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PROFESSORES ALFABETIZADORES: O DISCURSO X A PRÁTICA
Sandra Cristina Oliveira da SilvaSheyla Cavalcante de Arruda
Telma Ferraz LealResumo:
Por meio deste projeto de pesquisa, buscamos analisar os discursos de professoras
sobre suas opções metodológicas relativas ao processo de alfabetização, sobretudo, em
relação à realização ou não de estratégias de ensino que articulem a apropriação do sistema de
escrita e as estratégias de compreensão de textos, e investigar as práticas de duas docentes, a
fim de verificar se seus discursos condizem com as suas práticas. A metodologia consistiu da
aplicação de um questionário a um grupo de 12 professoras, realização de uma entrevista com
quatro professoras, e observações de 20 aulas de duas docentes. Pudemos verificar a variação
de concepções das docentes sobre alfabetização, havendo, no entanto, predomínio de um
discurso que valorizava mais as atividades de leitura e produção de textos e menos as
atividades de apropriação do sistema alfabético de escrita, mesmo quando as professoras
diziam que preferiam as abordagens mais tradicionais.
Palavras chaves: Alfabetização, letramento, métodos de alfabetização, professores
alfabetizadores, discurso e prática.
1. JUSTIFICATIVA
Desde cedo o indivíduo tem contato com um mundo letrado, mas nem sempre tem
acesso a situações mediadas pelo texto escrito de modo pleno. Sendo assim, há a necessidade
de alfabetizar as pessoas para torná-las sujeitos autônomos nas práticas de leitura e escrita.
A alfabetização, desse modo, é uma necessidade, hoje, para que as pessoas possam
participar de várias situações sociais. Mas, nem sempre ela foi entendida como um processo
de acesso às práticas sociais de leitura e escrita. Ela já foi entendida como aprendizagem de
um código desarticulado das práticas sociais.
Segundo Morais e Albuquerque (2005, p. 69), “a condição de sujeito letrado se
constrói nas experiências culturais com prática de leitura e escrita que os indivíduos têm
oportunidade de viver, mesmo antes de começar sua educação formal.”. Ou seja, a escola
deve proporcionar a continuidade desse processo de letramento, associando-o de forma
significativa à prática de alfabetização.
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Nessa nova concepção de alfabetização, o professor tem o papel crucial de evitar a
desarticulação entre o processo de aprendizagem da escrita e leitura e o uso das mesmas no
meio cultural em que o sujeito está inserido. Cabe ao professor mediar as aprendizagens dos
alunos para que, na medida em que eles tiverem contato com os diversos textos de uso social,
em diversas situações no seu cotidiano, possam compreender as funções sociais desses textos.
No entanto, podemos questionar se as formações iniciais e continuadas dos docentes têm
garantido que a prática dos professores mude, de fato, no sentido de propiciar uma
alfabetização articulada com as circunstâncias de uso da leitura e da escrita em situações de
interação social.
Infelizmente, há indícios de que essa perspectiva ainda não é frequente na escola. Tal
fato pode ser inferido por meio da análise dos resultados desfavoráveis da Prova Brasil. Os
indicadores de rendimento dos estudantes são divididos por níveis que indicam as habilidades
dos alunos em relação à compreensão de distintos textos. Os níveis variam de 0 a 11.
Analisando os resultados da prova de 1995 a 2005 dos alunos da 4ª série do Ensino
Fundamental, observamos que a maioria dos alunos encontrou-se no nível 2 e 3, com um
agravante: em 1995, 21,62% dos participantes alcançaram o nível 3, enquanto em 2005,
apenas 19,92% chegaram a esse mesmo nível, evidenciando-se, assim, a pouca atenção ao
desenvolvimento das estratégias de leitura ao longo dos anos.
Esses dados, portanto, indicam que o ensino não tem garantido o desenvolvimento das
habilidades de leitura nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Para que, de fato, os
estudantes desenvolvam tais habilidades de leitura, é fundamental que tenham acesso a um
ensino sistemático, tanto em relação ao sistema alfabético de escrita, quanto em relação às
estratégias de compreensão de textos.
Diante dessa problemática, analisamos os discursos de professoras sobre suas opções
metodológicas relativas ao processo de alfabetização, sobretudo, em relação à realização ou
não de estratégias de ensino que articulem essas duas dimensões (apropriação do sistema de
escrita e estratégias de compreensão de textos) e investigamos as práticas de duas docentes, a
fim de verificar se seus discursos condizem com as suas práticas.
Muitos docentes, em seus discursos, valorizam e dizem fazer uso da concepção de
alfabetizar letrando, mas será que realmente esses professores, na prática, se apóiam nessa
concepção em suas salas de aula? Esse foi o foco do nosso trabalho: investigar se, na prática,
os professores analisados realizavam o que diziam realizar. Assim, investigamos as relações
entre o discurso do professor sobre o ensino da leitura e da escrita, com foco nas relações
entre alfabetização e letramento, e o que é praticado pelo professor.
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Desse modo, os objetivos desta pesquisa foram:
Analisar o discurso de professores sobre suas opções metodológicas acerca da
alfabetização.
Investigar se os docentes concordavam com os princípios da abordagem da
alfabetização na perspectiva do letramento.
Investigar se o discurso dos professores alfabetizadores pesquisados condizia com a
sua prática em sala de aula.
2. REVISÃO DA LITERATURA
2.1. Métodos de alfabetização: um breve histórico.
Diferentes métodos de alfabetização foram adotados no Brasil, ao longo da história,
com o objetivo de auxiliar o indivíduo no processo de alfabetização. Esses métodos têm sido
classificados em três tipos: os métodos sintéticos, os métodos analíticos e os sintético-
analíticos, cada um com suas características próprias.
Os métodos sintéticos tiveram seu auge na Antiguidade até meados do século XVIII e
consistem em partir dos elementos da língua “mais simples”, ou seja, letra, fonema, sílaba
para, a partir da aprendizagem dessas unidades, apresentar as palavras, frases e textos
compostos por esses elementos. Sobre esse assunto, Galvão e Leal salientam que:
Propostas de ensino baseadas nesses métodos partem do pressuposto de que a aprendizagem é mais fácil quando se parte das unidades mais elementares e simples (em geral sem sentido), para, em seguida, apresentar unidades inteiras e significativas. (2005, p. 18).
Abordando o mesmo tema, Barbosa afirma que:
A instrução procede do simples para o complexo, racionalmente estabelecidos: num processo cumulativo, a criança aprende as letras, depois as sílabas, as palavras, frases e, finalmente, o texto completo. Estabelece-se como regra geral que a instrução não deve avançar no processo sem que todas as dificuldades da fase precedente estejam dominadas. (1994, p. 47).
Podemos citar como exemplos os métodos alfabéticos e os silábicos. Nesses, são
realizadas atividades de repetição, em que os alunos têm de memorizar todas as letras e depois
agrupá-las, formando sílabas. Depois de conhecer todos os padrões silábicos, precisam formar
palavras e, somente após todo esse processo é que passam a construir as frases e,
posteriormente, os pequenos textos.
Com o tempo, foram surgindo as primeiras críticas aos métodos silábicos e
alfabéticos. Foram feitas análises apontando que o nome de algumas letras não tem relação
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com o fonema da mesma. Diante dessa problemática, surgem outros variantes nos métodos
sintéticos e um deles são os métodos fônicos. Sobre esses métodos, Roazzi, Ferraz e Carvalho
(1996, p. 3) salientam que:
Basicamente, trata-se de fazer pronunciar as letras, aprendidas uma de cada vez, de acordo com seu valor fônico, como se pronunciam enquanto unidades das palavras.
Nesses métodos, propõe-se que se inicie do fonema e não da grafia das letras. Segundo
Ferreiro e Teberosky, os métodos sintéticos partem do seguinte pressuposto:
Na aprendizagem, está em primeiro lugar a mecânica da leitura (decifrado o texto) que, posteriormente, dará lugar à leitura “inteligente” (compreensão do texto lido), culminando com uma leitura expressiva, onde se junta a entonação. (1985, p. 19).
Em suma, como já foi dito, os métodos sintéticos seguem uma sequência delimitada
por etapas: primeiro o aluno tem que aprender as letras (ou fonemas), somente após isso
acontecer, é que ele passa para outra etapa, que é formar sílabas, até chegar à leitura de
palavras e elaboração de textos, proporcionando uma visão fragmentada da aprendizagem e,
até mesmo, subestimando o aluno. As principais críticas dessa abordagem são em relação à
repetitividade da aprendizagem e descontextualização dos recursos didáticos: textos
cartilhados.
Os métodos analíticos vieram se estabelecer no final do século XX e tiveram grande
influência da psicologia genética. Os defensores desse método acreditavam que os métodos
sintéticos não ofereciam um aprendizado significativo por serem mecânicos, artificiais e não
funcionais.
A proposta dos métodos analíticos, também nomeados de métodos globais, é partir do
todo, ou seja, palavras, frases e textos para, posteriormente, analisar os componentes dos
mesmos: letras e sílabas. Desta forma, “os métodos analíticos são aqueles que propõem um
ensino que parte das unidades significativas da linguagem, isto é, palavras, frases ou pequenos
textos, para depois conduzir análise das partes menores que as constituem (letra e sílabas).”.
(GALVÃO E LEAL, 2005, p. 20).
Nessa perspectiva, o sujeito é apresentado a diversas palavras que serão reconhecidas
por meio de memorização e só após o sujeito memorizar as palavras dadas, passa à construção
de novas palavras e ao reconhecimento de sílabas dessas unidades em outras, num processo
espontâneo de descobertas.
Esta abordagem preocupa-se com o significado da leitura e escrita e procura
proporcionar um processo natural, real, onde a criança esteja sempre motivada e interessada.
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Os métodos analíticos trazem a inovação de partir das palavras, unidades maiores e que têm
sentido para as crianças. No entanto, é, também, um método mecânico e monótono de
memorização de palavras ou textos.
Nicholas Adams foi o precursor dessa visão global da aprendizagem quando afirma
que “[...] quando se quer mostrar um casaco para uma criança, não se começa dizendo e
mostrando separadamente a gola, depois os bolsos, os botões, a manga do casaco. O que se
faz é mostrar o casaco e dizer para a criança: “isto é um casaco”.” (citado em Barbosa, 1994,
p. 50). Partindo dessa mesma ideia, Decroly cita as abordagens ideovisuais. Ou seja, o
processo de aquisição de leitura e escrita é primeiramente visual, partindo do concreto (frases)
para o abstrato (letras e sílabas).
Percebe-se que os métodos analíticos representaram avanço no processo de
apropriação do sistema de escrita alfabética em comparação a perspectiva sintética, porém não
se deixa de estudar isoladamente as partes. Só há um adiamento desse trabalho e com um
agravante: acredita-se que a aprendizagem acontece de maneira espontânea.
Acreditando que os métodos sintéticos não eram adequados por partirem das unidades
menores das palavras e os métodos analíticos por acreditarem no espontaneísmo, surgiram
novos métodos: os métodos sintéticos - analítico.
Os métodos analítico-sintéticos sugerem que o processo de alfabetização se dá por
meio dos processos de composição / decomposição de palavras. Sobre os métodos analítico-
sintéticos, Galvão e Leal (2005) salientam:
Entre as variações do método analítico- sintético, encontramos a Palavração. Com ele, o aluno aprende palavras e depois as separa em sílabas para com estas formar novas palavras.” (p. 24).
Coutinho (2005) resume de maneira clara a relação entre os três métodos: “embora
houvesse divergências entre os três, ambos percebiam a aprendizagem do sistema de escrita
alfabética como uma questão mecânica, a aquisição de uma técnica para a realização do
deciframento.” (p. 48).
De acordo com a perspectiva tradicional de alfabetização, o mais importante era
apenas aprender a codificar e decodificar. Ou seja, nessa concepção, o aluno só aprenderia a
ler e a escrever através da memorização de sons, letras, sílabas, palavras e textos. Sendo
assim, a aprendizagem do sistema de escrita era concebida de forma fragmentada, repetitiva e
monótona, tratada como simples aquisição de uma técnica, se limitando apenas ao ato de
codificar e decodificar as palavras. Em momento algum, os métodos citados anteriormente
estimulavam reflexões sobre o funcionamento do sistema de escrita alfabética.
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Foi através dos estudos sobre a psicogênese da língua escrita, realizados por Emília
Ferreiro e seus colaboradores, que o pensamento construtivista mudou as visões a respeito do
processo de apropriação alfabética. De acordo com Mortati (2006):
O construtivismo se apresenta não como um método novo, mas como uma “revolução conceitual”, demandando, dentre outros aspectos, abandonarem-se as teorias e práticas tradicionais, desmetodizar-se o processo de alfabetização e se questionar a necessidade das cartilhas (p. 10).
Segundo Ferreiro (1992), a escrita pode ser vista de duas maneiras: “como uma
representação da linguagem ou como um código de transcrição de unidades sonoras” (p. 10).
Nos métodos citados anteriormente, a escrita é vista da segunda forma, como um código, que
deve ser memorizado.
Ainda de acordo com a autora, “a invenção da escrita foi um processo histórico de
construção de um sistema de representação, não um processo de codificação.” (p. 12). Desse
modo, para Ferreiro (1992), a criança também se apropria de um sistema de representação e
não simplesmente de um código. A autora acredita que o primeiro passo para saber quais os
conhecimentos que o indivíduo apresenta sobre a escrita é analisar os escritos dele, ou seja, é
através dessa análise que se podem conhecer os níveis de escrita dos alunos.
Ferreiro (Idem) ainda afirma que “o modo tradicional de se considerar a escrita infantil
consiste em se prestar atenção apenas nos aspectos gráficos dessas produções, ignorando os
aspectos construtivos.” (p. 18). A partir dos estudos de Ferreiro, as escritas e as
aprendizagens das crianças foram vistas de outro ângulo, o que proporcionou um avanço
bastante significativo sobre como as crianças se apropriam do sistema de escrita alfabética.
Apesar dos avanços demonstrados pelas pesquisas de Emília Ferreiro e estudos
relativos à importância de inserir na alfabetização o trabalho com leitura e produção de textos,
muitos professores ainda utilizam em sala de aula os métodos tradicionais que, como já vimos
anteriormente, concebem a escrita como um código que tem de ser memorizado pelos alunos.
Muitos docentes ainda acreditam que os métodos tradicionais apresentam uma aprendizagem
mais rápida, no entanto, se pararmos para pensar sobre o conhecimento dos alunos, nos
deparamos com algumas questões importantes para a reflexão: Queremos, como docentes,
formar pessoas autônomas e críticas ou pessoas incapazes de ler um simples bilhete?
No próximo tópico iremos expor melhor a perspectiva construtivista da alfabetização.
2.2. A perspectiva construtivista de alfabetização
O conhecimento das crianças acerca do sistema de leitura e escrita vem sendo
investigado há muito tempo. Em 1898, Harriet Iredell, uma professora da Pensilvânia,
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escreveu um artigo sobre seus estudos com crianças, no qual comprova que as mesmas estão
envolvidas com a leitura e escrita, antes mesmo de irem para a escola.
Nos anos 20, Vygotsky, um psicólogo soviético, critica a escola de Montessori e
outras escolas por ensinar a escrita como capacidade motora e não como atividade cultural.
No entanto, é somente a partir dos anos 70 que os pesquisadores começaram a estudar de
forma aprofundada os conhecimentos das crianças sobre o sistema de escrita. Entre os
pesquisadores interessados em entender a relação da criança com a linguagem escrita, estava
um grupo de psicólogos piagetianos que procurava explicar o assunto utilizando a abordagem
clínica, desenvolvida por Jean Piaget, e norteada pelas ideias de Emília Ferreiro.
O objetivo principal da pesquisa de Ferreiro era “o entendimento da evolução dos
sistemas de ideias construídos pelas crianças sobre a natureza do objeto social que o sistema
de escrita é.” (1995, p. 23).
Emília Ferreiro entende a escrita como um sistema de representação e não como um
código. De acordo com a pesquisadora, a diferença principal entre os dois é que “no caso da
codificação, tantos os elementos como as relações já estão predeterminados. (...) no caso da
criação de uma representação, nem os elementos nem as relações estão predeterminados.”
(1992, p. 12). A autora diz que, sendo a escrita um sistema de representação, as crianças
tendem a representá-la da maneira que compreendem, ou seja, “as crianças reinventam o
sistema de escrita” e isso acontece antes mesmo de ingressarem na escola. Mas, qual seria a
natureza desse sistema de escrita?
O nosso sistema de escrita é o alfabético, isto é, cada letra ou dígrafo representa uma
unidade sonora, que é o fonema, embora tal representação não seja sempre regular direta, ou
seja, uma letra pode representar diferentes fonemas e um fonema pode representar diferentes
letras. Este princípio tem que ser entendido pelos aprendizes.
Nas primeiras formas escritas, a humanidade privilegiava o registro dos significados
das palavras através de desenhos que reproduziam as formas físicas externas dos objetos, o
sistema logográfico. “O difícil num sistema desse tipo era notar palavras que não
correspondiam a objetos isolados e concretos no mundo real (por exemplo; sentir ou beleza)”.
(MORAIS, 2005, p. 35).
Outro sistema que representava as palavras como unidades é o sistema de Kanji,
usados até hoje pelos chineses. “Nesse sistema também nota-se o significado ao invés dos
significantes orais, no entanto, abriu-se mão dos desenhos e passou-se a usar símbolos
simples ou compostos, socialmente convencionalizados como substitutos das palavras em
questão.” (MORAIS, 2005, p. 36).
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A humanidade, após esses primeiros sistemas de escritas, criou outros que passaram a
notar as partes sonoras que compõem as palavras, os sistemas de escrita silábica. Morais
(2005) explica o que acontece, a partir de então, da seguinte forma:
Depois de usar vários sistemas que continham, sobretudo, consoante, conseguimos, na Grécia Antiga, chegar a um sistema de escrita no qual, além de notar a sequência de sons menores das palavras (que depois passamos a chamar de fonemas), utilizávamos tanto caracteres para os sons equivalentes aos sons vocálicos como para aqueles equivalentes às consoantes pronunciadas. Os alfabetos, tal como é usado para escrever nossa língua portuguesa, derivado do alfabeto latino, difundiram-se e foram adaptados pelos falantes de diferentes idiomas. (p. 36).
Diferentemente do que pensam muitos educadores, a aprendizagem desse sistema,
hoje espalhado pelo mundo, é complexa, pois exige a compreensão de seus princípios de
funcionamento.
A criança precisa entender, por exemplo, que a linguagem oral não pode ser transcrita
para a linguagem escrita fielmente; que as palavras são separadas por espaços na escrita; que
se escreve da esquerda para a direita; que se escreve horizontalmente; de cima para baixo; que
se utilizam letras para escrever; que toda sílaba contém vogal; que há diferentes estruturas
silábicas; que a ordem das letras equivale à ordem em que os fonemas são pronunciados.
Segundo Ferreiro e Teberosky (citado em Coutinho, 2005), na busca de entender tais
princípios, “[...] as crianças formulam uma série de ideias próprias sobre a escrita alfabética,
enquanto aprendem a ler e a escrever.” (p. 50). Ferreiro (1992) afirma que: “quando uma
criança escreve tal como acredita que poderia ou deveria escrever certo conjuntos de palavras,
está nos oferecendo um valiosíssimo documento que necessita ser interpretado para poder ser
avaliado.” (p. 17). A autora descreveu, com base neste tipo de material, níveis de
compreensão do sistema de escrita pelos quais as crianças passam, até entenderem a lógica do
sistema.
No nível pré-silábico, as crianças ainda não compreendem que a escrita representa a
fala. Muitas delas pensam que estão escrevendo no momento em que estão fazendo alguns
desenhos, rabiscos, pois, para elas, escrever e desenhar são a mesma coisa. É comum,
também, encontrarmos crianças que misturam números e letras, pois ainda não conseguem
diferenciá-los. Mesmo usando apenas letras, muitas crianças permanecem nesta hipótese por
não realizarem correspondências entre as unidades gráficas e as unidades sonoras. Também
podemos perceber a presença de um fenômeno denominado “realismo nominal”, no qual a
criança relaciona sua escrita às características do objeto a ser grafado. Isto é, se pedirmos à
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criança que escreva a palavra FORMIGA, é possível que ela escreva com poucas letras, pois a
formiga é um ser pequeno.
No nível silábico, as crianças já conseguem entender que há relação entre a escrita e a
pauta sonora da palavra. Porém, os alunos acreditam que a quantidade de letras das palavras
corresponde à quantidade de sílabas pronunciadas das mesmas. Por exemplo, se solicitarmos
ao aluno que escreva a palavra CAVALO, ele poderá escrever três letras aleatórias (MBV), ou
poderá grafar três letras que tenham alguma relação com pedaços das sílabas (CVL). A
hipótese silábica quantitativa, equivalente ao primeiro exemplo dado, pressupõe que a criança,
ao escrever, marque uma letra qualquer do alfabeto para representar cada sílaba da palavra. Já
a hipótese qualitativa, os alunos escrevem letras que tenham relação com o som das palavras
por eles escutadas. Sobre a hipótese silábica, Ferreiro (1992) ressalta que ela é importante
“por duas razões: permite obter um critério geral para regular as variações na quantidade de
letras que devem ser escritas, e centra a atenção da criança nas variações sonoras entre as
palavras.” (p. 25). Para Coutinho (2005):
À medida que passam a escrever um grafema para cada sílaba, os alunos começam a vivenciar alguns conflitos e vão criando novas hipóteses, como a de que existe uma quantidade mínima de letras para escrever. Nesse caso, palavras monossílabas e dissílabas precisariam ser escritas com, no mínimo, três letras. (p. 55).
De acordo com as hipóteses do nível silábico-alfabético (período de transição entre o
nível silábico e o alfabético), as crianças já conseguem associar as letras aos fonemas em
grande parte de suas produções, pois se encontram muito próximas da escrita alfabética. Mas,
ainda ocorrem momentos de confusão no que se refere a quais letras selecionar para notar os
sons e ocorrências de omissão de letras em algumas sílabas. De acordo com Ferreiro (1992),
“o período silábico-alfabético marca a transição entre os esquemas prévios em via de serem
abandonados e os esquemas futuros em vias de serem construídos.” (p. 27).
O nível alfabético é caracterizado pelo fato do aluno compreender que as letras
representam unidades menores que as sílabas. Ou seja, a criança já consegue relacionar as
letras e os fonemas representados, mas é possível que ainda ocorram problemas quanto à
ortografia. “Como os alunos sabem que a escrita nota a pauta sonora, eles têm tendência a
escrever exatamente como se pronunciam as palavras.” (COUTINHO, 2005, p. 61).
Entender que a apropriação do sistema de escrita é complexa, como foi demonstrado
por Ferreiro e Teberosky (1985), é importante porque, com base nesta compreensão, podemos
defender que é necessário garantir situações didáticas diversificadas e sistemáticas para que a
alfabetização ocorra. No entanto, mesmo havendo tal tipo de condução do professor, é
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necessário também garantir que outras atividades, sobretudo, destinadas ao desenvolvimento
de estratégias de leitura tenham espaço na sala de aula. Por tal motivo, no próximo tópico nos
aprofundaremos um pouco mais nas questões que estamos discutindo.
2.3. A alfabetização na perspectiva do letramento
Nos anos 60, o sujeito era considerado alfabetizado quando declarava saber assinar o
próprio nome. A partir dos anos 70, essa concepção mudou. Para ser considerado
alfabetizado, o indivíduo tinha que ter a habilidade de escrever um bilhete simples. Depois, as
exigências foram aumentando. Com esse novo conceito de sujeito alfabetizado, o ensino
escolar precisou se adequar às novas exigências da sociedade.
Como já vimos anteriormente, os métodos de alfabetização não garantiam essa
habilidade por entenderem a língua escrita como um código, além de não trabalharem a
funcionalidade dos textos no cotidiano. Surge, então, a concepção de alfabetizar letrando.
Tal concepção começou a surgir a partir dos anos 80 no Brasil, quando se percebeu
que muitas pessoas alfabetizadas liam e não compreendiam o que estavam lendo. Ou seja, as
pessoas aprendiam a ler e escrever apenas textos escolares como os que apareciam nas
cartilhas de alfabetização ou redações, e muitas vezes não sabiam utilizar os conhecimentos
adquiridos na escola, fora desse ambiente.
A partir dessa problemática, surge o termo analfabetismo funcional, que indicava que
as pessoas sabiam “ler”, porém não compreendiam; e sabiam escrever apenas textos escolares.
Para combater tal fenômeno, era preciso entender que ler e escrever são práticas sociais.
Desse modo, é preciso associar a alfabetização ao letramento. O termo letramento, de acordo
com Soares (citado por Albuquerque, 2005), “(...) é a versão para o Português da palavra de
língua inglesa literacy, que significa o estado ou condição de escrever.” (p. 16). O termo
letramento, no Brasil, não substitui a palavra alfabetização. Ele aparece associado a ela.
Segundo Albuquerque (2005):
Podemos falar ainda nos dias de hoje, de um alto índice de analfabetos, mas não de “iletrados”, pois sabemos que o sujeito que não domina a escrita alfabética, seja criança, seja adulto envolve-se em práticas de leituras e escritas através da mediação de pessoas alfabetizadas, e nessas práticas desenvolve uma série de conhecimentos sobre os gêneros que circulam na sociedade. (p. 16).
O sujeito está inserido num mundo letrado. Todos os dias eles têm contato com
distintos textos com finalidades diferentes. Mesmo sem nunca ter ido à escola, as pessoas
fazem uso da escrita e da leitura através de outras pessoas.
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Após o surgimento da concepção de alfabetizar na perspectiva do letramento, foram
sendo introduzidos nas salas de aulas diversos gêneros textuais, no entanto, houve alguns
equívocos sobre como alfabetizar letrando. Os professores tinham a proposta de trabalhar
esses textos na sala da mesma forma como os textos circulam fora da escola. Santos e
Albuquerque (2005) abordam esse assunto da seguinte forma:
Sendo a escola lugar específico de ensino-aprendizagem, não é possível reproduzir dentro delas as práticas de linguagem de referência tais quais aparecem na sociedade. Ao entrar no processo de ensino, as situações de produção textual, embora remetendo às situações nas quais tais textos são utilizados nas práticas de linguagem na sociedade, apresentam características peculiares à situação de ensino em que estão inseridas. (p. 96).
Outro equívoco que podemos destacar é o de que alfabetizar letrando é a introdução de
diferentes textos na sala como pretexto de estudo de palavras e dos padrões silábicos, e que
com o contato com os textos serviria apenas para garantir a apropriação do sistema alfabético
de escrita.
Alfabetizar letrando não é somente trazer para a sala de aula uma diversidade de
textos; quando lemos e escrevemos temos uma finalidade e é preciso trazer essa
funcionalidade nos estudos dos gêneros textuais nas salas de aula, ou seja, o sujeito tem que
entender a finalidade de determinados textos na sociedade. Concordamos com Santos e
Albuquerque (2005) quando as autoras afirmam que:
Ao se ler e escrever um texto, tem-se a intenção de atender a determinada finalidade. É isso que faz com que a situação de leitura e escrita seja real e significativa. Portanto, ao se ler ou escrever um texto em sala de aula, deve-se objetivar uma finalidade clara e explícita para os envolvidos na situação de leitura e produção. (p. 97).
Nos dias atuais, é quase impossível pensar na alfabetização dissociada do letramento,
no entanto, não podemos deixar de lado a importância da apropriação do sistema alfabético de
escrita, já que é ela que garante ao sujeito a condição de leitor e escritor. Acreditamos que
essas duas práticas, alfabetizar e letrar, devem vir juntas durante o processo de alfabetização.
Sobre esse assunto, Magda Soares (citada por Albuquerque, 2005) afirma que:
Alfabetizar e letrar são duas ações distintas, mas não inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e escrever, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado (p. 18).
Para investigar as concepções de professores sobre este tipo de proposta –
alfabetização na perspectiva do letramento -, decidimos, neste estudo, investigar como eles a
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compreendiam, se concordavam com ela e as relações entre o que dois professores diziam e
faziam em sala de aula. Apresentaremos, a seguir, a metodologia usada para tal investigação.
3. METODOLOGIA
Como já foi dito anteriormente, traçamos três objetivos principais nesta pesquisa: o
primeiro foi analisar o discurso de professoras sobre suas opções metodológicas acerca da
alfabetização; o segundo foi investigar se as professoras concordam com os princípios da
abordagem da alfabetização na perspectiva do letramento; e o terceiro foi investigar se o
discurso de 2 professoras alfabetizadoras pesquisadas condiz com a sua prática em sala de
aula.
A pesquisa foi realizada através de trabalho de campo em escolas municipais da
cidade do Recife e da Região Metropolitana (Igarassu e Paulista). Participaram da primeira
fase da pesquisa 12 professoras alfabetizadoras, com idades entre 25 e 49 anos, com
formações distintas: uma delas tinha concluído o Magistério; quatro estavam cursando
Pedagogia; duas já eram graduadas em Pedagogia, sendo uma com especialização em Gestão
Escolar; uma era graduada em Português / Inglês, com especialização em Linguística; outra
era graduada em Letras com especialização em Psicopedagogia; duas eram graduadas em
História, sendo uma com especialização em História e a outra com especialização em
Educação Especial; e, por fim, uma graduada em Filosofia com especialização em Gestão
Educacional. O tempo em que lecionavam variava de 2 a 28 anos e o tempo que lecionavam
nos anos 1 e 2 do Ensino Fundamental variou entre 1 e 13 anos. Das doze professoras
pesquisadas, onze afirmaram participar de formações continuadas.
Essa investigação foi feita através da análise de dados coletados por meio de diferentes
instrumentos: entrevistas semi estruturadas, questionários e observações de aula. A escolha
das professoras foi realizada de forma aleatória. Porém, era necessário que as docentes
estudadas lecionassem nas séries iniciais do Ensino Fundamental (turmas em processo de
alfabetização 1º e 2º anos).
Três etapas foram seguidas nesta investigação. A primeira etapa consistiu na aplicação
de um questionário às professoras, que nos deu suporte para a análise das opções
metodológicas das docentes pesquisadas acerca da alfabetização e para a caracterização do
grupo investigado. A análise do questionário foi realizada em duas fases: a exploração geral
das respostas, para a construção das categorias e a releitura das respostas para
aprofundamento das análises, considerando as categorias criadas. Com base na leitura
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minuciosa, foi realizada a montagem de um quadro com as respostas das docentes que nos
ajudou, posteriormente, a realizar as análises.
Sobre as vantagens do questionário, Gressler diz: “provavelmente a maior vantagem
do questionário é a sua versatilidade. A maior parte dos problemas que exigem anonimato
pode ser pesquisada por meio de questionário, uma vez que o mesmo assegura maior
liberdade em expressar opiniões.” (1979, p. 55). Baseando-se nas análises dos questionários,
foram escolhidas quatro professoras para participar da etapa seguinte da pesquisa. O critério
de seleção foi a necessidade de contemplar professoras que explicitassem diferentes opções
metodológicas de alfabetização. Assim, as professoras escolhidas tinham as seguintes
características:
Professora 1: disse que adotava a perspectiva do letramento e quanto questionada sobre como alfabetizava seus alunos, só listou atividades de leitura e escrita de textos.Professora 2: afirmou que o melhor era o construtivismo e que ela o adotava. Citou atividades com textos e com unidades lingüísticas menores (palavras e letras), mas com pouca diversidade.Professora 3: disse que os métodos tradicionais eram os melhores, mas utilizava um pouco de cada; só indicou atividades com textos.Professora 4: afirmou que o melhor método era o socioconstrutivismo, mas adotava um pouco de cada; listou atividades com textos e com palavras, evidenciando uma prática diversificada.
Na segunda etapa da pesquisa, foi realizada uma entrevista com as quatro professoras
citadas, para que elas pudessem detalhar melhor suas formas de condução do trabalho
docente, para, então, aprofundarmos as análises das concepções de alfabetização delas e
entendermos melhor as suas práticas. As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra e,
logo depois, analisadas.
A entrevista é um instrumento que nos abre um enorme leque sobre o tema
pesquisado, pois, diferentemente do questionário, em que os indivíduos organizam suas ideias
para responder de forma escrita, na entrevista, as docentes estavam em situação de conversa
face-a-face, fato que ajudou a aprofundar suas respostas. Segundo Gressler (1979, p. 61), na
entrevista “o entrevistador tem condições de aclarar as questões e encorajar o investigado a
fornecer informações mais completas e de observar o que o entrevistado diz e como diz:
gestos, expressões faciais, alterações da voz etc.”.
Na terceira etapa, foram escolhidas duas professoras dentre as quatro que
demonstraram concepções diversas sobre alfabetização. As professoras escolhidas foram as
que demonstraram opiniões distintas sobre alfabetização na perspectiva do letramento.
Escolhemos a professora 3, que dizia adotar métodos tradicionais. Escolhemos também a
14
professora 4, por ela defender o socioconstrutivismo como método e, segundo a docente, por
ter uma prática diversificada de alfabetização.
As aulas dessas professoras foram observadas e analisadas. Por meio dessas análises,
foi possível relacionar melhor os discursos e as práticas docentes. Foram realizadas dez
observações com cada professora. O período foi de três meses, contando, em média, com
intervalos de sete dias entre as observações. Assim como nas entrevistas, as aulas foram
gravadas. Após as observações, foram feitos relatórios dessas aulas onde estavam disponíveis
informações sobre as atividades, tempo de duração para serem realizadas e transcrições do
trabalho realizado no dia.
De acordo com Marconi e Lakatos (2007, p. 193), a observação “permite a evidência
de dados não constantes do roteiro de entrevista ou de questionários.” Tal procedimento nos
mostrou a prática das docentes pesquisadas de forma mais direta, além de nos permitir
conhecer as atividades realizadas e as contribuições que as mesmas podiam dar no processo
de alfabetização das crianças.
4. RESULTADOS
Com os resultados obtidos nos questionários, nas entrevistas e nas observações,
pudemos responder algumas indagações feitas no início do nosso trabalho, as quais serão
apresentadas nos tópicos a seguir.
4.1. As professoras adotam algum método de alfabetização? Qual (quais) método(s)
diziam adotar?
Diante das respostas apresentadas pelas docentes no questionário, pudemos
categorizá-las em 2 grupos:
Grupo 1: Professoras que disseram adotar um método específico.
Grupo 2: Professoras que disseram usar um pouco de cada método.
No grupo 1, foram classificadas cinco professoras que disseram adotar um método
específico. As cinco citaram abordagens de base interacionista. Três dessas professoras
disseram que usavam o “método do letramento” e duas delas, o “construtivismo”. Como
sabemos, nem o letramento e nem o construtivismo são propostas metodológicas. De modo
que podemos entender que as docentes identificavam tais abordagens como métodos por
conceberem que há determinados princípios didáticos articulados aos pressupostos do
construtivismo e às orientações dadas por autores que discutem sobre o letramento.
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Diferenças entre essas docentes foram observadas em relação aos tipos de atividades
citados para alfabetizar. As professoras que disseram usar o “letramento” afirmaram que
faziam atividades centradas em textos (leitura e escrita de diferentes gêneros textuais). Uma
das professoras acrescentou também a atividade de ditado, mas o foco principal dela era o
texto. Tal opção decorre de uma posição sobre alfabetização de que é suficiente proporcionar
o contato dos alunos com os textos que eles passam a escrever com autonomia. No entanto,
como discutimos anteriormente, tal idéia é oposta ao que defendem autores como Morais e
Albuquerque (2005), que mostram evidências de que para que os estudantes dominem o
sistema de escrita é importante promover atividades em que eles tenham que pensar sobre o
funcionamento da base alfabética.
Apenas uma dessas professoras que disse usar o letramento citou também o trabalho
com os nomes dos alunos, além de usar tarefas de composição e decomposição de palavras e
identificação de semelhanças sonoras e gráficas. Isto é, ela não ficava restrita ao trabalho de
ampliação do grau de letramento.
As professoras que disseram usar o construtivismo afirmaram usar alguns materiais
que continham textos, mas pudemos verificar que tais materiais favoreciam reflexões sobre
palavras. Uma delas falou que utilizava cartazes e cartões com palavras. Não explicou o que
fazia com tais materiais, mas usava recursos que possibilitavam análises de palavras.
A outra professora também dizia utilizar textos, mas citou atividades centradas em
reflexões sobre palavras ao indicar a utilização de listas. Pudemos também inferir alguma
preocupação com reflexão fonológica quando a professora afirmou que utilizava muitos
poemas infantis, parlendas, quadrinhas, trava-línguas, dentre outros textos que estimulam a
tomada de consciência sobre semelhanças sonoras.
Nenhuma das cinco docentes afirmou utilizar jogos ou outras atividades de
composição / decomposição de palavras, ordenação de sílabas ou letras, dentre outras que
poderiam ajudar as crianças a compreender mais especificamente o funcionamento do sistema
de escrita. Pudemos observar que as docentes apresentaram respostas em que havia atividades
pouco diversificadas e baixíssima preocupação com as atividades centradas nas palavras.
Nenhuma citou atividades de reflexão sobre unidades menores que as palavras, como as
sílabas e letras ou fonemas.
Salientamos que os teóricos do construtivismo (como Emília Ferreiro e Ana
Teberosky) sugerem que é necessário fazer as crianças pensarem sobre a lógica de construção
do sistema. Não há, nas propostas dessas autoras, restrição à utilização de atividades centradas
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nas palavras e outras unidades, como parecem supor as docentes que dizem utilizar tal
perspectiva.
Duas dessas professoras que disseram adotar um método específico foram escolhidas
para a fase de entrevista. A professora 1, porque dizia adotar o letramento e afirmava que
utilizava apenas textos para alfabetizar. A professora 2, porque dizia adotar o construtivismo e
afirmava que usava, além de jornais e outros suportes para o contato com textos, listas e
pequenos textos de tradição oral: poemas, trava-línguas, parlendas, dentre outros.
Seis professoras disseram utilizar em sua prática docente um pouco de cada método,
sendo, por isso, classificadas no grupo 2, descrito anteriormente.
Apenas uma professora citou métodos sintéticos como sendo os melhores. Ela afirmou
que os melhores métodos de alfabetização são Casinha Feliz e Se Liga. Os dois citados são
embasados em abordagens sintéticas (método fônicos e silábico). Esta professora, apesar de
dizer que estes métodos são os melhores, dizia adotar um pouco de cada método e, ao falar
sobre alfabetização na perspectiva do letramento, confundiu os conceitos e disse que eram
métodos tradicionais que não contemplavam as capacidades de interpretação de textos. No
entanto, afirmou que trabalhava com leitura de textos em sala de aula. Na listagem dos
gêneros que ela dizia adotar, foram contemplados textos de tradição oral, como parlendas,
trava-línguas e poemas infantis. Esta professora, como já foi dito, foi a única que falou que os
métodos sintéticos eram os melhores.
Uma das professoras disse que o melhor método é o socioconstrutivismo, mas afirmou
que mistura diferentes métodos. Na listagem das atividades citadas por ela, foram variados os
tipos de reflexão acerca de diferentes unidades linguísticas: palavras, sílabas, letras... Dada
esta variedade citada por ela, ela foi escolhida para participar da fase 2 da pesquisa.
Das quatro professoras restantes, duas afirmaram utilizar em sua prática um pouco de
cada método. As atividades citadas pelas duas docentes foram pouco diversificadas. Uma
citou apenas o trabalho com leitura e escrita de vários gêneros textuais e ditados variados. A
outra citou atividades com gêneros textuais presentes na cultura popular (cantigas de rodas,
músicas, quadrinhas, parlendas.) e leitura e escrita do próprio nome. As outras duas
professoras afirmaram utilizar em sua prática docente os métodos tradicionais. Sendo que,
uma delas dizia usar também o letramento e a outra, o construtivismo.
As atividades citadas pela docente que dizia trabalhar com o letramento consistiam no
trabalho com leitura e escrita de vários gêneros textuais, ditados diversificados e atividades
com lacunas. Não foram citadas atividades de análise das unidades menores das palavras. Já a
professora que dizia utilizar o construtivismo citou atividades diversificadas que além de
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priorizar os textos, favoreciam a reflexão sobre as unidades menores das palavras. Não
identificamos dentre as atividades citadas pelas duas docentes o trabalho baseado nos métodos
tradicionais, que ambas afirmaram também utilizar. Por isso, a fase de análise das práticas é
tão importante para a compreensão da prática das professoras.
Nesta fase da pesquisa, pudemos verificar a variação de concepções das docentes,
havendo, no entanto, predomínio de um discurso que valorizava mais as atividades de leitura
e produção de textos e menos as atividades de apropriação do sistema alfabético de escrita,
mesmo quando as professoras diziam que preferiam as abordagens mais tradicionais.
Escolhidas as quatro professoras, buscamos aprofundar as análises, realizando entrevistas para
investigar quais eram suas concepções acerca dos métodos que diziam adotar. Trataremos
disso no próximo tópico.
4.2. Quais conhecimentos as professoras explicitaram sobre os métodos de
alfabetização?
Analisando as respostas das professoras sobre os métodos que conhecem e como são
eles, obtivemos os seguintes resultados:
A professora 1 disse apenas conhecer o método baseado na perspectiva de letramento
e que, de acordo com a mesma, é apenas o trabalho com textos e o contato do aluno com a
leitura. “Proporcionar ao aluno o contato maior com a leitura”.
As docentes 2 e 4 afirmaram conhecer o Construtivismo e o Montessori. Sendo que, a
professora 4 ainda citou como métodos tradicionais - o Casinha Feliz e alguns programas
como “Alfa e Beto” e “Paulo Freire para jovens e adultos” e salientou que “(...) os métodos na
sua maioria visam estabelecer a relação grafofônica das palavras, mas fogem da realidade
cultural, social e econômica do aluno.”. Porém, as professoras não conceituaram nenhum dos
métodos citados por elas.
A professora 3 disse conhecer apenas métodos baseados na abordagem sintética, o
Casinha Feliz, que a professora defendeu que era o melhor. Ela destacou o trabalho de
fantoches com letras e fonemas; o Parabéns, conceituado por ela como sendo o trabalho com
o letramento tradicional; e o Se Liga, que, segundo a professora, trabalha com palavra chave,
família silábica e com música.
A professora 4, apesar de citar vários métodos, afirmou que “fogem da realidade
cultural, social e econômica do aluno”. Entretanto, a prática do trabalho de Paulo Freire,
denominada pela docente como programa, não acontecia de forma descontextualizada da
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realidade do aluno. Muito pelo contrário, essa prática visava aproximar o ensino da realidade
que o aluno vive.
A professora 3 parece entender um pouco mais sobre os métodos citados por ela.
Todavia, conceituava como letramento os métodos tradicionais.
Podemos concluir, então, que as três docentes apesar de citarem bastantes métodos,
entendiam muito pouco sobre eles. Elas tinham idéias vagas a respeito dos métodos de
alfabetização tradicional e tinham construído uma representação de que o letramento seria um
método, evidenciando certa dificuldade para conceituar esta noção.
Para aprofundar os conhecimentos acerca do trabalho das docentes, analisamos o que
as mesmas falaram sobre a alfabetização na perspectiva do letramento, tema da nossa próxima
pergunta.
4.3. Quais a concepções das professoras sobre alfabetização na perspectiva do
letramento?
Alfabetizar na perspectiva do letramento, de acordo com os teóricos estudados, é levar
o aluno a compreender o sistema de escrita alfabética e utilizar esse conhecimento no mundo
em que vivem em situações de leitura e escrita de textos. Isto é, consiste em garantir ao
mesmo tempo atividades voltadas para a compreensão do sistema de escrita e atividades de
leitura e de produção de textos diversificados, conforme discutimos nos tópicos iniciais deste
artigo.
Segundo a professora 1, o letramento proporciona um maior contato do aluno com a
leitura. A docente mostra uma concepção de que alfabetizar letrando é simplesmente
introduzir distintos gêneros textuais na sala de aula. Podemos perceber isso na sua resposta,
“É com vários tipos de textos proporcionando ao aluno é... Um acesso maior a vários
gêneros textuais, mesmo que o aluno não saiba ler é... Possibilitando ele a pegar um livro, a
manusear um livro, um jornal, uma história em quadrinhos.”.
As docentes 2 e 4 possuíam conceitos parecidos sobre alfabetizar letrando. As mesmas
afirmaram que essa abordagem leva os alunos a serem leitores e escritores conscientes na
sociedade em que estão inseridos.
A professora 4 afirma que:
“Alfabetizar letrando é preparando a criança pra compreender as diversas funções da leitura e da escrita, é... é orientar as crianças pra que elas aprendam a usar a escrita e a leitura de forma coerente, coesiva e com... significado.”
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Já a professora 2 salienta que alfabetizar letrando é “fazer com que a criança entenda
o mundo em que vive, compreendendo o local em que vive, como por exemplo: leituras de
letreiros de ônibus, alimentos em casa.”.
Essas docentes entendem a prática de alfabetizar letrando como priorizar o letramento;
conceito diferente do que dizem autores como Soares (2003), Santos e Albuquerque (2005) e
Morais (2005), que entendem essa prática como sendo uma alfabetização significativa, em
que o aluno aprende o sistema de escrita alfabética e sabe utilizar esse conhecimento com
autonomia nas práticas sociais de escrita e leitura.
Como foi dito anteriormente, a professora 3 disse que adotava os métodos tradicionais.
Quando foi questionada sobre o que seria alfabetizar letrando, mostrou certa confusão com a
caracterização dos métodos tradicionais. Na entrevista, ao contrário da resposta dada no
questionário, a docente parecia concordar com o conceito de letramento citado por ela.
“Alfabetizar letrando pra mim é quando a gente trabalha o alfabeto com o aluno, e os
padrões silábicos e também os fonemas que hoje em dia quase ninguém usa.”
Na questão da entrevista sobre as atividades utilizadas nas aulas de Língua Portuguesa
com o intuito de alfabetizar, a docente 3 disse: “(...) eu trabalho textos diversificados,
trabalho os fonemas, padrões silábicos, o alfabeto que é indispensável para que o aluno
aprender a ler e a escrever.”. Vemos, portanto, que a professora dizia utilizar textos e
atividades com unidades menores que os textos e que isso, para ela, estaria dentro do que seria
letramento. Essa professora foi escolhida para a última fase da pesquisa, dentre outros
motivos, para que tais questões pudessem ser elucidadas.
4.4. As professoras concordam com os princípios da alfabetização na perspectiva do
letramento? Por quê?
As professoras 1, 2 e 4 afirmaram concordar com os princípios da alfabetização na
perspectiva do letramento, embora, como já foi dito anteriormente, suas concepções eram de
que o foco do trabalho é o texto, ou seja, no discurso a prioridade dada é à dimensão do
letramento. A professora 1 afirmou que concordava, pois esta abordagem facilita o contato do
aluno com a leitura. Já a professora 4 salienta que:
(...) a escrita é uma construção conceitual de trajetória e reflexão. No letramento, não há preocupação com a questão motora, a escrita não é tratada como um código. Letrar é familiarizar o aprendiz com diversos usos sociais da leitura e escrita. Letrado é alguém que se apropriou suficientemente da escrita e da leitura a ponto de usá-las com desenvoltura, com propriedade, para dar conta de suas atribuições sociais.
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Por esta resposta mais concreta e que se aproxima do conceito de letramento discutido
anteriormente, escolhemos a professora 4 para a terceira parte da pesquisa, a observação das
aulas. A professora 3 afirmou que não concordava com a perspectiva de alfabetizar letrando,
mas disse que contemplava tanto o trabalho com textos, quanto o trabalho com unidades
menores. Por isso, escolhemos esta docente para a terceira parte da pesquisa: as observações
de aula.
4.5. O discurso das professoras alfabetizadoras pesquisadas condiz com a sua prática
em sala de aula?
A professora 3, como já foi dito, afirmou que não concordava com a perspectiva do
alfabetizar letrando. Esta professora, no entanto, na entrevista dizia que “(...) eu trabalho
textos diversificados, trabalho os fonemas, padrões silábicos, o alfabeto que é indispensável
para que o aluno aprender a ler e a escrever.”. Isto é, mesmo sem ter domínio conceitual,
demonstrava acreditar no princípio de que é necessário trabalhar com textos e com unidades
menores que o texto (fonemas, sílabas...). Assim, mesmo sem domínio das abordagens
teóricas, mostrou evidências de que é importante enfocar o texto e o sistema de escrita.
Como já foi dito, a professora salientou que não utilizava apenas um método e sim um
pouco de cada. Quando perguntada sobre o melhor método, ela afirmou que “junção do
Casinha Feliz com Se Liga seria ótimo”, mas não argumentava as razões dessa junção. Na
verdade, podemos levantar a hipótese que é justamente porque nestes métodos há atenção às
correspondências grafofônicas.
Observando a prática da docente 3, pudemos perceber que a mesma realizava leitura
de textos quase todos os dias, no início da aula. Das dez aulas observadas, ela só não realizou
a leitura em voz alta para as crianças em três. No entanto, dessas três aulas, apenas uma não
envolvia o eixo leitura, que foi a aula que a professora conversou sobre o dia das crianças e
propôs uma atividade de produção textual; as outras duas aulas foram iniciadas com
atividades envolvendo leitura, uma para a leitura ser realizada pelas crianças em voz alta e
outra para que as mesmas escolhessem um livro para ler. Vemos, assim, que ela contemplou
em todas as aulas atividades envolvendo textos.
Os gêneros textuais utilizados pela docente foram cantigas de roda, lendas e fábulas,
contos. Confrontando o discurso e a prática da professora 3 em relação ao eixo leitura,
podemos afirmar que a docente realizava o que dizia realizar. Na entrevista, ela disse que o
21
eixo privilegiado por ela em suas aulas era a leitura e o trabalho com gêneros textuais. De
fato, isso pôde ser constatado.
“com o texto, eu faço as leituras pra eles. Procuro saber deles o que eles já sabem sobre aquela... Se for uma receita ou se for uma narrativa, o que eles já sabem sobre aquilo. Procuro é... falar algumas partes assim, deixando que eles completem pra que eles tenham a oportunidade também de participar ali e de completar.”
Em relação à escrita, a professora propôs somente uma atividade de produção textual,
a qual as crianças teriam de elaborar um texto sobre o dia das crianças. Não houve indicação
do gênero, finalidade ou destinatário para o texto a ser escrito.
Concordamos com Santos e Albuquerque (2005) quando afirmam que “ao se ler e
escrever um texto, tem-se a intenção de atender a determinada finalidade...” Sobre o mesmo
assunto, Soares (2003) salienta que na escola pode acontecer a aprendizagem e
desaprendizagem da escrita “enquanto aprende a usar a escrita com as funções que a escola
atribui a ela, e que transformam em uma interlocução artificial, a criança desaprende a escrita
como situação de interlocução real” (p. 73). Assim, essa professora, apesar de ter realizado
atividade de elaboração textual, conduziu a atividade de modo desarticulado das práticas
sociais de leitura e escrita.
O eixo da apropriação do sistema alfabético também foi contemplado nas aulas
observadas. No entanto, não havia diversidade de atividades e as propostas didáticas não
ajudavam as crianças a problematizar o funcionamento do sistema de escrita, evidenciando a
influência dos métodos sintéticos em sua prática.
Na primeira aula, a professora fez a leitura de todas as letras do alfabeto, trabalhando
os fonemas e a memorização dos padrões silábicos. Identificamos, também, o trabalho com
ditados. Em duas aulas a professora fez um ditado mudo que foi realizado em grupo, e um
ditado comum para a fixação de palavras com BR, CR, DR, FR,VR. Os escritos foram
corrigidos pela docente nos dois momentos, sem haver, no entanto, nenhuma reflexão no
decorrer da atividade.
Comparando seu discurso com a sua prática, percebemos que havia muitas
convergências. Em relação à priorização do eixo da leitura, houve aproximação entre o que
ela dizia e fazia. De fato, ela priorizava tal eixo e contemplava diferentes textos nas atividades
de leitura. Outra convergência pode ser salientada em relação ao eixo de apropriação da base
alfabética. Ela afirmava que os melhores métodos eram os sintéticos e realmente as tarefas
que levava para as crianças tinham muita semelhança com as que são utilizadas em
22
perspectivas dessa natureza: eram atividades repetitivas e pouco problematizadoras. Vemos,
portanto, que a professora usa um pouco de cada perspectiva citada por ela.
Da discussão sobre letramento, ela usava a prática de leitura de textos diversificados;
dos métodos sintéticos, ela adotava alguns tipos de atividades recorrentes nos manuais que
orientam tais práticas. Não havia, no entanto, uma adoção da alfabetização na perspectiva do
letramento, pois nesta abordagem, as situações de ensino do sistema de escrita seguem uma
orientação mais problematizadora, como foco na aprendizagem sobre o funcionamento do
sistema de escrita de modo articulado às atividades de leitura e de produção de textos para
atender a diferentes finalidades sociais.
A professora 4, diferentemente da professora 3, afirmou concordar com a perspectiva
de alfabetizar letrando. Salientou ainda que o melhor método de alfabetização era o “sócio-
construtivismo”, porém, dizia que em sua prática utilizava um pouco de cada método.
Durante o tempo em que foi observada, a docente pareceu demonstrar aproximações
entre o discurso e a prática. No questionário, a mesma informou utilizar diferentes recursos
para alfabetizar seus alunos e isso foi constatado. A docente selecionava textos de distintos
gêneros textuais, como parlendas, contos, receitas, bilhetes, quadrinhos, bulas, cartas,
anúncios, horóscopos, entre outros.
O eixo da leitura era trabalhado quase que diariamente. A docente, ao ler histórias,
fazia perguntas de antecipação para atiçar a curiosidade dos alunos a respeito do texto e exibia
para as crianças a capa do livro, as ilustrações... Durante a leitura, a professora fazia
intervenções, a fim de estimular o interesse e a participação das mesmas e após, fazia a
interpretação oral do texto. A professora trabalhava também com ordenação de textos e
quebra-cabeças de frases e textos.
A professora utilizava os textos, também, em atividades que estimulavam os alunos a
fazer a relação grafofônica através de rimas, como foi o caso das parlendas: “Quando é que
uma palavra rima com a outra? Quando elas têm o mesmo final, né gente?! Quando elas
combinam. Tu, tatu. Tá vendo?”.
Sobre o trabalho com gêneros, a professora salienta que: “(...) são fundamentais, é...
leitura de todos os gêneros e a interpretação dos gêneros, trabalhando a estrutura de cada
gênero, mostrando que, que uma carta, um bilhete, uma poesia, uma música... ela diferencia
por... cada uma tem um objetivo, uma funcionalidade...”
Em relação à produção de textos, no entanto, havia um afastamento de uma
perspectiva do trabalho com gêneros, na medida em que não eram indicados os destinatários e
as finalidades dos textos a serem produzidos e nem os suportes onde eles iriam circular.
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Em uma das aulas, ela produziu, juntamente com os alunos (texto coletivo), uma
história a partir de uma gravura. Durante a construção, a professora pediu para que eles
informassem o título que queriam dar à história, o nome dos personagens, em que local
estavam e ela registrava tudo no quadro. “- O que eles estão fazendo, onde eles estão? Um é
goleiro e o outro é o quê? Digam aí.” ou “- E agora, o que aconteceu?”. Como podemos
perceber, o texto era um misto de descrição de imagem e narrativa. Vemos, então, que o eixo
de produção de textos foi tratado de um modo bastante similar ao que era proposta em
perspectivas centradas em concepções de textos como “tipos abstratos”, apartados dos
gêneros que circulam socialmente.
No eixo da aprendizagem da base alfabética, a professora trabalhava com análise de
palavras através de atividades com caça-palavras, alfabeto móvel, ditado mudo, construção de
palavras a partir de padrões silábicos, bingo de palavras, cópia de textos, produção de rimas.
Ela fazia uso, por exemplo, do caça-palavras para mostrar aos alunos que em uma palavra
pode conter uma ou mais palavras, além de estudar, também, a correspondência grafofônica,
Assim como no discurso, a professora 4 mostrou que na prática utilizava atividades
diversificadas para que as crianças avançassem na compreensão do sistema de escrita
alfabética, entendendo o que ele representa. No entanto, apesar de trazer para sala de aula um
quantitativo considerável de gêneros, percebemos que a docente não trabalhava muito a
funcionalidade dos textos estudados.
Analisando o discurso e observando a prática das duas docentes pesquisadas,
percebemos que há mais aproximações do que afastamentos entre os discursos proferidos
pelas docentes e a prática das duas professoras, contradizendo o senso comum de que as
professoras “dizem uma coisa e fazem outra”.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entender os princípios do sistema de escrita alfabética não é tarefa fácil para o aluno,
assim como alfabetizar não é uma tarefa fácil para o professor. Segundo Soares (2003),
alfabetizar é fazer com que o aluno entenda e se aproprie do sistema de escrita alfabética.
Depois de compreendido esse sistema, o aluno estará alfabetizado. A alfabetização não se
prolonga por toda a vida. O conceito de letramento, por outro lado, abrange os usos da escrita
na sociedade. Esse, sim, acontece durante a existência do indivíduo. Antes mesmo de entrar
na escola, os sujeitos vivem num mundo letrado, mesmo não sendo alfabetizados.
Nesse contexto, a alfabetização deve vir associada à prática do letramento, ou seja,
deve se alfabetizar letrando. Porém, o trabalho nessa perspectiva não deve ser simplesmente
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mostrar vários gêneros textuais para o aluno para que ele saiba que aqueles textos existem,
deve-se haver um estudo de reflexão acerca das funções dos mesmos na sociedade. Como
também, não se deve deixar de estudar as unidades menores que as palavras (letras, fonemas),
pois esse trabalho é importante para que os alunos se apropriem da base de escrita alfabética.
Cabe ao professor, propor, em sala de aula, atividades que ajudem o aluno a se
apropriarem do sistema de escrita alfabética e entender o uso do mesmo na sociedade, para
que sua prática como docente se assemelhe à maioria dos discursos proferidos por muitos
professores, que é alfabetizar para formar cidadãos autônomos nas práticas de escrita e leitura
no meio em que vivem.
Das duas professoras, a que mais se aproximou desse modo de conceber a
alfabetização foi a professora 4, que desenvolveu atividades de interpretação de textos e
atividades problematizadoras de apropriação do sistema de escrita, embora no eixo de
produção de textos tenha adotado uma perspectiva distanciada desse modo de conceber o
ensino da língua.
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