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Instituto de Pesquisa e Documentação Etnográfica - Olhar Etnográfico
PROJETO: “Valorização e Adequação dos Sistemas de Parto Tradicionais das Etnias Indígenas do Acre e do Sul do Amazonas”
Ilustração 1: Crianças jaminawa de viagem pelo rio Purus
RELATÓRIO DE ETNOGRÁFICO FINAL (3º PRODUTO)
(SETEMBRO 2006 – JANEIRO 2007)
FLORIANÓPOLIS, 23 de janeiro 2007.
Instituto de Pesquisa e Documentação Etnográfica - Olhar Etnográfico
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EQUIPE TÉCNICA EXECUTORA
Laura Pérez Gil - Coordenação antropológica e administrativa (NESSI-UFSC / Instituto Olhar Etnográfico)
Marlinda Patrício - Antropóloga (Consultora da Área de medicina Tradicional
Indígena/VIGISUS II)
Edina Carlos Brandão - Monitora shanenawa (Vice-presedente de Sitoakore)
Letícia Luiza Yawanawá - Apoio administrativo (Presidente de Sitoakore)
Instituto de Pesquisa e Documentação Etnográfica - Olhar Etnográfico
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1. Apresentação do relatório __________________________________________ 2
2. Atividades realizadas durante a segunda etapa do projeto._______________ 3 2.1. A equipe executora. _____________________________________________ 8 2.2. Reuniões com membros do DSEI/Alto Purus. _______________________ 10 2.3. Visita aos pólos-base. __________________________________________ 12 2.4. Contato com as organizações locais. _______________________________ 14 2.5. Descrição das reuniões _________________________________________ 17
2.5.1. A região abrangida pelo DSEI/Alto Purus _______________________ 19 2.5.2. Participação nas reuniões.____________________________________ 24 2.5.3. Metodologia adotada nas reuniões. ____________________________ 27 2.5.4. 4ª Reunião – região de Pauini. ________________________________ 29 2.5.5. 5ª Reunião – região de Boca do Acre___________________________ 31 2.5.6. 6ª reunião – regiões de Sena Madureira, Santo Rosa e Assis Brasil. ___ 31
3. Universo etnográfico _____________________________________________ 33 3.1. Localização e transporte das comunidades incluídas na segunda etapa de execução do projeto._______________________________________________ 51
3.1.1. Região de Pauini___________________________________________ 52 3.1.2. Região de Boca do Acre _____________________________________ 53 3.1.3. Região de Sena Madureira ___________________________________ 55
4. Funcionamento do DSEI/Alto Purús. ________________________________ 58 4.1. Constituição das Equipes Multidisciplinares de Saúde _________________ 61
5. Dados referentes ao parto indígena. _________________________________ 64 5.1. Apresentação de dados que aparecem na bibliografia etnográfica.________ 65 5.2. Descrição dos sistemas de parto tradicionais indígenas conforme os dados obtidos durante as reuniões: _________________________________________ 70
5.2.1. Apurinã __________________________________________________ 70 5.2.2. Jaminawa ________________________________________________ 79 5.2.3. Kaxinawa ________________________________________________ 83 5.2.4. Kulina ___________________________________________________ 85 5.2.5. Jamamadi ________________________________________________ 86 5.2.6. Kaxarari _________________________________________________ 87
5.3. Práticas e cuidados durante a gravidez e o pós-parto __________________ 90 5.3.1. Princípios básicos sobre a noção e corporalidade entre as sociedades ameríndias. ____________________________________________________ 90 5.3.2. Dietas durante a gravidez e resguardos pós-parto. _________________ 93
5.4. Discussão sobre o conceito de parteira e seu desenvolvimento. __________ 97
6. A interação das populações indígenas com o sistema oficial de saúde no processo de gestação, parto e pós-parto._______________________________ 102
6.1. A utilização do sistema público de atenção à saúde por parte dos povos atendidos pelo DSEI/Alto Purus. ____________________________________ 102
6.1.1. Apurinã _________________________________________________ 103 6.1.2. Jamamadi _______________________________________________ 109 6.1.3. Jaminawa _______________________________________________ 111
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6.1.4. Kaxarari ________________________________________________ 114 6.1.5. Kaxinawa _______________________________________________ 115 6.1.6. Kulina __________________________________________________ 116 6.1.7. Reivindicações de melhoria do sistema público de saúde.__________ 118
6.2. A medicina tradicional_________________________________________ 125 6.3. Relação entre parteira, AIS e pajé. _______________________________ 130
6.3.1. Sistemas xamânicos _______________________________________ 130 6.3.2. A parteira e o pajé_________________________________________ 133 6.3.3. A parteira e o AIS. ________________________________________ 137
6.4. Parto na aldeia/parto no hospital _________________________________ 140 6.4.1. Comparação entre o parto na aldeia e o parto no hospital __________ 141 6.4.2. A utilização dos serviços públicos de saúde por parte das mulheres indígenas para a realização do parto. _______________________________ 145
6.5. O pré-natal e exames preventivos.________________________________ 152 6.6. Interação das “parteiras” com o sistema público de saúde: articulações entre sistemas. _______________________________________________________ 154
7. Apresentação de dados epidemiológicos. ____________________________ 156 7.1. Gerais______________________________________________________ 157 7.2. Dados epidemiológicos relacionados com o tema do parto. ____________ 158
8. Propostas para articulação de sistemas._____________________________ 165
9. Resultados do projeto. ___________________________________________ 169
10. Bibliografia ___________________________________________________ 173
11. ANEXOS _____________________________________________________ 177 11.1. Anexo 1: Documentos oficiais dirigidos pela equipe executora ao DSEI/Alto Purus e à CASAI ________________________________________________ 178 11.2. Anexo 2: Convites ___________________________________________ 182 11.3. Anexo 3: Listas de participantes ________________________________ 185 11.4. Anexo 4: Roteiros das reuniões_________________________________ 191 11.5. Anexo 5: Cadastros das parteiras________________________________ 197 11.6. Anexo 6: Dados sobre o número de grávidas e o número as pessoas que assistem os partos em cada aldeia. ___________________________________ 206 11.7. Anexo 7: Dados sobre os locais dos partos da população indígena. _____ 209 11.8. Anexo 8: Dados epidemiológicos _______________________________ 211
11.8.1. Dados do pólo-base de Assis Brasil __________________________ 211 11.8.2. Dados do pólo-base de Boca do Acre_________________________ 212 11.8.3. Dados do pólo-base de Manuel Urbano _______________________ 213 11.8.4. Dados do pólo-base de Pauini ______________________________ 214 11.8.5. Dados do pólo-base de Santa Rosa do Purus ___________________ 215 11.8.6. Dados do pólo-base de Sena Madureira _______________________ 216 11.8.7. Dados gerais do DSEI/Alto Purus ___________________________ 217
11.9. Anexo 9: Notícia sobre xingané. ________________________________ 219
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AAF – Agente Agroflorestal
AIS - Agente Indígena de Saúde
AISAN - Agente Indígena de Saneamento
AMTI – Área de Medicina Tradicional Indígena/VIGISUS II
CASAI – Casa do Índio
DSEI – Distrito Sanitário Especial Indígena
DST – Doenças Sexualmente Transmissíveis
EMSI – Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena
GMI – Grupo de Mulheres Indígenas
OCAEJ - Organização Comunitária Agroextrativista Jaminawa.
PCCU: Prevenção do Câncer Cérvico-Uterino
P.I. – Posto Indígena da FUNAI
SIASI – Sistema de Informações de Saúde Indígena
Sitoakore – Organização das Mulheres Indígenas do Acre, Sul do Amazonas e
Noroeste de Rondônia.
SUS – Sistema Único de Saúde
T.I. – Terra Indígena
UNI/AC – União Nacional Indígena /Acre
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1. Apresentação do relatório
O presente documento constitui o segundo relatório etnográfico produzido pelas
técnicas do projeto “Valorização e Adequação dos Sistemas de Parto Tradicionais das
Etnias Indígenas do Acre e do Sul do Amazonas”. Nesse relatório desenvolveremos três
pontos principais. Em primeiro lugar, faremos uma descrição das atividades realizadas
pela equipe técnica durante a segunda etapa de execução do projeto, entre os meses de
setembro e novembro de 2006; em segundo lugar, no corpus central desenvolveremos
vários pontos, que especificaremos a seguir, relativos à caracterização dos sistemas de
parto indígenas e ao sistema de atenção à saúde da população indígena nas regiões
tratadas; por ultimo, apresentaremos algumas propostas de articulação entre os sistemas
médicos nativo e oficial, que possam vir a embasar futuras políticas públicas de saúde
voltadas para as populações indígenas.
O corpus etnográfico do relatório será desenvolvido atendendo aos seguintes
objetivos:
1) Apresentar um marco etnográfico básico relativo às etnias indígenas
envolvidas na segunda etapa do projeto, que permita ao leitor contextualizar
as informações referentes aos sistemas de parto indígenas, assim como as
relações de cada povo com o sistema oficial de saúde e com determinados
sectores da sociedade envolvente.
2) Descrever o sistema de atenção oficial de saúde destinado à população
indígena na região compreendida pelo Distrito Sanitário Especial Indígena
do Alto Purus, ao qual estão ligadas as comunidades indígenas envolvidas na
segunda etapa de execução do projeto.
3) Expor os dados etnográficos nos quais se fundamenta a análise antropológica
que sustenta as propostas finais. Esses dados etnográficos se referem aos
seguintes pontos:
• Apresentação de dados relativos aos sistemas de parto
indígenas, assim como a outras temáticas e noções que sejam
importantes para subsidiar a discussão do presente relatório,
como os conceitos de corpo, pessoa ou doença, que estejam
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presentes na bibliografia etnográfica existente sobre as etnias
aqui tratadas.
• Apresentação dos dados relativos aos sistemas de parto
surgidos nas discussões realizadas durante as Reuniões de
Parteiras, Pajés e AIS. Esses dados se referem a várias
questões, como o complexo de cuidados durante a gravidez e
o pós-parto; as figuras envolvidas no cuidado da grávida e na
realização do parto; o atual desenvolvimento do conceito de
“parteira”.
• Apresentação dos dados relativos à interação dos indígenas
como o sistema oficial de saúde em relação ao parto.
b) Apresentação de dados epidemiológicos que permitam traçar o perfil dos
povos aqui tratados quanto aos problemas de saúde relacionados com o
processo de gravidez, parto e pós-parto.
Os dados etnográficos apresentados nesse relatório se referem apenas às etnias
envolvidas na segunda etapa do projeto. Entretanto, as reflexões finais relativas às
propostas de articulação de sistemas estarão baseadas tanto nesse relatório quanto no
relatório etnográfico parcial (2º produto), no qual foram apresentadas as informações
relativas às etnias envolvidas nas atividades da primeira etapa do projeto, ocorrida entre
fevereiro e abril de 2006.
2. Atividades realizadas durante a segunda etapa do projeto.
A segunda etapa do projeto foi realizada entre os meses de setembro e novembro
de 2006. Embora no cronograma inicial estava prevista a finalização das Reuniões de
Parteiras, Pajés e AIS para o mês de agosto, foi necessário adiar a realização das três
últimas reuniões por dois fatores principais: a necessidade de ampliar o prazo previsto
para a elaboração dos relatórios, dada a sua complexidade; a demora na liberação dos
recursos destinados à execução das atividades do projeto, uma vez os relatórios foram
entregues.
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Durante a segunda etapa do projeto, foram realizadas as seguintes atividades:
• Reuniões internas da equipe executora do projeto para o
planejamento logístico das reuniões.
• Reuniões com membros do DSEI/Alto Purus.
• Visita a quatro dos seis pólos-base pertencentes ao DSEI/Alto Purús.
• Três Reuniões de Parteiras, Pajés e AIS na região atendida pelo
DSEI/Alto Purús.
Após a finalização da execução da segunda etapa do projeto, foi realizada uma
reunião na sede do VIGISUS em Brasília, nos dias 17 a 19 de janeiro de 2007, na qual
participaram a Área de Medicina Tradicional Indígena/VIGISUS II, a equipe executora
do projeto e o Instituto Olhar Etnográfico. O objetivo da reunião era planejar as
atividades que ainda faltavam por fazer, e considerar a realização de atividades de
encerramento do projeto. Devido à demora nos prazos inicialmente definidos e na
liberação dos recursos, e por não ser suficientes os recursos liberados na terceira
parcela, não foi possível realizar durante a segunda etapa de execução do projeto os
estudos de caso previstos no mesmo. Foi decidido que esses estudos seriam efetuados
numa terceira etapa, após a liberação da quarta parcela do recurso, sendo o relatório
correspondente posteriormente anexado ao presente relatório.
Porém, na reunião realizada entre os dias 17 e 19 de janeiro de 2007, as
representantes da Sitoaköre se mostraram contrárias a que os estudos de caso fossem
realizados, apesar de ser esta uma das atividades já definidas no projeto, em cuja
elaboração e execução a Sitoaköre tinha participado como entidade parceira. A principal
razão alegada foi que as comunidades não iriam aceitar que nenhum estudo fosse feito,
já que são resistentes a qualquer tipo de pesquisa, alegando o perigo de roubo de
conhecimentos que implicam. A Gerência da Área de Medicina Tradicional
Indígena/VIGISUS II, junto às antropólogas que integram a equipe executora, tinha
proposto várias medidas que tinham como objetivo acalmar estas reticências e
contribuir para a capacitação profissional de indígenas, como são a apresentação de
planos onde constaria quais seriam as atividades concretas da pesquisa, centrada
especialmente na definição do itinerário terapêutico e nas histórias de vida dos
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detentores de saberes dentro das comunidades; e o envolvimento de pesquisadores
indígenas, que acompanhariam as antropólogas em campo. Contudo, as representantes
da Sitoaköre se negaram a levar a proposta para as comunidades e negociar com elas.
Em razão dessa circunstância, os estudos de caso não serão feitos. Porém, outras
atividades foram planejadas pela Gerência da Área de Medicina Tradicional Indígena e
o Instituto Olhar Etnográfico, voltadas para a avaliação do mesmo entre as comunidades
indígenas, e para dar um retorno aos DSEIs do Alto Juruá e Alto Purus. Essas atividades
serão executadas entre fevereiro e março de 2007.
A seguir, apresentamos o cronograma de atividades realizadas durante a segunda
etapa de execução do projeto, entre setembro e novembro de 2006.
12/9/06 • Reunião em Brasília das antropólogas da equipe com a Gerência da AMTI e com o Instituto Olhar Etnográfico para definir procedimentos administrativos e questões a serem repassadas para a Sitoköre.
• Deslocamento das antropólogas para Rio Branco
14/9/06 • Reunião entre as antropólogas com Edina Carlos Brandão na sede da Sitoakore.
• Reunião da equipe com o chefe do DSEI/Alto Purus e sua equipe para apresentação do projeto.
15/9/06 • Reunião das antropólogas com o chefe do DSEI/Alto Purus.
17/9/06 • Deslocamento a Pauini.
17/9/06 a 19/09/06 • Visita ao pólo-base de Pauini: Levantamento de dados e entrevistas com as enfermeiras.
• Contatos com a organização indígena da região.
20/9/06 • Deslocamento a Boca de Acre.
21/9/06 • Visita ao pólo-base de Boca do Acre: entrevista com administradora do pólo-base de Boca do Acre.
• Levantamento de preços nos supermercados.
22/9/06 • Deslocamento a Rio Branco
23/9/06 e 24/9/06 • Trabalho na preparação da logística das reuniões.
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25/9/06 • Reunião da equipe executora na sede da Sitoaköre. • Visita dos membros da equipe à CASAI. • Reunião da equipe com o chefe do DSEI.
26/9/06 • Deslocamento a Sena Madureira. • Visita ao pólo-base de Sena Madureira: Entrevista com o
administrador do pólo-base. • Entrevista com Zé Correia da Silva, chefe do P.I. da FUNAI
em Sena Madureira e Tesoureiro da OCAEJ para articular a organização e a divulgação da 6ª Reunião.
27/9/06 • Entrevista com a enfermeira do pólo-base de Sena Madureira e levantamento de dados no pólo.
28/9/06 • Deslocamento a Assis Brasil. • Visita ao pólo-base de Assis Brasil: entrevista com o
administrador do pólo-base.
29/9/06 • Entrevista com a enfermeira do pólo-base de Assis Brasil. • Deslocamento a Rio Branco.
4/10/06 • Reunião no DSEI com Balica Monteiro, consultora da UNESCO.
5/10/06 • Deslocamento da equipe a Boca do Acre.
6/10/06 • Visita da equipe à aldeia de Camicuã (Boca do Acre) para articular com as pessoas da aldeia a realização da 5ª Reunião de Parteiras, Pajés e AIS que seria celebrada lá.
7/10/06 • Saída da equipe de Boca do Acre em direção à aldeia Nova Vista.
8/10/06 • Chegada a Nova Vista.
9/10/06 • Organização da reunião.
10/10/06 a 13/10/06 • 4ª Reunião de Parteiras, Pajés e AIS
14/10/06 • Saída de Nova Vista em direção a Boca do Acre.
16/10/06 • Chegada a Boca do Acre
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17/10/06 a 19/10/06 • Estadia em Boca do Acre e organização da 5ª Reunião.
19/10/06 • Deslocamento da equipe à aldeia Camicuã.
20/10/06 a 23/10/06 • 5ª Reunião de Parteiras, Pajés e AIS
24/10/06 • Deslocamento a Boca do Acre.
25/10/06 • Entrevista da antropóloga Laura com a administradora do pólo-base e com o médico do mesmo. Levantamento de dados.
• Deslocamento da equipe a Rio Branco.
28/10/06 • Deslocamento das antropólogas e de uma pessoa da Sitoaköre a Sena Madureira.
1/10/06 • Reunião com os encarregados indígenas do P.I., Zé Correia da Silva e Raimundo Nonato Kaxinawa, para articular e organizar a 6ª reunião.
• Reunião com o administrador do pólo-base de Sena Madureira para organizar a 6ª Reunião.
3/11/06 • Saída de Sena Madureira para a aldeia Kaiapucá.
4/11/06 a 7/11/06 • 6ª Reunião de Parteiras, Pajés e AIS
8/11/06 • Deslocamento da equipe e dos participantes até Sena Madureira.
• Deslocamento de parte da equipe a Rio Branco.
9/11/06 • Deslocamento da antropóloga Laura a Rio Branco.
10/11/06 • Reunião de avaliação da equipe na sede da Sitoakore. • Reunião das antropólogas com o chefe do DSEI/Alto Purus • Deslocamento da antropóloga Marlinda a Brasília.
11/11/06 • Deslocamento da antropóloga Laura a Brasília.
12/11/06 • Reunião da antropóloga Laura com Olhar Etnográfico
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17/1/07 a 19/1/07 • Reunião em Brasília entre a Gerência da Área de Medicina Tradicional Indígena/VIGISUS II, a equipe executora do projeto e o Instituto Olhar Etnográfico para planejamento das próximas atividades.
2.1. A equipe executora.
Como na etapa anterior, a equipe executora esteve composta por duas
integrantes da Sitoaköre (Organização de Mulheres do Acre, Sul do Amazonas e
Noroeste de Rondônia) e duas antropólogas especializadas na área de etnologia. Das
quatro integrantes da equipe, apenas houve um câmbio em relação à equipe que operou
na primeira etapa no projeto. A antropóloga Juliana Rosalen precisou se desligar do
projeto por ter outros compromissos laborais, como já tinha informado quando foi
incorporada ao mesmo, e seu lugar foi ocupado pela antropóloga Marlinda Patrício. A
constituição da equipe durante a segunda etapa foi a seguinte:
1. Letícia Luiza Yawanawá - coordenadora da Sitoaköre.
2. Edina Carlos Brandão Shanenawa - vice-coordenadora da Organização.
3. Laura Pérez Gil – antropóloga, coordenação antropológica do projeto.
4. Marlinda Patrício – antropóloga.
No trabalho da equipe, as antropólogas realizaram as funções de efetuar os
levantamentos de dados nos pólos-base, assim como as entrevistas com os profissionais
de saúde que trabalham nos mesmos; acompanhar e etnografar as Reuniões de parteiras,
pajés e AIS; e participar ativamente na organização logística das reuniões. As
integrantes da Sitoaköre participaram também no planejamento das reuniões,
especialmente no que se refere ao contato com as organizações indígenas que faziam a
ponte com as comunidades participantes. Durante o desenvolvimento das reuniões
cumpriam também importantes funções, como indicar às antropólogas as formas
adequadas de se comportar nas aldeias; organizar junto as lideranças das aldeias e das
organizações indígenas aspectos envolvidos nas reuniões (alimentação e hospedagem
dos participantes, principalmente); e coordenar as discussões durante as sessões,
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auxiliando as antropólogas no que respeita às traduções dos depoimentos dos
participantes.
As reuniões internas da equipe
executora aconteceram ao longo de todo o
período que durou o trabalho, e tinham como
objetivo fundamental planejar as ações de
organização e logística das atividades a ser
executadas. Dado que a metodologia e as
temáticas a serem propostas durante as
reuniões já tinham sido estabelecidas durante
a primeira etapa, estas questões ocuparam
pouco espaço nas reuniões. A equipe
considerou que o mais acertado era seguir,
em linhas gerais, o proceder já definido.
Outras questões tratadas foram a
possibilidade de realizar uma filmagem de
uma das reuniões, como tinha sido proposto pela Área de Medicina Tradicional
Indígena/VIGISUS II (AMTI) e pelo Instituo Olhar Etnográfico, e, no final da etapa,
uma avaliação do desenvolvimento das atividades.
Quanto à filmagem, esta foi desestimada pela diretoria da Sitoaköre, em função
dos seguintes argumentos: de um lado, a filmagem não tinha sido prevista no início do
projeto; de outro, as comunidades se mostram receosas perante atividades que
impliquem o registro da imagem1 e já houve problemas na etapa anterior quando foi
proposta na reunião de Tarauacá a possibilidade de realizar uma filmagem.
É necessário especificar que, num primeiro momento, a coordenadora da
Sitoaköre, se mostrou em contra da filmagem, mas, em conversas posteriores,
considerou que uma filmagem constituiria um instrumento importante para a divulgação
do trabalho da organização, assim como um registro de suas atividades. Entretanto,
1 Existe o receio de que as imagens tomadas das populações indígenas possam ser usadas por quem as tomou para ganhar muito dinheiro. Há, portanto, uma grande preocupação dentro das comunidades por controlar e limitar o uso de aparelhos de registro visual.
Ilustração 2: Membros da equipe executorade caminho a aldeia Nova Vista
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queria que a filmagem fosse realizada por um indígena e não pelo Instituto Olhar
Etnográfico, como tinha sido proposto. O fato de não encontrar um indígena que
pudesse realizar a filmagem, e tempo estar já avançado demais para iniciar as
negociações necessárias, fez com que abandonasse a idéia.
Como atividade de encerramento dessa etapa, a equipe realizou uma reunião de
avaliação na sede da Sitoaköre, na qual, além de se comentar globalmente diversos
aspectos do desenvolvimento do projeto, se conversou sobre a possibilidade de realizar
uma reunião final de avaliação e encerramento junto aos chefes dos DSEIs e a outros
parceiros, e que essa proposta seria levada à Gerência da Área de Medicina Tradicional
Indígena /VIGISUS II para sua consideração.
2.2. Reuniões com membros do DSEI/Alto Purus.
Ao longo do período concernente à segunda etapa de execução do projeto, a
equipe executora se reuniu em várias ocasiões com pessoas do DSEI/Alto Purus com os
seguintes propósitos:
• Apresentar o projeto e informar do andamento do mesmo e dos
resultados das reuniões.
• Apresentar o cronograma e os lugares onde as reuniões seriam
realizadas,
• Solicitar informações sobre o funcionamento do DSEI.
• Solicitar apoio na organização das reuniões, especialmente no que
se refere ao deslocamento de alguns dos participantes.
• Solicitar a participação dos profissionais de saúde nas reuniões.
Deve ser mencionado desde já que em todo momento tivemos um excelente
recebimento por parte do DSEI, especialmente do chefe do mesmo, o Sr. Gelcimar
Mota da Cruz, e um total apoio na organização das reuniões. Além de fornecer as
informações solicitadas sobre o funcionamento do DSEI, entre elas os relatórios de
gestão de 2000 a 2005 do DSEI/Alto Purus, foi indicado aos administradores dos pólos-
base que nos forneceram a ajuda necessária em termos de logística, e que nos
auxiliaram no levantamento de dados previsto no projeto. Foi especialmente importante
sua ajuda no que tange ao deslocamento tanto da equipe quanto dos participantes. Quase
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todos os deslocamentos aos municípios foram realizados em veículos disponibilizados
principalmente pelo DSEI, e também pela CASAI. Igualmente, os pólos-base de Boca
de Acre, Pauini e Sena Madureira disponibilizaram embarcações para o deslocamento
da equipe e dos participantes até as aldeias onde seriam realizadas as reuniões.
Finalmente, o DSEI forneceu transporte para o deslocamento das participantes Kaxarari,
cuja T.I. se situa entre o sul do Estado de Amazonas e o noroeste do Estado de
Rondônia (ver mapa 1).
Em anexo (Anexo 1) apresentamos os documentos que foram redigidos à chefia
do DSEI/Alto Purus e à administração da CASAI.
A primeira reunião com o Sr. Gelcimar foi realizada no dia 14 de setembro, logo
após a chegada das antropólogas a Rio Branco. Nessa reunião, na qual participaram as
antropólogas da equipe e uma das integrantes da Sitoakore, Edina Carlos Brandão, foi
apresentado o projeto por parte da equipe, e solicitado o apoio do DSEI. Igualmente, foi
apresentado o cronograma, previamente elaborado pela equipe, onde constavam as datas
para a realização das reuniões, e as aldeias onde esses eventos deveriam ocorrer. A
previsão era que uma ocorresse no mês de setembro e duas durante o mês de outubro.
Durante a reunião, e em conversa com a equipe do DSEI, foi redefinido o cronograma,
já que existiam várias dificuldades para se realizar uma reunião ainda durante o mês de
setembro por várias razões: o baixo nível de água do rio Purus, já que esse ano foi
especialmente seco, dificultava o acesso a algumas das aldeias onde estavam previstas
as reuniões; a proximidade das eleições nacionais, que levaria aos indígenas a sair das
suas aldeias para votar e limitava o período no qual poderia ser realizada a reunião; e o
fato de existirem já outros eventos agendados em comunidades onde estava prevista a
realização das reuniões. Por exemplo, tinha sido considerado realizar a primeira reunião
na aldeia Camicuã (Município de Boca do Acre), por encontrar-se próxima de Boca do
Acre e, portanto, ser possível fazê-lo antes das eleições. Entretanto, a celebração durante
o mesmo período de uma festa apurinã que ia ser filmada e na qual estavam convidadas
pessoas de todas as aldeias apurinã da região, fez inviável a realização da reunião. Boa
parte do calendário de eventos nas aldeias foi do conhecimento do DSEI, que procurou
se programar obedecendo às datas desses acontecimentos.
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Outra questão que fez necessário revisar o cronograma foi a de coordenar as
atividades do projeto com as das Equipes Multidisciplinares de Saúde dos pólos-base, já
que os profissionais que as integram estavam convidados para participar nos dois
últimos dias de cada reunião. O convite foi bem vindo, mas com a ressalva de ser
acertado com os administradores do Pólo-Base e sua equipe de saúde, devido a haver
uma agenda local de atividades destes profissionais na atuação junto às aldeias. As
distâncias consomem dias de viagem, requerendo aviso prévio para participarem de
ações fora do cronograma rotineiro de atividades. Em função das dificuldades
existentes, o sr. Gelcimar Mota da Cruz sugeriu que a equipe aproveitasse o mês de
setembro para fazer as visitas aos pólos-base e o levantamento de dados previsto nos
mesmos, e apenas após a eleições realizássemos as reuniões. A equipe executora do
projeto achou acertada a sugestão, e modificamos o cronograma atendendo a ela. Assim,
ficou definido que durante o mês de setembro visitaríamos os municípios onde se
encontram sediados os pólos-base, realizando os levantamentos de dados e as
articulações com as organizações indígenas, para efetuar, em coordenação com elas, a
divulgação das reuniões em cada região e a previsão de aspectos logísticos.
Uma relação completa das reuniões aparece no cronograma de atividades
apresentada no início desse item.
Durante as reuniões com a equipe do DSEI tratou-se também da escolha,
anteriormente feita, das aldeias onde as reuniões ocorreriam. As escolhas nem sempre
foram de concordância do DSEI devido entenderem não haver infra-estrutura para
receber grande número de participantes. Contudo, consideramos importante acatar a
escolha feita pelas coordenadoras da Sitoaköre, pois conheciam pessoas que poderiam
fazer as articulações necessárias para que chegássemos nesses locais.
2.3. Visita aos pólos-base.
Como aparece especificado no cronograma, a equipe realizou visitas a quatro
dos pólos-base dependentes do DSEI/Alto Purus, localizados nos municípios de Pauini,
Boca do Acre, Sena Madureira e Assis Brasil. Durante essas visitas, foram feitos
levantamentos de dados referentes, especialmente, à porcentagem de mulheres que dão
à luz nas aldeias e nos hospitais (os dados levantados em cada um dos pólos aparecem
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13
em anexo). Foram também realizadas, quando possível, entrevistas com os
administradores dos pólos-base e com os profissionais que integram as EMSI,
atendendo às seguintes questões: funcionamento administrativo do pólo e do
atendimento que fornece; ações realizadas pelo pólo; relação com a população indígena;
avaliação dos profissionais sobre o estado de saúde da população indígena e sobre a
atuação das parteiras e de outros praticantes de medicina tradicional; caracterização dos
diversos povos em relação ao uso da atenção pública de saúde; relações e colaboração
do pólo com outras instâncias administrativas na execução das suas ações.
As conversas realizadas
nos deram condições para
compreender o funcionamento
dos pólos, que extrapolou as
definições estabelecidas pela
legislação, pois tivemos noção
de seu cotidiano. Conhecer o
município sede dos pólos
possibilitou também contatar os
indígenas que estavam na cidade e
que poderiam repassar os convites
para as reuniões às comunidades
convidadas. Esse papel foi
desenvolvido pelas coordenadoras
da Sitoaköre.
Durante as visitas aos
municípios de Pauini e Boca do
Acre, as antropólogas foram
acompanhadas da vice-
coordenadora da Sitoaköre, e nas
visitas a Assis Brasil e Sena Madureira, da coordenadora. Seu papel foi fundamental,
Ilustração 3: Pólo-base de Assis Brasil
Ilustração 4: Vista aérea da cidade de Pauini
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14
especialmente para realizar os contatos com as comunidades e as organizações
indígenas locais. As coordenadoras da Sitoaköre acompanharam as antropólogas nas
entrevistas aos profissionais de saúde, o qual não tinha acontecido na etapa anterior, já
que as visitas aos pólos aconteciam paralelamente a diversas atividades para a
organização das reuniões (levantamento de preços nos comércios, articulação com
organizações locais, recepção de participantes que chegavam com antecedência) e,
portanto, o trabalho devia ser dividido. A organização das atividades em etapas
diferentes abriu um espaço singular para as coordenadoras da Sitoaköre, que tiveram a
possibilidade de conhecer sobre o funcionamento desses, as dificuldades, as formas de
organização dos serviços e a infra-estrutura disponível.
2.4. Contato com as organizações locais.
Como foi explicado no relatório etnográfico parcial a respeito da região do
Juruá, a Sitoaköre depende das organizações indígenas locais e regionais para entrar em
contato com as comunidades e fazer a divulgação da reunião, definir os participantes e
mobilizá-los. Mesmo sendo a Sitoaköre uma organização indígena, não pode tomar
decisões sem contar com a aquiescência das lideranças das comunidades. Um exemplo
dessa dependência se refletiu na dificuldade para definir as aldeias onde seriam
celebradas as reuniões. Inicialmente, a Sitoaköre tinha definido que a 4ª reunião seria
realizada na aldeia de Mipiri, que fica próxima da cidade de Pauini e conta com uma
infra-estrutura adequada para eventos. De fato, quase todos os eventos da região se
realizam lá. Entretanto, quando, por conta de outro evento anterior, a coordenadora da
Sitoaköre visitou Mipiri, a comunidade se recusou a hospedar a reunião, alegando que
tinham acontecido muitos eventos recentemente e as pessoas da aldeia estavam
cansadas. Na mesma viagem ela visitou a aldeia Nova Vista que, após uma negociação
e uma explicação detalhada da natureza da reunião, aceitara ser sede da mesma.
Outro exemplo está relacionado com questões de desentendimentos e rixas que
envolvem os grupos indígenas. Uma desavença entre Kaxinawa e Jaminawa fez com
que se demorasse em definir onde seria realizada 6ª reunião. Os Kaxinawa resistiram em
ir à aldeia dos Jaminawa, como tinha sido definido, e reivindicavam que fosse feita no
Purús, mas isso implicava longas distâncias a serem percorridas. Finalmente, se aceitou
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15
a referida aldeia como lugar para realizar a reunião. Nesse episódio também, a Sitoaköre
apenas pode tomar a decisão com a aquiescência das comunidades.
As organizações indígenas são partes importantes neste processo de organização
dos encontros, porque forneceram informações sobre as particularidades locais,
necessárias para a organização da reunião - como realizar o transporte dos participantes
e qual seu custo; onde comprar a alimentação; qual o tipo e o que há disponível na
aldeia. Desta forma, existiram diversas instâncias com as quais os antropólogos da
equipe, com o apoio da Sitoaköre, tiveram que negociar para efetivamente executar as
atividades.
Em algumas ocasiões estas organizações possuem uma dimensão regional,
aponto de abranger diversos povos que ocupam uma mesma região. Em outras, possuem
uma dimensão apenas étnica. As organizações indígenas envolvidas nas atividades da
segunda etapa de execução do projeto foram as seguintes:
OCIAC – Organização de Comunidades Indígenas Apurinã e Camadeni
APITKAM - Associação Pupingari da Terra Indígena Camicuã
MAPKHA – Organização dos Povos Manchineri do rio Iaco
OCAERJ – Organização das Comunidades Agroextrativistas Jaminawa.
Assim, um dos principais papéis da Sitoaköre foi estabelecer os contatos com as
diversas organizações e lideranças importantes de cada povo para negociar as
possibilidades de realizar as reuniões em cada uma das aldeias escolhidas, e de
incentivar aos convidados a participarem. Essa função da Sitoaköre foi fundamental já
SITOAKÖRE Organizações regionais ou deabrangência étnica Lideranças
indígenas
P.I. FUNAI,especialmente se
o chefe éindígena
Pólos-base
Comunidades
Quadro 1: Instâncias envolvidas nos processos de negociação para a toma de decisões, e na divulgação dasatividades.
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16
que, pelo longo andamento de suas integrantes no movimento indígena, conhecem as
redes de relações que permeiam a complexa configuração da política institucional
indígena na região.
Em comparação com a primeira etapa de execução do projeto na região do
Juruá, a articulação com as organizações para chegar até as comunidades foi mais
complicada. Podemos apontar duas razões. Primeiro, na região do Juruá há
organizações regionais que conseguem abranger todas as comunidades assentadas numa
determinada área geográfica ampla2; diferentemente, na região do Purus, especialmente
na reunião de Sena Madureira, foi necessário contatar com várias organizações porque
não existia nenhuma que abrangesse todas as comunidades convidadas, o que tornou
mais complexa essa tarefa. Além disso, a comunicação com as organizações não foi
fácil, devido à alta mobilidade dos seus líderes - em função de participação em eventos,
viagens para as aldeias vizinhas, etc. -, e da falta de meios de comunicação (falta de
infra-estrutura em algumas organizações, de sistemas de radiofonia nas aldeias).
Segundo, a comunicação com as comunidades tornou-se complicada devido às
desavenças entre as diferentes organizações indígenas. Acertos feitos com integrantes
de algumas organizações para que fizessem a divulgação das reuniões junto às
comunidades não foram cumpridos. As integrantes da Sitoaköre explicaram essa atitude
fazendo alusão a rixas – como a que mencionamos acima entre Kaxinawa e Jaminawa -
e inveja. Disseram em várias ocasiões que, devido à Sitoaköre ser uma organização
exclusivamente de mulheres – a primeira de mulheres indígenas no Acre –, e a ser uma
das suas orientações e linhas de trabalho a defesa dos direitos das mulheres, muitas
organizações indígenas formadas principalmente por homens se mostram receosos3 com
elas e, o sucesso que elas estão tendo com suas atividades, está suscitando a inveja
deles. Essa é uma informação que precisa ser considerada visto que é uma questão de
2 No Juruá realizamos três reuniões: na primeira participavam as T.Is da bacia do Juruá; na segunda as T.Is da bacia do Tarauacá; e na terceira nas T.Is da bacia do Envira. Em cada uma delas contamos com a colaboração de uma organização que abrangia todas as comunidades de cada bacia. 3 Em várias ocasiões fomos testemunhas de comentários feitos por lideranças indígenas homens fazendo alusão a esse aspecto. Do ponto de vista deles, a defesa dos direitos da mulher é “coisa dos brancos”, e pode se tornar um fator de desestabilização das relações de gênero dentro das comunidades indígenas. Sua atitude é, portanto, crítica ante iniciativas nesse sentido. Para as integrantes da Sitoaköre, essa atitude crítica se deve a que os homens vêem ameaçada sua autoridade sobre as mulheres.
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gênero, mas também política. Contudo, isso não inviabilizou a execução das atividades;
e apesar das dificuldades apresentadas, a equipe contou com a ajuda fundamental de
integrantes de várias organizações indígenas.
2.5. Descrição das reuniões
Dando continuidade as atividades realizadas na etapa anterior, foram executadas
três Reuniões de Parteiras, Pajés e AIS em municípios pertencentes ao DSEI/Alto
Purus.
Ilustração 5: Partida de alguns dos participantes da 4ª Reunião de Parteiras, Pajés e AIS
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Mapa 1: Mapa do Acre e Sul do Amazonas com as áreas abrangidas por cada reunião
Locais das reuniões 1ª Reunião, aldeia Campinas, Cruz. do Sul 2ª Reunião, aldeia Ig. Caucho, Tarauacá 3ª Reunião, aldeia Morada Nova, Feijó 4ª Reunião, aldeia Nova Vista, Pauini 5ª Reunião, aldeia Camicuã, Boca do Acre 6ª Reunião, aldeia Kaiapucá, S. Madureira
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19
2.5.1. A região abrangida pelo DSEI/Alto Purus
Devemos lembrar aqui que os DSEIs estão concebidos como unidades de
organização que assumem uma série de tarefas administrativas, de planejamento,
organização e execução das ações voltadas para o atendimento à saúde indígena. Cada
DSEI foi delimitado atendendo a critérios geográficos e operacionais, mas também
socioculturais e políticos, de forma que os territórios distritais constituem unidades
geográficas e populacionais claramente identificadas. Dessa forma seus limites não
coincidem necessariamente com os limites políticos dos Estados (Fundação Nacional de
Saúde 2004).
No caso do DSEI/Alto Juruá, toda a área por ele compreendida se encontra
dentro dos limites do Acre. Diferentemente, o DSEI/Alto Purus abrange a parte oriental
do Acre, uma área ao Sul do Estado do Amazonas e uma pequena região do Noroeste de
Rondônia, na qual se encontra a T.I. Kaxarari. Isso implica que, para as comunidades
indígenas dessas regiões, o principal ponto de referência em termos administrativos é
Rio Branco, onde se encontra sediado o DSEI/Alto Purus. Na tabela abaixo aparecem os
municípios abrangidos por cada um dos DSEIs, e a qual deles pertencem as
comunidades que participaram em cada uma das reuniões.
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Estado Município Reuniões
Cruzeiro do Sul Rodrigues Alves
Mâncio Lima Porto Walter
Marechal Thaumaturgo
1 ª Reunião 15 a 19 de fev.
Aldeia Campinas – Cruzeiro do Sul
Tarauacá
Jordão
2ª Reunião: 13 a 17 de março
Aldeia Caucho - Tarauacá
DSEI Alto
Juruá Acre
Feijó 3ª Reunião
27 a 31 de março Aldeia Morada Nova - Feijó
Pauini 4ª Reunião:
10 a 14 de outubro Aldeia Nova Vista - Pauini
Amazonas
Boca do Acre 5ª Reunião
20 a 24 de outubro Aldeia Camicuã – Boca do Acre
Manuel Urbano Assis Brasil
Sena Madureira Acre
Santa Rosa
DSEI Alto
Purús
Rondônia Extrema
6ª Reunião 4 a 8 de novembro
Aldeia Kaiapucá – Sena Madureria
Tabela 1: Municípios abrangidos pelos DSEIs Alto Purus e Alto Juruá.
O eixo geográfico da região abrangida pelo DSEI/Alto Purus é a bacia do rio
Purus, sendo seus afluentes mais significativos o rio Iaco e o Caeté, por se encontrar
situadas neles várias T.I.s. O trecho do Purus que se encontra no Estado do Acre,
basicamente entre a cabeceira e a desembocadura do Iaco, é considerado Alto Purus. A
partir daí, o Purus se alarga, adquirindo as características de um rio no seu curso médio.
Essas áreas do Alto e Meio Purus distinguem-se entre si não apenas pela largura do rio,
já que existe um diferencial ambiental entre elas que tem implicações, por exemplo, nas
atividades econômicas das populações. Podemos citar como exemplo, a importância na
economia do Alto Purus em vários momentos dos séculos XIX e XX, como no resto do
Acre, do extrativismo seringalista, que afetou de forma significativa a vida dos povos
indígenas da região. No Médio Purus, entretanto, o extrativismo está mais centrado na
colheita da castanha do que na produção de seringa. Esse fato, por outro lado, incide
consideravelmente nas atividades econômicas das comunidades indígenas, em termos
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21
dos recursos econômicos, da estacionalidade do trabalho e na organização social do
mesmo.
As aldeias indígenas se encontram situadas, principalmente, ao longo dos rios,
sendo estes as principais vias de acesso às sedes municipais. A distância entre as aldeias
e os centros urbanos varia muito, sendo que algumas se encontram a, apenas, alguns
minutos, e outras a vários dias de viagem. Ainda é necessário mencionar que algumas
aldeias são acessíveis apenas por estrada. É o caso das comunidades dos Kaxarari, às
quais se chega através de ramais de complicado trânsito na época das chuvas, e algumas
T.I.s Apurinã estabelecidas ao longo da estrada que liga Boca do Acre a Rio Branco.
Rio Branco conta com conexão por estrada com várias das sedes municipais da região
oriental do Acre e do sul do Amazonas. Em alguns casos - Sena Madureira, Assis
Brasil, Boca do Acre - a estrada é transitável durante o ano todo; em outros, como
Manuel Urbano, apenas é possível usar a estrada na época do verão, quando a pista, sem
asfalto, fica seca. Porém, há algumas cidades (Sta. Rosa do Purus, Pauini) às quais
apenas se acessa por avião ou por via fluvial, sendo ainda necessários vários dias de
viagem4.
Estas características geográficas e dos sistemas de comunicação dão idéia da
complicação e da demora dos deslocamentos e das dificuldades que, portanto, enfrenta
o DSEI para dar atendimento à população indígena.
4 Estamos fazendo alusão apenas a cidades que possuem pólo-base e constituem pontos de referências para a população indígena.
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22
Mapa 2: Área abrangida pelo DSEI/Alto Purus (DSAI/FUNASA 2005b)
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23
Mapa 3: Área abrangida pelo DSEI/Alto Juruá (DSAI/FUNASA 2005a)
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24
2.5.2. Participação nas reuniões.
Na tabela abaixo aparece um resumo da participação em cada uma das reuniões.
Diferentemente do que aconteceu na região do Juruá, onde o número de participantes
das duas últimas reuniões (Tarauacá e Feijó) quase triplicou o que tinha sido previsto,
neste caso a quantidade de participantes se manteve mais próximo ao definido no
projeto. Algumas dificuldades logísticas e de comunicação fizeram com que faltassem
participantes de algumas Terras Indígenas.
De forma geral, contamos com escassa presença dos pajés. Na região de Boca do
Acre isto se deveu a que atualmente não há, segundo os participantes e moradores da
aldeia hospedeira, mais pessoas praticando a pajelança. Já nas regiões de Pauini e
Kaiapucá, existem vários indivíduos que mantêm viva a prática xamânica, mas, como
várias pessoas enfatizaram, trata-se de personagens que não gostam muito de se expor
em público e participar de reuniões. Gostaram de ter sido considerados e convidados a
participar, mas, de forma geral, se mantiveram a margem das discussões. Suas
intervenções foram pontuais e sua participação foi mais significativa fora da própria
reunião. Sobre o papel dos pajés voltaremos na frente.
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25
Participantes Aldeia/T.I.
hóspede Data T.Is. participantes Etnias participantes Parteiras Pajés AIS Líderes Representantes
de mulheres outros Total
Seruini/Marienê 2 1 1 4
Peneri/Tacaquiri 9 3 3 2 3 15 Guajahã 1 1 2
Catipari/Mamoriá 4 1 1 6 Água Preta/Inari
Apurinã
5 1 1 7
4ª Reunião de Parteiras, Pajés e
AIS
Aldeia Nova Vista
T.I. Peneri/ Tacaquiri
10 a 14 de outubro
Camadeni Camadeni 1 1 1 3 Totais 22 3 8 6 3 42
Camapã 2 1 1 4 Manhẽ 1 1
Apurinã BR 317 KM 124
Km 124 2 2 Boca do Acre (Apurinã Km 45)
Camicuã 8 2 1 1 5 17 Katispero 2 1 1 4 Camicuã Centrim
Apurinã
2 1 3 Goiaba/Monte
Lurdes/Cajueiro Apurinã/Jamama
di 1 1 2 Inauni/Teuini 2 1 1 1 5
Iquirema Igarapé Capana
5ª Reunião de Parteiras, Pajés e
AIS
Aldeia Camicuã T.I. Camicuã
20 a 24 de outubro
Tumiã
Jamamadi
Total 20 1 7 4 1 5 38
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Participantes Aldeia/T.I. hóspede Data T.Is. participantes Etnias
participantes Parteiras Pajés AIS Líderes Representantes de mulheres outros
Total
Boca do Canamari 1 1 2 Extrema 1 1 2
T.I. Jaminawa do Caeté
Buenos Aires 1 1 2 Jaminawa de Kaiapucá 1 2 1 1 5 10
Jaminawa da Colocação São Paulino 1 1 2 Jaminawa do Guajará Cabeceira do Rio Acre
Jaminawa
Kaxinawa 1 1 2 Alto Purus Kulina 2 2
Mamoadate Manchineri do Seringal Guanabara
Manchineri
6ª Reunião de Parteiras, Pajés
e AIS
Aldeia Kaiapucá T.I. Kaiapucá
4 a 7 de novembro.
T.I. Kaxarari Kaxarari 3 1 4
Total 11 2 5 2 2 5 27 Tabela 2: Participantes das reuniões realizadas na segunda etapa de execução do projeto.
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27
2.5.3. Metodologia adotada nas reuniões.
A forma das reuniões não mudou
muito em relação à etapa anterior. Dado que
estas questões foram tratadas no anterior
relatório de atividades, dedicaremos aqui
pouco espaço a elas, apenas especificando as
particularidades dessa segunda etapa.
Os locais onde as reuniões foram
realizadas eram estruturas abertas usadas em
cada uma das aldeias para eventos coletivos.
As coordenadoras da Sitoaköre realizaram a
coordenação das discussões com base a
roteiros (apresentados em anexo 3)
previamente definidos pela equipe em função dos temas que era de interesse tratar. As
intervenções das técnicas se limitavam a problematizar questões durante as discussões,
proporem temas de conversa e responder dúvidas dos participantes referentes a temas
diversos.
Como nas reuniões anteriores, os monitores cumpriram fundamentalmente três
funções:
• Apoio na organização da reunião, especialmente no que se refere à
divulgação da mesma, assim como na coordenação do transporte, alimentação
e hospedagem dos participantes.
• Participação na própria dinâmica das discussões.
• Tradução durante as reuniões entre língua indígena e o português.
Na reunião de Nova Vista, apenas uma pessoa cumpriu o papel de monitoria,
mas em Camicuã e Kaiapuká, ele foi repartido entre várias pessoas, em função,
especialmente, da presença de participantes que falavam línguas diferentes e a
necessidade de dar apoio a todos eles. Por exemplo, na reunião de Kaiapuká
participaram falantes das línguas kaxinawa, kaxarari, jaminawa e kulina. Dado o
Ilustração 6: Dona Maria (parteira) eMarisina (monitora), participantesKaxarari, 6ª Reunião.
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28
limitado domínio do português desses participantes, foi necessário contar um monitor
para cada uma dessas línguas indígenas.
Dois aspectos nos
interessam notar, ainda, em
relação ao desenvolvimento das
reuniões. Primeiro aspecto, as
coordenadoras da Sitoaköre
usaram dinâmicas para animar
as reuniões. Estas dinâmicas são
jogos ou brincadeiras educativas
através das quais se pretende
repassar algumas idéias e, ao
mesmo tempo, descontrair os
participantes, já que as reuniões podem chegar a ser cansativas. Uma das dinâmicas
consiste em colocar as pessoas enfileiradas tocando no chão adiante dos pés, formando
um túnel que simboliza o canal do parto. Uma pessoa simula ser a criança que vai
descendo durante o parto pelo canal. Solicita-se aos AIS que mostrem como eles fariam
para receber a criança, cortar o umbigo e o resto de ações implicadas no momento do
parto. Alguns AIS não souberam
como fazer, outros se esforçaram
para simular os gestos de pegar a
criança e cortar o cordão. Em
seguida uma parteira demonstrou
a forma correta de realizar o
parto. Essa brincadeira evidencia
que as parteiras têm um
conhecimento especializado, do
qual eles precisam saber como
ocorre, levando-os a respeitar o
trabalho que elas realizam. Ilustração 7: Um AIS jaminawa mostra como faria umparto durante uma dinâmica, 6ª Reunião.
Ilustração 8: Participantes fazendo a dinâmica da ponte, 4ªreunião
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29
Segundo aspecto, as dinâmicas realizadas têm por objetivo enfatizar a idéia da
importância da colaboração entre AIS, parteiras e pajés. Isso observamos ser necessário
ressaltar, devido à dispersão dos profissionais na realização de suas atividades, como se
os cuidados com a saúde nas aldeias devesse ocorrer de forma solitária para cada
profissional.
Quanto às apresentações culturais, tiveram o papel fundamental de inserir os
participantes no objetivo das reuniões, permitindo que ficassem à vontade e
participativos. As músicas tiveram como tema o amor, a saudade de um tempo, as
mulheres bonitas, a saudação aos que vêm de longe. As danças, a oração para os que
ficaram, fizeram parte da dinâmica cultural.
2.5.4. 4ª Reunião – região de Pauini.
A 4ª Reunião ocorreu na aldeia Nova
Vista, administrada pelo Pólo de Pauini, do
dia 10 a 14 de outubro, conforme apresentado
na tabela acima. Nosso ponto de apoio para
esse evento foi a cidade de Boca do Acre,
para a compra de mantimentos e o que mais
fosse necessário para os cinco dias de evento.
Nesta reunião participaram representantes das
etnias Apurinã, Camadeni e Jamamadi. A
programação da reunião (anexo 3) constou
pela manhã da abertura - com a apresentação
da equipe executora do projeto, da
apresentação dos objetivos desse, das
respostas quanto às dúvidas entre os participantes, da apresentação dos participantes, de
exposição dos trabalhos que a Sitoaköre vem desenvolvendo e da apresentação cultural.
Pela tarde foi feita a avaliação dos cursos de Aperfeiçoamento das Parteiras
Tradicionais Indígenas, e foi tratado também sobre o que vem a ser medicina tradicional
para os participantes.
Ilustração 9: Participantes almoçando peixeassado e cabeça de queixada, 4ª reunião.
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30
Em todas as manhãs
houve uma apresentação
cultural, o que ajudou a animar
os participantes, assim como na
primeira hora da tarde uma
dinâmica educativa era realizada
pelas coordenadoras da
Sitoaköre. O perfil das parteiras
e o relato dos trabalhos e
experiências por elas vivido foram amplamente tratados e trouxe algumas necessidades
a tona, como precisarem de um barco para transportar suas pacientes em risco de vida
para a cidade. Outro tema da reunião foi os partos na aldeia e na cidade: vantagens e
desvantagens. O pré-natal, a saúde da grávida e os encaminhamentos para a cidade
foram descritos, assim como os cuidados que se devem ter com a grávida (resguardo,
dietas como são feitos e se ainda são feitos) e a amamentação. Reservou-se um dia para
preparar a conversa com os profissionais de saúde e construir propostas de políticas
públicas para a valorização da medicina tradicional. No dia seguinte, reservado para a
conversa com os profissionais de saúde – dia previamente agendado com as enfermeiras
do pólo-base de Pauini e que pretendia-se falar sobre os problemas que os profissionais
de saúde e as comunidades indígenas enfrentam em relação a saúde indígena e como
melhorá-la – não ocorreu, pois não compareceram. Recebemos informações de que
estavam em missão em outra localidade. Ante essa circunstância, procuramos trabalhar
documentos relacionando algumas necessidades que a comunidade enfrentava, e
buscamos direcionar aos órgãos competentes e atribuir às associações a
responsabilidade pelo encaminhamento, o que a Sitoaköre assumiu. No último dia,
foram feitos os acertos relativos ao auxilio transporte, alimentação, cozinheira lenheiros
e monitoras. Esta foi a reunião melhor organizada, visto que contou com o apoio de AIS
e parteiras mulheres que se empenharam para que nada faltasse e onde conseguiram
pesar os produtos e atribuir valores mais adequados, o que facilitou a atuação da
coordenação do projeto e das coordenadoras da Sitoaköre.
Ilustração 10: Reunião na aledia Nova Vista.
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31
2.5.5. 5ª Reunião – região de Boca do Acre
A 5ª Reunião ocorreu
entre os dias 20 a 24 de outubro
na aldeia Camicuã, e novamente
nosso ponto de apoio foi Boca
do Acre. Os Jamamadi e
Apurinã foram os grupos
participantes desta reunião.
Inicialmente, estava prevista
também a participação dos
Kaxarari nesta reunião, mas
várias dificuldades, sua
participação foi transferida para a última reunião. A aldeia Camicuã fica do outro lado
do rio Purus, na bifurcação com o rio Acre. A programação da reunião foi a mesma da
anterior, e revelou semelhanças e diferenças com os relatos de experiência dos
participantes daquela reunião. Nessa ocasião, houve uma atenção direta da
administradora do Pólo Boca do Acre para o desenvolvimento dos trabalhos e
deslocamento dos participantes. Nesta reunião houve a participação de uma enfermeira
no dia previsto para os profissionais de saúde e, apesar das criticas e da ameaça de um
pequeno grupo da aldeia dos apurinã para prender quem viesse, nada disso aconteceu a
enfermeira procurou responder as dúvidas, levar as queixas e dissipar o mal entendido
nos atendimentos que ocorrem nas aldeias e na cidade. No dia anterior contamos com a
presença da administradora do Pólo-Base, que mesmo tendo ido até o Camicuã para
resolver outros assuntou, chegou até a reunião e ouviu os pedidos e reclamações
prometendo melhorar e acertar os erros.
2.5.6. 6ª reunião – regiões de Sena Madureira, Santo Rosa e Assis Brasil.
A 6ª Reunião ocorreu entre os dias 4 e 7 de novembro na aldeia Kaiapucá, a
região do meio Purus. Esta era a reunião mais complicada em termos logísticos, já que
se previa a participação de representantes de terras indígenas localizadas em três
Ilustração 11: Participantes durante a reunião na aldeiaCamicuã.
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32
regiões: Sena Madureira, Assis Brasil e Santa Rosa do Purus. A dificuldade do
transporte e da comunicação com as comunidades motivou que não contássemos com a
participação de todas as terras indígenas localizadas nessas regiões.
Para esta reunião estava prevista a participação das etnias Jaminawa, Kaxinawá,
Kulina, e Manchineri. Infelizmente, não foi possível contar, com nenhum representante
Manchineri. Apesar de que havia a possibilidade dos participantes aproveitarem um vôo
que foi à T.I. naqueles dias para transladar um doente até a cidade, as pessoas da
comunidade não conseguiram entrar em acordo sobre a designação dos participantes, e,
finalmente, não foi enviado ninguém. Ainda, naqueles dias estava ocorrendo uma
capacitação de parteiras indígenas na região, organizada pela FUNASA.
Esta foi a reunião onde tivemos a menor estrutura de trabalho, mas também
houve o maior esforço dos Jaminawa no sentido de alimentar e acomodar todos os
participantes, visto que a aldeia possui estrutura mínima. A programação também foi a
mesma, e contamos com o apoio da associação dos Jaminawa (OCAEJ), tanto no
contato com os demais participantes, quanto no referente à tradução (do que
consideravam necessário sabermos) dos relatos das experiências das parteiras, pajés e
AIS. No dia dedicado aos profissionais de saúde, não houve o comparecimento dos
mesmos, pois estavam chegando de uma missão e não tiveram tempo de chegarem a
Sena Madureira e seguirem para a aldeia Kamicuã. Utilizamos esse dia para
construirmos os documentos conforme havíamos feito nas outras reuniões. O último dia
foi reservado para o acerto com os participantes. Nesta reunião a caça não foi possível e
a pesca foi precária. Contudo a compra de gado e de alguns poucos produtos na aldeia
ajudou a alimentar a todos.
A avaliação final da reunião feita pelos participantes das três reuniões primou
pela idéia positiva do encontro e pela solicitação de novos encontros, mais cursos de
preparação para as parteiras e AIS e mais comunicação com esses.
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33
3. Universo etnográfico
O objetivo do presente item é fornecer ao leitor um marco etnográfico básico de
referência sobre as etnias envolvidas na segunda etapa de execução do projeto. É
importante salientar que, da mesma forma que na etapa anterior, o conjunto de povos
tratados é sumamente heterogêneo tanto no que se refere à tradição cultural – estamos
tratando com três famílias lingüísticas diferentes -, quanto no tipo de relação com a
sociedade envolvente, o grau de preservação das tradições e da língua e o local e as
condições gerais de vida. Ao longo desse item iremos pontuando essas questões.
A segunda etapa do projeto abrangeu basicamente5 a região atendida pelo
DSEI/Alto Purus. Nessa área, existem 23 terras indígenas ocupadas por um total de 10
etnias indígenas diferentes pertencentes a três famílias lingüísticas distintas: pano,
arawá e arawak. O quadro abaixo apresenta um resumo referente à população indígena
considerada.
5 A critério das integrantes da Sitoaköre, foi também incluída no projeto a T.I. Tumiã que não é atendida pelo DSEI/Alto Purus, mas pelo DSEI/Meio Purus. Foram convidados participantes dessa T.I., mas, por causa da grande distância, não acudiu nenhum representante à reunião.
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Família lingüística Etnia T.I. População por T.I.6 População
por etnia7 Camadeni Camadeni 84 84
Inauni/Teuini 215
Iquirema 47
Igarapé Capana 28
Arawá Jamamadi
90
452
Arawak Apurinã Lurdes/Cajueiro
87 177
Arawá Jamamadi 72 Goiaba/Monte
27 99
Água Preta/Inari 231 Catipari/Mamoriá 222
Guajahã 31 Peneri/Tacaquiri 719 Seruini/Marienê 176
Tumiã 858 Camicuã 398
Boca do Acre (Apurinã Km 45) 188
Apurinã
Apurinã BR 317 KM 124 210
2374
Manchineri do Seringal Guanabara 1669
Arawak
Manchineri 650
816
Mamoadate 186
836
Jaminawa da Colocação São Paulino 74
Jaminawa do Caiapucá 104
Jaminawa do Rio Caeté 126
Jaminawa do Guajará 68Cabeceira do Rio Acre 234
Jaminawa
36
828 Pano
Kaxinawa 1139 1394 Arawá Kulina
Alto Rio Purus
1002
2432
1002 Pano Kaxarari Kaxarari 359 359
População considerada pelo projeto para a segunda etapa de execução 7.309
Tabela 3: População indígena atendida pelo DSEI/Alto Purus
6 Dados demográficos fornecidos pelo DSEI/Alto Purus (DSEI/Alto Purus 2005). 7 Essa cifra se refere apenas à população de cada etnia dentro da região estudada, dado que em todos os casos, existem aldeias de essas mesmas etnias em outras regiões do país, ou mesmo além das fronteiras brasileiras. 8 Dados da FUNAI referentes a 2006 (Instituto Socioambiental 2006b). 9 Dados referentes a 2005 (Instituto Socioambiental 2006a).
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No conjunto da área aqui tratada podemos distinguir três regiões em função da
supremacia de umas etnias ou outras. A região do meio Purus, compreendida pelos
municípios de Boca de Acre é Pauini, se caracteriza pelo predomínio dos apurinã. Nessa
região se encontram também os Jamamadi, embora em número muito inferior. Na
região de Assis Brasil convivem as etnias jaminawa e manchineri, sendo que a primeira
foi se espraiando em direção a Sena Madureira, e ocupam hoje alguns pontos do Rio
Caeté e do Meio Purus. Finalmente, no alto Purus encontramos uma das terras indígenas
que alberga mais população no Acre, ocupara fundamentalmente por Kulina e
Kaxinawa. Na tabela abaixo aparecem as terras indígenas e etnias que são atendidas por
cada pólo-base:
Pólo-Base Terras indígenas Etnias Camicuã.
Apurinã Km 124.
Apurinã Km 45.
Apurinã
Capana.Teuini/Inauini.
IquiremaJamamadi
Jamamadi do Lurdes
Boca do Acre
Goiaba/MonteApurinã/Jamamadi
Água Preta / Inari Catipari / Mamoriá
Guajarahã Peneri / Tacaquiri Seruini / Marienê
Camadeni
Apurinã Pauini
Teuini/Inauini. Jamamadi Kaxinawa Jaminawa Santa Rosa do Purus
Manoel Urbano
Alto Purus Kulina
Jaminawa da Colocação São Paulino Jaminawa do CaiapucáJaminawa do Rio CaetéJaminawa do Guajará
Jaminawa Sena Madureira
Kaxarari Kaxarari Manchineri do Seringal Guanabara Manchineri
Mamoadate Manchineri/Jaminawa Assis Brasil
Cabeceira do Rio Acre Jaminawa Tabela 4: Terras indígenas e etnias atendidas por cada Pólo-base
36
Mapa 4: Localização das aldeias atendidas pelo DSEI/Alto Purus em 2006. (Mapa proporcionado pela chefia do DSEI/Alto Purus).
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37
Diferentemente do que acontece na região do Juruá onde a família lingüística
pano predominava de forma contundente, no caso do Purus a porcentagem é muito mais
igualada, como mostra o gráfico.
A etnia mais
numerosa da área
considerada é à Apurinã
(arawak), que ocupa, junto
com os Jamamadi (arawá), a
região do meio Purus, no sul
do estado do Amazonas,
que compreende os
municípios de Boca do Acre
e Pauini
Durante a segunda
etapa de execução do
projeto, participaram nas
reuniões grupos representantes das três famílias lingüísticas da região. Da família
lingüística pano, contamos com a presença dos Jaminawa, os Kaxinawa e os Kaxarari;
da família lingüística arawak, contamos com a presença maciça dos Apurinã10; e,
finalmente, da família arawá, houve a participação dos Kulina e dos Jamamadi.
Embora habitantes de uma mesma região, cada um desses povos possui
peculiaridades etnográficas e de interação com a sociedade envolvente que vale a pena
ressaltar, porque influem, especificamente, na interação com o pólo-base e, de forma
mais geral, com o sistema público de saúde. De forma clara, para os profissionais de
saúde e para os administradores do pólo, cada uma das etnias representa desafios
diferentes em função, precisamente, dessas particularidades culturais.
A família lingüística Pano está composta por 30.000 falantes (Erikson
1992)dos quais aproximadamente 8800 indivíduos se encontram no Acre. Pelo número
10 Inicialmente, estava também prevista a participação do povo Manchineri. Infelizmente, a sua presença não foi possível, como explicamos no item 2.5.6. Contudo, contamos com alguns dados referentes a essa etnia que exporemos no texto.
Pano35%
Arawak44%
Arawá21%
PanoArawakArawá
Gráfico 1: Famílias lingüísticas
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de etnias (11) e indivíduos, a família Pano é a mais representativa nesse Estado.
Enquanto conjunto lingüístico abrange a área da tríplice fronteira entre Peru (onde
encontramos grupos pano nas margens do rio Ucayali; na região de confluência de
cabeceiras dos rios Purus, Ucayali e Juruá; nas margens do Yavarí; na área de cabeceira
do rio Madre de Dios e na região do meio Urubamba em torno da missão católica de
Sepahua), Brasil (nas regiões de cabeceira dos rios Juruá e Purus e seus afluentes
próximos, no Estado do Acre; em toda a área compreendida entre os rios Javari e
Itaquaí no Estado do Amazonas; e no alto rio Madeira no Estado de Rondônia), e
Bolívia (nos rios Tahuamanu e Beni).
Esta agrupação geográfica num espaço relativamente contínuo dos grupos que a
formam é um dos traços que caracteriza a família lingüística Pano frente a outros
conjuntos lingüísticos como, por exemplo, o Arawak. Em geral, os autores que dão uma
visão panorâmica dos grupos Pano (Erikson 1992; 1993; Santos Granero & Barclay
1998), salientam que, a despeito de certas diferenças, decorrentes da diversidade de
nichos ecológicos onde os grupos se localizam11 ou das diferentes histórias e momentos
de contato de cada grupo12, existe uma unidade sócio-cultural relativamente expressiva.
No Acre, encontramos várias etnias representantes deste macro-conjunto Pano.
Porém, vou me referir exclusivamente às etnias que estiveram envolvidas na segunda
etapa do projeto.
Os Kaxinawa, também conhecidos como Huni Kuin – é o grupo mais numeroso
no Acre - aproximadamente 4.000 indivíduos no Acre e 1.400 no Peru (Instituto
Socioambiental 2006c) -, e o melhor conhecido, pois foi objeto de vários estudos
etnográficos(Aquino 1994; Deshayes & Keifenheim 1994; Kensinger 1995; Lagrou
1998; McCallum 1989). Eles possuem certas características que lhes conferem unidade
e homogeneidade étnicas apesar de sua ampla distribuição espacial. Dos grupos Pano,
ele é o único que mantém uma organização social dualista constituída por metades
exogâmicas. O contato dos Kaxinawa com a sociedade envolvente se iniciou durante as
11 Desde as ribeiras dos grandes rios como os Shipibo-Conibo até as áreas interfluviais das cabeceiras como os Yaminawa. 12 Alguns grupos como os Shipibo-Conibo estão em contato com os ocidentais desde o século XVI, quando os primeiros missionários espanhóis iniciaram o processo de evangelização da Amazônia peruana, enquanto outros, como os Yora e os Txitonawa, apenas estabeleceram contato permanente com a sociedade envolvente nas décadas de 80 e 90 respectivamente.
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duas décadas finais do século XIX, à medida que avançavam os frentes extrativistas do
caucho (no Peru) e da borracha (no Brasil). Após a dizimação que sofreram na primeira
época do contato, por causa das epidemias e as correrias – ataques de caucheiros
peruanos e seringalistas brasileiros, que tinham o objetivo de espantar e acabar com as
populações indígenas que ocupavam territórios que eles queriam explorar –, foram
sendo incorporados progressivamente, no Acre, aos seringais onde trabalharam como
mão de obra semi-escrava. Como muitos outros grupos acreanos, os Kaxinawa se
mantiveram atrelados aos seringais até que, na década de 1970, a FUNAI começou a
demarcar as terras indígenas (Aquino 1994).
Hoje em dia os Kaxinawa se caracterizam por ser uma etnia com grande
visibilidade e participação ativa no movimento indígena acreano. São conhecidos
especialmente por seu belo artesanato, destacando os tecidos com desenhos
geométricos. Sendo um conjunto tão amplo, existem diferenças entre umas
comunidades e outras. Algumas delas se encontram situadas muito próximas de cidades,
enquanto outras, como as que existem na T.I. Alto Purus, se localizam em áreas
remotas, longe dos núcleos urbanos maiores. No caso da T.I. Alto Purus, a única área
Kaxinawa contemplada nessa segunda etapa do projeto, o ponto de referência é a sede
municipal de Santa Rosa de Purus, uma pequena cidade de 2.24613 habitantes, com
pouca infra-estrutura, à qual apenas se acessa por avião ou por embarcação fluvial.
Nessa região, as distâncias entre as aldeias e os núcleos urbanos são grandes, o qual tem
diversas implicações. Se de um lado, traz benefícios, na medida em que são geralmente
áreas onde a dependência dos produtos da cidade é menor e os recursos naturais (caça,
pesca, áreas para cultivar) são mais abundantes do que nas aldeias próximas da cidade,
de outro, constitui uma desvantagem quando, por exemplo, há algum problema de saúde
e é necessário encaminhar com urgência algum paciente para ser atendido na cidade.
Uma das participantes kaxinawa da 6ª reunião, por exemplo, mora na aldeia Porto Rico,
que fica a três dias de distância de Santa Rosa do Purus e a seis dias de Manuel Urbano.
A esse respeito é interessante notar também que aquelas comunidades mais
afastadas dos centros urbanos, como é o caso das que se encontram na T.I. Alto Purus,
13 Dados do IBGE, 2000.
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têm um maior grau de preservação da língua nativa e das tradições do que aquelas que
se localizam perto das cidades.
Os Jaminawa14 formam parte de um conjunto mais amplo de grupos Pano,
espalhados entre o território acreano e, especialmente o peruano, próximos cultural e
lingüisticamente entre si, como os Arara (ou Shawanawa). Este conjunto se caracteriza
por ter uma organização social extremamente atomizada, alimentada por uma dinâmica
de fissões e fusões contínuas. Devido aos conflitos internos, as famílias se separam
criando novos assentamentos, mas continuam mantendo relações entre si e se
reconhecendo como parentes (Calavia 2001). Dessa forma, podemos ver a sociedade
Jaminawa como um conjunto de famílias espalhadas geograficamente, mas formando
uma rede de relações que se atualizam, por exemplo, através dos casamentos. É
interessante notar que o nome “Jaminawa”, surgido na época do contato, abrange e
oculta toda uma série de outros etnônimos diferentes que são o resultado de uma de sua
dinâmica social particular.
Diferentemente dos
Kaxinawa, os Jaminawa, que
sumam aproximadamente 1500
indivíduos espalhados entre o
Acre, o Peru e a Bolívia, onde se
encontra o maior contingente
(Instituto Socioambiental
2006c), apenas foram contatados
nas décadas de 1960 e 1970, já
que adotaram a estratégia de se esconder sistematicamente nas cabeceiras mais
inacessíveis dos rios, evitando, na medida do possível, os “brancos”, aos quais só se
aproximavam para roubar ferramentas de metal e outros objetos nos acampamentos. É
por isso que os Jaminawa não tiveram a experiência do trabalho nos seringais de forma
14 São também conhecidos como Yaminawa ou Yaminahua.
Ilustração 12: Aldeia Jaminawa de Kaiapucá.
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tão marcante como outros grupos acreanos, embora também sofressem por causa das
perseguições e epidemias.
Há um aspecto sobre os Jaminawa que interessa remarcar, especialmente pelas
suas implicações em relação ao atendimento de saúde que lhes é dispensado. A etnia é
conhecida no Acre – não é o caso, por exemplo, no Peru – pela atração que sentem pelo
meio urbano. Sua tendência a se deslocar até as cidades – pode ser Rio Branco,
Brasiléia, Assis Brasil ou Sena Madureira, que constituem seus principais pólos de
atração – e permanecer nelas sem recursos, em condições muito precárias, sendo essa
situação agravada por problemas de alcoolismo e a desnutrição (Sales Souza 1999), é
uma questão que preocupa as autoridades tanto da FUNAI quanto do DSEI. Essa
circunstância precária os leva a mendigar pelas ruas dessas cidades. Com a finalidade de
paliar essa situação, vêm sendo feitos esforços para incentivar os Jaminawa a voltarem e
permanecerem em suas aldeias.
Tanto em Sena Madureira quanto em Assis Brasil, pontos de referência das
regiões onde habitam os Jaminawa, eles constroem moradias precárias para ficar na
cidade, usando as aposentadorias dos mais velhos e a mendicância como meios de
sobrevivência.
Nos últimos anos, líderes jaminawa têm criado a Organização Comunitária
Agroextrativista Jaminawa (OCAEJ), que tem uma vocação transnacional, já que
pretende, em última instância, abranger todas as comunidades jaminawa existentes,
tanto em território acreano, quanto na Bolívia e no Peru. As relações com os Yaminawa
da Bolívia existem desde faz anos devido aos laços de parentesco que reconhecem entre
si. De fato, não é raro encontrar pessoas jaminawa que, além do português e da língua
nativa, falem espanhol por ter passado longas temporadas na Bolívia ou ser originários
de lá. Já no caso dos Yaminawa peruanos, embora reconhecidos com esse etnônimo e,
portanto, como “parentes”, não existem lembranças de relações de parentesco
específicas. Nos últimos anos, e usando os aparelhos de radiofonia como meio, os
jaminawa acreanos começaram a ter comunicação com eles.
Um dos objetivos específicos da organização, como nos explicou Zé Correia, um
dos grandes líderes jaminawa, atualmente chefe do P.I. de Sena Madureira e tesoureiro
da OCAEJ, é o de promover a recuperação das tradições “perdidas” a partir do contato
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com os “brancos”. Ele sustenta que a pesar dos Jaminawa manterem viva a língua
indígena – de fato a maioria tem grandes dificuldades em falar português -, têm
abandonado muitas de seus costumes e essa é uma das causas de sua problemática
relação com a cidade. Entretanto, insiste, essa recuperação das tradições não tem como
finalidade de transformá-las em folclore e usá-las como meio para obter recursos – do
qual acusa a outros grupos acreanos –, mas deve ter como objetivo preservar sua
identidade indígena. O projeto político de revitalização cultural é uma questão muito
presente nas discussões e colocações realizadas durante as reuniões, e sobre a qual
voltaremos ao longo do texto.
Quanto à economia e moradia desses grupos, podemos apontar de forma geral
que os produtos da roça, da caça e da pesca constituem sua base alimentar. Atualmente,
combinam essas atividades tradicionais de subsistência com outras derivadas de sua
inserção na sociedade nacional. Antes do contato moravam em grandes malocas que
albergavam várias famílias. Hoje em dia, estes grupos indígenas adotaram como forma
de moradia a casa sobre pilotis típica da região. Normalmente, cada casa alberga uma
família nuclear, mas estas se agrupam em função de seu pertencimento a famílias
extensas, formando conjuntos mais amplos e sociologicamente mais representativos.
O último grupo pano envolvido nessa segunda etapa de execução do projeto são
os Kaxarari, cuja única terra indígena se localiza no limite entre o sul do estado de
Amazonas e o Noroeste do estado de Rondônia. É, provavelmente, um dos grupos pano
sobre os quais existe menos informação disponível. Além de alguns relatórios, de difícil
acesso, da FUNAI ou de organizações religiosas como o Conselho Indigenista
Missionário (CIMI), ou de notícias nos jornais, não existem trabalhos etnográficos
acadêmicos sobre esse grupo.
Os primeiros contatos dos Kaxarari com a sociedade envolvente aconteceram no
início do século XX, sendo as primeiras referências históricas de sua existência de 1910.
Nessa época ainda mantinham certa independência em relação à sociedade envolvente.
Porém, da mesma forma que outros povos acreanos, a partir do contato os Kaxarari
foram primeiro dizimados pelas correrias de seringueiros e caucheiros e,
posteriormente, absorvidos como mão de obra escrava do sistema de aviamento nos
seringais. No final da década de 1970, quando a FUNAI demarca a T.I. Kaxarari,
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entretanto os problemas dos Kaxarari continuam por causa da exploração que a empresa
mineradora Mendes Júnior Engenharia S.A. empreendeu numa área rica em pedra-
granito situada no limite oeste da T.I, e que foi excluída, segundo os Kaxarari
intencionalmente, da área a ser demarcada. A exploração dessa área por parte da
empreiteira teve graves conseqüências para os Kaxarari. A empresa construiu uma
barragem no rio que constituía a fonte de água potável para a comunidade. Esse fato não
apenas acabou com o abastecimento de água das comunidades e com áreas apropriadas
para a caça, como criou um foco de proliferação de insetos, gerando uma endemia de
malária e doenças intestinais que, junto com a falta de assistência médica adequada, tem
sumido a população kaxarari numa situação de saúde extremadamente precária (Silva
2000).
Além da mineradora, que não apenas explorou a área mencionada senão que
também desmatou 10 ha. dentro da T.I., este povo pano tem enfrentado outras invasões,
especialmente de madeireiros. Uma das conseqüências desses problemas foi que os
Kaxarari não conseguiram manter a produção de seus roçados ao nível de suas
necessidades, gerando situações de fome e desnutrição entre a população15 (Silva 2000).
Além das ações de subsistência, os Kaxarari se dedicam à quebra da castanha e à
produção de borracha, atividades que realizam em diversos momentos do ano.
Outro aspecto que vale a pena notar é que, por sua situação geopolítica – no
limite entre os estados de Amazonas e Rondônia – e sua dependência de um DSEI
localizado em outro estado, já que estão ligados ao DSEI/Alto Purus, sediado em Rio
Branco (AC), sua situação com as instituições dos três estados é marginal. Quanto ao
atendimento de saúde, eles estão ligados ao pólo-base de Sena Madureira, mas por ser
inviável o deslocamento até essa cidade quando há algum problema de saúde, seu ponto
de referência a esse respeito é Rio Branco. Uma das reivindicações dos Kaxarari é,
precisamente, a construção de um pólo-base na cidade de Extrema, em Rondônia,
próxima a sua área indígena; porém, como salientou o chefe do DSEI/Alto Purus, o
15 A empresa mineradora foi condenada em sentencia judicial a pagar uma indenização por esses fatos ao povo kaxarari (Ministério Público Federal 2004).
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número pequeno de indígenas que seriam atendidos nesse pólo não justifica sua
construção16.
Em contraste com o conjunto Pano, há membros da família lingüística Arawak
espalhados por um território muito amplo17. No Acre, existem assentamentos de três
populações Arawak: Ashaninka, Machineri e Apurinã.
Nessa segunda etapa do projeto, estava prevista a participação de Manchineri e
Apurinã. Enquanto os segundos foram os protagonistas das duas primeiras reuniões,
dado seu número, os primeiros acabaram no participando por razões que já foram
explicadas no item 2.5.6. De qualquer forma, forneceremos alguns dados que possuímos
sobre eles.
Os Apurinã começaram a ter contato sistemático com os não-índios a partir da
metade do século XIX, quando se iniciaram as expedições governamentais de
reconhecimento do Médio Purus. Porém, essa região apenas foi ocupada de forma
maciça com a chegada da frente extrativista para a exploração da borracha, a partir da
década de 1970. Parte da população Apurinã foi absorvida pelas empresas seringalistas
já nessa época, embora outra parte apenas o seria no segundo boom da borracha,
coincidente com a Segunda Guerra Mundial. Como no caso dos outros povos das
regiões que foram assimiladas na exploração da borracha, essa etapa da história Apurinã
está marcada pelos massacres, os abusos e a escravidão. Entre o primeiro e o segundo
boom da borracha e depois deste, muitos seringais foram abandonados pelos patrões,
ficando neles a população indígena, que tinha sido absorvida como mão de obra, e os
seringueiros, a maior parte vindos do nordeste. A exploração da borracha,
16 Tínhamos encontrado essa mesma reivindicação por parte dos Jaminawa-Arara da T.I. Jaminawa do Igarapé Preto, que reclamavam a construção um pólo-base em Rodrigues Alves. Entretanto, ambas as situações possuem uma diferença. No caso dos Jaminawa, a reivindicação tinha conotações políticas, já que reclamavam que o pólo de Cruzeiro, onde eram atendidos, era dominado pelos Katukina, por ser um Katukina vice-administrador do mesmo. No caso, o deslocamento não era o problema, já que a distância entre Cruzeiro do Sul e Rodrigues Alves é pequena e a estrada que une ambas as cidades está asfaltada e, portanto, transitável todo o ano. No caso dos Kaxarari, a maior proximidade de Rio Branco faz com que seja ridículo seu deslocamento até Sena Madureira para acudir ao pólo-base (ver mapa 4). Quando as mulheres kaxarari que vieram participar da 6ª Reunião passaram por Sena Madureira, de onde saiu a embarcação com todos os participantes para a aldeia, comentaram que era a primeira vez que conheciam a cidade, o pólo e o administrador do pólo, já que, apesar de estarem ligados a ele, nunca recorriam a seus serviços. 17 Assim, encontramos grupos Arawak na região do Rio Negro (como os Baniwa), no Mato Grosso (Enawenê-nawê, Pareci), no Parque Nacional do Xingu (Yawalapití, Waujá), na Guaiana (Palikur, Wapixana), nas fronteiras de Brasil com Venezuela (Wakerena) e com Colômbia (Kuripako).
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complementada com a coleta de castanha, passaram a constituir atividades de
subsistência junto com a caça, a pesca e a agricultura de roça (Schiel 2004; 2005). Com
a demarcação das terras durante os anos de 1980, os Apurinã começaram a organizar-se
em comunidades e a lutar por seus direitos, assumindo um lugar destacado no
movimento indígena acreano, especialmente na União de Nações Indígenas do Acre e
Sul do Amazonas (UNI)18.
Hoje em dia, a coleta de castanha
continua sendo uma das principais atividades
através das quais os Apurinã obtém recursos
para adquirirem mercadorias. Quando se
inicia a época da chuva, cada família se
interna na floresta onde passa várias semanas
coletando castanha. Trata-se de uma atividade
penosa, porque durante esses meses as
pessoas se deslocam entre os acampamentos
que existem na área que vão explorar, em
função da existência da castanheira, e devem
levar a pesada carga até a beira do rio. Apesar
do penoso trabalho, os benefícios são
escassos. Dado que não têm meios para eles mesmos escoarem a produção até as
cidades de Boca do Acre ou Rio Branco, se vêem obrigados a vendê-la aos marreteiros,
que pagam pelo produto um preço muito mais baixo do que corresponde.
18 De fato, a presidência da UNI foi ocupada por vários Apurinã em diversos momentos de sua história, inclusive por Antônio Apurinã, que posteriormente foi, durante um tempo, presidente da FUNAI em Brasília. Segundo alguns profissionais de saúde que atendem os pólos-base das regiões onde se localizam os Apurinã, a forte presença de representantes desse povo na UNI está associada aos atuais conflitos entre as equipes dos pólos e alguns indígenas. Não devemos esquecer que a UNI assinou em 1999 um convênio com a FUNASA, através do qual assumia a gestão dos recursos e a organização do atendimento de saúde à população indígena da região do Acre e Sul de Amazonas. Por problemas de desvio de recursos públicos, o convênio foi cancelando em 2004, passando a FUNASA a assumir integralmente essas responsabilidades. Como conseqüência desse grave acontecimento, a UNI desapareceu. O convênio UNI/FUNASA implicava que a saúde indígena no Acre estava em mãos dos próprios índios. Para alguns indígenas com os que conversamos, o serviço que recebiam era melhor; para outros, era muito pior. Sobre essa questão voltaremos na frente.
Ilustração 13: Homens apurinã chegando decaça carregando queixadas, aldeia NovaVista.
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Deve levar-se em conta que o povo apurinã é grande e existe certa diversidade
enquanto a sua forma de vida atual. Existem algumas comunidades localizadas em
lugares distantes da cidade, como as situadas da T.I. Peneri/Tacaquiri, onde a caça e a
pesca são abundantes, e as pessoas se dedicam à coleta de castanha durante o inverno.
Nesses casos, as moradias podem estar agrupadas formando uma aldeia de várias
famílias, ou dispersas ao longo do rio, sendo que as comunidades estão integradas por
várias famílias que moram a certa distância.
Ilustração 14: Casas apurinã ao longo do rio Purus, T.I. Tacaquiri/Peneri
Em outros casos, como nas comunidades da T.I. Camicuã, muito próxima da
cidade de Boca do Acre, a caça e a pesca se tornaram difíceis, e a dependência dos
recursos da cidade, inclusive em termos de alimentação é maior. A aldeia Camicuã, por
exemplo, é muito maior do que as existentes no Peneri/Tacaquiri, com uma população
em torno de 300 habitantes.
Quanto aos Manchineri, são poucas as informações que possuímos por não
existirem praticamente trabalhos acadêmicos dedicados a eles, pelo menos aos grupos
localizados no Brasil. No Peru, os Manchineri são conhecidos como Piro ou Yine, e
sobre eles existem mais informações etnográficas (Gow 1991). Trata-se, da mesma
forma que os Kaxinawa e os Jaminawa, de um povo que se localiza tanto no território
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peruano quanto no brasileiro. No Brasil, ocupam, junto com os Jaminawa, a T.I.
Mamoadate, na região de cabeceira do rio Iaco, onde existem onze aldeias Manchineri.
A história de contato dos Manchineri é de longa data, já que no Peru era um dos
povos localizados nas margens do Ucayali que, junto com os Shipibo-Conibo,
monopolizou a interação com os primeiros missionários europeus e as redes de
comercio na região (Santos Granero 1992). Como muitos outros grupos do sudeste
amazônico, quando o boom da borracha se iniciou, os Manchineri sofreram suas
conseqüências, por serem, primeiramente, massacrados e, posteriormente, absorvidos
nos seringais como mão de obra, em condições de escravidão. Apenas com o início da
demarcação das T.I.s por parte da FUNAI nas décadas de 1970 e 1980 – a T.I.
Mamoadate foi demarcada em 1985 (Cruz & Ferreira eds. 2004: 117) – a situação
começou a mudar.
Os Manchineri mantêm uma organização social e espacial fragmentada. Em
geral, na maior parte das aldeias manchineri a população não supera os 30 indivíduos, e
naquelas maiores, como as de Jatobá ou Extrema, muitas casas se encontram espalhadas
ao longo do rio e distantes entre si. Essa estrutura fragmentada se reflete também no
fato de não existir uma liderança única para toda a T.I., mas apenas lideranças locais
(Cruz & Ferreira eds. 2004: 118).
Dado que na T.I. Mamoadate não existem castanheiras nem seringueiras,
espécies objeto das principais atividades extrativistas na região, os Manchineri
desenvolveram outros tipos de atividades produtivas para a geração de recursos, como a
criação de animais e o cultivo de produtos próprios dos brancos (Cruz & Ferreira eds.
2004), que combinam com suas tradicionais atividades de subsistência.
Da família lingüística Arawá, o grupo que recebeu mais atenção por parte dos
etnógrafos foi o Kulina, cuja população, estimada entre 2.500 e 3.000 pessoas, se
localiza nas margens do alto Juruá (Acre) e do alto e Purus – a maior parte – (Acre e
Peru) (Silva 2003). No curso médio desses mesmos rios, já no Estado do Amazonas, se
encontram as populações menores e menos conhecidas, Jamamadi e Deni, da mesma
família lingüística. Todos estes grupos sofreram o impacto de ambos os ciclos da
borracha durante o século XX. A pressão exercida pelo frente econômico nacional
durante esse período e a incidência de epidemias provocaram a redução demográfica
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desses grupos, até o ponto que, em certo momento, os Jamamadi foram dados por
extintos (Schröder 2002).
Sendo tradicionalmente grupos de terra firme, a caça e a agricultura parecem
ocupar um lugar privilegiado como atividades de subsistência, embora a pesca com
venenos seja também praticada (Gonçalves ed. 1991). Hoje em dia, além dessas
atividades que fornecem sua base alimentar, os membros desses grupos se engajam em
atividades extrativistas, trabalhando para outros ou produzindo para vender eles mesmos
o rendimento do seu trabalho, com a finalidade de obter as mercadorias de que precisam
(Gonçalves ed. 1991; Schröder 2002).
Na área abrangida pelo DSEI/Alto Purus, os Kulina, conhecidos também como
Madihá, se encontram assentados, na T.I. Alto Purus, que partilham com os Kaxinawa.
Também existem várias comunidades kulina na cabeceira do mesmo rio, mas do outro
lado da fronteira, em território peruano.
Já os Jamamadi, que ocupam áreas contíguas aos Apurinã, se localizam no curso
médio do Purus. Jamamadi e Kulina, além das semelhanças culturais que o fato de
pertencer a uma mesma família lingüística possam implicar, compartilham dentro dos
seus respectivos contextos regionais um mesmo tipo de imagem, que podemos verificar
tanto entre outros grupos indígenas, quanto entre os profissionais de saúde: são
percebidos como povos que mantém, de uma forma muito acentuada, suas tradições, e
que ainda têm dificuldades para se desenvolver no mundo dos “brancos”, em parte pelo
fato de não falar praticamente o português. Dos líderes kulina e jamamadi, que
participaram nas reuniões organizadas pelo presente projeto, tanto na primeira etapa
quanto na segunda, nenhum falava fluentemente o português19.
Essa falta de desenvoltura no mundo dos “brancos” não deve atribuir-se a um
contato mais recente. Os Jamamadi têm contatos com os “brancos” desde a metade do
século XIX, e da mesma forma que outros povos, sofreram a violenta chegada do frente
extrativista da borracha, que quase acabou com sua existência (Schröder 2002).
Igualmente, os Kulina foram definitivamente contatados no final do século XIX, com o
início do boom da borracha. Entretanto, a dificuldade de escoamento da produção desde
19 Cabe notar que os líderes são os que normalmente têm um maior domínio da língua dos “brancos”. No caso desses povos, eles são, efetivamente, os que melhor a falam, só que apenas a arranhavam.
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as áreas de cabeceira de rio, que constituem os lugares de moradia dos Kulina, fez com
que a presença das empresas seringalistas fosse menos marcada nelas, o que permitiu
aos Kulina se manterem um pouco mais isolados. Foi o desejo de ferramentas e outras
mercadorias o que determinou a aproximação deles aos brancos (Silva 2003).
A imagem projetada por esses grupos, especialmente pelos Jamamadi, não é
apenas a de povos que preservaram mais do que outros suas tradições, mas também a de
gentes mais ingênuas e necessitadas de proteção. Quando perguntamos a uma das
enfermeiras do pólo-base de Pauini se existem diferenças entre os Jamamadi e os
Apurinã, ela fez a seguinte comparação, muito reveladora da forma diferenciada de
como cada um desses povos estabelece a relação com os “brancos”:
“...são duas etnias completamente diferentes. O Jamamadi, eles têm cultura ainda... não são aculturados, falam a língua, são bilíngües, e os Apurinã é um povo mais guerreiro, totalmente aculturado, mais polêmico, exigente. O Jamamadi eles nem eram muito assistidos, não tinha viagem para eles, quase que nasceram com a gente. Eles são muito inocentes, muito doces”.
A antropóloga Oiara Bonilla, que trabalhou com os Paumari, povo também da
família arawá e muito próximo dos Jamamadi, propõe uma interessante interpretação da
forma como esse povo se coloca na interação com os “brancos”, que, a nosso ver,
poderia se aplicar aos Jamamadi. O “branco” é certamente, o inimigo, o predador, o
qual se verifica na história de exploração que os povos indígenas têm sofrido desde o
contato. Para neutralizar a agressividade predadora do “branco”, os Paumari se colocam
na interação com eles na posição de “empregados” que devem ser protegidos e
cuidados. Essa forma de colocar a relação implica dois movimentos. Em primeiro lugar,
os Paumari definem a relação em termos comerciais, onde o “branco” é o “patrão” e o
paumari o “freguês”; em segundo lugar, se deslocam da posição de presa (freguês) para
a de animal domesticável (empregado), transformando o inimigo/predador em patrão
domesticador (Bonilla 2005). Em outras palavras, em vez de definir a relação com os
“brancos” em termos de confronto – como, por exemplo, parece ser o caso dos Apurinã,
descritos sempre como povo guerreiro -, o fazem em termos de submissão ou
clientelismo. Porém, de forma paradoxal, isso parece ter permitido maior margem para a
preservação de suas formas de vida e tradições. Como expressão disso, os Jamamadi são
praticamente monolíngues da língua nativa, enquanto os Apurinã são, praticamente,
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monilíngues do português. Outros aspectos sobre estas diferenças – que são
interessantes na medida em que se trata de povos que ocupam uma mesma área
geográfica, que tiveram uma história do contato similar e que parecem manter relações
fluídas entre si – aparecerão ao longo do texto.
Ilustração 15: Xingané na aldeia Nova Vista
Antes de encerrar esse item gostaríamos de relembrar uma questão sobre a qual
tratamos já no anterior relatório etnográfico: à da revitalização cultural. Da mesma
forma que os povos do Juruá20, os do Purus se encontram envolvidos num contexto de
revitalização cultural, promovido tanto pelos líderes indígenas, em função de sua
interação com a sociedade envolvente, quanto por diversos agentes desta,
principalmente ONGs, mas também instituições ligadas ao Governo do Acre, como a
Universidade21. Um claro exemplo é o fato dos Jaminawa estarem envolvidos, na
20 Sobre este tema tratamos no 1º relatório etnográfico. 21 Ver como exemplo o livro organizado pelos professores Paulo Roberto Nunes Ferreira e Tereza Almeida Cruz (Cruz & Ferreira eds. 2004), fruto de um projeto que consistiu na realização de várias oficinas de revitalização cultural com vários povos acreanos.
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mesma época em que estávamos executando a segunda etapa do projeto, numa
conferência pan-jaminawa, na qual um dos temas principais era a necessidade de
recuperar e preservar suas tradições culturais. Essas propostas devem ser entendidas, a
meu ver, como projetos políticos que, em última instância, têm como objetivo preservar
a identidade indígena frente à capacidade fagocitadora, em parte pela grande atração
que exerce, da forma de vida dos “brancos”. É necessário levar em conta esse contexto
porque o projeto, na medida em que traz a tona a questão da medicina tradicional e sua
valorização, é enquadrado nele por parte dos participantes das reuniões.
3.1. Localização e transporte das comunidades incluídas na segunda etapa de execução do projeto.
O objetivo desse item é apresentar dados básicos sobre a localização de cada T.I.
e os meios de transporte disponíveis em cada comunidade para chegar às cidades onde
contam com atendimento médico. Esse ponto é importante na medida em que uma das
principais dificuldades que as comunidade dizem ter é a questão do transporte. O
transporte se torna, por tanto, uma das reivindicações centrais de todos eles (ver item
6.1.7.), não apenas quando se trata dos problemas que enfrenta a grávida, mas qualquer
paciente que precise se deslocar até o pólo-base com urgência. Em cada caso, as
dificuldades enfrentadas e as necessidades são diferentes. Quando a via de comunicação
é fluvial, o meio de transporte pode ser o batelão – barcaça de madeira para o transporte
de pessoas e carga -, ou canoa com motor de rabeta. Pelo que podemos observar, as
comunidades não possuem batelão. Apenas algumas pessoas são donos de motores e
canoas que, eventualmente, podem emprestar a seus convizinhos. Aquelas pessoas que
não dispõem de motor, ou em caso de não haver combustível disponível, a única
possibilidade é se deslocar a remo.
Os tempos de deslocamento que aparecem nas tabelas podem variar muito em
função de vários fatores: nível de água do rio; se a embarcação vai a favor ou em contra
da correnteza; a potência do motor; a carga da embarcação, etc. São dados apenas
aproximativos para fornecer um marco de referência sobre as características da área e as
dificuldades que a esse respeito enfrentam tanto as comunidades, quanto as EMS.
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3.1.1. Região de Pauini
Terra Indígena Etnia Cidades que são ponto de referência Meio de transporte Dificuldades
Peneri/Tacaquiri
• Pauni • Boca do Acre
Seruini/Marienê
Guajahã
Catipari/Mamoriá
Água Preta/Inari
Apurinã
Pauni: não existe nenhuma estrada até Pauini. A cidade está comunicada com outras cidades por rio. A cidade mais próxima é Boca do Acre, a quatro dias de distância numa embarcação com motor de rabeta. Com motor fora-borda o tempo empregado se reduz a seis horas. Existem também pequenos aviões (teco-teco) que fazem os trechos Pauini/Boca do Acre e Pauini/Rio Branco. População: segundo IBGE, 17.092 pessoas.
Camadeni Camadeni
Embarcação fluvial pelo Rio Purus e seus afluentes, dependendo da localização da aldeia.
• Grandes distâncias entre as aldeias e as cidades de referência: entre dois dias e meio e algumas horas, dependendo dos casos, com embarcação a motor. Com embarcações sem motor, o tempo se multiplica. • Falta de disponibilidade de combustível. O combustível em
Pauini é muito mais caro do que em outras cidades melhor comunicadas. • Falta de motores suficientes nas aldeias. • Na aldeia Nova Vista (T.I Peneri/Tacaquiri) existe uma
dificuldade extra: a aldeia se encontra à beira de um igarapé que durante o verão não tem suficiente água para as embarcações pequenas poderem se deslocar por ele. Para chegar da aldeia até a beira do Purus, é necessário caminhar em torno de uma hora por uma trilha.
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3.1.2. Região de Boca do Acre
Terra Indígena Etnia Cidades que são ponto de referência Via de comunicação e meio de transporte Dificuldades
Apurinã BR 317 KM 124
Boca do Acre (Apurinã Km 45)
Ambas terras indígenas se encontram situadas em áreas por onde passa a estrada BR. 317, que une Boca de Acre e Rio Branco. Embora ainda não esteja completamente asfaltada (se encontra atualmente em processo de completar o asfaltamento, pelo menos no trecho acreano), é transitável o ano todo. Os meios de transporte são terrestres. As pessoas da comunidade usam o ônibus para se deslocar (o qual exige recursos econômicos). Quando há pacientes que devem ser deslocados, o pólo envia uma toyota. As comunidades não contam com veículos próprios.
• Longas distâncias entre as diferentes casas ou aldeias que se encontram dentro das T.I.s, que devem ser percorridas a pé. • Falta de meio próprio de transporte. • Necessidade de recursos para usar o ônibus. • Na parte que atravessa as terras indígenas, a estrada não está asfaltada, de forma que na época de chuvas se torna muito lamacenta, dificultando o deslocamento.
Camicuã
Apurinã
Transporte fluvial. A T.I. Camicuã se estende na beira oposta a Boca do Acre. Dependendo das aldeias, o deslocamento até Boca do Acre pode levar vinte minutos ou duas horas. Apenas na aldeia Centrim é necessário caminhar por uma trilha em torno de uma hora para chegar até a beira do rio.
• Escassez de combustível e embarcações.
Lurdes/Cajueiro
Transporte fluvial pelo rio Purus até Boca do Acre. • Em torno de um dia para chegar a Boca do Acre. • Escassez de combustível e embarcações.
Goiaba/Monte
Jamamadi / Apurinã
Iquirema
Boca do Acre – A cidade se encontra comunicada com Rio Branco pela estrada BR 317, que está apenas parcialmente asfaltada, mas é transitável o ano todo. Por rio se encontra comunicada com Sena Madureira (4 dias de viagem), embora o ponto de referência principal seja Rio Branco. População: 26.529 (dado do IBGE, 2000)
Ramal até a estrada BR 317 • Dificuldades na época das chuvas porque o ramal fica lamacento e dificulta o deslocamento. • Dependência da Toyota do pólo para deslocamentos.
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Inauni/Teuini
Transporte fluvial pelos rios Inauini e Teuini (em cada caso), e posteriormente pelo Purus até Pauini e Boca do Acre, respectivamente,
• As aldeias são muito distantes. Com motor de rabeta se demora em torno de quatro dias em chegar a Boca do Acre (desde a aldeia São Francisco, localizada no rio Inauini, afluente do Purus) ou a Pauini (desde a aldeia Torcimão, localizada no rio Teuini, afluente do Purus) (ver mapa 1) • Durante o verão, os rios Teuni e Inauini têm pouco caudal, de forma que as embarcações não podem navegar. Nessa época, a aldeia São Francisco especialmente, fica isolada até que começa a época de chuvas. • Escassez de motores e combustível nas aldeias.
Igarapé Capana
Jamamadi
Transporte fluvial pelo rio Purus até Boca do Acre. • Longa distância até Boca do Acre, em torno de dois dias. • Escassez de combustível e embarcações.
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3.1.3. Região de Sena Madureira
Terra
Indígena Etnias Cidades que são ponto de referência Meio de transporte Dificuldades
Jaminawa da
Colocação
Embarcação fluvial. Demora em torno de duas horas pelo rio Purus no trecho São Paulino – Sena Madureira, em motor de rabeta.
• Escassez de combustível e embarcações
Jaminawa do Caiapucá
Embarcação fluvial. Leva em torno de dois dias de viagem fazer o trecho entre Caiapucá e Sena Madureira, pelo rio Purus.
• Escassez de combustível e embarcações. • Longa distância até Sena
Madureira. Jaminawa
do Rio Caeté
Embarcação fluvial. Leva em torno de quatro dias pelo rio Caeté para chegar a Sena Madureira em canoa de rabeta.
• Escassez de combustível e embarcações. • Longa distância até Sena
Madureira.
Jaminawa do Guajará
Sena Madureira: Ligada a Rio Branco por estrada asfaltada, transitável o ano todo. O deslocamento entre Rio Branco e Sena Madureira demora duas horas. População: 29.420 habitantes, conforme o IBGE, 2000.
Embarcação fluvial. Leva em torno de três o quatro dias pelo rio Iaco para chegar a Sena Madureira em canoa de rabeta.
• Escassez de combustível e embarcações. • Longa distância até Sena
Madureira
Cabeceira do Rio Acre
Jaminawa
Assis Brasil: Ligada com Brasiléia e Rio Branco por estrada asfaltada, transitável o ano todo. População: 3.490 habitantes, conforme o IBGE, 2000.
Deslocamento pelo rio Acre até Assis Brasil. Dependendo das aldeias, o trajeto leva em torno de duas ou três horas.
• Escassez de combustível e embarcações. • No verão, o escasso caudal do rio
pode dificultar o trânsito de embarcações.
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Mamoadate
Manchineri / Jaminawa
Assis Brasil Existe um ramal entre o Iaco e Assis Brasil que apenas está disponível na época da seca. Até o ramal, o deslocamento se faz em canoa de rabeta ou a remo, dependendo da disponibilidade de combustível. O deslocamento desde a aldeia mais distante até o ponto onde se inicia o ramal demora quase um dia. No inverno, o ramal está intransitável, de forma que os únicos meios de transporte viáveis são a embarcação fluvial até Sena Madureira (em torno de uma semana em canoa impulsionada com motor de rabeta), ou os aviões fretados pelo pólo para levar até a cidade pacientes em estado grave.
• Escassez de combustível e embarcações. • No verão, o escasso caudal do rio
dificulta o trânsito de embarcações, deixando algumas comunidades praticamente isoladas. • Longa distância até Sena
Madureira.
Manchineri do Seringal Guanabara
Manchineri
• Assis Brasil • Sena Madureira
Deslocamento pelo rio Iaco até Sena Madureira ou até o ponto do ramal que leva a Assis Brasil.
• Escassez de combustível e embarcações. • Longa distância até Sena
Madureira.
Alto Rio Purus
Kaxinawa Kulina
Jaminawa
• Sta. Rosa do Purus: Não existem estradas até esta cidade. Os meios de transporte são apenas fluviais e aéreos (em teco-tecos). Cidade com escassa infra-estrutura. População: 2.246 habitantes, segundo IBGE, 2000. • Manuel Urbano: Cidade ligada a Sena Madureira
por estrada sem asfaltar. Na época de chuvas, o trânsito pode ver-se muito dificultado pela lama. População: 6.374 habitantes, segundo IBGE, 2000. • Sena Madureira
Deslocamento pelo rio Purus até Santa Rosa ou Manuel Urbano, dependendo das aldeias (algumas delas são ligadas a Santa Rosa e outras a Manuel Urbano). As distâncias entre as aldeias e as cidades variam, mas em vários casos, as viagens podem durar dois ou três dias até a cidade mais próxima22.
• Escassez de combustível e embarcações. • No verão, o escasso caudal do rio
dificulta o trânsito de embarcações, deixando algumas comunidades praticamente isoladas. • Longas distâncias até as cidades
mais próximas.
22 Como exemplo, podemos mencionar os casos das aldeias onde moram as representantes Kulina e Kaxinawa de esta região que participaram da 6ª reunião. Desde a aldeia Puerto Rico (ver mapa 4), são necessários três dias para chegar a Santa Rosa, seis para chegar a Manuel Urbano, e oito para chegar a Sena Madureira; desde a aldeia Santa Gloria, ligada ao pólo de Manuel Urbano, são precisos três dias para chegar a essa cidade.
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Kaxarari Kaxarari • Extrema • Rio Branco
Aldeias ligadas por ramais à estrada BR 384 e à cidade de Extrema. O trajeto deve ser feito em toyota. As quatro aldeias se encontram a diversas distâncias, mas todos os trajetos são de várias horas.
• A comunidade não conta com veículo próprio, dependendo para os deslocamentos do toyota do pólo. • Na época das chuvas, os
deslocamentos pelos ramais se tornam de difíceis e perigosos, especialmente até a aldeia Marmelinho, que fica mais distante.
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4. Funcionamento do DSEI/Alto Purús.
O Pólo-Base é uma das instâncias de atendimento a saúde indígena, ou ainda, é a
primeira referência para os agentes indígenas de saúde que atuam nas aldeias. No caso
do Acre, os pólos estão localizados nos municípios e não há Posto de Saúde atendido
por um auxiliar de enfermagem, como ocorre em outros estados. Tendo em vista este
aspecto, no Acre o pólo-base corresponde a uma unidade básica de saúde existente na
rede de serviços do município. A Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos
Indígenas, em suas Diretrizes, afirma que “a maioria dos agravos à saúde deverão ser
resolvidos nesse nível e que as demandas que não forem atendidas no grau de
resolutividade dos Pólos-Base deverão ser referenciadas para a rede de serviços do
SUS, de acordo com a realidade de cada DSEI” (Fundação Nacional de Saúde 2004:
282).
Os pólos-base que participaram do desenvolvimento do projeto foram: os pólos-
base do Alto Rio Juruá, localizados no município de Cruzeiro do Sul-AC, Feijó-AC e
Tarauacá-AC; no Alto Purus, localizados em Pauini-AM, Boca do Acre-AC, Sena
Madureira-AC e Assis Brasil-AC. Devido a estarem localizados nos municípios em que
as aldeias estão e não haver Posto de Saúde, existe uma forte identificação das
comunidades indígenas com os pólos-base, a ponto de considerarem o lugar como seu23.
Este modelo de assistência prevê as viagens da equipe multidisciplinar de saúde para as
aldeias como o pilar para o atendimento básico, visto que o AIS é o único recurso para o
atendimento sem o apoio de uma estrutura (Posto de Saúde) e um auxiliar de
enfermagem, como ocorre em outros estados.
O atendimento da equipe do pólo-base acontece da seguinte forma, e
corresponde a dois momentos de atendimento: aldeia e cidade (atendimento no
município e encaminhamento para o SUS). Cada EMS organiza sua programação para o
ano, obedecendo a uma agenda estabelecida pelo DSEI, onde a atenção básica e os
programas do ministério da saúde precisam ser implementados junto às famílias
indígenas. A saída da equipe para fazer o atendimento nas aldeias demanda outras
23 Esta relação é possível também ser vista entre as populações indígenas no estado do Pará, onde possuem Posto de Saúde nas aldeias.
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atividades que somam com as já agendadas para desenvolverem quando estiverem no
pólo. Na atenção básica, o que não é possível ser resolvido na aldeia e as emergências
são encaminhadas para os estabelecimentos do SUS, onde são feitas consultas e exames,
nas unidades de referência na cidade.
Durante as visitas às comunidades, que realizam entre três e quatro vezes ao ano,
em meia, as EMSI implementam, na medida do possível, as ações preconizadas pelo
Ministério da Saúde, atualizam o prontuário de todas as famílias indígenas, consultam
as pessoas com problemas de saúde que se encontram na aldeia e os encaminham para a
cidade se for necessário, realizam a cobertura vacinal da população, organizam palestras
para tratar de diversos assuntos de saúde com as pessoas da aldeia (pré-natal, DST/AIS,
higiene, etc.), e fazem a coleta de dados populacional necessária para o preenchimento
do SEASI.
Durante sua estadia na cidade, uma das funções das equipes é o consolidado dos
dados coletados durante as viagens, para o preenchimento do SEASI. Devem,
igualmente, receber os pacientes que chegam ao pólo à procura de atendimento e
encaminhá-los para o estabelecimento do SUS correspondente, em função da
complexidade do atendimento. Um papel importante das EMS é o de acompanhar a
referência e a contra referência dos pacientes.
Quando não é possível resolver o problema de saúde no município ou é
necessário tratamento ou consulta de alta complexidade, o paciente é encaminhado para
algum centro de referência de um município próximo maior (ver tabela 5), ou para a
CASAI de Rio Branco, que realiza o mesmo labor de encaminhamento ao SUS que faz
cada pólo-base nos municípios.
Os recursos e os estabelecimentos do SUS com os quais conta cada município
variam muito de um a outro. O mais precário dos que visitamos era, sem dúvida o de
Pauini, onde apenas existia um médico para atender toda a população da cidade,
encontrando-se completamente desbordado de trabalho, conforme comentaram as
enfermeiras do pólo. Igualmente, faltavam nesse município laboratórios onde realizar
exames e análises, de forma que estes deviam ser solicitados a cidades maiores como
Boca do Acre.
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Paciente acompanhado de AIS
Pólo-BaseEstabelecimentos de saúdelocais ou regionais:- Postos de Saúde- Hospitais- Maternidades
CASAI(Rio Branco)
Estabelecimentos doSUS em Rio Branco
Não solucionado na região
Pacien
te ac
ompa
nhad
o de A
IS
Paciente acompanhado de A
IS
Aldeias do município
Visitas das EMSIás aldeias
Visitas das EMSIás aldeias Visitas das EMSI
ás aldeias
Quadro 2: Fluxo de atendimento
Os recursos destinados à saúde indígena não são diretamente encaminhados para
o pólo-base, mas para o município. Dessa forma, é a prefeitura quem administra os
recursos, sendo necessária uma boa articulação entre a administração do pólo-base e a
prefeitura para que o trabalho das EMSI, especialmente as visitas às aldeias, possam ser
organizadas. Além dos recursos governamentais, cada pólo-base recebe do DSEI
medicamentos que são armazenados no próprio pólo. Os medicamentos dos quais o pólo
não dispõe, são adquiridos em farmácias conveniadas com a prefeitura, que pagará esses
gastos com os recursos recebidos para a saúde indígena. Igualmente, todos os
profissionais do pólo, incluindo os AIS, são contratados pela prefeitura.
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4.1. Constituição das Equipes Multidisciplinares de Saúde
O pólo-base é composto pelo administrador e a equipe multidisciplinar de
saúde (EMS). Cada pólo faz um esforço para montar sua equipe, já que médicos são
profissionais difíceis de serem conseguidos24. Cada equipe multidisciplinar de saúde é
formada por: médico, enfermeiro (a), auxiliar de enfermagem, microscopista, motorista,
barqueiro e cozinheiro. O número de EMS que integram o pólo depende da quantidade
de população indígena atendida. Cabe destacar que algumas equipes incorporam
indígenas entre seus membros, como as de Boca do Acre e Santa Rosa do Purus.
Na tabela a seguir se apresentam dados referentes ao número de profissionais de
saúde contratados e aos estabelecimentos do SUS existentes em cada município:
24 Os pólos têm se tornado exigentes na busca dos profissionais para comporem as EMS. É difícil encontrar profissionais com o perfil adequado para esse trabalho, já que implica, não apenas saber trabalhar com a diversidade cultural, mas também, estarem dispostos a fazer grandes deslocamentos para atender ou fazê-lo em condições adversas. Esse foi um comentário pertinente entre os administradores ou enfermeiros entrevistados.
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Estabelecimentos do SUS no município Município Posto de
Saúde/ Unidades
Mistas Hospital de referência
Equipe
Assis Brasil 2 1 Brasiléia
2 enfermeiras 1 técnica de enfermagem 1 auxiliar de enfermagem
1 auxiliar de consultório dental 2 barqueiros
Boca do Acre 4 1
1 médico 1 enfermeira
1 técnica de enfermagem 1 auxiliar de enfermagem
2 auxiliares de saúde 1 dentista
1 auxiliar de consultório dental 1 barqueiros 1 motorista
Manuel Urbano 1 1 Sena Madureira
1 enfermeiras 2 auxiliares de enfermagem
2 barqueiros
Pauini 1 1
2 enfermeiras 2 técnicas de enfermagem
1 odontólogo 1 técnico protético
Santa Rosa do Purus 1
1 médico 2 enfermeira
3 auxiliar de enfermagem 1 dentista
Sena Madureira 9 1
1 enfermeira 2 auxiliares de enfermagem
1 guarda de endemias 1 motorista
Tabela 5: Recursos humanos dos pólos-base e estabelecimentos do SUS em cada município (DSEI/Alto Purus 2005).
Um elemento-chave nesse modelo de atenção à saúde da população indígena é o
próprio Agente Indígena de Saúde. Entre outros papeis, ele atua como articulador entre
os membros de sua comunidade e a EMSI. As principais funções do AIS são:
• encaminhar e acompanhar ao pólo-base correspondente os pacientes cujas doenças
não possam ser resolvidas com os recursos da aldeia;
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• realizar o seguimento do crescimento das crianças, do estado de saúde das grávidas,
dos doentes crônicos ou das pessoas que estejam seguindo um tratamento de cura
prescrito pelos profissionais de saúde;
• fornecer os primeiros socorros;
• acompanhar e ajudar na organização do atendimento da EMSI quando esta realiza
suas visitas à aldeia;
• coletar dados referidos à saúde dos membros da comunidade (nascimentos, óbitos,
doenças acontecidas, etc.) e a suas próprias atividades como AIS (visitas realizadas,
palestras proferidas na comunidade, etc.), que deverão posteriormente ser repassados
à EMSI para incluí-los nos consolidados.
No Acre, a formação de AIS foi iniciada em 1988 pela ONG CPI/Acre. Essa
capacitação estava baseada na prevenção e no saneamento e os resultados foram
positivos, especialmente no que diz respeito à vacinação. Também entre 1990 e 1991 a
ONG internacional Médicos Sem Fronteiras realizou uma campanha no Acre que, entre
outras atividades, incluiu a capacitação de indígenas em relação a algumas técnicas
biomédicas.
Cabe destacar que durante a época em que a FUNAI estava encarregada da
saúde indígena, na região do Acre promoveu a capacitação de alguns índios como
auxiliares de enfermagem. Quando a saúde indígena passa a ser responsabilidade da
FUNASA25, esta assinou, no Acre, um convênio com a principal organização indígena
do Estado, a UNI (União de Nações Indígenas), por meio do qual repassava a esta
organização a responsabilidade sobre a atenção a saúde dos povos indígenas. Entre as
competências da UNI estavam a de capacitar e contratar os Agentes Indígenas de Saúde.
Entretanto, a partir dos depoimentos coletados em campo, se pode concluir que a UNI
não cumpriu essa função de forma adequada, e durante esse período a capacitação de
25 Durante essa época, até 1991, a saúde indígena estava ainda em mãos da FUNAI. A necessidade de se reformar o sistema de assistência à saúde dos povos indígenas através de um subsistema integrado no SUS que garanta o respeito das especificidades culturais dos grupos indígenas se define sucessivamente na I Conferência Nacional da Proteção Saúde do Índios (1986), na II Conferência Nacional de Saúde para os Povos Indígenas (1993), e na III Conferência Nacional de Saúde Indígena (2001). Entre 1991 e 1999, FUNAI e FUNASA dividiram responsabilidades no que se refere à atenção saúde indígena, executando cada uma delas ações sem que existisse coordenação entre si. Esta situação se resolveu finalmente quando em 1999 a Lei nº 9.836 concedeu a total responsabilidade pela saúde indígena à FUNASA (Fundação Nacional de Saúde 2004; Langdon 2004).
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AIS foi deficitária. Quando o Convênio UNI-FUNASA foi cancelado por deficiências
na prestação de contas por parte da organização indígena, os DSEIs assumiram a
capacitação e a contração de AIS.
Atualmente existe uma grande diversidade no que respeita à formação dos AIS
da região do Alto/Purus. Alguns já levam tempo atuando e têm recebido capacitação em
etapas anteriores; outros, entretanto, foram contratados recentemente e ainda não
receberam capacitação. Durante nossa estadia na região do Alto/Purus, entre os meses
de setembro e novembro, o DSEI/Alto Purus estava envolvido na organização das
capacitações de AIS em cada uma das regiões, questão à qual se estava dando
prioridade pela precariedade em que se encontrava.
5. Dados referentes ao parto indígena.
No presente item, pretendemos apresentar os dados disponíveis referentes aos
sistemas de parto entre os grupos envolvidos na segunda etapa de execução do projeto.
Em primeiro lugar, exporemos algumas informações que aparecem na literatura
etnográfica especializada sobre as práticas e concepções relativas ao parto entre os
povos tratados no presente relatório ou outros culturalmente próximos a eles. Embora
sejamos conscientes de que os dados relativos a grupos culturalmente relacionados não
podem ser extrapolados diretamente aos grupos sobre os quais tratamos, consideramos
que servem para construir um marco etnográfico geral que possa servir como subsídio
para nossas interpretações.
É importante mencionar que, nas etnografias, as informações relativas aos
sistemas de parto são escassas. Em primeiro lugar porque muitas vezes os etnógrafos
não têm prestado suficiente atenção a essa questão; em segundo lugar, porque são
questões difíceis de abordar, especialmente para os homens. Devemos considerar, ainda,
que não estamos falando exclusivamente das práticas relacionadas ao momento do
parto, mas nos referimos a um sistema mais amplo de práticas e idéias que abarcam
todo o processo de gravidez, parto e pós-parto. Sobre algumas delas – como as dietas
pós-parto, por exemplo, conhecidas como couvade e que têm chamado atenção dos
etnógrafos - há mais informação do que sobre outras, como o evento do parto, sobre o
qual, dado que se trata de um acontecimento íntimo, as mulheres indígenas não
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costumam falar com estranhos. Essa escassez de dados evidencia o caráter inovador do
presente projeto, não apenas quanto à sua proposta de ação, mas também enquanto
pesquisa etnográfica.
Devemos mencionar ainda que no relatório etnográfico anterior já apresentamos
alguns dados, especialmente sobre os Ashaninka (povo arawak) e sobre alguns grupos
pano, pelo qual evitaremos repetir as informações. A escassez de informações a respeito
dos Apurinã e dos Jamamadi se vê incrementada pela falta de trabalhos etnográficos
sobre eles.
Em segundo lugar, completaremos as informações expondo alguns dados
obtidos durante a execução do projeto. Ao longo das reuniões, foram realizados alguns
comentários sobre os sistemas de parto por parte dos participantes. Entretanto, nosso
acesso a essas informações foi limitada, em grande medida porque as lideranças
presentes, incluídas as integrantes da Sitoaköre, exerciam um controle sobre todas as
informações referidas à “cultura tradicional” que eram mencionadas, evitando traduzi-
las sob a alegação de que se trata de segredos.
5.1. Apresentação de dados que aparecem na bibliografia etnográfica.
O que apresentamos a seguir é, portanto, um conjunto de informações ainda
fragmentárias, que precisam ser completadas, mas que contribuem a fornecer um
panorama sobre o sistema tradicional de parto indígena.
Um recente trabalho de Luisa Elvira Belaúnde sobre os Yine26 - da família
arawak - focalizado na questão do parto nos fornece valiosas informações.
Os Yine concebem o parto como um momento no qual a força da mulher, contida nos seus ossos e numa postura adequada, é colocada em ação para enfrentar a morte, de cócoras, até dar à luz a criança. A idéia de que a força de uma mulher reside na postura adequada dos ossos, se sustenta na prática de
26 Lembremos que os Yine, também conhecidos como Piro, habitantes da região do rio Urubamba no Peru, estão relacionados com os Manchineri do Acre. Alguns autores sustentam ainda que se trata da mesma etnia que foi dividida durante a época das correrias. Em qualquer caso, a relação é real na medida em que se reconhecem laços de parentesco e existe certo fluir de pessoas entre os Manchineri e os Piro. Uma das integrantes da Sitoaköre é Manchineri e me comentou que seu pai tinha ido morar com familiares dele que estão assentados no Peru.
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“acomodar” ritualmente os ossos das mulheres jovens durante a reclusão da menarca27 (Belaúnde 2005: 122).
A autora chama atenção sobre o processo de “modelagem” corporal que
acontece ao longo da vida de uma adolescente, e que tem como objetivo produzir um
corpo capaz de cumprir as tarefas próprias do gênero feminino, entre elas trazer crianças
ao mundo. As duras tarefas que as mulheres devem realizar todos os dias, como
carregar água, lenha ou os produtos da roça, e que continuam fazendo durante toda a
gravidez, assim como certos rituais realizados com ocasião da primeira menstruação das
jovens, contribuem a fortalecer o corpo. Ter um corpo forte e preparado é fundamental
para as mulheres na hora do parto.
As mulheres continuam trabalhando e carregando peso durante a gravidez até o dia do parto, quando a força exercitada durante toda a vida por meio da boa postura e o trabalho é usada para trazer ao mundo um novo parente, de forma discreta, sem gritar e, se possível, “sem ninguém olhando”. Para o parto ter sucesso, a mulher deve manter a tranqüilidade e o controle sobre a força e empurrar no momento adequado. Geralmente, as mulheres tentam dar à luz sem ajuda, enfrentando sozinhas e em silêncio o a dor das contrações. Apenas quando percebem que não podem mais controlar suas forças, e que o bebê está prestes a vencê-las, mandam chamar uma parente para que as ajude.
A ajuda que as mulheres costumam receber se reduz, geralmente, a uma parente, que aperta o ventre com ambos os braços, situada atrás dela, abraçando-a por embaixo das axilas. O parto é concebido como uma guerra, travada com muito esforço pela parturiente e sua ajudante, contra a criança. Uma das principais funções da ajudante é evitar que a parturiente deite, porque se o fizesse estaria abdicando da criança, obstaculizando o parto (Belaúnde 2005: 122-123) .
A autora explica também que quando o casal leva junto vários anos, o marido
costuma ajudar sua mulher durante o parto, segurando a criança, banhando-a, e depois
cozinhando e cuidando da esposa durante os dias que ela precisa para se recuperar se o
parto foi difícil.
Como mencionei anteriormente, não existem muitos dados sobre os Apurinã. A
única referência que obtivemos foi uma informação fornecida por Paul Ehrenreich,
Paul, um viageiro alemã que visitou a área apurinã no século XIX:
27 Original em espanhol, tradução nossa.
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Algum tempo antes do parto, a mulher se recolhe a um rancho da floresta, onde é assistida por algumas mulheres idosas, que também dão nome à criança. Por meio de torsão separa-se o cordão umbilical, e em seguida amarra-se um barbante abaixo da ferida. Daí a quatro ou cinco dias, a mãe volta para casa com o recém-nascido (Gonçalves ed. 1991: 140).
Embora seja uma informação antiga que não se corresponde com a realidade
atual dos Apurinã, ainda é valida para entender a evolução das práticas de parto nesses
grupos e para contrastá-la com as que obtivemos durante as reuniões.
Sobre os Kulina e os Jamamadi, de língua arawá, tampouco contamos com
muita informação. A descrição de um dos etnógrafos que trabalhou entre os Kulina,
embora incompleta, traz a tona algumas informações interessantes:
Numa tarde, enquanto eu ouvia as histórias contadas por Mae no pátio da aldeia, chegou a notícia do nascimento do filho de Dário (casa 05) e Haurita. Dário era meu pai adotivo na aldeia e sua mulher era quem me cuidava. Dirigimo-nos para lá, eu e Mae - o xamã -, já que o momento do parto é bastante singular numa aldeia. Ele havia sido realizado por Zacaria, filho de Mae e novo xamã da aldeia. Ao chegarmos e presenciarmos a criança deitada no estrado da casa, ao lado da placenta da mãe, legitimamos o fato de que aquela era uma criança de Madija, filha de Madijas e nascida numa aldeia Madija [...] Pollock descreve que há cantos femininos que ocorrem logo após a concepção na porta da casa da mãe, mas isso não ocorreu nesse caso. [...] Á criança é dado o nome da pessoa que cortou seu cordão umbilical no momento do nascimento. Essa pessoa é normalmente um parente adulto próximo, do mesmo sexo do recém-nascido, d o qual, é claro, sabe-se o nome (Silva 1997: 128).
Infelizmente, não há mais referências sobre o papel do xamã no parto – que é
uma informação infreqüente e valiosa, sobre a qual voltaremos posteriormente.
Contudo, a descrição coloca um novo elemento que contrasta com a descrição anterior:
o caráter social do evento, já que as pessoas da comunidade acodem ao lugar onde
aconteceu o parto e são entoados cantos – conforme a descrição de outro etnógrafo.
Essa característica do parto como evento social é descrita também a respeito dos Matis
(grupo pano), como explicamos no relatório anterior. Lembremos:
O parto matis constitui, efetivamente, um acontecimento social importante, no qual todas as mulheres em idade fértil devem participar [...] A parturiente, acocorada sobre uma folha de tsinkwin kimo (‘bananeira verdadeira’), com a cabeça rasurada segurada por sua mãe ou alguma outra mulher mais idosa, não deve manifestar nenhum sinal de dor, contentando-se apenas com emitir, no final, o gemido “kwa kwa kwa”, onomatopéia de
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circunstância. A maior parte do tempo, como para minimizar ou negar o sofrimento da futura mãe, as outras mulheres presentes riem, brincam com macaquinhos que criam como animais de companhia, comem bananas assadas, massageiam e comparar uns bebês com outros28 (Erikson 1996).
A descrição continua explicando que uma das mulheres mais velhas e
experientes será escolhida para ser a primeira a pegar a criança, e será ela quem decidirá
se o bebê é viável. Essa mulher se tornará sua “madrinha” e terá um papel fundamental
nos rituais que marcam o ciclo vital matis no processo de construção da pessoa. Ela será
também a responsável por enterrar a placenta no roçado, ao pé de uma bananeira
(Erikson 1996: 231-232).
As descrições expostas acima nos levam a vislumbrar dois tipos de
circunstâncias em que o parto indígena acontece, conforme os diferentes grupos:
• Em alguns casos, o parto é praticamente “invisível”: a mulher dá à luz
sozinha, ou apenas com a ajuda de uma parente próxima quando o parto
apresenta alguma dificuldade. Em certos casos, o parto acontece na casa da
parturiente e, em outros, em na floresta, em alguma estrutura previamente
preparada para esse propósito29, mas de qualquer modo de forma
imperceptível para os vizinhos, que muitas vezes apenas chegam ter
conhecimento do nascimento de uma nova criança na aldeia depois que o
parto aconteceu. Durante o parto, as mulheres evitam qualquer mostra de
dor.
• Outro modelo, menos comum, descreve o parto como um evento social no
qual participam as mulheres da aldeia, acompanhando o processo, cantando
às vezes. Esse tipo de parto foi também testemunhado por Lagrou entre os
Kaxinawa. Durante o mesmo, que durou doce horas, várias mulheres
estavam presentes, cantando para facilitar o nascimento da criança (Lagrou
1998: 91-92). Em qualquer caso, a evitação de gritos e mostras de dor
continua presente nesses casos.
28 Original em francês, tradução nossa. 29 Remetemos novamente ao primeiro relatório etnográfico, no qual se apresentam algumas descrições dos partos entre os povos ashaninka (arawak) e sharanawa (pano). Nesses casos, as mulheres se internam sozinhas na floresta para dar à luz.
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Esses dados não devem ser interpretados, a meu ver, como mostras de dois
modelos de parto diferentes, já que a respeito dos kaxinawa, por exemplo, outras
descrições explicam que a parturiente dá a luz sozinha na floresta. São dados que dizem
respeito às características gerais do parto entre os povos indígenas, que, apesar das
diferenças culturais, partilham determinados princípios. Os dados acima corroboram a
caracterização geral feita no primeiro relatório:
• O parto é um evento que não gera uma quebra marcada da rotina, nem a
mobilização de recursos (humanos, terapêuticos ou econômicos)
excepcionais, a não ser que aconteça algum tipo de complicação.
• A mulher dá à luz sozinha ou acompanhada de mulheres experientes,
geralmente mais velhas. O papel delas, em muitos casos, é muito mais social
– o ato de receber a criança ou cortar o umbigo gera uma relação especial
entre a criança e a pessoa que o faz, por exemplo – do que “profissional”, no
sentido de realizar o parto.
• Em determinados casos, a mulher dá à luz em algum lugar um pouco
afastado da aldeia; em outros, dentro da sua própria casa. Mesmo com outras
pessoas presentes, o parto é um evento íntimo, e não é qualquer pessoa que
pode estar presente: apenas as mulheres próximas, que podem dar apoio de
diversas formas, e o marido, principalmente para ajudar a segurar sua
mulher.
• Há um controle marcado, por parte da parturiente, em relação às
manifestações de dor.
• Em relação à placenta, o mais normal é que ela seja enterrada atrás da casa
ou em algum lugar do roçado. Como explica Belaúnde a partir de uma
pesquisa comparativa de vários povos amazônicos, na maior parte dos casos
a placenta é enterrada ritualmente. Considera-se que, caso contrário, a
placenta se vingaria do recém-nascido provocando sua morte imediatamente.
Ainda segundo essa autora, a placenta é concebida como um "irmão" do
recém-nascido. O parto implica a morte da placenta, por tanto pode ser lido
como um fratricídio. Daí a rivalidade da placenta e sua periculosidade
(Belaúnde 2005: 273). Essa interpretação da placenta como “irmão” é
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interessante para entender o fato de que algumas das parteiras apurinã que
participaram nas reuniões segunda etapa de execução do projeto a chamem
“companheiro”.
Uma explicação sobre o caráter perigoso da placenta, complementar a esta, nos
foi dada por mulheres kaxinawa durante a primeira etapa de execução do projeto: após o
parto, a placenta é enterrada para que nenhum animal a coma. Se isso acontecer, a
criança morreria já que continua existindo um elo entre a placenta e a criança, por
ambos compartilharem as mesmas substâncias corporais.
Essa explicação deve entender-se à luz do princípio generalizado entre os povos
amazônicos, conhecido na literatura etnográfica como “relações de substância”. As
“relações de substância” decorem das teorias nativas sobre a concepção, segundo as
quais o corpo do feto é formado das substâncias corporais dos pais: o sêmen, o sangue
e, posteriormente, o leite materno. O tema das “relações de substância” já foi explicado
no primeiro relatório, e abundaremos nele no item 5.3.1.
5.2. Descrição dos sistemas de parto tradicionais indígenas conforme os dados obtidos durante as reuniões:
Como mencionamos, ao longo das reuniões e em conversas com os
participantes, obtivemos algumas informações que nos permitem caracterizar os
sistemas de parto de cada uma das etnias aqui consideradas. Estas caracterizações não
devem entender-se como definitivas, já que, em qualquer caso, essa tarefa exigiria um
trabalho etnográfico focalizado no estudo desses sistemas em cada caso, o qual vai além
das possibilidades do projeto. Em relação aos Manchineri, pelo fato deles não terem
participado nas reuniões, não possuímos informações para ser colocadas aqui.
5.2.1. Apurinã
Antes de começar a caracterizar o sistema de parto entre os Apurinã, é
necessário especificar que, diferentemente de outros casos, como os Jamamadi ou os
Jaminawa, esse povo tem um grau de interação maior com a sociedade envolvente, no
sentido de que existem vários casamentos com não-indígenas – e, portanto, vários não-
indígenas convivendo com os apurinã nas aldeias, assim como muitos apurinã com
algum dos progenitores não-indígenas. Muitos costumes não-indígenas acabaram por se
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superpor aos propriamente nativos. Mesmo em termos lingüísticos, o português
predomina, e muitas das pessoas das gerações mais novas não entendem nem falam a
língua apurinã.
Algumas das pessoas que participaram nas reuniões como representantes das
comunidades apurinã eram não-indígenas, e vários dos conceitos e idéias expressadas
durante o encontro são mais características da sociedade ribeirinha do que da sociedade
indígena. Não estamos com isto pretendendo que se deva discernir entre elementos
puramente indígenas e os que não o são. O que nos interessa é o mundo vivido apurinã,
como os Apurinã vivem, atuam e pensam atualmente, suas condições reais de
existência. Este apontamento tem o único intuito de chamar atenção sobre uma
característica da atual sociedade apurinã que deve ser levada em conta na hora de
entender o sistema de parto.
Não temos praticamente dados sobre como era tradicionalmente o sistema de
parto. Como vimos no caso de outros grupos, cujos sistemas foram comentados no
primeiro relatório, a figura da “parteira” começou a aparecer recentemente entre os
povos indígenas. No caso dos Apurinã não parece ser diferente. Dona Corina o expressa
dessa forma:
Eu já estou com cinco crianças que eu pego, eu fazer que nem a história, eu pegava criança é porque nós antigamente ninguém usava parteira certo, né?, a parteira era aquela que estava na hora quando a mulher estava sofrendo, se chegou a ocasião de eu pegar criança, eu consegui pegar, todos os partos que eu fiz, todos os cinco, nenhum teve atrapalho. Teve parto normal, por isso que de hoje para frente eu vou enfrentar ser uma parteira mesmo que seja da minha comunidade (Dona Corina, 4ª Reunião, Aldeia Nova Vista).
O fato de que não houvesse pessoas específicas especializadas na realização dos
partos, não quer dizer que não existisse um conhecimento acurado sobre o processo de
gravidez, parto e pós-parto. Diferentemente do que acontece na sociedade ocidental,
onde esse conhecimento está em mãos de profissionais especializados, em muitas
sociedades indígenas, como é o caso dos Apurinã, se trata de um conhecimento passado
de geração em geração. Muitos dos depoimentos das participantes refletem essas linhas
e mecanismos de transmissão de conhecimentos.
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Eu aprendi com minha mãe, com minha tia, botei na minha cabeça, quando pega outro já está sabendo, quando eu vou pegar eu sei, por mim mesma, quando menino está sentando, quando está atravessado de mal jeito,quando está morta a criança. Agora esses enfermeiros me ensinam. A primeira vez eu peguei, foi um parto da minha mãe, ainda mais de duas crianças, ainda mais na mata, porque meu pai foi pescar, nós fiquemos, duas crianças, da minha mãe. Eu ainda pequena, minha mãe me chamou, ela disse assim, “ainda tem outro”, eu deixei num cantinho, encima da folha, não vou negar, ne?, peguei o outro, chamei meu tio, que era pequeno, “me dá alguma coisa”, taboca, afilou bem, aí eu cortei umbigo. Ela falou “minha filha, amarra assim”, amarrei, pedaço de pano, não tinha panela, um camburonzinho, “esquenta água”, esquentei, peguei o outro, dei banho. Peguei da minha mãe, depois da minha tia. “É assim, minha filha”, depois eu já sei como é. Agora eu quero ensinar minhas netas, porque têm coragem. Agora, eu esteve doente, me chamaram, falei que não tinha perigo, “tenha coragem, minha netinha” (Dona Elsa, 4ª Reunião, Aldeia Nova Vista).
Dona Elsa é a pessoa mais velha das
que participaram das reuniões, e era
considerada com muito respeito devido não
apenas a sua idade, mas a sua sabedoria e ao
fato de ter realizado muitos partos ao longo de
sua vida. Segundo ela, apenas de suas netas já
tinha feito quarenta e oito partos. A maior
parte das pessoas às quais assistiu ao longo de
sua vida eram familiares próximas,
primeiramente sua mãe e sua tia, depois suas
irmãs, posteriormente suas filhas e netas. Não
é reconhecida apenas por sua profunda ciência
sobre técnicas do parto – realizar partos
difíceis, como o “parto de bunda”, ou ajeitar
crianças que estão atravessadas ou sentadas -, mas também por seu conhecimento do
uso de plantas, muitas delas medicinais, que utiliza tanto para tratar as grávidas e
parturientes, como a outros tipos de paciente. Da mesma forma que Dona Corina, Dona
Elsa explicou que antes as mulheres costumavam davam à luz sozinhas em suas casas.
Ilustração 16: Dona Elsa Apurinã, 4ªreunião.
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Em muitos casos, a sogra também teve um papel importante no processo de
transmissão desse tipo de conhecimentos pelo fato de que, geralmente, após o
casamento, a mulher costuma ir morar junto à família do seu marido.
Eu fiz muito parto. Eu casei, aí tinha minha sogra, ela tinha carteira de parteira. Minha mãe pegava menino, mas não tinha carteira. Minha sogra pegou meu primeiro menino. Ela me ensinou. “Minha filha, eu já estou velinha, quando eu morrer esse cargo que eu estou, você vai ficar”. Aí, todo canto que ela ia, ela me levava. Eu acompanhava ela, eu fui aprendendo, como era para cortar umbigo, para ajeitar criança. Minha sogra morreu e eu fiquei. Minha mãe ficou, eu ensinava minha mãe, minha mãe me ensinava. Muitas coisas eu aprendi as coisas da minha sogra. Antes do curso eu já peguei meus netos. Eu já estou pegando meus bisnetos (Dora Raimunda, 5ª Reunião, Aldeia Camicuã).
Dona Raimunda é uma mulher Apurinã casada com um não-indígena. O caso
dela ilustra como existem linhas de transmissão de conhecimentos relativos ao parto
entre a população indígena e a não-indígena em relação ao parto. A sogra de D.
Raimunda era uma parteira não-indígena, e cabe supor que o fato dela ter “carteira”
implicava algum grau de oficialidade ou reconhecimento de sua função por parte das
autoridades. Diferentemente de sua sogra, que tinha carteira, sua mãe pegava menino,
mas não tinha carteira. Neste caso se percebe que entre a população não-indígena do
Acre o conceito de “parteira” como pessoa especializada existe desde faz algumas
décadas30. No primeiro relatório etnográfico argumentamos que as políticas públicas
voltadas para as parteiras, notadamente os cursos para parteiras, tinham contribuído de
forma decisiva para o surgimento da figura da “parteira” entre a população indígena;
consideramos, que a interação com a população não-indígena teve também um papel
importante no processo.
No caso de Dona Raimunda, ela aprendeu com sua sogra, e depois repassou esse
conhecimento para sua mãe, que já tinha assistido partos anteriormente.
O depoimento de D. Raimunda nos leva para outro ponto que caracteriza o
sistema de parto Apurinã e o diferencia dos sistemas de outros povos aqui considerados.
Em geral, uma jovem não era permitida de estar presente quando acontecia um parto até
depois de casada.
30 Lembremos aqui que D. Raimunda nasceu, segundo consta no seu RG, em 1937. Cabe supor que ela aprendeu de sua sogra nas décadas de 1950 e 1960.
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Todo mundo aprendeu com a mãe, com a avó, com a madrinha. Eu aprendi só, porque no tempo que nós solteiros, quando uma mulher estava sofrendo, as nossas mães não deixavam a gente chegar àquela distância, não deixava. Cansei de pegar meu irmão mais novo e ir embora. Eu não sabia de que jeito era. Até que um dia, eu fiquei grande, perdi minha mãe, meu pai. Eu estava voltando com a minha irmã que estava gestante. Chamaram ela. Eu tremi naquela hora. Graças a deus que a menina veio direito. Quando veio eu peguei a criança, e perguntei como tinha que fazer para cortar o umbigo. Ela que me indicou, “aqui está tesoura, corta três dedos, puxa para aqui, puxa para ali e corta no meio”, ela que me ensinou, ela já tinha filhos. De lá para cá já era chamada para fora, eu comecei, comecei, depois que fiz o curso, depois do curso que foi pior (Dona Onda, 5ª Reunião, Aldeia Camicuã).
Dona Onda é uma mulher não-indígena casada com um Apurinã e que viveu
quase toda sua vida entre eles. Da mesma forma que ela, várias outras participantes
apurinã explicaram que apenas começaram a aprender como fazer um parto depois que
casaram porque antes não lhes era permitido estar presentes quando uma mulher dava à
luz. Quando um parto estava prestes a acontecer, as crianças e adolescentes eram
enviados longe, para a mata. De fato, como é possível apreciar no cadastro de parteiras
apresentado em anexo (anexo 5), no caso das Apurinã a maior parte começou a assistir
partos já depois que elas mesmas eram mães, o qual contrasta com o que acontece em
outros povos, como os Katukina31, por exemplo, onde não há uma ocultação proposital
do evento do parto às crianças e adolescentes solteiras, de forma que, desde pouca
idade, se familiarizam com esse tipo de evento.
Apenas em circunstâncias imprevisíveis em que não tinha ninguém para ajudar à
parturiente, uma criança podia ver-se obrigada a dá-lhe assistência, como aconteceu
com Dona Leonilla, uma mulher Camadeni32:
Eu não aprendi com a minha mãe, eu aprendi por necessidade também. Quando eu tinha 14 anos, eu comecei pegar um filho da minha prima mesmo, a gente estava brincando. Nossas tias estavam tomando conta dela, mas elas foram para o roçado. Eu estava brincando, tomando banho e ela me chamou: “minha prima, chega, me acode aqui”, eu corri embaixo do mosquiteiro, “me acode aqui minha irmã, eu vou morrer”. Eu não sabia o que eu fazia, porque não tinha
31 Ver o primeiro relatório etnográfico. 32 Dona Leonilla é de mãe apurinã e pai camadeni. Seu pai não quis ensinar a língua própria aos filhos para eles não serem ridiculizados pelos brancos, de forma que hoje já não a falam mais. Os Camadeni são um povo da família lingüística arawá, mas como eles mesmos me explicaram, além de ser um povo pequeno, casam desde faz tempo com os Apurinã, passando praticamente a ser englobados por estes.
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conhecimento, “o que é?”, “me acode aqui”, ela aperreada, ela pegou na rede, ela começou a fazer força, quando a criança nasceu, a minha tia já vinha do roçado, eu vi aquele resto da criança, “meu deus, ela botou tripa dela fora”, porque eu não tinha conhecimento, primeira vez, eu fiquei assim, “titia, pelo amor de Deus, a Carminha ganhou nenê mas eu acho que a tripa saiu tudo”, ela correu para lá, “ah, é uma meninazinha, agora como você viu, você vai lavar ela”, eu fiquei assim treimosa, eu nem sabia o que fazer, não tinha nem coragem de fazer, “mas como é que faz tia?”, ela ensinando, começou a amarrar, “olha minha filha, tu corta o umbigo da criança”, mas eu não peguei tesoura, nada, eu estava com medo, eu mesmo cortei, mandaram tomar banho, depois fiquei pensando, quando me casei, eu tive meus meninos (Dona Leonilla, 4ª Reunião, Aldeia Nova Vista).
É interessante que nesse depoimento
de Dona Leonilla, a tia diz “agora você viu”,
como se ainda não fosse o tempo dela saber
sobre essas coisas, e como já viu, é incluída, e
ensinada sobre o que está acontecendo. A
interpretação que deu D. Onda para explicar
esse encobrimento do parto é que as meninas
poderiam ficar com medo de engravidar.
Uma vez que uma mulher atinge a
condição adequada, se ela demonstra interesse
e predisposição, começará a ser chamada por
sua sogra, sua mãe ou sua avó para
acompanhá-la quando assiste um parto. A
mulher mais idosa assume a realização da tarefa mais complicada (ajeitar a criança na
barriga quando há alguma complicação, receber a criança quando nasce, cortar o
cordão, chupar o nariz do bebê, dar banho nele...) , enquanto a mais nova serve de
apoio, fazendo algum chá, dando massagens na barriga da parturiente com algum óleo
para ajeitar a criança e aliviar a dor, servir de apoio à parturiente se quer caminhar, e
segurar a parturiente por trás no momento do parto. Com o tempo irá aprendendo e,
chegado o momento, pela morte da mulher mais idosa ou, quando ela atinge uma idade
Ilustração 17; Dona Leonilla Camadeni, 4ª Reunião.
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que não lhe permite continuar realizando a tarefa adequadamente – por falta de forças,
perda de visão -, a mais nova ocupará seu lugar.
Aparece aqui a figura da “acompanhante”. Durante as reuniões realizadas na
primeira etapa, não se mencionou nunca a “acompanhante”33, mas durante as de a
segunda etapa, esse conceito apareceu com freqüência e constitui um tema importante
durante as discussões. Nunca uma parteira trabalha sozinha, sempre deve ter sua
“acompanhante”, que vai ajudá-la e apoiá-la durante os partos. Existe uma clara
hierarquia entre elas, devido geralmente à idade e à sabedoria. Contudo, o sistema da
“acompanhante” não é apenas uma forma de suporte para a parteira, mas um mecanismo
de transmissão de conhecimentos sobre o parto. De fato, muitas das parteiras que
vieram participar das reuniões o fizeram junto com suas acompanhantes. Caci é a
acompanhante de sua mãe, Dona Raimunda, e assim explica ela como foi o primeiro
parto que fez sozinha.
Eu estava sozinha em casa e o moço veio e me disse “titia, a Lena está sofrendo”. Meu Deus, não tinha ninguém. “Meu filho, não sou parteira não, só assim, eu assisto junto com a mãe, seguro a mulher, faço massagem”. “Embora lá, a senhora assiste junto com a vovó”. Só Deus e ela e eu. Eu me tremia como uma vara verde. (Se encomenda a Deus). Eu peguei o umbigo dela, amarrei, cortei com a tesoura, peguei um paninho, enrolei, amarrei, ajeitei a mulher, fiz a comida dela, peguei um paninho que a mamãe pega, fiz um buraco, enterrei o umbigo, o pai dela sumiu. Primeiro menino sozinha. Fiquei muito preocupada. (Caci, 5ª Reunião, Aldeia Camicuã).
É interessante mencionar que, da mesma forma que acontece com outros grupos
(ver primeiro relatório etnográfico), em cada comunidade existem várias mulheres que
aprenderam ao longo de suas vidas a assistir partos, embora atualmente essa função
esteja sendo limitada a uma mulher específica. Geralmente, como é possível perceber
claramente nos cadastros das parteiras apresentados em anexo (anexo 5), a maior parte
delas assistiu os partos daquelas mulheres mais novas que formam parte de sua família
extensa e que moram com ela: inicialmente a mãe ou a tia, posteriormente as filhas,
noras, netas e sobrinhas. Poucas das participantes assistiram partos de pessoas externas
33 No caso dos Nawa e os Nukini principalmente, as mulheres explicavam que quando novas ainda eram chamadas por parteiras mais experientes para acompanhá-las durante os partos para ajudá-las. A idéia é a mesma que à da “acompanhante”, mas naquele caso nunca foi referida com esse termo como uma figura específica.
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à comunidade; em geral as que o fazem são aquelas que adquiriram fama como boas
parteiras – o caso de D. Elsa ou D. Onda -, ou não-indígenas.
Dona Raimunda explica, por exemplo, que ela não ensinou apenas a Caci, mas
também a suas outras filhas. Elas casaram e foram morar em outras casas, de forma que
Caci, a única que mora próxima dela, é quem a acompanha. Além de suas filhas,
também sua nora sabe assistir partos. Na T.I. Apurinã do Km. 124 onde elas moram, as
casas se encontram espalhadas ao longo da estrada. Dependendo de onde more a
parturiente e das relações pessoais e de parentesco, recorrerá à “parteira” mais próxima.
Ilustração 18: Caci e Dona Raimunda, 5ª reunião, aldeia Camicuã
Assim, entre os Apurinã encontramos uma situação parecida à que já
descrevemos em relação aos Kaxinawa e aos Shanenawa: em geral, as mulheres
aprendem a assistir os partos com suas mães, avós ou sogras. A diferença é que, salvo
casos de extrema necessidade, apenas o fazem quando já são adultas e casadas.
Normalmente, em cada família extensa há mulheres mais idosas e experientes às quais
as mulheres mais novas confiam a tarefa de realizar a assistência ao parto. De alguma
forma, saber como assistir um parto, pelo menos um parto em condições normais,
constitui um saber que toda mulher deve possuir, que vai aprendendo ao longo da vida e
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do qual precisará quando tenha que atender às mulheres mais novas que vão se
agregando ao seu conjunto familiar.
De qualquer forma, houve vários comentários de que muitas mulheres, embora
saibam assistir partos, já não querem fazê-lo por medo a que aconteça alguma coisa e a
responsabilidade recaia sobre elas. Por outro lado, várias mulheres mais velhas
reclamaram que existe atualmente uma falta de interesse por parte das mulheres mais
novas para aprender o conhecimento que elas têm, ou, também, que as mais velhas já
não se preocupam em ensinar as mais novas. Embora apontando a lados opostos da
cadeia de transmissão de conhecimento, esses comentários fazem referência à percepção
de que atualmente existem empecilhos que interferem nela e a enfraquecem.
Antes de encerrar esse item, é necessário especificar algumas características do
parto apurinã. As mulheres apurinã dão à luz nas suas casas, atendidas por alguma outra
mulher, preferivelmente mais velha e do seu próprio círculo familiar (a mãe, a avó, uma
tia, uma irmã...), que normalmente está acompanhada, pelo menos, de outra mulher
mais nova que a ajuda. As crianças e adolescentes são enviados embora, e não se lhes
permite presenciar o parto. Este é realizado embaixo do mosquiteiro, que entre os
Apurinã é muito amplo e praticamente opaco. Pelas informações que obtivemos, as
mulheres Apurinã não realizam o parto de cócoras, mas deitadas e parcialmente
incorporadas por outra pessoa que as segura abraçando-a pelas costas. É comum que o
marido da parturiente ajude segurando sua mulher, especialmente quando a “parteira”
não tem uma acompanhante. Durante o tempo que dura o trabalho de parto, há várias
práticas que são efetuadas para aliviar a dor ou acelerar e facilitar a saída da criança,
como massagens ou chás de plantas. Também se oferece à parturiente algum alimento
fortalecedor para enfrentar o parto. Isso, por exemplo, supõe uma diferença com
respeito ao parto no hospital, onde a parturiente é mantida sem alimentos para não
acontecer expulsão de fezes durante o parto:
Eu dou caldo da caridade, quando a mulher vai ganhar, é o primeiro, a mulher começou a sofrer, eu boto esse pouquinho de óleo, eu bato e faço o caldo, e dou para a mulher tomar que é para ficar mais forte. Eu faço esfreguição, folha da pimenta doce com aceite doce, folha de algodão também é bom. Nos quartos, que tem mulher que sente dor. Isso aí que eu uso (Dona Lunga, 5ª Reunião, Camicuã).
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Igualmente, existem algumas técnicas usadas para promover a saída da placenta:
Minha mãe era parteira, onde ela me levava, onde chamavam ela, ela me levava. Quando a mulher estava para ganhar nenê eu segurava por trás e ela pegava, esquentava água para dar para ela beber para sair o resto que nós chama “companheiro”. Aí fui aprendendo (Dona Maria, 4ª Reunião, Aldeia Nova Vista).
Antigamente o cordão era cortado com taboca, mas atualmente são usadas
tesouras, especialmente depois que as “parteiras” receberam o material para a realização
dos partos da FUNASA. Da mesma forma que nos grupos que vamos comentar a
continuação, a placenta é enterrada para evitar que possa prejudicar a criança.
5.2.2. Jaminawa
As informações sobre os Jaminawa, povo contatado apenas na década de 1960,
oferecem um contraste interessante com o caso Apurinã. Entre os Jaminawa existe
igualmente um processo de cristalização da figura da parteira a partir das políticas
públicas, que têm levado às comunidades a escolher uma determinada pessoa para que
cumpra essa função. Porém, sabemos que tradicionalmente, essa figura não existia.
Vitória, atual AIS da aldeia Kaiapucá explicou claramente a situação:
Antes não existia parteira, éramos nós todinhas, quem que não pega menino? [...] esse trabalho das parteiras que ela está participando de cursos da parteira, faz conhecer a lei do dawa34, como o dawa tira as crianças, como é que a parteira trabalha do dawa, e você está perguntando se alguém já tem conhecimento antes do curso da parteira, o nosso também naquele tempo, aquela parteira que existia do dawa, não existia entre a mulherada, índia toda, aqui nós todinho, nessa comunidade, família da minha mãe, todo, as minhas irmãs, conhecimento, todas elas pegam...(Vitória, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).
Como explica Vitória, as mulheres se cuidavam entre si. Quem ajudava uma
mulher durante o parto era qualquer outra pessoa da sua família que estivesse
disponível: a irmã, a mãe, a avó. As mulheres aprendiam como fazer acompanhando o
34 Dawa é a versão jaminawa da palavra pano nawa. Nas línguas pano, esse termo designa a categoria social mais externa, com a conotação, muitas vezes, de “inimigo”. Porem, seu significado sofreu um deslocamento com a transformação do contexto sociopolítico a partir da inserção dos grupos indígenas pano-falantes na sociedade não indígena e, atualmente, o termo se refere, de forma quase exclusiva, aos não-indígenas. O dawa é o “branco”.
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processo quando acontecia. O trabalho da parteira não era o ofício de uma mulher, mas
de todas elas, ou muitas. Essa característica e as implicações da criação da figura da
parteira se refletem no comentário de Mariquinha, uma das participantes jaminawa que
se incorporou à reunião de Kaiapucá apesar dela não ser oficialmente parteira. No início
de sua fala, que foi em língua jaminawa, disse: “Primeiro, parteira no dikapaudiba35”.
Isto é, “primeiro - no sentido de antigamente – não conhecíamos sobre as parteiras”. E
depois continua explicando que ela já “pegou” várias crianças, e até assistiu partos
perigosos, mas atualmente não é reconhecida como parteira apesar do conhecimento
que possui, já que apenas é reconhecida quem faz o curso.
Vitória continua explicando o que acontece quando nasce uma criança na aldeia
Agora, naquela época, não existia esse trabalho de parteira não, você poderia saber como é que antigamente acontecia. Tempo que eu era pequeno, 10 anos, 11 anos, tempo de começo de dawa, era comunista. O comunista que chegou na aldeia nossa, aquelas épocas era Betel não tinha ninguém, eu lembro até agora, a minha mãe ganhava as minhas irmãs, aquela minha irmã que morreu de tosse brava, a mamãe ganhava, não existia luvas, nem bacia, nem kit, não existia por nada, quando minha mãe ganhava criança, a minha avó pegava jarina atrás de canarana e cortava umbigo. As pessoas não podiam reparar aquela criança novinha não, passavam mais de quatro, cinco dias, aí já tinha caído umbigo, todo mundo tem que separar, se vai ao grupo que canta, se vai levar nenezinha pequena chipóia36, pegar urucum, passa todo canto, leva outro canto, não acontece nada. Esse negócio de tradicional que primeiro acontecia, esses tempos que os índios não existiam com os brancos, tem cuidado a parteira, cuidado criança, não, entre elas porque a ciência, a cultura dos índios indígenas, mas eu digo que é verdade, eu conhece, eu peguei quatro filhos das minhas irmãs (Vitória, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).
Embora apresente informações apenas parciais, esse depoimento de Vitória nos
permite vislumbrar algumas características do parto jaminawa tal é como ela lembra que
acontecia até 25 ou 30 anos atrás, quando o contato com a sociedade envolvente estava
em seu início:
• A mãe de Vitória fazia os partos das filhas.
35 Dikai = escutar; paudi = a sufixo que indica passado remoto e ba = negação. Aqui dikai significa literalmente “escutar, entender”, mas tem também o sentido de conhecer. 36 Pedaço de pano com o qual as mulheres indígenas carregam suas crianças.
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• Não existiam os materiais
que hoje existem, mas
usavam folhas cortantes de
jarina (Phytelephas
macrocarpa) ou canarana
(Hymenachne amplexicaulis)
para cortar o umbigo.
• Depois que nascia, a criança
devia manter-se oculta dos
olhos das outras pessoas
durante cinco dias, isto é, até que cai o cordão umbilical. Então ocorria um ritual
que parece de caráter festivo, no qual as pessoas, separadas em dois grupos – cabe
aventurar que a separação acontece entre parentes afins e parentes consangüíneos –
levavam o nenê, cantando, para ser pintado de urucum37.
Embora devêssemos ter mais dados sobre esse tipo de acontecimento para poder
interpretá-lo devidamente, parece remeter a duas questões: de um lado, o fato de passar
urucum no corpo da criança tem como objetivo, provavelmente, protegê-lo (pintando a
criança de urucum, ela fica protegida quando é levada de um lugar para outro); e de
outro, o ritual parece implicar uma recepção social do novo parente que passa a integrar
o grupo. Isto parece remeter ao caráter social do evento do parto que já comentamos no
item 5.1.
37 O urucum é o fruto de uma árvore (Bixa Orellana) com cujas sementes se elabora uma tintura de forte cor vermelha muito usada por vários grupos indígenas na ornamentação tanto corporal quanto de objetos. Entre os pano, a ornamentação corporal costuma ser feita com urucum misturado com uma resina cheirosa que ajuda à tintura se fixar na pele, ou com tintura de jenipapo, de azul muito escuro. O urucum se pode utilizar como tintura para realizar desenhos sobre a pele, mas pode também usar-se passando-a, como se fosse um creme, por diversas partes do corpo. Além do seu aspecto estético, se atribui ao urucum capacidade de proteção. Os Yawanawa, por exemplo, quando iniciam uma caminhada sabendo que vão ter que atravessar em diversas ocasiões o rio a pé – na época do verão, quando o caudal é mínimo – passam urucum na cara para se proteger do sol e das picadas das raias que se ocultam no leito do rio. Os desenhos corporais têm também um caráter protetor, porque como explicava um homem yawanawa, quando uma criança não está ornamentada com desenhos corporais, pode ser levada por um espírito que interpreta que a criança está triste. Estes ligeiros apontamentos etnográficos pretendem apenas mostrar que, por trás do fato de pintar a criança com urucum, há um complexo conjunto de idéias e implicações simbólicas que remetem aos cuidados, à saúde, à construção corporal da criança.
Ilustração 19: Vitoria e Alice Jaminawa, 6ª reunião.
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Outro dado interessante fornecido por Vitória é que quem ajuda a parturiente
não é necessariamente uma mulher, mas freqüentemente era o marido:
Esse tempo eu nunca ganhei no hospital, quem pegava era meu marido, seis meninos que meu marido que pegava e me cuidava. Eu já peguei cinco meninos das minhas irmãs, eu não cortava com tesoura, mas com jarina. Tirava algodão, faz algodão novinho, amarra para cá, para cá, não faz muito sangue, em três dias está sarado (Vitória, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).
Esse dado reforça a idéia de que não existia uma figura especializada na
assistência dos partos, e de que essa função fazia parte dos cuidados que os parentes
próximos se dispensavam entre si. O conhecimento sobre como deve ser feito o parto
devia estar estendido entre a população, não apenas feminina, mas também masculina.
Os Jaminawa de Kaiapucá mencionaram um homem chamado Ricardo conhecido por
ser “bom parteiro”.
Esse Ricardo é parteiro bom, já morreu uma menina bem macetona, aqui na minha barriga, eu já escapei de morrer de parto com ele. Até papai também (Vitória, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).
Alice, irmã mais nova de Vitória e atual “parteira” da aldeia Kaiapucá, explica
como foi o primeiro parto que ela fez. Sua explicação fornece mais alguns dados sobre
como acontece o parto: a postura da parturiente; o incentivo para que uma mulher nova
assuma a assistência ao parto de uma parente; os cuidados pós-parto com a criança e a
parturiente:
Depois que peguei a minha menina, passou tempo, depois eu peguei a minha sobrinha. Passou dois dias de sofrimento, eu não sabia o que fazer. Eu cuidei dela. A minha mãe disse “Filha, tu tens que cuidar dessa tua nora”, ela não queria ir ao hospital, no hospital faz vergonha, disse, eu cuidei, cuidei, cuidei até que ela sentiu que a criança ia nascer, mas não crescia, não espocava. Eu não estava agüentando mais, eu queria levar para o hospital, mas ela não queria. Eu não tinha feito curso. Minha mãe disse “não tem medo não, cuida de tua nora, eu já estou velha e não tenho mais força”. Eu peguei uma sacolinha e amarrei aqui (encima da barriga), mas não queria porque não tinha espocado ainda. Aí eu fui lá, eu senti duro e eu espoquei. “Agora eu vou ajudar e tu vai botar força”. Nós não ganha deitado, nós ganha desse jeito (ajoelhado, com as pernas separadas). Tu tem que ficar assim e abrir perna bem. Eu segurei ela, e ela botou força, ela teve a nenezinha, eu cortei com tesoura. Na hora que nós pega nenê, nós não dá banho logo não, os outros dizem que dá banho, eu pego, eu embrulho e eu deixo. No outro dia de manhãzinha, eu dou banho. Ai eu
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cuidei da minha nora. “Tu não pode comer nada reimoso, tu tem que passar dieta” (Alice, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá)
A respeito do sistema de parto jaminawa podemos dizer, portanto, que:
• As mulheres dentro do círculo familiar se ajudam geralmente umas a outras
quando chega momento do parto.
• Preferencialmente, as mulheres mais velhas e experientes cumprem essa
tarefa, mas isso não acontece necessariamente e depende das circunstâncias.
Elas incentivam as mais novas para que assumam o papel e aprendam como
deve ser feito.
• A função, entretanto, não é fechada, até o ponto de que há homens que são
reconhecidos por cumpri-la muito satisfatoriamente38.
5.2.3. Kaxinawa
Diferentemente do que
aconteceu durante as reuniões da
primeira etapa de execução do
projeto, nas quais a presença
Kaxinawa foi maciça, nesta a
participação de membros dessa
etnia foi escassa, de forma que
contamos com poucas
informações novas. Já que o
sistema kaxinawa foi
extensamente tratado no
primeiro relatório etnográfico, nos limitaremos aqui apenas a acrescentar alguns dados.
Como foi explicado no primeiro relatório, entre os Kaxinawa as mulheres
costumam ganhar nenê dentro de suas casas, normalmente acompanhadas de alguma
parente próxima. A assistência ao parto é, preferencialmente, realizada por uma mulher
38 A idéia de que o homem pode assistir um parto, pode contrastar um pouco com certo machismo que se percebe hoje em dia entre os Jaminawa. Porém, é interessante notar aqui que o processo de contato afetou também as relações de gênero dentro do grupo. Esse fato não é apenas uma interpretação feita por alguém externo à sociedade jaminawa, mas é também uma percepção das próprias mulheres jaminawa.
Ilustração 20: Osmarina e Rosa, participantes kaxinawa, 6ªreunião.
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mais velha e experiente. Entre as mulheres que participaram nas reuniões da primeira
etapa, várias aprenderam acompanhando partos junto a mães ou avós. Existe certa
heterogeneidade entre elas. Algumas têm experiência por ter assistido alguns partos de
parentes próximas; outras, têm assistido um número muito maior de partos, e além das
técnicas necessárias para esse evento, são profundas conhecedoras de plantas medicinas
e técnicas xamânicas que usam quando ocorrem dificuldades.
Rosa, a parteira kaxinawa que participou na 6ª reunião, explicou que ela tinha
aprendido junto a sua mãe a quem acompanhava durante os partos. O primeiro parto que
fez foi de uma cunhada, e ela tinha 13 anos de idade. Note-se aqui que a idade na que as
meninas são ensinadas e incentivadas a participar dos partos é muito diferente do caso
Apurinã. Na aldeia de Rosa existem outras mulheres que sabem também assistir partos,
entre elas sua irmã e sua mãe (ver anexo 6). Encontramos-nos de novo, portanto, com a
situação de que não é apenas uma mulher a que faz os partos dentro de uma aldeia.
Uma questão notável de algumas comunidades kaxinawa do Purus é a solução
que encontraram ante a situação de ter que escolher uma mulher que ficaria como
parteira da comunidade. Osmarina, uma jovem que é atualmente representante de
mulheres de sua comunidade, o explica assim:
Na minha aldeia trabalham duas parteiras em cada aldeia, uma parteira faz o curso, a outra parteira fica na aldeia. Cada comunidade escolheu duas parteiras. As parteiras trabalham junto com as parteiras antigas, as novas queremos aprender também, aí nós estava trabalhando assim junto com AIS, professor, algumas que não sabem escrever, não sabem ler, não entendem bem o português. Aí por isso que nós escolhemos, sabe escrever, sabe ler. (Osmarina Kaxinawa, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).
Defrontados ante a necessidade de escolher uma parteira, os Kaxinawa do Purus
perceberam quais são alguns dos problemas que isso implica: a mulher escolhida deve
saber ler e escrever para poder cumprir com determinadas obrigações que o cargo
implica, tais como assistir os cursos ou registrar no papel o nascimento das crianças.
Aquelas mulheres mais velhas e experimentadas, detentoras dos conhecimentos, não
sabem – nem vão aprender – a ler e escrever, o qual implica que podem ser deixadas de
lado no processo de definição oficial da figura da parteira. Em decorrência disso, o
conhecimento tradicional se veria substituído pelo conhecimento biomédico aprendido
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pelas jovens nos cursos de capacitação. A solução que encontraram visa evitar a quebra
da cadeia de transmissão de conhecimentos tradicionais entre as gerações: existindo
uma parteira mais velha e outra mais nova, conseguem estabelecer uma articulação
entre o conhecimento tradicional, representado pela parteira mais velha, e o
conhecimento dos “brancos”, que a parteira mais nova, familiarizada com o sistema de
escritura por ter sido alfabetizada, está capacitada para receber.
As participantes Kaxinawa que participaram comentaram a preocupação já
existente em suas comunidades de preservar o conhecimento tradicional.
A minha parteira, Rosa, ela já participou de muito curso, ela sabe mais do que eu. A Rosa sabe monte de coisa, trabalha conjunto com AIS. Ela estuda medicinas tradicionais, para curar recém-nascido, faz remédio, quando mulher grávida ela sabe fazer tudo isso (Osmarina Kaxinawa, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).
Assim, como menciona Osmarina, a parteira de sua comunidade, Rosa, não
apenas aprende através dos cursos, mas também continua aplicando e adquirindo
conhecimento sobre o uso de plantas e medicinas tradicionais, que usa para assistir as
mulheres e tratar os recém-nascidos.
5.2.4. Kulina
Da mesma forma que na reunião na qual participaram representantes kulina na
região do Juruá, aqui nos encontramos com a dificuldade da língua, já que nenhuma das
duas mulheres Kulina que acudiram à reunião sabiam falar português e não contávamos
com a ajuda de nenhum monitor que conhecesse essa língua. A isso se acrescentou a
timidez das mulheres kulina, pouco acostumadas a participar de reuniões nas quais
tenham que falar em público. As traduções eram feitas ao jaminawa por uma mulher
dessa etnia que tinha morado na região do Purus39 e era filha de uma jaminawa e um
39 Os Jaminawa que moram atualmente na aldeia Kaiapucá, saíram da região de cabeceira do Rio Acre faz em torno de 35 anos e se instalaram no Alto Purus, onde conviviam com os Kulina e os Kaxinawa. Durante esse período, aconteceram alguns casamentos inter-étnicos entre Kulina e Jaminawa. Por conta de conflitos com os próprios Kulina, os Jaminawa decidiram deixar a região e se instalar no curso meio do Purus. Ainda hoje, alguns Jaminawa e Kulina reconhecem laços de parentesco entre si, decorrentes dos casamentos acontecidos naquela época. De fato, uma das mulheres kulina que foram a Kaiapucá para participar da reunião, era considerada parente por algumas pessoas da aldeia por ser filha de um desses casamentos.
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kulina. Essa tradução era, por sua vez, traduzida ao português por um dos monitores.
Em função dessas dificuldades, contamos com poucos dados sobre o sistema de parto
kulina. Porém, algumas características parecem claras e o assemelham ao sistema
jaminawa. Em primeiro lugar, não existe uma figura especializada o parto. Como em
outros casos, são várias as mulheres que sabem assistir, e normalmente são as mulheres
mais idosas as detentoras de um conhecimento mais amplo, em virtude da experiência
adquirida ao longo da vida. Em segundo lugar, o saber fazer relacionado com o
processo de gravidez, parto e pós-parto se transmite de geração em geração, dentro das
famílias: de mãe para filha, de avó para neta, de irmã para irmã. É na prática, e não
formalmente, que as pessoas aprendem, como nos casos descritos anteriormente.
Minha irmã mais velha me ensinou. Fui aprendendo, minha irmã pegava, ganhava menino, depois dos outros, minha irmã me ensinou, das minhas meninas eu estou pegando, Eu estou ensinando a minha filha mais velha. Ela já pegou cinco (Teresinha Kulina, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).
A outra participante, Maria Kulina, explica que ela aprendeu com sua mãe da
mesma forma que sua mãe tinha aprendido de sua avó.
Embora na outra etapa do projeto obtivéssemos a informação de que as mulheres
kulina iam sozinhas dar à luz na floresta, essa informação não se viu confirmada. O que
Teresinha explicou é que as mulheres ganham nenê dentro das casas, muitas vezes na
casa da pessoa que vai assisti-las.
Tanto na aldeia de Maria quanto na de Teresinha, existem outras mulheres,
parentes delas, que assistem partos, embora tenham sido elas as escolhidas como
parteiras oficiais das comunidades.
5.2.5. Jamamadi
Com os Jamamadi os problemas foram similares aos dos Kulina. Os Jamamadi
de Santo Antônio praticamente não falam português, de forma que a comunicação
durante a reunião se viu dificultada, apesar deles não mostrarem a timidez das mulheres
kulina.
Da mesma forma que no caso dos Kulina e os Jaminawa, entre os Jamamadi a
figura da parteira apenas apareceu recentemente com políticas públicas que incentivam
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as comunidades a escolher uma “parteira”. Segundo explicavam os participantes
Jamamadi, antes todas as mulheres pegavam crianças. Agora, com a implementação da
parteira, apenas Margarida, a escolhida, e sua acompanhante Raimunda, estão
“autorizadas” para realizar partos nas aldeias.
É significativo que quem sabe mais sobre a questão dos partos seja Raimunda,
de quem a própria Margarida aprendeu. Suspeito, entretanto, que a escolha de
Margarida como “parteira” oficial tem a ver, principalmente, com sua maior
desenvoltura no mundo não-indígena. A pesar de não falar português, se expressou em
público durante a reunião e arriscou ainda algumas palavras nessa língua.
Diferentemente, Raimunda não falou nada e se mostrava muito mais retraída.
Raimunda, por sua parte, aprendeu da sua mãe e já assistiu mais partos (sete) do que
Margarida (quatro).
O exemplo jamamadi é eloqüente no referente aos efeitos que a implementação
da figura da parteira pode ter dentro das comunidades. Sobre esse ponto voltaremos na
frente.
5.2.6. Kaxarari
O caso dos Kaxarari é mais próximo ao dos Apurinã do que ao dos Jaminawa,
Kulina e Jamamadi. De fato, Apurinã e Kaxarari, apesar de pertencerem a duas famílias
lingüísticas diferentes, partilharam uma fase de suas respectivas histórias40.
Entre os Kaxarari parecem existir algumas mulheres às quais se atribui a função
de assistir os partos dentro das aldeias de uma forma mais definida do que nos
Jaminawa ou Jamamadi antes da interferência das políticas públicas. De qualquer
forma, é possível pensar que sua posição como parteiras dentro das comunidades tenha
sido consolidada pelos cursos feitos, já que as participantes na reunião fizeram mais
cursos do que participantes de outras etnias. Enquanto a maioria fez um o dois, todas as
mulheres Kaxarari fizeram três cursos, um deles organizado pela FUNASA dentro de
sua própria Terra Indígena.
40 Os dados não são muito abundantes, mas Schiel menciona que alguns Apurinã dizem entender a língua Kaxarari por terem ambos os grupos saído juntos da terra sagrada numa viagem mítica (Schiel 2004: 57). Por outro lado, durante muito tempo os Kaxarari foram considerados um subgrupo dos Apurinã (Gonçalves ed. 1991: 143).
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Na reunião participaram quatro mulheres kaxarari. As três parteiras, já de idade,
falavam português, mas tinham algumas dificuldade em se expressar nessa língua,
preferindo falar na sua língua materna. Uma mulher mais nova, representante de
mulheres de uma das comunidades, falava perfeitamente tanto o português quanto a
língua indígena.
Duas das parteiras kaxarari que participaram aprenderam com suas respectivas
sogras, depois de casadas. Apenas uma delas aprendeu com a mãe, antes de casar, mas
sua iniciação precoce se deveu à necessidade de ajudar sua mãe, que estava prestes a
parir e não tinha ninguém para ajudá-la:
Primeiro era minha sogra que me ensinava. “Um dia tu vai pegar menino”, eu não sabia de nada, aí eu fui aprendendo. “Um dia tu vai pegar menino, aí você já sabe como vai pegar. Ela me ensinava cortar umbigo, ela me ensinava, tudinho eu aprendi com ela. Primeiro que eu peguei foi da minha filha, como a minha sogra me ensinou. Três dias eu cuido da mulher depois que ela ganhou nenê. Se ela tiver ruim eu cuido quatro dias, se não estiver ruim eu cuido três dias (Dona Rita, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).
Eu aprendi com a minha mãe. Eu estava pegando da minha mãe. Não tinha gente, não tinha filhos nem nada. Eu estava filho, “minha filha, pega criança, eu sozinha, ninguém me ajuda, pega minha barriga assim, e pega assim”. Eu não sabia, mas eu peguei. Aí o pessoal chamava minha mãe, e minha mãe levava eu pegar criança (Dona Maria, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).
Como mostra o depoimento, o aprendizado é incentivado com o intuito de, no
futuro, proporcionar a alguém da seguinte geração a capacidade para cuidar das
mulheres novas da própria família: noras, filhas e netas, principalmente. Atualmente,
continua existindo uma preocupação por repassar os conhecimentos para as mulheres
mais novas. No seguinte depoimento de Dona Maria se reflete como ela está
incentivando sua filha para que a ajude. A ajuda de sua filha não se limita aos partos,
mas ela também serve de apoio à mãe em relação ao mundo dos “brancos”, já que sabe
ler e escrever.
Coloquei Ausilene para me ajudar, como nawa deita na cama, outro segura assim, outro pega aqui. Um examina, um que segura e outro que estava ajeitando criança, por isso que eu colocava Ausilene, ela sabe escrever, minha ajudante Eu continuando pegando, quando eu estava doente, eu dizia “eu só parteira, vocês não sabem”. Eu tenho quatro filhas, mas só uma sabe. Quando eu fui em RBR minha filha pegou (Dona Maria, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).
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Dona Maria explica a necessidade de haver pelo menos duas mulheres para
assistir o parto, uma segurando a parturiente, e outra na frente para pegar a criança. De
fato, as mulheres kaxarari, embora morem em comunidades diferentes, se chamam entre
si para auxiliar-se durante os partos, já que uma só mulher não é suficiente:
Alcira (da aldeia Paxiúba) me chama também para eu ajudar. Nós trabalha junto com Alcira (Dona Maria, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).
Outra razão pela qual é importante que haja pelo menos duas mulheres que
saibam assistir partos nas comunidades é que isso permite que, quando uma delas esteja
viajando ou doente, a outra possa realizar os partos.
Quando uma mulher entra em trabalho de parto, a parteira é chamada e passa
junto à parturiente o tempo que seja necessário. Às vezes o trabalho de parto pode
demorar dois ou três dias, mas as parteiras ficam atendendo a mulher.
Ano passado, mulher começa a sentir hoje, ganha manhã de madrugada, a gente passa noite acordada nós com ela, bem cedinho ganha, de tarde começa outro, dois noites que ela não dorme (Dona Rita, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).
Em ocasiões, quando o parto é demorado, é cansativo para as parteiras se manter
acordadas durante todo esse tempo. As parteiras kaxarari costumam usar rapé de tabaco,
que colocam dentro da boca e mascam durante o parto. Além das qualidades
terapêuticas atribuídas ao tabaco, as ajuda a se manter acordadas:
A gente usa também remédio tradicional para a gente ter a criança mais depressa, que a pessoa está passando mal, dá aquele remédio. Esse tabaco também serve. Nunca esquecem de usar rapé quando cuidam de mulher grávida. Elas fazem rapé e a vasilhinha de rapé tem que estar perto. Elas colocam no beiço e está cuidando. De vez em quando passa na barriga (Marisina, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).
Além de ter conhecimento sobre as técnicas do parto, as parteiras kaxarari
conhecem vários remédios que as ajudam durante o parto, tanto plantas medicinais,
quanto cantos e rezas. Dona Maria explica que ela aprendeu com seu pai determinados
cantos que facilitam o parto quando apresenta complicações:
Quando as crianças nascem, temos remédio caseiro. Demora muito, aí nos dava aí rápido ele nasce. Mashëmani, shapumani, nabunatikima, aquele palha... a gente tira a palha para fazer chá, ela despacha tudo. Quando a criança nasceu, a gente usa também para não perder muito sangue, fazer aquele rustahi
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[...] Meu pai sabe também que ele é pajé, ele é curador, ele curava o pessoal quando doente, naquele tempo que não tinha remédio, meu pai me curava. Quando a mulher estava sofrendo, ele ajudava a rezar para ganhar normal. Aí também, minha mãe sabe também, eu aprendi, quando a mulher está sofrendo muito, eu canto (Dona Maria, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).
Depois que o parto aconteceu, as parteiras ainda ficam cuidando da mulher e o recém-nascido alguns dias:
Quando a gente não tem outro que cuidar, nós mesmo parteiras cuidamos da mulher, lava criança, roupa dele, fazer comida, mesmo que no hospital (Dona Maria, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).
5.3. Práticas e cuidados durante a gravidez e o pós-parto
Como foi descrito no primeiro relatório a respeito dos povos localizados na
região do Juruá, existem várias práticas realizadas durante os períodos de gravidez e de
pós-parto. Também durante as reuniões realizadas no Purus, foi proposta essa questão
como tema de comentário e discussão. Porém, diferentemente do que aconteceu nas
reuniões do Juruá, nas quais os participantes se espraiaram sobre essa questão, nas
reuniões do Purus, especialmente entre os Apurinã, não suscitou grandes comentários
nem entusiasmos. Apenas apontamos algumas informações que permitam caracterizar
minimamente os sistemas.
Devemos lembrar a este respeito o que já foi explicado no primeiro relatório
etnográfico de que os cuidados durante a gravidez e o pós-parto devem ser entendidos
não como algo específico desse momento, mas como conseqüência de uma determinada
noção de corpo, a traços largos compartilhada por vários grupos indígenas. Permitam-
nos relembrar algumas questões.
5.3.1. Princípios básicos sobre a noção e corporalidade entre as sociedades ameríndias.
Em primeiro lugar, partimos de uma definição de corpo entendido não como
sinônimo de fisiologia distintiva ou de morfologia fixa”, mas como “um conjunto de
afecções ou modos de ser que constituem um habitus”. Assim, o corpo “é o lugar de
emergência da identidade e da diferença” (Viveiros de Castro 1996: 128).
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Alguns dos princípios sobre o conceito do corpo entre as sociedades das Terras
Baixas de América do Sul são os seguintes:
A construção gradual do corpo constitui um processo que acontece ao longo da vida do
indivíduo, iniciando-se no momento da concepção, e se enquadra no processo de
produção social de pessoas: através da modelagem do corpo (por meio de dietas
alimentares, de rituais, de imposição de ornamentos, etc.) os jovens vão adquirindo as
qualidades éticas socialmente valorizadas e as capacidades que lhes permitirão cumprir
adequadamente as atividades produtivas necessárias nas que se baseia a reprodução
social41.
Em relação ao tema que nos ocupa, lembremos nesse ponto o que foi
mencionado anteriormente sobre o processo de “modelagem” do corpo, através do
trabalho cotidiano e de determinados rituais, entre as mulheres Yine. Essa preparação
lhes permite ter um corpo forte com o qual enfrentar o parto. Nesse mesmo sentido, por
exemplo, devem entender-se muitos rituais de reclusão, ou apenas de dieta, que são
realizados no momento da menarca das meninas em muitos grupos indígenas. Reclusões
e dietas têm, como um dos seus objetivos, preparar adequadamente os corpos das jovens
em vários sentidos, mas, em geral, em aspectos relacionados com sua vida reprodutiva.
Uma mulher manchineri que nos acompanhou na organização da 6ª reunião explicava
que, quando ela teve sua primeira menstruação, sua avó a fez ficar dentro de um quarto
sozinha. Durante o período que durou a reclusão, apenas se relacionava com a avó e
teve que cumprir uma dieta muito rígida que, entre outras coisas, proibia beber água,
porque provoca dor na parte inferior da barriga. Além de água, não podia comer outras
coisas como, por exemplo, tapioca de goma – porque faz que nos futuros partos a
placenta fique “grudada” no útero -, nem banana - porque durante a gravidez saem veias
embaixo do nariz, similares às rachaduras dessa fruta. Uma vez terminado o período de
reclusão, a avó trouxe umas ervas que esfregou no corpo da neta, e cuja virtude era
evitar a dor nos futuros partos e períodos menstruais.
Nossa colega comentou que seus partos sempre foram rápidos e pouco
doloridos, como efeito daquele tratamento dado pela avó. Igualmente, mencionou que
41 Existe uma ampla literatura a este respeito. Podemos citar aqui os trabalhos de Lagrou (1998), Erikson (1996) e Pérez (2006; 2003) em relação aos grupos pano.
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agora já não são feitos mais esses rituais. Antes, continua ela comentando, os indígenas
cuidavam melhor dos seus corpos – comendo alimentações adequadas e realizando
tratamentos desse tipo – e por isso não adoeciam tanto como agora. Uma das principais
causas desse enfraquecimento e da tendência a adoecer, segundo ela, é o fato de comer
os alimentos do “branco”. Essa idéia não é estranha a outros grupos. Os Yaminawa do
Peru atribuem o enfraquecimento geral do seu povo, a tendência a adoecer e a perda do
poder xamânico, ao consumo de alimentos do “branco” (Pérez Gil 2003).
Entre os Yaminawa do Peru, quando as meninas têm sua primeira menstruação
não são recluídas, mas sim devem evitar determinados alimentos, e tomar banho com
plantas específicas com o intuito de, no futuro, não ter menstruações doloridas nem de
hemorragia abundante. Através desses tratamentos, as pessoas vão dotando seus corpos
de determinadas características. A menstruação é apenas uma situação, mas existem
muitas outras, como o estado derivado de ter matado um inimigo, o parto, o processo de
iniciação xamânica ou a imposição de ornamentos. De forma geral, qualquer situação
que implique entrar em contato com uma substância poderosa – e o sangue o é de forma
clara entre as sociedades ameríndias42 - desencadeia um processo de transformação que
deve ser controlado e dirigido através de dietas e tratamentos com plantas .
Continuando com os princípios da noção de corporalidade, o processo de construção do
corpo está intimamente ligado à construção das relações de parentesco. O feto se forma
na barriga da mãe a partir dos fluídos corporais dos genitores, principalmente do
sêmen43. Entre as conseqüências dessa teoria da concepção, nos interessa ressaltar duas:
Gera-se uma “relação de substância” – que já mencionamos anteriormente -
entre a criança e os progenitores, que tem importantes implicações em relação à
42 Entre os pano, por exemplo, o sangue carrega yuxin, que podemos definir como o princípio vital que permeia todos os seres que povoam o universo, 43 Esta maneira de entender a formação do feto está muito difundida na Amazônia, embora existam algumas diferenças entre os distintos grupos quanto ao papel outorgado aos fluídos maternos e paternos. Alguns grupos consideram que apenas o sêmen forma o corpo do feto. Trata-se, em geral de sociedades patrilineares, isto é, a criança pertence à família do pai. Em outros casos, tanto o sangue materno quanto o sêmen paterno contribuem na formação do feto; nesses casos, estamos em geral ante sociedades cognáticas, que reconhecem o parentesco do lado materno e do paterno. Neste último caso se enquadram grupos arawak, como os Piro (Gow 1991), e grupos pano, como os Kaxinawa (McCallum 1989: 95), os Yaminawa e os Yawanawa. No caso dos Kulina, o feto é formado pelo acúmulo de sêmen no útero numa primeira fase, e é “concluído” através do leite materno e de outros alimentos da roça cultivados pela mãe (Pollock 1994: 148).
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saúde, já que muitas das doenças que afligem as crianças pequenas são
conseqüência de alimentos ingeridos pelos pais inadequadamente. Também
reflexo dessa teoria da “relação de substância” com os parentes próximos é a
necessidade, comum entre os grupos pano, de que as pessoas cumpram
determinados resguardos alimentares quando um parente próximo (pai ou filho)
adoece e deve se submeter a um tratamento que implique dieta, como, por
exemplo, quando ocorre uma mordida de cobra. Em última instância, o que
acontece é que o que uma pessoa consume afeta o corpo de sua família mais
imediata, precisamente porque compartilham a mesma substância corporal.
Todo homem que tenha relações com uma mulher grávida, será considerado pai
da criança porque contribuiu com seu sêmen à formação do corpo do feto. A
idéia da paternidade compartilhada é também muito difundida na Amazônia. No
caso de muitos grupos pano, isto implica, em função da “relação de substância”,
que todos aqueles considerados genitores devem cumprir os resguardos pós-
parto.
Por último, outro princípio importante é que os alimentos consumidos, que são os que
vão formando o corpo, estão intimamente ligados à construção da identidade. É por
isso, que o consumo continuado e intensivo de alimentos dos “brancos”, por exemplo,
desencadeia uma transformação corporal que implica uma mudança de identidade, um
tornar-se “branco” (Pérez Gil 2006). Esta é uma questão que preocupa a vários grupos
indígenas.
5.3.2. Dietas durante a gravidez e resguardos pós-parto.
Retomados os princípios básicos sobre corporalidade que subjazem a diversas
práticas indígenas associadas aos sistemas de parto, voltemos a elas. O que nos interessa
especialmente são os cuidados durante a gravidez e o pós-parto.
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Antes de começar, é
necessário especificar que, a este
respeito, se pode perceber uma
diferença clara entre grupos que têm
uma interação maior com a
sociedade não-indígena ribeirinha, e
aqueles que não a têm44.
Entre os grupos indígenas,
de forma geral, se dá uma grande
importância aos alimentos que uma
mulher grávida deve evitar.
Podemos dividir o conjunto de
alimentos evitados em dois tipos
segundo os efeitos que têm. Alguns
alimentos são evitados porque se
considera que os espíritos – ou o
princípio vital carregado na carne, se
se prefere - dos animais ingeridos
inadequadamente por parte da mãe podem, no futuro, provocar doenças no recém-
nascido. Outros são evitados porque podem produzir efeitos indesejados no corpo da
mãe – que ela fique com o rosto manchado, muito gorda ou muito magra, dependendo
do caso -, ou provocar problemas durante o parto45.
Após o parto, tanto o pais (ou pais) quanto a mãe devem evitar vários alimentos
e comportamentos que podem colocar em risco a saúde do recém-nascido, já que ele
pode ser objeto do ataque ou “vingança” dos espíritos dos animais ingeridos
44 A esse respeito, no primeiro relatório já fizemos uma reflexão referente ao conceito de “reimoso”, e sua utilização diferencial entre as populações indígenas conforme o grau de interação com a sociedade envolvente. 45 Embora existam diferenças entre os distintos grupos, estes são princípios que, de forma geral, podem aplicar-se a vários grupos pano como os Kaxinawa (Lagrou 1998), os Yawanawa (Pérez Gil 1999), os Katukina (Lima 2000) e os Yaminawa (Pérez Gil 2006), a grupos arawak, como os Matsiguenga (Baer 1994: 167-168). No primeiro relatório mencionamos vários exemplos que foram comentados durante as reuniões.
Ilustração 21: Natalia jaminawa dando banho no caçulodurante a reunião, 6ª Reunião
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inadequadamente pelos pais, ou de árvores perigosos. Existem em muitos grupos
categorias específicas de doenças que atingem exclusivamente as crianças recém-
nascidas e que têm como causa a quebra dessas regras. Como exemplo, podemos
mencionar os Kulina, entre os quais existe uma categoria nosológica chamada epetukái:
que se refere às doenças internas em bebês, causadas pelo consumo de carne de animais
machos pelos pais. Os sintomas são diversos, principalmente diarréia, inchaço
abdominal ou constipação. A doença é causada pela substância epetukái presente na
carne dos animais machos. De qualquer forma, não se trata de doenças especialmente
perigosas, e a criança atingida por essa doença pode ser facilmente curada pelo pajé
(Pollock 1994).
Nestes casos, o resguardo tem o objetivo, principalmente, de evitar ter contato
com determinados “espíritos” (de animais, seja através da alimentação ou da caça; de
árvores, passando perto deles46) que podem atacar a criança, mas não existe a idéia de
que a mulher deva ficar parada após o parto. De fato, um dos comentários dos Jaminawa
é que depois de dar à luz, a mulher não pode ficar parada, mas começar a trabalhar para
ela não se tornar preguiçosa. Esse costume se baseia na idéia de que o parto forma parte
de um processo de transformação corporal, e se os comportamentos não são controlados
nesse período, podem tornar-se permanentes47 .
Outro aspecto importante, mencionado por representantes de vários grupos, é
evitar tomar banho com água fria depois do parto. Para os Kaxarari isso pode provocar
hemorragia na mulher; para os Kaxinawa, faz com que seus peitos sequem. O banho,
tanto da criança – que normalmente só acontece no dia seguinte – quando da
parturiente, devem ser com água morna. Dona Helena, mulher não-indígena casada com
um Jaminawa de São Paulino, faz o seguinte comentário:
46 Entre os Jaminawa, por exemplo, os homens com crianças recém-nascidas não podem matar certos animais, como a cobra, a onça ou o macaco cairara, nem passar por perto de determinadas árvores, como a samaúma, considerada por vários grupos indígenas o lugar de moradia de um espírito poderoso e maligno, porque os espíritos desses seres poderiam atacar a criança. 47 Encontramos esse mesmo princípio, por exemplo, no resguardo que deve cumprir uma pessoa quando mata um inimigo: se durante o tempo que dura o resguardo o matador dorme muito, se tornará dorminhoco; se come muito, se tornará comilão, e assim por diante. A questão é que ser dorminhoco, preguiçoso ou comilão atentam contra o modelo de pessoa que impera nessas sociedades, onde ser trabalhador é uma das principais virtudes que os indivíduos procuram desenvolver por vários meios (Pérez Gil 2006). Reencontramos aqui à idéia da construção social das pessoas que mencionamos anteriormente.
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A mulher quando está grávida, não pode passar fome, a criança pode nascer desnutrido. Tem uma dieta, não come comida reimosa. Antigamente tomava banho na água morna, agora em água fria. Quando criança nasce ele está quentinho, não pode banhar em água fria (D. Helena, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).
Em relação à alimentação após o parto, os Kaxarari consideram fundamental que
a mãe consuma os alimentos adequados para manter a sua saúde e a da criança, já que
da alimentação dependem a recuperação da mãe e a produção do leite materno.
Quando paciente ganha, amorna água para dar banho na mãe e na criança. Para aumentar o leite do peito nós faz mingau de milho, de massa, nós soca no pilão. As comidas, quando criança nasce, cuidamos da mulher porque depois do parto fica fraca. O marido não mata galinha, ele mata nambu. Nem jacamim, nem mutum, nem carne pesado, só aqueles três, peixe tb. Quando não dá remédio do mato, fica tonto e com dor de cabeça se fica no sol, por isso que nós dá remédio do mato, dois, três dias, corta logo sangramento (Dona Maria Kaxarari, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).
Mulher que enjoa de comida, o marido vai atrás de fruta, de peixe... Depois de ela ganhar, a criança tem que mamar, não sai logo leite, mas tem que ficar mamando até que sai. Faz mingau de milho, não deixa passar fome porque não enche o peito. Marido tem que ir logo atrás de caça, mas não caça pesada (Dona Rita Kaxarari, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).
No caso dos grupos, como os Apurinã, que têm mais interação com os não-
indígenas, os cuidados com a grávida não se referem tanto à dieta alimentar nem à
saúde da criança. Os cuidados da grávida se referem, principalmente, a comportamentos
que a grávida deve seguir para evitar que o parto seja complicado. D. Lunga, mulher
não-indígena casada com um apurinã da região de Boca do Acre, explica assim:
Quando a mulher está gestante, eu não deixo comer todo tipo de comida. Eu falo, minhas filhas, vocês andam, mas desocupadamente, sem peso, sem nada. Você não vive deitada, porque sofre demais, se fica muito tempo sentada, ataca cabeça da criança, então dá problema para nascer, a mulher que anda muito, a criança a cabecinha dele fica compridinha, já fica no normal de nascer, já fica no canto correto. Eu boto elas para andarem. Carregar água, lenha, eu não deixo, trabalhar assim de enxada, eu também não consinto. No nosso tempo nós sofremos muito com essa arrumação, dava muito problema. Eu ganhei tudo em casa, mas deu probleminha. O primeiro foi um aborto (D. Lunga, 5ª Reunião, Aldeia Camicuã).
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A única menção à questão alimentar durante a gravidez se referiu aos enjôos,
considerados por D. Elsa como uma doença grave porquanto podem provocar que a
grávida não se alimente adequadamente.
Após o parto, as mulheres Apurinã devem cumprir cinco dias de resguardo,
tempo durante o qual a parteira fica na casa dela cuidando-a e fazendo as tarefas
necessárias. Apenas depois desse período a mulher pode levantar. Considera-se que a
parturiente deve ficar deitada esse tempo “para o útero não cair”, já que fica grande e
inflamado depois do parto. Em relação aos alimentos, a dieta pós-parto deve observar
dois objetivos: evitar alimentos “reimosos”, que afetam negativamente o corpo da
parturiente; e privilegiar alimentos, como o caldo na galinha, que contribuam a
aumentar o leite no peito.
Embora esses dados não desenhem um panorama completo sobre o conjunto de
cuidados que as mulheres indígenas têm durante o processo de gravidez, parto e pós-
parto, ajudam, pelo menos, a esboçá-lo, a definir alguns dos seus princípios e a perceber
a diversidade entre as diferentes etnias.
5.4. Discussão sobre o conceito de parteira e seu desenvolvimento.
Os dados obtidos sobre a situação dos vários povos indígenas acima referidos
oferecem um panorama interessante que nos permite aprofundar um pouco mais no
processo de desenvolvimento do conceito de parteira. Já no relatório anterior tínhamos
diferenciado entre as seguintes situações:
• Em certos casos, encontramos uma figura mais especializada, que é chamada para
fazer os partos de pessoas da comunidade ou que moram no entorno, de forma que
essa atividade extravasa o âmbito familiar. No Juruá, essa parecia ser a situação dos
Nawa, Nukini, e possivelmente dos Arara. No Purus, parece que essa situação se
corresponde mais com algumas mulheres não-indígenas que moram entre os
Apurinã, e de algumas mulheres apurinã que, por sua longa atuação na assistência
de partos, são reconhecidas além das fronteiras familiares e inclusive étnicas.
Estamos pensando em casos como o de D. Elsa ou o de D. Santa, uma mulher
apurinã, sobre a qual se falou na reunião de Camicuã, que atua como parteira no
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Piquiá48 e que foi descrita como uma das melhores parteiras da região. Em qualquer
caso, trata-se de povos que tiveram um contato muito mais estreito com a população
não índia, misturando-se com ela. Esta adoção da figura da “parteira” é paralela a
uma incorporação de práticas e conceitos relacionados com o a gravidez e o pós-
parto, embora seja difícil discernir o que é “indígena” e o que não o é. Cabe
destacar, de qualquer forma, que aqui a cristalização da figura de parteira é anterior
à influência mais palpável das políticas públicas recentes, e é tomada, precisamente,
dessa população não-indígena com a qual a interação é sistemática.
• No Juruá, encontramos casos de grupos, principalmente os Ashaninka e os Kulina,
nos quais as mulheres dão à luz sozinhas, geralmente na floresta. O papel das
mulheres mais experientes e dos pajés é, principalmente, o de acompanhar as
mulheres durante a gravidez e o pós-parto, fornecendo remédios de caráter
essencialmente preventivo, orientar e ajudar às jovens em seus primeiros partos, e
atender à parturiente em caso de complicações. No Purus não encontramos casos
similares a estes49.
• Entre estes dois pólos – um contexto, próximo do mundo não indígena, no qual o
evento do parto é assumido necessariamente por uma parteira especializada, e outro,
no qual não é possível distinguir claramente a figura da parteira – existe um espaço
intermédio, no qual a figura da parteira ora se distingue com mais claridade, ora se
dilui. Nesse conjunto intermédio, podemos também diferenciar, com fins analíticos,
duas situações, em função das informações obtidas no Purus:
No caso dos Jaminawa, os Jamamadi, os Kulina e inclusive os Kaxinawa, as
mulheres são assistidas no parto por alguma outra mulher, que costuma ser
uma parente próxima. A tarefa é cumprida preferencialmente por mulheres
mais idosas, que ganharam experiência e sabedoria ao longo da vida, mas
48 Cidade próxima a Boca de Acre, fundada recentemente e aonde se transladaram quase todas as sedes institucionais presentes em Boca do Acre, com o objetivo de ser afetadas pelas as inundações periódicas do rio Purus. O pólo-base de Boca de Acre se encontra, de fato, em Piquiá. 49 Algumas pessoas fizeram comentários de que as mulheres Kulina davam à luz dessa forma, mas essa informação não se viu confirmada pelas próprias kulina nem pela bibliografia especializada, como registramos no item 5.2.4. Também uma mulher apurinã, relativamente nova, explicou que na sua comunidade as mulheres ganhavam sozinhas em casa, e que apenas recentemente ela começou a assistir partos de outras mulheres, mas essa situação não é generalizada entre os Apurinã.
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não necessariamente. Aprender a assistir partos é um tipo de conhecimento
que, de alguma forma, toda mulher deve adquirir para poder ajudar às outras
mulheres que formam parte do seu círculo familiar.
Já entre os Apurinã, os Kaxarari e provavelmente algumas mulheres
Kaxinawa, algumas mulheres mais velhas e experientes têm assumido a
tarefa de assistir partos. Em geral, cumprem esta função com as mulheres
novas de suas próprias famílias extensas (filhas, netas, noras) no seio das
comunidades. Sua maior aptidão para assumir esta função costuma estar
associada a um maior conhecimento do que outras pessoas de outros
recursos terapêuticos, como plantas medicinais ou rezas. Em geral, poder-se-
ia pensar que a concretização da figura da parteira nesses casos está
relacionada com sua interação mais intensa (pela contigüidade dos
assentamentos e os casamentos inter-étnicos, principalmente), com a
população não-indígena ribeirinha que sim possui uma tradição de parteiras
especializadas.
Não se trata, em qualquer caso, de uma tipologia rígida, mas de linhas gerais que
podem ser observadas no pouco tempo que passamos com essas pessoas. Uma questão
cabe salientar. Como sustentamos no primeiro relatório etnográfico, uma das
conseqüências das políticas públicas voltadas para as parteiras tem sido a criação dessa
figura em populações onde antes não existia. Ante o incentivo da instituição
correspondente de enviar uma “parteira” para participar de um curso, por exemplo, a
comunidade escolhe uma pessoa. Existe, ainda, a esperança de que em algum momento
a parteira seja institucionalizada como um cargo e receba um salário, tema que constitui
uma das principais reivindicações das parteiras (ver item 6.1.7).
Contudo, é possível perceber que o impacto desse incentivo não foi igual em
todos os grupos. Naqueles, como no caso dos Apurinã ou dos Kaxarari, nos que o
contato com a população ribeirinha já tinha contribuído a criar a figura da parteira – se
não como uma profissional que faz atendimentos fora do seu círculo familiar, sim como
uma mulher que tem um conhecimento diferencial frente às outras da sua própria
comunidade –, o impacto foi menor, já que existia uma estrutura prévia, isto é, já havia
mulheres que vinham atuando nesse campo. O que aconteceu é que aquelas mulheres
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100
que já cumpriam essa função foram indicadas pelas comunidades. É verdade que em
comunidades grandes, como Camicuã, algumas mulheres que atuam assistindo partos,
foram deixadas de fora porque se indica às comunidades escolherem apenas uma
pessoa, mas essa não parece ser a regra geral.
Diferentemente, em grupos como os
Jamamadi, os Jaminawa ou os Kulina, nos
quais toda mulher era potencialmente uma
parteira, o impacto foi muito mais violento.
De alguma forma, a conseqüência dos
incentivos institucionais impõem uma forma
das coisas acontecerem muito diferente do
previamente existente. Nestes casos, sim,
mulheres que costumavam fazer os partos das
suas familiares são excluídas dessa função. O
chefe jamamadi da aldeia Santo Antônio
comentava que a comunidade tinha decidido
que, a partir da agora, apenas Margarida e
Raimunda, a mulher escolhida para ser parteira e sua acompanhante, estariam
autorizadas para assistir os partos na aldeia, já que apenas elas contam com a
capacitação e o material fornecido pela FUNASA. É difícil valorar até que ponto as
grávidas vão consentir se adaptar a esse novo estado de coisas, mas é possível prever
que pode gerar determinados conflitos ou problemas: a parteira escolhida pode não
contar com a confiança de todas as mulheres da aldeia e isto pode provocar que algumas
decidam ir à cidade; outras mulheres que faziam partos se neguem a continuar a cumprir
com a função se não recebem a mesma deferência (em termos de prestígio e material)
que a parteira oficial. Já comentamos, no caso jaminawa, a reclamação de Mariquinha
que, apesar de ter mais experiência do que Alice na questão dos partos, não foi
escolhida como parteira. A esse respeito, é necessário lembrar que, da mesma forma que
acontece com os AIS ou os professores, os cargos se tornam objeto de disputa política, e
Ilustração 22: Margarida Jamamadi, 5ªreunião.
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101
normalmente são monopolizados pelas famílias mais influentes na comunidade. A
própria Alice reclama que desde que foi escolhida como parteira, poucas mulheres têm
recorrido a ela:
Eu conto para as grávidas, “tem que fazer isso”, eu aprendi, se a mulher está com saúde ou está grave, se a mulher está desejando, tem que dar o que está desejando, se a mulher está doente, tem que ver como é que está, para ver que jeito é que está, eu aprendi no curso. Mas por agora, quando fiz curso, o pessoal aqui fica bochuda, mas não está tendo na aldeia, elas estão procurando só na cidade. Eu não posso obrigar com a minha família “deixa eu cuidar, deixa eu ver”, a família vai brigar “só para dizer que é parteira, quer se cuidar”, mas não é, a gente está estudando para a família, eu acompanho “quem está grávida, me avisa para acompanhar vocês no pré-natal, para levar vocês na rua, vamos ver, e nossos equipes estão vindo, e se vocês me explicam eu vou estar contando”, eu não aprendi muito, mas eu já aprendi isso (Alice Jaminawa, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá)
O comentário de Alice revela que a
fixação da função de “parteira” numa pessoa
por meio, fundamentalmente, dos cursos de
capacitação, pode ser uma faca de dois
gumes para quem os recebe: de um lado,
representa um ganho em termos políticos e
de prestígio – e, potencialmente, em termos
econômicos - para a pessoa que assume o
cargo; mas, de outro, desvaloriza as práticas
tradicionais frente ao conhecimento
biomédico. Essa desvalorização é percebida
ou interpretada pelas outras pessoas da
comunidade, que passam a preferir recorrer
ao sistema público de saúde.
Nesse sentido, as conseqüências dos cursos de capacitação são ambíguas. Em
geral, as participantes nas reuniões consideram tanto os cursos de capacitação quanto os
materiais que recebem (o kit da parteira) como elementos importantes, já que implicam
o acesso a um conjunto de conhecimentos considerados de valor (afinal, atribui-se ao
Ilustração 23: MAriquinha Jaminawa, 6ª reunião
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102
“branco” grande eficácia técnica). De fato, uma das reivindicações das parteiras em
todas as reuniões foi a de receber mais cursos de capacitação e kits com o material para
o parto. Esses elementos fornecem às mulheres, especialmente a mulheres de idade, a
possibilidade de acessar a um âmbito de relação privilegiada com as instituições
governamentais, que implica prestígio e visibilidade, e que geralmente está reservado
aos homens jovens. Entretanto, o fato de se atribuir tanta importância e valor a esse
saber do “branco”, faz com o próprio saber-fazer das mulheres indígenas seja diminuído
frente aos outros. No item 6.4.2. retomaremos essa questão.
6. A interação das populações indígenas com o sistema oficial de saúde no processo de gestação, parto e pós-parto.
Neste item abordaremos a relação das etnias indígenas da região do Alto Purus
com o sistema público de saúde. Antes de entrar a considerar como ela se dá no
processo de gravidez, parto e pós-parto, forneceremos informações que permitam
caracterizar essa relação em suas linhas gerais. Um dos aspectos que cabe destacar
desde já é o fato de que essa relação não é igual com todos os povos: cada um deles
possui características e éthos diferenciados, e apresenta problemas e desafios diversos
para as EMSI e para o DSEI.
6.1. A utilização do sistema público de atenção à saúde por parte dos povos atendidos pelo DSEI/Alto Purus.
Através desse item, pretendemos proporcionar o leitor algumas informações
sobre o uso que cada um dos povos faz do sistema público de atenção à saúde. Esse
aspecto é importante na medida em que o comportamento e a atitude em relação ao
sistema público de saúde não se limitam apenas aos doentes, mas se estendem também
às grávidas. Por outro lado, é fundamental para nossos objetivos entender que existem
diferenças marcadas a esse respeito entre uns grupos e outros.
As informações que proporcionamos se correspondem tanto com comentários e
dados fornecidos pelos profissionais que trabalham nos pólos-base onde esses povos são
atendidos, quanto com reflexões, muitas vezes autocríticas, realizadas pelos próprios
participantes das reuniões. Em ocasiões, as informações de ambas as fontes se
contradizem; em outras coincidem. Contudo, essas contradições são reveladoras de
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103
alguns aspectos que apontaremos, e que nos interessam especialmente porque dizem
respeito à percepção sobre o uso da medicina tradicional.
Da mesma forma que acontece no DSEI/Alto Juruá, na região abrangida pelo
DSEI/Alto Purus, existem alguns grupos que se caracterizam por mostrar certa rejeição
frente aos serviços públicos de saúde, e outros que, muito pelo contrário, recorrem em
excesso a eles, conforme a percepção dos profissionais que trabalham nos pólos. De
forma geral, existe a idéia de que há uma relação inversamente proporcional entre o uso
da medicina ocidental e o uso da medicina tradicional, isto é, quanto mais se usa a
medicina ocidental, menos se usa a tradicional. De esse princípio se deriva que aqueles
grupos que recorrem menos à medicina ocidental, mantêm de uma forma mais sólida
suas práticas tradicionais de cura, e que aqueles que usam muito os serviços públicos de
saúde, já perderam sua medicina tradicional. Sob certa perspectiva, isso pode ser assim,
mas a articulação que os grupos indígenas fazem entre seus próprios sistemas médicos e
o sistema oficial é mais complexa, e implica processos de adaptação, reinterpretação e
diálogo que não podem resumir-se em termos de “preservação” ou “perda” da cultura.
A esse respeito, se acunhou o conceito de intermedicalidade para fazer referência a esse
espaço de diálogo e articulação entre sistemas (Follér 2004; Greene 1998).
6.1.1. Apurinã
Os Apurinã são tidos pelos profissionais de saúde como um povo conflituoso por
ser reivindicativo dos seus direitos. É possível perceber, tanto no pólo-base de Pauini
quanto no de Boca do Acre, uma tensão entre os dirigentes apurinã e os profissionais
que atendem o pólo. De fato, ações de protesta (como cartas enviadas ao DSEI e à
CORE ou ameaças de fechamento do pólo-base) com o intuito de trocar os profissionais
por outros definidos pelos próprios indígenas, foram ações possíveis, comentadas como
iminentes, durante a nossa estadia na região. As críticas aos pólos se centram em dois
pontos principais: 1º) os profissionais não atendem adequadamente à população, no
sentido de que alguns deles são rudes ou depreciativos; 2º) existe a suspeita de que os
recursos que os municípios recebem para a saúde indígena não são gastos na população
indígena. A respeito desse último ponto, os dirigentes indígenas consideram que a soma
dedicada à saúde indígena é grande, mas há muitas deficiências no serviço a eles
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fornecido. A conclusão que eles tiram é que o recurso ou está sendo usado para outros
fins, ou não está sendo gasto adequadamente.
É necessário especificar, a esse respeito, que uma das grandes reclamações e
elementos de conflito é o acesso a combustível. Para as comunidades indígenas, o
combustível é um bem prezado e escasso, já que eles não possuem muitos recursos para
adquirir as grandes quantidades de combustível necessário para realizar as viagens entre
a cidade e as aldeias. Exigem, portanto, do pólo-base que forneça combustível. Por sua
parte, os pólos têm a diretriz de fornecer combustível apenas aos AIS quando vão à
cidade encaminhando um paciente. Também a alimentação e a hospedagem durante a
estadia de pacientes indígenas na cidade são objeto de reclamações.
Os profissionais de saúde consideram que, em grande medida, essa atitude de
exigência decorre do fato dos líderes indígenas não terem aceitado a perda do controle
sobre os recursos do pólo-base. Lembremos que entre o ano 1999 e o 2004 a UNI
gerenciava a saúde indígena em virtude do convênio assinado com a FUNASA. Assim,
eram líderes apurinã os que administravam os recursos nos pólos-base de Pauini e Boca
do Acre. Devemos entender, portanto, que o conflito existente entre os líderes e os
profissionais não se refere exclusivamente ao atendimento de saúde, mas possui um
conteúdo marcadamente político. Esse fato não deve ser entendido como um argumento
para deslegitimar as reivindicações indígenas, mas como um dado importante para
contextualizar o conflito.
As enfermeiras argumentam, por outro lado, que as reivindicações comentadas
não provêem de toda a população, mas principalmente dos líderes, e que o trabalho que
estão desenvolvendo é reconhecido por pessoas que não têm voz na areia política da
comunidade. A esse respeito, devemos mencionar que, efetivamente, algumas mulheres,
de forma privada, nos comentaram que não têm reclamações a fazer em relação às
enfermeiras, e que não compartilham as críticas que são feitas por parte de outras
pessoas. Isto mostra demonstra que a situação é complexa, e que a população indígena
não necessariamente tem uma opinião unânime a respeito dessa questão.
Outro ponto conflituoso são os medicamentos: os indígenas reclamam que não
lhes são fornecidos suficientes medicamentos, e que as EMSI deixam com os AIS
apenas medicamentos para tratar mal-estares de pouca importância; os profissionais se
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105
lamentam de que os Apurinã são afeiçoados demais aos medicamentos e que já não
usam mais seus próprios remédios “naturais”. As enfermeiras do pólo-base de Pauini
interpretam que esse fato é conseqüência do atendimento deficiente que o pólo forneceu
durante muito tempo à população indígena da região. Explicam que antes delas
chegarem, tinham passado durante um curto período de tempo muitos profissionais (oito
enfermeiros num ano) que não quiseram ficar no pólo e que não tinham desenvolvido
um trabalho sólido e sério50.
A gente se topou com muita coisa, muita auto-medicação, muita mesmo. Por parte de todos, não só os agentes, mas todos, até os pajés. Todo dia chega um paciente aqui, levando uma receita do pajé passando ampicilina, o pajé mandou tomar [...] E como lidar com isso sem a gente dizer não e a gente, e a pessoa escutar esse “não” e aceitar numa boa? A gente fala “não pode, pajé tem que ser com remédio da natureza” “então eu vou comprar com meu dinheiro, já que você não me quer dar”. Aí não dá, a gente tem que ser muito delicado para falar, eles não gostam de ouvir “não”, por mais delicado que seja. A auto-medicação é tão forte... a gente sabe de onde vem essa auto-medicação, por causa mesmo dessa existência... os profissionais fugiam, uma falta de profissionais tão grande, que eles se sentiam desamparados, e lógico, ou vai morrer, ou vai tomar um remédio, então eles tomavam remédio. Eles vinham na cidade, pegavam caixas na secretaria, com quem tivesse, levavam na aldeia, usavam vencido, não vencido, qualquer remédio para qualquer coisa, sem a menor orientação (enfermeira do pólo-base de Pauini, Pauini, setembro de 2006)
Esse depoimento reflete várias questões que consideramos importantes. Em
primeiro lugar, é polêmico: os indígenas protestaram indignados quando souberam que
a enfermeira tinha afirmado que os pajés davam receitas com medicamentos. A
enfermeira interpreta esse fato como uma evidência da “aculturação” dos Apurinã, da
perda de cultura, e também como um problema, já que implica um uso inadequado dos
medicamentos, que pode ter conseqüências muito negativas para a saúde da população.
Os indígenas, fazendo a mesma leitura desse suposto fato, o negam, e se indignam com
a enfermeira.
50 Lembremos que Pauini é uma cidade muito pequena e isolada, já que não existem estradas que a liguem com outras cidades. Em geral, não é fácil encontrar profissionais que tenham a vocação de se dedicar à saúde indígena, pelas condições e o tipo de trabalho que implica (viagens continuas e compridas às aldeias, vistas como lugares inóspitos; condições precárias de trabalho). Essas dificuldades aumentam quando se trata de preencher as vagas em cidades isoladas e pequenas como Pauini.
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106
Do ponto de vista antropológico, podemos fazer uma leitura completamente
diferente. O fato dos pajés receitarem medicamentos da farmácia é uma mostra do que
já conhecemos sobre o xamanismo: que se trata um sistema de conhecimento e ação
aberto, que tende a incorporar elementos externos, seja de outros sistemas xamânicos
ou, como é o caso, da medicina ocidental (Greene 1998). A incorporação desses
elementos externos implica sua reinterpretação por parte do sistema que o fagocita: o
sentido e a função que adquirem no sistema que os incorpora são diferentes dos que
tinham no sistema de origem. De alguma forma, o fato dos pajés apurinã receitarem
medicamentos ocidentais é mais uma mostra da vitalidade do xamanismo, do que uma
evidência de sua decadência, como pode ser interpretado a primeira vista.
O depoimento também é uma mostra da tensão e os mau-entendidos que existem
entre os profissionais e a população indígena: enquanto os profissionais evitam dar
medicamentos que não são adequados para o tratamento necessário, os indígenas
interpretam isso como uma mostra de que estão “sovinando”51 os remédios.
Pos último, o depoimento suscita uma última reflexão: uma aproximação a
certos conceitos e interpretações da antropologia permitiria aos profissionais de saúde
perceber melhor onde estão os conflitos e problemas, de onde surgem e, assim, pensar
em atitudes que lhes permitam contorná-los de uma forma mais eficaz. Igualmente, sua
relação com as populações indígenas se veria beneficiada.
Tanto na região de Boca do Acre quanto em Pauini, os Apurinã são sempre
colocados em contraste com os Jamamadi: os primeiros são tidos por mais conflituosos
e reivindicativos, e também mais desenvoltos e familiarizados com o funcionamento do
sistema público de saúde, de forma que muitas vezes se dirigem diretamente aos
estabelecimentos do SUS sem passar pelo pólo-base; os segundos, entretanto, são
menos problemáticos em termos políticos, mas precisam muito mais da ajuda dos
profissionais de saúde quando são encaminhados para os estabelecimentos do SUS,
tendo que estar sempre acompanhados por algum membro das EMSI.
Em relação ao uso do sistema oficial de saúde por parte das mulheres grávidas,
as impressões fornecidas pelos participantes e profissionais de saúde são heterogêneas.
51 Ser “sovina” é um dos comportamentos mais repudiados pelas sociedades indígenas em geral: é considerado uma negação da relação social entre as duas pessoas envolvidas, um insulto.
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107
Em vários casos, as parteiras de Pauini negaram que em suas respectivas comunidades
as mulheres fossem preferencialmente à cidade para realizar os partos. Segundo elas,
apenas quando percebem que há risco de complicação, aconselham à parturiente ir para
a cidade. Essas declarações concordam com a percepção das enfermeiras:
Pergunta: As mulheres em geral, elas vêm muito fazer parto na cidade, ou elas preferem fazer na aldeia, como que é isso?
R – A minoria que vem para cá. Elas se identificam com a própria parteira. A parteira é muito discreta, ela articula, você nem sabe que ela está envolvida, mas ela tem grande poder, ela é muito discreta. Ela fala para a mulher “vá, já falei com seu marido, vai lá para a cidade porque o negócio não está bem, eu não vou dar conta não”. Ela manda para a cidade. Ela faz, ela examina tudinho e ela vê. Ela não ultrapassa aquele limite dentro da cultura, de mulher, de querer tomar a decisão, mas ela empurra, como a liderança, ela não vem conversar diretamente, o AIS já vai com sua pompa, tem todo aquele ritual. Ela não, ela é discreta, ela empurra. Se for para dizer que alguém pratica medicina tradicional aqui, para mim são as parteiras (enfermeira do pólo-base de Pauini, Pauini, setembro de 2006).
Já na região de Boca do Acre, a impressão dos profissionais é outra. Apesar de
que, até recentemente, as mulheres preferiam dar à luz nas aldeias, nos últimos anos o
número de mulheres apurinã que decidem realizar o parto na cidade aumentou. Ainda
segundo os profissionais, isso é devido a que consideram mais seguro o parto no
hospital e sabem que lá, elas vão receber medicação, da qual são cada vez mais
dependentes, conforme a percepção dos profissionais do pólo.
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108
77,7% 22,2%
33,3% 44,4%
0% 50% 100%
T.I.Camicuã
T.I.s Km.45 e Km.
124
Parto na aldeia Parto na cidade
Apurinã Jamamadi
T.I. Camicuã T.Is da estrada (Km. 45 e Km.
124)
T.I. Inauini/Teuni
T.I.s da estrada (Iquirema e
Goiaba)
Aldeia Cidade Aldeia Cidade Aldeia Cidade Aldeia Cidade
7 2 3 4 2 0 0 2 2005 9 7 2 2 20
0 2 0 2 3 1 2006 2 2 4 8
Tabela 6: Número de partos das etnias Apurinã e Jamamadi na região de Boca do Acre em 2005 e 2006. Dados facilitados pela administração do pólo-base de Boca do Acre.
Os gráficos acima se referem ao número de partos da etnia Apurinã na região de
Boca do Acre nos anos 2005 e 2006 (até o momento da pesquisa). Embora fossem
precisos dados de anos anteriores para ter uma maior profundidade temporal na análise,
os disponíveis no momento indicam que durante o ano 2006 parece ter se incrementado
a tendência das mulheres apurinã a dar à luz nos estabelecimentos públicos da cidade.
Por outro lado, indicam também que a preferência pelos hospitais nessas circunstâncias
é maior entre os Apurinã das aldeias situadas ao longo da estrada, do que entre os
Gráfico 2: Local dos partos, etnia Apurinã, pólo-base Boca do Acre, 2006
0 100%
0 100%
0% 50% 100%
T.I.Camicuã
T.I.s Km.45 e Km.
124
Parto na aldeia Parto na cidade
Gráfico 3: Local dos partos, etnia Apurinã, pólo-base Boca do Acre, 2005
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109
Apurinã da T.I. Camicuã. Infelizmente, não possuímos dados sobre a porcentagem de
partos feitos na aldeia e na cidade para a região de Pauini, já que as enfermeiras não
registram aonde os partos tiveram lugar por não considerá-lo significativo.
6.1.2. Jamamadi
Como mencionamos anteriormente, os Jamamadi são sempre colocados em
contraste com os Apurinã, e descritos como um povo doce, inocente, desvalido,
“meigo” e necessitado de atenção. Os Jamamadi, apesar de ter uma história de contanto
tão longa quanto os Apurinã e de ter algumas aldeias próximas da cidade, têm em geral
grandes dificuldades para falar o português. Na região de Pauini, as enfermeiras
explicam que o pequeno grupo que mora na aldeia Torcimão, no rio Inauini – únicos
Jamamadi ligados ao pólo-base de Pauini -, não costumam ir para a cidade à procura de
tratamento médico:
Pergunta: Eles também vêm freqüentemente na cidade para procurar tratamento?
R – Só na época certa deles, em agosto, final de setembro, agora que estão vindo, eles vieram agora porque tinha um com malária, e tem que vir, ne? Malária. Aí veio a família toda, são poucos, uma canoinha. Eles são muito queridos, reconhecem nosso trabalho, preservam a ingenuidade. A gente trata eles como se fossem crianças, a gente vê a ingenuidade. Eles até confessam as coisas deles. São muito bons.
Em relação às mulheres grávidas, as enfermeiras afirmam nunca ter visto uma
mulher jamamadi se deslocar à cidade para dar à luz.
O médico do pólo-base de Boca do Acre deu uma visão um pouco diferente
sobre os Jamamadi que moram na aldeia Santo Antônio. O aceso à cidade dos
Jamamadi dessa aldeia depende da época do ano: no verão eles ficam isolados porque
não há suficiente água no rio para viajar; o inverno é a época em que eles retomam suas
relações com os não-indígenas viajando para a cidade. Segundo o médico, o verão,
quando eles permanecem na aldeia, é uma época de fartura e população fica mais
saudável; contrariamente, o inverno, quando o contato com a cidade é retomado, é
caracterizado como uma época de fome e aumento das doenças. Segundo o médico, um
dos principais problemas da saúde das crianças é a desnutrição. Ele explica isto em
Instituto de Pesquisa e Documentação Etnográfica - Olhar Etnográfico
110
função de dois fatores: quando a comida é preparada e servida, os últimos a comer são
as crianças, de forma que acabam não recebendo a suficiente quantidade de alimento;
com a obtenção de recursos econômicos da coleta da castanha e das aposentadorias, os
Jamamadi se preocupam de comprar mercadorias na cidade e dão pouca atenção aos
roçados52.
Segundo o médico, os Jamamadi, como os outros grupos indígenas da região,
estão também abandonando suas medicinas tradicionais, tanto as plantas quanto a
pajelança, e se tornando muito dependentes (“viciados”) dos remédios da farmácia.
De qualquer forma, os profissionais do pólo-base de Boca do Acre parecem
também considerar que os Jamamadi são os que mais precisam de sua ajuda, porque
Santo Antônio, a pesar de ser a aldeia mais distante da cidade de toda da região, é a que
recebeu mais visitas da equipe durante esse ano53. Devemos considerar que o fato de
eles manterem em maior grau a imagem indianidade inclina às instituições voltadas para
a atenção à saúde indígena a da-lhes mais atenção. Um exemplo disto é que o CIMI
(Conselho Indigenista Missionário) não atende aos Apurinã de Boca do Acre, mas sim
aos Jamamadi.
Quanto à tendência das mulheres jamamadi a dar à luz nas aldeias ou na cidade,
os dados que possuímos mostram uma diferença entre as mulheres de Santo Antônio,
que preferem permanecer nas aldeias, e as jamamadi que moram nas aldeias da estrada
(Iquirema e Goiaba), que recorrem principalmente aos serviços públicos de saúde (ver
tabela 6).
52 Houve certa contradição no seu depoimento, porque ao mesmo tempo descreveu as aldeias jamamadi como fartas em alimentação, tanto caça, como pesca e produtos agrícolas. Ele enfatizou o primeiro fator mencionado para explicar a desnutrição infantil. 53 Santo Antônio recebeu cinco visitas, enquanto as outras aldeias receberam três visitas.
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111
100%
0% 50% 100%
T.I.Inauini/Teuni
T.I. Iquiremae Goiaba
Parto na aldeia Parto na cidade
100%100
6.1.3. Jaminawa
Na região do Purus os Jaminawa são atendidos pelos pólos-base de Sena
Madureira e de Assis Brasil. Os administradores de ambos os pólos-base coincidem na
sua descrição dos Jaminawa: trata-se de um povo que tem uma grande tendência a se
deslocar para a cidade e ficar lá sem recursos e em condições muito precárias. A fome, o
alcoolismo e a mendicidade marcam as estadias dos Jaminawa na cidade. Da mesma
forma que os Jamamadi constituem o pólo de contraste com os Apurinã, os Manchineri
o são dos Jaminawa na região de Assis Brasil, mas num sentido diferente:
Jaminawa é complicado, ele fica aqui dez, quinze dias, eles não têm força moral para os filhos, estão virando o lixo na cidade, ficam contribuindo doença para as aldeias, quando for na aldeia, vão passar essas doenças que conseguem aqui na cidade para os parentes que estão na aldeia...é um caso sério. [...] O manchineri é bem diferente, eu considero os Manchineri praticamente igual a eu. Tem muitos que são crentes, é muito mais fácil trabalhar com eles, eu acho maravilhoso trabalhar com eles, eles não são agressivos, quando a gente chega na aldeia, eles parece que têm o maior carinho pela gente. [...] Jaminawa é diferente. [...] Eles usam muito a bebida, é demais, é um problema sério. [...] É muito raro você pegar um manchineri aqui na cidade bebendo (José Forte, administrador do pólo-base de Assis Brasil, Assis Brasil, setembro 2006).
Gráfico 4: Local dos partos, etnia Jamamadi,pólo-base Boca do Acre, 2006
Gráfico 5: Local dos partos, etnia Jamamadi,pólo-base Boca do Acre, 2005
25%
0% 50% 100%
T.I.Inauini/Teuni
Parto na aldeia Parto na cidade
75%75%
Instituto de Pesquisa e Documentação Etnográfica - Olhar Etnográfico
112
Ilustração 24: Alice Jaminawa com seu sobrinho durante a 6ª reunião.
Igualmente ao que acontece no caso de outros grupos indígenas anteriormente
comentados, os profissionais de saúde têm a percepção de que tanto Manchineri quanto
Jaminawa estão abandonando a medicina tradicional e dependem cada vez mais dos
medicamentos da farmácia.
Outro aspecto no qual se diferenciam Jaminawa e Manchineri é o na conclusão
dos tratamentos prescritos pelos profissionais, sempre sendo os Jaminawa mais
problemáticos:
Tem um pouco de diferença das etnias. Os Manchineri, se você dá um tratamento específico, é mais fácil ele fazer o tratamento até o final. Nos Jaminawa, não, ele toma 1 dia, no máximo dois, se ele se sentir um pouquinho melhor ele já não quer medicação, não toma, aí no outra dia ele fica ruim de novo e ele vem consultar novamente , quer que você passe outros medicamentos. Então tem que ser uma medicação de dose única para evitar isso aí (enfermeira do pólo-base de Assis Brasil, setembro de 2006).
Em relação à utilização do sistema oficial de saúde por parte das grávidas para
dar à luz, os profissionais de saúde explicam que, de forma geral, a maior parte das
mulheres prefere ter o parto na aldeia. No pólo-base de Assis Brasil, a enfermeira
comenta que as mulheres, de forma geral, apenas escolhem dar à luz na cidade em
algumas circunstâncias: quando é o primeiro parto; quando no parto anterior houve
alguma complicação ou foi por cesárea; ou quando por meio dos exames se detecta
algum risco, como que o feto esteja atravessado. A diferença que existe entre as
mulheres jaminawa e as manchineri é que as segundas, logo que ficam gestantes,
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113
procuram uma parteira que vai fazer o seguimento durante toda a gravidez, enquanto as
primeiras apenas procuram a parteira quando já estão prestes a parir.
Da mesma forma, no pólo-base de Sena Madureira, a impressão dos
profissionais é a de que as mulheres tendem a dar à luz preferencialmente nas aldeias,
embora esta tendência esteja mudando nos últimos anos:
Ultimamente, eu tenho notado que as nossas indígenas preferem vir ganhar nenê na cidade. Não sei que está acontecendo, mas elas preferem vir ganhar nenê na cidade. Várias esse ano, das que nós temos apenas uma ganhou nenê na aldeia, a professora Mª Jose. [...] logo no começo, elas ganhavam nenê ás vezes até ali no barranco, lá no barco porque ela não queria ir para o hospital, mas eu não sei se porque elas estão achando mais segurança, ou não sei o que está acontecendo, eu sei que as últimas vieram ganhar nenê na cidade.
Os dados referentes aos Jaminawa do Caeté e do Kaiapucá levantados no pólo de
Sena Madureira e apresentados nos gráficos abaixo mostram que efetivamente, desde o
ano 2001 a tendência tem sido de aumentar a porcentagem de mulheres que ganham
nenê na cidade (ver anexo 7). Infelizmente, no pólo-base de Assis Brasil não havia
dados relativos a essa questão.
Gráfico 6: Local dos partos, Jaminawa do Kaiapucá
100 0
80 20
100 0
66,6 33,3
60 40
50 50
0 50 100%
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Parto da aldeia Parto na cidade
Gráfico 7: Local dos partos, Jaminawa doCaeté
100 0
85,7 14,28
33,3 66,6
71,42 28,57
100 0
50 50
0 50 100%
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Parto da aldeia Parto na cidade
Instituto de Pesquisa e Documentação Etnográfica - Olhar Etnográfico
114
6.1.4. Kaxarari
Sobre os Kaxarari não temos muitas informações relativas à utilização do
sistema de saúde. Dado que o deslocamento até Sena Madureira, sede do pólo-base ao
qual estão adscritos, é demorado e pouco prático, quando precisam de tratamento na
cidade acodem a Extrema ou a Rio Branco, onde são atendidos na Casa do Índio.
Em relação à situação de saúde do povo Kaxarari, um relatório recente apresenta
significativas informações e se refere aos graves problemas vivenciados pelo povo
Kaxarari no final da década de 1980 e no início da década de 1990. Estes problemas
foram causados pela construção de uma barragem próxima a área kaxarari por parte de
uma empresa mineradora dedicada à exploração de brita. A barragem não apenas cortou
o suprimento de água das aldeias, mas, além disso, a represa se converteu num grande
foco de insetos. Como conseqüência disto, a malária se tornou endêmica na região,
gerando grande alarme entre a população indígena que, sem a assistência e a atenção
adequadas começaram a usar os medicamentos de forma descontrolada e abusiva (Silva
2000). A situação crítica da saúde kaxarari se refletiu no número de internações na
CASAI de Rio Branco, que alcançou o mesmo número de casos que os povos Apurinã e
Kaxinawa, apesar de estes terem sete e cinco vezes mais população, respectivamente,
como mostra a tabela:
Etnia População aprox. Internações
Kaxarari 160 206
Kaxinawa 2.000 293
Apurinã 3.000 313 Tabela 7: Número de atendimentos a pessoas kaxarari em 1988
Em relação às grávidas, encontramos que entre os Kaxarari existe uma
porcentagem maior de mulheres que escolher dar à luz na cidade do que entre os
Jaminawa, como mostra o gráfico. Também é possível perceber um incremento, embora
pequeno, de parto na cidade nos últimos dados. A percepção de que algumas mulheres
recorrem aos serviços hospitalares foi comentada também pelas parteiras kaxarari, que
Instituto de Pesquisa e Documentação Etnográfica - Olhar Etnográfico
115
reclamam por não estarem sendo suficientemente valorizadas pelas mulheres de suas
comunidades, que preferem ir para o hospital.
62,5 37,5
58,3 41,6
86,6 13,3
50 50
53,3 46,6
57,1 42,8
0 50 100%
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Parto da aldeia Parto na cidade
6.1.5. Kaxinawa
Em relação aos Kaxinawa do Purus não possuímos praticamente dados relativos
ao uso que fazem do sistema público de saúde porque não tivemos oportunidade de
visitar o pólo-base de Santa Rosa do Purus nem de conversar com os profissionais que
os atendem. Apenas queremos colocar os comentários de uma enfermeira do pólo-base
de Boca do Acre que trabalhou anteriormente em Santa Rosa. Em relação ao uso do
sistema público no referente ao parto, ela estabelece um contraste entre as mulheres
apurinã, que em sua maior parte fazem o parto na cidade, e as kaxinawa do Purus, que
evitam dar à luz na cidade, e apenas o fazem quando existem riscos ou complicações:
quando a criança está numa posição perigosa; quando há problemas de pressão alta, etc.
Esses riscos são detectados no pré-natal, e as mulheres são, então, encaminhadas para
Tarauacá ou Rio Branco. Se o parto não apresenta problemas é realizado na aldeia,
mesmo que esta esteja próxima da cidade.
Gráfico 8: Local dos partos, Kaxarari
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116
6.1.6. Kulina
Como exemplo paradigmático de grupo que se mostra receoso de usar os
serviços públicos de saúde, podemos citar os Kulina. Infelizmente, não nos foi possível
visitar os pólos-base de Santa Rosa do Purus e Manuel Urbano, onde esse povo é
atendido, mas alguns comentários do chefe do DSEI/Alto Purus a respeito das
dificuldades que enfrentam evidenciam essa característica.
Os Kulina é uma etnia bem primitiva. Nós temos dificuldade para trabalhar com eles porque eles falam muito pouco português, aí fica difícil o entendimento. Aconteceu uma situação bem engraçada esse ano aqui. Nós trouxemos duas indígenas de Manel Urbano para fazer uma ultra-sonografia, aí nós marcamos direitinho, levamos ela lá, quando ela foi entrar na sala, ela voltou, voltou, e a outra que estava com ela voltou também. E eu “Pelo amor de deus, não faz isso, tem que fazer o exame”, “Não, não quer, não quer”. Ficou valente, quis pegar no braço, ela puxou, se tivesse segurado ela tinha mordido. Ela não gostou não, ela teve medo do aparelho, quando viu, ela se desesperou. Aí foi embora. Aí foi uma dificuldade. O cacique estava do lado, eu falei, “não faz isso, que tem que fazer”, o médico recomendou que fizesse outra ultra-sonografia, por se perdia o bebê, alguma coisa nesse sentido.
P – teve notícias depois?
R – Tive, ganhou na aldeia, sem problemas.
(Sr. Valmi, Administrador do Pólo de Sena-Madureira, setembro de 2006).
Essa anedota serve como
exemplo das dificuldades que os
profissionais dos pólos
enfrentam em termos de
comunicação e atendimento às
populações aqui consideradas.
Devemos lembrar, por outro
lado, que determinados tipos de
análises e tratamentos,
especialmente aqueles que têm
como objeto o aparelho Ilustração 25: Acampamento kulina à beira do Purus emSena Madureira
Instituto de Pesquisa e Documentação Etnográfica - Olhar Etnográfico
117
reprodutor feminino, são considerados agressivos pelas indígenas. Porém, a
desconfiança que, às vezes, os indígenas demonstram não implicam necessariamente
rejeição à medicina ocidental.
Um dos etnógrafos que melhor conhece esse povo, explica, pelo contrário que os
Kulina procuram muito medicamentos ocidentais. Porém, estes são usados em função
da própria lógica kulina. Os medicamentos ocidentais são considerados muito eficientes
para certo tipo de doenças, e completamente ineficientes para outros. As doenças que
são classificadas nas categorias de dori (associadas à feitiçaria) e epetukái (como
mencionamos anteriormente, aquelas que afetam as crianças causadas pela quebra de
tabus alimentares), apenas são curáveis com os recursos terapêuticos kulina. Em relação
a essa última categoria, especialmente interessante para o tema que nos ocupa, o autor
faz a seguinte observação:
Há um aspecto complementar da medicina ocidental que reforça as noções tradicionais Kulina acerca da natureza das doenças. Meus informantes chamaram atenção para a alta mortalidade infantil nas comunidades não-indígenas da região. Segundo eles, isto ocorre porque indivíduos não-kulina não seguem as prescrições alimentares indicadas para os pais de bebês. Em outras palavras, os Kulina entendem que grande número de bebês não indígenas morre de epetukái, uma doença que os Kulina conhecem e sabem como curar.
Não possuo dados para confirmar a observação dos Kulina sobre a elevada mortalidade infantil nas comunidades não-indígenas da região. Vários não-indígenas que visitaram Maronaua enquanto eu lá estava forneceram voluntariamente uma visão semelhante àquela dos Kulina, sugerindo que os "índios" seriam melhor adaptados à vida na floresta e, por isso, obteriam maior sucesso na reprodução. Embora a população não-indígena regional ridicularizasse muitas crenças tradicionais Kulina, ocasionalmente traziam suas crianças doentes até a aldeia para serem tratadas (Pollock 1994).
As informações e observações de Pollock mostram são um exemplo de como os
grupos indígenas conceitualizam a medicina ocidental e a incorporam ao seu próprio
sistema. Não vêem, de modo algum, a medicina ocidental e a sua própria como sistemas
excludentes, mas como possibilidades que possuem diferentes funções e podem ser
articuladas.
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118
6.1.7. Reivindicações de melhoria do sistema público de saúde.
Durante as reuniões, um dos temas tratados foram as reivindicações que as
comunidades têm em relação ao sistema de atenção à saúde. A proposta do projeto era
promover um espaço de troca de experiências e de reflexão sobre a possibilidade de
articulação de sistemas, e inicialmente este último era o objetivo de convidar os
profissionais de saúde durante os dois últimos dias de reunião. Entretanto, os
participantes, e a própria Sitoaköre, consideraram esta uma boa oportunidade para
discutir e expressar suas reivindicações frente aos representantes do pólo-base. Como já
mencionamos, a área de saúde é objeto de disputa política para algumas lideranças
políticas, fato que ficou evidente nas reuniões. Contudo, as dificuldades que enfrentam
as populações indígenas em relação ao atendimento que recebem é uma realidade que
deve ser conhecida pelos gestores dedicados à saúde indígena.
Em geral, as reivindicações foram praticamente as mesmas em todas as reuniões.
Em cada caso foram a base para a construção de documentos que, segundo foi
acordado, a Sitoaköre encaminharia para as instâncias pertinentes em cada caso. A
seguir, detalhamos as reivindicações e solicitações de melhoria das comunidades.
Algumas delas são específicas sobre o trabalho das mulheres que assistem a grávidas e
parturientes dentro das aldeias, mas outras são de caráter geral.
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119
Ilustração 26: Mulher Jamamadi, sofrendo sangramento após o parto, hospedada num
barco em Boca do Acre.
Reivindicações que se referem a infra-estruturas necessárias para a melhoria da
saúde indígena em geral:
Compra de meios de transporte para que os AIS possam encaminhar os
pacientes para a cidade. As necessidades de cada comunidade a esse respeito
são diferentes. No item 3.1. apresentamos as características das vias de
comunicação para cada uma das T.I.s da região. No caso daquelas que ficam
distantes das sedes municipais onde se localizam os serviços de saúde, são
necessários meios de transporte rápido, como voadeiras. As comunidades
que estão ligadas à cidade por via terrestre solicitaram meios adequados,
como toyotas. Em certos casos, como as comunidades da região de Sena
Madureira, o próprio pólo-base teve a iniciativa de adquirir recentemente
motores para os AIS de cada comunidade. Em outros casos, entretanto,
dependem dos próprios recursos para adquirir os meios de transporte
necessários. Igualmente, os participantes solicitaram a disponibilização de
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120
combustível para, em caso de necessidade, poder levar os pacientes até a
aldeia54.
Disponibilização de um local de hospedagem adequado na sede municipal,
onde os pacientes possam ficar durante o tempo que devem permanecer na
cidade para tratamento. Apenas em casos extremos, os pacientes ficam
internados nos hospitais, de forma que a questão da hospedagem é um
problema para eles. Os pólos-base não têm infra-estrutura – nem estão
pensados para isso – para hospedar os pacientes indígenas, de forma que eles
dependem dos seus próprios recursos, sempre escassos, para se manter na
cidade. Em alguns casos, têm parentes na cidade que os podem hospedar,
mas em outros muitos, não é assim. Isto faz com que, quando eles
permanecem na cidade, o fazem em condições muito difíceis: à beira do rio,
em acampamentos precários; em barcos alugados sem nenhuma infra-
estrutura para hospedar pessoas, etc. Se estas condições são complicadas
para pessoas sadias, o são ainda muito mais para os doentes. Em alguns
casos, como em Assis Brasil, os pacientes podem se hospedar no pólo-base,
mas essa não é a situação geral. No caso de Sena Madureira, a administração
do pólo-base obteve recursos para a construção de uma estrutura anexa ao
pólo para a hospedagem de pacientes. Entretanto, por falta de recursos para
contratar uma pessoa que assuma a manutenção do local, este ainda não foi
colocado a disposição, o qual é objeto de críticas por parte dos usuários
indígenas55.
Disponibilização de alimentação para os pacientes que precisam ser
encaminhados aos estabelecimentos do SUS, durante sua permanência da
cidade. Essa reivindicação se encontra diretamente ligada à anterior, e coloca
54 Os pólos-base retornam o combustível usado por um AIS quando encaminha um paciente para a cidade. Entretanto, a questão do combustível é objeto de continua reclamação por parte dos AIS e das comunidades, em geral porque não se considera suficiente, e porque o AIS tem que usar primeiro seu próprio combustível para depois recebê-lo de volta. 55 Existe também o receio, por parte da administração do pólo-base, no sentido de que a disponibilização de um local de hospedagem tenha como efeito uma maior afluência dos indígenas à cidade. Lembremos que os Jaminawa possuem uma tendência marcada a ficar na cidade, o qual acarreta diversos problemas, como falta de alimentação, mendicidade, alcoolismo, etc.
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121
o mesmo problema: a maior parte dos indígenas não possui recursos para
manter-se na cidade quando sua situação de saúde requer seu
encaminhamento para atendimento no SUS.
Disponibilização de aparelhos de radiofonia para todas as comunidades por
meio de sua aquisição ou seu conserto quando já existem. Solicita-se
também aos pólos-base que coloquem uma pessoa que fique
permanentemente disponível para ser contatado no pólo-base, caso aconteça
alguma urgência56.
Construção de infra-estrutura de saneamento básico nas aldeias. Algumas
aldeias já contam com privadas e água encanada (que apenas chega a uns
banhos comunitários, mas em geral falta o tratamento da água), mas não é o
caso da maioria, que ainda recorre à água dos igarapés ou à construção de
cacimbas. Porém, as condições são precárias por várias circunstâncias: nos
mesmos lugares onde se pega água para beber é onde as pessoas tomam
banho e lavam a roupa; no inverno a obtenção de água limpa se dificulta,
estes lugares se encontram expostos à contaminação por parte de animais,
etc. Especialmente se deve levar em consideração que a proliferação de
fazendas em toda a região e o crescimento populacional das cidades – que
sempre ficam à beira dos rios - provocaram a contaminação da água dos rios
e igarapés, fontes de água tradicionais para estas populações. Não é por
acaso que verminoses e diarréias se encontram entre as morbidades que
afetam com mais freqüência à população indígena da região. A situação é
especialmente preocupante nas aldeias Jaminawa onde foram registrados
vários casos de hepatite B (região de Sena Madureira, especialmente aldeia
de Kaiapucá).
Construção nas aldeias onde não existe de um posto de saúde.
Reivindicações que se referem à relação com o DSEI e o pólo-base:
56 Atualmente, os contatos por radiofonia se fazem duas vezes ao dia, uma de manhã e outra de tarde, a horas predeterminadas. Dessa forma, se acontece algum problema que deve ser resolvido com urgência, o contato com o pólo é complicado. Cada vez há mais comunidades que dispõem de um orelhão, o que facilita a comunicação com o pólo.
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122
Maior participação das comunidades no planejamento das atividades das
EMS.
Conhecimento de como são gastos os recursos destinados à saúde indígena.
Em geral, predomina a idéia de que o recurso destinado à saúde indígena é
muito alto57, mas que o serviço é precário. Daí se desprende uma acusação,
em ocasiões velada e em outras explícita, de que os administradores do pólo-
base ou os prefeitos estão ficando com esse recurso. Esta confusão é
evidente inclusive entre os membros do conselho distrital, apesar de que eles
têm acesso às prestações de contas.
Maior capacitação para os AIS e disponibilização de remédios nas aldeias
para que eles possam administrá-los quando necessário. Em geral, os AIS
reclamam da falta de capacitações destinadas a eles (ver item 4.1.), e da
resistência das EMSI a fornecê-lhes medicamentos para tratar as pessoas das
aldeias quando necessário58.
Em alguns locais, os conflitos das comunidades com as EMSI são mais
marcados, e é exigida a troca dos profissionais de saúde que atendem o pólo-
base. Ver a esse respeito o ponto 6.1.1.
Há algumas reivindicações que se referem à forma de atenção das EMSI,
acusadas em ocasiões de mostrar pouco respeito com as pessoas; de não
querer ir até a aldeia quando esta não se encontra na beira do rio, mas terra
adentro, e fazer o atendimento no barco59; de juntar todas as pessoas da
comunidade num local apenas em vez de ir de casa em casa.
57 Nos pólos-base que visitamos, esse recurso é, em media, de R$ 86.000 reais mensais aproximadamente. Com esse recurso são pagos os salários de todos os profissionais que trabalham nos pólos-base e dos AIS, os medicamentos que não são repassados pelo DSEI, o combustível, os gastos implicados nas visitas às comunidades por parte das EMSI, e qualquer outro gasto do pólo-base. Em função disso, é fácil perceber que o recurso é escasso para todos os gastos que deve cobrir. 58 Porém, conscientes da falta de capacitação dos AIS, a EMSI apenas deixam com eles medicamentos de pouca complexidade, como analgésicos. Os AIS, em geral, não parecem entender isso como um princípio do sistema biomédico, mas como uma mostra de exclusão ou da falta confiança das EMSI neles. 59 Os profissionais de saúde explicam este comportamento em função de dois fatores: 1) a dificuldade para transportar o material que necessitam para fazer o atendimento quando a aldeia se encontra a algum tempo de caminhada; 2) ao medo que sentem de ficar em algumas aldeias onde percebem uma animosidade permanente de algumas lideranças indígenas. Este último ponto é revelador da relação tensa entre as EMSI e algumas pessoas de algumas comunidades, mas esse sentimento não deve ser extrapolado
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123
Reivindicações relativas ao trabalho das mulheres que atendem as grávidas e
parturientes nas aldeias.
Continuação dos cursos de capacitação de parteiras. As participantes
afirmaram que queriam conhecer melhor sobre como “o branco” faz o parto
e aprender algumas coisas, como determinar quando a mulher se encontra
em risco, o posicionamento da criança, o uso dos instrumentos, etc. Exigem,
ainda, que nos cursos seja permitida a participação das “acompanhantes”60, e
que lhes seja fornecido o certificado dos cursos realizados.
Que as EMSI convidem as parteiras para fazer o pré-natal das grávidas
durante o atendimento periódico nas comunidades. As parteira consideram
que podem ser úteis com mediadoras entre as equipes e as grávidas.
Que lhes seja fornecido meio de transporte adequado (canoa e motor de
rabeta para o caso de mulheres que moram em aldeias na beira do rio;
motocicletas ou charretes no caso de mulheres que moram nas aldeias da
estrada) para seu deslocamento dentro da área – para atendimento das
grávidas – ou da T.I. à cidade, para encaminhamento de grávidas e
parturientes.
Que lhes seja permitido acompanhar as grávidas para fazer o pré-natal na
cidade.
Que lhes seja permitido acompanhar as grávidas dentro dos hospitais para lá
atendê-las. Igualmente, é reivindicado que os pajés sejam permitidos de
assistir os pacientes internados nos hospitais, quando estes assim o
requeressem. Este aspecto implica o reconhecimento de pajés e parteiras por
parte das instituições biomédicas.
Construção de casas de parteiras nas aldeias. Segundo as participantes, os
partos são realizados normalmente na casa da parturiente ou da parteira.
Porém, como se trata de residências familiares, sempre há muito barulho de
crianças e movimentação de outras pessoas, o qual perturba e incomoda
a todos os casos. Houve muitas pessoas que afirmaram estar satisfeitas, em termos gerais, com o atendimento recebido das equipes. 60 Sobre a figura da acompanhante, ver o ponto 5.2.
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124
tanto à mulher prestes a dar à luz quanto à parteira61. Consideram que contar
com uma casa adequadamente equipada (com cama, rede, fogão para
preparar a comida ou os remédios, filtro de água, armário, combustível para
iluminação, etc.) seria de grande ajuda as parteiras e as mulheres da aldeia,
já que o parto poderia ser realizado numa situação de sossego, e a parteira
disporia de um lugar adequado onde guardar seus materiais e, inclusive, as
plantas medicinais de que faz uso. As comunidades participantes se
disponibilizaram a construir a casa se lhes forem fornecidos os recursos
necessários, como alguns materiais de construção e gasolina para serrar
madeira.
Remuneração das parteiras. Este é um assunto enfatizado por muitas
parteiras. Vários são os argumentos colocados: as parteiras colocam, muitas
vezes, suas próprias vidas em risco; assumem uma responsabilidade mito
grande, já que se acontece alguma desgraça, elas serão culpadas; em muitas
ocasiões, precisam gastar seus próprios recursos para atender uma grávida ou
parturiente; são as únicas que não recebem por realizar um trabalho.
Sabendo da dificuldade de serem oficialmente contratadas, em muitas
ocasiões a reivindicação vai mais no sentido de obter algum tipo de bolsa ou
auxílio. Alguns depoimentos expressam as reivindicações das parteiras:
Eu tenho botado a minha vida em precipício, porque a parturiente está nas mãos da parteira, se ela morrer, o que que vão dizer da parteira? Se for para ganhar um dinheiro, ganhar um motor, eu vou concordar, mas senão, ficar pedindo passagem e aquela mulher morrer e ficarem dizendo que sou eu, que me guarde, não quero não (Dona Onda, 5ª reunião, aldeia Camicuã).
Uma pessoa assim tem uma responsabilidade muito grande, ela é médica, é formada, pessoa assim que vê sangue, que vai lutar. Quanto tempo elas trabalharam de graça para nós? Eu tive cinco filhos, quantas vezes as parentes me salvaram e eu não dei nem uma agulha? Espero que algum dia venha alguma ajuda (Marisina, 6ª Reunião, aldeia Kaiapucá)
61 Lembremos que a intimidade é valorizada na hora do parto, até o ponto de que, em vários casos, quando uma mulher vai dar à luz, as crianças são enviadas para longe, fora da casa.
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125
6.2. A medicina tradicional
Um dos temas importantes tratados pelo projeto é a medicina tradicional.
Mesmo que alguns participantes entendessem as reuniões como um momento para falar
prioritariamente das reivindicações políticas e esse fosse o resultado mais palpável para
eles, o assunto da medicina tradicional permeou as discussões e a própria reunião de
forma geral. Gostaríamos de ressaltar duas questões a esse respeito. Em primeiro lugar,
como já mencionamos anteriormente e tratamos no relatório anterior, os povos
indígenas são cientes de que existe o perigo de que o “tradicional” se perca, de que
costumes antigos têm sido abandonados. Está presente um discurso sobre a importância
de preservar as tradições para manter viva a identidade indígena de cada povo. Essas
idéias estão, ao mesmo tempo, relacionadas, embora não possam ser reduzidas a ela,
com a percepção de que o “tradicional” é um valor na sua relação atual com a sociedade
envolvente. Os processos de resgate e preservação da cultura formam parte das atuais
políticas dos grupos indígenas. É interessante notar que os líderes ou pessoas com
cargos institucionalizados (AIS, professor, AAF), que mantêm uma interação mais
intensa com os representantes institucionais da sociedade envolvente, são os que mais
enfatizam esse discurso, e os que têm mais clareza sobre ele. Isso mesmo nem sempre é
perceptível em outras pessoas. Várias falas durante a reunião refletiram esse
pensamento em relação à medicina tradicional, freqüentemente com certo sentido de
autocrítica e fazendo algumas propostas. As falas a seguir são de uma mulher AIS e de
um dos conselheiros distritais62, que participou na 5ª reunião:
Tem recursos para resgatar, aquilo que era nosso, que deixamos para atrás. A questão da medicina tradicional, não vou fugir do assunto, muitas das coisas não usa como eu vi a minha mãe usando para resolver tais problemas. Eu acredito que existe, mas a gente está deixando de fora mais a partir que a gente aprendeu a tomar remédio da farmácia, porque já está pronto. Muitas das vezes, para ser sincera, para nós é preciso que tenha alguém incentivando, muitas
62 O modelo de saúde indígena atuante na atualidade inclui instâncias de controle social, como são os Conselhos locais e distritais. Cada um deles atua em âmbitos de dimensões diferentes. Em cada DSEI existe um Conselho distrital formado por um 50% de usuários e um 50% de representantes de organizações governamentais dedicadas à saúde indígena. Os conselhos locais estão formados por representantes das comunidades da área de abrangência de cada pólo-base. Através desses conselhos, as comunidades participam no planejamento das ações e acompanham seu desenvolvimento. Os conselhos servem também às comunidades para realizar críticas ao serviço recebido, ou para apresentar propostas
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pessoas já deixaram, esqueceram, e tanto que nem todo o mundo sabe mais como tais ervas servem para tal coisa, um tanto sim, outros não. Eu tinha relatado desde o convênio, como que a gente pode estar trabalhando a questão da medicina tradicional. Hoje eu vejo, tem projetos para resgatar coisas que a gente já deixou de lado (Socorro Apurinã, 4ª reunião, aldeia Nova Vista).
Seria bom, falando em medicina tradicional, que os AIS trabalhassem mais, evitassem mais o químico, seria bom para as parteiras, o AIS incentivar. O AIS precisa junto com as parteiras solicitar apoio para construir uma casa onde pudesse armazenar as medicinas tradicionais, seria bom para as parteiras. Quando ela tem uma paciente, pode ter uma hemorragia, qual o remédio que vai parar de sangrar. [...] Diminui mais o remédio químico e aumenta o nativo, esse conhecimento das parteiras, dos pajés, tem que cultivar a tradição, o nativo (Sucuna, 5ª reunião, aldeia Camicuã).
Como exemplos dos processos de revitalização que mencionamos, podemos
mencionar dois eventos que aconteceram durante a nossa estadia na região. O primeiro,
foi uma festa “tradicional” – xingané – que reuniu as comunidades apurinã da região de
Boca do Acre e Pauini, e foi celebrada na aldeia Camicuã. A festa, que durou vários
dias, consistiu fundamentalmente numa sucessão de cantos e danças. Uma das
características da festa é a fartura de alimentos e bebidas fermentadas. Foram
convidados à festa representantes de instituições que trabalham ou dão apoio às
populações indígenas, e houve um registro audiovisual da mesma63.
Durante a reunião que realizamos em Camicuã, quase todas as noites os mais
velhos faziam xingané, isto é, cantos e danças. Uma das informações que nos foi
comentada é que já poucas pessoas conhecem os cantos e danças do xingané, e que a
grande festa realizada tinha também como objetivo reunir as pessoas detentoras desses
saberes para que os repassassem às pessoas mais novas.
O segundo evento foi uma reunião organizada pela OCAEJ (Organização
Comunitária Agroextrativista Jaminawa) numa aldeia da região de cabeceira do rio
Acre, que juntou representantes de todas as comunidades jaminawa. Um dos focos
principais do evento foi a necessidade de revitalizar a cultura tradicional para não perder
a identidade indígena.
63 Ver anexo 9, onde apresentamos, como exemplo, uma das notícias que foram publicadas na internet sobre o evento.
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127
Outra das idéias que caracteriza o discurso sobre a cultura tradicional, e que está
associada às colocadas anteriormente, é a de que tudo aquilo que seja definido como
“tradicional” tem um grande valor, não apenas em termos identitários ou culturais, mas
em termos de potenciais recursos econômicos. Apoiando-se especialmente na
preocupação pela bio-pirataria, existe um discurso recorrente de que os “brancos”
roubam a cultura indígena para obter grandes benefícios. A rejeição de qualquer
pesquisa se fundamenta, em parte, nessa idéia. Ao longo das reuniões, esse foi um tema
presente, não tanto no que era dito, quanto no que não era dito, e no controle por parte
dos líderes do que não devia ser dito ou traduzido. Prevalece aqui a idéia de “segredo”,
que pode atingir qualquer tipo de informação.
A questão da medicina tradicional deve, portanto, ser enquadrada dentro de essa
preocupação geral pela preservação e o resgate. Em geral, quando se fala em “medicina
tradicional”, as pessoas se referem em primeira instância às plantas medicinais.
Também a prática do pajé é incluída dentro da categoria.
Em relação às plantas e remédios tradicionais, podemos dizer que esse foi um
dos elementos de interesse das reuniões para os participantes. Em vários momentos, a
reunião era tomada por um intercâmbio de receitas e informações referentes às plantas
medicinais. Em todas as reuniões, os visitantes saíram da aldeia levando, não apenas
novas informações, mas mudas de plantas que não conheciam ou não existiam em suas
comunidades. Embora houvesse certa intenção de nos ocultar esse tráfego às técnicas
brancas – precisamente por esse medo a desvelar segredos que devem permanecer
ocultos –, foi evidente o que estava acontecendo e, posteriormente, nos foi comentado
pelas integrantes da Sitoakore.
Outro aspecto que cabe ressaltar é que, embora os profissionais de saúde tenham
a impressão generalizada de que os grupos indígenas da região estão abandonando o uso
das medicinas tradicionais e usando de forma desmedida os remédios da farmácia, a
nossa impressão é que combinam as duas possibilidades terapêuticas conforme a sua
própria lógica. Em ocasiões, o remédio do mato é considerado uma alternativa aos
remédios da farmácia quando estes não estão disponíveis, e, em outras, os
medicamentos da farmácia são usados se o remédio tradicional não funcionou:
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128
Aqui é muita fartura de doença de estômago. Se não trata com remédio da farmácia, se não tem, eu vou procurar remédio do mato, porque eu conheço, que o pai ensinava desde que era pequena. O pessoal dessa comunidade tem conhecimento de remédio tradicional. Se é coisa de doença grave mesmo, eu não posso encaminhar com remédio mesmo, não, aí eu chamo o papai, o papai pergunta como está o paciente doente. Se não melhorar também, ninguém soluciona, só Deus que sabe (Vitória Jaminawa, AIS de Kaiapucá, 6ª reunião, aldeia Kaiapucá).
Na minha aldeia, quando indígena adoece, primeiro o pajé cura, a partir do pajé curar, receita remédio que pode curar essa doença: pipioca, gengibre, pau de porquinho, casca de uxi, casca de jatobá, casca de enjico, conforme a doença. Nossa aldeia nós usamos a medicina tradicional. Se não der jeito, a gente vai para a cidade, para o posto, para o médico e faz consulta. Nós indígena da região da T.I. Agua Preta/Inari usamos dessa maneira, estamos dando continuidade (participante da 4ª reunião, aldeia Nova Vista).
Mencionaram, inclusive, plantas que levam o nome de medicamentos, como
“anadol’. No seguinte depoimento, D. Onda especifica vários remédios que prepara à
base de plantas comuns para tratar diversos problemas que podem afetar a grávidas e
parturientes, como dores durante o parto, hemorragias o mesmo abortos naturais:
Eu faço como D. Lunga, faço caldo de caridade com óleo. Para a dor eu faço chá de alfavaca com chicória; para hemorragia eu faço chá do relógio, carocinho do relógio. Para segurar menino, três meninos eu segurei. Aquela mulher sempre perdia, ela ia no hospital fazer coletagem. Dei chá de couve para ela, daí de para lá, ela segurou tudinho. Quando a mulher está para ganhar, ela não quer comer, faço um caldo com ovos, com manteiga. Quando ela fica sentindo dor de mulher, faz chá de dor de mulher, chá de planta, anadol, chá de sivalena, para parar a dor. A gente pode dar um comprimido de anadol, agora, não tendo anadol mesmo, a gente faz anadol de planta. Também para quando está perdendo sangue (Dona Honda, 5ª reunião, aldeia Camicuã).
Como mostram esses depoimentos, o remédio da farmácia é integrado dentro de
um conjunto de opções terapêuticas como uma alternativa mais que pode ser usada em
combinação com outras “tradicionais”, em função dos resultados que cada uma tenha, e
dos recursos disponíveis. Os participantes insistem que a questão não é tanto a falta de
conhecimento sobre plantas medicinais, mas a preferência por um ou outro em função
de diversos fatores e considerações:
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O AIS já tem o remédio feitinho, e vão pedir para ele, mas as pessoas têm preguiça de preparar, todo o mundo sabe, mas tem preguiça de fazer. Eu sei vários remédios para tos, para diarréia. (Dada, 4ª reunião, aldeia Nova Vista)
Em relação à medicina tradicional ainda, podemos comentar o posicionamento
dos profissionais de saúde. Já registramos no item 6.1.1. que existe a percepção de que
os indígenas não usam mais a medicina tradicional são muito dependentes dos
medicamentos da farmácia. Essa é uma opinião generalizada entre os profissionais com
os quais conversamos. Existe também a idéia de que o incentivo à medicina
“tradicional” ajudaria a reduzir o abuso de medicamentos. Alguns deles explicam que
tiveram iniciativas para incentivar seu uso, receitando remédios naturais, mas os
indígenas não os aceitaram. O médico de Boca do Acre foi além: está coletando
informações e receitas de remédios naturais para ensinar os Jamamadi de Santo Antônio
a prepará-las.
É interessante ressaltar uma questão: existe um entendimento particular do que
seja “medicina tradicional”. Porém, ela não é simplesmente o preparado de remédios à
base de plantas. Muitos grupos indígenas usam plantas como técnica curativa, mas os
conceitos sobre doença e cura, sobre os efeitos esperados do remédio, que estão por trás
desses usos são muito diferentes dos que um profissional de saúde lhes atribui em
função da concepção biomédica sobre as propriedades curativas das plantas. Em outras
palavras – e sem que isto tenha por objetivo negar sua conveniência, já que pode,
efetivamente, ter como resultado a diminuição do consumo de medicamentos -, o que
fazem essas iniciativas é mais introduzir novas opções terapêuticas, do que incentivar a
medicina tradicional.
Por último, gostaríamos de registrar as propostas para incentivar a medicina
tradicional que surgiram nas reuniões.
• Acima já foi colocado o comentário de Sucuna (5ª reunião) para construir
uma casa das parteiras onde fossem guardados, entre outras coisas,
preparados de remédios tradicionais para ser usados no momento necessário.
• Na 4ª reunião foi proposta a criação de viveiros de plantas medicinais
conhecidas pelo grupo, para evitar sua perda e incentivar seu uso.
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• Também na 4ª reunião foi proposto um projeto para incentivar a formação de
pajés, que consistiria em obter recursos para que os jovens de aquelas aldeias
apurinã onde não existem mais pajés pudessem passar o tempo necessário
nas aldeias onde moram os pajés para aprender com eles. Restabelecer-se-ia
assim a cadeia de transmissão de conhecimentos.
6.3. Relação entre parteira, AIS e pajé.
Dado que um dos objetivos do projeto é refletir sobre a possibilidade de
articulação de sistemas entre o sistema público de saúde e os sistemas etno-médicos
indígenas, especialmente no que se refere ao processo de gravidez, parto e pós-parto, é
interessante tratar a relação entre os representantes desses sistemas etno-médicos e os
representantes nas aldeias do sistema oficial de saúde, o AIS. Passaremos, a seguir, a
comentar essas relações a partir dos depoimentos dos participantes nas reuniões.
6.3.1. Sistemas xamânicos
Não existe espaço nesse
relatório para fazer uma
descrição dos sistemas
xamânicos dos grupos
envolvidos no projeto. Faremos
apenas algumas considerações
de caráter geral que ajudem ao
leitor leigo a situar os
comentários posteriores.
Em primeiro lugar,
partimos de uma definição
ampla de xamanismo, não reduzindo-o a um conjunto de práticas específicas, mas
entendendo-o como um marco cosmológico e conceitual que extrapola essas práticas
(Langdon 1996). Essa definição abre a possibilidade para entender que é possível a
existência de xamanismo sem que, necessariamente, existam pajés (Brunelli 1996). Isto
é, em muitas das sociedades que, por diversas circunstâncias histórias entre as quais
Ilustração 27: Pajé jamamadi junto à coordenadora daSitoaköre
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destaca a repressão cultural e social da sociedade envolvente, já não contam com a
presença de xamãs entre seus membros, continua existindo uma forma de entender o
mundo (a doença, a cura, a cosmologia, a relação com o entorno natural, com os
antepassados, etc.) que podemos caracterizar claramente como xamânica.
Um segundo aspecto que gostaria de destacar é que, em muitas sociedades a
prática xamânica não era prerrogativa de um especialista específico, mas estava
generalizada entre os homens, já que em grande medida era necessária para cumprir as
tarefas sociais (cuidar dos parentes, por exemplo) e produtivas (caçar) próprias do
gênero masculino. Os Kulina e os Jaminawa são bons exemplos.
Embora o conceito de “xamanismo” nos permita realizar comparações
elucidativas, ele encobre uma grande diversidade de práticas e cosmologias, e a clareza
dessa diversidade deve estar sempre presente quando tratamos com um conjunto tão
amplo de grupos.
Apesar de que muitos profissionais de
saúde enfatizaram que a pajelança64 está em
decadência na região, em duas das reuniões
foi possível observar que isto não é
necessariamente assim. Especialmente na
aldeia de Nova Vista, onde moram três pajés,
a prática era muito visível e cotidiana.
Durante os dias que permanecemos na aldeia,
era possível escutar à noite as ações de cura
dos pajés, que consistem, fundamentalmente,
em extrair por meio da sucção o objeto
patogênico alojado no corpo do paciente. O
poder do pajé apurinã (meẽtu) (Schiel 2004)
se sustenta na aquisição de umas pedras,
chamadas arabani, que estão alojadas no seu próprio corpo. O pajé pode extrair e
64 Estamos usando pajelança, termo de origem tupi usado, entre outras, na região abrangida pelo projeto, como sinônimo de xamanismo.
Ilustração 28: Seu Euclides, um dos pajés deNova Vista, 4ª reunião
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introduzir essas pedras à vontade, e, da mesma forma que é capaz de extrair o objeto
patogênico do corpo do paciente, tem também a capacidade de enviar os arabani contra
alguém que o tenha ofendido e provocá-lhe uma doença ou a morte. Os arabani também
podem passar para outra pessoa por acidente, sem uma ação intencional do pajé, por
exemplo, através do suor. Por isso, os pajés se mostram reservados e cuidadosos nas
suas relações com os outros. Os arabani, segundo me contaram algumas pessoas em
Nova Vista, são adquiridos por duas vias paralelas que formam parte do processo de
formação do pajé: são dados por outro pajé; ou adquiridos por meio da ingestão de
várias substâncias, entre as quais destacam uma folha chamada katsowaru (Schiel 2004)
e um rapé feito de umas folhas distintas do tabaco. Na aldeia, era possível ver não
apenas os pajés, mas também outros jovens, consumindo rapé. Explicam que muitos
homens velhos têm arabani nos seus corpos, já que os passam uns aos outros, mas para
poder controlá-los é necessário cumprir um período de dieta e isolamento rigorosos.
Também os pajés kulina (dzupinahe) podem curar por meio da sucção. A
substância patogênica por excelência é chamada dori. Mas a cura não é a única
capacidade do xamã kulina. Além de detectar, diagnosticar e curar as doenças, eles
desenvolvem a capacidade de ver os movimentos dos animais durante os sonhos e
chamar aqueles que moram no subsolo, facilitando assim a caça, e dirigem os rituais de
nascimento e morte para proteger a comunidade de diversos perigos.
O processo de se tornar xamã, que todos os jovens devem assumir, consiste na
acumulação de dori no seu corpo por meio, fundamentalmente de dietas, isolamento e
consumo de rapé de tabaco (Pollock 1992). Os xamãs kulina são considerados muito
poderosos e temidos como feiticeiros pelos grupos vizinhos.
Embora os pajés jaminawa (kuxuitia) consumam também tabaco, mas se
poderia dizer que sua prática está fundamentalmente associada à ayahuasca, substância
que produz um estado alterado de consciência e esta muito difundid na região do oeste
da Amazônia, tanto entre as populações indígenas quanto entre as não-indígenas. O
processo de aquisição de poder consiste também num conjunto de dietas rigorosas,
ingestão continuada de substâncias xamânicas e provas como suportar as ferradas de
diversos insetos, mas o xamã jaminawa não cura por meio da sucção, senão por meio de
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cantos através dos quais consegue manipular a realidade (Pérez Gil 2006; Townsley
1993).
Ilustração 29: Pajés Jaminawa, 6ª reunião
Sobre a pajelança jamamadi não obtivemos muitas informações, mas sabemos
que esse povo é temido por seus vizinhos pelo poder dos seus pajés.
Na região de Pauini, existem ainda vários pajés apurinã, embora não em todas as
aldeias. Entretanto, na região de Boca do Acre, as pessoas insistem em que já não
existem mais. Contudo, a importância simbólica da pajelança enquanto elemento
essencial das culturas indígenas continua muito presente, e provavelmente tem
adquirido maior relevância a partir do desenvolvimento dos processos de revitalização
cultural.
6.3.2. A parteira e o pajé
Diferentemente do que aconteceu ns reuniões da primeira etapa do projeto onde
os pajés tiveram uma participação significativa, nessa etapa houve menor número de
pajés participando nas reuniões, e os que participaram, se mostraram reservados, o qual
é considerada uma característica dos pajés.
Na maior parte dos casos, sabemos que os pajés colaboram com as parteiras no
sentido de que constituem uma opção terapêutica quando o parto apresenta problemas
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sérios de hemorragia, por exemplo. Em relação aos Yaminawa, por exemplo, Townsley
registra um canto entoado pelo xamã para tratar uma mulher que depois do parto
continuava sofrendo uma forte hemorragia. Através de metáforas complexas e alusões
míticas o xamã, sob os efeitos da ayahuasca, manipula as qualidades dos elementos
obter controle sobre eles. No caso mencionado, a hemorragia é assimilada à cor
vermelha do sol: da mesma forma que o céu vermelho do por do sol vai se
desmanchando com a chegada da noite, assim mesmo sumirá a hemorragia (Townsley
1988).
Os Jaminawa do Kaiapucá explicam que a parteira recorre ao pajé quando a
parturiente apresenta problemas graves, e também para que faça um tratamento de
proteção para a grávida caso tenha de ser encaminhada para a cidade:
Nós é difícil ir para a cidade. Às vezes precisa, e vai na cidade. (traduzido): Geralmente elas têm acompanhado alguma gravidez das mulheres na cidade, mas muitas vezes ela fica só porque o AIS está ausente. Quando isso acontece, ela procura o pajé, e ele resolve na cidade. Muitas vezes a mulher é encaminhada para a cidade, mas antes é feito alguns processos. Primeiro o pajé faz bebida tradicional65 para que ela possa se manter mais forte para fazer a viagem a cidade, para que ela não tenha problemas na gravidez durante a cidade. O pajé faz tratamento primeiro antes de encaminhar. Quando o AIS está presente, fazem reunião entre eles para ver a solução. Quando eles vêem que não tem solução, eles procuram os médicos da cidade (Alice, traduzido por Aderaldo, 6ª reunião, aldeia Kaiapucá).
Que o pajé continua tendo uma importância grande para os Jaminawa foi
demonstrado por um acontecimento que ocorreu em Sena Madureira quando estávamos
organizando a reunião. Uma jovem jaminawa que mora na cidade estava grávida de oito
meses e teve uma pré-eclampsia66. Sua situação foi muito grave, chegando a estar à
beira da morte e sendo necessário fazer uma cesariana. Apesar da explicação dos
médicos, seu pai, um líder jaminawa, não parecia muito confiante no diagnóstico, assim
que mandou chamar um pajé da aldeia para que tratasse sua filha. Sua preocupação era
se iriam deixar entrar o pajé no hospital e fazer lá o tratamento. Não era esta a primeira
65 Pelo que sabemos sobre os Yaminawa, o mais provável e que se esteja referindo à caiçuma rezada, ou seja, a bebida fermentada de mandioca “rezada” pelo pajé e posteriormente ingerida pelo paciente. A reza do pajé é creditada proporcionar à bebida qualidades curativas e protetoras. 66 Problema que pode acontecer durante a gravidez e está diretamente relacionado com a hipertensão.
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vez que um jaminawa chamava um pajé para tratar de algum doente internado no
hospital. Uma enfermeira do pólo narrou um caso em que os pais de uma criança com
pneumonia grave chamaram também um curador, e o conflito que o fato de ter deixado
os pais levarem a criança ao curandeiro lhe ocasionou com os médicos. Como veremos,
a permissão aos pajés para fazerem seus tratamentos no hospital quando necessário é
uma das reivindicações dos Jaminawa.
Entre os Kulina, o xamã, além de intervir quando a parturiente apresenta algum
problema durante o trabalho de parto, desempenha um papel fundamental na hora do
nascimento de uma criança, já que com os cantos que entoa o protege dos efeitos
daninhos que a substância epetuka’i presente na carne dos animais pode produzi-lhe se
seus progenitores não cumprem os tabus alimentares adequados, e que constitui a
principal causa atribuída às doenças que afetam crianças de curta idade.
Quando nasce uma criança, o xamã/chefe da aldeia dirige as mulheres numa série de cantos entoados à noite, tanto durante o parto quanto imediatamente após o nascimento. Os cantos se referem aos diferentes tokorime (espíritos) que são convidados para demonstrar que não supõem nenhuma ameaça de feitiçaria para a criança, e para serem testemunhas de que a criança não possui dori que possa prejudicar os outros. O feto, e, portanto, também o recém-nascido, está completamente formado pelo sêmen do pai, que está associado ao dori [...] A falta de alma expõe a criança aos perigos de epetuka’i, a influência danosa dos pais que não observam os tabus alimentares adequados [...] Os cantos entoados pelos xamãs com ocasião do nascimento de uma criança o protegem de tais influências [...] (Pollock 1992: 36).
Uma parteira apurinã também pode recorrer ao pajé se a parturiente apresenta
problemas que ela não consegue solucionar. Porém, essa situação representa um risco
para o pajé porque o sangue do parto afeta negativamente seu poder, já que, como
acontece em muitos outros povos amazônicos, o sangue relacionado com o ciclo
reprodutivo feminino é considerado muito prejudicial para o poder xamânico (Belaúnde
2005).
Quando vou assistir com a mulher, quem ajuda mais é AIS, sempre trabalhando em parceria. Agora, os pajés não podem acompanhar a gente embaixo do mosquiteiro, sempre o parto é embaixo do mosquiteiro. No parto a mulher sangra muito, isso eles não podem estar junto. Se a mulher estiver menstruada, ele não para, porque ele fica fraco, mas ele ensina qualquer
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remédio, de lá fora onde ele está ele está vendo como está passando ali dentro (Lucila, parteira, 4ª reunião, aldeia Nova Vista).
Quando a mulher está sofrendo, não podemos chegar perto, depois de dezesseis, quinze dias, se a criança tiver algum problema, nós podemos fazer alguma coisa, curar, mas quando a mulher está sofrendo, nós não podemos chegar perto, então cai a nossa produção. Nosso conhecimento é assim (Sr. Manel, pajé, 4ª reunião, aldeia Nova Vista).
Esses depoimentos explicam o perigo que supõe para o pajé chegar perto de uma
parturiente, mas o Sr. Euclides detalha qual pode ser a contribuição do pajé nessas
circunstâncias. Embora ela fique de fora do mosquiteiro para não entrar em contato com
o sangue do parto, ele vai indicando quais remédios podem ser aplicados para
solucionar os problemas que se apresentam:
Quando meu avô era vivo, o direito de acompanhar a minha mulher quando ganha nenê, pajé tem que estar na hora, só não pode entrar dentro, acompanhar, acompanha mesmo, se tem algum problema, a parteira chama, e ele vai dizendo de fora, remédio que tem, a gente tem que ensinar, as ervas, como ela tem que fazer, com remédio de repente a mulher ganha nenê (Seu Euclides, pajé, 4ª reunião, aldeia Nova Vista).
Também entre os Kaxarari o pajé ajuda a parteira rezando quando a parturiente
está tendo um parto difícil. O interessante do caso kaxarari é que, mesmo nas aldeias
onde já não existem mais pajés, algumas pessoas, como Dona Maria, aprenderam
algumas técnicas:
AIS, parteira e pajé sempre trabalham junto. Os três trabalham na saúde. Os pajés são chamados no último ponto. Papai, quando a gente estava muito aperreado, a gente ia lá. Ele fazia todo tipo de reza e cantava para a mulher ganhar. Eu não aprendi essas músicas, mas a D. Maria sabe, e a gente vai aprender com ela. Isso nunca vai acabar para nós (Marisina Kaxarari, 6ª reunião, aldeia Kaiapucá).
Meu pai sabe também que ele é pajé, ele é curador, ele curava o pessoal quando doente, naquele tempo que não tinha remédio, meu pai me curava. Quando a mulher estava sofrendo, ele ajudava a rezar para ganhar normal. Aí também, minha mãe sabe também, eu aprendi, quando a mulher está sofrendo muito, eu canto (Dona Maria Kaxarari, 6ª reunião, aldeia Kaiapucá).
Por último, falta apenas comentar que além dos pajés propriamente ditos, entre
os Apurinã existem também as figuras dos rezadores, que têm mais a ver com a tradição
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dos não-indígenas. Estas figuras têm um papel importante na cura de doenças que
afetam a crianças pequenas, especialmente aquelas classificadas como “mal de criança”
ou “quebranto”, categorias que não parecem ter uma sintomatologia muito definida, mas
que provavelmente incluem entre outras doenças o tétano. Segundo as pessoas que
comentaram a questão, nem os pajés nem os médicos podem tratar essas doenças;
apenas o rezador é capaz de fazer o tratamento adequado.
6.3.3. A parteira e o AIS.
Os comentários referentes à
colaboração entre a parteira e o pajé foram
similares em todas as reuniões. Existiam
diferenças entre as diversas comunidades
representadas quanto ao fato dessa
colaboração já ter sido estabelecida ou não. O
que se discutiu foi, essencialmente, quais
eram os aspectos em que as parteiras e os AIS
podiam colaborar. As mulheres deixam muito
claro que o AIS homens não podem estar
presentes na hora do parto: a parturiente não
vai aceitar ser vista nesse estado por um
homem que não seja seu próprio marido.
Entretanto, nos casos onde o AIS é uma mulher, a colaboração com a parteira é estreita
mesmo na hora do parto. Cabe destacar que, em todos os casos que encontramos, a AIS
tinha uma relação de parentesco próxima com a parteira: em dois casos AIS e parteira
eram irmãs (aldeia Kaiapucá, aldeia Jagunço II), e em outro eram mãe e filha (aldeia
Guajarrahã). Nesses casos pode acontecer que a própria AIS atue eventualmente como
acompanhante da parteira.
Vários pontos foram levantados em relação à colaboração entre a parteira e o
AIS. Em alguns casos, se trata de ações que já estão sendo realizadas dentro de algumas
comunidades; em outros, são propostas surgidas e discutidas durante as reuniões, por
meio das quais se pretende melhorar a colaboração entre ambos, já que todo mundo
Ilustração 30: Neusa (parteira) e seu maridoLauro (AIS) durante a 6ª reunião.
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concorda em que é importante. Nesse sentido, foi interessante perceber que as
experiências de alguns participantes eram levadas em conta por outros, que
explicitavam sua intenção de realizá-las em suas comunidades.
Um dos aspectos em que o AIS e a parteira colaboram é na aproximação às
grávidas. Uma das funções do AIS é fazer o seguimento das grávidas dentro das aldeias
para fornecer os dados às EMSI e se assegurar de que estão fazendo o pré-natal, e
registrar qualquer problema que a grávida esteja sentindo para, em caso de necessidade,
encaminhá-la para a cidade. Porém, muitas vezes as mulheres sentem vergonha de falar
com o AIS sobre questões relacionadas com a gravidez. É interessante notar a esse
respeito que dentro das comunidades, quase todas as pessoas são parentes. A jocosidade
e o sentimento de vergonha caracterizam certos tipos de relações de parentesco67. Nesse
sentido, a parteira tem um papel importante como intermediária entre o AIS e as
grávidas. Os AIS que participaram na reunião de Nova Vista comentam as melhorias
que trouxe a nomeação de uma parteira oficial dentro da comunidade:
Acho que melhorou muito a situação da parteira e também da minha parte, porque quando era só eu como AIS que trabalhava na aldeia, tinha dificuldade de chegar, conversar da grávida, perguntar alguma coisa, eu tinha essa dificuldade com a mulher. Agora que ela, a Neuza, recebeu esse curso, me ajudou muito, além de mim, ela orienta a grávida. Agora estamos trabalhando em parceria, que um ajuda muito o outro. (AIS da aldeia Nova Esperança, 4ª reunião, aldeia Nova Vista).
Já tenho tempo trabalhando como AIS. Antes não tinha parteira, depois desse curso que começou a ter parteira nas aldeias. Ela que traz as informações para mim, a gente trabalha com cadastro, eu vou perguntando para ela quantas gestantes tem, se tem algum problema, eu anotando isso que é a produção do AIS, e a produção dela. A gente tem que prestar conta. A gente tem uma dificuldade de chegar a uma mulher e perguntar se está gestante. Às vezes o marido pode achar ruim, agora não, vou diretamente com a parteira, e ela me diz quantas, com quantos meses. Depois na hora do parto a gente vai lá e registra. E com o pajé, eu trabalho diariamente com ele, de acordo com o que ele diz, a gente encaminha ou não. Eu espero primeiro por eles. Se eles não resolvem, a
67 Na maior parte dos grupos que estamos considerando, o casamento e as relações de caráter sexual, por exemplo, se dão, preferencialmente, entre primos cruzados (filhos de irmãos de diferente sexo). Os primos cruzados de diferentes sexos mantêm entre si uma relação marcada pela jocosidade e a potencialidade da relação sexual, seja ou não consumada. Isso torna impensável para uma mulher falar com um primo cruzado sobre seu estado de gravidez, mesmo que ele seja AIS.
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gente encaminha para Pauini, se resolvem, já não tenho minha responsabilidade. (Juvenil, AIS da aldeia Nova Vista, 4ª reunião, aldeia Nova Vista).
Por sua parte, o AIS da aldeia Camicuã comenta que, até o momento, a
colaboração entre eles e as parteiras tem sido limitada, mas, escutando seus parentes, se
propõe a emendar essa situação. Explica, ainda, que a comunidade escolheu uma AIS
mulher precisamente para poder atuar como intermediária com as mulheres.
Ainda as parteiras não me procuraram, na hora que elas me procurar, para pesar, medir, eu vou ajudar, mas até agora não me procuraram (Sr. José, AIS de Camicuã, 5ª reunião, Aldeia Camicuã).
Para as parteiras, a colaboração do AIS é fundamental em três aspectos. Em
primeiro lugar, no registro das crianças quando nascem. A maior parte delas,
especialmente as que não são novas, não sabe ler e escrever. Uma de suas funções,
especialmente a partir do momento em que são oficialmente designadas e reconhecidas
pelo pólo, é registrar o nascimento das crianças, e fazer algumas medições, como pesar
ou medir a cabeça. Muitas delas não sabem realizar essas tarefas, de forma que precisam
a ajuda do AIS ou de alguma outra pessoa que saiba ler e escrever, normalmente seus
filhos:
Na minha aldeia não tem pajé, quando a gente estava na aldeia do meu sogro, tinha pajé, mas ele morreu. Agora tem AIS, quando ele não está em casa, eu fico, quando a mulher ganha nenê, eu peço meus filhos para anotar. Eu mando logo pesar, depois dá para o AIS. O AIS não ajuda quando não está, mas quando está ele ajuda. Se a mulher passa mal, ele acompanha (D. Corina, parteira apurinã, 4ª reunião, aldeia Nova Vista).
Outras parteiras comentam que o AIS precisa estar perto, mesmo que não
presente, quando está acontecendo um parto para poder realizar com presteza o
encaminhamento em caso de que haja uma complicação inesperada.
AIS é junto com nós, na hora que vai ganhar ele fica junto, se nascer a criança ele pesa; se não ganhar, passa dois, três dias sofrendo, ele manda para a cidade (D. Rita Kaxarari, 6ª reunião, aldeia Kaiapucá).
Por último, a comunicação e o repasse de informações entre o AIS e a parteira
deve ser fluída para organizar o encaminhamento das grávidas quando necessário.
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Quando as mulheres fazem avaliação e vêem que tem possibilidade de fazer o parto, o fazem na comunidade, caso contrário pedem apoio ao AIS para encaminhar a paciente para a cidade. Quando é feito parto na comunidade, o AIS está por perto, elas só solicitam a participação do pajé quando o paciente está muito ruim. Quando a mulher está passando mal, os dois conjunto solicitam a presença do pajé. Mas normalmente é só a parteira. Muitas vezes a mulher não é levada para a cidade porque o pajé se responsabiliza da situação (Angélica Jaminawa, traduzido por Aderaldo, 6ª reunião, aldeia Kaiapucá).
6.4. Parto na aldeia/parto no hospital
Entre os objetivos do projeto destacam 1) a valorização do trabalho dos
detentores de saberes da medicina tradicional indígena, como são as parteiras e os pajés
e 2) a obtenção de um conjunto de conhecimentos e informações que subsidiem
propostas de ações, visando a articulação do sistema médico nativo e o sistema
biomédico. Algumas das informações relevantes para avaliar o primeiro ponto e
alcançar o segundo são, em primeiro lugar, dados que indiquem a porcentagem de
mulheres indígenas que estão recorrendo às parteiras das aldeias para que as assistam no
parto, e a de mulheres que estão preferindo usar os serviços públicos de saúde; e, em
segundo lugar, as razões que as levam a fazer uma escolha ou outra.
Já apresentamos no item 6.1. dados referentes à utilização dos serviços públicos
de saúde em relação ao parto por parte das mulheres de algumas etnias. Esses dados
fornecem um panorama da porcentagem de partos realizados nas aldeias e partos
realizados nos estabelecimentos do SUS, atualmente, entre algumas das etnias
consideradas68. Na presente seção, apresentaremos e analisaremos os depoimentos dos
participantes das reuniões e dos profissionais de saúde em relação a essa questão. Trata-
se aqui de apontar certos aspectos do itinerário terapêutico das grávidas, mesmo que
para um aprofundamento do mesmo seria necessário realizar trabalho de campo dentro
das aldeias. O discernimento dos critérios que usam para escolher uma alternativa ou
outra nos dá subsídios para tratar duas questões importantes:
1) Como mencionamos anteriormente, os profissionais de vários pólos-base
comentam – e os dados mostram -, que entre alguns povos se percebe, nos últimos
tempos, uma maior afluência das grávidas para dar à luz no hospital. O
68 Já mencionamos que, infelizmente, nem todos os pólos-base estão atentos ao registro desses dados.
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encaminhamento se justifica quando se detecta que o parto pode apresentar
problemas. Entretanto, a ida das grávidas para a cidade em condições normais
implica alguns problemas, como o risco envolvido na própria viagem, ou a falta de
recursos para se manterem na cidade. Além disso, esse comportamento sistemático
pode estar envolvendo uma desvalorização dos recursos terapêuticos que existem
dentro da própria aldeia, e para os objetivos do projeto resulta vital entender por que
isso acontece. Cabe mencionar, ainda, um aspecto que já comentamos no primeiro
relatório etnográfico: existe um discurso claro e unânime entre as participantes
indígenas sobre as vantagens que o parto na aldeia representa frente ao parto no
hospital. Frente à humanidade do parto na aldeia, o parto no hospital é descrito como
desumanizado. Levando em conta que está aumentando o número de mulheres
indígenas que escolhem dar à luz no hospital, nos defrontamos ante uma contradição
entre o discurso e o comportamento.
2) Dado que um dos objetivos da FUNASA é fornecer um atendimento de saúde
diferenciado à população indígena, é necessário saber em quais pontos o
atendimento no hospital é problemático para elas, para poder propor mudanças que
permitam melhorá-lo, articulando assim o sistema biomédico e o sistema nativo
relativo ao parto.
6.4.1. Comparação entre o parto na aldeia e o parto no hospital
Iniciaremos esta reflexão descrevendo a comparação entre ambos os tipos de
parto, que foi similar nas três reuniões. Em geral, se considera que o parto na aldeia é
melhor porque no hospital as mulheres não são bem tratadas. Enquanto na aldeia
contam com os cuidados e o carinho dos seus familiares, no hospital, segundo os
depoimentos das participantes, são deixadas sozinhas no quarto, sofrendo, até que a
criança começa a sair. Uma das principais reclamações é que nos hospitais e
maternidades não deixam nenhum parente ou parteira ficar acompanhando e cuidando
da parturiente, mas, ao mesmo tempo, as enfermeiras não dão a atenção considerada
adequada pelas mulheres indígenas.
Na aldeia a gente tem mais carinho do que na cidade, tem o carinho das parentes. No hospital eles não querem que fiquem pessoas com a grávida, a deixam sozinha, e por isso muitas mulheres não querem. Na aldeia a gente faz o
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remédio, faz tudo para elas (Lucila, parteira apurinã, 4ª reunião, aldeia Nova Vista).
É importante a gente acompanhar a grávida no hospital, porque a gente sabe que as enfermeiras não vão cuidar bem dela, como a gente cuida. Elas ficam sozinhas dentro daqueles quartos. Muitas vezes elas ganham sozinhas, lá encima da cama, não as levam nem para a sala de parto. Elas ficam com medo de ir para o hospital. A gente não acompanha elas, elas não deixam a gente entrar, então elas ficam com medo de ir para o hospital que não querem ficar sozinhas, aí elas preferem ficar na aldeia (Caci, 5ª reunião, Aldeia Camicuã).
Às vezes, o atendimento fornecido no hospital não é apenas pouco atencioso,
mas absolutamente inadequado.
Para mim elas não concordavam não, mas desde que uma vez eu levei uma mulher para ganhar no hospital, quando eu cheguei não deixaram eu ficar com ela. Eu fui. Quando eu voltei de manhã, ela estava caída entre a cama e a parede de cabeça para baixo, toda babada, quando eu cheguei eu falei: “vocês vão me pagar, eu quis ficar com a mulher e vocês não me deixaram, eu vou denunciar vocês”, chega lá “Dona Onda não faça isso, a gente não sabia que ia acontecer isso”. Elas não concordam que ninguém fique não. (D. Onda. 5ª reunião, Aldeia Camicuã).
Outro aspecto comentado a esse respeito é que depois do parto, a mulher deve
sair logo do hospital, o qual é considerado pelos indígenas como prejudicial para a
saúde da mulher, que após ganhar nenê deve ficar fazendo resguardo:
Quando a gente vê que a criança está normal, aí tem em casa mesmo, mas quando está sofrendo um dia, dois dias, tem que vir no hospital. Fica melhor para a gente cuidar da paciente em casa. No hospital tem que sair logo, em casa não tem esse costume, quando ganha não pode sair para o tempo. Na aldeia, quem faz as coisas é eu mesmo. Na cidade é mais diferente. Ganhou, já está bom. Lá em casa não sai para o tempo, no hospital sai, aí dá problema, dá dor de cabeça, dá mais problema. (D. Raimunda, 5ª reunião, Aldeia Camicuã).
Igualmente, o tratamento dado à criança choca com as concepções indígenas
sobre como as coisas devem ser feitas.
Na cidade não presta, ninguém não liga não, parteira tem cuidado: “aonde é a dor?”, “aqui”, aí a gente esfrega, “aqui dói”, a gente esfrega. Na cidade ninguém liga, fica conversando. Por isso ninguém quer ganhar na cidade, só uma vez minha nora porque tinha que assinar os papéis dela que é professora e ganhou, mas ninguém quer. Só quer quando é preciso que tem perigo, mas se não, ninguém quer. Na aldeia tu toma um chazinho; na cidade bichinho nasce, pendura, fica pendurado cabeça para baixo, nós não, a gente tem paciência,
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limpamos com cuidadinho, se está ficando roxinho tem que chupar o nariz dele, mas branco na cidade não, ninguém não chupa o nariz. Na cidade pega de mau jeito. Na aldeia é melhor que tem cuidado. Meu povo ninguém não quer ganhar na cidade (Dona Corina, parteira, 4ª reunião, aldeia Nova Vista).
Outras razões alegadas pelas participantes nas reuniões se referem ao tratamento
que o corpo da mulher recebe no hospital. Em primeiro lugar, as mulheres se sentem
horrorizadas ante a prática da episiotomia69 própria do parto hospitalar. Segundo elas, as
parteiras não precisam fazer esse corte. Em segundo lugar, as mulheres jaminawa70
expressam seu incômodo ante o fato de serem obrigadas no hospital a dar à luz deitadas
em vez de ficar de cócoras71. Essa postura não apenas é considerada inadequada para o
parto, mas gera um sentimento de vergonha nas mulheres porque expõe, aos olhos dos
outros, partes íntimas dos seus corpos.
Elas têm vergonha das partes íntimas delas. Elas não gostam de ganhar nenê na frente de todo o mundo, e menos ganhar nenê deitado. Sempre elas querem ganhar em pé. Então essas são as desvantagens na cidade (Angélica, traduzido por Aderaldo, 6ª reunião, aldeia Kaiapucá).
Outras reclamações feitas se referem à inadequação de alimento fornecido à
parturiente no hospital – já vimos que o controle alimentar no pós-parto, conforme as
concepções indígenas, é importante para manter a saúde da criança e da mãe e para que
os peitos dela produzam leite -; e ao fato de impedir que a parturiente coma alguma
coisa antes do parto. Para as indígenas isso é necessário porque ela vai precisar de força
e resistência para enfrentá-lo.
De forma geral, quando as mulheres vão dar à luz no hospital devem se adaptar
às formas das enfermeiras e médicos, renunciando a suas próprias práticas. É por causa
disso que, algumas mulheres, como as Kulina, se resistem a recorrer aos serviços do
hospital, mesmo conscientes dos riscos implicados quando permanecem na aldeia :
69 Corte na mucosa vaginal e os músculos superficiais do períneo, a fim de aumentar o orifício da vulva e facilitar a expulsão do feto no momento do parto. 70 Lembremos que no caso de outras etnias, como os Apurinã, os parto não é de cócoras, mas deitado, de forma que a questão da postura do parto não é uma reclamação tão importante. 71 Belaúnde registra o mesmo tipo de reclamação entre as mulheres Yine do Peru: “uma das principais razões pelas quais as mulheres yine rejeitam ser atendidas pelos profissionais médicos, é porque não lhes é permitido ficar em pé. “A enfermeira me disse que ficara deitada na cama”, explicou-me uma mulher, “mas eu não podia ficar aí. Sentia um peso no peito e estava desesperada por ficar em pé. A enfermeira me disse “bota força, bota força”, mas como poderia eu fazer força estando deitada sobre as minhas costas?”. Original em espanhol, tradução nossa.
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Eles não vêm para a cidade para ganhar nenê. Acontecem algumas mortes quando tem um parto é perigoso porque não tem transporte para trazer a grávida na cidade, mas elas também preferem ser na aldeia porque o parto é totalmente na tradição (Teresina Kulina, traduzido por Letícia, 6ª reunião, aldeia Kaiapucá).
Maria também não gosta de vir para a cidade, porque já é costume tradição da mãe, da avó. Sempre tem parto tradicional. Quando vêem para a cidade, o doutor não gosta, fala, eles ficam com raiva, então preferem não vir, porque quando tem algum problema da placenta não estiver despachado todo, normalmente tem chamado o pajé, ele faz as coisas e expulsa a placenta. Por isso elas não vêem mesmo para a cidade ganhar nenê. Elas preferem ficar na aldeia que ninguém fala nada (Maria Kulina, traduzido por Letícia, 6ª reunião, aldeia Kaiapucá).
Enfim, o deslocamento à cidade sempre implica risco e o gasto de recursos em
combustível, alimentação e hospedagem.
Parto na aldeia é mais fácil, a gente não vai gastar, a gente não vai passar fome, a gente se sente mais melhor, mais feliz. Depois dela ganhar, a gente ajeita ela, vai dormir. Quando a gente leva ela para a rua, tem que levar quase a força porque ela não quer ir. (Dona Onda, parteira, 5ª reunião, aldeia Camicuã).
No caso de alguns grupos isto pode ser um motivo para não ir à cidade;
entretanto, para outros, especialmente os Jaminawa e os Kulina, não parece constituir
um obstáculo, como enfatizaram os profissionais de saúde que os atendem. Se eles
decidem ir à cidade, não reparam nas condições precárias às que vão estar submetidos, o
qual implica problemas em termos sociais e sanitários aos quais os pólos nem sempre
podem dar solução.
A comparação entre o parto na aldeia e o parto na cidade, conforme a
perspectiva indígena, aparece resumida na tabela abaixo:
Parto na aldeia Parto na cidade
Trato desconsiderado. Preconceito, maltrato e discriminação.
São colocados problemas para a parteira indígena acompanhar a mulher durante o parto. Falta de meios (alimentação e hospedagem) para subsistir na cidade.
As mulheres se sentem cuidadas e protegidas pelo entorno familiar. Recebem carinho, cuidados, e dispõem da manutenção adequada.
Dificuldade da parturiente se comunicar com as enfermeiras e médicos quando não fala bem português.
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As mulheres experimentadas sabem realizar o parto sem fazer o corte para aumentar o orifício da vulva.
Realiza-se um corte (episiotomia) para aumentar o orifício da vulva.
Possibilidade de manter costumes direcionados a preservar a saúde da mãe e da criança, e a recriar os laços sociais. • Enterramento da placenta. • Dietas, banhos, uso de ervas medicinais.
Impossibilidade de cumprir certos costumes: • Não disponibilização da placenta por parte do
estabelecimento de saúde. • Dificuldade para cumprir a dieta adequada no pós-
parto. O alimento do hospital não é adequado. • A mulher deve sair logo do hospital, o qual é
prejudicial para sua saúde segundo os parâmetros indígenas
Não há necessidade de realizar viagem. Necessidade de fazer uma viagem, muitas vezes longa e sofrida e sem recursos, até a cidade.
Se dá algum problema durante o parto, não há disponibilidade de transporte rápido para deslocar a mulher até a cidade, de forma que a vida da mulher e da criança é colocada em risco.
Se dá algum problema, se sentem mais seguras com os meios existentes no hospital.
Menos problema para fazer o auxílio maternidade. É mais problemático para fazer o auxílio maternidade porque a pessoa tem que demonstrar que não mora na cidade.
Jaminawa: Liberdade para escolher a postura (parto indígena de cócoras).
As mulheres devem dar à luz deitadas e sentem vergonha porque as partes íntimas do seu corpo ficam expostas.
Em função dessa comparação, fica evidente que os pontos positivos do parto na
aldeia são muito mais numerosos do que no parto na cidade.
6.4.2. A utilização dos serviços públicos de saúde por parte das mulheres indígenas para a realização do parto.
Diante da constatação de que para as participantes o parto na aldeia é muito
melhor do que o parto na cidade, cabe se perguntar, então, qual é a razão de que, em
vários dos casos, o número de mulheres que decidem fazer o parto no hospital esteja
aumentando. Vejamos a esse respeito os dados e as impressões que temos sobre essa
questão, às vezes contraditórios entre si:
Região de Pauini ● As participantes Apurinã e Jamamadi afirmam que as mulheres das suas
respectivas aldeias não vão quase nunca ter o parto no hospital. ● A respeito das comunidades de Pauini, as enfermeiras afirmam que as mulheres
indígenas da região quase nunca vão para a cidade ganhar nenê. ● O AIS de Nova Vista reclama de que as mulheres mais novas estão, cada vez
mais, querendo ir à cidade.
Região de Boca do Acre
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● As participantes Apurinã na reunião de Camicuã argumentam que as mulheres apenas vão ganhar nenê na cidade quando existe um risco evidente. Caso contrário, preferem ganhar nenê na aldeia.
● As enfermeiras e administradora do pólo-base de Boca do Acre afirmam que as mulheres apurinã estão, cada vez mais, usando os serviços públicos de saúde para realizar o parto. Não acontece a mesma coisa com os Jamamadi da aldeia Santo Antônio.
Região de Sena Madureira ● Sobre os Jaminawa, o administrador de Sena Madureira explicou que antes as
mulheres se resistiam a ganhar nenê no hospital, mas que, atualmente, está aumentando o número de mulheres que vão para a cidade.
● A enfermeira do pólo-base afirmou que um bom número de mulheres prefere recorrer aos serviços públicos porque tem medo de dar à luz na aldeia e algum problema acontecer.
● Algumas parteiras jaminawa e kaxarari reclamaram que depois que elas começaram a fazer os cursos, aumentou o número de mulheres que vão àcidade ganhar nenê na cidade.
Região de Santa Rosa do Purus ● As mulheres kulina e kaxinawa afirmam que apenas em caso de problemas,
recorrem aos serviços da cidade para o parto. ● Uma enfermeira que trabalhou no pólo-base de Santa Rosa afirma que as
mulheres indígenas da região apenas vão dar à luz na cidade quando é detectado algum problema durante o pré-natal, como, por exemplo, que a criança esteja numa posição difícil para o parto ou a grávida tenha pressão alta.
Região de Assis Brasil ● Segundo o administrador do pólo-base em Assis Brasil, as mulheres indígenas
da região apenas dão à luz no hospital quando se detecta algum risco, ou em casos de mães principiantes. Caso contrário, parem nas aldeias.
A partir dos dados apresentados no item 6.1., e em função das impressões dos
participantes e dos profissionais de saúde aqui apresentados, podemos desenhar o
seguinte panorama: de forma geral, as mulheres indígenas continuam tendo os partos
preferencialmente nas aldeias; entretanto, nos últimos anos se percebe um aumento do
número de mulheres que escolhem dar à luz no hospital, mesmo não havendo risco para
tanto. Esse aumento ocorre, principalmente, no caso de algumas etnias específicas: os
Apurinã, os Jaminawa e os Kaxarari. Em relação aos Jamamadi, os dados fornecidos
pelo pólo-base de Boca do Acre mostram que existe uma diferença entre os Jamamadi
da aldeia Santo Antonio, que apenas recorrem aos serviços públicos de saúde quando
são detectados problemas no parto, e os Jamamadi das aldeias que ficam perto da
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147
estrada. Os dados evidenciam que no último ano os dois partos de indígenas jamamadi
das aldeias Goiaba e Iquirema foram realizados no hospital. Quanto aos povos indígenas
da região de Santa Rosa do Purus (Kaxinawa e Kulina), os poucos dados que possuímos
parecem indicar que continuam dando à luz preferencialmente nas aldeias.
Mesmo que os dados sejam parciais e fosse necessário ter uma dimensão mais
diacrônica sobre a o comportamento das mulheres indígenas em relação a essa questão,
o que possuímos mostra claramente um aumento do número de mulheres que vão aos
hospitais para dar à luz. Cabe então se perguntar sobre as causas desse fenômeno.
A principal razão apontada durante as reuniões, a esse respeito, é o medo a que
aconteça alguma dificuldade durante o parto estando na aldeia, e que não seja possível
se deslocar a tempo até a cidade, colocando em risco a vida da parturiente e a da
criança.
Esse ponto merece uma reflexão. Ao perguntar às participantes se conheciam
muitos casos de mulheres que tivessem falecido nas aldeias por causa dos partos, a
resposta era, geralmente, negativa. As participantes aludiram a casos complicados, mas
que não chegaram, pelo menos em tempos recentes, a desencadear a morte da
parturiente. Os dados fornecidos pelo DSEI/Alto Purus relativos a 2004 e 2005 não
registram nenhuma morte por parto, nem os atuais profissionais dos pólos lembram de
nenhum caso do qual eles tenham conhecimento. Algumas das participantes das
reuniões mencionaram casos que ocorreram num passado relativamente distante. Não
queremos com isto dizer que o risco de morte por parto seja inexistente. Sabemos, de
fato, que recentemente faleceu uma mulher katukina da aldeia Sete Estrelas72 a causa de
um parto complicado e a impossibilidade, por falta de meios, de deslocar a mulher a
tempo para a cidade de Tarauacá. Assim, mesmo que ocasionais, esses desafortunados
casos, acontecem e devem ser levados em conta. Contudo, os participantes consideram
que, mesmo havendo um risco real, a idéia de que existe tem sido enfatizado,
reforçando o sentimento de medo. Nesse sentido, responsabilizam desse fato às EMSI,
72 A aldeia Sete Estrelas se encontra no rio Gregório, na região de Taraucá (Juruá). Embora se trate de um caso acontecido na região do Alto Juruá, o trazemos aqui como exemplo e constatação do perigo existente. A informação foi fornecida pela Sitoaköre.
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148
por se considerar que estão contribuindo a criar um estado de ansiedade nas mulheres ao
enfatizar a possibilidade de perigos que posteriormente não se concretizam:
Essas enfermeirinhas que apareceram no pólo agora, fazem o pré-natal das mulheres daqui, falam que estão em perigo, aí as pobrezinhas ficam com medo, aí vai, e às vezes não tem nem perigo (Mª Sinzino, parteira, 4ª Reunião, aldeia Nova Vista).
É por causa do incentivo e do risco que as enfermeiras colocam. Elas criam... a enfermeira diz (para ir na cidade), e não entanto chega lá e dá o parto normal. Diz que está sentado, que está atravessado (Socorro, AIS, 4ª Reunião, aldeia Nova Vista).
Lá em casa minha comunidade nunca veio para o médico, agora só que veio, agora a filha da comadre Marcela, ela alarmou logo antes. Nós não queria que ela ganhasse na cidade, nós queria que ela ganhasse na aldeia, aí ela alarmou logo, aí todo o mundo com medo, levaram ela para Pauini, mas eu disse, “ela não está em perigo, está bom, vai chegar o momento, e ela vai ter o bebê dela”. É nervoso.” Foi para Pauini, chegou e ganho. A culpa foi dela, que alarmou logo, uma menina primeira ela teve, ela disse que dor não era igual, mas não é igual toda dor (D. Corina, 4ª Reunião, aldeia Nova Vista).
Mas se a gente vai falar que é para ganhar na aldeia e ela diz que o médico falou que ela está em perigo, que que a gente vai fazer? É deixar (participante, 4ª Reunião, aldeia Nova Vista).
Esse medo parece ser mais freqüente entre as mulheres novas, e, especialmente,
entre aquelas que são mães por primeira vez:
As meninas hoje, primeira vez das suas gravidez, não querem ter bebê por causa de risco de vida. Essas que estão grávidas novas elas pretendem ganhar na cidade, não na comunidade (Angélica, traduzido por Aderaldo, 6ª reunião, aldeia Kaiapucá).
Eu estou satisfeita desses cursos, só o que eu estou achando ruim é que as mulheres de hoje já não querem ganhar na aldeia, com medo. Quando chega o mês de ganhar, “eu não vou ganhar aqui, eu vou ganhar na rua, eu quero que a senhora vá mais eu”. “Vou, que eu sou parteira”. Vou junto com elas. Da onde eu vou gastar com as bochudas?, do meu bolso, às vezes o marido quando tem dá uma ajuda. Nós trabalha sem ganhar nada, e ainda gasta o que é da gente, e a gente agüenta muita humilhação. A gente tem que fazer o que elas querem. (Dona Lunga, 5ª reunião, Aldeia Camicuã).
Diferentemente, em outros depoimentos se acusa às mulheres de não estarem
valorizando os recursos humanos próprios das aldeias e de utilizar o parto como uma
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escusa para ir à cidade, que constitui um lugar de atração inegável, por meio do
encaminhamento do AIS. A solução, nesse sentido, cabe à própria comunidade, que
deve incentivar o parto na aldeia, especialmente entre as mulheres mais novas:
Quando ganham na aldeia é porque o parto é normal. Melhor mesmo é ter na aldeia. Quando tem dificuldade, tem que ir no hospital. É melhor que o pessoal jovem... a gente tem que conscientizar o pessoal jovem que quando seja parto normal, seja na aldeia, se não é normal, na cidade. Eu já vi uma parenta minha ter parto no hospital. As enfermeiras não cuidam das pessoas no hospital como na aldeia. Aquela minha parenta, teve a criança sozinha, não tinha nem enfermeira. Nós em Pauini somos discriminados. Deixam as pessoas sozinhas lá, “deixa esses caboclos para lá”. Tem que conscientizar esses jovens, se o parto é normal, vamos ter na aldeia, se for complicado, vamos na cidade (Francisco, AIS, 4ª Reunião, aldeia Nova Vista).
Eu quero colocar assim também, eu não quero criticar, mas a parteira tem por obrigação estar orientando as mulheres nas aldeias para ganhar as crianças nas aldeias, eu não quero citar nenhum nome, mas tem várias mulheres que conhecem Pauini, aí quando sai grávida inventa qualquer coisinha e só quer ganhar na cidade, isso dificulta o trabalho tanto da parteira quanto do a AIS. Tem que ter uma consciência, da liderança, do AIS, da parteira estar falando para essas mulheres ou os maridos, se ela ganhar na aldeia é uma importância que está dando para nós, melhor do que estar ganhando em Pauini, Rio Branco, que às vezes não tem necessidade, então que a parteira deve estar orientando às mulheres que estão saindo grávidas agora, que ganhe na aldeia, que valorize o trabalho da parteira, porque se a parteira só acompanha até esse período, e o parto? Como ela vai escrever, porque acho que toda parteira tem um talão de registro, com é que ela vai registrar essa criança, vai dizer que nasceu em Pauini? Isso dificulta o trabalho da parteira e diminui a produção dela. Aumenta a produção para o SUS e diminui para nós. (Juvenil, 4ª reunião, aldeia Nova Vista)
Um ponto que cabe comentar a esse respeito é a reclamação das parteiras
kaxarari e jaminawa. Segundo elas, antes de fazerem o curso de parteira, faziam partos
nas aldeias continuamente, mas depois que começaram a fazer os cursos, algumas
mulheres das comunidades não querem mais ter o parto nas aldeias e preferem ir para os
hospitais73. O comentário de um dos líderes jaminawa que participou na sexta reunião
73 Lembremos que nessas duas etnias se registra nos últimos anos um aumento do número de partos realizados nos hospitais (ver gráficos X), o qual é corroborado pelas observações dos profissionais de saúde.
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problematiza um dos efeitos que os cursos de capacitação de parteiras parecem estar
tendo:
Não sei de que forma esses cursos são trabalhados, porque para ampliar os conhecimentos delas, tem que colocar primeiro o conhecimento delas, como elas vêm trabalhando, porque elas já têm seus preparos, e nesses cursos as coisas mudaram por não ter conhecimento das qualidades delas. Porque hoje muitos parentes preferem levar a mulher, a filha, para a cidade. Antes as mulheres confiavam muito nessas velinhas. As parentas não estão valorizando mais as parteiras devido a essas qualidades, porque muitas vezes, algum equipamento que vem doado desses cursos, “as parteiras não estão bem preparadas, na cidade esses materiais são melhores”. Temos que ter cuidado nesses cursos porque muitas vezes estamos desvalorizando as nossas parteiras, em vez de nós dar condições para elas trabalharem, estamos desvalorizando elas (Aderaldo Corréia, coordenador da OCAEJ, 6ª reunião, aldeia Kaiapucá).
Essa reflexão levanta um problema que algumas das parteiras também
observaram no comportamento de suas vizinhas: os cursos estão trazendo a elas novos
conhecimentos, mas de alguma forma, ao colocar o conhecimento biomédico como
superior – já que são elas as que devem ser capacitadas - estão desvalorizando sua
prática frente às outras mulheres da comunidade. Isso traz como conseqüência que
algumas mulheres estejam preferindo dar à luz nos estabelecimentos do SUS. De
qualquer forma, a solução para essas pessoas passa, na visão dos participantes, por
ganhar mais conhecimentos e instrumentos próprios dos “brancos”, porque é isso que
vai proporcionar legitimidade e meios para tratar de seus próprios parentes:
Pra que que então está fazendo curso?. Fazendo curso, e ali mandava parente para a rua, para ganhar? O que que nós vamos fazer lá,? Só para fazer curso? E fazer o que? Eu pensa isso. A gente primeiro não estava fazendo curso e eu pegava criança direto. E agora que está fazendo curso de nawa, aí parente vai na rua74 ganhar criança. E para mim não dá. Nós mesmo que reparava. Mulher sadia, mulher está bem criança, ganhava na aldeia. Mulher que estava fraco, doente, não dá de ganhar, a gente manda na rua, para ela ganhar. Eu mesmo eu queria acompanhar, aquele paciente que vem para Rio Branco, eu queria acompanhar. Para que que eu estou fazendo parteira? Só para nome, parteira? Não, mesmo que cariú, mesmo que nawa, nós têm direito também. Faz muito tempo que eu estou fazendo parto, as minhas parentes na aldeia, em todo canto (...) Tem que ganhar na aldeia, eu vou precisar material, para isso que eu
74 Quando falam de “rua” se referem à cidade.
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estou fazendo curso. A gente fazendo curso, para mandar parente na rua, não dá (Dona Maria, Kaxarari, 6ª reunião, aldeia Kaiapucá).
Os dois últimos depoimentos apresentados mostram uma questão que já
mencionamos no item 5.4.: a ambigüidade, em termos de ganhos, dos cursos de
capacitação de parteiras. Se de um lado fornecem certa legitimidade, já que tudo aquilo
que implique uma relação privilegiada com instituições governamentais e o acesso a um
“cargo” oficial o faz; de outro desvaloriza as práticas tradicionais, e as parteiras como
detentoras dessas práticas e conhecimentos.
Por sua parte, os administradores dos pólos-base e os profissionais de saúde
possuem suas interpretações particulares a respeito das razões que explicam o
incremento da utilização dos serviços públicos por parte das mulheres indígenas em
relação ao parto. Um dos administradores de pólo-base por nós entrevistado explica
que, em vários casos, são as próprias parteiras as que levam as grávidas para a cidade, já
que consideram que não devem continuar fazendo esse trabalho sem remuneração. Por
outro lado, responsabiliza à Sitoaköre por incentivar essas reivindicações durante cursos
de capacitação anteriormente organizados, sendo ainda GMI. Já para outro dos
profissionais, a principal razão que explica o fato de muitas mulheres indígenas
preferirem dar à luz no hospital é a certeza de que lá vão receber remédios. Com esse
comentário, o profissional está apontado para o problema da excessiva dependência de
medicamentos por parte da população indígena em geral.
Em relação à primeira explicação, podemos comentar que, efetivamente, uma
das principais reivindicações das participantes durante as reuniões é uma remuneração
por seus serviços, e o principal argumento usado é o fato das parteiras arriscarem suas
vidas quando assistem uma grávida, além de assumir uma grande responsabilidade pela
qual podem ser posteriormente cobradas se algum problema acontecer. Os depoimentos
de algumas participantes mostram que existe, de fato, uma pressão sobre elas por parte
de filhos ou maridos para não continuar exercendo suas funções de parteiras, já que não
ganham nenhum recurso. Porém, todas afirmam que quando uma mulher precisa delas,
elas não negam sua ajuda.
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152
A partir do mencionado no presente item, podemos apontar as seguintes razões,
através das quais diferentes atores explicam o fato do aumento do número de mulheres
que acodem aos hospitais para parir:
• As mulheres sentem medo de que alguma complicação aconteça durante o
parto:
O sentimento de perigo é alimentado, em parte, pelas EMSI.
• Algumas mulheres gostam de ir à cidade, e aproveitam a ocasião do parto
para fazê-lo.
• O trabalho das parteiras tradicionais está sendo desvalorizado, em parte por
meio dos cursos de capacitação que recebem, e algumas mulheres
consideram que vão receber uma assistência mais profissional no hospital.
• No hospital, as mulheres têm certeza de receber medicamentos.
• Algumas parteiras não querem assumir a responsabilidade de realizar os
partos, e incentivam as grávidas a recorrer aos serviços públicos de saúde.
Estas considerações não devem tomar-se como explicações absolutas do
fenômeno, mas como interpretações de diferentes atores que se apóiam, provavelmente,
em casos concretos, e não numa análise aprofundada do mesmo. Contudo, nos servem
para caracterizar de forma geral a situação que estamos descrevendo.
Antes de encerrar esse item, gostaríamos de mencionar que, diferentemente do
que acontece na região do Juruá, no Alto Purus a tramitação do auxílio maternidade não
parece ser um incentivo para as mulheres parirem nos hospitais. De fato, dado que
apenas a população aldeada tem direito a receber esse benefício, dar à luz no hospital
pode supor um empecilho porque o beneficiário vai ter que demonstrar que não mora na
cidade, mas na aldeia. Quando o parto é realizado na aldeia isso não é necessário.
6.5. O pré-natal e exames preventivos.
A interação das mulheres indígenas com os serviços públicos de saúde não se
limita apenas no momento do parto. O pré-natal está, cada vez mais, adquirindo
relevância entre as ações desenvolvidas pelas EMSI. Estas estão recebendo, atualmente,
capacitações e materiais para poder realizar cada vez mais número dos exames
necessários nas aldeias. Entretanto, ainda não é possível realizar todos eles, de forma
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153
que as grávidas precisam se deslocar até os pólos-base para fazê-los. É necessário levar
em conta, ademais, que no caso de algumas cidades pequenas, ainda não existe a infra-
estrutura necessária para fazer todos os exames. Essa situação está começando a ser
resolvida apenas atualmente.
Outra das dificuldades que encontram os profissionais de saúde é que algumas
mulheres indígenas ainda se mostram reticentes a fazer os exames do pré-natal.
Contudo, está situação está mudando, em parte devido ao trabalho de conscientização
que as EMSI estão fazendo nas aldeias. O tema do pré-natal é, de fato, um dos mais
tratados nas palestras dadas pelos profissionais nas aldeias. Essas palestras constituem
uma das atividades que a equipe deve cumprir durante suas visitas nas comunidades.
O acompanhamento dos processos de gravidez das mulheres acontece em vários
níveis. Uma das funções do AIS dentro das aldeias é precisamente acompanhar a
evolução da gravidez as mulheres, repassar esses dados nos seus relatórios para as
EMSI, acompanhar as grávidas quando precisam ir para a cidade fazer os exames do
pré-natal e encaminhá-las quando é detectado algum problema. Em algumas
comunidades, as próprias parteiras já participam nessas atividades, atuando como
intermediárias entre o AIS e as mulheres75, ou mesmo assumindo o acompanhamento
das grávidas ao pólo-base para fazer o pré-natal. Entretanto, existem alguns
impedimentos para que elas possam cumprir esta função, já que não têm direito ao
combustível76 nem recursos para se manter na cidade.
As meninas que vieram dar o curso falaram que nós, como parteiras, não poderíamos acompanhar, que elas têm marido, marido tem que acompanhar, que marido tem dinheiro, sabe andar, sabe comprar as coisas. Não podendo vir, “vocês não vêm, só se o marido dá recurso” (Dona Raimunda, 5ª reunião, Aldeia Camicuã).
A segunda instância de acompanhamento das grávidas são as próprias EMSI,
que realizam algumas provas e exames de pré-natal nas aldeias, e outras na cidade. Para
a realização de alguns desses exames, como o ultra-som, as grávidas são encaminhadas
para os estabelecimentos do SUS.
75 A esse respeito, ver item 6.3.3. 76 Apenas o AIS tem o direito de receber o combustível empregado na s viagens que têm por objetivo encaminhar pacientes para a cidade.
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154
Quanto à integração das parteiras no acompanhamento do pré-natal das grávidas,
parece variar de uma região a outra, e depende da atitude tanto das EMSI, quanto das
parteiras. Uma das enfermeiras do pólo-base de Boca do Acre, que também trabalhou
no pólo-base de Santa Rosa do Purus, explica que em Santa Rosa as parteiras
acompanhavam as enfermeiras quando realizavam o pré-natal das grávidas nas aldeias,
mas que na região de Boca do Acre, as parteiras não mostram interesse em fazê-lo.
Entretanto, reconhece que a própria EMSI não tem incentivado nem convidados às
parteiras realizar esse acompanhamento.
Existe uma reclamação geral entre as parteiras de que as EMSI, quando visitam
as aldeias, não as chamam para fazer o pré-natal. Para elas, o acompanhamento do pré-
natal da grávida é importante por várias razões. Em primeiro lugar, implica o
reconhecimento de sua função dentro da comunidade, e do conhecimento que detém;
em segundo lugar, é considerado uma oportunidade para aprender mais; e, em terceiro
lugar, permite à parteira obter informações importantes sobre o estado da grávida que a
permitirão avaliar, posteriormente, a necessidade ou não de encaminhá-la para a cidade
no momento do parto:
Através do pré-natal nós podemos saber de que jeito está o menino, o doutor pode nós dizer, como ela está, é importante a gente saber para que não dê medo a ela e a parteira também. A gente vai saber se vai ser preciso encaminhar ela ou não. Se ela tem problemas vamos tratar e vamos enviar para o hospital. (Dona Onda, 5ª reunião, Aldeia Camicuã).
Para as parteiras, o pré-natal é uma fonte de informações que complementam às
que elas obtêm por meio de suas próprias técnicas. Uma melhor integração com as
EMSI a esse respeito é considerada desejável, já que permitiria uma melhor fluidez de
informações, tanto das EMSI para as parteiras, quanto destas para as EMSI.
6.6. Interação das “parteiras” com o sistema público de saúde: articulações entre sistemas.
Vários dos aspectos que caracterizam a interação das parteiras com o sistema
público de saúde já foram mencionados ao longo do texto precedente. Limitar-nos-emos
aqui a mencioná-los para sua melhor sistematização, e a sugerir aspectos dessa interação
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155
que apontam para uma possível articulação entre os sistemas de parto nativos e o
biomédico.
O primeiro ponto se refere aos cursos de capacitação para parteiras, que, como já
mencionamos, acarretam conseqüências ambivalentes, já que embora as parteiras
ganhem certa legitimidade, prestigio e espaço de relação privilegiada com os “brancos”,
ao mesmo tempo vêem desvalorizados seus conhecimentos tradicionais. Uma das
questões que surge a esse respeito, e que foi colocada pelas representantes da Sitoaköre
às participantes das reuniões, é até que ponto esses novos conhecimentos estão afetando
ou se sobrepondo a suas práticas tradicionais. As respostas de algumas participantes
mostram como elas são capazes de articular os novos conhecimentos adquiridos, aos
quais se atribui uma considerável eficácia, às práticas tradicionais. Os conhecimentos
repassados às mulheres indígenas durante os cursos não são absorvidos por elas de
forma tal qual, mas são reinterpretados à luz do marco conceitual indígena e integrados
dentro do seu conjunto de práticas. Algumas parteiras reclamam que elas já conhecem o
“parto indígena” e agora querem conhecer melhor o “parto do branco”. Longe de ver
ambos como excludentes, consideram que somam: os conhecimentos exógenos não
substituem os que já existem, mas são acrescidos a eles. Dona Maria (Kaxarari), por
exemplo, perguntou durante a reunião por que não tinha uma enfermeira lá para ensiná-
las, já que elas querem aprender a forma como o “branco” faz o parto, e mais tarde
esclarece:
A nossa mesmo (nossas práticas) a gente não deixa, nossa mesmo, do branco não, aquele remédio do mato que meu pai pajé ensinava nós, eu ensino minha filha, meu filho, meu neto, para continuar, para não perder. E canto, aquele a gente reza, a gente tudo o que eu sei, porque meu pai ensinava tudo. Aí eu ensinava criança (Dona Maria, Kaxarari, 6ª reunião, aldeia Kaiapucá).
Ficou claro que tanto para ela como para outras participantes, o que aprenderam
durante os cursos de capacitação não levou a que abandonaram outras práticas.
Contudo, como vimos anteriormente, esses cursos têm um impacto negativo nas
formas tradicionais de assistência ao parto dentro das aldeias, já que, embora não
impliquem necessariamente que as mulheres que já realizam, tempo há, partos nas
aldeias abandonem suas práticas, parecem estar promovendo a desvalorização das
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156
mesmas entre as outras pessoas da comunidade, especialmente entre as mulheres mais
novas.
Além dessa articulação de conhecimentos e práticas, há vários contextos em que
as atividades das mulheres indígenas que dão assistência às grávidas podem articular-se
às dos profissionais de saúde, como listamos a seguir:
• Durante as visitas das EMSI nas aldeias: repassam informações às EMSI
sobre o estado das grávidas da comunidade e sobre os partos acontecidos na
aldeia.
• Durante o acompanhamento das grávidas à cidade:
Para fazer o pré-natal: ajudam a que as mulheres, muitas vezes novas,
se sentam mais seguras na relação com os profissionais dos postos de
saúde e hospitais; obtêm informações sobre o estado das grávidas que
depois é importante para decidir se ela deve ser encaminhada para dar
à luz no hospital.
Para dar à luz: se disponibilizam a permanecer com as grávidas
durante o trabalho de parto no hospital, dispensando-as cuidados
conforme seus próprios parâmetros culturais.
A possibilidade de dispensar seus serviços depende muito da sua recepção entre
os profissionais de saúde com os quais tenham que se relacionar, e dos meios colocados
a sua disposição, especialmente transporte entre a aldeia e a cidade, e recursos para se
manter quando não estão em suas comunidades. Várias das reclamações colocadas pelas
participantes durante as reuniões estão diretamente relacionadas com a falta de
reconhecimento por parte dos profissionais de saúde, isto é, com os empecilhos para
poder articular suas ações com as dos serviços públicos.
7. Apresentação de dados epidemiológicos.
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157
Nesse item apresentaremos alguns dados que permitam caracterizar o perfil
epidemiológico das populações indígenas aqui consideradas. Os dados nos foram
fornecidos pelo DSEI/Alto Purus77.
7.1. Gerais
Em anexo (Anexo 8) apresentamos as tabelas com os dados do DSEI/Alto Purus
referentes às principais causas de morte e morbidade entre a população indígena. Como
mostram essas informações, as infecções do aparelho respiratório se encontram entre os
problemas de saúde mais sérios, sendo a pneumonia a principal causa de óbito.
Verminoses e diarréias são as outras principais ocorrências de morbidades, e estão
diretamente relacionadas com problemas de higiene, saneamento básico e tratamento da
água nas aldeias.
Quanto às causas de morte, a pneumonia é seguida da desidratação, que é uma
conseqüência dos surtos de rotavírus78 que acontecem quase anualmente em diferentes
regiões do Acre, e as mortes violentas por homicídio o afogamento. Todos os casos de
homicídio são registrados no município de Boca do Acre, onde constitui a principal
causa de morte entre adultos. É interessante mencionar que, como observou o médico
desse pólo, os casos de homicídios principalmente relacionados com o grave problema
de alcoolismo que afeta a população indígena da região. Conforme o depoimento do
médico, muitos indígenas, principalmente apurinã, se instalam nos bairros mais pobres
da cidade, onde a presença de álcool e drogas é intenso. Embora não apareça refletido
nos consolidados, o alcoolismo não é apenas um fator ligado aos homicídios, mas, em
si, um dos principais problemas de saúde tanto entre a população apurinã da região de
Boca do Acre, quanto entre os Jaminawa de Assis Brasil, conforme as observações dos
profissionais de saúde de ambas as regiões.
Há também uma incidência significativa, quiçá não tanto pelo número de
afetados, mas sim pelas implicações que acarreta, de hepatite B, especialmente nas
regiões de Pauini e Sena Madureira. Nesta última, os Jaminawa estão sendo afetados
77 Os dados relativos aos gráficos apresentados nesse item aparecem em anexo. 78 Durante nossa estadia na região do Juruá, os profissionais de saúde estavam recebendo capacitação para colocar a nova vacina de rotavírus.
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158
por esta doença de difícil e custoso tratamento. Como podemos observar na aldeia
Kaiapucá, a falta de tratamento da água destinada a consumo humano é um dos fatores
que incide na transmissão da doença entre a população. Embora a administração do
pólo-base afirme que a doença está sendo controlada por meio da vacinação, já existem
seis casos confirmados da doença, sendo um dos problemas o alto custo do tratamento.
7.2. Dados epidemiológicos relacionados com o tema do parto.
Quanto aos problemas de saúde relacionados com a gravidez, parto e pós-parto,
o que nos interessa especialmente é entender qual é a relação entre o perfil
epidemiológico e a atuação das parteiras indígenas. Em grande medida, os cursos de
capacitação para parteiras têm como justificativa a necessidade de reduzir a alta
mortalidade infanto-materna. Os altos índices de mortalidade neonatal e materna, a
incidência de casos de tétano neonatal e outras doenças nas crianças que podem ser
prevenidas por meio de um pré-natal adequado são os principais argumentos que
justificam a necessidade de capacitar as parteiras tradicionais, sejam ou não indígenas
(Ministério da Saúde 2002).
Interessa-nos chamar atenção aqui, entretanto, que os consolidados de dados do
DSEI/Alto Purus não nos permitem fazer considerações conclusivas a esse respeito, já
que os dados não estão qualificados. Com isto queremos dizer que, por exemplo, em
relação às causas da mortalidade neonatal, não há informações que nos indiquem onde
se realizaram os partos das crianças que faleceram (se foram no hospital ou na aldeia);
quem realizou o parto e em que condições; se os falecimentos estavam relacionados a
determinadas práticas inadequadas das parteiras; quais são as causas dos casos de
natimortalidade, etc. Essas informações são importantes porque permitem definir quais
são problemas específicos e propor soluções concretas a eles.
De qualquer forma há alguns comentários que podem ser feitos. Em primeiro
lugar, os consolidados do DSEI/Alto Purus não mencionam nenhum caso de óbito de
mulheres que tenha sido conseqüência de problemas no parto. Sabemos que existem
casos de mulheres falecidas por causas relacionadas com o parto. Já mencionamos que
no ano 2006, na região do Juruá, uma mulher katukina morreu durante o parto na aldeia.
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Recebemos também a informação de que uma mulher jamamadi faleceu recentemente
como conseqüência de um sangramento que não tinha cessado após o parto. Ela se
deslocou a Boca do Acre para receber tratamento médico, mas este não parece ter sido
adequado79. Fora esses casos, acontecidos após a nossa saída da região, os profissionais
de saúde com os quais conversamos não têm lembranças de outros que aconteceram
depois que eles assumiram seus cargos80.
Em relação à mortalidade infantil, os dados mostram que a maior porcentagem
dos óbitos acontece depois do primeiro mês de vida, de forma que não possuem relação
direta com problemas derivados do parto. Problemas respiratórios e de infecções
intestinais, causados por rotavírus81 e que desencadeiam quadros agudos de desidratação
por diarréia e vômitos, são as principais causas de morte entre crianças menores de um
ano, como mostram os gráficos 9 e 10 referentes aos anos 2004 e 2005. A desproporção
entre a mortalidade infantil tardia (de 28 dias a um ano) e a mortalidade neonatal
precoce e tardia (entre 0 a 6 dias, e 7 a 27 dias, respectivamente), se reflete também na
79 Não conhecemos os detalhes das causas do falecimento, do qual nos informou recentemente a Sitoaköre. Entretanto, independentemente da adequação dos encaminhamentos e tratamentos realizados pela equipe do pólo-base para tratar o caso, dos quais não temos notícia, cabe destacar que as condições em que a mulher se encontrava quando a conhecemos durante a nossa estadia em Boca do Acre eram absolutamente indecentes. A pesar de estar sofrendo um sangramento, tinha sido alojada pela administração do pólo-base, junto com seus parentes jamamadi, num barco na beira do rio, sem condição alguma de higiene. Esse era um exemplo claro sobre o problema que a falta de infra-estrutura na cidade representa para os pacientes indígenas. 80 Na aldeia Camicuã me relataram o caso de uma mulher que morreu de parto há alguns anos. O caso é interessante porquanto revela determinadas concepções nativas sobre o corpo e as condições que o afetam até o ponto de ocasionar a morte. Trata-se do caso de uma mulher nova que faleceu três dias após dar à luz. O parto foi realizado na aldeia Camicuã – que fica a vinte minutos de Boca do Acre – por uma parteira indígena. Segundo a pessoa que narrou o caso, um dos AIS da aldeia, aconteceram um cúmulo de circunstâncias que desencadearam sua morte. Após o parto, quando a mulher estava ainda de resguardo, recuperando-se de um parto difícil, sua cunhada fez alguma coisa que provocou sua raiva. A raiva fez com que o sangue “subisse à cabeça”. Quando estava dormindo, o barulho das crianças brincando a fez “tomar susto”, o qual piorou seu estado. Apesar de que este não era bom, sua família não se preocupou dela. Quando as pessoas perguntavam, falavam que se encontrava melhor. Não querendo levá-la para a cidade, ao qual ela se negava também, lhe deram dipirona. Porém, conforme as concepções nativas, não se devem dar remédios amargos, como a dipirona, às mulheres que se encontram de resguardo. Assim que, unido às outras ocorrências anteriores – a raiva e o susto -, seu quadro de saúde continuou piorando. Quando a situação foi crítica, decidiram levá-la para a cidade. Porém, a desceram pelo barranco até o rio de cabeça para baixo, o qual contribuiu para que mais sangue lhe subisse à cabeça. Conforme o nosso interlocutor, ela faleceu quando a estavam levando para Boca do Acre. Segundo ele, o diagnóstico dado pelo médico – hemorragia interna – coincidia com sua interpretação de que a causa da morte se deveu a que “tinha-lhe subido sangue à cabeça”. 81 Em 2004 houve um surto de rotavírus entre a população kulina da região de Manuel Urbano que causou a morte de quatro crianças (DSEI/Alto Purus 2004), e em 2005 houve outro, na região de Santa Rosa do Purus, que causou a morte oito (DSEI/Alto Purus 2005).
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tabela 5, onde se comparam os dados referentes ao Brasil, o Acre e a região abrangida
pelo DSEI/Alto Purus. Enquanto os coeficientes de mortalidade neonatal são um pouco
mais baixos no DSEI/Alto Purus, o coeficiente de mortalidade infantil tardia é muito
mais alto do que no Brasil e o Acre. Quanto à mortalidade perinatal, o fator que incide
principalmente é a natimortalidade, sem que saibamos quais são suas causas específicas.
Os gráficos e dados apresentados a seguir mostram esse quadro geral para os anos 2004
e 2005.
49%
10%
5%
5%
31%51%
Maiores de 1 anoNatimortalidade0 a 6 diasde 7 a 27 diasde 27 dias a 1 ano
Gráfico 9: Índices de mortalidade. DSEI/Alto Juruá, 2005.
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161
0
10
20
30
40
50
60
Natimortos 20
Desconhecida 5
Insuficiência respiratória 5
Bronco aspiração 5
Desnutrição 5
Meningite 5
Desidratação e interinfeção 20
Pneumonia 10 25
Natimortos < 7 dias (%) de 7 a 27 dias (%)
de 28 dias a 1 ano (%)
Gráfico 10: Causas de mortalidade infantil no ano 2005. DSEI/Alto Purus
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162
44%
13%
9%
4%
30%56%
Maiores de 1 anoNatimortalidade0 a 6 diasde 7 a 27 diasde 27 dias a 1 ano
Gráfico 11: Índices de mortalidade. DSEI/Alto Juruá, 2004.
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163
0
10
20
30
40
50
60
70
Natimortos 25
Prematuridade 8,3
EDA C/DHT 8,3
Rotavírus 33,3
Insuficiência cardiaca 8,3 8,3 8,3
Septicemia 8,3
Meningite 8,3
Natimortos < 7 dias (%) de 7 a 27 dias (%)
de 28 dias a 1 ano (%)
Gráfico 12: Causas de mortalidade infantil no ano 2004. DSEI/Alto Purus
População indígena Alto Purús82 Número de casos Coeficientes85
Acre83 Brasil84
Mortalidade infantil (menores de 1 ano) 16 76,19 32,15 24,11
82 Dados do DSEI/Alto Juruá referentes a 2005. 83 Dados do Ministério da Saúde referentes a 2003 (Ministério da Saúde 2006). 84 Dados do Ministério da Saúde referentes a 2003 (Ministério da Saúde 2006). 85 Cálculo: nº de óbitos / nascidos vivos x 1000.
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Mortalidade neonatal precoce (0 a 6 dias) 2 9,5 15,63 12,07
Mortalidade neonatal tardia (de 7 a 27 dias) 2 9,5 3,76 3,60
Mortalidade Infantil Tardia (de 28 dias a 1 ano) 12 57,14 12,76 8,43
Natimortalidade 4 18,69
Tabela 8: Coeficientes de mortalidade infantil de Brasil, Acre e DSEI/Alto Purus
Embora não apareçam nos consolidados, os profissionais de saúde de cada
região mencionaram os que são, segundo sua opinião, os principais problemas que
afetam a saúde das mulheres e recém-nascidos durante a gravidez e o parto. Em cada
região foram mencionados fatores diferentes.
Segundo as profissionais de Pauini, não há muitos casos de mortes de crianças
decorrentes do parto, mas sim existe um número significativo de abortos produzidos por
excesso de trabalho, especialmente por carregar peso, e por quedas acidentais. Quando o
aborto é completo, as mulheres resolvem a situação na aldeia, mas sendo o aborto
retido, a grávida é encaminhada para a cidade.
A enfermeira de Sena Madureira explica também que não houve na região, no
ano que ela leva trabalhando no pólo-base, nenhum caso de morte materna ou de criança
recém-nascida por causa do tétano. Segundo ela, o principal problema que afeta as
grávidas é a anemia. A alimentação inadequada, que a enfermeira atribui à preguiça dos
índios para trabalhar86 - especialmente no caso dos Kaxarari que se dedicam mais à
coleta da castanha ou a trabalhar nas fazendas como assalariados -, causa anemia nas
grávidas e desnutrição nas crianças.
Na região de Boca do Acre, tampouco são registrados muitos casos de óbitos de
crianças relacionados com problemas ocorridos durante o parto. Porém, a
administradora do pólo e o médico do mesmo relataram dois casos de crianças que
86 Gostaria de chamar atenção aqui para o fato de que a interpretação segundo a qual a falta de alimentos na aldeia é conseqüência da “preguiça” dos índios é muito simplificadora e, em muitos casos, não está acorde com a realidade. A insuficiência de produtos agrícolas dentro da aldeia pode dever-se a muitos outros fatores (desestruturação social; mudança das condições territoriais; aparecimento de pessoas assalariadas dentro da aldeia; sentimento de atração pela cidade; alcoolismo, etc.). De fato, estamos tratando de culturas para as quais os dois piores defeitos, em termos éticos e estéticos, que uma pessoa pode ter são a preguiça ou desleixo, e a mesquinharia. Entre vários grupos pano, são registradas diversas práticas de tratamento corporal (banhos, uso de plantas, aplicação do veneno do sapo kampó, etc.) que estão destinadas a eliminar a preguiça, em muitos casos concebida como uma doença que afeta o corpo (Pérez Gil 2003).
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165
nasceram mortas por sofrimento fetal87. Um dos casos foi devido a que a mãe tinha uma
forte infecção urinária e, embora fosse detectada a tempo, ela não quis tomar os
medicamentos do tratamento nem ir para o hospital. De fato, as infecções urinárias são,
segundo o médico do pólo-base, o principal problema de saúde que afeta as grávidas,
devido à umidade e à quentura próprias do clima da região.
Já para as mulheres indígenas, os principais riscos estão relacionados ao
momento do parto em si, e têm como causas mais freqüentes o mal-posicionamento das
crianças na barriga (se a criança está sentada, atravessada ou de pé); as hemorragias
pós-parto; o parto demorado (quando o trabalho de parto dura dois ou três dias e a
criança não nasce); o parto de gêmeos; e a “placenta pregada” (quando a placenta não se
desprende do útero, podendo ocorrer uma infecção interna). Todas essas situações são
comentadas como situações de risco. Algumas parteiras afirmam estar preparadas para
enfrentá-las e narram casos em que o fizeram com sucesso, devido a que não tinham
meios para levar a grávida até a cidade. Contudo, o mais comum é que ante estas
situações tratem de encaminhar a parturiente para o hospital.
8. Propostas para articulação de sistemas.
A partir das informações expostas ao longo do relatório, é plausível propor
algumas medidas que visem incentivar e possibilitar a articulação do sistema público de
saúde voltado para as populações indígenas e os sistemas de parto tradicionais
indígenas. As formas de articulação propostas visam, de um lado, contribuir na melhoria
do serviço fornecido à população indígena, e, de outro, sugerir ações dirigidas a
construir uma política de saúde diferenciada, que considere de forma efetiva e positiva
as particularidades culturais das populações indígenas.
As ações aqui propostas se referem a diferentes níveis de aplicação. O primeiro
deles é um nível geral, que não se aplica exclusivamente à assistência ao parto, mas de
87 “O sofrimento fetal agudo é o que ocorre durante o trabalho de parto é bioquimicamente caracterizado por hipoxia, acidose e hipercapnia. Um dos mais importantes fatores da transferência materno-fetal é o fluxo sanguíneo do espaço interviloso. Por isso, qualquer situação que conduza para a diminuição do fluxo sanguíneo neste espaço levará o feto a um estado transitório ou permanente de carência de oxigênio, e será causa de sofrimento fetal agudo.” (Alcântara de Almeida, Moreira de Sá & Marques Lopes 2005).
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166
forma mais geral, ao atendimento de saúde fornecido à população indígena. A esse
respeito, as propostas principais são:
Fornecer aos profissionais de saúde uma capacitação antropológica
focalizada em duas questões principais: antropologia da saúde e etnologia
indígena. Esses conhecimentos proporcionam recursos para entender e
interpretar a realidade das populações indígenas de forma mais adequada no
que se refere tanto à eficácia das ações a serem implementadas, quanto ao
respeito das particularidades culturais dos povos atendidos.
Elaborar planos de coleta de dados epidemiológicos, nos quais se definam
critérios que, acrescentados aos já existentes, permitam caracterizar
determinados comportamentos e problemas aos quais, atualmente, se está
prestando atenção de forma apenas tangencial. Entre os dados que são de
utilidade para refletir sobre a saúde materno-infantil da população indígena
do Acre e Sul do Amazonas, podemos citar 1) a porcentagem de partos
realizados na aldeia e na cidade; 2) as causas que levam as mulheres a fazer
uma ou outra escolha; 3) a melhor caracterização das causas da
natimortalidade e da mortalidade neonatal; 4) a definição detalhada da
relação que possa haver entre o tipo e condições do parto (na aldeia, na
cidade, com “parteira”, com médico) e a ocorrência de problemas de saúde
derivados do mesmo, tanto para o recém-nascido quando para a mãe. Estas e
outras informações deverão ajudar a definir com maior exatidão os
problemas que afetam a população feminina indígena durante o processo de
gravidez, parto e pós-parto, e a atuar com mais eficácia sobre os mesmos,
sem assumir de partida que as práticas tradicionais em seu conjunto estão
diretamente associadas com os problemas de saúde e altas taxas de
mortalidade materna e infantil. Nesse sentido, caso se decida que é
necessário realizar cursos de capacitação, por exemplo, estes devem estar
orientados a rever aspectos concretos das práticas indígenas que tais
informações tenham revelado como diretamente relacionadas a problemas
concretos. Dessa forma se evita repassar um sistema global de conhecimento
e prática sobre o processo de gravidez, parto e pós-parto, que possa se
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167
sobrepor ao sistema nativo. Em última instância se trata buscar formas de
repassar conhecimentos e técnicas biomédicas que possam ser úteis às
mulheres que assistem partos sem desvalorizar e menosprezar as delas, e que
estejam dirigidas a atuar sobre problemas concretos.
Fornecer às comunidades os meios de transporte necessários para
encaminhar os pacientes aos estabelecimentos do SUS quando for
necessário. A disponibilização dessa infra-estrutura contribuirá a reduzir a
ansiedade das mulheres indígenas em relação a ter o parto na aldeia, assim
como o perigo de acontecer problemas nos longos deslocamentos. A
melhoria das formas de comunicação e transporte entre a aldeia e o pólo-
base deve ser percebida como uma forma de articular os recursos
terapêuticos de ambos os locais.
O segundo nível é de caráter mais concreto. As seguintes medidas têm o objetivo
de articular as atividades e ações dos profissionais de saúde que atuam nas áreas, e as
atividades das pessoas indígenas que se dedicam ao cuidado da saúde, concretamente da
saúde das mulheres durante o processo de gravidez, parto e pós-parto, dentro das
comunidades.
Integrar as mulheres que realizam os partos nas aldeias nas atividades que
realizam as EMSI durante suas visitas às comunidades, especificamente no
que se refere ao cuidado das grávidas, parturientes e crianças recém-
nascidas. Estas mulheres possuem informações privilegiadas que podem ser
repassadas às EMSI, já que contam com a confiança das mulheres da aldeia.
Essa integração requer um maior conhecimento, por parte das EMSI, de
como o atendimento à gravidez e ao parto acontece nas diferentes etnias.
Permitir às mulheres que assistem os partos dentro das aldeias acompanhar
às grávidas ao pólo-base correspondente para fazer o pré-natal. Para que o
acompanhamento seja possível, devem-se fornecer os recursos necessários
(transporte, hospedagem, alimentação).
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168
Procurar as formas adequadas em cada caso para que as mulheres que
assistem partos dentro das aldeias possam acompanhar dentro dos
estabelecimentos do SUS as parturientes que decidam dar à luz nos hospitais
ou maternidades. Deve-se permitir à “parteira” acompanhante cuidar da
grávida dentro do hospital o tempo que dure o trabalho de parto (durante o
qual a parturiente é normalmente deixada sozinha), assim como estar
presente durante o parto, ou mesmo poder realizá-lo, se assim o solicitarem a
parturiente e a “parteira”. Igualmente, quando a parturiente requerer a
presença de um pajé ou qualquer outro especialista, o estabelecimento do
SUS deve procurar a forma de que este possa realizar seu tratamento nas
instalações do mesmo. As condições em que os especialistas indígenas
podem atuar dentro dos estabelecimentos do SUS quando esse serviço for
requerido por parte de membros das suas etnias e comunidades, devem ser
pactuadas e acordadas entre as comunidades, os especialistas e a
administração do estabelecimento.
Promover dentro dos estabelecimentos dos SUS freqüentados pelas mulheres
indígenas do Acre e Sul do Amazonas salas de parto com as condições
necessárias para que o parto possa ser realizado conforme os parâmetros
culturais da parturiente. Por exemplo, a sala deve estar preparada para que o
parto possa ser realizado na postura que a parturiente escolha. Outras
condições como a alimentação antes e depois do parto, a disposição da
placenta ou a possibilidade da parteira preparar remédios caseiros, devem ser
também consideradas. Contudo, as características e serviços dessa sala
especial devem ser acordados em cada caso com os povos que devem
usufruir do serviço.
A respeito destas últimas medidas, consideramos que a articulação não se deve
sustentar na designação de uma mulher como “parteira” única da comunidade. É
importante a esse respeito buscar as formas de permitir a participação de todas as
mulheres que sejam reconhecidas dentro da comunidade como pessoas que assistem
partos. Em ocasiões será apenas uma; em outras podem ser várias, em função das
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169
particularidades culturais de cada povo, e das relações de parentesco entre as famílias
que configuram as comunidades.
9. Resultados do projeto.
De forma geral, o desenvolvimento das atividades ao longo do ano de execução
alcançou os objetivos propostos no projeto. Em alguns casos, estas não foram realizadas
conforme tinha sido planejado; porém, se obteve um alto rendimento em termos dos
objetivos gerais propostos.
Foram realizadas seis reuniões regionais de parteiras, pajés e AIS, três delas na
região abrangida pelo DSEI/Alto Juruá e outras três na região do DSEI/Alto Purus.
Mesmo que inicialmente no projeto tinham sido planejadas sete reuniões, devido à
insuficiência dos recursos foi necessário diminuir em uma o número de reuniões.
Entretanto, isso não implicou deixar de fora nenhuma T.I., já que aquelas que iriam
participar da sétima reunião, no município de Assis Brasil, foram integradas na
reunião de Sena Madureira.
Durante as reuniões foi possível a obtenção de informações sobre os sistemas
de parto nativos. A coleta, sistematização e análise dessas informações é uma
contribuição importante para a construção de um corpus de conhecimentos
de base sobre esses sistemas, visando subsidiar a implementação de políticas
públicas voltadas para as populações indígenas.
Durante as reuniões aconteceu uma troca de experiências entre os
participantes em vários níveis: inter-étnico, inter-gerações e inter-gêneros.
Gostaríamos de destacar especialmente esses dois últimos, já que, de um
lado, foi possível perceber uma valorização por parte dos jovens que detêm
os cargos públicos de prestígio (AIS, liderança) dos saberes tradicionais dos
mais velhos, que muitas vezes são excluídos ou marginalizados nos
contextos de interação com o mundo dos brancos. Recentemente, soubemos
através da Sitoaköre que, efetivamente, os pajés tinham se sentido
valorizados ao ser convidados para participar nas reuniões. De outro lado, as
mulheres, muitas vezes também excluídas ou marginalizadas desses
contextos do fazer político e dos órgãos de decisão, contaram com um
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170
espaço de expressão de seus saberes e de reivindicações, simbolicamente
significativo, no qual estavam presentes agentes com poder político de suas
próprias comunidades.
Houve uma reflexão por parte dos participantes a respeito da importância de
valorizar as práticas terapêuticas e de cuidado tradicionais relacionadas com
o processo de gravidez, parto e pós-parto. Em vários depoimentos,
especialmente de pessoas mais novas, foi possível perceber como a reunião
tinha contribuído a fazer que valorizassem um conhecimento ao qual não
tinham dado grande importância. Ademais, em algumas reuniões já
começaram a ser elaboradas propostas e idéias que tinham como objetivo
incentivar a transmissão dos conhecimentos tradicionais, dos quais são
detentores os mais velhos. Na reunião da região de Pauini, por exemplo, as
comunidades se propuseram a realizar um projeto para promover o repasse
de conhecimentos por parte dos pajés a homens mais novos de outras aldeias
onde já não existem mais pajés.
A partir de um conhecimento mais aprofundado sobre os sistemas de parto
indígena, foi possível realizar uma avaliação preliminar sobre o impacto dos
cursos de capacitação de parteiras indígenas, e refletir assim sobre o papel
dos mesmos na institucionalização de uma função tradicionalmente
difundida entre as pessoas e exercida em conformidade com as relações de
parentesco.
Algumas reuniões tiveram resultados concretos referentes a propostas para a
articulação de sistemas. Durante a reunião realizada na aldeia Camicuã
(município de Boca do Acre), os participantes tinham proposto à
administradora do pólo, que participou um dia, que fosse fornecido
combustível às parteiras para que elas pudessem acompanhar as grávidas a
fazer o pré-natal ou o parto na cidade. A administradora se comprometeu a
fornecer esse combustível na medida das possibilidades do pólo-base, e
soubemos, recentemente, que cumpriu esse compromisso. Dessa forma, um
primeiro passo para a articulação de sistemas foi dado pelo pólo-base de
Boca do Acre.
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171
Foram realizadas visitas a sete pólos-base (três na região do Juruá e quatro na
região do Purus), onde foram efetuados levantamentos de dados epidemiológicos e
entrevistas aos profissionais de saúde que atuam nos mesmos. Esses dados
permitiram esboçar o perfil epidemiológico dos povos considerados, e obter
informações sobre o funcionamento dos serviços de atenção à saúde indígena. Essas
informações são fundamentais para subsidiar a elaboração de propostas de
articulação de sistemas.
Além do levantamento de dados, as técnicas mantivemos conversações com
alguns profissionais de saúde sobre a importância da capacitação
antropológica para profissionais que trabalham com população indígena.
Recentemente, a Gerência da Área de Medicina Tradicional
Indígena/VIGISUS II recebeu do DSEI/Alto Juruá uma solicitação de
assessoria para elaborar um plano para a capacitação dos profissionais de
saúde.
Além dos resultados obtidos com a realização das atividades previstas no
projeto, sua execução teve resultados colaterais importantes:
Fortalecimento da Sitoaköre: ao longo do processo, o projeto contribuiu de
forma considerável a fortalecer a Sitoaköre:
No início do processo, a Sitoaköre ainda não tinha sido criada como
organização indígena. O Instituto Olhar Etnográfico teve um papel
fundamental nesse processo, fornecendo assessoria para a própria
constituição da organização, e ajuda na implementação de outros
projetos.
A execução das atividades do presente projeto possibilitou a
promoção política da recém-criada Sitoaköre dentro das próprias
comunidades. Como as representantes da Sitoaköre frisam, é a única
organização indígena que vai até as aldeias, o qual foi possível graças
ao presente projeto. Durante as reuniões nas aldeias, a Sitoaköre
sempre reservou um espaço para informar sobre suas atividades.
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172
O sucesso na execução do projeto forneceu prestígio à Sitoaköre, o
qual se traduziu em novas propostas e possibilidades de projetos.
Finalmente, é importante destacar que a Sitoaköre concorreu com o
presente projeto ao Prêmio Culturas Indígenas, edição Ângelo Cretã,
2006, lançado pelo Ministério da Cultura. O prêmio tinha como
objetivo apoiar iniciativas que visassem o fortalecimento das
expressões culturais indígenas. Como resultado, a Sitoaköre ganhou o
mencionado prêmio.
___________________________ Laura Pérez Gil
Coordenação antropológica
Florianópolis, 26 de janeiro de 2007
___________________________ Marlinda Patrício
Consultora da Área de Medicina Tradicional Indígena/VIGISUS II
Brasília, 26, janeiro de 2007
___________________________
Ricardo Calaça Diretor do Instituto de Pesquisa e Documentação Etnográfica
Olhar Etnográfico
Brasília, 12 de agosto de 2006
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173
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177
11. ANEXOS
Instituto de Pesquisa e Documentação Etnográfica - Olhar Etnográfico
Anexo 1: Documentos oficiais dirigidos pela equipe executora ao DSEI/Alto Purus e à CASAI.
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11.1. Anexo 1: Documentos oficiais dirigidos pela equipe executora ao DSEI/Alto Purus e à CASAI
Carta/01
Rio Branco 16 de setembro de 2006 Ao Chefe do DSEI Alto Purus Assunto: Solicitação Prezado senhor, Conforme contato feito com vossa senhoria em reunião realizada na sede desse
Distrito Sanitário Especial Indígena no dia 14 de setembro de 2006, solicitamos a gentileza de nos fornecer os “Relatórios de gestão do DSEI Alto Purus” dos anos de 2000 a 2004.
Solicitamos também autorização para realizar levantamento de dados sobre
nascimentos, mortalidade, mortalidade infantil, informações sobre partos realizados nas aldeias e nos hospitais ou maternidades dos municípios, problemas de saúde relacionados com o processo de gravidez, parto e pós-parto, atendimento de pré-natal, nos pólos-base de Boca do Acre, Pauini e Sena Madureira, assim como entrevistas com os profissionais de saúde lotados nos referidos pólos. Essas atividades serão realizadas conforme cronograma em anexo.
Os dados darão subsídios ao relatório etnográfico para o projeto “Valorização e
Adequação dos Sistemas de Parto Tradicionais das Etnias Indígenas do Acre e do Sul do Amazonas”, executado pelo Instituto Olhar Etnográfico e pela Organização de Mulheres Indígenas do Acre, Sul de Amazonas e Noroeste de Rondônia (SITOAKÖRE), e financiado pelo Projeto VIGISUS II (Área de Medicina Tradicional Indígena)/FUNASA . Na certeza de sermos atendidos,
Atenciosamente, ______________________________
Laura Pérez Gil Coordenadora Antropológica do Projeto
Instituto de Pesquisa e Documentação Etnográfica - Olhar Etnográfico
Anexo 1: Documentos oficiais dirigidos pela equipe executora ao DSEI/Alto Purus e à CASAI.
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Carta/02
Rio Branco 24 de setembro de 2006 Ao Chefe do DSEI Alto Purus Assunto: Solicitação Prezado senhor, Em primeiro lugar, queremos agradecer o apoio que nos foi dado por esse DSEI
e pelos pólos-base de Pauini e Boca do Acre no período de 17 a 22 de setembro. Na seqüência do desenvolvimento dos trabalhos, solicitamos autorização para as visitas aos pólos de Sena Madureira e Assis Brasil, onde estaremos realizando levantamentos de dados junto aos profissionais de saúde tal como ocorreu na viagem anterior.
Solicitamos também o apoio de vossa senhoria para as três reuniões de
Parteiras, Pajés e AIS que serão realizadas durantes os meses de outubro e novembro nas Terras Indígenas Peneri/Tacaquiri, Apurinã BR 317 Km 124 e Jaminawa do Caiapucá, respectivamente (cronograma com as modificações dos lugares onde serão realizadas as reuniões em anexo). O apoio solicitado se refere principalmente à disponibilização por parte do DSEI e dos pólos-base de cada região de veículos para o deslocamento dos participantes indígenas e da equipe executora até as aldeias onde serão realizadas as reuniões, assim como para o retorno. Informamos que o combustível para toyota e embarcações da instituição será custeado pelo projeto.
A seguir especificamos as necessidades referentes a cada uma das reuniões: Reunião de Pauini – Aldeia Nova Vista – 10 a 14 de outubro.
Disponibilização de embarcação para o deslocamento da equipe executora do projeto (4 pessoas) desde Boca do Acre até a aldeia Nova Vista com os produtos de alimentação para a reunião e com o combustível para os participantes. O deslocamento está previsto para o dia 9 de outubro, sendo o retorno no dia 15 de manhã.
Reunião de Boca do Acre – T.I. Apurinã BR 317 Km 124 – 20 a 24 de outubro
Disponibilização de veículo para deslocamento da equipe com as mercadorias, assim como dos participantes da reunião desde Boca do Acre até a aldeia onde será realizada a reunião, na TI Apurinã BR 317 Km 124. O deslocamento está previsto para o dia 19 de outubro, sendo a volta no dia 25
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Anexo 1: Documentos oficiais dirigidos pela equipe executora ao DSEI/Alto Purus e à CASAI.
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de manhã. Dado que prevemos a participação entre 30 e 40 pessoas, consideramos que um ônibus seria o mais adequado.
Disponibilização de veículo para deslocamento dos participantes Kaxarari
desde Extrema até a aldeia onde será realizada a reunião na TI Apurinã BR 317 Km 124. O deslocamento está previsto para o dia 19 de outubro, sendo a volta no dia 25 de manhã. Está prevista a participação de três kaxarari.
Reunião de Sena Madureira – Aldeia Caiapucá – 1 a 5 de novembro.
Disponibilização de veículo para deslocamento de nove participantes Jaminawa e Manchineri das TIs Cabeceira do Rio Acre, Manchineri do Seringal Guanabara, e Mamoadate desde Assis Brasil até Sena Madureira. O deslocamento está previsto para o dia 29 de outubro, sendo a volta o dia 8 de novembro.
Disponibilização de embarcação para deslocamento dos participantes de Assis
Brasil e da equipe executora desde Sena Madureira até a aldeia Caiapucá. O deslocamento está previsto para o dia 30 de outubro, sendo a volta o dia 6 de novembro de manhã. Solicitamos também, a participação dos profissionais de saúde atuantes
em cada região durante os dois últimos dias de cada uma das reuniões, para estarem contribuindo na reflexão sobre as possíveis formas de articulação entre o sistema oficial de saúde e o sistema médico nativo no referente, especificamente, aos sistemas de parto.
Na certeza de sermos atendidos, Atenciosamente, ______________________________
Laura Pérez Gil Coordenadora Antropológica do Projeto
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Anexo 1: Documentos oficiais dirigidos pela equipe executora ao DSEI/Alto Purus e à CASAI.
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Carta 01 Ao Chefe do CASAI/Rio Branco Assunto: Solicitação Prezado senhor, Em primeiro lugar, agradecemos a sua senhoria o apoio ao deslocamento
feito no trecho Rio Branco – Sena Madureira no dia 26 do presente mês para a realização de trabalhos frente ao pólo-base deste município.
Na seqüência do desenvolvimento das nossas atividades previstas no projeto “Valorização e Adequação dos Sistemas de Parto Tradicionais das Etnias Indígenas do Acre e Sul de Amazonas”, solicitamos mais uma vez seu apoio para o deslocamento que precisamos realizar entre Rio Branco e Assis Brasil no dia 28. Na certeza de contar seu apoio,
Atenciosamente,
_____________________________ Letícia Luiza Yawanawa
Coordenadora da SITOAKORE
______________________________ Laura Pérez Gil
Coordenadora Antropológica do projeto
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Anexo 2: Convites.
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11.2. Anexo 2: Convites
CONVITE
Às Comunidades das Terras Indígenas da região de Pauini
Informamos sobre o início do Projeto “Valorização e Adequação dos Sistemas
de Parto Tradicionais das Etnias Indígenas do Acre e do Sul do Amazonas” cujos objetivos são valorizar o trabalho das parteiras e dos pajés que já atuam na assistência ao parto e refletir sobre como articular suas práticas com o sistema oficial de saúde.
Como um dos métodos de trabalho, realizaremos no período do dia 10 a 14 de outubro a 4ª Reunião Regional de Parteiras, Pajés e Agentes Indígenas de Saúde na Nova Vista (TI Peneri/Tacaquiri), onde prevemos a participação de representantes dos povos indígenas das seguintes terras indígenas da região de Pauini: Água Preta/Inari, Camadeni, Catipari/Mamoriá, Guajahã, Peneri/Tacaquiri, Seruini/Marienê, Tumiã, Teuini.
O objetivo da reunião é possibilitar a troca de experiências dos participantes e promover a reflexão sobre os problemas vivenciados pelas comunidades.
São convidados a participar da reunião de Pauini três representantes (01 parteira, 01 pajé e 01 Agente Indígena de Saúde de preferência mulher) das seguintes TIs:
3 representantes Apurinã da TI Água Preta/Inari; 3 representantes Apurinã da TI Camadeni; 3 representantes Apurinã da TI Catipari/Mamoriã; 3 representantes Camadeni da TI Catipari/Mamoriá 3 representantes Apurinã da TI Guajahã; 6 representantes Apurinã da TI Peneri/Tacaquiri; 3 representantes Apurinã da TI Seruini/Marienê; 3 representantes Apurinã da TI Tumiã 3 representantes Jamamadi da TI Teuini Informamos que nos 2 últimos dias desta reunião, estarão presentes os
profissionais de saúde que atuam junto às comunidades para manter um diálogo com os participantes indígenas.
Os participantes que tiverem produtos para vender (banana, arroz, feijão, amendoim, pupunha, carne, peixe) podem trazer para ajudar na alimentação durante a reunião. Se for possível, avisar pelo rádio o que as pessoas estão trazendo.
Comunicaremos antecipadamente qualquer alteração na programação.
Atenciosamente
SITOAKORE/ OLHAR ETNOGRÁFICO / VIGISUS II - FUNASA
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Anexo 2: Convites.
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CONVITE Às Comunidades das Terras Indígenas da região de Boca
do Acre Informamos sobre o prosseguimento do Projeto “Valorização e Adequação dos
Sistemas de Parto Tradicionais das Etnias Indígenas do Acre e do Sul do Amazonas” cujos objetivos são valorizar o trabalho das parteiras e dos pajés que já atuam na assistência ao parto e refletir sobre como articular suas práticas com o sistema oficial de saúde.
Como um dos métodos de trabalho, realizaremos no período do dia 20 a 24 de outubro a 5ª Reunião Regional de Parteiras, Pajés e Agentes Indígenas de Saúde na aldeia (TI ), onde prevemos a participação de representantes dos povos indígenas das seguintes terras indígenas da região de Boca do Acre: Kaxarari, Apurinã BR 317 Km 124, Boca do Acre (Apurinã Km 45), Camicuã, Igarapé Capana, Inauni, Lurdes/Cajueiro, Goiaba/Monte, Iquirema e Valparaíso.
O objetivo da reunião é possibilitar a troca de experiências dos participantes e promover a reflexão sobre os problemas vivenciados pelas comunidades.
São convidados a participar da reunião de Boca o Acre três representantes (01 parteira, 01 pajé e 01 Agente Indígena de Saúde de preferência mulher) das seguintes TIs:
3 representantes Apurinã da TI Apurinã BR 317 Km 124; 3 representantes Kaxarari da TI Kaxarari; 3 representantes Apurinã da TI Boca do Acre (Apurinã Km 45) 3 representantes Apurinã da TI Camicuã; 3 representantes Jamamadi da TI Igarapé Capana; 3 representantes Jamamadi da TI Inauni; 3 representantes Jamamadi da TI Lurdes/Cajueiro 3 representantes Apurinã da TI Lurdes/Cajueiro 3 representantes Jamamadi da TI Goiaba/Monte 3 representantes Apurinã da TI Goiaba/Monte 3 representantes Jamamadi da TI Iquirema 3 representantes Apurinã da TI Valparaíso Informamos que nos 2 últimos dias desta reunião, estarão presentes os
profissionais de saúde que atuam junto às comunidades para manter um diálogo com os participantes indígenas.
Os participantes que tiverem produtos para vender (banana, arroz, feijão, amendoim, pupunha, carne, peixe) podem trazer para ajudar na alimentação durante a reunião. Se for possível, avisar pelo rádio o que as pessoas estão trazendo.
Comunicaremos antecipadamente qualquer alteração na programação.
Atenciosamente
SITOAKORE/ OLHAR ETNOGRÁFICO / VIGISUS II - FUNASA
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Anexo 2: Convites.
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CONVITE Às Comunidades das Terras Indígenas da região de Sena
Madureira Informamos sobre o início do Projeto “Valorização e Adequação dos Sistemas
de Parto Tradicionais das Etnias Indígenas do Acre e do Sul do Amazonas” cujos objetivos são: valorizar o trabalho das parteiras e dos pajés que já atuam na assistência ao parto e refletir sobre como articular suas práticas com o sistema oficial de saúde.
Como um dos métodos de trabalho, realizaremos no período do dia 1 a 5 de novembro a 6ª Reunião Regional de Parteiras, Pajés e Agentes Indígenas de Saúde na aldeia (TI ), onde prevemos a participação de representantes dos povos indígenas das seguintes terras indígenas da região de Sena Madureira, Assis Brasil, Sta. Rosa do Purus e Manoel Urbano: Cabeceira do Rio Acre, Manchineri do Seringal Guanabara, Mamoadate, Jaminawa do Guajará, Alto Rio Purus, Jaminawa do Rio Caeté, Yaminawa do Caiapucá, Jaminawa da Colocação São Paulino.
O objetivo da reunião é possibilitar a troca de experiências dos participantes e promover a reflexão sobre os problemas vivenciados pelas comunidades.
São convidados a participar da reunião de Sena Madureira três representantes (01 parteira, 01 pajé e 01 Agente Indígena de Saúde de preferência mulher) das seguintes TIs:
3 representantes Jaminawa da TI Cabeceira do Rio Acre; 3 representantes Manchineri da TI Manchineri do Seringal Guanabara; 3 representantes Manchineri da TI Mamoadate; 3 representantes Jaminawa da TI Mamoadate; 3 representantes Jaminawa da Jaminawa do Guajará; 3 representantes Kaxinawa da TI Alto Rio Purus; 3 representantes Jaminawa da TI Alto Rio Purus; 3 representantes Kulina da TI Alto Rio Purus; 3 representantes Jaminawa da TI Jaminawa do Rio Caeté; 3 representantes Jaminawa da TI Jaminawa do Caiapucá; 3 representantes Jaminawa da TI Jaminawa da Colocação São Paulino. Informamos que nos 2 últimos dias desta reunião, estarão presentes os
profissionais de saúde que atuam junto às comunidades para manter um diálogo com os participantes indígenas.
Os participantes que tiverem produtos para vender (banana, arroz, feijão, amendoim, pupunha, carne, peixe) podem trazer para ajudar na alimentação durante a reunião. Se for possível, avisar pelo rádio o que as pessoas estão trazendo.
Comunicaremos antecipadamente qualquer alteração na programação.
Atenciosamente
SITOAKORE/ OLHAR ETNOGRÁFICO / VIGISUS II - FUNASA
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Anexo 3: Listas de participantes.
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11.3. Anexo 3: Listas de participantes
Lista de Participantes 4ª Reunião de Parteiras, Pajés e AIS Aldeia Nova Vista, 10 a 14 de Outubro
PARTEIRAS
• Leonilla Muniz de Souza – Aldeia Nova, T.I. Camadeni • Valdeniza Santos da Silva Apurinã – Aldeia Mipiri, T.I. Agua Preta/Inari • Creuza Gomes da Silva – Aldeia Guajahã, T.I. Guajahã • Neuza Francisca da Silva Apurinã – Aldeia Nova Esperança, T.I. Agua Preta/Inari • Maria da Conceição Sobrinho dos Santos, aldeia Kamarapú - T.I. Catipari/Mamoriá • Corina F. Batista Apurinã – Aldeia São Gerônimo, T.I. Catipari/Mamoriá • Darci Carla dos Santos - Aldeia Nova Vista, T.I. Peneri/Tacaquiri • Eucilene Julião dos Santos • Maria Socorro Batista Ramos – Aldeia São José de Catipari, T.I. Catipari/Mamoriá • Maria Conceição Ferreira da Silva - Aldeia Nova Floresta, T.I. Peneri/Tacaquiri • Elsa Lopes Apurinã – Aldeia Cachoeira, T.I. Peneri/Tacaquiri • Lucineide Barbosa Brasil Apurinã – aldeia Kassiria, T.I. Seruini/Marienê • Francisca B da Silva Apurinã – Aldeia Boa União, T.I. Peneri/Tacaquiri • Antonia Lima dos Santos – Aldeia Marienê, T.I. Seruini/Marienê • Maria da Silva Damisseis – aldeia Veracuz, T.I. Peneri/Tacaquiri • Isabel B. Vicente – Aldeia São Francisco, T.I. Agua Preta/Inari • Dalvina Paula dos Santos Apurinã – Aldeia Nova Floresta, T.I. Peneri/Tacaquiri • Lucila Justino Araujo Apurinã – Aldeia Jagunço II, T.I. Peneri/Tacaquiri • Maria Aduda Muniz Apurinã – Aldeia Karuá, T.I. Catipari/Mamoriá • Maria das Graças Nascimento dos Santos – Aldeia Nova Vista, T.I. Peneri/Tacaquiri • Antonia Sinzino dos Santos – Aldeia Nova Vista, T.I. Peneri/Tacaquiri • Maria Vicente de Oliveira Apurinã – aldeia Castanheira, T.I. Agua Preta/Inari
PAJÉS
• Euclides Carlos dos Santos Apurinã – Aldeia Nova Vista, T.I. Peneri/Tacaquiri • Manuel Carlos dos Santos Apurinã – Aldeia Nova Vista, T.I. Peneri/Tacaquiri • Valdemar Mulato Apurinã
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Anexo 3: Listas de participantes.
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AIS
• Mª do Socorro Justino de Araujó Apurina – Aldeia Jagunço, T.I. Peneri/Tacaquiri • Francisco Paulo dos Santos - Aldeia Nova Floresta, T.I. Peneri/Tacaquiri • Cleomar Franco da Silva Apurinã - Aldeia Guajahã, T.I. Guajahã • Francelino Francisco da Silva Apurinã • Eleonor Muniz Batista • Juvenil Araujo de Souza – Aldeia Nova Vista, T.I. Peneri/Tacaquiri • José Raimundo Fortino Muniz – Aldeia Nova, T.I. Camadeni • Raimundo Cardoso dos Santos
LIDERANÇAS
• Francisco Francelino Rafael • Francisco Diassiz Francileno Batista • Francisco Cardoso dos Santos • Israel Francisco Soares– Aldeia Nova Vista, T.I. Peneri/Tacaquiri • Francisco Sobren dos Santos • José Avelino Vicente Apurinã
Outros
• Francisco Cardoso dos Santos • Sandoval Carlos da Silva • Francisco dos Santos Soares – professor– Aldeia Nova Vista, T.I. Peneri/Tacaquiri
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Anexo 3: Listas de participantes.
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Lista de Participantes 5ª Reunião de Parteiras, Pajés e AIS. Aldeia Camicuã, 20 a 24 de Outubro. PARTEIRAS
• Cleucivania Pereira de Oliveira Apurinã (parteira suplente) – aldeia Centrinho, T.I. Camicuã.
• Edineuza Lima Acácio Apurinã – aldeia Centrinho, T.I. Camicuã. • Rosa Maria da Silva Pantoja Apurina (parteira suplente) – Aldeia Camapa, T.I.
Apurinã BR 314, Km. 124. • Nazira Gonçalves da Silva, Aldeia Camicuã, T.I. Camicuã. • Maria José Fernandes da Silva, Aldeia Camicuã, T.I. Camicuã. • Maria Antonia Carlos Apurinã, Aldeia Camicuã, T.I. Camicuã. • Maria das Dores Monteiro da Silva – aldeia Catispero, T.I. Camicuã. • Sebastiana Gonçalves da Silva – aldeia Catispero, T.I. Camicuã. • Rosalina Bernaldo da Silva Apurinã – aldeia Camicuã, T.I. Camicuã. • Noeme Bernaldo da Silva – Aldeia Camicuã, T.I. Camicuã. • Maria Bernaldo da Silva – Aldeia Camicuã, T.I. Camicuã. • Nice Gonçalves Apurinã – Aldeia Camicuã, T.I. Camicuã. • Margarida Pereira – aldeia Santo Antônio, T.I. Inauini/Teuini. • Raimunda Pereira Gonçalves – Aldeia Santo Antônio, T.I. Inauini/Teuini. • Ondina Pessoa do Nascimento - Aldeia Camapã, T.I. Apurinã BR 314, Km. 124. • Raimunda de Andrade Apurinã – T.I. Apurinã BR 314, Km. 124. • Caci da Silva Apurinã - T.I. Apurinã BR 314, Km. 124. • Lunga S. de Lima – aldeia Manhê - T.I. Apurinã BR 314, Km. 124. • Elizabete – aldeia Lurdes, T.I. Lurdes/Cajueiro. • Rocilda Morena Nascimento – Aldeia Camicuã, T.I. Camicuã.
PAJÉS
• Manoel Oliveira Silva – Aldeia Santo Antonio, T.I. Inauini/Teuini. AIS
• Roberto Pequeno de Oliveira Apurinã – Aldeia Centrim, T.I. Camicuã. • Leticia Pequeno da Silva Apurinã – Aldeia Camicuã, T.I. Camicuã. • Valdemir P. Gonçalves – Aldeia Santo Antonio, T.I Inauini/Teuini. • José Gonçalves da Silva – aldeia Camicuã, T.I. Camicuã. • José Edison do Nascimento – aldeia Camapa, T.I. Apurinã BR 314, Km.124 • Jeffersson Teixeira da Silva Apurinã, aldeia Catispero, T.I. Camicuã. • AIS da aldeia Lurdes, T.I. Lurdes/Cajueiro.
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Anexo 3: Listas de participantes.
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LIDERANÇAS
• Raimundo F. Benedito da Silva – aldeia Camapã, T.I. Apurinã BR 314, Km. 124 • Manoel Gonçalves da Silva - aldeia Catispero, T.I. Camicuã. • Valdemar Pereira Silva – aldeia Santo Antonio • Marechal, Aldeia Camicuã, T.I. Camicuã.
Outros:
• Evandro G. Apurinã – Conselheiro Distrital, aldeia Camicuã. • Gercinho Vieira Apurinã – Agente Agroflorestal, aldeia Camicuã. • Rosemiro Rodrigues dos Santos - Agente Agroflorestal, aldeia Camicuã. • Santos Pinheiro Golçalves, Aldeia Camicuã, T.I. Camicuã. • José Claudio do Nascimento, Aldeia Camicuã, T.I. Camicuã.
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Anexo 3: Listas de participantes.
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Lista de Participantes 6ª Reunião de Parteiras, Pajés e AIS. Aldeia Kaiapucá, 4 a 8 de Novembro. PARTEIRAS
• Alice Jaminawa, aldeia Kaiapucá, T.I. Kaiapucá. • Angélica Jaminawa, aldeia Buenos Aires, T.I. Jaminawa do Rio Caeté. • Lucia Machico Jaminawa, aldeia Boca do Canamari, T.I. Jaminawa do Rio Caeté. • Neuza M. Jaminawa, aldeia Extrema, T.I. Jaminawa do Rio Caeté. • Maria Alves Kaxarari, aldeia Paxiuba, T.I. Kaxarari. • Francisca Martins Kaxarari, aldeia Marmelindo, T.I. Kaxarari. • Rita A. Costa Kaxarari, aldeia Marmelindo, T.I. Kaxarari. • Helena Barroso, aldeia São Paulino, T.I. Jaminawa da Colocação São Paulino. • Rosa Oliveira Kaxinawa, aldeia Puerto Rico, T. I. Alto Purus. • Maria Yndera Waidor Kulina, aldeia Santa Julia, T. I. Alto Purus. • Terezinha Rume Kulina aldeia Buaçú, T. I. Alto Purus.
PAJÉS
• Carlitos, aldeia Kaiapucá, T.I. Kaiapucá. • Raimundo, aldeia Kaiapucá, T.I. Kaiapucá.
AIS
• Urias Nunes Jaminawa, aldeia São Paulino, T.I. Jaminawa da Colocação São Paulino.
• Francisco Manuel da Silva Jaminawa, aldeia Boca do Canamari, T.I. Jaminawa do Rio Caeté.
• Paulo Machico Jaminawa, aldeia Buenos Aires, T.I. Jaminawa do Rio Caeté. • Vitoria de Lourdes Jaminawa, aldeia Kaiapucá, T.I. Kaiapucá. • Lauro N.S. Jaminawa, aldeia Extrema, T.I. Jaminawa do Rio Caeté.
LIDERANÇAS
• Jadiel, aldeia Kaiapucá, T.I. Kaiapucá. • Aderaldo Correia da Silva – Coordenador da OCAERJ
REPRESENTANTES de MULHERES:
• Marizina Kaxarari, aldeia Paxiuba, T.I. Kaxarari. • Osmarina Nonato l. Kaxinawa, aldeia Puerto Rico, T. I. Alto Purus.
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Anexo 3: Listas de participantes.
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Outros • Mariquinha Jaminawa, aldeia Kaiapucá, T.I. Kaiapucá. • Sueli Mendes Jaminawa, aldeia Kaiapucá, T.I. Kaiapucá. • Natalia Lopes Jaminawa, aldeia Kaiapucá, T.I. Kaiapucá. • Joana da Silva Jaminawa, aldeia Kaiapucá, T.I. Kaiapucá. • José Quinho Jaminawa, aldeia Kaiapucá, T.I. Kaiapucá.
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Anexo 4: Roteiros das reuniões
191
11.4. Anexo 4: Roteiros das reuniões
4ª Reunião das Parteiras, Pajés e AIS. Projeto “Valorização e adequação dos sistemas de parto
tradicionais das etnias indígenas do Acre e do Sul do Amazonas” Local: Aldeia Nova Vista. T.I. Peneri/Tacaquiri, município de Pauini, AM Data: 10 a 14 de outubro de 2006
ROTEIRO PARA CONVERSA 10 de outubro de 2006 Manhã:
Abertura da reunião: Apresentação cultural. Apresentação do projeto pelas representantes da Sitoakore e as
técnicas do projeto. Apresentação dos participantes.
Tarde: Avaliação dos cursos de Aperfeiçoamento das Parteiras Tradicionais
Indígenas. O que é medicina tradicional?
11 de outubro de 2006 Manhã:
Apresentação cultural. Perfil da parteira. Trabalho das parteiras, pajés e AIS. Tarde:
Partos na aldeia e partos na cidade: vantagens e desvantagens. Conversa sobre o pré-natal, a saúde da grávida e os encaminhamentos
para a cidade.
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Anexo 4: Roteiros das reuniões
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12 de outubro de 2006 Manhã:
Apresentação cultural. Cuidados com a grávida (resguardos, dietas) e amamentação.
Tarde: Preparação da conversa com os profissionais de saúde. Propostas de políticas públicas para valorização da medicina tradicional
13 de outubro de 2006 Manhã:
Apresentação cultural. Chegada dos profissionais de saúde não indígenas Quais são os problemas que os profissionais de saúde e as
comunidades indígenas enfrentam em relação à saúde indígena. Tarde:
Como melhorar a saúde indígena. 14 de outubro de 2006 Manhã:
Levantamento dos pontos importantes e construção de um documento final.
Avaliação da reunião. Tarde:
Acertos com os participantes relativos a auxílio transporte e alimentação, cozinheiras, lenheiro e monitoras. Encerramento
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Anexo 4: Roteiros das reuniões
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5ª Reunião das Parteiras, AIS e Pajés.
Projeto “Valorização e adequação dos sistemas de parto tradicionais das etnias indígenas do Acre e do Sul do Amazonas”
Local: Aldeia Camicuã. T.I. Camicuã, município de Boca do Acre, AM Data: 20 a 24 de outubro de 2006
ROTEIRO PARA CONVERSA 20 de outubro de 2006 Manhã:
Abertura da reunião: Apresentação cultural. Apresentação do projeto pelas representantes da Sitoakore e as
técnicas do projeto. Apresentação dos participantes.
Tarde: Avaliação dos cursos de Aperfeiçoamento das Parteiras Tradicionais
Indígenas. O que é medicina tradicional?
21 de outubro de 2006 Manhã:
Apresentação cultural. Perfil da parteira. Trabalho das parteiras, pajés e AIS. Tarde:
Partos na aldeia e partos na cidade: vantagens e desvantagens. Conversa sobre o pré-natal, a saúde da grávida e os encaminhamentos
para a cidade.
Instituto de Pesquisa e Documentação Etnográfica - Olhar Etnográfico
Anexo 4: Roteiros das reuniões
194
22 de outubro de 2006 Manhã:
Apresentação cultural. Cuidados com a grávida (resguardos, dietas) e amamentação.
Tarde: Preparação da conversa com os profissionais de saúde. Propostas de políticas públicas para valorização de medicina tradicional
23 de outubro de 2006 Manhã:
Apresentação cultural. Chegada dos profissionais de saúde não indígenas Quais são os problemas que os profissionais de saúde e as
comunidades indígenas enfrentam em relação à saúde indígena. Tarde:
Como melhorar a saúde indígena. 24 de outubro de 2006 Manhã:
Levantamento dos pontos importantes e construção de um documento final.
Avaliação da reunião. Tarde:
Acertos com os participantes relativos a auxílio transporte e alimentação, cozinheiras, lenheiro e monitoras. Encerramento
Instituto de Pesquisa e Documentação Etnográfica - Olhar Etnográfico
Anexo 4: Roteiros das reuniões
195
6ª Reunião das Parteiras, AIS e Pajés. Projeto “Valorização e adequação dos sistemas de parto
tradicionais das etnias indígenas do Acre e do Sul do Amazonas” Local: Aldeia Caiapucá. T.I. Jaminawa do Caiapucá, município de Boca
do Acre, AM Data: 4 a 8 de novembro de 2006
ROTEIRO PARA CONVERSA 4 de novembro de 2006 Manhã:
Abertura da reunião: Apresentação cultural. Apresentação do projeto pelas representantes da Sitoakore e as
técnicas do projeto. Apresentação dos participantes.
Tarde: Avaliação dos cursos de Aperfeiçoamento das Parteiras Tradicionais
Indígenas. Medicina tradicional.
5 de novembro de 2006 Manhã:
Apresentação cultural. Perfil da parteira. Trabalho das parteiras, pajés e AIS. Tarde:
Partos na aldeia e partos na cidade: vantagens e desvantagens. Conversa sobre o pré-natal, a saúde da grávida e os encaminhamentos
para a cidade.
Instituto de Pesquisa e Documentação Etnográfica - Olhar Etnográfico
Anexo 4: Roteiros das reuniões
196
6 de novembro de 2006 Manhã:
Apresentação cultural. Cuidados com a grávida (resguardos, dietas) e amamentação.
Tarde: Preparação da conversa com os profissionais de saúde. Propostas de políticas públicas para valorização de medicina tradicional
7 de novembro de 2006 Manhã:
Apresentação cultural. Chegada dos profissionais de saúde não indígenas Quais são os problemas que os profissionais de saúde e as
comunidades indígenas enfrentam em relação à saúde indígena. Tarde:
Como melhorar a saúde indígena. 8 de novembro de 2006 Manhã:
Levantamento dos pontos importantes e construção de um documento final.
Avaliação da reunião. Tarde:
Acertos com os participantes relativos a auxílio transporte e alimentação, cozinheiras, lenheiro e monitoras. Encerramento
Instituto de Pesquisa e Documentação Etnográfica - Olhar Etnográfico
Anexo 5: Cadastros das parteiras
197
11.5. Anexo 5: Cadastros das parteiras
Nome Data de nascimento ou Idade
Aldeia
Com quem aprendeu Quando aprendeu Quantas crianças pegou Cursos
Maria da Silva Damisseis Apurinã
03/06/1941 Veracruz
Assistindo os partos de sua mãe e sua tia. Lhe indicaram como tinha que fazer. A avó dela a ensinou a ajeitar criança. Sua avó era apurinã, não sabia falar português.
Fez o primeiro parto (de sua mãe) com 12 anos. Aprendeu quando já era moça, mas não estava casada.
Pegou muita criança. Só pega crianças da aldeia, filhos dos seus parentes.
- GMI - FUNASA A própria comunidade a apontou para participar dos cursos. Comentário: O que a doutor ensinou, ela já sabia.
Creuza Gomes da Silva
07/12/37 Guajahã.
Depois de fazer o primeiro parto de sua cunhada por necessidade, começou a acompanhar sua mãe e outras parteiras que a chamavam. Quando as parteiras morreram, ela ficou.
Já era casada com filhos quando começou a pegar criança.
Pegou 21 crianças: das filhas, das noras. Nunca pegou dos brancos. Fez dois partos de gêmeos, sem problema. Duas crianças morreram com sete dias com “mal de criança”.
- GMI - FUNASA (A comunidade a indicou para fazer o curso).
Lucineide Barbosa Brasil
22/07/1966
Kassiriã
Aprendeu escutando as velhas como tinha que fazer. Ganhou seu primeiro filho sozinha. Sua mãe apenas explicou algumas coisas.
A primeira criança que pegou está com treze anos, o mais novo com 4.
6 crianças de suas cunhadas, além de três crianças dela mesma. Nunca teve nenhum problema.
Não fez curso
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Anexo 5: Cadastros das parteiras
198
Leonilla Muniz de Souza 433141
04/01/1958
Aldeia Nova
O primeiro parto o fez por necessidade, para ajudar a sua prima que entrou em trabalho de parto e não tinha ninguém para assistir. Depois que ela mesma teve o primeiro filho, sua mãe começou a ensiná-la.
Tinha em torno de 12 anos quando pegou a primeira criança, mas sua mãe começou a ensiná-la depois que teve seu primeiro filho
Antes do curso, pegou 16 crianças, e depois do curso três.
- GMI - Funasa
Maria Vicente de Oliveira Apurinã
46 anos Castanheira.
Aprendeu com sua mãe. Numa ocasião, não tinha ninguém para pegar. As cunhadas a chamaram e ela fez. Também fez partos na cidade, as brancas a chamavam. Pegou filhos da irmã e da cunhada. Quando começou a pegar crianças, estava casada e tinha três filhos.
Antes do curso, tinha feito quatro partos; depois do curso, fez dois partos na aldeia e dois na cidade.
- GMI - FUNASA
D. Corina São Gerônimo
Aprendeu com a sogra. Começou a pegar crianças das filhas e noras. Apenas pega das suas vizinhas.
A primeira criança que pegou era da mulher do seu sobrinho. Ela já era casada e com filhos.
2006: 2 crianças 2002: 1 2001: 1 2000: 1 1999: 2 1998: 2 1997: 2 1996: 3 1995: 2 1994: 1 1993: 1 1992: 1 1991: 1 1988: 1 1986: 1 Só fez partos dentro de sua comunidade.
- GMI - FUNASA
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Anexo 5: Cadastros das parteiras
199
Rosilda Moreira de Nascimento (branca casada com um índio)
63 Maripuá
Aprendeu com a parteira que tinha na comunidade. Era uma parteira branca. Rocilda a acompanhava.
Tinha 31 anos quando começou a pegar crianças da comunidade e dos brancos.
Pega crianças de várias aldeias: Maripuá, Nova Vista. Pegou os filhos das filhas, das netas e das irmãs.
Não fez nenhum curso
Dona Duda Karuá
Aprendeu com a mãe. Viu a mãe assistindo partos de outras mulheres e aprendeu olhando.
A primeira criança que pegou, era da sua irmã. Pegou das cunhadas, filhas e noras. Já era idosa quando começou a pegar.
Pegou dez crianças, dois delas depois do curso. Uma criança foi natimorto. Fez o parto de uma criança que nasceu de braço.
- GMI - FUNASA
Lucilla Justina Araújo Apurinã
42 Jagunço II Viu sua mãe assistindo duas vezes. Depois que casou, morava com a sogra e aprendeu com ela. Com ela aprendeu a colocar as crianças dentro da barriga
Tinha 17 anos quando fez o primeiro parto. Antes tinha acompanhado: segurava a grávida antes do parto, andava com ela.
Pegou 23 crianças, todas de parentes: sobrinhas, primas filhas; 13 delas antes do curso e 10 depois do curso
- GMI - FUNASA
Maria Conceição Sobrino dos Santos
25 Kamarapú.
Aprendeu acompanhando sua sogra. Aprendeu quando tinha 20 anos. Quando começou a acompanhar a sogra e a mãe, já era mãe de sete filhos.
Pegou dois meninos no Mipiri: estando ela lá, não tinha nenhuma parteira.
FUNASA.
Mª Socorro Ramos Francilene Batista
08/06/1963
São José de Catipari.
Aprendeu acompanhando sua tia, que era parteira.
Começou a pegar criança já sendo idosa. Pegou os filhos de sua cunhada, da mulher do seu primo.
Pegou cinco crianças. Nunca teve nenhum problema.
Ainda não fez nenhum curso.
Dalvina Paulo dos Santos
36 Nova Floresta
Aprendeu acompanhando sua mãe. Quando era solteira, a chamava apenas para fazer chá. Depois de casada, a chamava para ver o parto. Agora ficou no lugar da mãe, que não tem mais condições de fazer os partos. A mãe a ensinou a ajeitar as crianças.
Pegou a primeira criança quando tinha 13 anos. Não tinha nenhum conhecimento
Pegou 11 crianças: nove foram partos normais, e; um foi um aborto de três meses, por causa de uma queda da rede. Outro nasceu sentado. Depois do curso, pegou uma criança.
- FUNASA
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Anexo 5: Cadastros das parteiras
200
Francisca Bernardo da Silva Apurinã
59 Boa União. Aprendeu acompanhando sua mãe. A chamava e a deixava entrar embaixo do mosquiteiro. Quando sua mãe foi embora, não tinha parteira, então começaram a chamar ela.
Já era “idosa” quando fez o primeiro parto.
Pegou 40 crianças da aldeia, além de mais dois dos brancos. As pessoas a chamam, também indígenas que não moram na aldeia.
- FUNASA.
Izabel Batista Vicente Apurinã
Não sabe (Entre 55 e 60)
São Francisco.
Aprendeu vendo a parteira branca muito boa. A viu trabalhando e começou a perguntar. Não aprendeu com sua mãe. A sogra pegava criança; quando a sogra foi embora, ela ficou.
A primeira criança que pegou foi de sua filha. Ela não sabia como era. Acha que foi Deus que ajudou.
Pegou muitas crianças, principalmente de suas filhas e netas, de suas sobrinhas próximas. Faz principalmente o parto de pessoas próximas. Tem medo por se acontece algum problema e alguém cobra dela.
- FUNASA
Elsa Mais de 80 anos
Cachoeira
Foi a mãe dela que ensinou. Durante o parto sua mãe foi explicando como tinha que fazer. Depois fez de duas irmãs. Depois uma tia a ensinou a fazer massagem com óleo de andiroba e a ajeitar a criança.
O primeiro parto que fez foi o da sua mãe, quando ela ainda não era casada.
Pegou muitas crianças. Só de suas netas pegou 48. Também as brancas de Pauini a chamam ela; já fez 10 partos das brancas.
- GMI - FUNASA
Antônia Lima dos Santos (Branca casada com índio)
Maripuá
16/10/1959 A primeira criança que pegou, não sabia nada, o fez sozinha. Depois começou a aprender com Rosilda, de quem é atualmente acompanhante.
Já era casada e com filhos quando fez o primeiro parto, que foi da filha do seu marido.
Participou em oito partos. Apenas fez um sozinha.
Não fez curso.
Antonia Sinzino dos Santos (Branca casada com um apurinã).
15/03/1962
Nova Vista.
Ninguém ensinou como tinha que fazer o corte do umbigo, ela mesma sabia. Quando era criança e sua mãe ia ganhar nenê, sua tia as levava longe, ninguém sabia nada. Soube como fazer por seu próprio pensamento.
Tinha 13 anos quando fez o primeiro parto. Depois que casou com um apurinã, começou a pegar na aldeia.
Entre 2000 e 2006 pegou dez crianças, que anotou no talão de registro do parto dado pelo GMI. Também fez partos de mulheres não-indígenas na região de Lábrea, antes de vir morar com os Apurinã.
- GMI - SITOAKORE
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Anexo 5: Cadastros das parteiras
201
Darci Em torno de 50
anos. Nova Vista Acompanhante de Antônia.
Acompanhou a mãe e a avó quando iam assistir partos.
Já era “idosa” quando começou a pegar.
Três crianças, duas delas por necessidade durante viagens. Uma morreu porque não deixava de sangrar pelo umbigo.
- GMI
Maria Conceição F. da Silva
34 Nova Floresta Aprendeu acompanhando Dalvina fazer parto.
Começou faz três anos. Acompanhou 3 partos Não fez curso
Neuza Em torno de 18 Nova Esperança
Acompanha sua mãe e fez o curso de parteiras.
Nunca fez nenhum parto. Fez um curso.
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Anexo 5: Cadastros das parteiras
202
Nome Aldeia Ano de nascimento
ou idade Como aprendeu Quando aprendeu Quantas crianças
pegou. Cursos
Rosa María da Silva Pantoja
Camapã 1972 Aprendeu acompanhando D. Onda.
Nenhum
Onda Pessoa de Nascimento (Não-indígena casada com Apurinã)
Camapã
1943 Tinha 17 anos quando começou a pegar sozinha. A primeira criança que pegou foi de sua irmã, depois começou a pegar outras crianças.
Não sabe quantas crianças pegou porque foram muitas. Contou até 51. Faz partos também das não-indígenas. Nunca morreu nenhuma criança.
- Curso dado no hospital para as brancas, faz 29 anos. - Curso da FUNASA - Dois cursos do GMI em 2000 e 1999
Edineuza Lima Acácio
Centrim 1977 Aprendeu com o curso Nenhuma Curso da FUNAI em maio de 2005
Cleucivania Pereira de Oliveira Apurinã
Centrim 1983 Ajudou a pegar uma criança
Não fez curso
Lunga da Silva Lima (Não indígena casada com Apurinã)
Manhê 1946 Aprendeu acompanhando sua sogra.
Começou acompanhar sua sogra depois que casou, com 15.
12 crianças - FUNASA - GMI
Mª das Dores da Silva
Catispero
1969 Foi aprendendo aos pouco, vendo seu pai e sua madrinha, quando moravam num seringal
Começou a acompanhar com 15 anos, primeiro sua madrinha e depois sua sogra. Agora sua sogra ficou como sua acompanhante, já que é idosa.
Acompanhou no parto de 6 crianças, como ajudante da sogra, e não pegou nenhum sozinha. Depois do curso pegou um menino.
- Funasa88. Depois do curso começou a “pegar criança”.
88 Curso da FUNASA acontecido em 2006.
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Anexo 5: Cadastros das parteiras
203
Sebastiana Gonçalves da Silva
Catispero 1946 Aprendeu acompanhando sua sogra. Atualmente é a acompanhante de sua nora porque está velinha.
Não fez curso
Margarida Pereira de Souza Jamamadi
Santo Antônio Em torno de 30 anos. Aprendeu com sua prima (MZD). Depois a enfermeira a ensinou e entregou o material.
Pegou quatro crianças, todos eles filhos de sua irmã. A primeira que pegou é filho da sua irmã, e agora está com 3 anos.
Não fez curso de parteira.
Raimunda Jamamadi Santo Antônio Aprendeu com sua mãe. Pegou 7 crianças Não fez curso de parteira.
Nice Gonçalves Apurinã
Camicuã.
1935 Aprendeu com a sogra de sua prima, Dona Santa, que era a parteira que assistia os partos na aldeia, era sua cunhada.
Quando pegou a primeira criança, era casada mas não tinha filhos.
Antes do curso pegou 16 crianças, e depois do último curso, assistiu dois partos.
- GMI - FUNASA
Caci da Silva Apurinã
Estrada 124 1977 Aprendeu acompanhando sua mãe: “Eu fiz muito curso com minha mãe”
Começou acompanhar sua mãe com 12 anos.
Não sabe quantos partos já assistiu acompanhando sua mãe.
Não fez curso.
Raimunda de Andrade Apurinã
Estrada 124 1937 Aprendeu com sua mãe. Depois de casada continuou aprendendo com sua sogra, que não era indígena.
Começou a acompanhar sua mãe quando ainda era solteira.
Fez três cursos, do GMI e da FUNASA.
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Anexo 5: Cadastros das parteiras
204
Nome Data de nascimento ou idade
Aldeia Como aprendeu Quando Quantas crianças pegou
Cursos
Rosa Oliveira Kaxinawa
1975 Aldeia Puerto Rico.
Aprendeu com a mãe. O primeiro parto que fez foi o da sua cunhada.
Tinha 13 anos quando fez o primeiro parto.
Pegou 28 crianças, nenhuma delas morreu.
A comunidade a escolheu para fazer o curso. Fez trêscursos, entre eles o da FUNASA.
Maria Alves de Souza Kaxarari
1940 Paxiuba.
Aprendeu com sua mãe. Começou a aprender ainda muito nova, antes de casar.
Pegou muitas crianças.
- Dois cursos da FUNASA (Paxiúba e Ananai). - Curso de GMI em Sena Madureira
Rita Alves Costa Kaxarari
1943 Marmelindo
Aprendeu acompanhando sua sogra. A sogra a incentivou. Trabalha junto com D. Francisca.
Quando começou a pegar, ela já era casada.
Pegou muitas crianças.
Cursos: - GMI - Sena Madureira-: - FUNASA Paxiúba e Ananai
Francisca Martins Kaxarari
1943 Marmelindo Aprendeu com sua mãe dela. Tinha quatro filhos quando começou a pegar.
Não lembra mais quantas crianças pegou.
Cursos: - GMI - Sena Madureira-: - FUNASA Paxiúba e Ananai
Helena Barroso de Brito Não-indígena casada com Jaminawa
1969
São Paulino Aprendeu com a avó dela. Era já velinha e a levava para pegar criança. Depois foi para a aldeia, ela já pegava e a escolheram para ser parteira.
Tinha 18 anos quando começou a assistir partos.
Já pegou muitas crianças, só dentro da comunidade.
1 curso: FUNASA
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Anexo 5: Cadastros das parteiras
205
Lucia Machico Jaminawa
1971 Boca do Canamari
Aprendeu com sua sogra. A chamavam para pegar criança.
Pega crianças desde os 13 anos.
Já pegou 6 crianças. 1 curso: FUNASA.
Angélica da Silva Jaminawa
1977 Buenos Aires
Aprendeu com sua avó. Agora sua avó não pode mais pegar mais crianças e só ela mesma que pega na aldeia.
Era adolescente, ainda não tinha filhos.
Pegou 7 crianças Fez dois cursos: uma da FUNASA e outro do GMI Foi escolhida antes de fazer o curso
Alice Jaminawa
1974 Kaiapucá
Aprendeu sozinha. Começou a pegar e só depois aprendeu com sua irmã Vitória (AIS de Kaiapucá).
Tinha 21 anos quando começou.
Pegou 5 crianças Dois cursos
Vitória Jaminawa (AIS da aldeia)
Em torno dos 40 anos
Kaiapucá Vitória é AIS de Kaiapucá. Aprendeu assistir partos com a avó e a mãe
Vitória tinha 14 anos quando começou
Pegou 4 crianças Não fez cursos.
Neuza Marino Jaminawa
1963 Extrema
Aprendeu com a irmã, Nazaré.
Começou a trabalhar há 7 anos
Quando trabalhava no Betel pegou 5 crianças. Agora, depois do curso, já morando no Caeté, pegou 1 criança.
Só fez um curso da FUNASA
Maria Yndera Waidor Kulina
1978 Santa Julia
Aprendeu com sua mãe. Pegou 10 meninos 3 cursos
Teresinha Kulina Rume 1956 Aldeia Buaçú
Aprendeu com a irmã. Já tinha 3 meninos quando começou a pegar. A irmã morreu e ela assumiu a tarefa.
Já pegou 10 crianças. Pegou de suas primas e netas. Nunca morreu nenhuma criança.
Não fez curso
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Anexo 6: Dados sobre número de grávidas
206
11.6. Anexo 6: Dados sobre o número de grávidas e o número as pessoas que assistem os partos em cada aldeia.
Região de Pauini
89 Não necessariamente as pessoas que aparecem na tabela são as únicas que sabem assistir partos nas suas aldeias. Pode haver uma ocultação, quando se pergunta se há outras mulheres que cumprem essa função, ou porque apenas se considera aquelas que são apontadas oficialmente pela comunidade, ou pela pessoa querer monopolizar essa função, em vistas a possíveis benefícios futuros.
Aldeia População da aldeia
Número de grávidas
Pessoas que realizam partos na aldeia89
Veracruz 80 5 • Maria da Silva Damisseis Apurinã • Acompanhante de Maria
Guajarrahã 31 2 • Creuza Gomes da Silva Filha de Creuza (AIS e acompanhante)
Kassiriã 53 0 • Lucineide Barbosa Brasil Aldeia Nova 84 4 • Leonilla Muniz de Souza Castanheira 45 2 • Maria Vicente de Oliveira Apurinã São Gerônimo 90 4 (todas noras
de D. Corina) • Dona Corina • Nora de Dona Corina
Maripuã 1 • Rosilda Moreira de Nascimento • Antônia Lima dos Santos (acompanhante de Dona Rosilda).
Jagunço II
74
? • Lucilla Justina Araújo Apurinã ?
Karuá 34 2 • Dona Duda Kamarapú 63 3 • Maria Conceição Sobrino dos
Santos (única que fez curso) • Cunhada de Conceição • Sogra de Conceição
São José de Catipari
35 0 • Mª Socorro Ramos Francilene Batista
Nova Floresta 25 2 • Dalvina Paulo dos Santos • Maria Conceição F. da Silva (Acompanhante de Dalvina)
Boa União 68 • Francisca Bernardo da Silva Apurinã
São Francisco 71 • Izabel Batista Vicente Apurinã (Uma filha e uma nora a acompanham, mas tem medo de assistir os partos).
Cachoeira 72 • Elsa • Uma neta de Elsa que é AIS a acompanha.
Nova Vista 165 • Antonia Sinzino dos Santos • Darci (acompanhante de Antonia)
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Anexo 6: Dados sobre número de grávidas
207
Região de Boca do Acre Aldeia População da
aldeia Número de grávidas
Pessoas que realizam partos90
Camapã 113 • Onda Pessoa de Nascimento • Irmã de Dona Onda • Rosa María da Silva Pantoja (Nora e acompanhante de D. Onda)
Katispero 68 • Mª das Dores da Silva • Sebastiana Gonçalves da Silva (Sogra e acompanhante de Mª das Dores).
Centrim 31 0 • Edineuza Lima Acácio • Cleucivania Pereira de Oliveira Apurinã (Acompanhante de Edineuza
Manhê 97 • Lunga da Silva Lima (Há outras mulheres que sabem pegar criança)
Santo Antônio 163 • Margarida Pereira de Souza Jamamadi • Raimunda Jamamadi (acompanhante)
Camicuã 299 3 • Nice Gonçalves Apurinã • Dona Noemi • Dona Maria (está aprendendo)
Estrada 124 28 • Raimunda de Andrade Apurinã • Caci da Silva Apurinã (acompanhante) • (Tem outras mulheres que sabem assistir partos)
90 Não necessariamente as pessoas que aparecem na tabela são as únicas que sabem assistir partos nas suas aldeias. Pode haver uma ocultação, quando se pergunta se há outras mulheres que cumprem essa função, ou porque apenas se considera aquelas que são apontadas oficialmente pela comunidade, ou pela pessoa querer monopolizar essa função, em vistas a possíveis benefícios futuros.
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Anexo 6: Dados sobre número de grávidas
208
Região de Sena Madureira Aldeia População da
aldeia Número de grávidas
Pessoas que realizam partos91
Porto Rico 136 3 • Rosa Oliveira Kaxinawa • Tem outras mulheres na aldeia que assistem partos, entre elas a mãe e a irmã de Rosa.
Paxiúba 61 • Maria Alves de Souza Kaxarari
• Ausilene (Filha e acompanhante de Maria)
Marmelindo 115 5 • Rita Alves Costa Kaxarari • Francisca Martins Kaxarari
São Paulino 74 • Helena Barroso de Brito Boca do Canamari92
0 • Lucia Machico Jaminawa • Irmã de Lucia
Extrema 83 1 • Neuza Marino Jaminawa • Sogra de Neuza
Buenos Aires 43 1 • Angélica da Silva Jaminawa
Kaiapucá 104 2 • Alice Jaminawa Há várias outras mulheres que sabem assistir parto, embora Alice seja a “parteira” oficialmente escolhida pela comunidade.
Santa Julia 110 6 • Maria Yndera Waidor Kulina • Irmã de Maria
Buaçu 55 2 • Teresinha Kulina Rume
91 Não necessariamente as pessoas que aparecem na tabela são as únicas que sabem assistir partos nas suas aldeias. Pode haver uma ocultação, quando se pergunta se há outras mulheres que cumprem essa função, ou porque apenas se considera aquelas que são apontadas oficialmente pela comunidade, ou pela pessoa querer monopolizar essa função, em vistas a possíveis benefícios futuros. 92 Aldeia recém-criada a partir de uma cisão das outras aldeias do Caeté. Não há dados ainda sobre a população.
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Anexo 7: Dados sobre os locais dos partos da população indígena
209
11.7. Anexo 7: Dados sobre os locais dos partos da população indígena.
Dados fornecidos pólo-base de Boca do Acre sobre o local dos partos da população indígenas nos anos 2005 e 2006. Data Lugar do parto Etnia Comunidade da
parturiente 15/02/05 Aldeia Apurinã Camicuã 28/03/05 Aldeia Jamamadi Sto. Antônio 13/04/05 Hospital Jamamadi Iquirema 01/04/05 Aldeia Jamamadi Sto. Antônio 21/01/05 Aldeia Apurinã Km. 45 15/05/05 Aldeia Apurinã Camicuã 04/01/05 Aldeia Apurinã Camicuã 11/03/05 Aldeia Apurinã Camicuã 14/05//05 Hospital Apurinã Km. 45 10/04/05 Hospital Apurinã Camicuã 05/05/05 Aldeia Apurinã Camicuã 26/07/05 Aldeia Apurinã Km. 124 23/08/05 Hospital Jamamadi Goiaba 14/09/05 Aldeia Apurinã Camapa 22/08/05 Hospital Apurinã Camicuã 07/09/05 Aldeia Apurinã Camicuã 14/09/05 Aldeia Apurinã Camicuã 23/10/05 Hospital Apurinã Manhi (estrada) 07/11/05 Hospital Apurinã Manhi 08/11/05 Hospital Apurinã Manhi 05/01/06 Hospital Jamamadi Sto. Antonio 14/01/06 Aldeia Jamamadi Sto. Antônio 11/04/06 Hospital Apurinã Km. 45 25/08/06 Hospital Apurinã Katispero 09/06/06 Hospital Apurinã Manhi 2006 Hospital Apurinã Camicuã 2006 Aldeia Jamamadi Sto. Antônio 2006 Aldeia Jamamadi Sto. Antônio
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Anexo 7: Dados sobre os locais dos partos da população indígena
210
Dados fornecidos pólo-base de Sena Madureira sobre o local dos partos da população indígenas entre os anos 2001 e 2006. Localização 2001 2002 2003 2004 2005 2006 T.I. Aldeia Aldeia Cidade Aldeia Cidade Aldeia Cidade Aldeia Cidade Aldeia Cidade Aldeia Cidade
Boca do Canamari
1 1
Extrema 2 4 1 J.C.F - 2 4 1 3 J.C.F - 3
Caeté
Buenos Aires 2 2 J.C.F - 1 J.C.F - 2 J.C.F. – 1 Caiapucá Caiapucá 2 4 J.C.F. - 1 1 2 J.C.F - 1 3 J.C.F - 2 2 J.C.F. -2 São Paulino
São Paulino 1 B.H – 1
Barrinha 2 B.H. - 1 2 C. M - 1 2 1 3 B.H. - 2 B.H. – 1 (cesárea)
Pedrera 2 B.H. - 1 3 2 1 1 2 2 B.H. - 4 Paxiúba 1 1 S.J. - 1 2 1 B.H. - 1
Kaxarari
Marmelindo 2 P.V. – 1 S.J. – 1
4 7 2 S.J. - 2 3 S.J. - 1 3 Extrema – 1
Estabelecimentos do SUS mencionados na tabela: Maternidade Bárbara Heloísa (RBR) – B.H. Maternidade Sta. Juliana (RBR) – S.J. Hospital João Câncio Fernándes (Sena Madureira) – J.C.F. Hospital de Porto Velho – P.V. Santa Casa Misericórdia C.M.
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Anexo 8: Dados epidemiológicos
211
11.8. Anexo 8: Dados epidemiológicos93
11.8.1. Dados do pólo-base de Assis Brasil
Nº de Óbitos Ocorridos por Idade, Etnia e Causa da morte. Polo Base de Assis Brasil, Jan-Dez/2005.
Qtde. Nome Sexo Idade Etnia Data Óbito Causa da Morte
01 Rn ( Marilza) M 7d Jaminawa 13/02/05 Pneumonia
02 Dênis Estevão M 3m Manchineri 02/03/05 Pneumonia
03 Marilene (mãe) F 1m 16d Jaminawa 12/03/05 Pneumonia
04 Artemisa Salomão F 10m Jaminawa 30/07/05 Pneumonia, Parada Cardíaca Respiratória
05 Vanessa Augusto F 2d Manchineri 08/10/05 Pneumonia, Anemia grave, Desnutrição,
Septicemia, Insuficiência cardíaca, Congênita
06 Gerônimo Cabral M 70 Manchineri 31/05/05 Acidente (?) Pct encontrado abaixo de um barranco.
07 (Rn Esmeralda Melendre) F 2d Jaminawa 25/06/05 Desconhecida
08 Taiza S. Brasil F 9m Manchineri 30/11/05 Bronco - Aspiração
Demonstrativo da Taxa de Letalidade, Etnia x Principal Causa do Óbito Pólo-Base de Assis Brasil, Jan-Dez/2005.
Causa PrincipalEtnia N° Causa dos Óbitos Etnia TLEtnia
Pneumonia Outras TLPneumonia TLOutros TotalEtnia
01 Pneumonia
02 Pneumonia, Parada Cardíaca Respiratória
03 Pneumonia
03 75%
04 Desconhecida
Jaminawa 50%
01 25%
100%
05
Pneumonia, Anemia grave, Desnutrição, Septicemia,
Insuficiência cardíaca, Congênita
06 Pneumonia
02 50%
07 Acidente (?) Pct encontrado abaixo de um barranco.
08 Bronco – Aspiração
Manchineri 50%
02 50%
100%
93 Dados tomados do Relatório de Gestão do DSEI/Alto Purus referente ao ano 2005 (DSEI/Alto Purus 2005)
Instituto de Pesquisa e Documentação Etnográfica - Olhar Etnográfico
Anexo 8: Dados epidemiológicos
212
11.8.2. Dados do pólo-base de Boca do Acre
Nº de Óbitos Ocorridos por Idade, Etnia e Causa da morte.
Polo Base de Boca do Acre, Jan-Dez/2005.
Qtde. Nome Sexo Idade Etnia Data Óbito Causa da Morte
01 Maico M 19 Apurinã 21/08/05 Homicídio
02 Dilermano Vieira M 30 Apurinã 13/08/05 Homicídio
03 Caboquinho M 30 Apurinã 13/08/05 Homicídio
04 Maria de Fátima Pequeno da Silva F 34 Apurinã 04/07/05 Homicídio
05 José Manoel da Silva M 84 Apurinã 09/07/05 Parada Cárdio Respiratória
06 Esrael Oliveira M 5 Apurinã 20/08/05 Cardiopatia Congenita
07 José Ferreira da Silva M 56 Apurinã 21/03/05 Desconhecida
08 Luzia da Silva F 96 Jamamadi 04/10/05 Desconhecida
Demonstrativo da Taxa de Letalidade, Etnia x Principal Causa do Óbito
Pólo-Base de Boca do Acre, Jan-Dez/2005.
Causa PrincipalEtnia
N° Causa dos Óbitos Etnia TLEtnia
Homicídio Outras TLHomicídio TLOutroS TotalEtnia
01 Homicídio
02 Homicídio
03 Homicídio
04 Homicídio
04 57,1%
05 Parada Cárdio Respiratória
06 Cardiopatia Congenita
07 Desconhecida
Apurinã 87,5%
03 42,9%
100%
08 Desconhecida Jamamadi 12,5% 01 100% 100%
Instituto de Pesquisa e Documentação Etnográfica - Olhar Etnográfico
Anexo 8: Dados epidemiológicos
213
11.8.3. Dados do pólo-base de Manuel Urbano
Nº de Óbitos Ocorridos por Idade, Etnia e Causa da morte.
Pólo-Base de Manoel Urbano, Jan-Dez/2005.
Qtd. Nome Sexo Idade Etnia Data Óbito Causa da Morte
01 Izabel Kulina F 3 meses Kulina 30/4/2005 Pneumonia
02 Tião Kulina M 01 ano Madija 9/8/2005 Pneumonia
Demonstrativo da Taxa de Letalidade, Etnia x Principal Causa do Óbito Pólo-Base de Manoel Urbano, Jan-Dez/2005.
Causa PrincipalEtnia
N° Causa dos Óbitos Etnia TLEtnia
Pneumonia Outras TLPneumonia
TLOutro
s TotalEtnia
01 Pneumonia
02 Pneumonia Kulina 100% 02 0 100% 0% 100%
Instituto de Pesquisa e Documentação Etnográfica - Olhar Etnográfico
Anexo 8: Dados epidemiológicos
214
11.8.4. Dados do pólo-base de Pauini
Nº de Óbitos Ocorridos por Idade, Etnia e Causa da morte. Pólo-Base de Pauini, Jan-Dez/2005.
Qtde. Nome Sexo Idade Etnia Data Óbito Causa da Morte
01 Fco R. de Souza M 79 Anos Apurinã 15/03/2005 Câncer Olho Direito
02 Sandro B. Silva M 8 Meses Apurinã 08/04/2005 Insuficiência Respiratória
03 Fco. F. Lopes M 78 Anos Apurinã 01/05/2005 Afogamento
04 Daildo B. da Silva M 7 Meses Apurinã 26/05/2005 Miningite
05 Maria Palmira F 63 Anos Apurinã 30/11/2005 Câncer Hepatico
Demonstrativo da Taxa de Letalidade, Etnia x Principal Causa do Óbito Pólo-Base de Pauini, Jan-Dez/2005.
Causa PrincipalEtniaN° Causa dos Óbitos Etnia TLEtnia
Câncer OutrosTL Câncer TLOutros TotalEtnia
01 Câncer Hepatico Apurinã
02 Câncer Olho Direito Apurinã 2 40%
Afogamento Apurinã Minigite Apurinã Insuficiência Respiratória Apurinã
100%
3 60%
100%
Instituto de Pesquisa e Documentação Etnográfica - Olhar Etnográfico
Anexo 8: Dados epidemiológicos
215
11.8.5. Dados do pólo-base de Santa Rosa do Purus
Nº de Óbitos Ocorridos por Idade, Etnia e Causa da morte. Pólo-Base de Santa Rosa do Purus, Jan-Dez/2005.
Qtd. Nome Sexo Idade Etnia Data Óbito Causa da Morte
01 Fernando M 4 anos Kaxinawá 27/02/2005 Afogamento
02 Jasede f 15 dias kaxinawa 07/03/2005 Pneumonia Grave
03 Doca M 70 anos kaxinawa 10/03/2005 Cirrose Hepática
04 Maria F 63 ano Kulina 28/04/2005 Afogamento/Traumatismo
05 Roziane F 10meses Kaxinawá 09/09/2005 Desidratação e interinfecção
06 Cassiane F 6 meses Kaxinawá 12/09/2005 Desidratação e interinfecção 07 Gênesis M 1 ano Kaxinawá 14/09/2005 Desidratação e interinfecção
08 Djallene F 1 ano Kaxinawá 15/09/2005 Desidratação e interinfecção
09 Nivaldo M 1ano Kaxinawá 19/09/2005 Desidratação
10 Elizaldo M 10 meses Kaxinawá 20/09/2005 Desidratação
11 Wellitom M 7 meses Kaxinawá 23/09/2005 Desidratação e Pneumonia
12 Airton M 1 ano Kaxinawá 27/09/2005 Desidratação e Pneumonia
13 Gésica F 1 ano Kaxinawá 18/12/2005 Insuficiencia renal
Demonstrativo da Taxa de Letalidade, Etnia x Principal Causa do Óbito Pólo-Base de Santa Rosa do Purus, Jan-Dez/2005.
Causa PrincipalEtniaN° Causa dos Óbitos Etnia TLEtnia
Rotavirus OutrosTL Rotavirus TLOutros TotalEtnia
01 Desidratação (rotavirus) Kaxinawá
02 Desidratação (rotavirus) Kaxinawá
03 Desidratação (rotavirus) Kaxinawá
04 Desidratação (rotavirus) Kaxinawá
05 Desidratação (rotavirus) Kaxinawá
06 Desidratação (rotavirus) Kaxinawá
07 Desidratação (rotavirus) Kaxinawá
08 Desidratação (rotavirus) Kaxinawá
08 66,6%
09 Afogamento Kaxinawá
10 Pneumonia Grave Kaxinawá
11 Cirrose Hepática Kaxinawá
92,3
04 33,4%
100%
Instituto de Pesquisa e Documentação Etnográfica - Olhar Etnográfico
Anexo 8: Dados epidemiológicos
216
12 Insuficiencia renal Kaxinawá
13 Afogamento/Traumatismo Kulina 7,7% 01 100% 100%
11.8.6. Dados do pólo-base de Sena Madureira
Nº de Óbitos Ocorridos por Idade, Etnia e Causa da morte.
Pólo-Base de Sena Madureira, Jan-Dez/2005.
Qtde. Nome Sexo Idade Etnia Data Óbito Causa da Morte
01 Rafael Martins Silva M 3 anos Kaxarari 17/02/2005 Ignorada/sem laudo medico
02 Jarcilene Batista pedro F 9 meses Jaminawa 08/06/2005 Pneumonia
03 Ernandes arirama Vilpa M 16 anos Jaminawa 23/06/2005 Afogamento
Demonstrativo da Taxa de Letalidade, Etnia x Principal Causa do Óbito Pólo-Base de Sena Madureira, Jan-Dez/2005.
N° Causa dos Óbitos Etnia TLEtnia
01 Ignorada/sem laudo médico Jaminawá
02 Pneumonia Jaminawá 66,7
03 Afogamento Kaxararí 33,3
Instituto de Pesquisa e Documentação Etnográfica - Olhar Etnográfico
Anexo 8: Dados epidemiológicos
217
11.8.7. Dados gerais do DSEI/Alto Purus
Número de Casos de Morbidades por Agravos e Polo Base. DSEI Alto Rio Purus - 2005
TOTAL Ano 2005 Assis Brasil
Boca do Acre
Manoel Urbano Pauini Santa Rosa Sena
Madureira Nº % Verminose 1.111 1.327 796 1.159 499 719 5.611 31,92
IRA 656 548 287 900 1.016 522 3.929 22,35
Diarréia 224 105 197 373 638 278 1.815 10,32
Dermatoses 748 531 306 506 475 384 2.950 16,78
Hepatites 1 1 0 2 1 0 5 0,03
Desnutrição 4 25 7 53 54 18 161 0,92
DST 21 59 35 227 75 25 442 2,51
Anemias 211 199 292 421 128 368 1.619 9,21
Febre Tifóide 0 0 0 0 0 0 0 0
Leishmaniose 2 1 3 0 15 0 21 0,12Doenças do Estômago
/Ap. Digestivo 252 133 0 232 151 255 1.023 5,82
Neoplasias: Tumores/Útero/Mamas 0 0 0 0 0 2 2 0,01
TOTAL 3.219 2.929 1.888 3.661 3.052 2.571 17.578 100Fonte: DSEI/Alto Purus/FUNASA Perfil de Mortalidade dos Principais Agravos. DSEI Alto Rio Purus - 2005
Nº Causas de Óbitos Quantidade % de Óbitos
01 Pneumonia 09 23,7 02 Desidratação 08 21,1
03 Homicídio 04 10,5
04 Afogamento 04 10,5 05 Câncer 02 5,3 06 Parada Cardíaca Respiratória 01 2,6 07 Insuficiência Renal 01 2,6
08 Insuficiência Respiratória 01 2,6
10 Cardiopatia Congênita 01 2,6
11 Bronco-aspiração 01 2,6
12 Desconhecida 06 15,8
Total 38 100
Fonte: DSEI/Alto Purus/FUNASA
Instituto de Pesquisa e Documentação Etnográfica - Olhar Etnográfico
Anexo 8: Dados epidemiológicos
218
Incidência do Coeficiente de Mortalidade Geral na População Indígena. DSEI Alto Rio Purus - 2004/2005
Óbitos < 1 Ano a 65 + Nº Sede/Pólos Base
Ano 2004 Total CMG
01 Assis Brasil 2 0,1 02 Boca do Acre 4 0,3 03 Manoel Urbano 6 1,3 04 Pauini 1 0,06 05 Santa Rosa 1 0,04 06 Sena Madureira 6 0,9
Total 20 0,3
Óbitos < 1 Ano a 65 + Nº Sede/Pólos Base
Ano 2005 Total
CMG
01 Assis Brasil 8 0,7 02 Boca do Acre 8 0,6 03 Manoel Urbano 2 0,3 04 Pauini 4 0,2 05 Santa Rosa 13 0,6 06 Sena Madureira 3 0,6
Total 38 0,5
Fonte: DSEI/Alto Purus/FUNASA Coeficiente de Mortalidade Infantil, Natimortalidade e Natalidade na População Indígena, DSEI
Alto Rio Purus - 2004/2005 Natimorto e Óbitos < 1 Ano Nº Pólos Base
Ano 2004 Natimortos Mortes Diversas
Nascimentos Vivos
CMI/ 100
CNM/ 100
CNT/ 100
01 Assis Brasil 0 2 16 12,5 0 0,8 02 Boca do Acre 0 1 8 12,5 0 0,6 03 Manoel Urbano 0 2 12 16,7 0 2,6 04 Pauini 0 0 74 0,0 0 4,8 05 Santa Rosa 1 1 19 5,2 5,0 0,8 06 Sena Madureira 2 3 41 7,3 4,6 6,3 Total 3 9 170 5,2 1,7 2,2
Natimorto e Óbitos < 1 Ano Nº Pólos Base Ano 2005 Natimortos Mortes Diversas
Nascimentos Vivos
CMI/ 100
CNM/ 100
CNT/ 100
01 Assis Brasil 0 7 35 20 0 3,0 02 Boca do Acre 0 0 20 0 0 1,5 03 Manoel Urbano 0 1 21 4,7 0 4,6 04 Pauini 1 2 38 5,2 2,5 2,5 05 Santa Rosa 3 5 72 6,9 4 3,3 06 Sena Madureira 0 1 24 4,1 0 3,6
Total 4 16 210 6,1 1,8 2,9
Fonte: DSEI/Alto Purus/FUNASA
Instituto de Pesquisa e Documentação Etnográfica - Olhar Etnográfico
Anexo 8: Notícia sobre o Xingané
219
11.9. Anexo 9: Notícia sobre xingané.