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Projeto BRA/IICA/12/003 - “Gestão de Recursos Hídricos no Programa de Desenvolvimento do Setor Água - ANA/INTERAGUAS
Contrato N.º 113.256
Produto 1
Versão final
Cristina Montenegro 22 de novembro de 2013
2
Índice Geral
1. Apresentação
2. Água e desenvolvimento humano
3. A questão da água na agenda internacional
(a) A Agenda 21
(b) A água na Declaração de Johanesburgo e em seu Plano
de Implementação
(c) Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
(d) As Conferências Internacionais sobre a Água
(e) Os Fóruns Mundiais da Água
(f) A água e a mudança do clima
4. Considerações sobre a questão da água nas políticas públicas brasileiras e
o papel do Brasil nos debates internacionais.
5. Conclusão
Anexos
i. Lista de siglas e conferências
ii. Referências bibliográficas
3
1. Apresentação
1. A água é um recurso finito e um imperativo para o desenvolvimento sustentável, o
crescimento econômico e a estabilidade política e social, saúde e erradicação da pobreza.
Mais de 1 bilhão de pessoas não tem acesso atualmente a água potável para satisfazer suas
mais básicas necessidades e estima-se que 2.7 bilhões de pessoas, aproximadamente um
terço da população mundial, poderá enfrentar severa escassez em 2025.
2. Caso prevaleçam as tendências e modelos de desenvolvimento atuais, a crescente demanda
humana por água poderá ultrapassar gradualmente a oferta, cenário que colocaria em risco a
segurança hídrica, energética e alimentar, aumentaria significativamente os custos de saúde
pública e criaria sérios constrangimentos ao desenvolvimento econômico com enorme
potencial de agravamento e tensões sociais e geopolíticas e duradouros danos ambientais.
3. Assegurar que se mantenha uma oferta adequada de água de boa qualidade para toda a
população do planeta tem sido um dos principais vetores nas agendas de desenvolvimento
socioeconômico de povos e países. Os interesses múltiplos na utilização dos recursos
hídricos para o saneamento, a agricultura, pesca e produção de alimentos, a indústria, a
geração de energia hidroelétrica, o transporte e recreação, aliados ao crescimento
populacional, o desenvolvimento urbano, a aceleração da atividade econômica e das
mudanças climáticas, implicam em contínua e insustentável pressão sobre os recursos
hídricos e são temas que norteiam os principais compromissos assumidos pela comunidade
internacional nas quatro últimas décadas.
4. À medida que a importância da água potável para a vida humana passou a fazer parte da
agenda política global, sucedem-se conferências, foros e plataformas de cooperação que
foram sucessivamente agregando conhecimento, produzindo alertas quanto as questões mais
vitais como a disponibilidade e acesso a este recurso vital e definindo-se compromissos
internacionais, regionais e nacionais que balizam as relações da comunidade internacional
neste tema.
4
5. O presente documento dedica-se a examinar os compromissos assumidos para o setor de
água na agenda internacional e a analisar a implementação de recomendações emanadas dos
diversos Foros Mundiais e Conferências Multilaterais com o objetivo de prover insumos
para o planejamento de atividades da Agência Nacional de Águas – ANA - nestas áreas.
6. O documento está organizado em cinco seções que abordam a temática da água e o
desenvolvimento humano e apresentam considerações não só sobre a água nas políticas
públicas brasileiras como o papel do Brasil nos debates internacionais.
7. A evolução da agenda internacional da água é revisada em detalhe a partir da adoção da
Agenda 21 em 1992, da declaração e do plano de implementação aprovados em
Johanesburgo em 2002, prossegue com as Conferências Internacionais sobre a Água de Mar
del Plata (1977), Dublin (1992) e Budapeste (2013) e inclui os seis Foros Mundiais da
Água.
8. Atenção especial é dada ao processo de construção e implementação dos Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio (ODM) e as interrelações entre recursos hídricos e mudanças
climáticas tendo em vista a importância estratégica destes temas no debate internacional em
andamento após a Rio+20 e na construção da Agenda de Desenvolvimento Pós-2015 da
Organização das Nações Unidas.
9. Neste âmbito, o documento recolhe ainda experiências e observações para um melhor
entendimento e inserção futura nos processos de governança mundial e de construção dos
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ODS) afetos ao setor água.
2. Água e desenvolvimento humano
10. A água é um dos recursos mais amplamente compartilhados no planeta e o mais vital para a
sobrevivência humana, depois do oxigênio. Ao longo da história, o progresso da
humanidade tem dependido do acesso a fontes de água e da capacidade utilizá-la como um
recurso produtivo, para a agricultura, a indústria e as necessidades básicas. A água para o
5
uso doméstico e para o sustento produtivo constitui, portanto, a base do desenvolvimento
humano, perpassando todos os seus aspectos, particularmente a pobreza, a saúde e a
educação. Restrições ao pleno acesso à água, quer no uso doméstico, quer no âmbito de
atividades produtivas, limitam escolhas individuais, comprometem a saúde e exacerbam a
pobreza e as vulnerabilidades humanas.
11. Os problemas relativos à água no contexto do desenvolvimento humano sustentável são
comumente enfocados sob três ângulos: quantidade, qualidade e disponibilidade. A água
doce representa apenas 2,5% do total da água do planeta. Desse montante, quase 70%
encontra-se na forma de geleiras e de neve permanente. A oferta total de água doce para os
ecossistemas e para o uso humano representa tão-somente 1% dos recursos de água doce, ou
0,1% do total da Terra. Ademais, a água doce disponível no mundo é distribuída de forma
desigual, já que muitas das grandes bacias cortam regiões escassamente povoadas. O
abastecimento de água limpa permanece, também, um desafio, já que cerca de 20% da
população mundial ainda carece de acesso a água potável. Vale notar, por fim, que 90% da
água doce disponível se encontram em fontes subterrâneas, de difícil acesso
(PNUMA/DEWA).
12. A despeito do quadro acima apresentado, a atual crise hídrica vivenciada por diversos povos
do planeta não decorre de um problema de escassez ou de disponibilidade física, ainda que
esta seja insuficiente em alguns países. A crise encontra suas raízes na situação de pobreza,
de desigualdade e de relações de poder assimétricas no contexto da gestão da água. Segundo
informa o Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD de 2006, dedicado ao tema dos
recursos hídricos, há água mais que suficiente para atender, de forma equilibrada, as
demandas domésticas, a agricultura e a indústria. Conclui-se que soluções destinadas a
vencer os desafios relativos à água passam mais por uma reformulação da arquitetura de
distribuição que por políticas tendentes a limitar o crescimento dos países em
desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo.
13. Alguns dados globais ilustram os vínculos entre água, saneamento e desenvolvimento
humano. Duas de cada três pessoas que não têm acesso a água potável sobrevivem com
menos de dois dólares por dia, e uma de cada três, com menos de um dólar. Além disso,
quase 10% do conjunto de enfermidades globais poderiam ser prevenidas por meio de
melhorias na oferta de água, saneamento, higiene e gestão adequada de recursos hídricos.
6
Além disso, a carência de acesso adequado a alimentos, provocada, em parte, pela má gestão
de recursos hídricos, é grande causa de desnutrição; e 50% dos casos de desnutrição estão
relacionados a diarreia e a infecções intestinais causadas por água suja, saneamento
inadequado e baixos níveis de higiene (UN Water, 2009). Verifica-se, portanto, um círculo
vicioso: a pobreza extrema e as desigualdades sociais não permitem o adequado acesso a
água e saneamento que, por sua vez, dificultam a retirada dos indivíduos da pobreza extrema
e o pleno gozo de sua cidadania.
14. No começo da década de 1990, na esteira do processo de releitura do conceito de
desenvolvimento, o PNUD introduziu o conceito de segurança humana, cunhado com o
intuito de expandir a concepção limitada de segurança nacional ligada somente a ameaças
militares. A segurança hídrica é uma das vertentes da segurança humana. Trata-se do
conceito ligado à necessidade de assegurar a cada indivíduo um acesso confiável, seguro e
suficiente à água, a preços justos, de forma a conduzir uma vida saudável, digna e produtiva,
ao mesmo tempo em que se mantêm os sistemas ecológicos que proveem e ao mesmo tempo
dependem da água (PNUD, 2006).
15. A já complexa equação da segurança hídrica tende a ser agravada quando se considera a
mudança global do clima. A ameaça decorrente do aumento das temperaturas pode
desencadear um grave quadro de vulnerabilidades que trarão novos desafios à já intricada
agenda de recursos hídricos, notadamente no que se refere à dificuldade de acesso e aos
impactos na agricultura e nas matrizes energéticas, especialmente de países em
desenvolvimento. Os incontáveis estudos sobre a relação entre mudança do clima e recursos
hídricos, embora não conclusivos, convergem para um alerta preocupante: muitas das áreas
que já sofrem escassez de água terão ainda menos água, e os cursos fluviais tornar-se-ão
menos previsíveis e mais sujeitos a eventos extremos (ibid.).
16. Avanços recentes, por outro lado, são alentadores. A perspectiva do desenvolvimento foi
reforçada, mais recentemente, pela evolução do tópico da água no quadro do direito
internacional dos direitos humanos. O conceito de acesso à água e saneamento como direito
humano evoluiu, gradualmente, no seio do sistema internacional e, em 3 de agosto de 2010,
a Resolução A/RES/64/292 da Assembleia-Geral das Nações Unidas reconhece,
formalmente, o “direito a água potável, segura e limpa, e a saneamento como um direito
humano que é essencial para que se desfrute totalmente da vida e de todos os direitos
7
humanos”.
17. O acesso à água e ao saneamento deixa de constituir, portanto, um aspecto de bem estar,
para tornar-se um direito legalmente estabelecido. O ser humano, objeto do
desenvolvimento, tornou-se legalmente detentor de direitos, e governos tornaram-se
detentores de obrigação, qual seja, a de suprir adequados serviços de acesso a água e
saneamento. A abordagem de direitos humanos para a segurança hídrica aborda lacunas
críticas e gargalos, além de enfatizar as funções de regulação e mecanismos de eficiência,
participação e responsabilidade (UN Water, 2013).
18. A resolução prevê, adicionalmente, bases para futuros debates sobre a distribuição equitativa
de benefícios econômicos e sociais derivados da água através da agricultura, energia, saúde
e outras atividades produtivas. Dessa maneira, o cumprimento das obrigações deverá ser
objeto de escrutínio por mecanismos internacionais de monitoramento, ainda que prevaleça
o entendimento de que o direito humano à água deva ser progressivamente posto em prática
para as respectivas populações com absoluto respeito às soberanias nacionais, conforme
explicitado no Parágrafo 121 da Declaração Final da Rio+20.
19. O UN Water, grupo de coordenação programática das agências das Nações Unidas que
trabalham em temas de água, elaborou, recentemente, uma proposta de redefinição da
segurança hídrica, que leva em consideração esses novos desafios e deverá ser apreciada
pelos seus Membros no contexto das discussões que se desenrolarão no âmbito da
construção da Agenda de Desenvolvimento Pós-2015.
20. A segurança hídrica é definida por esse grupo como "a capacidade de uma população de
salvaguardar o acesso sustentável a quantidades adequadas de água e a qualidade aceitável
para o sustento familiar, bem-estar humano e desenvolvimento socioeconômico, para a
garantia de proteção contra a poluição hídrica e desastres relacionados com a água e para a
preservação dos ecossistemas em um clima de paz e estabilidade política (UN Water,
2013)”.
21. No começo do século XXI, a humanidade dispõe de tecnologia, capacidade e financiamento
para fazer face aos desafios que limitam a segurança hídrica, brevemente explanados nesta
8
seção. A segurança hídrica, como visto, somente pode ser alcançada quando se considera a
diversa gama de fatores econômicos, sociais e ambientais na formulação de políticas
públicas e marcos internacionais. Neste contexto, é importante analisar como a questão da
água tem evoluído no seio do debate internacional sobre o desenvolvimento sustentável, ao
longo das últimas décadas, o que deverá fornecer embasamento teórico para a reflexão sobre
as discussões sobre a agenda de desenvolvimento que se está gestando no âmbito das
Nações Unidas.
3. A questão da água na agenda internacional
22. A água tem a capacidade tanto de unir povos e Estados que partilham uma fonte como a de
incitar o conflito quando competem por esse recurso. O Atlas de Acordos Internacionais
sobre Água (UNEP, 2002) revela, entretanto, serem a cooperação e a norma, e não os
conflitos, os meios prioritários buscados pelos Estados, para encaminhamento desses
desafios. Tratados, acordos e convenções em torno do tema água são abundantes; no entanto
o conhecimento e o registro desses instrumentos foram, não raro, dispersos e de difícil
acesso. A FAO, Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura e o
PNUMA, Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, detêm os registros mais
completos sobre o tema e documentam 3600 tratados internacionais sobre recursos hídricos
de 805 D.C. até 1984.
23. O elevado número de acordos, tratados e convenções registrados no setor água transitou,
historicamente, de temas como a navegação, pesca, demarcação de fronteiras em rios e lagos
para a construção de hidroelétricas e desenvolvimento de projetos de irrigação de larga
escala. A partir do século XX, o foco das negociações de tratados passa a ser o uso,
desenvolvimento, proteção e conservação de recursos hídricos.
24. Nas últimas quatro décadas, e, de forma acelerada, nas duas últimas – os acordos
internacionais passaram a incorporar preocupações quanto à escassez e consumo
insustentável desse recurso, fazendo com que as negociações adquirissem caráter cada vez
mais complexo e intrincado, embora mantenham a tendência de buscar soluções negociadas.
9
25. Diferentemente de outros temas globais e apesar do elevado número de acordos específicos,
a água não dispõe de regime internacional próprio, como uma convenção multilateral ampla
e abrangente. No entanto, as negociações e debates internacionais sobre o tema da água
assistiram, mais recentemente, a notável adensamento, sobretudo de forma a incorporar, em
definitivo, a dimensão ambiental entre seus desafios – ou seja, assegurar o equilíbrio das três
dimensões do desenvolvimento sustentável – econômica, ambiental e social. Este processo
intensificou-se a partir da divulgação do Relatório Nosso Futuro Comum, em 1987, e
culminou com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento (CNUMAD), no Rio de Janeiro, em 1992, também conhecida como Rio
92.
26. Além de cristalizar o compromisso da comunidade internacional com desenvolvimento
sustentável, a Rio 92 deu origem a duas importantes convenções ambientais (Convenção das
Nações Unidas sobre Diversidade Biológica, a CDB, e Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre Mudança do Clima, a UNFCCC), à Declaração do Rio sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento, à Declaração de Princípios sobre o Uso das Florestas e à Agenda 21.
Também avançou na negociação da Convenção das Nações Unidas para o Combate à
Desertificação (UNCCD).
27. Nos anos que se seguiram à Rio 92, os problemas ambientais, inclusive os transversalmente
relacionados à água, galgaram o topo da agenda internacional, à medida que a comunidade
internacional adotava olhar mais crítico sobre as dimensões do desenvolvimento. Os
compromissos relativos à água, em suas diversas dimensões, encontram-se sintetizados na
matriz de compromissos abaixo. Essa matriz, adaptada de uma tabela de objetivos
internacionais selecionados e temas relativos à água preparada pelo PNUMA (GEO 5,
2012), demonstra a relevância política da água no âmbito dos acordos internacionais
vigentes, mesmo se consideradas as limitações e lacunas de dados em nível global e falta de
metas específicas. As áreas relacionadas aos compromissos (ecossistemas, bem-estar
humano, uso eficiente, qualidade, aspectos jurídicos e institucionais e gestão dos recursos
hídricos) resumem a complexidade dos desafios socioeconômicos e ambientais relacionados
à matéria.
10
Tabela 1 – Matriz de compromissos versus impacto no meio ambiente
Grupos de compromissos acordados internacionalmente
Agenda 21 CDB e
Metas
de Aichi
UNFCCC
Plano de Implementação de
Johanesburgo (JPOI) - parágrafos
Objetivos de
Desenvolvimento
do Milênio (ODM)
Capítulo 18 7 25 26 30 31 32 40-45 1 4 7
Ecossistemas
Proteger e restaurar os ecossistemas de água
doce e seus serviços X X X X X X X
Conservar e aperfeiçoar o gerenciamento de zonas úmidas
X X X X
Assegurar as necessidades básicas de água X X X X
Bem-estar humano
Reduzir ameaças à saúde humana ligadas à água X X X X X X X X
Assegurar acesso equilibrado a fontes de água
potável X X X
Assegurar oferta de água doce sustentável X X X X X
Desenvolver programas para mitigar os efeitos
de eventos extremos relacionados à água X X X X
Mitigar e adaptar ao efeitos adversos da
mudança do clima no meio ambiente X X X X
Uso eficiente da
água Aperfeiçoar o uso eficiente dos recursos hídricos X X
Qualidade da água
Reduzir e controlar a poluição da água X X X X X X X
Aperfeiçoar a cobertura de saneamento,
incluindo coleta, tratamento e destinação do
esgoto
X X X X
Aspectos jurídicos e
institucionais
Desenvolver e dar cumprimento a marcos legais
e regulações efetivas X X X X X
Fortalecer mecanismos de coordenação
institucional X X X X X X X
Gestão de recursos
hídricos
Desenvolver e implementar estratégias e planos
de gestão integrada X X X X X X
Desenvolver sistemas adequados de
monitoramento (nacional, regional e global). X X X X X X
Aperfeiçoar a participação social X X X X
Aperfeiçoar gestão de águas subterrâneas X X X
11
Fonte: Global Environment Outlook 5 (2012), com adaptações e em livre tradução.
12
(a) A Agenda 21
28. Por prezar uma abordagem ampla e programática para os grandes desafios do
desenvolvimento sustentável, a Agenda 21 é o documento de grande relevo, ainda que não
possua caráter juridicamente vinculante. Seu conteúdo foi construído de forma consensual,
com a contribuição de governos e instituições da sociedade civil dos então 179 Membros das
Nações Unidas. Seus 40 capítulos constituem um plano de ação a ser perseguido, nos níveis
global, nacional e local, por governos, pela ONU e pela sociedade civil, em todas as áreas
em que a ação humana tem relação com o meio ambiente. Trata-se de tentativa abrangente
de orientar a comunidade internacional rumo a um novo padrão de desenvolvimento para o
século XXI, cujo alicerce é a sinergia da sustentabilidade ambiental, social e econômica, o
que perpassa todas as suas ações propostas.
29. A Agenda 21 traduz em ações o conceito do desenvolvimento sustentável. Seu Capítulo 18
trata, especificamente, da “Proteção da Qualidade e do Abastecimento dos Recursos
Hídricos: Aplicação de Critérios Integrados no Desenvolvimento, Manejo e Uso dos
Recursos Hídricos”. Como objetivo geral, propõe-se a "assegurar que se mantenha uma
oferta adequada de água de boa qualidade para toda a população do planeta, ao mesmo
tempo em que se preservem as funções hidrológicas, biológicas e químicas dos
ecossistemas, adaptando as atividades humanas aos limites da capacidade da natureza e
combatendo vetores de moléstias relacionadas com a água".
30. Entre os problemas elencados pela Agenda 21 incluem-se a escassez generalizada, a
destruição gradual e o agravamento da poluição dos recursos hídricos em muitas regiões do
mundo, ao lado da implantação progressiva de atividades incompatíveis com a conservação
e o uso sustentável, o que exigiria o planejamento e manejo integrados desses recursos.
Propõem-se, assim, as seguintes áreas programáticas para setor de água doce: (a)
Desenvolvimento e manejo integrado dos recursos hídricos; (b) Avaliação dos recursos
hídricos; (c) Proteção dos recursos hídricos, da qualidade da água e dos ecossistemas
aquáticos; (d) Abastecimento de água potável e saneamento; (e) Água e desenvolvimento
urbano sustentável; (f) Água para produção sustentável de alimentos e desenvolvimento
rural sustentável; e (g) Impactos da mudança do clima sobre os recursos hídricos (Brasil,
1996). A tabela abaixo ilustra os principais compromissos contidos em cada uma dessas
13
áreas. A ela se segue avaliação sucinta das ações do Brasil em resposta à Agenda 21,
algumas das quais serão retomadas na seção final.
14
Áreas Programáticas – Agenda 21 Pressupostos Objetivos, metas e exemplos de ações esperadas
(A) Desenvolvimento e manejo integrado dos recursos
hídricos
- A água é importante para todas as atividades
econômicas e sociais;
- A água é um recurso finito e vulnerável; - Manejo holístico, integração de programas
hídricos setoriais aos planos econômicos e sociais
são fundamentais;
- Promover abordagem dinâmica, interativa, iterativa e multissetorial do
manejo dos RH;
- Elaborar planos para utilização, proteção, conservação e manejo sustentável e racional dos RH;
- Traçar, implementar e avaliar projetos e programas que considerem as três
dimensões do desenvolvimento sustentável e contem com participação
social;
- Identificar e fortalecer ou desenvolver mecanismos institucionais, jurídicos
e financeiros;
- Até o ano de 2000, ter traçado e iniciados programas de ação nacionais
com custos e metas, além de instrumentos institucionais e jurídicos.
- Até o ano de 2005, ter atingido metas subsetoriais nas áreas de programa.
(B) Avaliação dos recursos hídricos - Determinação e identificação contínua de fontes,
extensão, confiabilidade e qualidade dos RH;
- Dificuldades no acesso a tecnologia, sobretudo para os países em desenvolvimento;
- Toma como base Plano de Ação de Mar
del Plata.
- Objetivo geral de assegurar a avaliação e previsão da quantidade e
qualidade dos RH, prevendo conflitos entre oferta e demanda.
- Colocar à disposição dos países tecnologias de avaliação; - Destinar recursos financeiros à avaliação de RH;
- Assegurar o uso das informações no manejo dos RH;
- Estabelecer disposições institucionais necessárias para assegurar a coleta,
processamento, armazenamento, resgate e difusão de informações.
- Recursos humanos adequados.
- Até o ano de 2000, ter estudado em detalhes a exequibilidade de instalar
serviços de avaliação de RH;
- No longo prazo, dispor de serviços operacionais baseados em redes
hidrométricas e alta densidade.
(C) Proteção dos recursos hídricos, da qualidade da
água e dos ecossistemas aquáticos
- Água doce é recurso indivisível;
- Manejo holístico e reconhecimento da interligação dos elementos relacionados à água
doce e a sua qualidade;
- Problemas decorrerem de modelo de
desenvolvimento ambientalmente destrutivo
- Manutenção da integridade do ecossistema, proteção da saúde pública e
desenvolvimento de recursos humanos. - Identificação de recursos hídricos, fontes potenciais de água.
- Controle da poluição
- Participação em programas internacionais de manejo e monitoramente da
qualidade da água
- adoção de abordagem integrada
(D) Abastecimento de água potável e saneamento - Oferta de água confiável e saneamento são vitais
para proteger o meio ambiente;
- 80% de todas as moléstias e mais de um terço dos
- Proteção do meio ambiente e salvaguarda da saúde;
- Reformas institucionais visando à abordagem integrada
- Manejo comunitário de serviços
15
óbitos nos países em desenvolvimento são
causados pelo consumo de água contaminada.
- Práticas financeiras saudáveis (melhor administração de ativos existentes)
(E) Água e desenvolvimento urbano sustentável - Até o ano de 2025, 60% da população viverá nas
cidades.
- Crescimento urbano rápido e industrialização
pressionam os RH e a capacidade de proteção
ambiental;
- Melhor gestão dos RH pode contribuir para
mitigar a pobreza e melhorar a saúde.
- Identificar e implementar estratégias e medidas que assegurem
abastecimento contínuo a preços justos para necessidades presentes e
futuras.
- Até o ano 2000, garantir que todos residentes em zonas urbanas tenham
acesso a pelo menos 40l per capita de água potável e que 75% da população
urbana disponha de serviços de saneamento;
- Até o ano 2000, estabelecer e aplicar normas quantitativas e qualitativas
para o despejo de efluentes municipais e industriais;
- Até o ano 2000, garantir que 75% dos resíduos sólidos gerados nas zonas urbanas sejam recolhidos e reciclados ou eliminados de forma
ambientalmente segura.
(F) Água para produção sustentável de alimentos e
desenvolvimento rural sustentável
- Sustentabilidade da produção de alimentos e
segurança alimentar dependem de práticas
sustentáveis de manejo da água;
- Falta de abastecimento de água e de qualidade
adequada constitui fator de limitação para a
produção animal;
- Pesca em rios e lagos constitui importante fonte
de proteínas.
- Água tem valor econômico;
- Comunidades locais devem participar de todas as fases do manejo da água
- Manejo de RH deve se dar em contexto mais amplo de políticas de saúde,
produção, conservação e distribuição de alimentos.
- Reconhecimento e apoio ao papel das populações rurais.
- Desenvolvimento sustentável de novas áreas de irrigação;
(G) Impactos da mudança do clima sobre os recursos
hídricos
- Prognósticos sobre mudança do clima, embora
incertos, apontam na direção de temperaturas mais altas e precipitações menores, o que levaria a uma
diminuição da oferta de água e aumento de sua
demanda;
- Aumento do nível do mar pode levar a invasões
de água salgada nos rios.
- Compreender e quantificar ameaça do impacto da mudança do clima sobre
RH; - Facilitar a implementação de contramedidas eficazes;
- Estudar os impactos possíveis da mudança do clima sobre áreas propensas
a secas e inundações.
16
31. No espírito da tridimensionalidade do conceito do desenvolvimento sustentável, a Agenda
21 não é restrita às questões ligadas à preservação e conservação da natureza, mas sim a
uma proposta que rompe com o modelo de desenvolvimento até então dominante, no qual se
privilegiava o crescimento econômico, dando lugar à sustentabilidade ampliada, que agrega
a agenda ambiental e a agenda social. Enuncia-se a indissociabilidade entre os fatores
sociais e ambientais e a necessidade de que a degradação ambiental seja enfrentada
juntamente com o problema mundial da pobreza.
32. A resposta brasileira aos desafios listados na Agenda 21 global deu origem a processo rico e
diverso. A sua primeira fase, a de construção, ocorreu entre 1996 e 2002, sob coordenação
da Comissão de Políticas de desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 (CPDS) e
envolveu 40 mil pessoas, de acordo com dados contidos no sítio eletrônico do Ministério do
Meio Ambiente. A Agenda 21 Brasileira, apresentada, em 2002, na Cúpula de
Johanesburgo (ver subseção b) visa a avaliar os fatores e as potencialidades para instituir
um modelo de desenvolvimento sustentável nacional, determinando estratégias e linhas de
ação cooperadas ou partilhadas entre a sociedade civil e o setor público (MMA, 2008).
Possui 5 linhas estratégicas e 21 ações prioritárias, que deverão ser implementadas por meio
de políticas públicas propostas e formuladas em fóruns democráticos de Agendas 21 locais,
incentivados em todo o território nacional, com formação de agentes regionais.
33. O documento Agenda 21 do Brasil – Ações Prioritárias, de 2006, elenca um objetivo
específico, o 15, para a preservação e melhoria da qualidade da água nas bacias
hidrográficas. O quadro abaixo reproduz as principais ações e recomendações contidas no
objetivo 15:
Difundir a consciência de que a água é um bem finito, espacialmente mal distribuído no nosso país, sendo
muito farto na Amazônia despovoada e muito escasso no semiárido nordestino.
Implementar a Política Nacional de Gestão dos Recursos Hídricos, implantando de forma modelar e
prioritária, os Comitês e Agências de Bacias Hidrográficas dos rios Paraíba do Sul, São Francisco, Paraná-
Tietê e Araguaia-Tocantins, nos próximos cinco anos.
Desencadear um programa de educação ambiental no Nordeste, mobilizando grandes produtores, empresas
públicas, governos locais e as comunidades, especialmente as ribeirinhas, em torno dos pontos críticos do
rio São Francisco, desenvolvendo na população a percepção da estreita relação entre desmatamento, perda
de água e desertificação.
17
Promover a educação ambiental, principalmente das crianças e dos jovens nos centros urbanos, quanto às
consequências do desperdício de água. As escolas e a mídia são parceiros privilegiados para
implementação dessa ação.
Assegurar a preservação dos mananciais, pelo estabelecimento de florestas protetoras e proteger as
margens dos rios e os topos das chapadas do Brasil Central, recuperando com prioridade absoluta suas
matas ciliares.
Implantar um sistema de gestão ambiental nas áreas portuárias, de forma a assegurar sua competitividade
internacional controlando rejeitos, derramamento de óleo e melhoria da qualidade dos serviços.
Promover a modernização da infraestrutura hídrica de uso comum e de irrigação associado ao agronegócio
no marco do desenvolvimento sustentável.
Estimular e facilitar a adoção de práticas agrícolas e de tecnologias de irrigação de baixo impacto sobre o
solo e as águas.
Desenvolver e difundir tecnologias de reutilização da água para uso industrial.
Impedir, nos centros urbanos, a ocupação ilegal das margens de rios e lagoas, o que implica, além do
cumprimento da legislação o desenvolvimento e a execução de políticas habitacionais para população de
baixa renda.
Combater a poluição do solo e da água e monitorar os seus efeitos sobre o meio ambiente nas suas mais
diversas modalidades, especialmente resíduos perigosos, de alta toxidade e nocivos aos recursos naturais e
à vida humana.
34. O documento defende que o principal meio de lidar com esses desafios e prioridades é a
efetiva aplicação da Lei de Recursos Hídricos, nº 9.433, aprovada em 1997, além do
empoderamento da Agência Nacional de Águas (ANA). Por esse modelo, as ações
específicas são identificadas de forma participativa, por meio do comitê de bacia e sua
agência, incumbida de gerir o sistema, dirimir conflitos, aplicar cobranças e estabelecendo
políticas de correção.
35. Vale frisar, ainda, que, a partir de 2003, a Agenda 21 Brasileira foi elevada à condição de
programa do Plano Plurianual (PPA), adquirindo mais força política e institucional e passou
a ser objeto de discussão das edições da Conferência Nacional do Meio Ambiente. Ademais,
passou-se a priorizar a formulação de Agendas 21 locais, o que deu origem a centenas de
instrumentos desse tipo, elaborados em conjunto por governos e pela sociedade civil. As
Agendas 21 locais contribuem para que as prioridades e desafios sejam pactuados de forma
participativa e multidisciplinar (ibid.).
18
36. Por fim, a Pesquisa Nacional sobre Agendas 21 Locais, elaborada em 2009, pelo MMA,
aponta que os processos de criação desses instrumentos locais promovem a mobilização e
participação da sociedade e do poder público, além de permitirem a implementação de ações
concretas em diversas dimensões. Os municípios que possuem processos de Agenda 21
locais estão mais aptos a incorporar desafios da sustentabilidade em suas políticas públicas e
promovem maior participação da sociedade nos colegiados governamentais, na elaboração
de diagnósticos ambientais e na elaboração de um plano de ações. Agendas 21 locais
lograram promover, por exemplo, o fortalecimento dos sistemas municipais de meio
ambiente, a criação de espaços de debate e a promoção de ações concretas, como a
recuperação de áreas degradadas e o fomento de atividades econômicas sustentáveis.
(b) A água na Declaração de Johanesburgo e em seu Plano de Implementação
37. A Cúpula de Johanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável, conhecida no Brasil como
Rio+10, teve como objetivo principal traduzir os entendimentos da Rio 92 em ações,
buscando, ao mesmo tempo, reafirmar seus compromissos. O consenso político alcançado
na Rio 92 criara bases consistentes para colocar em prática o conjunto de ações e
recomendações da Agenda 21 (DO LAGO, 2007). A Cúpula colocou a questão da pobreza e
do desenvolvimento no cerne dos debates e contou com a participação de 20 mil
participantes de governos, do setor privado e da sociedade civil. No entanto, há que se
reconhecer que o ambiente político era deveras distinto daquele de 1992. Primeiramente, o
sistema multilateral que havia ganhado fôlego sem precedentes após o fim da Guerra Fria,
período em que ocorreu a Rio 92, já dava sinais de desgaste. Isso ficava evidenciado,
sobretudo, pelo descolamento entre a disposição dos governos de negociar e a vontade
política de assumir desafios, o que se refletia na lacuna de implementação de resultados de
ações e promessas de financiamento e transferência de tecnologia. O crescimento econômico
sem precedentes alcançado nos anos 1990 não corresponderam a avanços notáveis no campo
do desenvolvimento sustentável (ibid.).
38. Mesmo diante dessas dificuldades (ou, talvez, em decorrência delas), a Cúpula de
Johanesburgo deixou como principal resultado um documento político, a Declaração de
Johanesburgo e o Plano de Implementação de Johanesburgo, conhecido por sua sigla em
inglês, JPOI, este mais orientado à ação. Comparada com a Rio 92, que teve como principal
19
resultado a conclusão dos mais importantes tratados ambientais globais, Johanesburgo teve
como horizonte a criação de objetivos mais específicos e a enunciação de ideais
(ANDERSEN e MORGENSTERN, 2003).
39. Os resultados mais notáveis da Cúpula de Johanesburgo são comumente apontados como
aqueles referentes a água e saneamento. Reafirmaram-se, por exemplo, os compromissos da
Declaração do Milênio (ver seção c) de diminuir pela metade a proporção da população
mundial sem acesso a fontes seguras de água e acesso a saneamento, ambas até 2015. Os
dissensos políticos verificados em Johanesburgo não se fizeram sentir, de forma acentuada,
nas questões de água e saneamento (ibid.).
40. O JPOI inclui a gestão integrada de recursos hídricos como componente-chave para se
atingir o desenvolvimento sustentável. Entre os compromissos específicos, é possível citar o
chamado a desenvolver planos de eficiência hídrica até 2005 para as grandes bacias
hidrográficas do mundo; desenvolver e implementar estratégias nacionais e regionais sobre
gestão integrada; promover parecerias público-privadas; ampliar a participação social em
todos os níveis, entre outros. Os principais elementos do JPOI relacionados diretamente à
questão da água doce estão enumerados abaixo:
O fornecimento de água potável limpa e de saneamento adequado é necessário para proteger a saúde humana e
o meio ambiente. Nesse sentido, concordamos em reduzir pela metade, até o ano 2015, a proporção de pessoas
que ainda não têm acesso à água potável segura nem dispõem dos meios para obtê-la (conforme mencionado
na Declaração do Milênio), bem como a proporção de pessoas que não têm acesso ao saneamento básico,
incluindo a implementação de ações em todos os níveis para:
a) desenvolver e implementar sistemas domésticos de saneamento eficientes;
b) melhorar as condições sanitárias nas instituições públicas, especialmente nas escolas;
c) promover práticas seguras de higiene;
d) promover a educação e divulgação, concentrando esforços nas crianças como agentes de mudança
comportamental;
e) promover tecnologias e práticas economicamente viáveis e social e culturalmente aceitáveis;
f) desenvolver mecanismos inovadores de financiamento e de parceria;
g) integrar o saneamento nas estratégias de gerenciamento de recursos hídricos
O lançamento de um programa de ação, com ajuda financeira e assistência técnica, para o cumprimento da
meta determinada pela Declaração do Milênio sobre água potável segura.
20
Elaborar planos de gestão integrada dos recursos hídricos e aproveitamento eficiente da água até 2005,
apoiando os países em desenvolvimento, por meio da adoção de medidas em todos os níveis no sentido de:
a) elaborar e implementar estratégias, planos e programas nacionais e regionais referentes à gestão
integrada das bacias fluviais, bacias hidrográficas e lençóis freáticos, bem como introduzir medidas para
melhorar a eficácia da infraestrutura hídrica a fim de reduzir as perdas e aumentar a reciclagem da água;
b) empregar toda a gama de instrumentos de política, inclusive a regulamentação, monitoramento, medidas
voluntárias e, ferramentas baseadas na informação e de mercado, a gestão do uso da terra e a recuperação
dos custos dos serviços de água, sem que os objetivos da recuperação dos custos se transformem em
obstáculo para os pobres terem acesso à água potável segura, e adotar uma abordagem integrada da gestão
das bacias hidrográficas;
c) fomentar o uso eficiente dos recursos hídricos e promover sua repartição entre os usos competitivos, de
maneira a dar prioridade à satisfação das necessidades básicas dos seres humanos, e equilibrar a
necessidade de preservar ou recuperar os ecossistemas e suas funções, em particular nos ambientes frágeis,
com as necessidades domésticas, industriais e agrícolas do homem, preservando inclusive a qualidade da
água potável;
d) desenvolver programas para minimizar os efeitos de episódios hidrológicos extremos;
e) apoiar a disseminação de tecnologias e capacitação para recursos hídricos não-convencionais, bem
como de tecnologias de conservação aos países e regiões em desenvolvimento que enfrentam condições de
escassez de água ou que sejam sujeitas à seca e à desertificação, prestando apoio técnico e financeiro e
capacitação profissional;
f) apoiar, conforme seja apropriado, os esforços e programas para a eficiência energética, dessalinização
sustentável e econômica da água do mar, a reciclagem da água e o recolhimento da água proveniente de
neblinas costeiras nos países em desenvolvimento, por meio da adoção de medidas, tais como a assistência
tecnológica, técnica e financeira, e outras modalidades;
g) facilitar o estabelecimento de parcerias público-privadas e outras formas de parceria que deem
prioridade às necessidades dos pobres, no âmbito de marcos normativos nacionais estáveis e transparentes
estabelecidos pelos Governos, respeitando as condições locais, envolvendo todos os grupos de interesse e
monitorando o desempenho das instituições públicas e das empresas privadas e melhorando a sua
prestação de contas (accountability).
A agricultura cumpre uma função decisiva no atendimento das necessidades de uma crescente população
mundial e está intrinsecamente vinculada à erradicação da pobreza, especialmente nos países em
desenvolvimento. É urgente fortalecer o papel que as mulheres desempenham em todos os níveis e em todos os
aspectos do desenvolvimento rural, da agricultura, da nutrição e da segurança alimentar. O desenvolvimento
21
rural sustentável e a agricultura sustentável são fundamentais para que se adote uma abordagem integrada para
aumentar a produção de alimentos e a segurança alimentar de maneira ambientalmente sustentável. Para tanto,
requer-se que sejam tomadas medidas em todos os níveis para:
a) formular e implementar planos integrados de gestão do solo e do uso da água baseados no uso sustentável
dos recursos renováveis e em avaliações integradas dos potenciais socioeconômicos e ambientais, bem como
potencializar a capacidade dos Governos, autoridades locais e comunidades de supervisionar e administrar a
quantidade e a qualidade dos recursos terrestres e hídricos;
b) aumentar o conhecimento do uso sustentável, da proteção e da gestão dos recursos hídricos para promover a
sustentabilidade a longo prazo dos recursos hídricos e dos ambientes costeiros e marinhos;
c) promover programas que aumentem de forma sustentável a produtividade da terra e a utilização eficiente dos
recursos hídricos na agricultura, silvicultura, áreas úmidas, pesca artesanal e aquicultura, especialmente
mediante abordagens com base nas comunidades locais e indígenas;
41. Como se nota, os compromissos relacionados ao tema água contidos da JPOI não diferem
em muito daqueles da Agenda 21. O legado Johanesburgo pode ser visto a partir de suas
óticas distintas opostas: tanto pelas severas críticas que sofreu, pela sociedade civil, pela
falta de ações que dessem mais concretude e prazos aos compromissos (exceto por aqueles
já mencionados relativos a água e a saneamento), como pelo o mérito de ter legado
posicionamento moral da comunidade internacional quanto às desigualdades entre pobres e
ricos no alvorecer do século XXI, além de ter colocado a pobreza e os malefícios da
globalização no centro das discussões. O que ficou patente naquele momento histórico foi a
lacuna existente entre promessas e atuação, o que engendrava certa descrença nos processos
multilaterais conduzidos pela ONU, principalmente entre representantes da sociedade civil e
dos movimentos sociais organizados. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio podem
ser enxergados como uma resposta do Secretariado da ONU a esse desgaste.
(c) Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
42. A origem dos ODM reside nos entendimentos firmados, durante os anos 1990, nas diversas
conferências sobre temas como população, desenvolvimento social, meio ambiente, gênero e
direitos humanos, organizadas sob os auspícios das Nações Unidas. Trata-se de um pacto,
firmado pelos líderes dos então 189 países membros, em favor do fim da pobreza extrema e
em prol do desenvolvimento humano, que se organizou por meio de oito objetivos
22
específicos, atrelados a 18 metas, monitorados por 48 indicadores e – o mais importante –
limitados por um prazo, 2015.
43. Pretendem os Objetivos (i) erradicar a pobreza extrema e a fome; atingir o ensino básico
universal; promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; reduzir a
mortalidade infantil; melhorar a saúde materna; combater o HIV/AIDS, a malária e outras
doenças; garantir a sustentabilidade ambiental e estabelecer uma parceria mundial para o
desenvolvimento. Ainda que as áreas escolhidas não representassem, em 2000, novidade no
discurso internacional do desenvolvimento, o fato de objetivos, metas e indicadores,
limitados por um prazo, terem sido consensuados representou novidade do ponto de vista do
direcionamento dos esforços internacionais, até então dispersos, rumo a uma agenda de
desenvolvimento verificável.
44. O gerenciamento adequado dos recursos hídricos é central para a plena consecução dos
ODM. Ainda que apenas um conjunto de metas e de indicadores, ligado ao ODM 7, seja
dedicado, diretamente, à gestão da água, pode-se afirmar que avanços nesse âmbito
impactam todos os outros ODM: a água é essencial para o crescimento econômico,
sobretudo no meio rural, quebra o círculo vicioso de à pobreza e impacta, sobremaneira, a
saúde humana – somente para citar alguns exemplos. A gestão, fornecimento e acesso a
água potável são, portanto, verdadeiros catalisadores do desenvolvimento humano.
45. A despeito da existência dessas inter-relações, a complexidade da questão da água no
contexto do desenvolvimento sustentável contrastava com a aspiração, quando do processo
de formulação dos ODM, de obterem-se objetivos e metas concisas e claramente
comunicáveis. Dessa forma, o resultado do processo ensejou a criação de apenas uma meta e
dois indicadores ligados à gestão da água e do saneamento, abaixo indicados, ligados ao
ODM 7.
23
46. Os ODM constituem o conjunto de compromissos mais diretamente relacionado ao bem-
estar humano, aspecto que não surpreende, dado que se trata de uma agenda de
desenvolvimento socioeconômico construída a partir de uma série de entendimentos
multilaterais sobre o tema que desaguou em uma agenda comum. No entanto, não são
isentos de críticas, sobretudo direcionadas ao seu processo de formulação e sua ambição.
47. O processo de formulação dos ODM é creditado como sendo verticalizado, de cima para
baixo (abordagem top-down), já que os Objetivos foram formulados pelas agências da ONU
(Inter-agency and Expert Group – IAEG), sem a contribuição dos governos nacionais.
Decorre desse histórico a falta de aderência em muitos países em desenvolvimento, que os
criticavam como sendo uma mera agenda de doadores, fortemente enraizada nas diretrizes
do Consenso de Washington1.
48. Críticas mais radicais apontam que muitos Membros das Nações Unidas se viram mesmo
surpresos pela rapidez com que a minuta de Declaração que continha os ODM surgiu diante
dos olhos dos negociadores, sob forte argumentação, por parte dos proponentes dos países
desenvolvidos, de que havia um sentido de urgência e responsabilidade na aprovação.
49. Por outro lado, a Organização das Nações Unidas consideram que os ODM foram e
1 Consenso de Washington é entendido como o receituário das instituições financeiras (FMI, Banco Mundial) e do
Departamento do Tesouro dos Estados Unidos internacionais para promover o ajustamento macroeconômico dos países
em desenvolvimento que sofriam os efeitos de crises econômicas e dificuldades de crescimento econômico na década
de 1990.
Meta 10: Reduzir pela metade, até
2015, a proporção da população sem
acesso permanente e sustentável a
água potável e esgotamento sanitário.
Indicador 30: Proporção da população
(urbana e rural) com acesso a uma fonte
de água tratada, para o acesso a água por
rede geral, poço, nascente ou outro tipo.
Indicador 31: Proporção da população
com acesso a melhores condições de
esgotamento sanitário (urbano e rural)
para esgoto por rede geral, fossa séptica,
fossa rudimentar e outros tipos.
24
continuam sendo o mais bem sucedido impulso anti-pobreza da história e que a ação
harmonizada entre governos nacionais, comunidade internacional e sociedade tornaram as
metas uma realidade. (MDG Report 2013). Progressos substanciais foram alcançados em
várias das metas a nível global incluindo a redução do número de pessoas vivendo em
pobreza extrema e os mais de 2 bilhões de pessoas tiveram acesso a fontes de água potável –
a meta global de acesso a água foi atingida 5 anos antes da data limite de 2015 apesar do
crescimento da população global e embora parte substancial desse progresso tenha sido
alcançado na China e na Índia, países de grande contingente populacional.
50. Do ponto de vista da governança global, Fukuda-Parr (2013) argumenta que o processo de
estabelecimento de objetivos globais como instrumento político dá origem a consequências
intencionais e não intencionais, com impactos positivos e negativos. Sobre as vantagens,
argumenta a autora que os objetivos globais ultrapassam a dimensão puramente qualitativa
ao conferir metas com prazos e mensuráveis. A quantificação simplificada comunica as
prioridades de maneira efetiva.
51. A autora agrupa o impacto do processo de objetivos globais em duas categorias: os efeitos
de governança e os efeitos de conhecimento. Sobre os primeiros, objetivos globais são
utilizados (i) como ferramenta de comunicação para expressar prioridades, promover a
conscientização e mobilizar a atenção; (ii) como marco de avaliação para o monitoramento
de progresso; (iii) como instrumento de responsabilização (accountability) para avaliar o
cumprimento e (iv) para planejar e programar recursos, esforços e desenvolvimento de
políticas. Cita-se, ainda, o efeito moral das avaliações internacionais.
52. No que se refere aos efeitos de conhecimento, os números assumem o papel de definição de
conceitos. A quantificação pode envolver, no entanto, um processo de reducionismo ou
simplificação de processos complexos, a reificação2 de condições sociais e humanas e a
abstração de experiências fora dos seus contextos históricos e locais.
53. De fato, utilizando a perspectiva de Fukuda-Parr, é possível concluir que os ODM, ainda que
tenham limitações de ordem temática e numérica, proporcionam concretude, objetivo e
meios de monitoramento à comunidade internacional e à sociedade. A própria autora destaca
2 Conceito marxista que remete à ideia de transformar uma ideia em uma coisa, ou conceitos abstratos, em ideias
concretas.
25
a capacidade do processo dos ODM em comunicar e conscientizar acerca das iniciativas de
combate à pobreza e promoção do desenvolvimento humano, mas reconhece as críticas,
sobretudo da sociedade civil, acerca de inconsistências metodológicas e da concepção de
metas singularizadas (one-size-fits-all), a qual desconsidera as linhas de base e condições
iniciais de cada país e pode distorcer prioridades. Além disso, os ODM permitem,
minimamente, que se agregue transparência e responsabilidade (noção de “accountability”)
às estratégias de desenvolvimento de agências doadoras e dos Estados (Bond, 2006).
54. Isso posto, quando se fala do processo de internalização dos ODM no Brasil, há fortes
evidências de que o país os utilizou como instrumento concreto para dar um salto de
qualidade nas políticas públicas de desenvolvimento, nos níveis federal, estadual e
municipal. O 4º Relatório Nacional de Acompanhamento dos ODM (IPEA, 2010) afirma
que, “para cumprir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, o Brasil tem se apoiado
em um conjunto de políticas sociais estruturadas e de alcance nacional e que, embora
nenhuma dessas ações tenha sido elaborada especificamente para cumprir os objetivos
acordados na Declaração do Milênio, elas têm objetivos em comum, focados na redução da
pobreza e das desigualdades e na garantia dos direitos dos cidadãos”.
55. Ao Brasil é tributado enorme êxito no cumprimento da maioria dos ODM. Entre os sucessos
de maior relevo estão a redução da miséria e da fome a níveis baixíssimos, alcançada pelos
ganhos de renda e programas de transferência de renda; a redução da mortalidade infantil
(alcançada em 2010); a redução das taxas de desmatamento e, consequentemente, da
emissão de gases de efeito estufa, para citar alguns.
56. Sobre o conjunto de compromissos ligados ao tema da água, cabe notar, inicialmente, que o
período compreendido entre a Rio 92 e a Rio+20 coincide, grosso modo, no Brasil, com os
Censos de 1991 e de 2010. Nesse período, houve melhorias notáveis no abastecimento de
água por rede geral e no esgotamento sanitário por rede geral ou fossa séptica. Em termos
gerais, o Brasil já atingiu as metas relativas ao abastecimento de água e ao esgotamento
sanitário. Caminha-se rumo à universalização do acesso ao abastecimento de água no meio
urbano, com aproximadamente 91,9% dos domicílios ligados à rede de abastecimento. Ao
considerarmos o abastecimento de água por poço também adequado do ponto de vista das
Nações Unidas, a cobertura passa para aproximadamente 97,4% (Censo 2010).
26
57. O IPEA (2010) destaca, no entanto, que a desagregação dos dados por unidades da federação
e para a zona rural permite concluir que ainda há espaço para melhoria de indicadores e que
o alcance pleno da meta ainda não é uma realidade considerando todos os recortes
geográficos e socioeconômicos, com as desigualdades regionais e socioeconômicas
permanecendo ainda em patamares elevados conforme demonstra o gráfico abaixo.
58. A título de comparação, ao passo que 98,9% da população do Estado de São Paulo têm
acesso a água de rede geral canalizada, no Pará, cerca de metade dos moradores em áreas
urbanas (51,5%) possui acesso a esse tipo de serviço.
59. Nas áreas rurais, embora tenha se registrado no Brasil um avanço significativo na proporção
da população abastecida por rede geral, com ou sem canalização interna – que passou de
12,4%, em 1992, para 32,6%, em 2008 – o porcentual de cobertura por rede pública ainda é
bem inferior ao das áreas urbanas, não tendo sido possível lograr o alcance da meta para
esse recorte espacial. Na zona rural, a água utilizada pelas famílias ainda provém
principalmente de poços, nascentes ou de outro tipo de fonte.
60. A cobertura dos serviços de esgotamento sanitário no Brasil, embora tenha aumentado
gradualmente ao longo da última década e meia, ainda é bem inferior ao acesso à água
27
potável. Nas áreas urbanas, a cobertura da coleta de esgotamento sanitário por rede geral ou
fossa séptica aumentou mais de 14% desde 1992 e já alcançava 80,5% da população em
2008. Apesar do aumento da cobertura, a falta de uma solução adequada para o esgoto
doméstico ainda atinge cerca de 31 milhões de moradores nas cidades.(IPEA 2010)
61. A oferta insuficiente de água configura-se em importante problema socioambiental,
sobretudo para os municípios do semiárido brasileiro, devido ao fenômeno da seca, causada
pela conjunção de fatores como o baixo índice pluviométrico, a irregularidade da
distribuição das chuvas durante o ano e a elevada taxa de evapotranspiração.
62. O processo de implementação dos ODM no Brasil se revestiu de características únicas dado
o forte engajamento de atores não governamentais e privados e de um alto nível de
municipalização. Atualmente, é possível monitorar, construir tabelas, gráficos e mapas sobre
os ODM em 5564 municípios brasileiros por meio do Portal ODM, mantido pela FIESP,
SESI, SENAI e IEL3.
63. Inúmeros processos nacionais e locais viabilizados por redes de organizações da sociedade
civil como ONGs, universidades, fundações, empresas, sindicatos e movimentos sociais e
por prefeituras foram amplamente apoiadas pelas agências da ONU no Brasil e por doadores
e exigiam não apenas o cumprimento dos ODM, mas a elaboração de agendas mais
sofisticadas de políticas públicas relacionadas aos ODM.
64. As características de concretude, simplicidade e consenso parecem ser o ponto forte dos
ODM, como ferramenta de mobilização em torno de objetivos de desenvolvimento, e
permitiram notáveis avanços e alinhamento de respostas nacionais a compromissos
consensuados a nível internacional.
65. Vale observar, por fim, que os três principais grupos de compromissos analisados até o
momento possuem estreita conexão e não podem ser considerados em categorias separadas.
De acordo com o MMA (2006), os ODM dão finalidade e direção comuns aos esforços
empreendidos para o combate à pobreza. Se a Agenda 21 é o principal referencial de
princípios e valores contidos na noção de desenvolvimento sustentável e o método e
conteúdo para o desenvolvimento local, os ODM “com suas metas claras, prazos e
3 Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Serviço Social da Indústria, Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial e Instituto Euvaldo Lodi.
28
indicadores de acompanhamento e avaliação transcendem o voluntarismo da aplicabilidade
da Agenda 21 para constituir-se em compromisso efetivo”.
(d) As Conferências Internacionais sobre a Água
66. O ciclo de grandes conferências promovidas pelas Nações Unidas na década de 1970
enfocou temas importantes como o meio ambiente (Estocolmo 1972), população (Bucareste,
1974), alimentação (Roma, 1974), mulheres (México, 1975), assentamentos humanos
(Vancouver, 1976), mas tratou o tema água de maneira difusa, como elemento necessário à
redução da pobreza e para garantir o desenvolvimento.
67. Os antecedentes do tratamento multilateral socioambiental da água encontram-se na
Conferência de Estocolmo sobre Meio Ambiente Humano, em 1972, e na Conferência das
Nações Unidas sobre a Água, que teve lugar em Mar del Plata, Argentina, em 1977. No caso
de Estocolmo, tratou-se de um primeiro passo na mudança de direção de um tratamento
setorial para um tratamento mais amplo da temática ambiental. A Declaração emanada de
Estocolmo alerta para os problemas da poluição da água e para a necessidade de
salvaguardar os recursos hídricos para uso das futuras gerações.
68. A Conferência da Água de Mar del Plata foi a primeira reunião intergovernamental sobre o
desafio de assegurar o fornecimento de água para o futuro reconhecendo o princípio de que
todos têm direito ao acesso a água potável segura, em quantidade suficiente, e a
saneamento adequado. Contou com a participação da vasta maioria países membros das
Nações Unidas naquela época (105) e, desde então, a importância da água potável para a
vida humana passou a fazer parte da agenda política global.
69. Os principais legados de Mar del Plata foram o entendimento de que a água deveria ser
tratada de forma holística e ampla e o conceito de gestão integrada dos recursos hídricos.
Produziu-se uma avaliação do status dos recursos hídricos, a busca de soluções para
assegurar que houvesse oferta de água de qualidade para as atividades socioeconômicas,
promoveu-se o aumento da eficiência de uso e encaminhou a preparação para que se evitasse
uma crise de dimensões globais antes do fim do século XX.
29
70. O Plano de Ação resultante da Conferência propôs recomendações políticas e continha doze
resoluções sobre assuntos específicos, como uso eficiente, desastres naturais, saúde, meio
ambiente, controle da poluição, cooperação, entre outros. Estes temas evoluíram ao longo de
décadas para encontrar sua melhor expressão no capítulo 18 da Agenda 21.
71. A Conferência teve forte impacto sobre a institucionalidade do setor de recursos hídricos dos
países em desenvolvimento - muitos promoveram o estabelecimento de autoridades
nacionais de água, órgãos coordenadores e gestão de recursos hídricos em nível nacional e
de bacia hidrográficas e incidiram sobre a revisão de marcos legais e de mecanismos de
controle, como os de poluição.
72. Mar del Plata recomendou ainda que a década de 1980 fosse designada como a Década
Internacional de Água e Saneamento, havendo recebido o endosso oficial da Assembleia
Geral das Nações Unidas, do que decorreram repercussões imediatas no comprometimento
dos países. Entretanto, apesar dos inquestionáveis avanços resultantes da Década, suas metas
de universalização de acesso à água e saneamento jamais foram alcançadas. Foram
reintegradas à agenda internacional em 2000 como uma das Metas do Milênio embora com
alcance mais modesto e, provavelmente, serão novamente reintroduzidas como Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável – ODS - previstos para entrar em vigor a partir de 2015.
73. Após duas décadas em que o tema da água praticamente desapareceu da agenda política
global, a Conferência Internacional sobre Água e Meio Ambiente de Dublin, na Irlanda, em
1992, foi convocada sob a égide das Nações Unidas com o objetivo de formular políticas e
programas de ação, em preparação para a Rio 92. O principal resultado da Conferência,
documento conhecido como Princípios de Dublin, emanava recomendações de ação nos
níveis local, nacional e internacional e apoiava-se nos seguintes princípios: a água doce é
um recurso finito e vulnerável, essencial para sustentar a vida, o desenvolvimento e o meio
ambiente; a gestão e o desenvolvimento da água deverão ser baseados em uma abordagem
participativa, envolvendo usuários, planejadores e legisladores, em todos os níveis; as
mulheres têm papel principal na provisão, gerenciamento e proteção da água; a água tem
valor econômico em todos os usos competitivos e deve ser reconhecida como um bem
econômico.
74. Vários fatores contribuíram para que a Cúpula de Dublin não tivesse o impacto esperado,
entre eles um processo de planejamento deficiente e a desconsideração dos avanços
30
alavancados pela Conferência de Mar del Plata. Vários princípios e conceitos de gestão
introduzidos com sucesso em Mar del Plata foram ignorados ou tiveram tratamento
totalmente diferenciado, como, por exemplo, o excessivo enfoque no valor econômico da
água do Princípio 4, em detrimento da abordagem de observância de objetivos sociais,
equidade e pobreza validado em 1977.
75. Considera-se, entretanto, que o fato de a Conferência de Dublin não ter tido caráter
intergovernamental, e sim de uma reunião de especialistas, tenha sido determinante para que
suas recomendações não tenham sido devidamente examinadas na Cúpula do Rio.
Eventualmente, a menor hierarquia de evento de especialistas, e o caráter não
intergovernamental das consultas internacionais subsequentes, como a realizada em Berlim,
em 2001, que precedeu a Cúpula de Johanesburgo, em 2002, determinou a tímida evolução e
desenvolvimento da agenda política internacional da água a partir de então. (BISWAS,
2011)
76. A comunidade internacional voltou a reunir-se em foro específico para tratar do tema da
água em outubro de 2013, quando teve lugar a Cúpula da Água de Budapeste. O objetivo
expresso do evento, organizado pelo Governo da Hungria, em cooperação com as Nações
Unidas, era inventariar as várias iniciativas e esforços em andamento sobre recursos
hídricos, com vistas ao estabelecimento de um objetivo de desenvolvimento específico para
a água na Agenda de Desenvolvimento Pós-2015, no contexto dos processos negociadores
mandatados pela Rio+20.
BOX 1
A Rio+20: A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, teve lugar no Rio de Janeiro, de 20 a 22 de junho de 2012, para marcar os vinte anos da Rio 92 (CNUMAD). Teve como objetivos assegurar comprometimento internacional com o desenvolvimento sustentável; avaliar o progresso e lacunas de implementação das decisões das grandes cúpulas sobre desenvolvimento sustentável anteriores e discutir temas emergentes (como empregos verdes, segurança alimentar etc). Seu principal resultado, a declaração O futuro que queremos, além de renovar o compromisso dos países com o desenvolvimento sustentável, veio a ser o ponto de partida para ampla gama de novos processos negociadores e políticos no âmbito das Nações Unidas. Entre eles, está a elaboração de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) alinhados com a formulação de uma agenda de desenvolvimento para o período que se seguirá à implementação dos ODM. A Rio+20 e suas relações com a questão da água serão mais bem exploradas no produto 2 desta consultoria.
31
77. A Cúpula de Budapeste reconheceu que a natureza crítica da água para as populações
humanas e para o planeta condiciona qualquer agenda futura de desenvolvimento
sustentável, requer um robusto processo intergovernamental para monitorar, revisar e
avaliar regularmente progressos de implementação do futuro ODS-água e recomenda que
mecanismos institucionais adequados sejam instalados para revisar regularmente e avaliar
progressos de uma maneira integrada.
78. Comprometida com os processos negociadores e políticos desencadeados pela Rio+20,
como o dos ODS – a Cúpula de Budapeste analisou os resultados de iniciativas levadas a
cabo pelos programas da ONU e dos Fóruns Mundiais da Água e apresentou soluções
práticas, acessíveis e viáveis para fazer frente aos maiores desafios. Como resultado,
cristalizou cinco temas considerados essenciais para uma política de água robusta: metas
específicas, mensuráveis, atingíveis, realistas e com horizonte temporal definido (SMART
pelo jargão, em inglês, da linguagem de monitoramento e avaliação), em níveis global,
regional e nacional, para assegurar acesso sustentável e universal a água segura e
saneamento e higiene; aperfeiçoamento de métodos para integração técnica, ambiental,
social e de aspectos políticos; boa e efetiva governança da água que aplique os princípios da
transparência, prestação de contas (entendida como accountability4), acesso a informação,
participação e cooperação relevantes para qualquer sistema político com devida
consideração ao engajamento de beneficiários e circunstâncias locais quando do
desenvolvimento e implementação de políticas; incentivos efetivos para uso da água para
criar e apoiar economias verdes, garantindo a priorização da gestão de recursos hídricos em
planos nacionais; mecanismos de financiamento novos, inovadores, públicos e privados para
financiar a gestão de água no marco do desenvolvimento sustentável.
79. Ao contrário de outros temas internacionais como a biodiversidade, a mudança do clima e a
segurança química, a água não dispõe de regime internacional ou lócus institucional próprio,
como uma convenção multilateral ampla em vigor ou uma agência especializada da ONU
inteiramente dedicada ao tema. Por essa razão, a agenda internacional da água encontra-se
pulverizada no âmbito do trabalho de diversas agências das Nações Unidas que, apesar de já
contarem com mecanismos de coordenação programática, como o UN Water, seguem
enfrentando o risco de sobreposições de mandatos, iniciativas e recursos. Por outro lado, as
4 «Accountability» significa que quem desempenha funções de importância na sociedade deve regularmente explicar o que anda a fazer, como faz, por que faz,
quanto gasta e o que vai fazer a seguir. Não se trata, portanto, apenas de prestar contas em termos quantitativos mas de autoavaliar a obra feita, de dar a
conhecer o que se conseguiu e de justificar aquilo em que se falhou. (Wikipédia)
32
discussões internacionais relativas à água ganharam consistência e relevância com a
realização das anteriormente mencionadas Cúpulas e Foros Mundiais ou à margem de
Convenções Multilaterais, como as mencionadas na tabela 1, mas certamente têm sua
implementação dificultada por estarem sujeitas aos impulsos espasmódicos de grandes
eventos.
(e) Os Fóruns Mundiais da Água
80. O Fórum Mundial da Água é organizado a cada três anos por um país sede em estreita
cooperação com o Conselho Mundial da Água, um centro de estudos internacional sobre
políticas do setor água estabelecido em 1996 em resposta à crescente preocupação global
com as pressões sobre os recursos hídricos.
Box 2
O Conselho Mundial da Água é uma plataforma internacional formada por entidades
vinculadas ao setor água. Foi estabelecida em 1996 com o objetivo de promover a
conscientização e o compromisso político e catalisar a ação em temas críticos nos
vários níveis, incluindo o de tomada de decisão, para facilitar a eficiente conservação,
proteção desenvolvimento, planejamento, gestão e uso da água em todas as suas
dimensões.
Ao fornecer uma ampla plataforma para encorajar debates e trocas de experiências o
Conselho visa alcançar uma visão estratégica comum sobre os recursos hídricos e
serviços de gestão da água. Um aspecto marcante do Conselho é seu modelo de
governança aberto e representativo dos vários segmentos do setor, organizado em cinco
colegiados que incluem entidades intergovernamentais, governos e autoridades,
empresas, sociedade civil, usuários, profissionais e acadêmicos.
O amplo leque de atividades apoiadas ou alavancadas pelo Conselho culminam na
realização das edições do Fórum Mundial da Água a cada três anos e que mobilizam
33
fortemente a comunidade internacional da água. A próxima edição do Fórum Mundial
está prevista para 2015 na Coreia.
81. O Fórum atua, basicamente, para aumentar a importância da água na agenda política; apoiar
o aprofundamento de discussões sobre os problemas relacionados à água no século XXI;
formular propostas concretas e mobilizar atenção mundial em torno destas; e gerar
compromisso político em torno dos temas acordados.
82. As sucessivas edições do Fórum Mundial da Água estabelecem bases para uma colaboração
global sobre os problemas do setor e oferecem a tomadores de decisão, autoridades do setor,
especialistas e representantes da sociedade civil de todo o mundo uma oportunidade única
de intercambiar informações e experiências, fazer recomendações para assegurar a
segurança hídrica nas diferentes partes do mundo e propor soluções para encaminhar
desafios globais nas agendas políticas em todos os níveis.
83. As seis edições do Fórum, detalhadas a seguir, demonstram o inequívoco sucesso deste
processo aberto, participatório e inclusivo que, ao longo de 15 anos, ganhou
institucionalidade, representatividade técnica e política e gerou maior conscientização e
melhor entendimento dos temas da água. A título ilustrativo, a tabela abaixo mostra a
evolução do Fórum como o mais relevante evento do setor.
Marselha
2012
Istambul
2009
México
2006
Quioto
2003
Haia
2000
Marrakesh
1997
Ministros 112 85 78 130 114 -
Jornalistas 900 1.027 1.395 1000 500 -
Participantes 35,000 33.058 20.000 24,000 5.700 500
Países 145 192 148 183 130 63
Fonte: Site do World Water Forum.
84. O 1º Fórum Mundial da Água teve lugar em Marrakesh, Marrocos, em março de 1997, e recebeu
a missão de desenvolver uma visão de longo prazo sobre Água, Vida e Ambiente no Século 21 a ser
aprofundada no Fórum seguinte. Entre os principais temas advertiu sobre o tratamento da água
34
como um bem de mercado e priorizou água e saneamento, gestão compartilhada da água,
conservação ecossistêmica, igualdade de gênero e eficiência de uso de recursos hídricos. A
Declaração de Marrakesh reconheceu a água limpa e segura e saneamento como necessidades
humanas básicas, encorajou a construção de um efetivo sistema de gestão pública da água,
recomendou medidas para a proteção de ecossistemas, de propulsão eficiente de água e enfatizou a
importância da cooperação entre governos e sociedade civil.
85. O 2º Fórum Mundial da Água ocorreu na Haia, Holanda, em março de 2000. Entre os
principais desafios para o futuro identificados e discutidos nessa ocasião estavam atender
às necessidades básicas de água, assegurar o suprimento de alimentos, a proteção de
ecossistemas, os recursos hídricos compartilhados, a gestão de riscos e valoração e
governança da água. O 2º Fórum reafirmou o conceito de que a segurança hídrica é uma
responsabilidade de todos, incluído governos, setor privado, sociedade e que,
conjuntamente, deveriam se comprometer com metas e indicadores de progresso
nacionais e regionais. Em sua Declaração final, os Ministros concordaram sobre uma
visão estratégica e marcos de ação e em revisar os progressos nestes temas em bases
regulares e em oferecer apoio ao Sistema Nações Unidas para a revisão periódica do
estado dos recursos hídricos.
86. O 3o Fórum Mundial de Água foi organizado no Japão, em 2003, e registrou um salto
expressivo no número de participantes e países, tornando-se o maior evento sobre água
realizado até então. Também foi dado um salto qualitativo referenciado pelos Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio e da Cúpula de Johanesburgo (2002), endossados pela
comunidade internacional no ano anterior. A Declaração Ministerial reafirmou o papel da
água como principal vetor do desenvolvimento sustentável e lançou portfólio de 3.000
ações locais, dando novo relevo à boa governança e descentralização da gestão de
recursos hídricos. O financiamento e a universalização do acesso ganharam importância
central nos debates, bem como a cooperação internacional para o melhoramento
progressivo da gestão de água na agricultura. Essa edição do Fórum propôs,
explicitamente, melhor coordenação, monitoramento e avaliação de gestão a nível local e
nacional, o desenvolvimento de indicadores nacionais relevantes e o aumento da
capacidade para medir e monitorar desempenho, compartilhar enfoques inovadores,
melhores práticas, informações, conhecimentos e experiências.
35
87. O Fórum de Quioto não impulsionou nenhum programa de ação global, mas atribuiu foco
central à responsabilidade primária de cada país de integrar a temática da água aos planos
nacionais de desenvolvimento, incluindo programas estratégicos de redução de pobreza.
Isso se traduziu em compromisso concreto de desenvolver a gestão integrada de recursos
hídricos e planos de eficiência da água para 2005.
88. O Brasil respondeu a este compromisso com o estabelecimento em janeiro de 2006 do Plano
Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), instrumento que orienta a gestão das águas no Brasil. O
conjunto de diretrizes, metas e programas que constituem o PNRH foi construído em amplo
processo de mobilização e participação social.
89. O 4o Fórum, realizado pela primeira vez em continente americano, reuniu no México cerca
de 20.000 participantes que, inspirados pelo tema “Ações Locais para um Desafio Global”
identificaram nas soluções locais para os problemas relacionados a água a base para alcançar
as metas estabelecidas pelos ODM e da Agenda 21. Dentre os principais temas discutidos
estavam o posicionamento da centralidade da água para o crescimento e desenvolvimento, o
acesso universal à água e saneamento, as inter-relações entre água, alimentos e ambiente. As
principais ideias que emergiram desse Fórum relacionaram-se à nova cultura de consumir
menos e gerir melhor, de maneira integrada, descentralizada e eficiente, os recursos hídricos.
90. O 5º Fórum Mundial, realizado na Turquia, teve como principal resultado o Consenso da
Água de Istambul, um apelo do mais alto nível politico em favor de ações e compromissos
concretos em água e saneamento. Das 58 adesões iniciais em Istambul, o Consenso de
Istambul já reunia 1100 signatários ao final da seguinte edição do Fórum, demonstrando o
impacto deste evento mesmo durante o período intersecional. Essa edição do Fórum
Mundial destacou-se ainda pela mobilização e engajamento sem precedentes, de 9 Chefes
de Estado e Governo, 85 Ministros. Os 263 parlamentares participantes introduziram a
proposta de um “helpdesk” parlamentar para reunir conhecimento e oferecer contínuo apoio
político em temas relacionados à formulação e implementação de legislação específica para
o setor água. Jovens e crianças passaram a ter crescente espaço institucional de participação,
a partir desta edição do Fórum em Istambul.
91. O Chamado à Ação lançado em Istambul inova ao definir como prioridades para a agenda
de tomadores de decisão e usuários do setor água a segurança hídrica e a adaptabilidade à
36
mudança do clima, vincula sua efetividade ao desenho de novas políticas, estratégias de
adaptação e reformas institucionais e define como um imperativo aumentar a adaptação da
gestão da água a mudanças globais e cooperação em todos os níveis.
92. O acúmulo de experiências e os resultados dos Fóruns anteriores e outras conferências
internacionais permitiu que o 6º Fórum Mundial da Água realizado em Marselha, França,
em 2012, promovesse uma abordagem estratégica para encontrar soluções e alavancar
compromissos. Os debates enfocaram a crise da água no entendimento de que se trata de
uma crise de governança, tipificada por debilidades institucionais, marcos legais
insatisfatórios, recursos humanos e financeiros limitados, falta de transparência e limitado
envolvimento dos principais atores e usuários de água no processo de tomada de decisão.
93. Na linha do tema do 6o Fórum de que é tempo de soluções, foram listadas, entre outras, a
urgência de compartilhar responsabilidades entre gestores nacionais e locais, o uso de
capacidades e experiências locais com mínimo incremento de infraestruturas e claros
mecanismos de financiamento e coordenação.
94. Essa edição do Fórum foi antecedida por um forte processo de preparação política, temática
e de caráter regional. No hemisfério americano, o processo repercutiu na realização do
primeiro Fórum da Água das Américas (WFA, por sua sigla em inglês), uma plataforma que
incluiu uma enorme diversidade de atores, desde representantes governamentais,
acadêmicos, do setor privado a cerca de 3.500 ONGs, na busca de consensos sobre a gestão
de temas relacionados à água.
95. Um conjunto de prioridades foram consensuadas para a região e, entre estas, algumas metas
concretas como o reconhecimento das implicações e princípios da declaração da água e
saneamento como direitos humanos e a formulação de planos de implementação destes
direitos em pelo menos 25% dos países da região até 2015. Propôs-se, também, a meta de
reduzir em 50% o déficit de acesso a serviços de água e saneamento até 2020, calculados
sobre a linha de base de 2008, em consonância com as metas do Objetivo de
Desenvolvimento do Milênio.
96. Por outro lado, uma série de avanços de caráter legislativo ou de estímulo ao
desenvolvimento de capacidades institucionais específicas para a adaptação mudanças
climáticas e a segurança alimentar, o nexo entre água e energia e o aperfeiçoamento de
37
mecanismos de governança foram detalhados e quantificados. Metas foram estabelecidas
ainda para que as Américas se comprometam a sustentar os serviços ecossistêmicos
incluindo os fluxos ecológicos e a conservação de áreas de recarga.
97. Os compromissos regionais adotados no marco do Fórum de Marselha avançam na
verticalização de ações a nível nacional e, ao mesmo tempo, na coordenação de resultados
em nível global. As mais de 400 sessões técnicas, as 12 mesas ministeriais, encontros de
autoridades locais e parlamentares encontraram uma mensagem comum sobre os desafios da
gestão dos recursos hídricos de nossos tempos.
98. Os documentos finais das seis edições do Fórum Mundiais da Água revelam crescente
preocupação com a gestão sustentável dos recursos hídricos e suas implicações para a
segurança hídrica, energética, alimentar, para fazer frente a mudanças climáticas, a desastres
naturais e antrópicos e o desafio de suprir as demandas do desenvolvimento sustentável.
Suas principais mensagens são claras e recorrentes:
A manutenção de práticas e modelos atuais não é mais uma opção para assegurar a
oferta, o uso e a gestão sustentável dos recursos hídricos.
A disponibilidade de metas, indicadores de monitoramento e estratégias específicas são
essenciais para garantir a segurança hídrica no século XXI.
A institucionalidade adequada e a capacidade de planejamento e avaliação periódica do
estado dos recursos hídricos a nível global devem estar alinhadas a mecanismos de
governança, participação, discussão e tomada de decisão também em nível local.
A gestão integrada de recursos hídricos pressupõe a convergência e coerência de
políticas a nível nacional e, quando apropriado, a nível regional e internacional bem
como a transparência e responsabilização (accountability) para superar a fragmentação
em todos os níveis.
99. Os consensos e recomendações emanados pelos Fóruns Mundiais da Água não têm,
entretanto, a força legal de uma convenção ou tratado internacional. Seus acordos ganham
sustentação e relevância devido a dois aspectos principais: endossam, por um lado, os
38
compromissos assumidos por governos nacionais com metas internacionais sobre água e
saneamento, incluindo as da Agenda 21, do Plano de Implementação de Johanesburgo e dos
ODM e são, por outro lado, endossados pela comunidade internacional da água, que se
constitui de autoridades nacionais, técnicos e especialistas, autoridades locais e
representantes da sociedade civil vinculados ao setor.
100. De maneira coerente com os títulos de suas sucessivas edições, o Fórum Mundial nasce
sob a égide da visão de longo prazo sobre água, vida e ambiente para o Século XXI (1997) e
evolui da Visão para a Ação (2000), incorpora a importância da ação local para fazer frente
aos desafios globais (2006) e identifica em 2012 ter chegado o tempo de soluções.
(f) A água e a mudança do clima
101. A mudança do clima tem efeitos diretos sobre a segurança hídrica das nações.
Estima-se que, em 2025, cerca de 5 bilhões de pessoas, dentre uma população mundial de 8
bilhões, estará vivendo em regiões sob stress hídrico, isto é, utilizando mais de 20% da água
doce disponível. O Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) sugere,
ainda, que as mudanças climáticas poderão ser responsáveis por 20 por cento do aumento da
escassez de água no planeta (apud UNESCO, 2003).
102. A água é o principal meio pelo qual a mudança do clima influencia os ecossistemas e
as condições de vida e bem-estar humano. As vulnerabilidades e impactos globais da
mudança do clima relativos à água podem ser resumidos da seguinte forma, de acordo com
debate recente, no âmbito do Órgão Subsidiário para Aconselhamento Científico e
Tecnológico da UNFCCC (Documento FCCC/SBSTA/2012/4):
Aumento das temperaturas e mudanças interanuais na precipitação, resultando em
mudanças nas precipitações e regimes de enchentes e acelerando fenômenos naturais
geralmente mais lentos, como a desertificação, aumento do nível do mar, salinização de
recursos de água doce e derretimento de calotas de gelo;
Aumento da intensificação de eventos extremos, como a elevação da frequência e
gravidade de furacões e enchentes, maior risco de corridas glaciares (jökulhaup) e
39
agravamento da capacidade física de gerir ou responder aos riscos associados a esses
eventos;
Variabilidade e incertezas quanto à disponibilidade de água, devido a, por exemplo,
sazonalidade, aumento da variabilidade de chuvas tanto durante quanto fora dos períodos
previstos, menos neve no inverno, além dos impactos que os déficits de água em setores
econômicos e ecossistemas, resultado de secas e ressecamentos de recursos naturais e
cursos de água.
103. Esses efeitos tendem a variar, fortemente, de acordo com a localização geográfica
dos países e das regiões. No Brasil, a mudança do clima deve alterar o regime de chuvas, de
secas, as taxas de recarga de águas subterrâneas e aumentar a incidência e intensidade de
eventos extremos e o risco de desastres naturais principalmente nas áreas urbanas.
104. Já há um corpo relevante de cientistas brasileiros que se tem dedicado a estudar, em
mais detalhes, os impactos da mudança do clima no meio ambiente, na sociedade e na
economia brasileira. O Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (2013) é a expressão
mais recente desse esforço de ampliar a base científica nacional. O PBMC foi estabelecido
nos moldes do IPCC com o objetivo de aproximar cientistas e formuladores de políticas
públicas no que concerne à gestão da mudança do clima no Brasil. Em seu O Primeiro
Relatório de Avaliação Nacional, o PBMC indica que a mudança do clima deverá impactar
os ciclos hidrológicos e as regiões hidrográficas de forma diversa, mas afetará, sem
exclusão, todos os biomas brasileiros. Cabe citar algumas das conclusões contidas no
Relatório referentes aos biomas onde se concentram os principais desafios de combate à
pobreza.
“AMAZÔNIA: Reduções percentuais de 10% na distribuição de chuva e aumento de temperatura de 1º a
1,5ºC até 2040, mantendo a tendência de diminuição de 25% a 30% nas chuvas e aumento de temperatura
entre 3º e 3,5ºC no período 2041-2070, e redução nas chuvas de 40% a 45% e aumento de 5º a 6º C na
temperatura no final do século (2071-2100).”
“CAATINGA: Aumento de 0,5º a 1ºC da temperatura do ar e decréscimo entre 10% e 20% da precipitação
durante as próximas três décadas (até 2040), com aumento gradual de temperatura de 1,5º a 2,5ºC e
diminuição entre 25% e 35% nos padrões de chuva no período de 2041-2070. No final do século (2071-
2100) as projeções indicam condições significativamente mais quentes (aumento de temperatura entre 3,5º
40
e 4,5ºC) e agravamento do déficit hídrico regional com diminuição de praticamente metade (40 a 50%) da
distribuição de chuva. Essas mudanças podem desencadear o processo de desertificação da caatinga.”
“MATA ATLÂNTICA: Como este bioma abrange áreas desde o Sul, Sudeste até o Nordeste brasileiro, as
projeções apontam dois regimes distintos. Porção Nordeste (NE): aumento relativamente baixo nas
temperaturas entre 0,5º e 1ºC e decréscimo nos níveis de precipitação em torno de 10% até 2040,
mantendo a tendência de aquecimento entre 2º e 3ºC e diminuição pluviométrica entre 20% e 25% em
meados do século (2041-2070).”
105. Essas projeções podem ser consideradas a partir de seus impactos socioeconômicos.
A gestão de recursos hídricos deverá enfrentar crescentes desafios devido às incertezas
provocadas pelas mudanças climáticas. As áreas de energia, fortemente dependente da
matriz hidrelétrica, infraestrutura, transporte e agricultura, de acordo com especialistas
brasileiros, podem ser as mais seriamente atingidas. Cenários apontam que, caso nenhuma
medida mitigadora e de adaptação seja realizada, poderá ocorrer uma redução de cerca de 11
milhões de hectares de terras adequadas à agricultura, até 2030, por causa das alterações
climáticas, com efeitos adversos sobre a segurança alimentar (PBMC, 2013)
106. Algumas conclusões do estudo Economia das Mudanças Climáticas no Brasil
(MARGULIS et al, 2009), tendo como ponto de partida cenários climáticos rodados em
modelos do Hadley Centre apontam ainda que (i) a variação da disponibilidade hídrica dar-
se-ia de maneira heterogênea nas distintas bacias hidrográficas, com forte diminuição em
bacias da região nordeste, enquanto nas bacias ao sul do país haveria um ligeiro aumento,
com efeitos diretos sobre o desenvolvimento e o bem-estar humano; (ii) perda de
confiabilidade do sistema de geração de energia hidrelétrica, oriunda da redução de cerca de
30% de energia firme; usinas localizadas no Nordeste seriam as mais severamente
prejudicadas (iii) no horizonte de 10 a 20 anos, poderia ocorrer migração de populações
atingidas mais fortemente por secas, o que geraria um aumento da demanda de serviços,
principalmente nas áreas urbanas da região Nordeste, agravando condições socioeconômicas
já desfavoráveis.
107. O setor energético, especificamente, pode ser afetado de diversas formas pelas
mudanças do clima, tanto no que diz respeito à base de recursos energéticos e aos processos
de transformação, quanto aos aspectos de transporte e consumo de energia. Em termos de
oferta, praticamente todas as opções de energia estão expostas a algum grau de
41
vulnerabilidade às mudanças do clima. Em geral, espera-se que as fontes renováveis sejam
mais susceptíveis a mudanças do clima, já que seu potencial depende de um fluxo que está
intimamente ligado às condições climáticas. Esse é o caso da energia hidroelétrica, eólica e
de biomassa (PBMC, 2013).
108. No que diz respeito às políticas públicas para responder a esses desafios, em 2009,
foi instituída a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), que oficializa o
compromisso voluntário do Brasil junto à UNFCCC e ao Protocolo de Quioto de redução de
emissões de gases de efeito estufa até 2020. Posteriormente, em 2012, identificou-se a
necessidade da elaboração de um Plano Nacional de Adaptação que mapeasse as
vulnerabilidades, integrasse as ações existentes e adotasse escalas de tempo e espaço
apropriadas para o planejamento e implementação de ações no Brasil.
109. Dentre os grupos de trabalho constituídos para a elaboração do Plano de Adaptação,
o que examina a adaptação aos efeitos das mudanças climáticas sobre os recursos hídricos
identifica como principal desafio a ausência de modelos climáticos adaptados à escala do
território brasileiro e, particularmente, à de bacias hidrográficas onde devem ser aplicados os
instrumentos de gestão dos recursos hídricos. Considera-se essencial para fazer frente às
incertezas climáticas recuperar e consistir séries históricas de variáveis hidrológicas e
fortalecer e aprimorar o monitoramento hidro-meteorológico e a disponibilidade hídrica para
identificar e acompanhar o processo de mudança e permitir tomada de decisão informada e
adequada.
110. A adaptação à mudança do clima é quase inteiramente ligada à questão da água.
Reconhecer esse vínculo intrínseco e responder ao desafio de maneira apropriada, além de
fortalecer a segurança hídrica, pode gerar novas oportunidades econômicas, como inovações
e soluções integradas de gestão. Em contraste, quando se comparam as políticas públicas e
os investimentos voltados para a área de adaptação com aqueles para a mitigação, verifica-se
grande lacuna. No plano internacional, desde o montante do Fundo de Adaptação de Quioto
até as linhas de mudança do clima do Fundo para o Meio Ambiente Global (GEF), cifras
dedicadas à adaptação são desproporcionais aos fundos dedicados a mitigação e,
particularmente, ao tamanho dos desafios que se apresentam (PNUD, 2006).
111. No Brasil, o estudo Financiamentos Públicos e Mudança do Clima (PNUMA/FGV,
2010) alerta para situação semelhante. Ao passo que as linhas de crédito “verde” e para
42
mitigação da mudança do clima são numerosas em instituições de governo e bancos
públicos, soluções financeiras para adaptação oportunidades são pouco exploradas. O estudo
atribui à falta de clareza na definição de prioridades governamentais como uma das causas
da carência de recursos financeiros públicos para adaptação.
112. A adaptação à mudança do clima é fortemente vinculada às seguranças hídrica,
energética e alimentar. Os estudos relativos a impactos físicos e socioeconômicos da
mudança do clima, embora apresentem limitações diversas, demonstram que o problema é
da maior relevância para o planejamento do desenvolvimento do país.
4. Considerações sobre a questão da água nas políticas públicas brasileiras e o
papel do Brasil nos atuais debates internacionais.
113. O Brasil está em posição privilegiada no cenário da geopolítica da água. O país
possui a rede hidrográfica mais extensa do planeta, com mais de 55 mil km² de rios, o que
corresponde a um potencial hídrico de 13% de toda a água doce do planeta (ANA, 2013) e
53% da América do Sul (FBDS, 2011). A situação geopolítica no que se refere a recursos
naturais faz do Brasil ator fundamental nas negociações internacionais.
114. Com efeito, o Brasil tem participado ativamente dos mais importantes foros e
iniciativas relacionadas a recursos hídricos, tanto os de caráter técnico como os políticos,
incluindo as indicadas nas seções anteriores. O Brasil é signatário dos mais importantes
acordos que tratam, direta ou indiretamente, a questão da água, como a Declaração do Rio,
a Agenda 21, a Declaração de Johanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável, a
Declaração do Milênio, a Convenção de Ramsar5 e as chamadas “Convenções do Rio” –
sobre Diversidade Biológica, sobre Mudança do Clima e sobre Desertificação. Nesses foros
e iniciativas, o Brasil tem pautado sua atuação pela defesa da soberania no contexto da
conservação e da gestão dos recursos hídricos, da importância econômica da água e de seu
papel nas políticas de desenvolvimento social e combate à pobreza.
5 Sobre áreas úmidas e alagadas
43
115. O Brasil mantém, ademais, postura altamente cooperativa quanto à gestão de cursos
de água transfronteiriços. Em âmbito regional, o Brasil busca estabelecer relações de
cooperação com seus vizinhos a partir do compartilhamento de informações técnicas e apoio
ao fortalecimento de instituições regionais. Os diversos instrumentos jurídicos, como
tratados, de que o Brasil faz parte recorrem à criação de mecanismos institucionais
permanentes, para a solução de controvérsias oriundas das convenções sobre rios
transfronteiriços, como o Tratado da Bacia do Prata.
116. Os principais avanços em nível nacional sobre o tema da água são, no entanto,
anteriores aos primeiros grandes debates internacionais sobre o tema. O Código de Águas,
de 1934, foi um marco legal pioneiro no país, que permitiu notável expansão do sistema de
geração de energia hidrelétrica. Embora contivesse menções a objetivos de vanguarda para a
época, como a conservação da qualidade da água e usos múltiplos, jamais foi implementado
plenamente: as ações eram exclusivamente setoriais, voltadas para atender os interesses
econômicos do país. Também a criação da Companhia Hidrelétrica do São Francisco
(CHESF), em 1945, merece destaque por inserir a concepção do aproveitamento múltiplo
das águas dessa importante bacia para fins como a geração de energia elétrica, irrigação e
navegação (GEO Brasil Recursos Hídricos - PNUMA, 2006).
117. Pouco depois que a Conferência das Nações Unidas sobre Água, ocorrida em Mar
del Plata, em 1977, propôs um Plano de Ação internacional para lidar com os desafios que
se impunham, no Brasil, já se gestava o debate sobre o estabelecimento de um sistema de
gestão dos recursos hídricos com participação social. Essa concepção seria construída a
partir de intenso processo de amadurecimento de iniciativas federais, estaduais e no nível de
bacia, bem como a evolução dos índices de atendimento por sistemas de abastecimento de
água. Aliado ao recrudescimento da preocupação com questões ambientais, sobretudo após a
aprovação da Política Nacional do Meio Ambiente, em 1981, ficava patente, nos anos 1980,
a necessidade de olhar para a questão da água por seus múltiplos aspectos (ibid.).
118. Paulatinamente, vão sendo estabelecidos mecanismos de controle dos recursos
hídricos, que têm na Constituição Federal de 1988 sua expressão máxima. A CF88 define
que as águas são bens de uso comum, cujo domínio é dividido entre a União e os Estados.
Além disso, o artigo 21, inciso XIX, incumbiu a União de “instituir sistema nacional de
gerenciamento de recursos hídricos de outorga de direitos de seu uso”, o que foi
44
regulamentado pela Lei Federal 9.433/97, a qual estabeleceu a Política Nacional de
Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
119. O Brasil possui hoje uma das legislações mais modernas do mundo sobre recursos
hídricos. Esse feito é atribuído a uma aspiração genuinamente nacional (ANA, 2002),
embora haja que se considerar a relevância de instrumentos internacionais que
consolidaram, por exemplo, a concepção de gestão integrada. A gestão integrada, ressalte-
se, perpassa o conteúdo da Lei, cujos principais instrumentos incluem planos de recursos
hídricos, sistemas de outorga, enquadramento dos órgãos de gestão de acordo com o uso, a
concessão de direitos, cobrança pelo uso e um sistema nacional de informações sobre
recursos hídricos.
120. A gestão cooperativa e articulada pressupõe que os níveis federal e estadual
concedem as capacidades administrativas, regulatórias e infraestrutura, ao passo que o poder
local contribui mediante a mobilização de atores (FBDS, 2011). O sistema brasileiro possui
hoje mais de 200 comitês de bacias em atividade, que envolvem governos, empresas e a
sociedade civil na gestão dos recursos hídricos. A Lei brasileira, que fortalecida pela
criação, em 2000, da Agência Nacional de Águas para atuar na frente institucional, está,
portanto, em plena consonância com as diretrizes da Agenda 21, sobretudo as da área
programática A.
121. Como mencionado anteriormente, o Brasil em muito avançou no que diz respeito à
provisão de água, tendo alcançado com antecedência as metas estipuladas no Plano de Ação
de Johanesburgo, reforçadas com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Os dados do
Censo de 2010 deixam claro que a situação do abastecimento não se agravou e que a de
coleta de esgoto assistiu a importante melhoria. Faz-se necessário, contudo, envidar maiores
esforços tanto no sentido de corrigir as assimetrias regionais e entre áreas urbanas e rurais
no aspecto do abastecimento como dar mais ênfase à situação crítica de algumas áreas
urbanas, sobretudo nas regiões metropolitanas.
122. O Sistema Nacional de Recursos Hídricos, aliado a outras políticas públicas, tem
desempenhado papel fundamental também no que se refere à questão da avaliação e da
proteção. O Brasil possui hoje o Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos,
que inclui atlas digitais, mapas de outorga, declarações de disponibilidade hídrica. Cumpre,
45
assim, as diretrizes constantes da área programática B da Agenda 21, inclusive por estar o
Sistema disponível ao cidadão na Internet, o que fortalece a participação social.
123. Sobre a qualidade e proteção da água (área programática C da Agenda 21), o
documento Conjuntura dos Recursos Hídricos de 2013, publicação anual da ANA, aponta
que 93% da qualidade da água no Brasil é classificada como apropriada para o uso (ótimo,
bom ou regular). Salienta , ainda, que boa parte do país encontra-se em condição satisfatória
no que concerne à qualidade e à quantidade de água. As reduções sustentadas nas taxas de
desmatamento, sobretudo da Amazônia, assim como a criação de extensa rede de unidades
de conservação e outras áreas protegidas, têm contribuído para a conservação dos
ecossistemas de que dependem os recursos hídricos.
124. Considerando apenas unidades de conservação federais e estaduais que fazem parte
do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), o Brasil chega ao fim de 2009
com 923 unidades (304 federais e 619 estaduais), que ocupam uma área aproximada de 1,5
milhões de km2. Essa proteção corresponde a 17,3% da área continental nacional e 1,5% das
águas jurisdicionais brasileiras (IPEA, 2010). Associadas, estas iniciativas prestam
contribuição de relevo ao esforço global de mitigação de gases de efeito estufa para debelar
a mudança do clima.
125. A despeito do potencial hídrico brasileiro, o país não está isento de desafios nas
políticas públicas voltadas para a água. Parte substancial desses desafios está ligada ao
descompasso entre densidade populacional e localização das grandes bacias hidrográficas e
à escassez de água no semiárido. Ademais, os conflitos de interesse com relação ao uso da
água, representados pelo setor hidrelétrico, pelos complexos industriais, pelas necessidades
de abastecimento urbano, irrigação e adensamento urbano industrial, evidenciam a
necessidade de maior articulação interinstitucional, visando à plena execução de uma
política de gestão integrada de recursos hídricos.
126. Cita-se, ainda, o déficit de implementação de políticas voltadas para a gestão de
resíduos sólidos gerados em zonas urbanas. De acordo com dados do IBGE, metade dos
municípios brasileiros ainda dispõe do lixo em vazadouros. O índice de reciclagem de
resíduos no Brasil ainda se encontra abaixo dos 20%.
46
127. Por fim, verifica-se a necessidade de uma política de adaptação à mudança do clima
e meios de implementação correspondentes, que possa se integrar devidamente ao
planejamento de infraestrutura, particularmente no setor hidrelétrico, e que faça jus à
ambição das políticas brasileiras voltadas para mitigação.
128. A posição geopolítica, o respeito e adesão aos instrumentos internacionais e a
vanguarda de sua legislação ambiental, incluindo a de recursos hídricos, colocam o Brasil
em posição destacada. A comunidade internacional tem no Brasil, anfitrião da Rio+20 e
guardião do seu legado, a expectativa de liderança. O país dispõe de credenciais sólidas para
isso, como nação que se encontra à frente do debate sobre energias limpas e renováveis, de
gestão sustentável dos seus recursos naturais, e também das políticas de crescimento
econômico inclusivo. O Brasil tem se colocado permanentemente o desafio de crescer,
incluir, e proteger e deve, portanto, transladar estes parâmetros ao contexto das negociações
que se iniciam sobre a formulação da Agenda de Desenvolvimento Pós-2015 e dos
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
5. Conclusão
129. A segurança hídrica é questão vital não só para desenvolvimento da agricultura, para
o abastecimento de energia, para manutenção das condições de necessárias da saúde, mas
também para assegurar a regulação climática e a manutenção dos serviços ambientais de
suporte à vida. Todas estas funções têm importância intrínseca, mas tornam-se ainda mais
relevantes se consorciadas na luta para eliminação da pobreza.
130. Nesse contexto, é importante destacar como os compromissos emanados ao longo da
evolução da agenda internacional da água vão se hierarquizando e consolidando, seguindo
uma clara tendência de tornarem-se cada vez mais concretos, verificáveis e com horizonte
de tempo definido. Por outro lado, cabe notar que as estruturas institucionais, em níveis
nacional e internacional e as políticas públicas que deveriam dar consequência aos
47
consensos e compromissos assumidos permanecem dispersas, carecendo de melhores
espaços de organização e mecanismos mais efetivos de governança e de verificação.
131. A análise da implementação de recomendações de Foros e Conferências
Internacionais revela, ainda, certa perda de foco, pela falta de integração de instâncias
intergovernamentais (políticas) e não governamentais (especialistas e representantes da
sociedade). O setor se ressente da ausência de um lócus institucional claro para o tratamento
integrado de recursos hídricos. A melhor evidência deste fato é o aumento de relevância e
participação nos Foros Mundiais da Água e o decréscimo do número de Conferências
Internacionais de Água com caráter multilateral, intergovernamental e deliberativo. Ao fim e
ao cabo, a implementação do Capítulo 18 da Agenda 21 não alcançou o nível merecido de
incorporação nas agendas programáticas, por não possuir caráter juridicamente vinculante,
apesar de ter sido construído de forma consensual, com a contribuição de governos,
especialistas e instituições da sociedade civil .
132. A experiência de elaboração e implementação dos Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio (ODM) parece ser extremamente útil nesse contexto. Embora tenham sido adotados
por chefes de Governo e incorporados a agendas de desenvolvimento nacional, também não
dispunham de caráter vinculante nem de estrutura formal de acompanhamento, quer pelas
Nações Unidas, quer por governos nacionais. No entanto, a implementação dos ODM teve
considerável impulso no nível global e tornou-se referência para monitoramento de avanços
de políticas nacionais e locais.
133. A mensagem-chave que emerge deste documento é a necessidade de fazer convergir
de maneira harmônica e eficiente os princípios e valores contidos na noção de
desenvolvimento sustentável e as metas, métodos, metodologias e conteúdos, já
consensuados ou futuros, na agenda internacional da água.
134. Ao propor a utilização, como catalisador desse processo, das negociações que ora se
iniciam para a construção de um ODS dedicado à água, seria possível viabilizar a
aglutinação de compromissos assumidos ao longo de décadas e, por outro, facilitar o
aperfeiçoamento de mecanismos de governança para que os usos múltiplos da água possam
ter tratamento adequado, coerente e balanceado nas agendas de desenvolvimento nacionais.
O estabelecimento de métricas e indicadores para monitorar o cumprimento dos avanços
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nesse tema permitirá que os países se comprometam a incorporá-los em suas políticas
públicas e a promover o alinhamento de resultados nacionais aos padrões acordados
consensualmente pela comunidade internacional.
135. O processo em curso no âmbito das Nações Unidas para a construção dos ODS e da
Agenda de Desenvolvimento Pós-2015 caracteriza-se, portanto, como oportunidade única
para reorientar a estrutura institucional do setor água, as ferramentas de planejamento e de
gestão, as capacidades técnicas e os recursos disponíveis para atender aos novos parâmetros,
impulsionando assim um ciclo virtuoso catalisador do desenvolvimento em todos os níveis.
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Anexo I – Lista de conferências e siglas mais frequentes
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, Estocolmo, Suécia, 1972
Conferência das Nações Unidas sobre Água, Mar del Plata, Argentina, 1977
Conferência Internacional sobre Água e Meio Ambiente, Dublin, Irlanda, 1992
Conferência Das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento –
(CNUMAD/Rio 92) Rio de Janeiro, Brasil, 1992
Conferência Internacional sobre Água, Bonn 2001
Cúpula de Johanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável, Johanesburgo, África do Sul,
2002
Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, Rio de Janeiro, Brasil,
2012 (Rio+20)
Cúpula da Água de Budapeste, Hungria, 2013
CDB – Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica
Metas de Aishi – Metas de conservação de biodiversidade da CDB
ANA – Agência Nacional de Águas
CPDS – Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21
FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentnação, e Agricultura
IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas
JPOI – Plano de Implementação de Johanesburgo
MMA – Ministério de Meio Ambiente
ODM – Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
ONU – Organização das Nações Unidas
PBMC – Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas
PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
UNCCD – Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Ciência, Educação e Cultura
UNFCCC – Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima
UN Water – Grupo de Coordenação Interagencial das Nações Unidas sobre Água
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Anexo II – Referências
Publicações
AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUA. The Evolution of Water Resources Management in
Brazil. ANA. (2002).
AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS. Conjuntura dos Recursos Hídricos do Brasil:
Informe 2013, Brasilia: ANA (2013).
ANDERSEN, J.W. e MORGENSTERN. The future of Sustainable Development: the
Johannesburg Conference and what happens next. Resources for the future. (2003)
BISWAS. Asit K. From Mar del Plata to Kyoto: an analysis of global water policy
dialogues. Third World Centre for Water Management: Mexico (2003)
BIZIKOVA, Livia, ROY, Dimples e SWANSON, Darren. The Water–Energy–Food
Security Nexus: Towards a practical planning and decision-support framework for
landscape investment and risk management. The International Institute for Sustainable
Development (2013).
BRASIL (1996)
CORRÊA DO LAGO, André. Estocolmo, Rio e Joanesburgo: O Brasil e as Três
Conferências Ambientais das Nações Unidas. Brasília: FUNAG (2007).
FBDS. Brasil e os temas globais. (2011)
FUKUDA-PARR, Nikita. Global Development Goal Setting as a Policy Tool for Global
Governance: Intended and Unintended Consequences. IPC-UNDP. (2013)
IPEA. Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – 4º Relatório Nacional de
Acompanhamento. Brasília: IPEA (2010).
MARGULIS. S, DUBEUX, Carolina e MARCOVITCH, J. Economia da Mudança do
Clima no Brasil: Custos e Oportunidades. (2009)
MMA. Agenda 21 Brasileira – Ações Prioritárias (1996).
MMA. A Agenda 21 e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: as oportunidades para
o nível local: Cadernos de debate Agenda 21 e sustentabilidade. Brasília: (2006)
PBMC. Contribuição do Grupo de Trabalho 1 ao Primeiro Relatório de Avaliação
51
Nacional do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. Sumário Executivo do GT1.
PBMC, Rio de Janeiro (2013a).
PBMC. Contribuição do Grupo de Trabalho 2 ao Primeiro Relatório de Avaliação
Nacional do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. Sumário Executivo do GT2.
PBMC, Rio de Janeiro (2013b).
PNUMA. GEO Brasil Recursos Hídricos. Brasília: PNUMA (2006).
PNUMA. Financiamentos Públicos e Mudança do Clima: Análise das Estratégias e
Práticas de Bancos Públicos e Fundos Constitucionais Brasileiros na Gestão da Mudança
do Clima. (2010)
RIPPIN, Nicole. Progress, prospects and lessons from the MDGs. Background paper
submitted to the High Level Panel on the Post-2015 Development Agenda. (2013).
UNDP. Human Development Report 2006: Beyond scarcity: Power, poverty and the global
water crisis. (2006)
UNITED NATIONS. The MDG Report. (2013)
UN Water. Water Security & the Global Water Agenda. (2013)
UNSD. Indicators for Monitoring the MDG – definition, rationale, concepts and sources
(2005).
UNEP. The Atlas of International Freshwater Agreements. (2002).
UNEP. Global Environment Outlook Report 5 (2012).
UNESCO. World Water Report 3: Water in a changing world. (2003)
UNESCO. World Water Scenarios to 2050: exploring alternative futures of the world’s
water and its use to 2050. (2010).
WATER LEX. The human right to safe drinking water and sanitation in law and policy – a
Sourcebook. WASH United, Freshwater Action Network. FAN Global. (2012)
Documentos
Agenda 21
Ministerial Declaration – 1st World Water Forum : Vision for Water, Life and the
Environment, Marrakesh, Morocco, March 1997
Ministerial Declaration – 2nd World Water Forum: Water Security in the 21st Century
The Hague, The Netherlands , March, 2000,
Ministerial Declaration – 3rd World Water Forum : Message from the Lake Biwa and Yodo
52
River Basin, Japan, March 2003
Ministerial Declaration – 4th World Water Forum: Local Actions for a Global Challenge
Mexico, March 2006
Ministerial Declaration – 5th World Water Forum: Bridging Divides for Water, Istanbul,
Turkey, March 2009
Ministerial Declaration – 6th World Water Forum: Time for Solutions, Marseille, France,
March 2012
Report of the technical workshop on water and climate change impacts and adaptation
strategies. (UNFCCC/FCC/SBSTA/2012/4)
Sítios consultados
Agência Nacional de Águas - www.ana.gov.br
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - www.ipea.gov.br
Ministério do Meio Ambiente - www.mma.gov.br
United Nations Development Programme - www.undp.org
United Nations Environment Programme - www.unep.org
UN Water – www.unwater.org
United Nations Organization for Education and Culture www.unesco.org
www.worldwatercouncil www.ipc.org
www. ustainabledevelopment.un.org