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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE JEQUITINHONHA EXMA SRª DRª JUÍZA DE DIREITO DA COMARCA DE JEQUITINHONHA/MG O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, por intermédio dete Promotor de Justiça subscritor, vem, à ilustre presença de Vossa Excelência, propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA AMBIENTAL em face de HENRIQUE FREDERICO HEITMANN DE ABREU, brasileiro, casado, médico, Prefeito Municipal de Jequitinhonha/MG, podendo ser encontrado na sede administrativa deste Município, pelos fatos e fundamentos que passa a expor. I – DA INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI N.º 10.608/02 Antes de mais nada, urge destacar a competência deste órgão jurisdicional monocrático para a apreciação do presente feito. Sabe-se que a lei supracitada alterou a redação do art. 84 do Código de Processo Penal e inseriu-lhe dois parágrafos, dando-lhe o seguinte teor: “Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Supérior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade. § 1º A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública. § 2º A ação de improbidade, de que trata a Lei n.º 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar

PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE JEQUITINHONHA · responsabilidade praticados por certos agentes púbnlicos, ... que é o retrato mais atual da situação fática em ... (Obrigaçãod

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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE JEQUITINHONHA

EXMA SRª DRª JUÍZA DE DIREITO DA COMARCA DE JEQUITINHONHA/MG

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, por intermédiodete Promotor de Justiça subscritor, vem, à ilustre presença de Vossa Excelência, proporAÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADEADMINISTRATIVA AMBIENTAL em face de HENRIQUE FREDERICO HEITMANN DEABREU, brasileiro, casado, médico, Prefeito Municipal de Jequitinhonha/MG, podendo serencontrado na sede administrativa deste Município, pelos fatos e fundamentos que passa aexpor.

I – DA INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI N.º 10.608/02

Antes de mais nada, urge destacar a competência deste órgão jurisdicionalmonocrático para a apreciação do presente feito. Sabe-se que a lei supracitada alterou aredação do art. 84 do Código de Processo Penal e inseriu-lhe dois parágrafos, dando-lhe oseguinte teor:

“Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é doSupremo Tribunal Federal, do Supérior Tribunal de Justiça, dos TribunaisRegionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal,relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimescomuns e de responsabilidade.

§ 1º A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atosadministrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicialsejam iniciados após a cessação do exercício da função pública.

§ 2º A ação de improbidade, de que trata a Lei n.º 8.429, de 2 de junho de1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar

criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foroem razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1º.

Premissa fundamental pra a aplicação desses dispositivos, como, de resto, dequalquer outra norma legal, é a compatibilidade deles com a Constituição da República, hajavista o sistema da supremacia constitucional que impera entre nós. Kelsen explicou-omagistralmente ao comparar o ordenamento jurídico à uma pirâmide invertida. Estando aConstituição em ser vértice, serve de suporte e de fundamento de validade para todo odireito positivo.

Essa premissa, diga-se de passagem, pode e deve ser perquirida por todo equalquer órgão jurisdicional. Se a jurisdição consiste essencialmente em aplicar as normasjurídicas ao caso concreto, e se essas normas jurídicas, como dito, obedecem a umahierarquia, é intuitivo que as normas inferiores só podem ser aplicadas se forem compatíveiscom as superiores, sob pena de estar-se negando validade a estas últimas e invertendo apré-falada hierarquia. Eis a lógica do controle difuso de constitucionalidade, ou controle porvia de exceção, inerente à nossa tradição jurídica.

A inconstitucionalidade dos dois parágrafos do art. 84 do código de ProcessoPenal, introduzidos pela Lei 10.608/02, decorre basicamente do fato de disporem eles sobrea competência originária dos Tribunais, matéria cujas sedes próprias e exclusivas são aConstituição Federal e as Constituições Estaduais.

No parágrafo 1º, o legislador pretendeu ampliar o foro especial porprerrogativa de função já previsto na Constituição Federal, nos casos de crimes comuns e deresponsabilidade praticados por certos agentes púbnlicos, para alcançar também os ex-exercentes das respectivas funções. Com isso, usurpando o papel de intérprete máximo daConstituição, atribuído ao Supremo Tribunal Federal, quis burlar o entendimento sufragadopelo Pretório Excelso ao revogar a sua antiga súmula 394.

Interessa-nos aqui, todavia, apenas o parágrafo 2º, que alarga o privilégio deforo também para as ações civis públicas por improbidade administrativa. Nisso, tem-seinconstitucionalidade ainda mais gritante, pois não há apenas uma tentativa de conferirinterpretação extensiva a dispositivos constitucionais de direito restrito (como são os quedisciplinam competência), mas sim uma verdadeira invasão da lei ordinária em matéria deordem constitucional.

Isso porque as sanções por ato de improbidade administrativa têm cunho civil,e não penal. É de solar clareza o art. 37, § 4º da Constituição da República, que relaciona assanções por improbidade “sem prejuízo da ação penal cabível”. E também à luz da doutrinaa questão é pacífica. Alexandre de Moraes leciona:

“...salientamos que a Constituição Federal prevê a competênciaoriginária do Tribunal de Justiça, salvo as exceções anteriormente analisadas,somente para o processo e julgamento das infrações penais comunsajuizadas contra o Prefeito Municipal, não se admitindo ampliaçãointerpretativa no sentido de considerar-se a existência de foro privilegiado para

as ações populares, ações civil públicas e demais ações de natureza civil. Damesma forma, inexiste foro privilegiado para o ajuizamento de ações porprática de atos de improbidade administrativa em face de Prefeitos Municipais,por ausência de previsão constitucional específica, devendo, portanto, serajuizadas perante a 1ª Instância.” (MORAES, Alexandre de. Constiuição doBrasil interpretada e legislação constitucional. Comentário ao art. 29, X, daCF/88).

Despiciendo dizer que, assim sendo, lei ordinária jamais poderia instituir foroprivilegiado para a ação por improbidade administrativa, uma vez que a competência dosTribunais é matéria afeta ás Constituições. Quanto aos Tribunais Estaduais, a Carta Magnaé categória: “a competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado” (art. 125,§ 1º).

Aliás, sobre a questão, o Tribunal de Justiça de São Paulo já se manifestou,reconhecendo a inconstitucionalidade ora pugnada, no Agravo de Instrumento n.º313.238-5/1 (Proc. n.º 1.893/2000 – 2ª Vara Judicial da Comarca de Dracena/SP), sendorelator o Desembargador Antônio Rulli, que em seu voto professou:

“Inicialmente, fica rejeitada a preliminar de incompetência deforo por prerrogativa de função, pois a Lei Federal n.º 10.628/2002 nãoencontra fundamento na Constituição Federal de 1988. O art. 37, § 4º daMagna Carta trata da suspensão dos diretios políticos, perda da funçãopública, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao Erário, para os atos deimprobidade administrativa, sem prejuízo da ação penal cabível. A açãoproposta tem natureza eminentemente civil, não obstando possa ser ajuizadaa competente ação penal.”

II – DOS FATOS

Aos 18 de setembro de 2001, instaurou-se, nesta Promotoria de Justiça deJequitinhonha/MG, o inquérito civil público n.º 003/2001 (doc. 01), a fim de apurar-seirregularidades no processo de coleta e depósito de resíduos sólidos urbanos levado a cabopelo Município de Jequitinhonha/MG. Esse inquérito teve início a partir de envio, à Curadoriado Meio Ambiente, do Boletim de Ocorrência n.º 450/01 (doc. 02), lavrado pela Polícia MilitarFlorestal, em que se noticia que todo o lixo da cidade de Jequitinhonha/MG, inclusive ohospitalar, é depositado em uma área da agleba denominada “Fazenda Transval”, localizadaa aproximadamente 05 (cinco) quilômetros desta urbe.

Ainda nessa peça, o policial militar conta que o local dista cerca de 50(cinqüenta) metros do Córrego Bom Jardim e aproximadamente 500 (quinhentos) metros damargem do Rio Jequitinhonha, que abastece todas as fazendas do município e a cidade deJequitinhonha, sendo que o declive do terreno possibilita o escorrimento do chorume e, nasépocas de chuva, do próprio lixo, para o leito daqueles cursos d’águas. Outra informaçãoque chama a atenção é a presença de muitos porcos que ali são engordados para posterior

abate e consumo pela população, sem nenhum controle da vigilância sanitária. Cumpreainda salientar que a quantidade de lixo é tão grande no local e o depósito tãodeesorganizado que os rejeitos estão praticamente invadindo a rodovia MG 361. Ressalte-setambém que as queimadas provocadas no local causam odor desagradável e a fumaça queinvade a pista gera risco de acidentes. Saliente-se, também, que não há qualquer tipo decontrole no local e diversas pessoas vivem a recolher diversos tipos de dejetos.

Aos 26 de outubro de 2001, em resposta ao ofício desta Promotoria, a FEAMexplicou (doc. 03) que o Município de Jequitinhonha/MG adota “prática de disposição de lixoa céu aberto, método totalmente inadequado do ponto de vista sanitário e ambiental”,comunicando, também, a inexistência de processo de licenciamento ambiental para sistemasdefinitivos de destinação final dos resíduos sólidos urbanos. O órgão ambiental asseverou,por fim, a imprescindibilidade de que a Prefeitura procedesse, no prazo máximo de 90(noventa) dias, à recuperação da área degradada, bem como à implantação de um sistemade disposição do lixo de acordo com critérios técnicos que minimizem o risco à saúdepública, até que o sistema definitivo fosse implementado, e ressaltou que tal advertência jáhavia sido feita ao Ente municipal, via ofício.

No dia 05 de março de 2002, o Ministério Público e o Município deJequitinhonha/MG, devidamente representado por seu Prefeito, firmaram Compromisso deAjustamento de Conduta (doc. 04) em que o Compromissário reconheceu “que a disposiçãofinal dos resíduos sólidos provenitentes deste município de Jequitinhonha – a céu aberto –tem ocasionado dano ambiental, especialmente no aspoecto atinente à poulição do solo, daágua e do ar, bem como tem causado impactos visuais e estéticos à paisagem urbana, alémde potenciais agressões á saúde humana”, assumindo uma série de obrigações com o fitode adequar o seu sistema de coleta e depósito de lixo às normas legais e técnicaspertinentes para minimizar o impacto ambiental e os riscos à saúde.

Com o transcurso do prazo fixado no Termo de Ajustamento de Conduta, osetor técnico do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do MeioAmbiente realizou perícia detalhada (doc. 05), ilustrada com fotografias, na qual se concluiuque a Administração Municipal não adotou nenhuma das diversas medidas acertadas, o quelevou o Ministério Público ao ajuizamento de duas ações de execução: uma por obrigação defazer, para que o Município de Jequitinhonha/MG cumprisse o Compromisso de Ajustamentode Conduta, e outra por quantia certa, no valor de R$ 69.010,00 (sessenta e nove mil e dezreais), referente à multa moratória nele prevista (doc. 06).

No que tange à ação de execução da obrigação de fazer (doc. 07), propostaem 11 de novembro de 2.002 e autuada sob o n.º 035803000325-7, foi consignado prazo de90 (noventa) dias para o cumprimento das obrigações, sob pena de multa diária de R$5.000,00 (cinco mil reais) – doc. 08.

Em 08 de janeiro de 2.004, a FEAM encaminhou relatório de vistoriarequisitado por este Juízo para constatação do cumprimento, ou não, das obrigações (doc.09). Nesse relatório, que é o retrato mais atual da situação fática em tela, o órgão ambientalesclarece que “de acordo com o art. 2º da Deliberação Normativa COPAM n.º 52/2001, todosos municípios do Estado de Minas Gerais são obrigados a minimizar os impactos ambientaisnas áreas de disposição final de lixo, devendo implementar requisitos mínimos, até que seja

implantado, através do respectivo licenciamento, sistema adequado de disposição final delixo urbano de origem domiciliar, comercial e pública.” E acrescenta que “com exceção docercamento da área e da disposição dos resíduos sépticos de saúde em valas separadas,nenhuma outra medida foi adotada visando á minimização dos impactos ambientais e ásaúde humana causados pela disposição de lixo no local.” Portanto, o Termo deeAjutamento de Conduta não foi cumprido pelo Prefeito Mnicipal. Ressalte-se que o Prefeitocontinua reticente em cumprir suas obrigações no tocante ao correto acondicionamento dolixo urbano e hospitalar haja vista que nem mesmo tendo duas ações ajuizadas contra ele(Obrigaçãod e fazer o quantia certa) adotou qualquer medida para solucionar op problema.E, pelo contrário, a situação está cada vez pior, o que foi constatado in loco por estePormotor de Justiça subscritor.

III – DO DIREITO

A) DA RESPONSABILIDADE DO PREFEITO:

A grande diferença entre os modernos Estados de Direito, deslanchados àpartir da Independência Americana e da Revolução Francesa, no final do século XVIII, e osEstados Absolutos ou Totalitários, ainda hoje existentes, marcadamente entre os povos detradição islâmica, está em que nos primeiros, tanto o próprio Estado, como os seusgovernantes, são responsáveis, isto é, respondem pelos atos que praticam, enquanto, nosúltimos, impera a irresponsabilidade estatal e política.

Daí a feliz ilação de Eduardo Sotto Kloss: “Quem diz Direito diz, pois,responsabilidade” (apud, Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo,Malheiros, 14ª ed., 2002, p. 841).

A responsabilidade dos agentes públicos é decorrência lógica e inexorável danoção de Estado de Direito. Com efeito, desde que se estendeu que todas as pessoas,sejam elas naturais ou jurídicas, exercentes ou não de função pública, estão identicamentejungidas ao ordenamento jurídico, não se poderia chegar a outra conclusão, senão a de quetodas elas, igualmente, estão sujeitas às conseqüências da violação ou inobservância dessemesmo ordenamento.

O Prefeito Municipal, sendo, antes de tudo, uma pessoa natural e um cidadão,responde penal, civil e administrativamente pelos seus atos como outro indivíduo qualquer.Não obstante, na condição de agente público, encontra-se envolto em um regime jurídicoespecial que, a par de deferir-lhe diversas prerrogativas, extraordinárias em face do homemcomum, impõe-lhe, concomitantemente, deveres específicos, aos quais correspondemresponsabilidades igualmente peculiares.

Responsabilidade própria dos agentes públicos é a que deriva dos atos deimprobidade administrativa. Na esteira do que foi dito, essa responsabilidade não é nadamais que a conseqüência jurídica da violação de deveres e preceitos especificamenteprevistos para o exercício das funções públicas.

O constituinte de 1988 preocupou-se singularmente com a honestidade ecompetência no trato da coisa pública. A história brasileira, repleta de exemplos dearbitrariedades perpetradas pelos governantes e de descaso com o interesse social, levou-oa inaugurar o capítulo referente à Administração Pública dispondo que ela obedecerá, emtodos os níveis, “aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade eeficiência” (art. 37, caput, CR/88). E para dar efetividade a esses princípios, previu que “osatos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda dafunção pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma egradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível” (art. 37, § 4º, CR/88).

Pois bem. O propósito constitucional foi concretizado com a edição da Lei8.429, em 02 de junho de 1992. Além de prever a forma e a gradação das sanções, essa leidefiniu os atos de improbidade administrativa em espécie, divindo-os em três grandesgrupos: o dos que importam enriquecimento ilícito, o dos que causam prejuízo ao erário e odos que atentam contra os princípios da administração. É interessante notar, todavia, que olegislador descartou, em sede de improbidade administrativa, o sitema da taxatividade.Waldo Fazzio Júnior explica:

“Não há conduta única nesta matéria. Por n meios se alcança arealização do ilícito. A lei, optando por exemplificar ações, não exaure, porqueseria absolutamente impossível singularizar, em tipos legais, todas ashipóteses emergentes. O fértil mancial de fraudes administrativas não cabe noacanhado perímetro legal. Daí por que a generalização se impõe,naturalmente, seguida da enumeração dos casos mais freqüentes a servircomo mostruário de parâmetros orientadores para os que deverão interpretare aplicare a normação” (Improbidade Administrativa e Crimes de Prefeitos,Atlas, 3ª ed., 2003, p.69).

Dito isso, cabe-nos demonstrar que o comportamento do réu HENRIQUEFREDERICO HEITMANN DE ABREU amolda-se a uma das categorias de improbidadeadministrativa. E o que se verá, daqui para frente, ,é que os seus atos encaixam-se comoluvas não só em uma, mas em pelos menos duas dessas categorias.

O art. 11 da Lei 8.429/92 assim reza:

“Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contraos princípios da administração púlbica qualquer ação ou omissão que viole osdeveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade àsinstituições...”.

Não é difícil perceber que o comportamento do réu HENRIQUE F. HEITMANNDE ABREU viola, de imediato, e às escâncaras, o dever de legalidade.

A Constituição da República dedicou, de forma inédita, um inteiro capítulo áquestão ambiental. Seu art. 225 preceitua:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamenteequilibrado, bem de uso comum do povo e essecnial à sadia qualidade devida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo epreservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

No § 1º, lê-se que:

“Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividadepotencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio deimpacto ambiental, a que se dará publicidade;

VII – proteger a fauna e flora, vedadas, na forma da lei, as práticas quecoloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção das espécies ou sbmetamos animais a crueldade.”

E o § 3º preconiza:

“As condutas e atividades consideradas lesivas ao meioambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sançõespenais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar odano.”

A Lei 6.938/81 aclara alguns conceitos empregados na Carta Magna.Segundo seu art. 3º, entende-se por:

“II – degradação da qualidade ambiental, a alteração adversadas características do meio ambiente;

III – poluição, a degradação da qualidade ambiental resultantede atividades que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais

estabelecidos;

IV – poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ouprivado, responsável, direta, ou indiretamente, por atividade causadora dedegradação ambiental”.

Ora, como não entender afrontosa à Constituição a conduta do Prefeitomunicipal que, advertido pelo órgão ambiental desde o ano de 2001 sobre os danosambientais ocasionados pelo sistema de disposição final de lixo do município, omite-seobstinadamente em adotar as medidas técnicas para minimizá-los?

A conduta do réu HENRIQUE FREDERICO HEITMANN DE ABREU é, naverdade, duplamente ofensiva à legalidade, se considerarmos que o Poder Público e seusagentes têm o dever não só de não degradar, dever este que, de resto, é de todos nós, masacima de tudo têm o munus de combater a poluição ambiental provocada pelos outros. Há,in casu, uma omissão ilegal ao quadrado, pois, com a ciência e conivência de seugovernante, o Município, Ente constitucionalmente incumbido de impedir a degradação domeio ambiente, tornou-se, ele próprio, o agente poluidor.

Aliás, a conduta do réu não só é ilegal, como também é criminosa. O art. 68da Lei 9.605/98 tipifica:

“Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo,de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental;

Pena – detenção, de 1(um) a 3 (três) anos, e multa.”

Que as obrigações assumidas no Termo de Ajustamento de Conduta firmadocom o Ministério Público são de relevante interesse ambiental, isso é algo inquestionável. Oproblema do lixo e da poluição é, hoje em dia, senão o maior, ao menos um dos maiores emais críticos a serem resolvidos pela humanidade. A explosão demográfica ocorrida noúltimo século, somada ao fenômeno do êxodo rural, que aglomerou nas cidades a quasetotalidade da população da Terra, transformou a questão da destinação final dos resíduossólidos urbanos numa preocupação ingente nesse novo milênio. Tanto é assim que, há vinteanos atrás, praticamente não se ouvia falar em reciclagem de materiais, prática que erarestrita basicamente ao papel. Hoje em dia, contudo, a reciclagem é tida e havia como algoimprescindível para o desenvolvimento sustentável e a manutenção das condições de vidano planeta, sendo investidos capitais cada vez maiores em pesquisas para descoberta denovas técnicas.

Apesar da ilegalidade da omissão do réu decorrer, obviamente, dainobservância de normas legais e constitucionais que obrigam o Poder Municipal a protegere preservar o meio ambiente, o descumprimento paralelo do Termo de Ajustamento deConduta não deixa de Ter relevância. A uma porque, como visto, sendo as obrigações neleajustadas de alto interesse ambiental, sua inobservância caracteriza crime. A duas, porque,por meio dele e, mais especificamente, de sua cláusula primeira, o réu afirmou estarconsciente das irregularidades do sistema municipal de disposição final de lixo, da gravidadedas suas conseqüências e da necessidade premente de solucioná-las.

É inadmissível que um Chefe de Poder Executivo, após admitir que suaadministração é poluente e lesiva ao meio ambiente, e depois de comprometer-se a tomar asmedidas cabíveis para a cessação e recuperação dos danos causados, deixe transcorrermais de dois anos sem adotar qualquer providência satisfatória em relação ao problema.Apenas alega que está sendo elaborado projeto pela UFMG mas até agora nada de concretose fez. Apenas apresentou panfletos que diz ser projeto de conscientização populacional.Não adianta conscientizar a população se o próprio Prefeito, ciente do problema econhecedor das soluções, continua a praticar os mesmos atos condenáveis. Entender queisso não representa vilipêndio à Constituição da República e, portanto, à legalidade, é

entender que todo aquele capítulo dedicado ao meio ambiente não passa de um lírico surtobucólico do constituinte de 1988, sem qualquer normatividade.

Contudo, teríamos que abranger nesse “surto” também o art. 196 daConstituição, onde está escrito que:

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantidomediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco dedoenças e de outros agravos e aos acesso universal e igualitário às ações eserviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Já o art. 198 diz que:

“as ações e serviços públicos de saúde integram uma rederegionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único (...)”.

E o art. 200 complementa:

“ao sitema único de saúde compete, além de outras atribuições,nos termos da lei:

II – executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica,bem como as de saúde do trabalhador;

IV – participar da formulação e da execução das ações desaneamento básico;

VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nelecompreendido o do trabalho.”

No compasso da Constituição, a Lei Estadual n.º 13.317/99, conhecida comoCódigo de Saúde do Estado de Minas Gerais, dispôs que:

“Toda matéria direta ou indiretamente relacionada com apromoção e a proteção da saúde no Estado reger-se-á pelas disposiçõesdesta lei e de sua regulamentação, abrangendo o controle:

III – da geração, minimização, acondicionamento,armazenamento, transporte e disposição final de resíduos sólidos e de outrospoluentes, segundo a legislação específica” (art. 6º).E, mais à frente, pormenorizou:

“Art. 53. A coleta, o transporte, o tratamento e a destinação finaldos resíduos sólidos domésticos são de responsabilidade do poder público eserão realizados de forma a evitar riscos à saúde e ao ambiente.”

“Art. 55. O órgão credenciado pelo poder público para efetuaros serviços de coleta de resíduos sólidos domésticos definirá o fluxo de coleta

e sua destinação final.

Parágrafo único – Na execução dos serviços mencionadosno”caput” deste artigo, os órgãos competentes manterão condiçõesambientais adequadas, observada a legislação vigente.”

“Art. 56. É proibido o acúmulo de resíduos sólidos domésticos ehospitalares ou de materiais que propiciem a instalação e a proliferação deroedores e outros animais sinantrópicos, bem como a contaminaçãoambiental, de acordo com a legislação em vigor” (grifos nossos).

Como se pode notar, também sob o enfoque da saúde, fica patente avulneração ao dever de legalidade. É hedionda a omissão do réu em sanar asirregularidades do “lixão”, estando consciente delas e dos perigos que implicam àincolumidade e higidez públicas.

A contaminação, pelo chorume, do córrego Bom Jardim e do RioJequitinhonha, responsável pelo abastecimento das fazendas locais e do próprio Município,antes do meio ambiente, ameaça a saúde da população.

No documento elaborado pela FEAM, datado de 26 de outubro de 2001,consta que “os resíduos domésticos depositados nesses locais podem conter materiaispotencialmente perigosos, tais como: tintas, solventes, pigmentos, vernizes, pesticidas,inseticidas, repelentes, herbicidas, óleos, lubrificantes, fluidos de freio, baterias, pilhas,lâmpadas fluorescentes, dentre outros. Alguns desses materiais liberam substânciasperigosas/metais pesados como mercúrio, cádmio e chumbo, capazes de produzir uma sériede efeitos prejudiciais à saúde das pessoas, citando-se distúrbios renais e neurológicos,alterações metabólicas, dores reumáticas e miálgicas, disfunção renal, perda de memória,alucinação, tremores musculares, etc.

Outrossim, no mesmo documento, o órgão ambiental ressalta que “no casodos lixões há um total descontrole dos tipos de resíduos recebidos nesses locais,verificando-se até mesmo a disposição de lixo originário de serviços de saúde e deindústrias. Associam-se também aos lixões a criação de animais e a presença de pessoassobrevivendo de sua catação”.

Face a esse calamitoso quadro de insalubridade, não só negligenciado, masdiretamente engendrado pelo Município de Jequitinhonha/MG que, paradoxalmente, é o Enteincumbido de promover saúde, torna-se despiciendo repetir que a atuação do réu, à frenteda administração municipal, menospreza preceitos constitucionais fundamentais e, portanto,afronta em intensidade máxima o dever de legalidade.

Se, ainda, uma nova abordagem da questão fosse feita, agora sobre o prismados serviços públicos, chegar-se-ia, inevitavelmente, a essa mesma conclusão.

É que ao Município compete prestar os serviços públicos de interesse local(art. 30, V, CR/88). E, segundo a lição do saudoso Hely Lopes Meirelles:

“A limpeza de vias e logradouros públicos é, igualmente, serviçode interesse local (...).

Cabe, ainda, ao Município a decisão sobre o destino final a serdado aos detritos coletados em seu território (lixo, refugo, entulho e outrosresíduos sólidos imprestáveis), à vista das peculiaridades locais e emconformidade com os procedimentos técnicos adequados ao controle sanitárioambiental” (Direito Municipal Brasileiro, Malheiros, 13ª ed., 2003, p.446) –grifamos.

Sendo, como é, serviço público, aplica-se à coleta e ao depósito de resíduossólidos urbanos o regime jurídico próprio desse gênero de atividade estatal. Pois bem. O art.175 da Constituição da República destaca:

“Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sbregime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestaçãode serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

IV – a obrigação de manter serviço adequado.”

A Lei 8.987/95, de fato, dispôs que;

“Serviço adequado é o que satisfaz as condições deregularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade,cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas” (art. 6º, § 1º).

É óbvio que oserviço de coleta e destinação final de lixo que vem sendoprestado pelo Município de Jequitinhonha/MG não satisfaz, com o expresso reconhecimentodo alcaide, as exigências mínimas de eficiência e segurança, pois, sendo sua finalidadeproporcionar condições adequadas de saneamento e salubridade para a população, está, narealidade, gerando a situação oposta, qual seja, de iminente risco para a saúde pública.

Ao tratar-se do assunto “serviços públicos”, seria imperdoável se nãomencionássemos, ao mesmos superficialmente, o Código de Defesa do Consumidor. Seuart. 3º é categórico ao colocar, sob sua égide, os Entes Estatais:

“Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, públicaq ouprivada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, quedesenvolvem atividades de produçãom montagem, criação, construção,transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização deprodutos ou prestação de serviços” (grifamos).

Logo, o Chefe do Poder Executivo tem o dever de zelar para que os serviçosprestados pelo aparelho administrativo sob seu comando observem os direitos básicos doconsumidor. E dente eles está o de “proteção da vida, saúde e segurança contra os riscosprovocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou

nocivos” (art. 6º, I, CDC).

Saliente-se que, também sob a ótica da prestação de serviços públicos, arelutância do Prefeito em adequar a coleta e destinação final dos resíduos sólidos urbanos àexigências técnicas e jurídicas, fere duplamente a legalidade, pois, violando os direitos doconsumidor, o Município dá causa àquilo que estava incumbido de empecer. Deveras, o art.5º, XXXII, da Constituição de 1988, impõe que “o Estado promoverá, na forma da lei, adefesa do consumidor.”

Sendo assim, percebe-se que não só o dever de legalidade está sendoaviltado, mas também o próprio dever de lealdade às instituições, mencionado no caput doar. 11 da Lei 8.429/92.

De acordo com o Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, versão1.0, lealdade é “1 – respeito aos princípios e regras que norteiam a honra e a probidade; 2 –fidelidade aos compromissos assumidos”. Portanto, o emprego do vocábulo lealdade nocontexto institucional, desde que se queira conservar o seu contúdo semântico original, nãopoderá indicar outra coisa senão o respeito aos princípios e regras jurídicas que norteamessa instituição e a fidelidade ás suas atribuições e competências.

Nesse sentido, resta evidente a deslealdade do Prefeito com a instituição quelidera, uma vez que, com sua teimosa hesitação em regularizar o processo de coleta edestinação final do lixo, permitiu que o Município de Jequitinhonha atuasse não apenas emdescompasso com as suas funções, mas, o que é mais grave, em sentido inverso às suascompetências constitucionais, violando, com plena e explícita consciência, os bens que lhecabia tutelar.Assim é que, ao contrário de “cuidar da saúde” (art. 23, I, CR/88), o prefeitomanteve o }”lixão” em condições reconhecidamente maléficas à ela; em lugar de “proteger omeio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas” (art. 23, VI, CR/88) oalcaide perseverou numa atividade irregular, poluente e degradante; ao invés de promover adefesa do consumidor (art. 5º, XXXII, CR/88), o réu preferiu continuar lesando os seusdireitos básicos, com a manutenção de um serviço público assumidamente inadequado.

Visto que a omissão do demandado subsume-se perfeitamente ao caput doart. 11 da Lei 8.429/92, à rigor seria desnecessário enquadrá-la em algum dos incisos desseartigo, pois, como já explicado, eles compõem um rol casuístico meramente exemplificativo.No entanto, salta aos olhos a hipótese prevista no inciso II, pela exata adequação ao casoem foco. Segundo ele, constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra osprincípios da administração pública, notadamente, retardar ou deixar de praticar,indevidamente, ato de ofício.

As medidas mitigadores dos riscos à saúde da população e do impactocausado ao meio ambiente pelo depósito de resíduos sólidos de Jequitinhonha/MG sãodevidas não apenas porque o Compromissário, mediante Compromisso de Ajustamento deConduta, obrigou-se a adotá-las, mas também, e principalmente, porque constituemexigência da legislação ambiental e sanitária em vigor. A deliberação Normativa n.º 52, de14/12/2001, do Conselho Estadual de Política Ambiental – COPAM – espanca qualquerdúvida que se tenha à respeito;

“Art. 2º Ficam todos os municípios do Estado de Minas Gerais,no prazo máximo de 6 (seis) meses, contados a partir da data da publicaçãodesta Deliberação, obrigados a minimizar os impactos ambientais nas áreas dedisposição final de lixo, devendo implementar os seguintes requisitos mínimos,até que seja implantado, através de respectivo licenciamento, sistemaadequado de disposição final de lixo urbano de origem domiciliar, comercial epública;

I – disposição em local com solo e/ou rocha de baixapermeabilidade, com declividade inferior a 30%, boas condições de acesso, auma distância mínima de 300m de cursos d’água ou qualquer coleção hídrica ede 500m de núcleos populacioanis, fora de margens de estradas, de erosões ede áreas de preservação permanente;

II – sistema de drenagem pluvial em todo o terreno de modo aminimizar o ingresso das águas de chuva na massa de lixo aterrado;

III – compactação e recobrimento do lixo com terra ou entulho, nomínimo, três vezes por semana;

IV – isolamento com cerca complementada por arbustos ouárvores que contribuam para dificultar o acesso de pessoas e animais;

V – proibição da permanência de pessoas no local para fins decatação de lixo;

VI – responsável técnico pela implementação e supervisão dascondições de operação do local, com a devida Anotação de ResponsabilidadeTécnica.”

Que essas medidas deveriam Ter sido implementadas por ato de ofício doPrefeito, chefe da Administração Municipal, que já estava cônscio da necessidade urgentede adotá-las, isso é inconteste. Não bastassem os termos imperativos empregados naredação da Deliberação n.º 52, é a própria Carta Magna que reserva ao Poder Público aincumbência de proteger o meio ambiente e combater a poluição, e de assegurar a saúde dapopulação mediante políticas e ações que visem a redução dos riscos de doenças e outrosagravos. Convém lembrar que, em sede de Direito Público, as competências constitucionaise legais conferidas aos agentes do Estado não são faculdades que eles podem exercersegundo suas veleidades e conveniências pessoais, mas sim funções a seremdesempenhadas sempre que o interesse social o exigir. Nessa linha é a lição de Hely LopesMeirelles:

“O poder-dever de agir da autoridades pública é hoje pacificamentereconhecido pela jurisprudência pela doutrina. O poder tem para o agente público osignificado de dever para com a comunidade e para com os indivíduos, no sentido de quequem o detém está sempre na obrigação de exercitá-lo. (...).

Se para o particular o poder de agir é uma faculdade, para o administradorpúblico é uma obrigação de atuar, desde que se apresente o ensejo de exercitá-lo embenefício da comunidade. É que o Direito púlbico ajunta ao Ipoder do administrador o deverde administrar.

A propósito, já proclamou o colendo TFR que o ‘o vocábulo poder significadever quando se trata de atribuições de autoridades administrativas’.”

E mais á frente, remata;

“Pouca ou nenhuma liberdade sobra ao administrador público para deixar depraticar atos de sua competência legal. Daí por que a omissão da autoridade ou o silêncio daAdministração, quando deva agir ou manifestar-se, gera responsabilidade para o agenteomisso (...)” (Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros, 24ª ed., 1999, p. 90/91) – itálico doautor e grifo nosso.

O órgão ambiental estadual, em relatório de vistoria datado de 08 de janeirode 2004, constatou que, quanto à deliberação normativa n.º 52 do COPAM, “com exceção docercamento da área e da disposição dos resíduos sépticos de saúde em vlas separadas,nenhuma outra medida foi adotada visando à minimização dos impactos ambientais e àsaúde humana causados pela disposição de lixo no local. Ainda assim, além da presença deum catador no depósito de lixo, foi observado que os resíduos de serviços de saúde, aoinvés de serem cobertos com terra, estavam sendo quimados após sua disposição nasvalas, prática inadequada, uma vez que propicia a degradação do meio ambiente por meioda poluição atmosférica pela emissão de fuligem, fumaça e partículas, podendo causardanos á saúde humana”.

Dessa maneira, fica caracterizado que o réu HENRIQUE FREDERICOHEITMANN DE ABREU cometeu ato de improbidade administrativa que atenta contra osprincípios da administração pública ao violar o dever de legalidade e de lealdade àsinstituições, especialmente ao deixar de praticar os atos de ofício necessários aoatendimento da Deliberação Normativa n.º 52, de 2001, do COPAM, e ao cumprimento doCompromisso de Ajustamento de Conduta que travou com o Ministério Público. O Prefeitotenta a todo custo querer ludibriar este órgão Ministerial argumentando que firmou convênciocom a UFMG para a adoção de técnicas adequadas para a disposição do lixo. No entanto,nada foi feito até agora.

Mas a perversidade da gestão municipal do réu não se esgota aí. Pelocontrário, o que se pode notar é que seu comportamento perfaz uma segunda modalidadede improbidade administrativa, esta ainda mais grave. Com efeito, o art. 10 da Lei 8.429/92declara que:

“Constitui ato de improbidade administrativa que causa prejuízoao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perdapatrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ouhaveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei (...)”.

O teor do dispositivo legal revela a preocupação redobrada do legislador com

a proteção do patrimônio público. Veja-se que, ao definir as duas outra categorias deimprobidade (art. 9º e art. 11), ele nada falou acerca da conduta culposa, mas ao tratar damodalidade em tela, foi enfático ao abranger “qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa”.E não poderia ser diferente. Se, no âmbito dos interesses privados, o administradorresponde pelos prejuízos a que culposamente der causa (art. 667 do CCB), com mais razãohá de ser responsabilizado o administrador público pelos danos resultantes de suanegligência, uma vez que zela pelos interesses de toda a coletividade.

Isso, entretanto, só de diz por precaução, pois não se trata da hipótese. Culpaé a imprevista produção de um resultado que poderia Ter sido antevisto e evitado peloagente, se fosse diligente. Mas, no caso em análise, a produção do resultado, istoé, a perdapatrimonial, foi inteiramente prevista pelo alcaide.

E ademais, nem há que se cogitar na existência de culpa por parte doAdministrador Público. Os responsáveis, direta ou indiretamente, por atividades causadorasde danos ambientais estão obrigados, sem que se precise questionar se o fizerem comculpa, a reparar os prejuízos causados ao meio ambiente.

A Lei de política Nacional do Meio Ambiente, ao consagrar a responsabilidadeobjetiva daquele que causa dano ao meio ambiente, adotou a teoria do risco integral. Odever de reparar os prejuízos surge, independentemente da prova de culpa do agente, dalicitude de sua conduta, do caso fortuito e da força maior, bastando a demonstração daexistência do dano e do nexo causal entre ele e atividade exercida.

De fato não importa que a atividade traga uma melhoria, um embelezamentoao lugar, ou que gere recursos ou mais empregos, pois desde que ela seja apta a degradarou esteja sendo apta à degradação do ambiente, devem seus responsáveis assumir ocompromisso de recuperar os danos que causarem.

A responsabilidade civil pelo dano causado ao meio ambiente não é típica, e,por tal razão, não implica tão-somente na ofensa a dispositivo legal. Na ação civil públicaambiental não há porque se discutir a legalidade do ato praticado, mas a potencialidade dedano que o ato traz aos bens ambientais.

Ainda, ao firmar o Compromisso de Ajustamento de Conduta com o MinistérioPúblico, o demandado tomou conhecimento de todo o seu teor, inclusive da cláusula quarta,pela qual “o não cumprimento dos prazos e obrigações constantes das cláusulas do presenteinstrumento, por parte do COMPROMISSÁRIO, implicará na imposição de multa diária novalor de R$ 1.000,00 (mil reais), a qual será revertida para o Fundo de que cuida o art. 13 daLei 7.347/85, sem prejuízo das sanções administrativas e penais cabíveis.” O último cálculoque se fez, em 07/11/2002, indicou que essa multa já totalizava R$ 69.010,00 (sessenta enove mil e dez reais).

Igualmente, ao ser citado na ação de execução de obrigação de fazer,aparelhada por esse mesmo Compromisso de Ajustamento de Conduta, o réu HENRIQUEFREDERICO HEITMANN DE ABREU assinou mandado judicial que lhe ordenava cumprir asobrigações ajustadas, no prazo de 90 (noventa) dias, sob pena de multa diária de R$

5.000,00 (cinco mil reais). Todavia, passados mais de um ano do termo final daquele prazo,o réu ainda não cumpriu as referidas obrigações, estando tramitando nesta SecretariaJudicial o referido feito custando ao erário público mais de 1.8000.000,00 (um milhão eoitocentos mil reais).

Se “agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como noque diz respeito à conservação do patrimônio público (art. 10, X, Lei 8.429/92) é ato deimprobidade administrativa, o que dizer do comportamento de um prefeito que, a adotarmedidas obrigatórias para a adequação do depósito de lixo municipal às exigênciasambientais e sanitárias, prefere quedar-se inerte e deixar fluir uma multa cujo montante járepresenta quase um quinto da receita anual1 do Município? Isso, no mínimo, deveria serconsiderado crime de lesa-pátria, pois revela um tremendo descaso com a res publica.

B) DA INDISPONIBILIDADE DE BENS

De acordo com o art. 37, § 4º da Constituição da República, dentre asdiversas implicações da prática de ato de improbidade administrativa está a indisponibilidadedos bens do agente, com o fito de assegurar o ressarcimento integral do erário, resultadoesse que, do ponto de vista do interesse público, é até mais importante do que a punição doadministrador ímprobo.

O art. 7º da Lei 8.429/92, dando concretude ao preceito constitucional,dispões:

“Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimôniopúblico ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá à autoridade administrativaresponsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para aindisponibilidade dos bens do indiciado.

Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caputdeste artigo recairá sobre os bens que assegurem o integral ressarcimento dodano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.”

Inicialmente, pode-se perceber que o dispositivo legal descuidou da hipótesedo Chefe do Poder Executivo ser o responsável pelo ato ilícito, pois nesse caso dificilmente(para não dizer nunca) haverá procedimento administrativo para apurar a improbidade. Mas,fora esse pormenor, a norma legal é de grande precisão. Vê-se que, quando o resultado daimprobidade for apenas o enriquecimento ilícito do agente, a indisponibilidade recairásomente sobre o acréscimo patrimonial auferido, pois a medida visará apenas a perda, emfavor do Ente público, dos bens adquiridos ilegalmente. Mas, se o ato de improbidade geraprejuízo ao erário, a construção atingirá tantos bens quantos bastem para o completoressarcimento dos prejuízos.

1 No ano de 2004, a receita total do Município de Jequitinhonha/MG foi de R$ 9.5000.000,00 (nove milhões, equinhentos mil reais), conforme informação obtida na própria Prefeitura Municipal.

Tratando-se de medida cautelar, a indisponibilidade bens deve atender aosseus requisitos clássicos, qual seja, fumus boni iuris e periculum in mora. Mas, enquanto oprimeiro deles tem que ser concretamente comprovado, o segundo é presumido pelo sitemalegal, ,diante da notória facilidade, no mundo moderno, de dispersão de bens e valores,sendo certo que, ao simples comando de um computador doméstico, ,fortunas podem sertransferidas de um meridiano do planeta ao outro. Assim é que o art. 16 da Lei 8.429/92determinou:

“Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissãorepresentará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para querequeira ao juízo competente a decretação do seqüestro dos bens do agenteou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimôniopúblico”.

No caso presente, o fumus boni iuris, ou como preferiu o legislador, osfundados indícios de responsabilidade estão mais que evidenciados. A multa moratória pelodescumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta acarretou uma dívida líquida e certa,que já está sendo executada, no valor de R$ 69.010,00 (sessenta e nove mil e dez reais).Lado outro, a multa cominatória fixada no mandado citatório está onerando os cofrespúblicos, até a data de hoje, em R$ 1.8000.000,00 (um milhão e oitocentos mil reais), comodemonstra o memorial de cálculo anexo (doc. 10), sendo que, a cada dia, esse passivocresce R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Por conseguinte, é manifesto que a omissão doPrefeito, a par de aviltar a legalidade e a lealdade às instituições, tem causado ao Municípiouma enorme e irreparável perda patrimonial.

Vejamos como tem se posicionado o nosso Tribunal de Justiça a respeito damedida:

“TJMG-022916) PROCESSO CIVIL. EXCEÇÃO DESUSPEIÇÃO DO JUIZ. SUSPENSÃO DO PROCESSO. ARGÜIÇÃO DENULIDADE DA DECISÃO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AÇÃOCAUTELAR. AFASTAMENTO DE OCUPANTE DE CARGO ELETIVO PARAQUE NÃO INTERFIRA NA INSTRUÇÃO PROCESSUAL.INDISPONIBILIDADE BENS. O artl. 12 e seus respectivos incisos, da Lei n.º8.429/92, definiu quais as cominações para cada ato de improbidade. E emtodos eles prevaleceu a orientação, já inserida no art. 5º, daquela mesma lei,segundo o qual “ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão,dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimentodo dano”. Outrossim, porque é possível supor que alguém, temendo desfechodesfarorável na ação proposta contra si, pudesse tentar frustrar a execução dafutura decisão, alienando os bens ou valores necessários ao ressarcimentodos prejízos causados ao erário, é de interesse público que se assegure,imediata e cautelarmente, o resultado útil do processo, o que somente poderiaser obtido mediante a excepcional indisponibilidade dos bens, que poderiam irpara maão de terceiros de boa-fé. (Agravo nº 000.260.489-0/00, 2ª CâmaraCível do TJMG, Ribeirão das Neves, Rel. Des. Brandão Teixeira. j.17.04.2002, un.).

“TJMG-021539) DIREITO ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADEADMINISTRATIVA. PEDIDO DE INDISPONIBILIDADE DE TODOS OS BENS.POSSIBILIDADE. MEDIDA ACAUTELATÓRIA. FINALIDADE. ASSEGURAR OINTEGRAL RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. RECURSO CONHECIDO ENÃO PROVIDO. A Lei nº 8.429/92 admite e legitima, na hipótese de lesão aopatrimônio público, por quebra do dever de probidade administrativa, que ojuiz, a requerimento do Ministério Público, adote, com intuito acautelatório, amedida de indisponibilidade dos bens dos agentes públicos, para assegurar,de modo adequado e eficaz, o integral e completo ressarcimento do dano emfavor do erário. A indisponibilidade pode recair sobre todos os bens, mesmoem relação àqueles adquiridos anteriormente aos atos de improbidadeadministrativa, pois o que importa é o efetivo ressarcimento ao erário, ou seja,ressarcimento integral do do dano. A garantia constitucionalo á liberdade dosbens cede á necessidade de garantia da efetividade das decisõesjurisdicionais, principalmente em se tratando de hipótese de improbidadeadministrativa, uma vez que orisco de prejuízo ao erário atinge não só aadministração, como toda a coletividade, em face da sua natureza.” (ApelaçãoCível nº 000.267.485-1/00, 5ª Câmara Cível do TJMG, Carmo do Cajuru, Relª.Desª. Maria Elza. J. 24.04.2002, un.).

Nesse sentido também têm decido outros Tribunais do país, como ilustra oseguinte aresto da Corte goiana:

“TJGO-015289) “AGRAVO DE INSTRUMENTO.INDISPONIBILIDADE DE BENS. Havendo fundadas suspeitas de malversação do dinheiro público, a indisponibilidade de bens decrerttada inauditaaltera pars é medida judicial que se impõe, a bem do interesse público – aquiincluídas a moral e a probidade administrativa. O Tribunal, à unanimidade devotos, conheceu do agrav o, mas negou-lhe provimento.” (Agravo deInstrumento nº 20958-5/180, 3ª Câmara Cível do TJGO, Goiânia, Rel. Des.Gercino Carlos Alves da Costa. j. 26.12.2000, publ. DJ 22.01.2001 p. 6).

Uma consideração, no entanto, há de ser feita. A indisponibilidade de bensnão pode ser tal que retire da pessoa o mínimo necessário para a subsistência sua e de suafamília, ou impossibilite-o de dar continuidade aos seus negócios.

Feita essa ressalva, o Ministério Público requer, cautelarmente e inauditaaltera parte, a decretação de indisponibilidade de todos os bens móveis e imóveis do reúHENRIQUE FREDERICO HEITMANN DE ABREU, até o valor de R$ 1.869.010,00( ummilhão, oitocentos e sessenta e nove mil e dedz reais)2, para tanto solicitando que:

1) expeça-se mandado a todos os cartórios de registro de imóveis da comarca e também deBelo Horizonte para que averbem, à margem da matrícula dos imóveis em nome do réu,o gravame da inalienabilidade;

2) expeça-se ordem judicial às todas as agências bancárias da comarca para quebloqueiem todas as contas e aplicações financeiras em seu nome;

2 R$ 69.010,00 + R$ 1.800.000,00 = 1.869.010,00

3) oficie-se ao DETRAN/MG, determinando-se que conste o gravem da inalienabilidade noscadastros de todos os veículos em nome dele.

4) Determine-se a quebra do sigilo fiscal do réu, oficiando-se à Receita Federal e ao BancoCentral para que informem ao Juízo, com base em seus cadastros e nas declaraçõesprestadas por ele para fins de cálculo do imposto de renda, sobre a existência de contasbancárias, aplicações financeiras e bens móveis ou imóveis em seu nome.

C) DO AFASTAMENTO CAUTELAR DO PREFEITO

Conforme se depreende do artigo 20, parágrafo único da lei nº 8429/92, épossível que a autoridade judicial determine o afastamento cautelar da autoridadeadministrativa que tem contra si ajuizada uma ação civil pública. Assim de acordo com acitada lei, o afastamento pode ser decretado quando a medida se fizer necessária áinstrução processual.

Conforme se analisa de toda a documentação juntada com a petição inicial(juntou-se cópia do inquérito civil para instruir a referida ação uma vez que os originaisencontram-se anexados aos autos de execução de obrigação de fazer) o Prefeito é reticenteem desatender os chamados do Poder Judiciário. Descumpre reiteradamente todos osTermos de Ajustamento de Conduta que firma com o Ministério Público. Hesita em atenderas requisições expedidas pelo Parquet. Ademais, atrapalha o andamento dos processos umavez que não comparece nas audiências designadas sempre juntando aos autos algumajustificativa e adiando, assim, o andamento processual.

Estando no exercício do cargo, o Sr. Prefeito Municipal não fornece osdocumentos necessários às investigações conduzidas pelo Parquet. Fere, assim, osprincípios da publicidade, legalidade, lealdade, moralidade e impessoalidade. Ainda, estandono exercício do cargo, é notório que possui nítida influência sobre os seus subordinadosfazendo com que as determinações judiciais e as requisições ministeriais não sejamcumpridas.

O prolongamento do agente no mandato eletivo faz com que o patrimôniopúblico seja cada vez mais dilapidado. O Sr. Prefeito está malbaratando o patrimônio públicouma vez que, ao desatender reiteradamente e de forma reticente as determinações judiciais,vem propiciando que a Administração Pública Municipal seja condenada a pagar multas emvalores cada vez maiores. A situação é realmente catastrófica já que a Prefeitura Municipalseve, cada dia que passa, mais R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por Ter um Prefeito omisso.

Ademais, enquanto continua no cargo, o dano ao meio ambiente se perpetua.O lixo, por determinação sua, continua sendo lançado no local mesmo sabendo que estaatitude é condenável em termos de saúde pública e não aprovada pela Justiça. Imagino se oPrefeito não fosse médico?

A manutenção do Prefeito no cargo é ato atentatório ao regime democrático eao respeito aos poderes públicos constituídos. Mesmo tendo uma determinação na ação deeexecução de fazer simplesmente não a cumpre.

É claro e notório que sua permanência no cargo é prejudicial à instrução

processual já que teremos mais um processo emperrado nas prateleiras do Poder Judiciáriopois o Sr. Prefeito tudo faz para complicar o andamento ddos feitos. Desatendo oschamados e não forneendo os documentos requisitados, está a prejudicar a instruçãoprocessual.

Afastado do cargo, seu sucessor terá a liberdade e possibilidade de cumprirass determinações judiciais e fazer cessar imediatamente o dano ambiental através daadoção de políticas concretas, já que continuando o Prefeito atual a exercer o cargo, aomissão continuará até ao ponto de se atingir o caos social. Da maneira como os fatos sedesenvolvem em breve a cidade de Jequitinhonha estará inacessível uma vez que o lixobloqueará totalmente a estrada.

Ademais, com o desenrolar dos fatos, a poluição das águas, se não contidaimediatamente, trará irremediáveis problemas causando um desastre ambiental deproporções incalculáveis seja pela contaminação dos mananciais seja pelo acúmulodesordenado do lixo urbano que resulta em emissão de gases tóxicos e inflamáveis.

Assim, mostra-se de extrema importância e necessidade a decretação doafastamento cautelar do cargo exercido pelo Sr. Prefeito. Trata-se, pois, de medida que“busca propiciar um clima de franco e irrestrito acesso ao material probatório, afastandopossíveis óbices que a continuidade do agente no exercício do cargo, emprego, função oumandato eletivo poderia proporcionar”(Garcia, Emerson e Alves, Rogério Pacheco,Improbidade Adminstrativa, 2ª edição, Lumen Iuris, p. 813).

Por se tratar de medida cautelar deverão estar presentes os requisitos dopericulum in mora e do fumus boni iuris. A plausibildiade do direito (fumus boni iuris)veiculada na pretensão de mérito está perfeitamente demonstrada já que a situaçãocalamitosa gerada pelo acúmulo desordenado do lixo é mais do que suficiente para justifiar amedida. Ainda, o risco de dano irreparável (periculum in mora) também é fácil de secomprovar já que o laudo técncio recomenda que sejam adotadas medidas urgentes noprazo improrrogável de 90 (noventa dias). No entanto, já se passou mais de um ano. Apermanência do Sr. Prefeito no cargo é um empecilho à instrução processual já que maisdemorada será a juntada de documentos necessários e tumultuado será o andamentoprocessual.

Conforme se pode apreender dos ensinamentos doutrinários, o afastamentoprovisório do agente deve ser reservado às hipóteses de danos exponenciais ao patrimôniopúblico, em hipóteses de dolo manifesto. Assim, só posso concluir que a permanência doagente no cargo é mais que prejudicial e sua conduta beira às rais dos inimaginável. O doloé mais do que manifesto já que mesmo sabendo das conseqüências continua determinandoque o depósito de lixo se dê naquele local condenável.

“Ademais, a sua manutenção à frente do Poder Executivo trariapara os órgãos de controle enorme desgaste, pois é muito difícil manter-se emcurso uma ação que visa responsabilizar um agente político por ato deimprobidade, sem que se posssa dispor livremente dos registrosadminsitrativos...o desgaste que se deve reguardar é da própria imagem detransparência da Adminstração Pública” (Min. Eliana Calmom. Medida Cautlar

nº 2765-SP – DJ 30/05/2000).

A conduta praticada pelo agente ora processado traz clara violação daconfiança expendida nele pelo voto popular. Dessa forma, após a quebra desta relação deconfiança surgida entre Administrador Público e povo, não resta outra saída senão oafastamento do cargo. O afastamento provisório do cargo evitará a reptição da condutareprovável, a prática de novos danos.

Vejamos:

“(....) Se esses novos danos pudessem estar enquadrados noobjeto da demanda, vale dizer, consubstanciando reiteração de atos cujarepressão já se ambicionava no próprio processo, parece razoável sustentarque a instrução processual se estenderia a essa hipótese e, por conseguinte,também o alcance o art. 20, parágrafo úncio, da Lei número 8429/92. Assim,por exemplo, no caso em que o agente público é acusado de formação dequadrilha para o cometimento de crimes contra o erário, com tipificação de taiscondutas no âmbito da Lei nº 8429/92, em princípio, seria recomendável oafastamento compulsório do cargo, especilamente quando o requerimento éformulado pelo autor da ação civil pública com base em elementos disponíveisno processo e perceptíveis pelo senso comum e pela visão lógica da vida”(Osório Fábio Medina citado por Garcia Emerson e Alves Rogério Pacheco,ob. Cit. p. 819).

Pensamos que o afastamento cautelar do agente público deva ser comparadacom a medida processual penal da decretação da prisão preventiva com o fundamento nagarantia da ordem pública. Assim, deve-se resguardar a ordem pública adminstrativaevitando que o agente processado se mantenha no cargo e pratique reiteradamente asmesmas condutas condenáveis e que geraram a início da demanda. É, portanto, providênciaque se impõe em benefício do erário público e da moralidade administrativa. Deve-se, pois,afastá-lo do cargo para evitar a repetição da conduta reprovável. Ressalte-se, ainda, que oafastamento não causará lesão à ordem administrativa mas irá apenas resguardar ointeresse público primário de combate á improbidade administrativa.

III – DO PEDIDO

Ante todo o exposto, o Ministério Público requer, após declarada ainconstitucionalidade incidental da Lei nº 10.628/2002 seja concedida as medidas cautelaresnos termos em que foram pleiteadas e também:

1) autuação da presente ação, com os inclusos documentos extraídos doinquérito civil n. 03/2001;

2) a notificação do requerido para oferecer manifestação por escrito no prazode 15 (quinze) dias, na forma do art. 17, par. 7o, da Lei n. 8.429/92;

3) após, seja recebida a presente inicial, determinando-se, em seguida, acitação do réu, na forma do art. 172, par. 3o, CPC, para, querendo,

apresente contestação, no prazo legal e sob pena de revelia, à presenteação, que deverá seguir o rito ordinário;

4) seja citado o Município de Jequitinhonha, nos termos do art. 17, par. 3o, daLei n. 8.429/92;

5) a produção de todas as provas em Direito admitidas, notadamente ajuntada de outros documentos, realização de perícias, oitiva detestemunhas, depoimento pessoal do réu e outras que se fizeremnecessárias;

6) intimação pessoal do autor de todos os atos e termos processuais, naforma prescrita no art. 236, par. 2o, CPC;

Requer, ainda, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, sejajulgado procedente o pedido deduzido na presente AÇÃO DE IMPROBIDADEADMINISTRATIVA AMBIENTAL, condenando-se o Sr. Henrique Frederico Heitnam de Abreupela prática de atos de improbidade previstos no art. 11, inc. II, da Lei n. 8.429/92, impondo-se-lhe a sanção de perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento demulta civil e proibição de contratar com o Poder Público, ou receber benefícios ou incentivosfiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica daqual seja sócio majoritário, com base no art. 12 da Lei Federal n. 8.429/92.

Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (um mil reais)

Termos em que, pede deferimento.

Jequitinhonha, 20 de maio de 2.004.

Gabriel Pereira de MendonçaPromotor de Justiça

OBSERVAÇÃO: HÁ JULGADOS SOBRE O TEMA AQUI TRATADO NA PASTAJURISPRUDÊNCIA CÍVEL