificação, optamos por explorar a questão do tempo e
aspecto verbal, já que esta noção é de fundamental importância para a interpretação do texto proposto.
2) Dimensão social do gênero textual: fábula
• A que público se destina o texto?
• Analisar o título em diferentes suportes para verificar a construção de sentidos: se o enunciado
título estivesse num papel colocado sobre a mesa da pessoa indicada “Maria” e houvesse a
inserção da vírgula que sentido teria? E sem a vírgula?
• E se o enunciado estivesse sendo dito num momento de raiva?
• O que sugere o título?
• Você sabe sobre a origem da expressão Maria-vai-com-as-outras?
Dialogar com os alunos sobre a construção do texto narrativo e a respeito da escolha dos
nomes. Como, por exemplo, a escolha do nome ovelha, por ser um animal dócil, obediente,
seguidor da mestra, símbolo religioso - cordeiro que foi imolado; o nome próprio Maria, um nome
comum, como também o nome da mãe de Jesus Cristo a qual rompe com a tradição quando tem um
filho; jiló vegetal com gosto amargo fazendo analogia com a mudança de atitude que muitas vezes
não é tão cômoda quanto a passividade e a repetição das mesmas ações; as expressões repetidas
dando a ideia de monotomia; a repetição do nome Maria em quase todo o texto, sendo substituído
uma única vez pelo pronome pessoal do caso reto “ela” indicando, nesse caso, a quebra das
convenções: “Chegou a vez de Maria pular. Ela deu uma requebrada, entrou num restaurante e
comeu uma feijoada”.
3) Dimensão linguístico-textual fábula
É importante destacar que as questões, sugeridas aqui, podem ser organizadas de diferentes
formas pelo professor, ou seja, é possível trabalhar por meio de pergunta-resposta, comparação com
fragmentos de outros textos, atividades lúdicas, etc. Escolhemos a forma pergunta-resposta para
facilitar a exposição e a discussão da temática envolvida.
• Qual o efeito de sentido causado pelo pretérito imperfeito ao longo do texto?
• Justifique a reiteração do pretérito imperfeito no quarto parágrafo.
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• Qual a função do pretérito perfeito no terceiro parágrafo?
• Que significado o verbo “suspirou” pode adquirir nesse contexto?
• Analise o significado dos termos “requebrada” e “caminhada” nesse contexto textual.
• No último parágrafo, há uma mudança do tempo verbal, do passado para o presente. Qual o
sentido “tempo no presente”, que se encerra nesse parágrafo, ou seja, indica apenas o momento
da ação ou há outra explicação para essa mudança temporal. Comente sua resposta.
O texto proposto pertence ao gênero textual fábula, que tem por objetivo encerrar uma moral
através do comportamento das personagens, representadas por animais antropomorfizados. Este
gênero se constrói por meio da narrativa, contemplando todos os seus elementos constitutivos:
tempo, espaço, enredo, personagens, narrador, bem como episódios dinâmicos e estáticos que se
identificam especialmente pelos tempos verbais do pretérito perfeito e imperfeito do indicativo. É
importante salientar, também, que o texto apresenta trechos em que a autora só descreve as
situações, aparecendo, assim, verbos no imperfeito que caracterizam a descrição.
Por meio da reiteração, ao longo do texto, do pretérito imperfeito, percebe-se a ideia de
passividade, da continuidade, da repetição das mesmas atitudes. FAZENDO O QUE AS OUTRAS
FAZIAM, Maria segue o convencionalismo, a submissão. Estas suposições se confirmam pela
incidência do pretérito imperfeito, que faz apenas uma descrição de como viviam as ovelhas, não
havendo assim mudança de estado, apesar dos marcadores textuais (um dia/até que) sugerirem esta
mudança.
A sucessão do pretérito perfeito no terceiro parágrafo indica a progressão de episódios
dinâmicos, que marcam um momento crucial do texto: uma “parada” para reflexão dos fatos e a
insatisfação interior de Maria. Isso pode significar a quebra das tradições, das normas pré-
estabelecidas pela sociedade das ovelhas, ou seja, fazer tudo o que as outras faziam sem nenhuma
reflexão. No entanto, o verbo “continuou” aponta para a continuidade das mesmas atitudes, apesar
do conflito interior já instaurado na ovelhinha.
O quarto parágrafo fora construído com os dois tempos verbais: o pretérito perfeito e o
imperfeito. No primeiro caso, o tempo verbal encerra uma ação definitiva, ou seja, as ovelhas
“resolveram” pular do Alto do Corcovado, “pularam” e “quebraram” o pé, quer dizer, todas fizeram
a mesma coisa, sofreram a mesma consequência, mas não mudaram o “estado” das coisas. O
pretérito imperfeito se justifica pela descrição da personagem principal que, acompanhando as
ações das quarenta e duas ovelhas (o número de alunos de uma sala de aula), uma a uma, criou
coragem e fez diferente, “deu uma requebrada, entrou num restaurante e comeu uma feijoada”. Esta
atitude de Maria reverteu toda a situação anterior, inclusive a mudança do tempo verbal, ou seja, do
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passado para o presente: “Maria vai para onde caminha o seu pé”.
O verbo no presente, nesse caso, não indica então, uma oposição ao passado, mas dá ideia de
verdade permanente, de algo que vai acontecer sempre.
O texto “Maria-vai-com-as-outras”, de Sylvia Orthof, por exemplo, apresenta interessantes
possibilidades de se realizar um trabalho interdisciplinar. É possível debater a ideia “passividade”
da ”obediência cega” e da falta de coragem caracterizadas pelas atitudes de Maria. Também, pode-
se traçar um paralelo entre uma sociedade passiva e outra dinâmica para estabelecer as diferenças
dessas posturas, bem como suas consequências.
Enfim, uma discussão conjunta de um texto que pode trazer grandes contribuições do
sentido do mesmo como um todo já que o trabalho com análise linguística não se restringe aos
aspectos gramaticais, mas contribui para a ampliação da competência discursiva do educando.
O texto Maria-vai-com-as-outras é um rico instrumento para se debater com os alunos quais
as consequências para uma pessoa de atitudes passivas, sem opinião própria, com falta de coragem
para tomar uma decisão e dar um novo rumo a sua história. E o que uma “tomada de consciência”
pode resultar na vida das pessoas.
Sugestão de leitura
Ler o romance A hora da Estrela de Clarice Lispector, para verificar em que pontos a personagem Macabéa se assemelha à ovelha da fábula Maria-vai-com-as-outras.http://sitededicas.uol.com.br/cfab.htmhttp://www.contandohistoria.com/fabulas.htmhttp://www.clubedobebe.com.br/HomePage/Fabulas/fabulasehistorias.htmhttp://br.geocities.com/universodasfabulas/http://pt.wikipedia.org/wiki/F%C3%A1bulahttp://www.vidaslusofonas.pt/monteiro_lobato.htmacesso em 23/05/2010
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O GÊNERO TEXTUAL: PIADA
CONHECENDO O GÊNERO
O fenômeno piada é universal, muitas culturas trazem essa tradição de brincar com
os sentidos da língua, não depende de autoria, pois não tem autor. A possibilidade de uma
leitura sem se considerar o autor demonstra que há discursos que se dizem, ou que são ditos
por todos. Quanto às especificidades são construídas a partir da literatura, da historiografia,
das diferenças culturais e geográficas, do arquivo discursivo.Segundo Possenti (1998), as piadas ocorrem “num solo fértil de problemas”, especialmente
naqueles cultivados durante séculos de disputas e de preconceitos – a escola é certamente um desses
solos, para explicar não o que as piadas significam, mas como funcionam.
Nesse gênero textual se desencadeia o riso e a raiz do humor ligados a duas situações: ao
que é tematizável ou o modo como a linguagem é utilizada, isto é, não explicar o que as piadas
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significam, mas como funcionam, descrevendo as chaves linguísticas.
Esses textos, segundo sociólogos e antropólogos constituem um excelente corpus para tentar
reconhecer (ou confirmar) as variadas manifestações culturais e ideológicas, isto porque veiculam
temas controversos, com uma visão sintética dos problemas.
Sugestão de leitura
Sírio Possenti, professor de linguística do Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP, há alguns anos
pesquisa sobre o assunto. O resultado dos seus estudos estão contidos no livro Os Humores da Língua. No livro, o
autor descreve os mecanismos linguísticos geradores do humor, destaca as técnicas e aspectos determinantes da
leitura desse gênero e diz que as piadas “podem testar teorias sobre a linguagem, com destaque para certas questões
estruturais e de leitura, sobre o sujeito, especialmente em relação a como os sujeitos humanos se caracterizam por
serem capazes de certas manobras, apesar da pressão de numerosas instâncias para que se assujeitem cegamente as
suas regras e restrições”.
Para Possenti interessam os aspectos linguísticos envolvidos no humor; como funcionam as piadas,
argumenta que os elementos utilizados para alcançar o humor são os mais diversos. E chama a atenção para uma
leitura que exige o acionamento de vários mecanismos, quer sintático, morfológico ou de outra natureza, a fim de
encaminhar a ambiguidade a um sentido único, “o leitor é obrigado a deixar de lado interpretações possíveis, por
serem incongruentes em relação ao restante do texto”, uma vez que, no texto humorístico, “há um enunciado
potencialmente ambíguo que se desambigua em seguida, impondo ao leitor uma interpretação única”.
Os ensaios de Os humores da língua também convencem que estudar piadas pode resultar em bastante.
Ela se justifica, segundo o autor, pelos seguintes fatores: “Só há piadas sobre temas socialmente controversos; piadas
operam fortemente com estereótipos (porque veiculam visão simplificada dos problemas ou tornam-se mais facilmente
compreensíveis); as piadas são quase sempre veículo de um discurso proibido, subterrâneo, não-oficial, que não se
manifestaria, talvez, através de outras formas de coletas de dados”. (p. 5)
TRABALHANDO O GÊNERO
1) Atividades de pré-leitura
• Você gosta de ouvir piadas?
• Você é um bom contador de piadas?
• Se lhe pedirem para contar uma, você consegue contá-la?
Chegando à fazenda dos avós, para visitá-los, o neto se dirige ao avô que está na sala:- Firme, vô?- Não, fio, Sírvio Santos.
34
A compreensão dessa piada envolve a mobilização de diferentes conhecimentos:
a) conhecimentos linguísticos em uso;
b) conhecimentos textuais e sociopragmáticos;
c) conhecimentos sobre o mundo (cognitivo-conceituais).
Se houver falta de um desses conhecimentos o leitor/ouvinte pode não “entender” uma piada
porque o jogo linguístico interage com o conhecimento de mundo. Para a compreensão de qualquer
piada, é preciso ao leitor “mover-se” de certa forma no texto, pois as piadas operam com
ambiguidades, sentidos indiretos, implícitos. O leitor não é mero receptor de informações, ele
interage com o texto fazendo operações epilinguísticas, além de conhecimentos sobre a língua,
sobre comportamento linguístico que se espera de um sujeito em determinada situação, enfim,
realiza muitas inferências.
a) Os conhecimentos linguísticos são os recursos em uso (fonológicos, morfológicos,
sintáticos e lexicais). No caso da piada, em questão, destaca-se e mobiliza-se o conhecimento
fonológico, o domínio dialetal, que permitem o reconhecimento da pronúncia característica de
certas localidades do interior do país, ou seja, a variação linguística. Fenômeno conhecido por
rotacismo (transformação do som “l” em “r”). Esses conhecimentos demandam a compreensão do
mal-entendido gerado pela pergunta do neto. Essa piada exige uma análise da sequência “firme” que
descubra-se, nela, dois sentidos: num, funciona como cumprimento informal - “Firme?” ( isto é, “o
senhor está firme, vai tudo bem?). Noutro, funciona como variante popular de “filme” caso em que
a palavra significa “o que o senhor está vendo é um filme?”. Claro que o efeito é caracterizar o
político como ignorante, caipira (caso contrário, a palavra “firme”, para ele, não seria uma variante
de “filme”).
b) Os conhecimentos textuais e sócio-pragmáticos permitem que se percebam o gênero em
jogo-piada – e da interação materializada (que se situa no campo doméstico, familiar e que permite
protocolos menos formais) – os papéis sociais dos interlocutores – quanto o tipo de função
comunicativa que a pergunta “Firme, vô?” exerce na perspectiva do neto – qual seja, a de
cumprimento, de contato inicial – e não é reconhecida pelo avô. E a forma adotada pelo neto para
instaurar o contato com o avô é marca de sua faixa etária, assim como do grupo sociocultural a que
pertence.
c) O conhecimentos sobre o mundo (cognitivo-conceituais) – o que é um avô; quem é Sílvio
Santos e o que ele significa na cultura brasileira! Sílvio Santos tem programas de TV; que muitas
regiões distantes também têm TV.
A piada constrói o humor recorrendo a uma visão estigmatizada de determinada variedade
lingüística – evocada pelo referido rotacismo e pelo ieísmo (pronúncia do “lh” como “i”, em fio) –
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e, consequentemente, do grupo social e etário – o caipira e idoso – que a utiliza. Pode-se entender
que a piada pode até ser tomada como preconceituosa, as diferenças socioculturais. Essas diferenças
são abordadas em relação ao duplo “erro” do avô: na pronúncia e no plano interacional, na medida
em que ele não reconhece o ato de fala efetivamente intencionado pelo neto.
Para selecionar e analisar piadas, deve-se levar em conta o trabalho com a linguagem a partir
dos diferentes conhecimentos:
• linguísticos;
• textuais;
• sociopragmáticos (papeis sociais dos interlocutores)
• e cognitivos (conhecimento de mundo)
2) Dimensão social do gênero piada
• Quem é Sílvio Santos?
• Como você o imagina?
• Pesquise sobre Sílvio Santos.
• Mostrar os diferentes registros determinando a finalidade do interlocutor do texto e por que a
língua varia nas mais diferentes situações.
• Onde mais podemos encontrar textos como esse?
• Quem cria essas histórias?
3) Dimensão linguístico-textual do gênero piada
• Discutir as variantes linguísticas: quais as coerções exercidas pelo contexto que levaram a
utilização da variante linguística usada na piada?
• Composição da piada; linguagem coloquial, texto com marcas da oralidade, discurso direto.
• Estilo: menor rigor na organização sintática das frases, seleção lexical variada, com gírias,
ambiguidades e expressões populares. Realizada em norma culta ou popular para apresentar
diversos registros e diferentes realidades linguísticas;
• Selecionar e analisar piadas a partir da mobilização de diferentes conhecimentos: linguísticos,
textual, sociopragmático (papéis dos interlocutores) e cognitivos.
A piada constrói o humor, recorrendo a uma visão estigmatizada de determinada variedade
linguística, grupo social e faixa etária etária.
Outro motivo para o trabalho com as piadas, é que elas fornecem material para pesquisas
sobre representações sociais, uma vez que em muitos delas operam com estereótipos. Como por
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exemplo: nas piadas: judeu só pensa em dinheiro, português é burro, baiano é preguiçoso. As piadas
são veículos de discursos reprimidos e que possuem lugares de circulação específicos e restritos,
tais como bares, determinados livros, revistas, sites, roda de amigos etc. Nas piadas, aquilo que é
inaceitável e proibido dizer em certas circunstâncias encontra espaço para ser enunciado direta ou
indiretamente, de forma subentendida, implícita. Exemplos desses discursos “censurados” são
aqueles que falam que as sogras são chatas, as loiras são burras, os casamentos são por interesse.
Do ponto de vista linguístico, as piadas interessam como peças textuais por mostrarem um
domínio linguístico que, de alguma forma, é complexo. É o que sugere Possenti (1998) quando
expõe que as piadas poderiam servir de exemplos para ilustrar hipóteses ou princípios de análise
linguística e assim teriam um exemplo original, e envolveriam os interlocutores em verdadeiros
problemas de interpretação e proceder às abstrações necessárias para exemplificar algum
mecanismo linguístico (fonológico, lexical, morfológico e sintático, etc).
As sugestões apresentadas devem ser adequadas à série a que se destinam, bem como às
necessidades e possibilidades de aprendizagem específicas a cada situação. Podem ainda integrar-se
a projetos coletivos e/ou temáticos, por exemplo, ganhando contornos específicos e delineados pelo
professor que se dispuser a trabalhar de forma semelhante.
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O GÊNERO TEXTUAL: CRÔNICA
CONHECENDO O GÊNERO
A crônica é um gênero textual existente desde a Idade Antiga e vem se transformando ao
longo dos anos. Deriva do radical grego crono, que significa tempo, por isso o seu caráter
contemporâneo. A princípio, os cronistas relatavam acontecimentos históricos relacionados a
pessoas influentes, como reis, imperadores, etc. Após esse período, no século XIX, com o
desenvolvimento da imprensa, a crônica passou a fazer parte dos jornais. Os cronistas, além de
relatarem em ordem cronológica os grandes acontecimentos históricos, também passaram a registrar
a vida social, a política, os costumes e o cotidiano de seu tempo. Os autores comentavam,
criticamente, com um sentido histórico, os acontecimentos ocorridos durante a semana. Esse
gênero apareceu pela primeira vez, em 1799, no Journal de Débats, publicado em Paris. Nesse
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período, as crônicas eram publicadas no rodapé dos jornais, os chamados “folhetins”.
Essa prática foi trazida para o Brasil na segunda metade do século XIX, e era muito
parecida com os textos publicados nos jornais franceses. José de Alencar foi um dos primeiros
escritores brasileiros a produzir esse tipo de texto nesse período. Escreveu em 1854 para o jornal
Correio Mercantil o folhetim “Ao correr da Pena”.
Hoje, a crônica passou a ter também um caráter literário, utilizando-se de uma linguagem
mais leve e envolvendo poesia, lirismo e fantasia. Com esse caráter, os autores recriam os fatos de
um ponto de vista pessoal com o objetivo de sensibilizar os seus leitores. Segundo Amaral (2008),
as características atuais estão intimamente relacionadas às transformações sociais e à valorização da
história social e dos movimentos de todas as classes sociais. A publicação desse gênero, atualmente,
ocorre em meios diversificados: leitura em programas de TV ou rádio e publicação em sites na
Internet. Gênero híbrido, oscila entre literatura e jornalismo, pois antes de ser publicada em livros é
veiculado em revistas e jornais. Há diferentes estilos de crônicas: as poéticas, as humorísticas e as
que se aproximam de ensaios.
INTRODUÇÃO AO GÊNERO
A crônica é um gênero que apresenta humor, intimidade, lirismo, surpresa, estilo, elegância,
solidariedade. É leve, despretensiosa como uma conversa entre amigos, tem a capacidade de nos
fazer enxergar o belo e a grandiosidade dos pequenos detalhes cotidianos, porém, universais que
costumam ser despercebidos. Apresenta um fato circunstancial, corriqueiro, vivenciado pelo autor.
Ao escrever, os cronistas buscam emocionar e envolver os leitores, de modo bem particular, pessoal
e subjetivo, a fim de levá-los a refletir sobre situações do cotidiano, vistas por meio de olhares
irônicos, sérios ou poéticos, sempre agudos e atentos. Geralmente capta um momento, um flagrante
do dia a dia e a imaginação do leitor é estimulada, muitas vezes a tirar suas próprias conclusões a
respeito do desfecho. Apresenta linguagem simples, coloquial, espontânea e subjetiva. Ao
desenvolver seu estilo e ao selecionar as palavras que utiliza em seu texto, o cronista está
transmitindo ao leitor a sua visão de mundo. Ele está, na verdade, expondo a sua forma pessoal de
compreender os acontecimentos que o cercam. É um texto curto, por isso trabalha com poucos
personagens e, nesse gênero, não é habitual nomeá-los. O fato ocorre em um tempo breve (minutos,
período do dia), o lugar onde ocorre o fato é bem determinado, um só. Embora seja comum ser
escrita em prosa, também é escrita eventualmente em versos – poema crônica, também presente em
letras de música. As crônicas em forma de poemas surgiram, devido aos poetas do movimento
Modernista romperem com alguns dogmas artísticos do passado. É, em prosa ou em verso, um
gênero importante para se desenvolver o olhar atento e sensível aos fatos do dia a dia e refletir
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criticamente sobre questões sociais, ações, sentimentos e comportamentos humanos, enfim, os
sinais que diariamente deixamos escapar dos nossos olhares.
PISCINA
Era uma esplêndida residência, na Lagoa Rodrigo de Freitas, cercada de jardins e tendo ao lado uma bela piscina. Pena que a favela, com seus barracos grotescos se alastrando pela encosta do morro, comprometesse toda a paisagem.
Diariamente desfilavam diante do portão aquelas mulheres silenciosas e magras, lata d’água na cabeça. De vez em quando surgia sobre a grade uma carinha de uma criança, olhos grandes e atentos, espiando o jardim. Outras vezes eram as próprias mulheres que se detinham e ficavam olhando.
Naquela manhã de sábado ele tomava seu gim-tônico no terraço, e a mulher um banho de sol, estirada de maiô à beira da piscina, quando perceberam que alguém os observava no portão entreaberto.
Era um ser encardido, cujos mulambos em forma de saia não bastavam para defini-la como mulher. Segurava uma lata na mão, e estava parada, à espreita, silenciosa como um bicho. Por um instante, as duas mulheres se olharam, separadas pela piscina...
(Fernando Sabino)
1)Atividades de pré-leitura
• O título chama a atenção do leitor? O que ele sugere?
• Pelo título, é possível imaginar o assunto da crônica? O que você imagina? Quem são os
personagens centrais? Qual será o conflito? Como seria o desfecho?
• Ler o 2º parágrafo e indagar se é possível descobrir onde a história acontece.
2) Dimensão social do gênero textual: crônica
• Que assuntos encontramos em crônicas?
• A quem interessam as crônicas?
• Quem é o autor dessa história?
• Para quem ele escreveu?
• Em que veículo ele publicou a crônica?
• Em que momento histórico?
• Pesquise sobre o autor.
• Qual é o papel social que o autor desempenha na interação?
• Que ações resposta é possível depreender por parte do autor?
• Qual é o tema da crônica?
• O tom da escrita da crônica é bem-humorado, poético, irônico, reflexivo ou sério?
• O cenário é curioso? Qual é o foco narrativo?
• O enredo provoca uma emoção? Na crônica é possível perceber um julgamento da realidade
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social por parte do autor? Neste texto, percebe-se algum tipo de avaliação de sociedade?
• Um acontecimento desencadeia o conflito/a complicação da história. Qual é ?
• Como o conflito foi resolvido?
• Qual é a finalidade das crônicas?
• Que valor o meio social atribui a esse gênero?
• Que reação o texto causou em você?
• Na crônica “Piscina”, há referência de algumas palavras que ajudariam o leitor a reconhecer a
época em que se passa a história?
• Quais são essas palavras?
• Baseando-se nessas referências, é possível saber em que época essa história se passa?
• Compare a crônica com outros textos jornalísticos, como por exemplo, as notícias em relação
aos assuntos tratados e em relação á linguagem.
O texto Piscina, do autor Fernando Sabino apresenta o gênero literário da crônica que, em
geral, é publicado em jornais e revistas, pois aborda temas ou situações do cotidiano das pessoas.
Entretanto, algumas crônicas tratam de temas de interesse universal e, assim, resistem ao tempo,
como é o caso do texto Piscina, escrito em 1962, no Rio de Janeiro, e aborda o tema da
desigualdade social, que ainda continua presente na sociedade atual.
O texto apresenta períodos curtos, os quais podem ser consideradas como traços de
oralidade, que são ditos ou escritos em forma de curtas frases. A palavra ‘piscina’, exposta no título,
nos faz pensar em coisas boas, conforto, descanso, alegria, pois, quando vamos à piscina é para nos
divertir, logo, num primeiro momento, é possível descrever uma situação agradável vivida nesse
local. Porém, no decorrer da leitura, observa-se que existe um contraste social em relação ao título.
Trata-se de uma narrativa descritiva, porque consiste em contar um fato em que aparecem
personagens em ação, com características próprias, em dada circunstância de tempo e de espaço, e
expressam ação e movimento. A descrição apresenta aspectos gerais e particulares das personagens
e do espaço. Por se tratar de uma sequência narrativa, um primeiro aspecto a ser observado, no
estudo, é a estrutura da tipologia narrativa:
a) Situação inicial: Naquela manhã de sábado ele tomava seu gim tônico no terraço, e a mulher
um banho de sol estirada a beira da piscina. Na situação inicial tudo está bem, mas, de repente
surge uma complicação.
b) Complicação: quando perceberam que alguém os observava pelo portão entreaberto. Por um
instante as duas mulheres se olharam separadas pela piscina e imediatamente. Iniciou – se a ação
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da mulher da favela, que aterrorizou a dona da casa.
c) Ação: De súbito, pareceu à dona da casa que a estranha criatura se esgueirava, portão adentro,
sem tirar dela os olhos. Ergueu-se um pouco apoiando-se no cotovelo, e viu com terror que ela se
aproximava lentamente: Já transpusera o gramado, atingia a piscina, agachava-se à borda dos
azulejos, sempre a olhá-la em desafio, e agora colhia a água com a lata. Depois, sem uma palavra,
iniciou a cautelosa retirada, meio de lado equilibrando a lata na cabeça. Logo, a seguir, surge a
resolução, em que a mulher da favela sumiu pelo dando novamente a tranquilidade aos moradores
da casa.
d) Resolução: e em pouco tempo sumia pelo portão. Mesmo assim, o marido não se conformou
com a cena que presenciou e vendeu a casa, chegando assim a uma situação final.
e) Situação final: Não teve dúvida: Na semana seguinte vendeu a casa.
Com a atitude do dono da casa, ao vendê-la, aparece uma situação em que certas atitudes
precisam ser pensadas, ao tomar uma iniciativa.
f) Avaliação/moral: O medo, talvez, foi a primeira reação do dono da casa, diante do obstáculo, e
na tentativa de não enfrentar as dificuldades, não teve dúvida ao vender a casa, como mostra o
exemplo: Lá no terraço o marido, fascinado, assistiu toda a cena. Não durou mais de um ou dois
minutos, mas lhe pareceu sinistra como os instantes tensos de silencio e de paz que antecedem um
combate.
O narrador se apresenta, na crônica Piscina, apenas como observador, relatando os fatos sem
participar dos mesmos, como mostra o trecho: Diariamente desfilavam diante do portão aquelas
mulheres silenciosas e magras.
3) Dimensão linguístico-textual do gênero: crônica
No texto aparecem palavras antônimas ou de sentidos contrastantes. Reflita sobre a
importância dessas escolhas lexicais, para a construção de sentidos do texto.
• Quais são as palavras selecionadas pelo narrador para mostrar o contraste entre a riqueza de
alguns e a miséria de outros?
• Sublinhar os marcadores de tempo utilizados no segundo parágrafo e discutir o que indicam.
• Por que o autor no segundo parágrafo usou o recurso da pontuação?
• No 2º parágrafo o porquê da expressão “desfilavam”? Não poderia ser desfilava? O que indica a
letra M?
• Substituir as expressões diariamente, de vez em quando e outras vezes por outras de mesmo
sentido.
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• Por que, no primeiro e segundo parágrafos, todos os verbos estão no pretérito perfeito?
Logo no primeiro parágrafo, o autor apresenta a favela como um obstáculo para a família,
como também descreve o local dos fatos, por exemplo: Era uma esplêndida residência na Lagoa
Rodrigo de Freitas, cercada de jardins e tendo ao lado, uma bela piscina. Pena que a favela, com
seus barracos grotescos se alastrando pela encosta do morro comprometesse tanto a paisagem.
A escolha lexical pelo narrador cumpre grande importância na construção de sentidos do
texto. Ao proceder exame do léxico no 1º parágrafo com os vocábulos: grotescos, alastrar e
comprometer, percebemos a carga semântica dessas palavras no contexto e o ponto de vista
discriminatório de quem está na mansão, o lamento que os barracos estraguem a paisagem, pois o
texto nos informa o nome do lugar sendo um bairro de classe média-alta..
A adjetivação assume total importância nessa crônica, por retratar as qualidades, os defeitos,
enfim, as características de tudo o que está sendo descrito, procurando dar ao leitor a impressão de
estar presenciando a cena. No caso do espaço, a adjetivação nos remete ao grande contraste social
em relação à residência e à favela. A residência da Lagoa Rodrigo de Freitas era esplêndida e bela,
adjetivos esses que nos remetem a um campo semântico positivo. Quanto à favela não é citado nem
o nome, apenas adjetivada por grotescos barracos, que nos remetem a um campo semântico
negativo.
A narrativa apresenta as mulheres da favela como silenciosas e magras e as crianças com
olhos grandes e atentos, adjetivos esses que contribuem para a imagem negativa desses
personagens. O quarto parágrafo descreve uma pessoa que observava o casal pelo portão
entreaberto, representada pelo pronome indefinido alguém. Esse alguém, no decorrer da história,
possui tais características: ser encardido, silenciosa, um bicho, estranha, desafiadora, que são
atribuídas à mulher da favela, devido esta invadir a residência da lagoa.
É possível notar os marcadores de tempo, geralmente, no início de frases, como por
exemplo: diariamente, de vez em quando e outras vezes. O terceiro parágrafo, também é iniciado
por outro marcador de tempo: naquela manhã de sábado, ou seja, uma locução adverbial indicando
tempo.
Além desses marcadores de tempo, no quinto parágrafo, a expressão, de súbito, vem
indicando o momento em que a dona da casa percebeu que alguém adentrava à sua residência.
No sexto parágrafo, há outros marcadores de tempo, como: depois e em pouco, indicando o
tempo em que a mulher da favela retirou-se da piscina e um ou dois minutos são os instantes tensos
que durou a cena. Esses marcadores de tempo são próprios da tipologia narrativa e assumem a
importância para ligar as informações no texto.
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Ainda, podemos destacar os tempos verbais que, no segundo parágrafo, estão no pretérito
imperfeito: desfilavam, surgia, era, detinham e ficavam. O pretérito imperfeito pode ser relacionado
à descrição do ambiente e à narração de fatos cotidianos, pois indica uma ação no passado que se
repetia.
O segundo parágrafo fornece elementos para a concordância verbal, como: desfilavam,
eram, detinham, ficavam olhando; essas formas estão no plural porque concordam com o sujeito
mulheres que também está no plural; e, na escrita, o verbo deve concordar com o sujeito em número
e pessoa, segundo a norma padrão da Língua Portuguesa.
As ações da mulher da favela, no quinto parágrafo, também, no pretérito imperfeito:
esgueirava, aproximava, atingia, agachava-se, colhia, indicam que as ações da mulher da favela
estão em segundo plano, são ações menos importantes. Já as ações dos donos da casa aparecem
todas no pretérito perfeito, porque indicam ações mais relevantes, como: pareceu, ergueu-se, viu,
ações essas em primeiro plano no texto.
Nota-se, em toda a narrativa, que as ações importantes como as dos donos da casa aparecem
no pretérito perfeito, indicando uma ação pontual, sem duração no passado, como por exemplo:
ergueu-se um pouco, viu com terror.
No sétimo parágrafo, o vocábulo não, demonstra a atitude do marido em relação a continuar
na residência: Não teve dúvida; Na semana seguinte vendeu a casa. Isso demonstra que o dono da
casa, talvez, tenha ficado impressionado, temeroso, revoltando-se com a cena.
Alguns aspectos da concordância verbal e nominal podem ser explorados no texto
introduzindo a noção de sujeito sistematizando algumas regras de concordância como: o verbo deve
concordar com o sujeito; os adjetivos, artigos e pronomes que acompanham um substantivo devem
concordar com ele.
Outros aspectos linguísticos poderão ser abordados através da aplicabilidade de uma
proposta pragmática que evidencie a relação entre a língua e seu usuário, permitindo, assim, ao
aluno atuar como legítimo produtor de textos, primeiramente na leitura e, posteriormente, na escrita.
Sugestões de leitura
Crônicas:
Comédias para se ler na escola, Comédias da vida privada, de Luís Fernando Veríssimo
Pequenos delitos e outras crônicas, de Walcyr Carrasco
De notícias e não notícias faz-se a crônica, de Carlos Drummond de Andrade
100 crônicas, de Mario Prata
100 Crônicas escolhidas de Rubem Braga
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A gramática foi, durante muito tempo e, em alguns contextos, ainda é, preocupação quase
que exclusiva de professores de língua materna. E recorrer a outros caminhos para se ensinar
Língua Portuguesa não é tarefa fácil, pois requer mudanças não só de posturas, mas também de
concepções.
Nas últimas décadas, a grande mudança nas aulas de Língua Portuguesa foi a "chegada" dos
gêneros à escola, pois o seu estudo é, hoje, uma fértil área interdisciplinar com trato especial à
linguagem em uso e atividades culturais e sociais.
Gêneros textuais são as diversidades de textos que encontramos em diferentes ambientes de
discurso na sociedade. Vários fatores sócio-culturais ajudam a identificar os gêneros, assim como a
definir que tipo de gênero deve ser usado no momento mais adequado à situação, seja na oralidade,
seja na escrita.
Todo gênero textual tem a sua funcionalidade no dia a dia. Na sala de aula, são recursos
linguísticos que o professor e o aluno devem explorar, pois, além de trabalhar a prática de leitura de
texto, pratica ainda a leitura de mundo que os gêneros possibilitam, desenvolvem uma visão crítica
a respeito do assunto que os textos abordam e, ao mesmo tempo, trabalha-se a linguagem de uma
forma geral.
Como a humanidade não para de evoluir e com sua evolução, evolui também a linguagem
por ela usada, tanto a linguagem oral quanto a escrita, os gêneros textuais utilizados nos mais
diversos ambientes linguísticos, retratam de forma ideal a evolução da linguagem. Também o
avanço da tecnologia permite o surgimento de novos gêneros textuais, a adaptação de alguns e a
evolução de muitos outros. Postos, na sala de aula, ajudam a subsidiar a competência argumentativa
dos alunos, a partir de relações lógico-discursivas e críticas sociais, trazidas à tona por eles.
Diante disso, neste Caderno Pedagógico, são apresentadas propostas de trabalho com os
gêneros textuais: poema, fábula, piada e crônica, com o objetivo de auxiliar no trabalho do
professor do Ensino Fundamental e Médio, apresentando sugestões pedagógicas para este conduzir
as atividades com a língua, abrindo, assim, possibilidades de construção das práticas de oralidade,
leitura, escrita e análise linguística, nas dimensões social e linguístico-textual, explorando os
recursos linguísticos predominantes em cada texto. E o trabalho do professor de Português é o de
possibilitar aos alunos a construção da competência linguística por meio do conhecimento cultural,
social, histórico filosófico e humano, e dos usos sociais da língua. Assim, o aluno terá a
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oportunidade de ampliar o seu conhecimento acerca dos diferentes textuais que circulam na
sociedade e desenvolver sua competência textual e discursiva.
Espera-se que esta proposta contribua de forma significativa para se ressignificar o trabalho
do professor com gêneros textuais em sala de aula, fazendo uso dos elementos da língua. Hoje,
pretende-se mais a aprendizagem da língua do que o ensino da língua. E o trabalho com gêneros
textuais torna-se uma oportunidade de se lidar com a aprendizagem da língua em seus variados usos
no dia a dia.
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