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GLAUBER CESAR KLEIN
PARALELISMO NA ÉTICA DE ESPINOSA:
Uma leitura sob a articulação entre ser, conhecer e beatitude suprema.
Projeto apresentado ao Programa de Pós-
Graduação em Filosofia da Universidade
Federal do Paraná para oprocesso de seleção
no curso de Doutorado em Filosofia. Linha de
pesquisa: História da Filosofia.
Curitiba, 2015.
1
1.
O objeto desta proposta de pesquisa é a questão do paralelismo e a divergência
interpretativa acerca da proposição 7 da segunda parte da Ética (a seguir, 7PIIE) de Espinosa,
lida sob a imbricação interna à obra entre metafísica, conhecimento e ética. Após a
apresentação e justificação do problema, nossa exposição irá percorrer a dedução completa da
E I e das seis proposicões da EII que antecedem a 7PEII com o objetivo de problematizar a
articulação, de um lado, entre metafísica e conhecimento e, de outro, entres estes fundamentos
e a forma da obra que se perfaz na EV. Esta ordem de exposição nos permite, ademais,
introduzir as posições dos comentadores sob uma perspectiva precisa: justamente, a dimensão
que a leitura da P7EII toma para a leitura da Ética em sua forma geral, em duas perspectivas:
por que a afirmação da P7IIE ocorre neste momento determinado da dedução e como ela se
articula aos fundamentos estabelecidos na EI. Temos aqui uma primeira justificação para
nosso projeto, a saber, a partir do esboço de formulação destas duas perspectivas em um único
enunciado: por que a afirmação de que a ordem e a conexão das ideias é o mesmo que a
ordem e a conexão das coisas é uma tese antropológica (o conhecimento da e pela mente
humana) fundada em uma tese ontológica (essência, existência e potência do ser) segundo a
qual a realidade inteira é uma única substância constituída de infinitos atributos, cada um dos
quais exprime uma essência eterna e infinita? O segundo propósito da exposição é pontuar as
posições da literatura secundária dedicada à P7EII, o que fornece as referências nucleares a
partir das quais o desenvolvimento da proposta principal se efeturá, isto é, propomos tratar a
questão a partir da identificação dos pontos precisos e fundamentais de duas leituras,
modelares e divergentes, acerca da P7IIE e sua articulação ao movimento pregresso da
dedução da E I e II. As duas leituras são: Martial Guéroult, em Spinoza. II: L’Âme (Éthique,
2); Marilena Chaui, em A nervura do real, imanência e liberdade em Espinosa (vol. I,
Imanência). Por esta via, tornamos a nossa proposta de questão mais delimitada (decisão que
ameaça restringir seus efeitos a uma leitura localizada da Ética e, por isso, menos
fundamental, possibilidade contra a qual, porém, argumentaremos a seguir), pois a precisão
por meio dos referenciais de leitura modelar significa abordar a questão geral a partir do
problema do paralelismo. Duas advertências, no entanto, são necessárias neste ponto:
Propomos uma investigação sobre a leitura da 7PIIE a partir do que se convencionou chamar
de questão do paralelismo, pontuando e confrontando esta três posições interpretativas como
nucleares, contudo, nossa posição ao final do percusso investigativo não precisa e não se
propõe a confinar-se a uma identificação com qualquer uma destas três posições, ainda que
não tenhamos, de saída, uma proposta alternativa e, ainda, que dialoguemos, e dialogamos,
com outras fontes, que podem apresentar posições intermediárias ou ao menos matéria
2
conceitual e argumentativa subsidiárias; por outro lado, elegemos estas três leituras, e as
definimos como modelares, por que suas posições acerca da questão do paralelismo espelham
amplamente interpretações globais da filosofia espinosana. Isto significa cobrir cada uma
destas leituras acerca do problema em sua delimitação precisa – se há paralelismo e que
paralelismo é supostamente afirmado na 7PEII – à questão geral que apresentamos no
primeiro momento da exposição, a saber, a articulação da 7PEII às proposições antecedentes
da EII e à EI, portanto, à questão geral da ordem dedutiva a priori da essência, existência e
potência de Deus à essência, existência e potência de um modo finito, o homem. Por que estas
propostas interpretativas são, como definimos, nucleares (modelares e referenciais), isto é, por
que a partir delas cobriremos a questão textual da Ética – pontualmente com a 7PIIE e, a
partir deste e até este ponto, mais abrangentemente a articulação dedutiva entre a E I e II –, o
objeto de nossa proposta de pesquisa é investigar uma divergência interpretativa que, no
entanto, é o amparo a uma leitura da E I e II articuladas dedutivamente, mas também da forma
geral da Ética (ademais, veremos a seguir que não apenas a leitura da Ética em sua forma
geral, mas a compreensão de outras obras da Opera está sub judice).
2.
A P7IIE, a ordem e a conexão da ideias é o mesmo que a ordem e a conexão das
coisas, é demonstrada de modo a deixar o leitor da EII perplexo, pois invoca apenas o axioma
4 da EI: a cognição do efeito depende da cognição da causa e a envolve. Se a proposição
afirma uma relação de mesma ordem e conexão entre ideias e coisas e sua demonstração
evoca uma regra geral de conhecimento causal, o traço mais básico da imagem do parelelismo
parece ser liminarmente negado. Trata-se, portanto, de afirmar que uma das séries (ordem e
conexão) é o efeito cuja causa, a outra série, cumpre conhecer? E o que seria causa e efeito,
entre ideias e coisas, por um lado, entre ideias e seus ideados, por outro? Não obstante esta
primeira hipótese cause ruído à imagem comum de paralelismo, com mais razão ela contraria
uma proposição fundamental sobre a essência de Deus e uma condição para o seu
conhecimento verdadeiro, a saber, o que se anuncia na P10EI, cada atributo de uma
substância deve ser conceibido por si mesmo. Sabemos assim, de saída, que a P7EII não pode
ser lida, com ou sem a imagem do paralelismo, sem o conhecimento da dedução das
condições a partir das quais sua leitura é cabível, quais sejam, as bases ontológicas da parte I
da Ética.
A perfeição do De Deo foi a de construir geometricamente a essência de Deus,
demonstrando que a sua essência (substância absolutamente infinita), a sua existência (causa
de si) e a sua potência (causa por si, primeira, imanente e eficiente de tudo que existe e pode
3
ser concebido) são uma única e mesma coisa; ou seja, que Deus é uma única substância que
consta de infinitos atributos, cada um dos quais exprime uma essência eterna e infinita, das
quais se seguem infinitas coisas de infinitas maneiras. À parte II da Ética cabe explicar,
portanto, as coisas que se seguem de Deus, ou seja, da ideia da essência do ser eterno e
infinito. Mas, como da ideia da essência de Deus, deve-se seguir infinitas coisas de infinitas
maneiras, isto é, tudo que cai sob o intelecto infinito, ou a Ética será uma dedução infinita e,
portanto, necessariamente imperfeita, ou a ordem da dedução é alinhavada a um propósito
determinado. O que poderia ser um critério justificado para determinar a sequência da
dedução senão a forma mesma da obra, qual seja, a de uma ética? Por isso, a perfeição da EII
é deduzir a ordem que leva ao conhecimento da mente humana e da sua suprema beatitude. O
prefácio do De Natura et Origine Mentis esclarece, portanto, a inflexão traçada à dedução da
Ética e o ângulo de articulação entre a EI e II: a P16E, mas também entre as duas primeiras
partes e as três seguinte, pois a ideia da beatitude suprema da mente humana só será
perfeitamente deduzida na EV1.
Este tema da ordenação articulada das duas primeiras partes da Ética e sua projeção à
forma da obra é decisiva para investigarmos a importância da P7EII, pois a articulação interna
entre ser (EI), conhecimento (EII) e ética (EV) é um elemento liminar para nossa
investigação sobre o tema do paralelismo e, consequentemente, das posições distintas dos
leitores espinosanos, pois, como advertimos, o nosso tema justifica-se precisamente pelo
poder que ele tem de refletir a leitura plena da obra de Espinosa. No sentido desta articulação
interna da obra, o prefácio sugere ao leitor que a P16EI articula as EI e II e direciona a
dedução ao objeto da EV. A seguir, esboçaremos esta articulação pelas proposições 16EI,
7EII e 1EV.
A primeira articulação, qual seja, entre as proposições 16EI e 7EII é justificada pelo
escólio da P7EII, que evoca a 16PEI lembrando ao leitor que tudo o que o intelecto infinito
pode conceber, ou seja, tudo o que se segue de qualquer um dos infinitos atributos, portanto,
sejam coisas ou ideias, seguem-se de uma mesma e única ideia, a de Deus. Por um lado, esta
remissão esclarece o sentido da demonstração pelo axioma 4 da EI: a causa envolvida no
conhecimento de uma mesma ordem e conexão, seja de ideias, seja de coisas, é a ideia de
Deus, pois “tudo o que pode ser percebido como constituindo a essência de Deus”, ou seja,
qualquer um e todos os infinitos atributos, pertencem a uma única e mesma substância, Deus.
A diferença entre as coisas e as ideias é a diferença que há entre dois atributos, extensão e
pensamento, que, no entanto (o que Espinosa exige de nós, a atenção à ordem dedutiva que
liga esta proposição à EI), distinguem-se realmente entre si, mas são o mesmo que a essência
1 TIE §§ 12-17 (ESPINOSA, 2015, pp. 33-5).
4
única da mesma substância, absolutamente infinita e, portanto, indivisível. Ora, como
atributos diversos podem constituir uma única e mesma essência, ou dito de outra forma,
como coisas que entre si são realmente distintas constituem a essência do que é em si
indivisível (cuja ideia também é única)? Não contradizem-se a multiplicidade dos atributos
(cujas ideias devem ser concebidas por si) que constituem a essência (cuja ideia é única) de
uma única substância, ou seja, a complexidade atributiva e a simplicidade substancial? Será
suficiente reparar esta formulação por razão da substância ser única, mas não simples?2
Com efeito, para avançarmos, a compreensão da P7EII, a evidência de sua
demonstração pelo axioma 4 da EI, a identidade da potência de pensar e de agir de Deus
obtidos no seu corolário e a conclusão do eseu scólio (porque Deus é constituído de infinitos
atributos, Ele é realmente causa das coisas tal como elas são em si mesmas), assim como dos
problemas que, segundo os leitores que recorrem à imagem do paralelismo para resolvê-los,
ela envolvem, exige-nos a atenção concentrada ao percuso dedutivo prévio, ao menos ao seus
movimentos gerais, no que diz respeito à EI, e pontual às seis propsições anteriores da EII.
3.
Partimos de uma divisão geral do De deo: as proposições 1 a 16 deduzem a essência
de Deus, as proposições 16 a 36 a sua potência3, pois ao nosso interesse de articular o início
da EII com a EI com o fim de apresentar a questão do paralelismo da P7EII, convém destacar
a dedução da potência divina. Paralelamente, entretanto, pontuamos uma divisão alternativa
do plano geral da EI, que esclarece a articulação entre substância, atributo e modo, também
necessária ao nosso intento4. Com a primeira série, sabemos que uma substância é aquilo que
é concebida por si mesmo (proposições 1 a 5), que é única (proposição 5), que é causa de si
2 Questões (que, a seguir, poderão ser ligadas aos problemas sobre a relação entre a P7EII e a natureza das
diversas ideias – em especial, a questão se a afirmação do paralelismo diz respeito à correspondência, no caso
de Guéroult e, em certo aspecto, de Deleuze, ou conveniência, no caso de Chaui, entre as coisas, como modos
da extensão, e suas ideias; em outras palavras, se o suposto paralelismo da P7EII responde à concordância
necessária entre ideias e seus ideados) cuja origem remontam às cartas 59, 63 (via Schuller) e 65, de
Tschirnhaus, e para as quais as resposta de Espinosa, na carta 66, são importantes para refletirmos sobre as
diversas soluções dos leitores. 3 Cf. CHAUI, 2000, p. 816: “O De Deo organiza-se em dois grandes movimentos. O primeiro dedica-se à
essência do absoluto; indo da proposição I, P1 à proposição I, P16, ocupa-se da demonstração da unicidade
substancial. O segundo volta-se para a potência absoluta; indo da proposição I, P17 à proposição I, P36, tem
por objeto a demonstração da causalidade eficiente imanente necessária, cuja condição é estabelecida pela
proposição I, P16”. A seguir (op. cit. p. 817) , esta divisão geral recebe suas subdivisões: O primeiro
movimento tem três etapas: dedução da essência e existência da substância infinita (proposições 1 a 8);
“demonstração da necessidade da essência da substância única como ser absolutamente infinito” (proposições
9 e 10); demonstração da existência e natureza de Deus (proposições 11 a 16). O segundo movimento tem, por
sua vez, três etapas: dedução da causalidade eficiente imanente (proposições 17 e 18); construção da ideia de
Natureza Naturante (proposições 19 e 20) e Natureza Naturada (proposições 21 a 29); por fim, identidade da
potência e essência de Deus (proposições 30 a 35) e necessidade causal da realidade inteira (proposição 31). 4 Cf. VIEIRA NETO, P. Real, existente e concreto: algumas considerações sobre a ontologia de Espinosa, USP,
2002, §8. Tese, aliás, com a qual pretendemos dialogar pontualmente em nossa pesquisa.
5
(proposições 6 e 7), que é absolutalmente infinita (proposição 8), que existe necessariamente
é constituído de infinitos atributos infinitos, os quais constituem a sua essência e são
concebidos por si (proposições 9 e 10), e que, portanto (pela definição 6), uma substância é
um ser absolutamente infinito, constituído de infinitos atributos, cada um dos quais exprime
uma essência eterna e infinita, ou seja, Deus (proposição 16). Os corolários da proposição 16
preparam a segunda série, pois por meio deles sabemos que Deus é causa eficiente (corolário
1), por si (corolário 2) e primeira (corolário 3) de tudo o que é existe, ou seja, de tudo que cai
sob o intelecto infinito, a saber, atributos e suas modificações. Por isso, com o início da
segunda série, passamos a saber que Deus é causa livre e imanente. Com efeito, só Ele é livre
(proposição 17), pois só Ele (conforme a definição 7) existe e age pela necessidade de sua
natureza , e, uma vez que, em primeiro lugar, tudo que existe e pode ser concebido existe e é
concebido por meio de Deus (proposição 15), ou seja, Ele é causa de todas as coisas
(corolário 1 da proposição 16), e em segundo lugar, como só Ele existe em si mesmo, ou seja,
só Ele é substância e, portanto, tudo o mais é ou atributo ou modo (proposição 14), então
Deus é causa imanente (proposição 18). Em um corte distinto, que no lugar de fazer uma
divisão geral da EI de acordo com o par essência-potência, faça um plano de acordo com as
articulações, no De deo, entre a substância, os atributos e seus modos, a série das proposições
1 a 18 integrariam um primeiro momento, no qual é deduzido o conteúdo concreto da ideia de
substância5.
A seguir, pelas proposições 19 a 21, passamos a saber que os atributos, por
constituirem a essência de Deus (definição 4), são constititivos da existência divina, isto é, da
causa eficiente imanente de todas as coisas, e, por exprimem a existência infinita de Deus
como produção de todo o real, são eternos e infnitos. O próximo par proposições deduzem
tudo o que se segue necessariamente na natureza de um atributo de Deus, a saber, os modos
infinitos imediatos (o que se segue da natureza absoluta de um atributo de Deus, pela
proposição 22) e os modos infinitos mediados (o que se segue de algum atributo modificado
por um modo infinito imediato, pela proposição 23).
A proposição seguinte, a 24, recapitula que os atributos de Deus e o que se segue
necessariamente deles, ou seja, tudo o que se segue necessariamente da essência de Deus,
existe necessariamente, pois, como vimos pela proposição 20, a essência e a existência de
Deus são uma só e mesma coisa e, portanto, a essência dos atributos e dos modos infinitos são
eternos e infinitos, logo, existem necessariamente; isto marca a distinção entre o que se segue
necessariamente da essência de Deus e o que é por Ele produzido: a essência das coisas
produzidas por Deus não envolve a existência, não são, portanto, causas de si, infinitos e
5 Cf. Idem, p. 45.
6
eternos. Mas fundamentalmente anuncia um novo movimento dedutivo (o que se evidencia,
ademais, pela demonstração que se apoia apenas na definição 1, isto é, sem recorrer às
preposições antecedentes), a saber, o da ordenação causal dos modos finitos. À distinção de
razão entre Deus, seus atributos e o que deles se seguem necessariamente (a distinção se dá,
como na explicação da definição 6, entre o que é absolutamente infinito e o que é infinito em
seu gênero), anuncia-se aqui, na proposição 24, a distinção real entre Deus e seus modos.
Assim, no corte alternativo ao nosso, o que privilegia a articulação entre o conteúdo concreto
da substância, dos atributos e dos modos, a proposição 24 fecha um segundo momento
(integrada pelas proosições 21 a 24) do De deo, com a função de distinguir o conteúdo das
três classes de modos (infinitos imediato e mediato e finito)6.
Na série das proposições 25 a 29, o De deo estabelece que todas (isto é,
independentemente do atributo a que pertencem) as coisas produzidas por Deus, ou seja, os
modos finitos, existem e são determinados a operar segundo a mesma ordem necessária.
Frisamos, então, que aqui iniciam-se as condições concretas para a leitura da P7EII, objeto de
nossa proposta de pesquisa. Neste sentido, pontuamos que o escólio da proposição que inicia
a série, o da proposição 25, afirma que ela se segue mais claramente da P16EII, ou seja, que a
dedução da ordem que rege os modos finitos pode ser lida iniciando-se pela P16EII e
prosseguindo-se da proposição 25 até a P29EI. Assim sendo, acerca da ordem causal que rege
necessariamente todos os modos finitos, sabemos, preliminarmente, pelo enunciado da
proposição, que da necessidade da natureza divina (pela def. 1, o que é causa de si; pela
definição 3, o que existe em si e é concebido por si; pela definição 6, o que é absolutamente
infinito) devem se seguir infinitas coisas de infinitas maneiras (ou seja, tudo o que existe, a
saber, infinitos atributos e suas infinitas modificações), portanto, tudo que pode ser
concebido, ou seja, todas as coisas (ou tudo o que cai sob o intelecto infinito); e através de
seus corolários, que Deus é causa de todas as coisas (pois é infinito), é causa por si (sua
potência é absoluta e, portanto, não age por causas intermediárias) e em si (é causa primeira,
portanto, causa de si). Por isso, o escólio da P25EI diz que, agora, sabemos que Deus é causa
de si mesmo, mas também de todas as coisas. Por que esta retomada, se já sabíamos, desde a
P16EI, que Deus é causa absoluta, por si e em si? Porque agora, isto é, nesta série de
proposições, deduz-se a ordem causal das coisas cuja essência não envolve a existência, ou
seja, dos modos finitos (demonstrado na proposição prescedente), que, como sabemos,
integram o enunciado da P7EII: as ideias e as coisas. De acordo com a divisão alternativa,
como exposta no parágrafo anterior, a P24EII termina de deduzir o conteúdo das três classe de
modos e, portanto, permite que, a partir desta proposição, Espinosa deduza a potência divina
6 Idem, p. 49.
7
em relação com seus modos, em concreto, com os modos finitos. Aqui está, portanto, a
necessidade de recapitular a P16EII: Da demonstração universal de que Deus é causa de todas
as coisas, agora opera-se a dedução desta ordem causal nos seres cuja essência e existência
não são idênticas e se envolvem mutuamente.
A existência dos modos não se seguem de sua essência (prop. 24), diversamente,
Deus é causa de suas existências e de suas essências (prop. 25); se a sua essência não
determina a sua existência, ou seja, seu modo de operar, então é detarminada, em seu ser e em
seu operar, por outro, isto é, pela ordem de produção divina (primeira parte da prop. 26); pelo
corolário da prop. 24, sabemos que o que é produzido por Deus, depende de Deus, ou seja, de
sua causa, não apenas pra começar a existir mas também para perseverar em seu ser e,
portanto, não pode determinar a si mesmo (segunda parte da prop. 26) ou deixar de ser
determinado por Deus, isto é, pela ordem da produção divina, e passar a ser indeterminado
(prop. 27). A proposição 28 responde à questão segundo a qual uma coisa singular, com
existência finita e determinada, não pode ter sido produzida por um atributo, infinito e eterno,
pois, pela proposição 21, tudo o que se segue necessariamente da natureza absoluta de um
atributo de Deus, existe necessariamente e é infinito. A primeira parte da demonstração
responde que uma coisa singular só pode ter sido produzida por um atributo, enquanto este é
modificado por uma modificação que é finita e tem existência determinada; a segunda, que
essa causa (modificação finita e determinada), por sua vez, só pode ter sido produzida por
outra modificação finita e determinada. O escólio adverte, no entanto, que Deus não é causa
remota dos modos finitos não são, não obstante a demonstração tenha afirmado que Deus não
os causa imediatamente. Isto posto, a proposição seguinte (prop. 29) anuncia a dedução da
abrangência completa da ordem causal divina: nada existe de contingente, tudo é determinado
não apenas a existir, mas também a operar de maneira definida e determinada. Mas antes de
passar à nova série, esta é preparada pelo escólio da proposição 29, que anuncia a distinção
entre natureza naturante e natureza naturada: a primeira é Deus, “enquanto é considerado
causa livre), a segunda, os modos. A distinção, neste traço geral, apoia-se na distinção entre o
que é em si e por si mesmo é concebido e o que é outro, por meio do qual também é
concebido. E é particularemente importante para nossa questão porque lança luz à P16EI,
segundo a qual tudo o que cai sob o intelecto infinito, segue-se necessariamente da natureza
divina.
O próximo par de proposições têm como função, dentro da ordem dedutiva do De
Deo, em específico dentro da série que deduz a potência de Deus e a ordem causal que se
segue necessariamente da essência divina, ou seja, a identidade entre Sua essência e potência,
e logo após introduzir a distinção entre natureza naturante e naturada, possível pela dedução
8
do conteúdo concreto da substância, dos atributos e dos modos, demonstrar “por que intelecto
e vontade não são atributos divinos” (CHAUI, 2000, p. 817) e, assim, “as proposições I, P30 a
I, 32, encarregam-se de demolir os andaimes e arrancar os alicerces dessa tradição em que o
intelecto e a vontade criadores são imaginados como atributos da essência e potência do ser
absolutamente infinito” (CHAUI, 2000, p. 902). Isto, porque as proposições 30 e 31
determinam o conteúdo do intelecto, seja ele finito ou infinito, a saber, os atributos e os seus
modos. A demonstração da proposição, o intelecto deve abranger, apenas, os atributos e as
afecções de Deus, apoia-se no axioma 6, uma ideia verdadeira deve concordar com seu
ideado, e identifica o conteúdo deste axioma com a concordância necessária do que está
objetivamente no intelecto com o que existe necessariamente na natureza. Ora, o que até aqui
fora demonstrado como existindo necessariamente? Pelas proposições 14 e 15, Deus e suas
afecções. Por isso, “um intelecto em ato, infinito ou finito, não pensa coisas possíveis, mas
reais, não pensa coisas contingentes, mas necessárias, uma vez que a idéia verdadeira deve
convir com seu ideado, o qual existe necessariamente fora do intelecto; e fora do intelecto só
existem a substância e os modos da substância” (CHAUI, 2000, p. 903). Disto se segue
(proposição 32), primordialmente, que o intelecto em ato é um modo definido de pensar, pois,
pela demonstração da proposição prescedente, o intelecto infinito não se confunde com o
pensamento absoluto (atributo pensamento), mas é uma expressão determinada dele. Ora, por
isso a demonstração evoca a proposição 28, que, como vimos, demonstrou que toda coisa
singular tem como causa outra coisa singular, e, portanto, a vontade não pode ser chamada
causa livre, mas unicamente necessária.
Dentro do escopo desta parte do De deo, a proposição 32 determina contra uma longa
tradição, que a vontade não é livre, mas, como outro qualquer modo determinado, precisa ser
explicada como causada. Isto significa, em primeiro lugar, que Deus não causa
contigentemente e, por isso, a proposição 33 afirma que as coisas produzidas por Deus não
poderiam ter sido produzidas de outra maneira ou outra ordem. À demonstração por absurdo
(Deus poder ter produzido as coisas de outra maneira e em outra ordem nega a proposição 16,
pela qual tudo se segue necessariamente de Sua natureza e, justamente pela necessidade desta
natureza – ser absolutamente infinito –, tudo por Ele produzido é e é deteminado a operar de
maneira definida, pela prop. 29, portanto, pela hipótese, seria necessário que Deus mudasse
ou tivesse outra natureza ou na natureza das coisa houvesse duas ou mais substâncias, pela
prop. 11, e, assim, poderiam existir dois ou mais deuses, absurdo pela prop. 14), seguem-se
dois longos escólios.
As três últimas proposições do De Deo, 34 a 36, deduzem a ordem necessária do
real como decorrência da essência da natureza naturante e da identidade entre potência e
9
essência de Deus ou, ainda, entre o conteúdo do intelecto, infinito e finito, com a vontade, isto
é, com a potência de Deus. Com elas, a ordem necessária das coisas produzidas (natureza
naturada) é expresão da produção causal de todas coisas pela potência de Deus (natureza
naturante). Como enuncia a demonstração da proposição 34, Deus é, pela necessidade de sua
essência (unicidade e existência necessária do ser absolutamente infinito), causa de si e de
todas as coisas; o que vale dizer, todas as coisas são, e o são necessariamente como são,
porque Deus necessariamente, é, em si e por si.
De acordo com VIEIRA NETO (2002), isto significa que a totalidade aparece no De
Deo sob duas figuras: como ordem completa do real, isto é, substância, atributo, modos na
ordem causal imanente à sua produção ontológica; como conteúdo do intelecto infinito, isto é,
ordem completa das ideias (ideias de substância, atribudo e modos na ordem imanente de sua
implicação recíproca). A identidade da natureza, sob estas duas figuras, é perfeita como
ordem completa que se perfaz, no mesmo ato, em ordem das coisas e ordem das ideias. Neste
sentido, a P18EI é o núcleo fundamental da identidade da natureza, como ordo rerum (vínculo
real, formal das coisas) e como ordo idearum (implicação ou vínculo objetivo), quando deduz
a potência de Deus, logo, sua essência, como causa imanente de todas as coisas.
4.
Martial Guéroult, em seu Spinoza, L’Âme (Éthique, 2), divide a dedução da essência
do homem, primeira série das proposições da EII (proposições 1-13), em três etapas: dedução
do pensamento e da extensão como atributos divinos (proposições 1 e 2); dedução do intelecto
(l’entendement) divino, das suas ideias e do paralelismo (proposições 3 a 8); e dedução da
essência da alma e do homem (proposições 9 a 13)7.
A primeira etapa impõe-se pela ordem dedução, pois se o que se deduzirá é o
conhecimento adequado da essência formal de certos atributos, justamente, pensamento e
extensão, antes é necessário deduzir o conceito adequado destes atributos. Pela demonstração
da P1EII, os pensamentos singulares são afecções dos atributos de Deus (pois, pelo escólio da
P25EI, as coisas particulares são afecções, ou seja, modos pelos quais Deus se exprime de
maneira certa e definida), por isso, envolvem um atributo que pertence à essência de Deus e,
portanto, o pensamento é um atributo de Deus, o que significa: Deus é uma coisa pensante.
Segundo Guéroult (1972, p. 38, trad. livre nossa):
Os pensamentos singulares envolvem o conceito de Pensamento, pois este,
sendo “como o gênero em relação à definição” e, ao mesmo tempo, sua
7 GUÉROULT, 1972, p. 37.
10
causa próxima, é o por ele que aqueles podem ser concebidos. Do fato que
eles se concebem pelo Pensamento como sendo as afecções de uma
substância (cf. Def. 5), o Pensamento é uma essência eterna e infinita de
Deus, portanto, um de seus atributos, [e] a denominação de Coisa Pensante
confirma que o pensamento é um atributo de Deus e não seu fenômeno.8
A P2EII, a extensão é um atributo de Deus, ou seja, Deus é uma coisa extensa, é
demonstrada, escreve Espinosa, pelo mesmo procedimento da demonstração da P1EII.
Notamos aqui a objeção de Guéroult (1972, p. 40): “A demonstração da Proposição 2, no
escólio (ver nota 8), não pode, a rigor, ter a mesma forma (se calquer) que a da Proposição 1,
porque, diferentemente do atributo pensamento, o atributo extensão não pode ter mais que
uma infinidade, e não uma infinidade infinitamente infinita, de modos”. Esta objeção se
desdobra na seção seguinte de seu comentário, quando ele argumenta que tal demonstração
não é impermeável a objeções idealistas, de cariz cartesiana.
A segunda etapa da dedução da essência do homem, formada pelas proposições 3 a
8, deduz os atributos pensamento e extensão como “potência, causa eficiente e interna de seus
modos” (Guéroult, 1972, p. 47), ou seja, porque o poder dos atributos é potência de pensar e
ser extenso, e a última parte do De Deo demonstrara que a potência é idêntica à causa
eficiente, a essência dos atributos é o seu poder de produção dos modos, ideias e coisas. Na
mesma ordem que a da parte I, a parte II da Ética procede da dedução da essência dos
atributos à de sua potência. Deduzida, na primeira etapa desta primeira parte da EII, a
essência de dois atributos que explicam a essência do homem, a segunda etapa que se inicia –
e que Guéroult definiu como dedução do paralelismo – deduzindo a sua potência. Por isso, ato
contínuo, as proposições 3 a 5, deduz a realidade (ou seja, demonstra como ela é produzida)
das ideias (ser formal) das ideias da essência de Deus, enquanto considerado coisa pensante,
isto é, mostra que as ideias, em sua formalidade, seguem-se do atributo pensamento, não de
seus ideados (final da demonstração da proposição 3). É notável aqui, antes de passarmos à
P6EII, que Espinosa oferece a dedução da essência humana pela potência (causa eficiente) do
atributo pensamento, mas não faz o mesmo em relação ao atributo extensão. Teríamos aqui
um ponto de apoio às leituras, como a de Guéroult, segundo as quais o atributo pensamento
possui um primado, para nós, coisas finitas, sobre os demais atributos, uma vez que as coisas
extensas são conhecidas por suas ideias e essas, como acabou de se demonstrar, não podem
ser concebidas por outro atributo que não o pensamento? Não, se entendermos que, tal como
8 A seguir, Guéroult discute a natureza a posteriori desta demonstração e a do escólio subsequente, a qual,
segundo ele, é subsidiária e apenas aparentemente a priori, sem total poder de prova e, por isso, “rejetée em
marge, dans um Scolie”. Esta desqualificação da demonstração do escólio – que Espinosa considera evidente -,
desdobra-se numa remissão à P16EI e na conclusão segundo a qual esta demonstração só poderá ser completa
no corolário da P7EII
11
no par de proposições da etapa anterior (proposições 1 e 2), a demonstração do que se segue
do atributo extensão é a mesma que a do atributo pensamento e, portanto, do mesmo modo
que não era necessário repetir o procedimento demonstrativo da P1EII na P2EII, o que se
demonstra sobre a potência do atributo pensamento como explicação da essência do homem
como coisa pensante, é o mesmo que se pode demonstrar sobre a potência do atributo extesão
como explicação da essência do homem como coisa extensa.
O que essencialmente se demonstrou até aqui, na P5EII? Duas coisas: que os modos
finitos dos atributos, ou seja, no caso da essência do homem, coisas e ideias, não são
produzidos por seus ideados, mas pelo contrário só podem ser explicados como afecções dos
atributos divinos; que pensamento e extensão sendo cada qual atributos de Deus e, como cada
atributo deve ser concebido por si mesmo (pela prop. 10 da EI), as coisas extensas não são
explicadas (isto quer dizer, aqui, precisamente: sua produção, ou sua existência real, ou a
causa eficiente de seu ser) pelo atributo pensamento, e vice-versa. Por isso, o enunciado da
proposição 6, os modos de qualquer atributo têm Deus por causa, enquanto ele é considerado
exclusivamente sob o atributo do que eles são modos e não enquanto é considerado sob
algum outro atributo. E sua explicação: “as coisas ideadas se seguem e se deduzem de seus
respectivos atributos, da mesma maneira, conforme mostramos, que as ideias se seguem do
atributo pensamento, e com a mesma necessidade” (Espinosa, 2013, p. 55).
Isto ponto, retomemos o enunciado da P7EII: A ordem e a conexão das ideias é o
mesmo que a ordem e a conexão das coisas. A demonstração é curta estabelece o problema de
sua leitura: isso é evidente pelo axioma 4 do De Deo: a cognição do efeito depende da
cognição da causa e envolve esta última. Isto é, o conhecimento da ordem e conexão das
ideias e das coisas depende do conhecimento da causa desta ordem. Qual é esta causa? – Que
da necessidade da natureza divina deve se seguir infinitas coisa de infinitas maneiras
(P16EI). A P33EI, por sua vez, demonstrou que esta ordem – a saber, infinitas coisas se
seguindo de infinitas maneiras – não pode ser outra que a potência de Deus produzindo as
coisas de maneira definida e determina. O corolário, por sua vez, apoiado em P20EI, lembra-
nos que potência de pensar de Deus (realidade objetiva) e sua potência de agir (realidade
formal) são uma única e mesma coisa; e, portanto, que tudo o que se segue, formalmente (isto
é, pela P15EI, tudo o que existe, existe em Deus e sem Deus nada pode existir nem ser
concebido), da natureza infinita de Deus (ente absolutamente infinito: existente em si e
inteligível por si) segue-se (P16EI), objetivamente, em Deus, na mesma ordem e segundo a
mesma conexão, da ideia de Deus. A seguir, o escólio, recorrendo à P20EI, explica que tudo o
que um intelecto infinito (primeira parte da demonstração da P16EI) pode conceber constitui
a essência da substância e, portanto, pelo corolário da P15EI, da ideia única de Deus;
12
consequentemente (pela def. 4 da EI), o que é percebido pelo intelecto como constituindo a
essência de Deus. Assim, pela demonstração da P15EI, os modos dos atributos pensamento e
extensão, ideias e coisas, são “uma só e mesma coisa, que se exprime, entretanto, de duas
maneiras” (ESPINOSA, 2013, p. 55).
Segundo Guéroult (1972, p. 70), a P7EII envolve três sortes de paralelismo, desde a
análise de três modos de se conceber as ideias:
A ideia considerada como essência objetiva ou representação de uma outra
coisa que não seja um modo do Pensamento. Neste aspecto da ideia
corresponde o paralelismo extra-cogitativo;
A ideia considerada como essência formal (...). Neste aspecto, a ideia
corresponde à primeira forma do paralelismo intra-cogitativo;
A idéia considerada em sua forma ou natureza, "a ideia da ideia não sendo
nada outro que a forma da ideia" (...). Neste aspecto da ideia corresponde a
segunda forma do paralelismo intra-cogitativo.9
A posição de Guéroult foi criticada, sem citá-lo nominalmente, por Chaui (2000,
pp.736-40), para a qual a leitura P7EII, por parte de Guéroult, entende que a sua explicação se
dá, primordialmente, do ponto de vista das ideias. Identificando a origem desta leitura nas
dúvida de Tschirnhaus (cf. nota 2, supra) e, a partir dela, na interpretação da P7EII pelo
Idealismo Alemão, o seu ponto nevrálvico é “igualdade da potência de agir e da potência e
pensar como prova da superioridade do pensamento” e no julgamento segundo o qual “o
pensamento seria, afinal, a única e verdade potência de agir” (CHAUI, 2000, p. 736). “Desde
então”, prossegue Chaui, “os comentadores discutem se o atributo pensamento teria uma
amplitude maior do que a dos outros atributos porque sua potência seria tripla” (idem,
ibidem). Assim, a crítica não nomeada a Guéroult, define-se pelo paralelo entre a tipificação
tripartite do comentador francês acerca do paralelismo e a tripla potência do atributo
pensamento (idem, ibidem):
1) Como os outros atributos, é uma potência de agir que produz as ideias
enquanto modos reais ou essências formais (as mentes) [para Guéroult, a
primeira forma do paralelismo intra-cogitativo]; 2) mas, além disso, ele é a
potência que produz as idéias dos modos produzidos por todos os outros
atributos, isto é, produz as essências formais (ou modos reais) de outros
atributos [para Guéroult, a forma do paralelismo extra-cogitativo]; 3) e,
finalmente, ele é uma potência reflexiva porque as ideias produzidas
enquanto seres formais (as mentes) são capazes de pensar a si mesmas como
essências objetivas (ideias das ideias) e somente a reflexão é ciência ou o
saber certo, saber do saber [para Guéroult, segunda forma do paralelismo
intra-cogitativo].
9 Seguimos aqui a tradução e recorte feitas por ITOKAZU (2008, p. 58), com uma variação: cogitatif por
cogitativo, no lugar de cognitivo.
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Esta interpretação representada aqui por Guéroult deve-se à aplicação à filosofia de
Espinosa de uma noção que lhe é estranha, a de parelelismo e seu pecado capital deve-se ao
fato de supor que os atributos e os modos são paralelos e, como o atributo é potência de
produção de ideias, mas também e só ele potência de reflexão. Assim, “obviamente o sistema
se desiquilibra” (CHAUI, 2000, p. 737). Mas esta é apenas o aspecto negativo da leitura de
CHAUI sobre a P7EII e a questão do paralelismo. Sua leitura positiva está em outro lugar: na
atenta análise à noção espinosana de ordem imanente (CHAUI, 2000, pp. 566-98) e, em
concreto, ao tratamento dado pelo filósofo ao conceito polissémico de ordem. Por esta via,
Chaui revisa a distinção trabalhada, ao longo do Tratado da Emenda do Intelecto (TIE), entre
ordo vitae communis (imersa na dispersão do modo de percepção imaginativo) e a nova ordo
vitae meae (do intelecto emendado, pela via reta do terceito e quarto modo de percepção), esta
unicamente pela qual a ordem das coisas percebidas é a mesma que a ordem da Natureza. É
assim que se perfaz, como diz o §41 do TIE (2015, p. 49), a ideia comporta-se objetivamente
do mesmo modo que o próprio ideado comporta-se realmente, e a P1EV, da mesma maneira
que se ordenam e se concatenam os pensamentos e as ideias na mente que também se
ordenam e se concatenam as afecções do corpo.
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