22
Projeto de Extensão Universitária de Matemática: Contribuições do Psicólogo Escolar e Educacional O objetivo do presente trabalho foi verificar como o psicólogo escolar e educacional pode contribuir com um projeto de extensão universitária, especialmente de matemática. Sua fundamentação teórica versa sobre a Psicologia Escolar e Educacional, a Extensão Universitária e a Psicologia da Educação Matemática. Os participantes foram seis crianças, alunos do 3° ao 5° anos do Ensino Fundamental de um Colégio de Aplicação de uma Instituição de Ensino Superior, com faixa etária entre 9 e 13 anos de idade. Foram realizados 5 encontros com as crianças, entrevistas com as mesmas e com seus respectivos pais. Detectou-se a existência de fatores prejudiciais à aprendizagem dos alunos, levantando-se possíveis atuações do psicólogo escolar e educacional nesse contexto. Por fim, apontou-se a necessidade de maiores estudos na área. Palavras-chave: Psicologia escolar e educacional, Extensão universitária, Psicologia da educação matemática.

Projeto de Extensão Universitária de Matemática ...newpsi.bvs-psi.org.br/tcc/Larissa Goulart Rodrigues.pdf · – definição e características; e a Psicologia da Educação Matemática,

Embed Size (px)

Citation preview

Projeto de Extensão Universitária de Matemática: Contribuições do Psicólogo Escolar e Educacional

O objetivo do presente trabalho foi verificar como o psicólogo escolar e educacional pode contribuir com um projeto de extensão universitária, especialmente de matemática. Sua fundamentação teórica versa sobre a Psicologia Escolar e Educacional, a Extensão Universitária e a Psicologia da Educação Matemática. Os participantes foram seis crianças, alunos do 3° ao 5° anos do Ensino Fundamental de um Colégio de Aplicação de uma Instituição de Ensino Superior, com faixa etária entre 9 e 13 anos de idade. Foram realizados 5 encontros com as crianças, entrevistas com as mesmas e com seus respectivos pais. Detectou-se a existência de fatores prejudiciais à aprendizagem dos alunos, levantando-se possíveis atuações do psicólogo escolar e educacional nesse contexto. Por fim, apontou-se a necessidade de maiores estudos na área.

Palavras-chave: Psicologia escolar e educacional, Extensão universitária, Psicologia da educação matemática.

Projeto de Extensão Universitária de Matemática: Contribuições do Psicólogo Escolar e Educacional

Larissa Goulart Rodrigues

Artigo apresentado ao Centro de Estudos, Pesquisa e Prática Psicológica do Departamento de Psicologia da Universidade Católica de Goiás como requisito parcial para a obtenção do grau de psicólogo.

Aprovado em 07 de dezembro de 2007. Banca Examinadora:

Gizele G. P. Elias, Ms. Presidente da Banca: Professora-Orientadora

Celma R. G. da Silva Profissional de Campo

Noecyr T. M. Chaves, Ms. Professora Convidada

INTRODUÇÃO

O presente trabalho trata da atuação do psicólogo escolar e educacional em um projeto

de extensão universitária de matemática, vinculado a um Colégio de Aplicação de uma

Instituição de Ensino Superior.

Para análise dessa temática, são abordados três tópicos: a Psicologia Escolar e

Educacional – o que é, seu histórico, suas possibilidades de atuação; a Extensão Universitária

– definição e características; e a Psicologia da Educação Matemática, que tem na teoria de

Piaget sustentação para abordar a construção do conhecimento lógico-matemático, a qual dará

margem para discussão acerca do desenvolvimento dos participantes do projeto de extensão.

A PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL

A Psicologia Escolar e Educacional é, atualmente, uma das áreas de atuação da

Psicologia que mais absorve profissionais (11%), ficando atrás apenas da Clínica (17%) e da

Organizacional (55%), segundo dados do Conselho Federal de Psicologia (2004).

De acordo com a Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional –

ABRAPEE (2007), os profissionais dessa área podem atuar em instituições escolares e

educativas, bem como se dedicarem ao ensino e à pesquisa na interface da Psicologia com a

Educação. Assim, abordam temáticas como: processos de ensino e aprendizagem,

desenvolvimento humano, escolarização em todos os seus níveis, inclusão de pessoas com

deficiências, políticas públicas em educação, gestão psicoeducacional em instituições,

avaliação psicológica, história da psicologia escolar, formação continuada de professores,

dentre outros.

As temáticas abordadas na atuação do psicólogo escolar e educacional encontram-se

refletidas em uma pesquisa realizada por Joly et al (2003), as quais analisaram a produção

científica da área no ‘I Congresso Brasileiro de Psicologia Ciência e Profissão’. Tais autoras

constataram que 14,1% dos trabalhos se referiam a outras áreas (que não as posteriores);

12,5% à temática das necessidades especiais; 11,1% à formação do educador; 11,1% à

orientação profissional; 10,5% ao ensino superior; 9,9% ao ensino fundamental; 9,5% à

educação infantil – creche; 3,9% ao ensino da psicologia; 3,2% ao ensino médio; 2,9% ao

fracasso escolar; 2,6% à leitura e escrita; 2,6% à prevenção; 2,6% à pré-escola; 2,3% à

tecnologia educacional; e 0,9% à educação informal.

A Psicologia Escolar é, então, descrita por Mitjáns Martinez (2003) como:

um campo de atuação profissional do psicólogo (e eventualmente, de produção científica) caracterizado pela utilização da psicologia no contexto escolar, com o objetivo de contribuir para otimizar o processo educativo, entendido este como complexo processo de transmissão cultural e de espaço de desenvolvimento da subjetividade (p. 115).

Maluf (2001) aponta a existência de um debate sobre a terminologia usada para

identificar essa área de atuação. Sem ampliar tal discussão, a autora distingue Psicologia da

Educação, como a psicologia realizada em meios educacionais, da Psicologia Escolar e da

Psicologia Educacional, de modo que as duas últimas remetem à psicologia aplicada

diretamente nas escolas. Apesar desses termos serem tratados de maneira equivalente, a

Psicologia Educacional é tida como mais abrangente que a Psicologia Escolar.

Autores como Antunes (2003) apontam o encontro da Psicologia com a Educação, já

no período colonial, como um marco para o surgimento da Psicologia Escolar e Educacional.

Todavia, a maior proximidade entre essas duas ciências ocorreu na década de 1960,

quando foi reconhecida a profissão de psicólogo, surgindo as primeiras turmas de psicólogos,

as quais tinham como disciplina “Psicologia do Escolar e Problemas de Aprendizagem”. Seus

parâmetros eram bem distintos da forma que a Psicologia Escolar viria a assumir anos depois.

Nesse contexto o foco estava em exames das dificuldades de aprendizagem por meio dos

testes (Patto, 1997; Pandolfi, 1999).

A seguir, Almeida e Guzzo (1992, citados por Pandolfi, 1999) descrevem um período

em que a atuação do psicólogo escolar estava voltada à orientação profissional, na qual se

auxiliava o jovem a procurar, entre as profissões, aquelas que mais se ajustavam às suas

possibilidades e gostos. Somente num terceiro momento é que o psicólogo se insere

diretamente no ambiente escolar, de modo a explicar, na teoria e na prática, a aprendizagem

humana. Assim consolida-se a visão conservadora e adaptacionista que embasou por décadas

o trabalho do psicólogo escolar, cujo papel consistia em tratar alunos-problemas e devolvê-los

à sala de aula bem ajustados.

Almeida e Marinho-Araujo (2005) corroboram este fato, apontando que devido à

ampliação do sistema educacional e às conseqüentes solicitações por serviços de atendimento

a alunos, a Psicologia acabou por constituir-se em uma prática profissional mais

sistematicamente presente nas escolas, “ainda que marcada por objetivos fortemente

adaptacionistas” (Tanamachi, 2000, citada por Almeida e Marinho-Araujo, 2005, p. 14).

Assim, Maluf (1992, 1994, citada por Almeida e Marinho-Araujo, 2005) declara que o

psicólogo escolar ou psicólogo educacional surgiu como uma figura com identidade pouco

definida, destinado a resolver situações-problemas das escolas.

Segundo Antunes (2003), logo começaram a emergir críticas em relação a essa

atuação do psicólogo escolar, considerada como eminentemente clínica por se ocupar do

atendimento individual, fora da sala de aula. Almeida e Guzzo (1992, citados por Pandolfi,

1999) citam ainda que logo a educação passou a ser vista como processo de desenvolvimento

integral do indivíduo e das suas relações, e que a psicologia passou a preocupar-se mais com a

promoção do desenvolvimento psicológico, a prevenção e a qualidade de vida dos indivíduos

e grupos.

O psicólogo escolar passa, então, a explicitar como a prática educativa pode afetar

positiva ou negativamente o desenvolvimento humano, realizando consultoria junto a outros

profissionais da escola, em atividades e momentos que não os de consulta psicológica. Dessa

forma consolida-se uma atuação “cada vez mais dirigida para as relações e os sistemas de

interação existentes no interior da escola, na comunidade e no todo social” (Almeida e Guzzo,

1992, citados por Pandolfi, 1999, p.33).

Para Almeida e Marinho-Araujo (2005), a Psicologia Escolar privilegia “a

compreensão dialética da relação entre o indivíduo, enquanto sujeito de sua história, e o

contexto sociocultural” (p. 17). Araújo (1995, citada por Almeida e Marinho-Araujo, 2005)

complementa que, sendo a educação espaço de formação do ser humano, é preciso considerar

as questões socioculturais e afetivo-emocionais na formação da sua subjetividade, de modo a

se propor alternativas de construção desse espaço que superem os problemas existentes e

contribuam para a ocorrência de situações de sucesso no desenvolvimento pessoal e coletivo.

Atualmente, então, segundo Mitjáns Martinez (2007), um psicólogo escolar pode

exercer funções “tradicionais” como: avaliação, diagnóstico e encaminhamento de alunos com

dificuldades escolares; orientação a alunos e pais; orientação profissional; orientação sexual;

formação e orientação a professores; elaboração e coordenação de projetos educativos

específicos.

O psicólogo escolar pode, ainda, exercer outras funções tidas por Mitjáns Martinez

(2007) como emergentes: assessoria para a elaboração, implementação e avaliação da

Proposta Pedagógica da escola; assessoria e participação no processo de seleção dos membros

da equipe pedagógica e de avaliação dos resultados do trabalho docente; contribuição para a

formação técnica e para a coesão da equipe de direção pedagógica; realização da análise

institucional e muito especialmente dos aspectos da subjetividade social da instituição escolar;

coordenação de disciplinas e oficinas direcionadas ao desenvolvimento integral dos alunos;

caracterização da população estudantil; realização de pesquisas diversas com objetivo de

melhorar o processo educativo e, por fim, facilitar de forma crítica, reflexiva e criativa a

implementação das políticas públicas.

Almeida e Marinho-Araujo (2005) ressaltam que a atuação do psicólogo no contexto

escolar deve possuir caráter preventivo. Assim, elas propõem quatro ações que podem

contribuir com uma intervenção dinâmica, participativa e sistemática na instituição, a saber:

mapeamento institucional, espaço de escuta psicológica, assessoria ao trabalho coletivo e

acompanhamento ao processo ensino-aprendizagem. Com tais ações espera-se potencializar

uma atuação de combate às dificuldades de aprendizagem e às outras manifestações do

fracasso escolar.

De acordo com Meira (2000):

os profissionais que desenvolvem atividades de atendimento individual ou em grupo podem ter um papel importante na transformação da realidade escolar, desde que não se limitem a trabalhar com os alunos que foram encaminhados com queixas escolares, mas procurem também trabalhar com as famílias e escolas (p.65).

No caso do aluno, deve-se buscar todo o contexto do encaminhamento, para o resgate

do sentido do conhecimento enquanto meio de compreender e transformar a realidade,

quebrando o rótulo de incompetência, para além de eliminar obstáculos, desenvolver

potencialidades (Meira, 2000).

Quanto aos pais, Meira (2000) enfatiza a importância da reflexão do papel social da

escola, a compreensão da origem da dificuldade de seus filhos e uma maior participação dos

pais na escola, garantindo ensino de qualidade.

Por fim, Meira (2000) diz que, com os professores, os psicólogos escolares devem

discutir o caso, acabar com explicações psicologizantes, através dos sólidos conhecimentos da

Psicologia, reorganizar o trabalho docente, resgatar o papel ativo e dirigente do professor.

A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

Conforme Portal UFG – Universidade Federal de Goiás (2007), a extensão

universitária “é o momento em que a sociedade sistematiza, apóia e acompanha as ações que

visam sua integração/interação com os serviços prestados à população, através de políticas

públicas nas áreas de saúde, educação básica, zoneamento urbano, habitação popular, etc”.

É a articulação da extensão universitária com o ensino e a pesquisa que possibilitam a

integração da universidade com a comunidade. É papel da universidade desenvolver projetos

sociais voltados para as necessidades humanas básicas, bem como incentivar a produção

artística e cultural. Também é função da universidade resgatar o papel socializador da escola,

ampliando valores da democracia, cidadania, compreensão, respeito e convivência pacífica

em relação às diferenças étnicas e de gênero (Universidade Federal de Goiás, 2007).

As ações de extensão universitárias podem se apresentar na forma de prestação de

serviços, cursos, eventos ou projetos, que se propõem a beneficiar a comunidade. Podem ser

ações específicas, contínuas ou eventuais, com carga horária inferior a 40 horas (Universidade

Federal de Goiás, 2007).

A PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

Falcão (2003) afirma que a Psicologia da Educação Matemática surgiu:

de um esforço da psicologia (ou de algumas de suas “psicologias” constituintes, como a psicologia da aprendizagem, da conceptualização, da resolução de problemas e do desenvolvimento) no sentido de oferecer subsídios mais robustos para a teorização e pesquisa no âmbito da educação matemática (p. 44).

Assim, a Psicologia da Educação Matemática, conforme expõe Falcão (2003),

caracteriza-se como um domínio recente de pesquisa, reflexão teórica e aplicação prática, cujo

foco de análise é a atividade matemática.

Dentre outras temáticas, podem ser desenvolvidas pesquisas, nessa área, sobre a

influência de dispositivos didáticos no processo de significação e ampliação conceitual, sobre

a importância da atividade discursivo-argumentativa como contexto de desenvolvimento

conceitual em matemática e, ainda, sobre o lugar da afetividade na atividade matemática

escolar (Falcão, 2003).

Em relação à conceptualização matemática, Piaget (1970, citado por Falcão, 2003)

coloca que “o instrumento fundamental no processo de desenvolvimento da cognição não é a

percepção, como propõe a perspectiva empirista, mas a ação” (p.25). Esse mesmo autor revela

que a aritmética representa um campo de trabalho mais acessível que a álgebra, pois seus (da

aritmética) procedimentos de resolução de problemas a tornam mais ligada ao concreto.

Kamii (1990) aponta a importância do contexto geral do pensamento no dia-a-dia para

a construção do número pela criança. Vygotsky (1985, citado por Falcão, 2003) discute a

relação entre conceitos científicos e conceitos espontâneos, ou seja, a interação entre os

conhecimentos constituídos socioculturalmente, que tem a escola como um importante vetor

de transmissão, e os conhecimentos de cada indivíduo.

Falcão (2003) explicita que, para os alunos, a construção e utilização dos conceitos

matemáticos sempre se referem a situações concretas, que contextualizam, e são fortemente

condicionadas pelos suportes simbólicos disponíveis. Dessa forma, o ensino de conceitos

matemáticos demanda uma consideração cuidadosa dos possíveis obstáculos epistemológicos

a vencer, da negociação com o professor e dos contratos a conservar, reforçar ou introduzir.

Segundo Falcão (2003), as peculiaridades dos meios de simbolização, em especial a

linguagem, influem no processo da representação simbólica dos conceitos: “a simbolização

não pode ser vista independentemente das questões de conceptualização: o mundo não é

construído pela linguagem, e sim com a linguagem, que é precedida pela ação, pelo gesto,

pela imagem mental” (p. 48).

Para Falcão (2003), uma direção de elaboração teórica e encaminhamento de pesquisa

promissora é aquela que considera a atividade psicológica de construção de significado em

matemática em suas múltiplas dimensões interligadas, sendo uma delas a dimensão afetiva.

Vygotsky (1996, citado por Falcão, 2003) já atentava para a necessidade de uma abordagem

dualista superando a abordagem monista, a qual tratasse afetividade e cognição de forma

processual e dialética.

Falcão (2003) apresenta uma pesquisa acerca da conexão entre aspectos afetivos e

cognitivos, realizada com crianças de 12 a 14 anos de idade, alunos da 5ª série do Ensino

Fundamental de uma escola pública estadual, na cidade do Recife. Seus resultados destacaram

que crianças com auto-estima elevada apresentaram um padrão de trabalho cooperativo e

nível de desempenho nos problemas de avaliação (em matemática) significativamente

superior às demais crianças; enquanto aquelas que estavam com auto-estima baixa

demonstraram padrão de trabalho mais individualista e não-cooperativo e nível de

desempenho dos problemas de avaliação significativamente inferior às outras crianças.

Um recurso didático importante para a construção de significado em matemática, de

acordo com Falcão (2003), são as trocas argumentativas, pois elas podem favorecer mudanças

conceituais, já que desencadeiam processos de revisão de pontos de vista a partir de

perspectivas opostas, contribuindo para a negociação de significados e emergência de novos

conhecimentos.

OBJETIVO

Pretendeu-se, com este trabalho, verificar como o psicólogo escolar e educacional

pode contribuir com um projeto de extensão universitária, especialmente de matemática.

MÉTODO

PARTICIPANTES

Participaram deste estudo seis crianças1, alunos de um Colégio de Aplicação de uma

Instituição de Ensino Superior. Todas moram com ambos os pais e seus respectivos irmãos.

Segue uma breve apresentação de cada participante, sendo que foram usados nomes fictícios

para preservar a identidade dos mesmos.

Patrícia é aluna do 3° ano do Ensino Fundamental e tem 9 anos de idade. Sua mãe é

empregada doméstica e possui Ensino Médio incompleto. Seu pai é auxiliar de mecânica de

aviação e está cursando o 1° ano do Ensino Médio supletivo. Patrícia tem um irmão de 5 anos

de idade.

Raquel tem 10 anos de idade e cursa o 5° ano do Ensino Fundamental. Ela tem uma

irmã adotiva de 14 anos. O pai dela cursou o Ensino Fundamental completo e trabalha no

guarda-volumes de uma biblioteca. A mãe terminou o Ensino Médio e é dona de casa.

Wanessa estuda junto com Raquel e também tem 10 anos de idade. Sua mãe é técnica

de enfermagem em um hospital, tendo cursado o Ensino Médio completo. Seu pai trabalha

como motorista e possui, como a esposa, o Ensino Médio completo. O irmão de Wanessa tem

5 anos de idade.

Daniel tem 10 anos de idade e está cursando o 5° ano do Ensino Fundamental. Seu

irmão tem 17 anos de idade. A mãe deles cursou o Ensino Médio completo e é dona de casa.

O pai possui Ensino Superior completo e é engenheiro agrônomo.

Marcus também cursa o 5° ano do Ensino Fundamental e tem 10 anos. Seu pai é

comerciante e trabalha com transportes, tendo cursado o Ensino Médio completo. Já sua mãe

tem o Ensino Superior completo, tendo cursado mais de 50% de uma outra graduação. Ela

atua como pedagoga, estando de licença maternidade atualmente. Assim, Marcus tem uma

irmã de 20 dias de idade e um irmão de 5 anos.

Milinha estuda com Daniel e Marcus no 5° ano do Ensino Fundamental. Ela tem 13

anos de idade. Já repetiu o 4° e o 5° ano. A irmã de Milinha tem 11 anos e estuda junto com

ela. A mãe das meninas é empregada doméstica, sendo que cursou até a 3ª série do Ensino

Fundamental. O pai cursou até a 8ª série, também do Ensino Fundamental, e trabalha como

pedreiro.

1 Além dos seis alunos do Colégio de Aplicação, participaram dos encontros outros seis alunos de uma escola municipal, que não foram enfocados neste trabalho devido à dificuldade de contato com os mesmos.

MATERIAIS

Foram utilizados neste estudo lápis preto, borracha, papel com pauta, papel A4, cópias

de uma atividade com frases para completar elaborada pela estagiária, um jogo também

confeccionado pela mesma e roteiros para entrevistas semi-estruturadas com os participantes e

seus pais.

Utilizou-se ainda mesas e cadeiras do pátio do Colégio de Aplicação e algumas salas,

contendo carteiras, nas quais foram realizadas as atividades e entrevistas com as crianças e

seus pais, separadamente.

PROCEDIMENTO

Este trabalho teve início com o convite feito pela professora coordenadora2 de um

projeto de extensão universitária de matemática para a equipe de psicologia do Colégio de

Aplicação fazer um trabalho paralelo ao dos estagiários de matemática. Nesta ocasião o

cronograma já estava estabelecido, prevendo um total de oito encontros com as crianças,

sendo que eles teriam início em 2 semanas. O local de realização era o próprio Colégio de

Aplicação; a freqüência quinzenal, aos sábados, no período matutino.

A proposta do projeto era promover atividades para esclarecimento de dúvidas em

matemática, com alunos do 5° e 6° anos do ensino fundamental, contribuindo para a

elaboração de compreensões sobre a matemática escolarizada e para a redução do número de

repetência e evasão. Ele servia ainda como atividade de caráter social ao contribuir para a

ocupação do tempo da criança e do adolescente em atividades produtivas.

Os recursos utilizados no projeto visando aproximar a matemática escolarizada do

cotidiano dos alunos eram: jogos, materiais de uso social (fita métrica, balança etc),

calculadora, situações problemas, textos literários, informativos, dentre outros.

No primeiro dia estabelecido no cronograma, esta estagiária, juntamente com uma

colega, foi para o colégio apenas para conhecer as crianças participantes e o trabalho

desenvolvido pela equipe da matemática. Para tanto, sentaram-se junto aos alunos presentes

conversando informalmente com os mesmos, a fim de saber seus nomes, onde estudavam, a

série etc. Estavam presentes Milinha, Daniel, Raquel e Wanessa.

Para conhecer o trabalho da equipe de matemática, as estagiárias de psicologia

conversaram com uma estagiária, graduanda em Matemática, a qual explicou que o trabalho já

2 A qual também é professora do Colégio de Aplicação da referida Instituição de Ensino Superior.

estava sendo desenvolvido desde o semestre anterior e que a sua proposta consistia não

apenas em trabalhar conteúdos, mas em ouvir os alunos quanto ao processo de aprendizagem

da matemática. Ela relatou ainda que ao final das atividades escreveria um artigo, junto com

outros estagiários de matemática, integrantes do projeto de extensão.

A partir desse primeiro contato com o projeto de extensão, planejou-se auxiliar os

alunos a compreenderem seu processo de aprendizagem, bem como as dificuldades a ele

relacionadas. A coordenadora do projeto enviou, então, uma carta aos pais dos alunos,

solicitando que levassem seus filhos às 8h30 para o Colégio de Aplicação, de modo que

participassem das atividades com as estagiárias de psicologia (que teriam a duração de 1 hora)

antes das atividades envolvendo os conteúdos de matemática. Por meio dessa carta reforçou-

se o convite que havia sido feito aos alunos de uma outra escola para participarem do projeto,

pois por se tratar de extensão universitária, o mesmo deve estar aberto à comunidade em

geral.

Assim, no encontro seguinte, apresentou-se, para as crianças, a proposta do trabalho

da equipe de psicologia junto a eles, seus objetivos, enfatizando-se a importância do sigilo, da

participação e do respeito ao outro. Depois, realizou-se com os alunos uma técnica de

apresentação, que consistia em separá-los em duplas para que elas construíssem um poema,

verso, rima ou rap, contendo seus nomes e algo que gostam de fazer. Finalizada esta tarefa,

todas as duplas leram seus versos para os colegas. Por fim, entregou-se uma folha pautada a

cada aluno para que escrevessem uma redação sobre porque estavam participando do projeto.

Quando todos haviam terminado, recolheu-se as redações e dispensou-se os alunos. Estavam

presentes neste dia: Milinha, Raquel, Marcus, Daniel e dois alunos da outra escola.

No terceiro encontro com as crianças, havia 10 participantes. Sendo assim, as

estagiárias se apresentaram e explicaram novamente a proposta do trabalho para aqueles que

não estavam no sábado anterior, reafirmando a importância do sigilo e da participação deles.

Pediram ainda que todos os participantes também se apresentassem, dizendo o nome, a série e

a escola onde estudavam.

A seguir, com todos posicionados em círculo, propuseram uma brincadeira que

consistia em uma pessoa iniciar dizendo uma palavra qualquer, de modo que quem estivesse à

sua direita deveria falar uma palavra relacionada à anterior. Assim, a brincadeira seguia, na

ordem do círculo, com todos repetindo o mesmo procedimento. As palavras não podiam ser

repetidas nem derivadas de outras ditas anteriormente.

Após aproximadamente 10 minutos desta brincadeira, solicitou-se que os alunos se

sentassem junto às mesinhas para fazerem o desenho, em uma folha de papel A4, de uma

situação onde tivesse uma pessoa ensinando e outra aprendendo. No verso da folha deviam

escrever uma história acerca do desenho. Ao final, quatro alunos falaram, espontaneamente,

sobre os seus desenhos e histórias. Neste dia tinham ido ao encontro: Milinha, Raquel,

Wanessa, Marcus e Patrícia, além de cinco crianças do outro colégio.

O quarto encontro teve como tema a auto-estima, sendo que, primeiramente, foi

entregue aos alunos uma folha de papel A4 na qual deveriam escrever 10 características

pessoais. Em seguida, no verso da folha, as separavam em duas colunas: uma com aquelas

que facilitavam sua vida e outra com as que dificultavam. À medida que iam terminando, era-

lhes entregue uma outra folha com 14 frases a serem completadas por eles. Quando quase

todos haviam terminado, abriu-se um espaço para que cada criança falasse uma característica

que facilitava sua vida e uma que dificultava. Aqueles que desejavam comentavam também

sobre a atividade de completar frases. Os alunos presentes neste encontro eram: Raquel,

Wanessa, Marcus, Daniel, Patrícia e um estudante da outra escola.

No quinto e último encontro a ser citado3 foram apenas Raquel, Marcus e Daniel.

Neste encontro foi utilizado o jogo criado por esta estagiária, no qual as crianças deveriam

lançar o dado e avançar a quantidade de casas indicada nele. Nas casas haviam perguntas

sobre educação, escola, família e aprendizagem pessoal. Algumas possuíam, ainda, perguntas

sobre conhecimentos gerais; outras possuíam comando para avançar ou voltar algumas casas e

umas estavam em branco, de modo que, quando o jogador parasse nela, deveria falar algo a

seu respeito.

Além desses cinco encontros com o grupo de alunos, foram feitas entrevistas semi-

estruturadas, individuais, com cada um dos seis alunos do Colégio de Aplicação. As mesmas

aconteceram no intervalo das aulas (o recreio) durante a semana, em mesas do pátio no prédio

da 1ª fase do colégio. Nesse mesmo local foram realizadas entrevistas com os pais de algumas

crianças. Outras aconteceram dentro de uma sala de aula ou em uma mesa no hall de entrada

do prédio da 2ª fase. Alguns pais foram entrevistados no período vespertino e outros no

período matutino. As entrevistas foram realizadas pela dupla de estagiárias que

acompanharam os alunos nos encontros aos sábados.

3 Os três encontros restantes não são abordados neste trabalho porque não haviam ocorrido na ocasião da apresentação deste.

RESULTADOS

Por meio dos encontros com os alunos e das entrevistas pôde-se perceber que há um

interesse muito grande dos participantes por esportes e brincadeiras. Na técnica de

apresentação utilizada no segundo encontro com o grupo de alunos, Raquel revelou gostar de

basquete, Milinha de vôlei, Marcus de esportes em geral e Daniel de brincar.

No quarto encontro Patrícia colocou como característica pessoal seu gosto por pular

corda; Daniel disse que jogar tênis de mesa é o que ele faz de melhor; Marcus enfatizou seu

apreço por brincar e praticar esportes, ressaltando ainda que é bom em jogar videogame e que

quer ser jogador de futebol quando crescer. Nesse mesmo encontro, Wanessa citou brincar

com as colegas como o que ela faz de melhor.

No quinto encontro os participantes também apresentaram o gosto pelas brincadeiras,

jogos e esportes, citando tais aspectos principalmente quando paravam nas casas em branco,

tendo que dizer algo sobre si próprio. Quando foi questionado aos participantes nas

entrevistas o que eles mais gostam de fazer, todos citaram alguma atividade lúdica.

Além desse interesse por brincadeiras, as crianças demonstraram preferência por aulas

de cunho mais prático, ao ser-lhes questionado, no jogo do quinto encontro, como é um bom

professor. Eles disseram gostar de fazer atividades fora da sala de aula, coletar amostras e,

inclusive, de confeccionar relatórios.

No quarto encontro, ao dividir as características em duas colunas, uma com aquelas

que facilitavam sua vida e outra com as que dificultavam, apenas Daniel apontou uma

quantidade maior de características que dificultavam sua vida (5) do que características que

facilitavam-na (3). As demais crianças colocaram uma quantidade maior de características

que facilitavam suas vidas (Patrícia 5, Raquel 7, Wanessa 7 e Marcus 10) em relação as que

dificultavam (Patrícia 3, Raquel 2, Wanessa 3 e Marcus 0).

Nesse mesmo encontro, ao ser aberto espaço para partilha com o grupo, quase todos

os participantes (exceto Marcus) citaram a timidez como aspecto que dificultava suas vidas,

como por exemplo, na hora de apresentar trabalhos em sala.

As crianças demonstraram ainda, por meio dos desenhos do par educativo, no terceiro

encontro, que apresentavam dificuldades de aprendizagem, uma vez que três delas (Milinha,

Wanessa e Patrícia) desenharam crianças tendo aulas de reforço com professores particulares.

Nas entrevistas tais dados foram confirmados, uma vez que tanto as crianças quanto seus pais

citaram a presença de dificuldades.

Um fato interessante foi uma maior freqüência de crianças com dificuldade em

português do que crianças com dificuldade em matemática. Devido à grande quantidade de

reclamações dos participantes em relação aos professores dessa disciplina, supõe-se que não

tenham sido criados vínculos afetivos estáveis entre alunos e professores que possam ter

contribuído com uma boa aprendizagem.

No caso da Wanessa, como em seu desenho, a dificuldade é em português, pois ela

troca as letras e gagueja na hora de ler (sic). Milinha revelou dificuldade em entender alguns

problemas de matemática, como a criança do seu desenho.

No desenho da Patrícia, a menina não sabia de nada; e na entrevista ela relatou que

não entende muito bem as tarefas de português, assim como suas amigas, e que tem

dificuldade para somar as contas, pois a bagunça em sala atrapalha seu aprendizado (sic). Na

história referente ao seu desenho há ainda uma mãe que dizia para a filha que a mesma não

aprenderia “nadíssima”. Sugere-se que tal fato possa estar relacionado à cobrança que parecer

haver sobre a Patrícia em relação aos estudos. Enquanto as outras crianças ressaltaram o

brincar como atividade favorita na entrevista, Patrícia foi a única que falou sobre gostar de

estudar; ao completar a frase “o que faço de melhor é”, ela foi a única a dizer “estudar muito

mesmo”. Enfim, tal tema foi mais constante nos trabalhos dela do que das outras crianças.

Marcus diferenciou-se um pouco das crianças acima, pois seu desenho fazia referência

a alunos que devem se dedicar mais às matérias. Supõe-se que essa seja uma necessidade do

próprio Marcus, já que ele completou a frase “os professores dizem que eu” com “faço muita

bagunça e que sou enrolado”. Na entrevista ele falou ainda que faz algumas tarefas, deixando-

as em branco quando sai ou viaja; disse que suas notas estão razoáveis e que apenas se dedica

àquilo que gosta. Citou ainda que acha matemática complicada e tem dificuldade em entender

alguns problemas.

Já o desenho da Raquel ditava sobre um pai ensinando o filho a andar de bicicleta. Por

meio das entrevistas com a aluna e com seu pai, tomou-se conhecimento de que quando a

filha estudava no período vespertino, o pai era quem passava um tempo maior com a filha

auxiliando-a em seus estudos. Porém, agora que ela estuda pela manhã e o pai trabalha

durante a tarde, o tempo comum dos dois acabou restringindo-se um pouco. Pode ser que essa

história sobre um pai que deveria se dedicar mais aos filhos esteja relacionada à falta que

Raquel sente do seu próprio pai.

Outro ponto que pôde ser observado nos encontros foi a colocação da escola como um

lugar onde se aprende, conforme relataram os participantes no quinto encontro, ao

responderem o que achavam da escola. Apesar dessa opinião partilhada por eles, foi apontada

a existência de brincadeiras e bagunças na sala, as quais foram citadas por todos como

empecilho à aprendizagem. Dentre as várias falas sobre isso, pode-se citar a do Marcus, no

quinto encontro, ao responder o que ele achava da sua própria sala de aula: “acho um trem

horrível, ficam chutando bola, atrapalhando...”.

Ainda versando sobre os estudos, as entrevistas com os participantes revelaram que a

importância do mesmo para os alunos está relacionada a um futuro mais distante, como:

“aprender muito para quando crescer eu saber de tudo” (Patrícia); “o estudo é muito bom pra

gente, é o nosso futuro” (Raquel); “é importante para ter um futuro melhor” (Wanessa); “para

conseguir trabalhar, para viver melhor... Quando tiver filhos vou saber ensinar eles” (Daniel);

“é muito importante porque vou precisar dele pra mim viver, crescer, conviver com as

pessoas” (Marcus); e “a gente necessita e quando crescer ele vai valer para alguma coisa em

nossa vida... pra eu me formar” (Milinha).

Assim, percebe-se que lhes falta uma motivação maior para os estudos, que seja mais

próxima da realidade deles, mais concreta. Parece ter faltado também um conhecimento

inicial maior sobre o projeto, não apenas por parte das crianças, mas de seus pais também.

Ao escreverem a redação, no segundo encontro, sobre porque estavam participando do

projeto, Milinha respondeu que achava que era por dificuldade em matemática; Daniel disse

que porque ele queria, uma vez que já participara do projeto de matemática no semestre

anterior; Raquel afirmou que era “por causa” da sua coordenadora de classe, por seu pai e por

ela mesma; e Marcus colocou que era para aprender as coisas e conhecer outras pessoas.

Todos os pais, ao serem questionados nas entrevistas se sabiam quais atividades eram

desenvolvidas no projeto, responderam que não. Alguns acrescentaram que eles até

perguntavam para os filhos como foi o encontro, mas os mesmos apenas respondiam que foi

bom.

Surgiu ainda, na entrevista com alguns pais, dificuldade no auxílio aos filhos,

especialmente em relação às tarefas. Duas mães colocaram que aprenderam por métodos

diferentes daqueles usados atualmente com seus filhos. A mãe do Daniel revelou: “eu não

entendo esse método de ler e fazer texto... antigamente era mais fácil”. Quando ela não sabe

ajudar o filho, espera o marido chegar e passa para ele essa tarefa, de auxiliar o filho. A mãe

da Patrícia falou que às vezes até tenta entender a maneira como a filha está aprendendo para

ajudá-la, mas nem sempre consegue. Outras vezes ela tenta explicar da maneira como

aprendeu e acaba confundindo a filha ainda mais. Se não consegue de forma alguma resolver

a tarefa, vai à escola pedir auxílio da professora da filha.

Por fim, os alunos disseram que estavam gostando muito dos encontros com as

estagiárias de psicologia. Relataram que achavam os encontros bons, muito legais (sic).

Raquel contou que às vezes não queria ir para a escola nos dias do projeto, mas quando

chegava e ocorriam os encontros era bom. Marcus relatou que está gostando muito do projeto

de matemática porque está aprendendo muito e está ajudando-o em outras matérias; e também

está gostando dos encontros com as estagiárias de psicologia porque conversa e aprende mais

sobre si mesmo. Daniel disse que esses encontros o estão ajudando a acalmar-se, pois era

muito nervoso.

Todos os pais colocaram que os filhos lhes falavam que gostam de participar do

projeto de extensão. Alguns revelaram inclusive que já estavam vendo resultados nos seus

filhos, como a mãe da Patrícia, para quem algumas dúvidas da filha já estavam sendo sanadas,

“ela já teve um desenvolvimento muito bom”. O pai da Raquel também achou que sua filha

melhorou, “até em casa... ela estuda mais, toma iniciativa de pegar um gibi pra ler, o que ela

não fazia antes”, suas notas melhoraram igualmente. A mãe da Wanessa disse que ela está

melhorando, especialmente na matemática, mas não sabia se era devido à idade.

DISCUSSÃO

Dentre os resultados obtidos encontra-se o interesse dos participantes por esportes,

jogos e brincadeiras, além da preferência por aulas práticas. Sugere-se que este fato possa

estar relacionado à fala de Piaget (1970, citado por Falcão, 2003) referente à conceptualização

matemática, revelando que a ação é um instrumento fundamental no processo de

desenvolvimento da cognição.

Este fato pode ainda ser remetido à importância do pensamento do dia-a-dia para a

construção do número pela criança, apontada por Kamii (1990), e à relação, citada por

Vygotsky (1985, citado por Falcão, 2003), entre conceitos espontâneos, próprios de cada

indivíduo, e conceitos científicos, constituídos socioculturalmente.

Assim, percebe-se a proposta do projeto de extensão universitária de matemática

como válida, já que a mesma pretende aproximar o cotidiano dos alunos e a matemática

escolarizada, de modo a contribuir para a elaboração de compreensões sobre esta última.

Contudo, não é possível apontar aqui se o projeto de extensão de matemática atingiu

esse objetivo, uma vez que não houve maior acompanhamento do mesmo. Porém, acredita-se

que, em trabalhos posteriores, seria interessante investigar melhor o trabalho desenvolvido

pelos outros estagiários (no caso, de matemática) junto aos alunos; de modo a colher mais

dados sobre o processo de aprendizagem de cada participante, observando-os diretamente em

um contexto de ensino-aprendizagem. Assim, haveria maiores subsídios para uma intervenção

eficaz.

Verificou-se que a maioria dos participantes (Patrícia, Raquel, Wanessa e Daniel)

eram tímidos. Acredita-se que, como o próprio pai da Raquel colocou na sua entrevista, esse é

um fator que possa estar contribuindo com a dificuldade dos alunos. Por meio da participação

nas aulas tais dificuldades poderiam ser reduzidas, pois, conforme expõe Falcão (2003), a

troca argumentativa é um recurso importante para a construção do significado em matemática.

Quanto à auto-estima, não foi possível constatar uma correlação entre esta e a

aprendizagem das crianças, pois os poucos dados colhidos sobre tal temática não indicaram a

presença de auto-estima elevada nem rebaixada. No encontro que teve este tema como foco (o

quarto), apenas Daniel enumerou uma quantidade maior de características que dificultavam

sua vida do que características que facilitavam-na, não sendo constatada, nas demais

atividades, uma auto-estima baixa.

Os resultados demonstraram uma freqüência significativa de participantes com

dificuldades em português. Segundo Falcão (2003), a linguagem influi no processo de

representação simbólica dos conceitos. Dessa forma, a dificuldade em matemática de muitos

alunos pode ser secundária em relação a alguma dificuldade em português.

Algo que pode estar prejudicando a aprendizagem de português pode ser o

estabelecimento de vínculos possivelmente frágeis com os professores dessa disciplina,

apontado nos resultados. Essa suposição apóia-se em Vygotsky (1996, citado por Falcão,

2003) e em Falcão (2003), os quais apontam a afetividade como uma dimensão interligada à

cognição.

Sugere-se, então, que um projeto de extensão multidisciplinar, com profissionais de

outras áreas além da matemática (como português, ciências, educação física, etc), poderia

atender de forma mais global as necessidades dos alunos.

No caso do referido projeto de extensão de matemática, essa equipe multidisciplinar já

começou a ser implantada, por ocasião do convite feito pela professora coordenadora para a

equipe de psicologia do Colégio de Aplicação fazer um trabalho paralelo ao dos estagiários de

matemática.

Assim, a contribuição do psicólogo educacional, enquanto membro de tal equipe,

representado na figura desta e de outra estagiária, foi investigar como se dá o processo de

aprendizagem de cada participante e suas possíveis influências, levando os alunos a se

conscientizarem desses aspectos.

O psicólogo escolar e educacional poderia atuar de forma a amenizar ou até extinguir

esses fatores, trabalhando a relação professor-aluno, no caso dos vínculos fragilizados, e

também as salas de aula nas quais estão inseridos os participantes, instigando os alunos a

refletirem sobre seus comportamentos, sobre regras que permeiam tal ambiente, visando

promover um clima favorável aos estudos.

Nota-se que tal atuação se fundamenta nos apontes de Meira (2000), para quem uma

transformação da realidade escolar só é possível por meio de um trabalho que não se limite

apenas aos alunos, mas que se estenda também à família e à escola. Baseando-se nesta autora,

buscou-se investigar todo o contexto do encaminhamento dos alunos para o projeto de

extensão e das dificuldades dos mesmos, procurando superar o rótulo de incompetência e

destacar potencialidades.

Junto aos pais, em algumas entrevistas, chegou-se a ser colocada a importância da

participação deles na vida escolar dos filhos. Todavia, poderia ser feito um trabalho mais

próximo aos mesmos, auxiliando-os a compreenderem melhor a dificuldade de seus filhos,

para que assim possam lidar melhor com eles.

Ainda junto aos pais e também aos alunos, levantou-se a necessidade de uma melhor

divulgação do projeto de extensão, explicando-lhes os objetivos, metodologias, escolha dos

participantes etc, pois nenhum deles soube fornecer as informações solicitadas sobre o projeto

(atividades nele desenvolvidas, porque participavam dele, dentre outras).

Outro aspecto que poderia ser trabalhado pelo psicólogo educacional nesse contexto é

a importância da reflexão do papel social da escola e dos estudos. Os participantes

relacionaram a importância dos estudos ao futuro; e muitos dos seus pais colocaram que

estudo é tudo, sem descrever a que se refere esse “tudo”. Então, poder-se-ia discutir este tema

de modo a clarificar o papel social da escola tanto para os pais quanto para os filhos.

Todas essas possibilidades de atuação do psicólogo educacional em um projeto de

extensão universitária, especificamente nesse caso de matemática, não puderam ser aplicadas

devido ao curto espaço de tempo entre o convite e o início das atividades. Assim, não houve

uma avaliação inicial das necessidades e um planejamento para todos os quatro meses de

atividades. Este foi sendo construído gradualmente, de acordo com os dados obtidos nos

encontros e entrevistas. À medida que eles iam ocorrendo é que surgiam as necessidades de

ampliação do campo de atuação. Ficam, então, sugestões para um trabalho posterior.

Contudo, mesmo com tantas intervenções por fazer, já foi possível verificar resultados

obtidos com o trabalho. Praticamente todas as crianças disseram gostar do projeto, e algumas

até citaram aspectos que mudaram em sua vida graças ao mesmo. Três pais também citaram

melhoras em seus filhos após a participação deles no projeto.

Dessa maneira, conclui-se que o psicólogo escolar e educacional tem muito a

contribuir em projetos de extensão universitária, e que são necessários mais estudos na área.

A própria pesquisa de Joly et al (2003) comprova este fato, apontando que apenas 0,9% da

produção científica de psicologia escolar no ‘I Congresso Brasileiro de Psicologia Ciência e

Profissão’ referia-se à educação informal, como é o caso da extensão universitária.

REFERÊNCIAS ALMEIDA, Sandra Francesca Conte de & MARINHO-ARAUJO, Claisy Maria. Psicologia

escolar: construção e consolidação da identidade profissional. Campinas: Alínea, 2005. ANTUNES, Mitsuko Aparecida Makino. Psicologia e educação no Brasil: um olhar crítico.

In: ANTUNES, Mitsuko Aparecida Makino & MEIRA, Marisa Eugênia Melillo (Orgs.). Psicologia escolar: teorias críticas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. p. 139-168.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL. O

psicólogo escolar. Disponível em: <http://www.abrapee.psc.br/opsicologo.htm> Acesso em: 08 nov. 2007.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Pesquisa de opinião com psicólogos inscritos

no Conselho Federal de Psicologia. Relatório on-line. Brasil, 2004. Disponível em: <http://www.pol.org.br/publicacoes/pdf/Pesquisa_IBOPE.pdf> Acesso em: 08 nov. 2007.

FALCÃO, Jorge Tarcísio da Rocha. Psicologia da educação matemática: uma introdução.

Belo Horizonte: Autêntica, 2003. JOLY, Maria Cristina Rodrigues Azevedo et al. I congresso nacional de ‘psicologia – ciência

e profissão’: o que tem sido feito na psicologia educacional. Psicologia escolar e educacional,v. 7, n. 2, p. 135-144, jul./dez. 2003.

KAMII, Constance. A criança e o número: implicações educacionais da teoria de Piaget para

a atuação junto a escolares de 4 a 6 anos. Campinas: Papirus, 1990. MALUF, Maria Regina. O psicólogo escolar e a educação: uma prática em questão. In: DEL

PRETTE, Zilda Aparecida Pereira (Org.). Psicologia escolar e educacional, saúde e qualidade de vida: explorando fronteiras. Campinas: Alínea, 2001. p. 59-71.

MEIRA, Marisa Eugênia Melillo. Psicologia escolar: pensamento crítico e práticas

profissionais. In: TANAMACHI, Elenita de Rício, PROENÇA, Marilene & ROCHA, Marisa Lopes da (Orgs.). Psicologia e educação: desafios teórico-práticos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000. p. 35-68.

MITJÁNS MARTINEZ, Albertina. O psicólogo na construção da proposta pedagógica da

escola: áreas da atuação e desafios para a formação. In: ALMEIDA, Sandra Francesca Conte de (Org.). Psicologia escolar: ética e competências na formação e atuação profissional. Campinas: Alínea, 2003. p. 105-124.

MITJÁNS MARTINEZ, Albertina. O psicólogo escolar e os processos de implantação de

políticas públicas: atuação e formação. In: CAMPOS, Herculano Ricardo (Org.). Formação em psicologia escolar: realidades e perspectivas. Campinas: Alínea, 2007. p.109-133.

PANDOLFI, C. C. (coord.). A inserção do psicólogo escolar na rede municipal de ensino de

Londrina: PR. Psicologia, ciência e profissão, v. 19, n. 2 , p. 30-41, 1999.

PATTO, Maria Helena Souza. Prefácio. In: MACHADO, Adriana Marcondes & SOUZA, Marilene Proença Rebello de (Orgs.). Psicologia escolar: em busca de novos rumos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997. p. 7-12.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS. Extensão. PROEC – Pró-Reitoria de Extensão e

Cultura. Disponível em: <http://www.proec.ufg.br/index.php?local=extensao.php> Acesso em: 08 nov. 2007.

RESUMO

De acordo com a Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional –ABRAPEE (2007), os profissionais dessa área podem atuar em instituições escolares e educativas, bem como se dedicarem ao ensino e à pesquisa na interface da Psicologia com a Educação. Considerando que a extensão universitária é desenvolvida através de políticas públicas na área da educação básica, dentre outras, este é um campo propício à atuação do psicólogo escolar e educacional. A função deste profissional em tal contexto – e nos demais – é justamente, segundo Mitjáns Martinez (2003), contribuir para otimizar o processo educativo. Em se tratando especificamente de um projeto de extensão universitária de matemática, o psicólogo escolar e educacional pode, ainda, se fundamentar na Psicologia da Educação Matemática, a qual fornece um excelente aporte teórico sobre a atividade matemática. O objetivo do presente trabalho foi verificar como o psicólogo escolar e educacional pode contribuir com um projeto de extensão universitária, especialmente de matemática. O trabalho foi realizado paralelamente a atividades de uma equipe de matemática em um projeto de extensão universitária. Os encontros da dupla de estagiárias de psicologia com os participantes, crianças de 9 a 13 anos de idade, alunos do 3° ao 5° ano do Ensino Fundamental, tinham o intuito de auxiliá-los a compreenderem seu processo de aprendizagem, bem como as dificuldades a ele relacionadas. Eles ocorriam quinzenalmente e tinham a duração de uma hora. As técnicas utilizadas foram: redação, desenhos projetivos (“par educativo”), além de outras atividades, brincadeiras e jogos criados pelas estagiárias. Entrevistas semi-estruturadas, individuais, com os alunos e seus respectivos pais complementaram o trabalho. Foram observados diversos fatores que influenciam, positiva ou negativamente, na aprendizagem dos participantes. Uma vez ressaltados tais aspectos, verificou-se que muito pode ser feito em prol de uma melhor aprendizagem. O psicólogo escolar e educacional, em um projeto de extensão universitária de matemática como esse, pode atuar tanto no diagnóstico quanto no acompanhamento do processo de aprendizagem de cada criança. Para tanto, o trabalho realizado não deve se limitar apenas aos alunos, mas se estender também à família e à escola (Meira, 2000). Foram levantadas várias possibilidades de atuação do psicólogo escolar e educacional em um projeto de extensão universitária de matemática, mas nem todas puderam ser aplicadas devido ao curto espaço de tempo disponível. Apesar disso, foram encontrados resultados satisfatórios, uma vez que as crianças disseram gostar do projeto e alguns pais observaram mudanças positivas em seus filhos. Assim, concluiu-se que o psicólogo escolar e educacional tem muito a contribuir em projetos de extensão universitária e que são necessários mais estudos na área, pois não foram encontradas bibliografias sobre o tema em questão. Além disso, Joly et al (2003) apresentam uma pesquisa apontando que apenas 0,9% da produção científica de psicologia escolar no ‘I Congresso Brasileiro de Psicologia Ciência e Profissão’ referia-se à educação informal, como é o caso da extensão universitária.