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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA Psicologia Social na Atenção Básica: relatório das atividades desenvolvidas no estágio Relatório das atividades do estágio: Psicologia Social na Atenção Básica, desenvolvidas durante o ano de 2008, supervisionado pela docente Luciana Nogueira Fioroni. Júlia Amorim Santos Marcela Contessotto da Silva - Novembro de 2008 – São Carlos

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

Psicologia Social na Atenção Básica:

relatório das atividades desenvolvidas no estágio

Relatório das atividades do estágio: Psicologia Social na Atenção Básica, desenvolvidas durante o ano de 2008, supervisionado pela docente Luciana Nogueira Fioroni.

Júlia Amorim Santos Marcela Contessotto da Silva

- Novembro de 2008 – São Carlos

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Psicologia Social na Atenção Básica: relatório das atividades desenvolvidas no estágio

A Psicologia inseriu-se no campo da saúde pública transpondo conceitos teóricos e técnicas

de intervenção clínica para um contexto institucional e social complexo. A Psicologia

Sócio-histórica em diálogo com a Saúde Coletiva, repensa a prática psicológica em

contextos comunitários e institucionais. Este trabalho visa a inserção de alunos de

psicologia no contexto dos cuidados em saúde do PSF. O modelo de trabalho adotado foi o

de apoio matricial em equipes multiprofissionais. Os objetivos de formação foram:

estabelecer relações entre conceitos de Psicologia Social da Saúde com realidades

observadas; identificar processos sociais e seus determinantes, refletindo sobre propostas de

intervenção nos diferentes contextos, considerando-se o processo saúde-doença e o

conceito de vulnerabilidade social, e privilegiar ações coletivas na comunidade. Foi

atribuída especial importância para a construção do diagnóstico institucional enfocando a

necessidade de compreensão e análise do contexto. Durante as atividades, os alunos

articulados com a equipe, realizaram acolhimentos, visitas domiciliares, consultas

conjuntas, grupos de educação em saúde, participação em espaços de construção do

trabalho coletivo, e proposição de novas ações em saúde. O suporte pedagógico ocorreu

com reuniões semanais de supervisão, grupo de estudos quinzenal, realização de

levantamento bibliográfico dirigido pelas necessidades práticas, leituras, resenhas e

confecção de diários de campo. Como resultados é possível apontar melhora na capacidade

de observação, discriminação e interpretação da realidade de forma coerente entre o

referencial teórico e a proposta de trabalho, estabelecendo relações entre subjetividade e

processos/fenômenos sociais. Observou-se também uma qualificação do serviço, com a

presença de estagiários no cotidiano trazendo questionamentos e propostas que colocam a

equipe para refletir sobre sua prática.

Palavras-chave: Psicologia Social da Saúde; Estratégia da Saúde Família; Apoio Matricial

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Psicologia Social na Atenção Básica: relatório das atividades desenvolvidas no estágio

Autoras: Júlia Amorim Santos Marcela Contessotto da Silva

Supervisora de estágio: Luciana Nogueira Fioroni.

Componentes da Banca de examinadores: o curso não tem este procedimento para trabalhos de estágio

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1. INTRODUÇÃO

Tendo como base o referencial teórico-metodológico da Psicologia Sócio-histórica,

mais especificamente da Psicologia Social da Saúde em diálogo com a Saúde Coletiva,

compreendemos o processo saúde-doença como fenômeno biopsicossocial e cultural,

buscando repensar a prática psicológica em contextos comunitários e institucionais.

Trabalha-se com o conceito ampliado de saúde, definido como resultado dos modos

de organização social da produção no contexto histórico de uma sociedade, exigindo a

formulação e a implantação de uma política que invista na melhoria da qualidade de vida de

sujeitos e coletividades, garantindo-lhes a saúde como direito de cidadania e como recurso

fundamental para a vida diária.

Tanto na literatura como em no grupo de trabalho em questão, discute-se a

necessidade da construção do diagnóstico institucional enfocando a necessidade de

compreensão e análise do contexto onde serão desenvolvidas as atividades, bem como o

conhecimento da população alvo, suas dificuldades, valores, preferências e práticas.

Assim, foi estabelecido que fizéssemos um levantamento de ações e serviços de

promoção, prevenção, assistência e educação em saúde em uma USF, identificando campos

de intervenção e necessidades da equipe e da população atendida para depois realizar

atividades de intervenção.

As atividades realizadas ocorreram em parceria com a Secretaria Municipal de

Saúde, mais especificamente com a diretoria de Atenção Básica de Saúde, e alunos da

Residência Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade - UFSCar.

Avaliações internas de docentes da UFSCar apontam que as atividades do psicólogo

na Atenção Básica a partir da Residência Multiprofissional (que iniciaram no início de

2007), abriram um novo campo de trabalho e apontam a necessidade de maior

envolvimento de estudantes de graduação para fortalecer a formação nesta área,

considerando as deficiências na grade curricular.

1.1 Metodologia de Intervenção

Consideramos que os estagiários são sujeitos participantes dentro da instituição,

sendo necessário estabelecer o diálogo constante entre estes e os profissionais de saúde do

local, já que ambos colaboram na produção de conhecimento e na modificação do ambiente

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onde estão inseridos. Assim, compreendemos que o processo de inserção dos estagiários na

rotina da instituição não ocorre de forma linear. Estes entram em contato com assuntos de

pouca familiaridade, sendo necessárias verdadeiras construções implicadas nos diálogos ali

estabelecidos.

Como não separamos as atividades de estágio (prática) das atividades de pesquisa,

tomamos como recurso metodológico para mapeamento e compreensão do serviço:

Observação participante: mais do que o registro sistemático do modo de trabalhar das

pessoas, este tipo de observação se inspira na pesquisa etnográfica e busca compreender o

cotidiano, procurando reconstruir a sua lógica. Observamos o modo como se organiza e

realizam o trabalho, a relação entre os profissionais de saúde e os pacientes, além da

relação entre os próprios profissionais, discussões sobre a assistência ali oferecida e

atividades voltadas para a promoção e prevenção de saúde.

Conversas não-estruturadas: lançamos mão deste recurso para estreitar relações com os

profissionais de saúde do ambulatório, além de visar uma maior compreensão do

funcionamento e das relações dentro do ambulatório.

Pesquisa bibliográfica e documental: esta metodologia serve como um apoio teórico para

a compreensão dos processos e formas de organização do sistema de saúde. Além disso,

possibilitou uma aproximação em relação às demandas do serviço. A pesquisa

bibliográfica e documental foi realizada em distintos momentos do estágio para

complementar esta continua e relativa construção dos discursos. Consideramos este como

sendo um momento essencial para a produção de idéias que terão expressão progressiva

no decorrer do estágio. A revisão bibliográfica está diretamente ligada ao caráter

construtivo-interpretativo que atribuímos à produção de conhecimento.

1.2 Referencial Teórico-Metodológico

As condições de vida e saúde têm melhorado de forma contínua e sustentada na

maioria das nações, no último século, graças aos progressos políticos, econômicos, sociais e

ambientais, assim como aos avanços na saúde pública e na medicina. Mesmo assim ainda é

comum encontrar a permanência de profundas desigualdades nas condições de vida e saúde

entre os países, e dentro deles, entre regiões e grupos sociais. A internacionalização da

produção, distribuição e consumo, e a globalização da economia podem ser consideradas

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principais responsáveis pelas situações de disparidade social. Ao se examinar as condições

de mortalidade prevalentes, verifica-se, em alguns setores, a permanência de problemas que

já estão resolvidos em muitos lugares e para diversas populações. Apesar de alguns

governos ainda investirem em assistência médica curativa e individual, a principal resposta

social a tais problemas de saúde tem sido medidas preventivas e a promoção da saúde

(BUSS, 2000).

A idéia da saúde com um caráter coletivo-público-social tem sua base no século

XVIII, na Europa, quando surge o conceito de polícia sanitária. É a primeira vez que a

higiene da população é considerada responsabilidade do Estado, que utiliza normas

reguladoras de âmbito individual para fiscalizar o que é considerado moralmente como

“boa saúde” (SCILIAR, 1987).

A Revolução Industrial apresenta no século seguinte, uma classe trabalhadora

organizada e com maior participação política, que passa a integrar pautas relacionadas à

saúde em suas reivindicações. Entre 1830 e 1880 surgem propostas de compreensão da

crise sanitária, em que a participação política é a principal estratégia para transformação da

realidade da saúde. Inicia-se um movimento chamado Sanitarismo que tem como principal

objetivo a expansão de atividades sanitárias destinadas aos pobres e excluídos da população

(ALMEIDA FILHO, 1998).

No início do século XX o Relatório de Flexner reforça a separação entre individual

e coletivo, privado e público, biológico e social, curativo e preventivo. A partir desse

conceito são construídas as primeiras escolas de saúde pública. Em 1952, realiza-se nos

Estados Unidos uma reunião de representantes das principais escolas de medicina do

continente, na qual se discute a necessidade de intervenções prévias à doença. A noção de

prevenção é redefinida e seu conceito é ampliado pela caracterização como primária,

secundária e terciária (ALMEIDA FILHO, 1998).

O desenvolvimento econômico e social da década de sessenta possibilita o

reconhecimento da saúde como direito e responsabilidade de todos. A intensa mobilização

intelectual americana faz com que apareçam movimentos sociais nas comunidades urbanas,

e juntamente com conjuntos de ações coletivas, centros comunitários são implantados. Esse

modelo de prática permite a integração das equipes de saúde nas comunidades, através da

identificação e reflexão sobre os problemas locais (ALMEIDA FILHO,1998).

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O processo se estende para década de setenta e em 1978 ocorre a I Conferência

Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, realizada em Alma-Ata. As principais

propostas se voltam para a atenção primária, reafirmando a saúde como direito humano

fundamental, em que as desigualdades são inaceitáveis e os governos têm responsabilidade

pelas necessidades sociais do cidadão. A Conferência também garante o direito da

população de participar das decisões do campo da saúde (BUSS, 2000).

Em 1986 é redigida a Carta de Otawa, um dos documentos fundadores da promoção

de saúde. Ela associa este termo a um conjunto de valores que engloba qualidade de vida,

saúde, solidariedade, equidade, democracia, cidadania, desenvolvimento, participação,

parceria, etc. Propõe integrar as ações da saúde em uma combinação estratégica

(responsabilidade múltipla) entre Estado (políticas públicas) e comunidade (reforço da ação

comunitária); além de apontar a necessidade da reorientação do sistema de saúde e da

mudança nos estilos de vida da população (BUSS, 2000).

Na década de 80, uma série de ações faz com que a promoção da saúde passe a

associar-se a medidas preventivas sobre o ambiente físico e os estilos de vida, e não mais

exclusivamente sobre indivíduos e famílias. As intervenções são dirigidas à transformação

dos comportamentos do sujeito e há a constatação do papel protagonista dos determinantes

gerais sobre as condições de saúde, incluindo padrão adequado de alimentação e nutrição,

habitação, saneamento básico, boas condições de trabalho, oportunidade de educação ao

longo de toda vida, ambiente físico limpo, apoio social para as famílias, etc. As ações se

voltam para coletivo de indivíduos e para o ambiente, compreendido num sentido amplo, de

espaço físico, social, político e cultural, através de políticas públicas e de condições

favoráveis ao desenvolvimento da saúde e dos reforços da capacidade dos indivíduos e

comunidades.

1.3 A Saúde Pública no Brasil e o SUS

Nas décadas de 1970 e 1980, acontecimentos nos âmbitos social, político e

econômico resultam em profundas mudanças na sociedade brasileira. Um processo

crescente de endividamento externo, juntamente com um regime político autoritário,

começa a enfraquecer o Estado e a incentivar movimentos sociais que reivindicavam

melhores condições de vida. A administração de Getúlio deixa como herança para a área da

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saúde, a Previdência Social, a privatização da assistência médica e um modelo privado

prestador de serviços pagos pelo Estado. Nesse contexto, começa a surgir uma grande

mobilização social que ficou conhecida como movimento sanitário, aliado aos altos índices

de desemprego, às altas taxas de mortalidade materna e infantil e ao aumento das doenças

infecto-contagiosas (SCILIAR, 1987).

Esse movimento foi responsável pelas novas concepções do pensar e fazer saúde de

uma maneira mais humana e universal; que só poderia ser alcançada através de uma ampla

reforma sanitária. Ele tem como conquista a VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986,

que redefiniu o conceito de saúde para uma concepção mais ampliada e dinâmica - a saúde

como produto social resultante da ação de diversos determinantes: acesso a lazer, escola,

saneamento básico, trabalho, serviços de saúde, entre outros. A partir das propostas desta

Conferência, a saúde foi incluída na Constituição do Brasil de 1988, no capítulo da

Seguridade Social, como um direito de todos e dever do Estado, o que representou um

avanço em relação à Constituição anterior (CARDOSO & CAMARGO-BORGES, 2005).

O Sistema Único de Saúde – SUS- foi implantado no Brasil a partir de 1988

juntamente com a nova Constituição e na Lei Orgânica de Saúde. A partir da concepção

ampliada de saúde, à fim estruturar o cuidado da população, propõe-se ações e serviços que

integram uma rede regionalizada, hierarquizada e descentralizada. O serviço prestado deve

seguir princípios como a universalidade, a equidade, a integralidade, a partir da articulação

de ações de promoção, prevenção, cura e reabilitação da saúde, prezando pela participação

comunitária (BRASIL, 1990; BRASIL, 2000; COHEM, 2004).

Brasil (1990) define universalidade como o acesso à saúde a todos os cidadãos e

acesso sem discriminação, cabendo ao Estado assegurar este direito aos serviços de saúde

para todos indistintamente. O princípio da equidade tem como objetivo diminuir

desigualdades, assim este não prevê a igualdade do acesso aos serviços de saúde, pois as

pessoas não são iguais, elas têm necessidades diferentes. Esse princípio prevê a

“discriminação positiva” que busca dar prioridade aos grupos sociais mais vulneráveis, ou

seja, o investimento é maior em áreas na qual a carência é maior. A concepção de

integralidade reconhece os vários fatores que influenciam no processo saúde-doença, presta

serviços de forma continuada com a garantia de prevenção, promoção de saúde, cura e

reabilitação. Este princípio também prevê a articulação com outras políticas públicas como

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forma de assegurar uma atuação em várias áreas que repercutem na vida e na saúde dos

indivíduos.

A hierarquização do sistema significa que os serviços estão organizados em níveis

de complexidades tecnológicas crescentes (nível primário, secundário e terciário), dispostos

em uma área geográfica delimitada de modo a oferecer a uma determinada população todas

as modalidades de assistência. Destarte o nível básico é o responsável pela maior demanda,

ou seja, o usuário tem contato direto com este nível e conforme aumenta a complexidade do

problema de saúde, este poderá ser referenciado a um nível de atenção mais especializada

(nível secundário ou terciário). Esta forma deveria permitir um conhecimento maior dos

problemas de saúde da população de cada área, favorecendo, por exemplo, ações de

vigilância epidemiológica, sanitária, controle de vetores, educação em saúde, além das

ações de atenção ambulatorial e hospitalar, articulando todos os níveis de complexidade.

A descentralização é entendida como uma distribuição das responsabilidades quanto

às ações e serviços de saúde entre os vários níveis de governo (federal, estadual e

municipal) atendendo às especificidades de cada região, contudo mantendo um plano

nacional de cobertura. Por fim, a participação popular está colocada desde o princípio da

organização do SUS, sendo a garantia constitucional de que a população, através das

entidades representativas, pode participar do processo de formulação das políticas de saúde

e do controle de sua execução, desde o nível municipal, até mesmo em nível nacional.

Através destas diretrizes o processo de construção do SUS previa reduzir lacuna

ainda existente entre os direitos garantidos por lei e oferta efetiva de ações e

disponibilidade de serviços públicos. Apesar destes princípios ainda não terem sido

atingidos em sua plenitude, e alguns inclusive terem sidos re-elaborados em trabalhos mais

atuais (como a concepção de rede ao invés de hierarquização dos serviços), há o

reconhecimento de alguns grupos em relação aos avanços obtidos na última década na

consolidação deste projeto. No entanto, mesmo depois um investimento para a implantação

deste programa, nota-se a persistência e predominância de uma prática hospitalocêntrica e

uma desvalorização de intervenções de baixos recursos tecnológicos, consolidando, na

prática, a transformação do que seria o topo da cadeia de atenção em porta de entrada

(BRASIL, 2000).

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Desta forma, depois de quase 20 anos da implantação do SUS, a discussão de

princípios de cuidado à saúde e formas para a implantação de suas diretrizes vem crescendo

cada vez mais nos meios governamentais, universitários, nos serviços e nos movimentos

sociais.

1.4 Estratégia de Saúde da Família – ESF: uma proposta de reorganização do trabalho em saúde

A Estratégia de Saúde da Família (ESF), instituída desde 1994 no Brasil, visa

possibilitar a reorganização das práticas assistenciais em novas bases e critérios, em

substituição ao modelo tradicional de assistência, orientado para a cura de doenças e

realizado principalmente em hospitais. Nesta proposta, a atenção, está centrada na família,

entendida e percebida a partir de seu ambiente físico e social, o que vem possibilitando às

Equipes de Saúde da Família uma compreensão ampliada do processo saúde-doença e da

necessidade de intervenção de uma determinada comunidade, indo além das práticas

meramente curativas, estendendo-se à promoção de saúde do local (BRASIL, 2001).

O trabalho em equipe é destacado no conjunto das características do Programa de

Saúde da Família (PSF), como um dos pressupostos mais importantes para a reorganização

do processo de trabalho (SILVA & TRAD, 2005). A equipe que permanece na unidade é

denominada equipe de referência, tendo uma composição multiprofissional visando um

caráter transdisciplinar (BRASIL, 2004). Esta seria composta por médico de saúde da

família, enfermeiro, dentista, auxiliar de enfermagem, auxiliar de dentista e agentes

comunitários de saúde (SILVA & TRAD, 2005). O funcionamento integrado da equipe de

referência pressupõe tomá-la como um espaço coletivo, onde se discute tanto casos

clínicos, como casos sanitários ou de gestão, visando uma participação na organização local

(CAMPOS & DOMITTI, 2007).

Silva e Trad (2005), apontam que a equipe de saúde da família deve conhecer as

famílias do território de abrangência, identificar os problemas de saúde e as situações de

risco existentes na comunidade, elaborar um plano e uma programação de atividades para

enfrentar os determinantes do processo saúde/doença, além de desenvolver ações

educativas e intersetoriais relacionadas com os problemas de saúde identificados. Assim,

estariam prestando assistência integral às famílias sob sua responsabilidade no âmbito da

atenção básica.

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Gomes e Pinheiros (2005) trabalham com a concepção de três conjuntos de sentidos

sobre a integralidade: a integralidade como traço da boa medicina, a integralidade como

modo de organizar as práticas e a integralidade como respostas governamentais a

problemas específicos de saúde.

Entre estes vários sentidos, pode-se considerar integralidade como um valor a ser

sustentado que consistiria em uma resposta ao sofrimento do paciente que procura o serviço

de saúde, e um cuidado para que este não seja a redução ao aparelho ou sistema biológico.

Assim integralidade estaria presente no encontro, na atitude do profissional de saúde em

reconhecer, para além das demandas explícitas, as necessidades dos cidadãos no que diz

respeito à sua saúde. Para atingir tal concepção, é necessário que as práticas de cuidado

sejam organizadas respeitando uma “horizontalização” dos programas anteriormente

verticais, desenhados pelo Ministério da Saúde, superando a fragmentação das atividades

no interior das unidades de saúde. Estes mesmos autores dizem que se pode reconhecer, nas

estratégias de melhoria de acesso e desenvolvimento de práticas integrais, o acolhimento, o

vínculo e a responsabilização dos vários atores em questões clínica e sanitária, buscando

uma intervenção resolutiva.

O acolhimento, enquanto diretriz operacional propõe que seja invertida a lógica da

organização e do funcionamento do serviço de saúde, prezando por um atendimento

usuário-centrado. Para isto, concepções e diretrizes instituídas no Sistema Único de Saúde

como universalidade, equidade e integralidade são reafirmadas, priorizando a relação

trabalhador-usuário em parâmetros humanitários, de solidariedade e cidadania.

Essas transformações são potenciais construtoras de vínculo, aproximando quem

oferece ou presta serviço de quem o recebe. Personaliza-se, assim, a relação entre os vários

atores, sendo que consideramos que esta deve ser essencialmente compromissada, solidária

e aparecer como “fruto de uma construção social e parte de um esforço que envolve equipe,

instituições e comunidade” (GOMES & PINHEIROS, 2005).

Temos, também, como conceito chave a vulnerabilidade social (AYRES et al,

1998), que pretende refletir e explicar os diferentes graus e naturezas da suscetibilidade de

indivíduos e coletividades aos riscos de adoecimento, considerando as particularidades de

cada situação, entendida no conjunto dos aspectos sociais (ou contextuais), programáticos

(ou institucionais) e individuais (ou comportamentais).

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A promoção de saúde, assim como sua prática, é tratada a partir de um enfoque

político e técnico em torno do processo saúde-doença-cuidado, sendo um dos proponentes

da articulação de saberes técnicos e populares, e a mobilização de processos e recursos

institucionais, governamental e comunitários, público e privado. Buss (2000) defende que

suas atividades estariam, então, direcionadas ao coletivo de indivíduos e ao ambiente

(compreendidos também no seu sentido amplo) através de políticas públicas e de condições

favoráveis ao desenvolvimento da saúde e do reforço (fortalecimento) da capacitação dos

indivíduos e das comunidades, onde a atuação dos trabalhadores adquire papel

fundamental.

Neto (2000, apud SERAPIONI, 2005) aponta, entretanto, que é preciso desenvolver,

no âmbito de serviços de atenção primária, uma abordagem familiar que, realmente,

considere a família não somente como geradoras de desgastes da saúde, mas também como

desenvolvedoras de saúde e possíveis parceiras neste processo, questões que, segundo o

autor, apesar de já terem sido apontadas, ainda não foram colocadas em práticas.

Gomes e Pinheiros (2005) afirmam que se repetirmos o modelo vigente apenas

maquiado, acreditando que, atendendo a família, fazendo visita domiciliar, prestando

assistência, promovendo as ações de prevenção e promoção de saúde sem respeitar o

desejo/projeto de vida do paciente, sem colocá-lo para discutir isto e as práticas de serviço,

estaremos apenas mantendo as relações de poder de dominação. Questionam, desta forma,

como pode ser realizada uma inserção social e democratização da população sem uma

efetiva redistribuição o poder.

Desta forma, o envolvimento ativo do sujeito como proponentes e protagonistas da

ação social a ser implantada em seus territórios é essencial, potencializando o morador e

tornando-o agente de sua própria mudança a partir dos recursos de que dispõe (BECKER et

al, 2004), sendo que esta participação deve ser instigada tanto por uma organização

comunitária, como pela mudança na relação de poder técnico/usuário (GOMES &

PINHEIROS, 2005).

Este envolvimento ativo do sujeito e reorganização dos serviços deve contribuir

para a democratização do conhecimento do processo saúde / doença, da organização dos

serviços e da produção social da saúde (GOMES & PINHEIROS, 2005).

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O cuidado à saúde é um direito garantido em lei na Constituição Federal, mas este

não pode ser entendido puramente como a democratização do consumo da assistência

médica, embora esta lhe seja fundamental. Saúde é mais do que a oferta de serviços, mesmo

que públicos, uma vez que não podemos deixar de relacionar a falta de saúde da população

com a profunda desigualdade social brasileira devido a ausência de atenções sociais e

políticas públicas nos vários âmbitos da vida dos cidadãos (SPOSATI & LOBO, 1992).

Não basta o avanço virtual da norma em considerar a saúde como direito. Sposati e

Lobo (1992) apontam que a representação do trabalhador da saúde e de seus interesses é

uma mediação que circula na realização concreta do direito uma vez que são estes que dão

forma a tais direitos à população ao atendê-la no balcão, na consulta ou na portaria, são

aqueles que constituem a dinâmica do funcionamento dos serviços.

Assim, para que haja uma transformação na prática e cuidado à saúde, os

profissionais dos serviços devem ter claro o seu papel de agente transformador,

assegurando a participação e o controle social, tornando transparentes as informações,

criando vínculos efetivos entre usuários e equipe, e estabelecendo relações de trocas e

confiança (GOMES & PINHEIROS,2005).

Serapioni (2005) aponta pesquisas que defendem que uma grande dificuldade para a

re-orientação das práticas se dá devido à falta de profissionais com perfil, competência e

habilidades necessárias para compor uma equipe apta a desenvolver uma abordagem

familiar, além de uma grande rotatividade dos profissionais nos serviços de saúde.

1.5 Como conhecer as famílias do território de abrangência e planejar ações e

serviços?

Para conhecer as condições nas quais as pessoas vivem, trabalham, se relacionam e

adoecem, é necessário conhecer o território onde essas pessoas estão inseridas. A partir

desse conhecer deve haver uma responsabilização por parte da equipe de saúde para com os

indivíduos e os espaços onde estes se relacionam. Dessa forma a adscrição da clientela é

um processo que visa definir as relações de compromisso, bem como de elaborar

estratégias de ação não somente voltada para o individuo, mas para todo o contexto social

em foco.

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Neste sentido, é preciso considerar o território não somente como um espaço físico,

pois isso implicaria apenas em uma definição estática do espaço físico da qual a Unidade

de Saúde faz parte, limitando-se a definir o número de famílias, distribuição por faixa etária

e por patologias, entre outros. O território tem que ser considerado como decorrente do

processo histórico resultante da ação de homens concretos e em permanente transformação.

Este é, portanto, uma construção, sendo:

produto da dinâmica onde tencionam-se as forças sociais em jogo. Uma vez que essas tensões e conflitos sociais são permanentes, o território nunca está pronto, mas sim em constante transformação. Ao mesmo tempo em que território é um resultado, é também condição para que as relações sociais se concretizem. E, sendo construído no processo histórico é historicamente determinado, ou seja, pertence a uma dada sociedade, de um dado local, que articula as forças sociais de uma determinada maneira (SÃO PAULO, 2007).

Como resultado, é preciso entender a maneira como a vida local se organizou ao

longo do tempo, por exemplo, o tipo de equipamentos sociais e onde eles estão situados; as

habitações; a circulação dos meios de transporte; a utilização dos espaços e equipamentos

como praças, escolas, igrejas, etc. A partir disso, é preciso que a Unidade de Saúde conheça

a história dos indivíduos, bem como a representação destes sobre o serviço, pois isso será

determinante para definir o modo como as relações usuário-serviço serão estabelecidas.

Depois disto é preciso planejar as ações. Para o planejamento de serviços de saúde

deve-se priorizar um trabalho intersetorial, incluindo a participação conjunta dos

moradores, comitês, instituições governamentais e não-governamentais, criando assim, elos

que promovem compromissos sociais e buscando organizar uma reposta aos problemas de

saúde de um determinado território (ACÚRCIO et al 1998).

Acúrcio et al (1998) afirmam que as experiências têm sugerido que, para elaborar

um plano de ação consistente, é preciso ter informações suficientes para completar a

pirâmide abaixo.

POLÍTICA DE SAÚDE

SERVIÇOS DE SAÚDE E SERVIÇOS AMBIENTAIS SERVIÇOS SOCIAIS

AMBIENTE FÍSICO AMBIENTE SOCIOECONÔMICO PERFIL DE DOENÇAS

COMPOSIÇÃO DA POPULAÇÃO

ORGANIZAÇÃO E ESTRUTURA DA POPULAÇÃO

CAPACIDADE DE AÇÃO DA POPULAÇÃO

Os autores afirmam que a base da pirâmide é constituída pelas informações sobre as

estruturas, interesses e capacidade de agir da população. Isto seria importante para analisar

o potencial da população para a contribuição e envolvimento na elaboração da ação.

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O segundo nível procura descrever os fatores socioecológicos que influenciam a

saúde, incluindo o ambiente físico, as condições socioeconômicas e morbimortalidade. Os

autores apontam que é importante ter conhecimento destas informações para investigar os

potenciais e as barreiras existentes para o melhoramento nas condições de vida.

As informações sobre o ambiente físico procuram descrever situações de ameaça à

saúde, buscando identificar fatores tais como: poluição ambiental, condições precárias de

moradia, deficiência da estrutura de saneamento básico, áreas de desmoronamento, etc.

No que concerne aos aspectos sociais, as informações devem focalizar as crenças e

valores que podem facilitar ou impedir mudanças no comportamento. Uma análise dos

aspectos econômicos, segundo estes autores, busca conhecer a renda, a escolaridade, o

perfil de ocupação e as oportunidades econômicas dos vários grupos populacionais.

O terceiro nível refere-se à obtenção de informações sobre a existência, a cobertura,

o acesso e a aceitabilidade dos serviços, e incluem serviços de saúde; serviços ambientais

como abastecimento de água, coleta de lixo; e serviços sociais como creches escolas.

O quarto nível refere-se às políticas sociais formuladas pelos níveis nacional,

estadual e municipal. Afirmam que informações sobre estas políticas, em particular sobre as

políticas de saúde, podem permitir avaliar se os governantes estão comprometidos com a

atenção à saúde.

1.6 Psicologia Social Sócio-Histórica e a Psicologia Social da Saúde: a atuação

do psicólogo no Sistema Único de Saúde

A princípio, na década de 50, a atuação do psicólogo se baseava principalmente na

clínica individual, exportando os modelos de intervenção de outros países onde a Psicologia

já possuía certa tradição (SPINK, 2004). Dimenstein (2000) defende que a cultura

profissional do psicólogo cresceu comprometida principalmente com o capital e o consumo,

sendo que o psicólogo muito pouco exerceu um papel questionador e transformador das

instituições e das relações pessoais. Afirma que normalmente os psicólogos não têm claro

como o conhecimento que utiliza é produzido e a quem beneficia, ocorrendo a adesão cega

de teorias, técnicas e modelos profissionais como se fossem suficientes para explicar

problemas independentemente de quem os apresenta, de maneira que termina contribuindo

mais para o controle social da população, reprodução das estruturas sociais e das relações

de poder. Muitas vezes, a simples transposição destes conhecimentos leva à muitas

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distorções teóricas, práticas descontextualizadas e psicologização dos problemas sociais, os

que impedem de perceber o caráter histórico dos fenômenos sociais e suas implicações

político-ideológicas.

Outros autores apresentam este mesmo posicionamento, mas especificam a crítica à

área da saúde, afirmando que muitas destas abordagens predominantemente utilizadas se

baseiam em um saber biomédico, que classicamente comporta uma visão de saúde reduzida

à "ausência de doença", privilegiando os determinantes biológicos em detrimento dos

sociais na interpretação dos fenômenos saúde e doença (ROZEMBERG & MINAYO,

2001).

Na década de 1970, juntamente com várias modificações no cenário político

brasileiro e latino- americano, há uma “produção” de novos sujeitos sociais, juntamente

com a construção de novas pautas de reivindicações e movimentos organizados, como por

exemplo no caso do Brasil, o Movimento Nacional pela Reforma Urbana. Há um processo

de questionamento das antigas formas de intervenção em várias áreas do conhecimento,

sendo construído, inclusive, um novo olhar e novos métodos de intervenção para a

Psicologia.

Passa-se então a consolidar um novo olhar considerando sujeitos biopsicossocial e

cultural, configurado na abordagem que se denomina Psicologia Social (sócio-histórica).

A partir do questionamento das formas tradicionais transpostas à atuação do

psicólogo em nosso país, e do confronto e processo de elaboração de novos saberes, há

autores que colocam que a Psicologia Social surge e apresenta uma abordagem que não

foca nem o indivíduo nem a sociedade, mas sim aquela zona que comporta as relações entre

os dois.

Jovchelovitch (2004) defende uma mudança na conceituação do saber que o desloca

de uma relação dualista e dicotômica entre indivíduo e sociedade para a intersubjetividade e

interobjetividade da forma representacional, considerando a diversidade das formas do

saber e das racionalidades que estas formas contêm. Afirma que o foco no “entre” é um

dispositivo puramente teórico, no entanto é nesta zona de mediações profundamente

relacionadas que se encobre e revela o psicossocial. Categorias como a identidade, o eu, o

discurso, a representação, e a ação podem ser encontrada neste espaço enfocado por esta

abordagem.

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A Psicologia Social se contrapõe à abordagens cartesianas fortemente presentes nas

concepções de ciências atuais, que consideram que é através de uma racionalidade que se

atinge o saber (JOVCHELOVITCH, 2004; ROZEMBERG & MINAYO, 2001). Nos

detemos a explicitar rapidamente algumas críticas às perspectivas positivistas para que haja

uma melhor compreensão da abordagem aqui defendida.

Jovchelovitch (2004) coloca que as dicotomias estão tão profundamente arraigadas

no pensamento e auto-interpretação ocidental que até hoje continuam influenciando o

conjunto de ciências sociais. Nesta perspectiva, o desenvolvimento e o progresso do saber

tornam-se um processo através do qual as estruturas internas do conhecimento libertam-se

da emoção, do habitus e da autoridade imposta pela cultura, para atingir a sua forma plena e

racional, “verdadeira”, “desculturada” e “deslocalizada”, livrando-se assim das

“impurezas” de quem o produz. Busca-se, assim, a perfeita descrição do objeto do saber. A

autora aponta, como forma de aproximar a discussão para o âmbito da Psicologia, que

abordagens como o behaviorismo e o cognitivismo se constituíram sobre a hipótese

cartesiana.

Para uma contraposição, como já foi apontado anteriormente, considera-se a

coexistência dinâmica (interferência e especialização) de diferentes modalidades de saber,

sendo que estes correspondem a relações específicas entre o homem e seu contexto

(JOVCHELOVITCH, 2004). Parte-se de um referencial que se esforça para entender o

processo histórico em seu dinamismo, provisoriedade e transformação, buscando

compreender a prática empírica dos sujeitos da sociedade, dialogando com suas ideologias,

interesses e luta social. Apesar de uma impossibilidade do isolamento de características

pessoais com aspectos culturais, deve-se considerar que a realidade social é construída a

partir de interações sociais, sendo necessário considerar minimamente as histórias pessoais

e conhecimentos individuais em uma comunidade, contextualizando e pensando no

dinamismo da vida dos indivíduos que compõe um determinado coletivo (MINAYO,

1999).

Desta forma, ao considerar um diálogo dos sujeitos com suas ideologias, interesses

e luta social, esta abordagem da Psicologia Social aposta na construção do fazer conjunto,

coletivo e valorizam a localidade e as interações dela decorrentes (CAMARGO-BORGES

& CARDOSO, 2005).

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Para melhor explicitar estas concepções, considerando um trabalho de intervenção,

partiremos para a discussão da Psicologia Social da Saúde. Nos apoiaremos nas concepções

da Saúde Coletiva, já apresentadas anteriormente, área esta que dialoga constantemente

com a Psicologia Social.

Após a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) e de seus princípios sobre o

que seria qualidade de vida, houve mudanças recentes na forma de inserção dos psicólogos

na área da saúde e a abertura de novos campos de atuação (SPINK, 2004).

Camargo-Borges & Cardoso (2005) apontam, reforçando aqui as afirmações de

Dimenstein, que a Psicologia também tem problematizado a aplicação das práticas

tradicionais em novo cenário de atuação (sistema público). Dizem que a Psicologia Social

da Saúde, que compreende em seus pressupostos uma intervenção mais local e coletiva,

tem sido um importante campo de conhecimento e prática para construir formas

diferenciadas de intervenção na saúde. Verifica-se uma contribuição contextual da

intervenção e inclusão da questão do "outro" e da alteridade (interface da cultura e do

social no processo de construção da identidade) nesta abordagem ainda em construção.

Toda a Psicologia Social e o olhar para o “entre” contribui, na área da saúde, para a

superação do modelo biomédico, objetiva trabalhar dentro de um modelo mais integrado e

reconhece a saúde como um fenômeno multidimensional. Desta forma, Camargo-Borges &

Cardoso (2005) afirmam que se contribui para compreensão mais holística do processo

saúde-doença-cuidado.

Uma noção muito trabalhada nesta perspectiva é o de representação social, o qual é

considerado central para uma teoria dos saberes sociais. Esta é apreciada como uma

estrutura de mediação, sendo que se forma través de ação comunicativa que liga sujeitos a

outros sujeitos e ao ambiente em que vivem (JOVCHELOVITCH, 2004). São formas de

conhecimento que orientam a ação, individual ou institucional, para a prevenção da doença

e a promoção ou recuperação da saúde. Sendo criações individuais na interface do saber

oficial e dos processos sociais, esta é uma esfera privilegiada para a Psicologia da Saúde

(SPINK, 2004).

Um outro pressuposto fundamental da Psicologia Social e da Saúde é considerar o

envolvimento ativo do sujeito como proponentes e protagonistas da ação social a ser

implementada em seus territórios, potencializando o morador e o tornando agente de sua

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própria mudança a partir dos recursos de que dispõe. Montero (2005), autora da Psicologia

Social Comunitária, afirma que psicólogos, ou qualquer outro agente externo que

realizarem alguma intervenção em comunidade, devem buscar desenvolver um

fortalecimento comunitário. Assim, estes estariam atuando como facilitadores ou

catalisadores do processo de mudança.

A partir de um processo de fortalecimento, que teria um caráter de transformar o

ambiente e as pessoas envolvidas neste, o controle e o poder estariam centrados na

comunidade, sendo que esta poderia apoderar-se de bens e serviços e desenvolver

conjuntamente capacidades e recursos para controlar sua situação de vida, atuando de

maneira comprometida, consciente e crítica (MONTERO, 2005). Na perspectiva da Saúde

Coletiva, este processo de maior autonomia e co-responsabilização colabora para a melhora

das condições de vida nas comunidades.

Camargo-Borges & Cardoso (2005) afirmam que pensar a Psicologia Social da

Saúde traz conceitos potentes e propostas de ação que muito se aproximam dos

pressupostos de trabalho da Estratégia da Saúde da Família. Vemos que os dois discursos

se organizam em torno de eixos que apostam na construção do fazer conjunto, coletivo e

valorizam a localidade e as interações dela decorrentes. Desta forma, este espaço é um

convite à reflexão e a problematização das possíveis formas de intervenção local, numa

postura criativa para a composição de novos trabalhos, mais consoantes com cada realidade

local.

1.6.1 Apoio Matricial: uma proposta concreta de intervenção das assistências

especializadas nas Unidades de Saúde da Família

O apoio matricial em saúde objetiva assegurar retaguarda assistencial especializada

além de prover um suporte técnico-pedagógico às equipes de referência. Este modelo

permite que os profissionais tanto da equipe de referência, quando profissionais da equipe

matricial atuem de modo transdisciplinar, sem utilizar percursos de encaminhamentos

intermináveis, e sem lançar mão da burocracia da referência e da contra-referência,

facilitando o contato direto entre referência encarregada do caso e especialista de apoio

(BRASIL, 2004; CAMPOS E DOMITTI, 2007).

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Campos e Domitti (2007) apontam que profissionais da equipe matricial podem

atuar na elaboração conjunta de projetos terapêuticos, auxiliando na implantação deste

projeto; quando necessário podem programar uma série de atendimentos ou de intervenções

especializadas, mantendo sempre um contato com a equipe de referência; ou até mesmo

apoiando simplesmente através da troca de conhecimento e de orientações entre equipe e

apoiador. Para tal contato planejam-se encontros periódicos. Estes mesmos autores apontam

que esta proposta seria um arranjo organizacional e uma metodologia para a gestão do

trabalho em saúde, objetivando ampliar as possibilidades de realizar-se clínica ampliada e

integração dialógica entre distintas especialidades e profissões.

Para que este modelo funcione, é essencial que se facilite a comunicação entre

distintos especialistas e profissionais, além de construir um sistema que produza um

compartilhamento de responsabilidades pelos casos e pela ação prática e sistemática de

cada projeto terapêutico específico. Desta maneira, constitui uma forma de organizar e

ampliar a oferta de ações em saúde, lançando mão de saberes e práticas especializadas, sem

que o usuário deixe de ser cliente da equipe de referência.

Como já foi apontado, no contexto da Saúde Coletiva, mais especificamente na

USF, o trabalho apresenta uma configuração própria, pois tem como objeto a relação dos

indivíduos em um determinado território, assim o processo de trabalho é necessariamente

interdisciplinar, possibilitando uma articulação dos vários saberes. Aqui o psicólogo

acostumado com uma prática clínica que considera um setting terapêutico e o ato

psicológico que lida com a queixa do paciente e com a patologia, tendo paradigmas

técnicos estabelecidos e seu trabalho protegido, precisa ampliar seu objeto.

Segundo Campos & Guarido (2007) o foco não pode ser a patologia, construindo

uma proposta terapêutica baseada na doença que restringe o espaço subjetivo do indivíduo

ao sofrimento. É preciso considerar não somente os aspectos subjetivos do indivíduo, mas

sim lidar com toda a rede de subjetividade que o envolve. Desta forma o psicólogo

trabalhará com o sujeito integral tendo que lançar mão de um pensar psicológico que é

possível na medida em que as relações se constroem.

Assim, o psicólogo como um membro da equipe matricial precisa lidar com a

dificuldade de substituir sua prática tradicional, ofertando para a equipe seu conhecimento

adquirido, pois isto implica que a saúde mental deve ser objeto de envolvimento de toda

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esta equipe, pois essa visão faz parte da concepção do sujeito integral (CAMPOS &

GUARIDO, 2007).

2. CONHECENDO OS ESPAÇOS DE INTERVENÇÃO

2.1. O SUS no município de São Carlos

A Secretaria Municipal de Saúde desenvolve e executa a política de saúde do

município, coordenando as atividades de assistência à saúde local. Segundo sua

administração, atua no controle de moléstias transmissíveis e de zoonoses, através da

Vigilância Epidemiológica, e normatiza as ações de Vigilância Sanitária. As Unidades

Básicas de Saúde (UBS), a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) para urgência e

emergência, o Programa de Saúde da Família (PSF), o Programa de Atendimento

Domiciliar (PAD), o Centro Municipal de Especialidades (CEME), o Instituto Adolpho

Lutz e o Ambulatório de Oncologia em parceria com a Fundação Amaral Carvalho, de Jaú,

compõem o sistema de saúde municipal (SÃO CARLOS, 2008).

Na cidade de São Carlos a Estratégia de Saúde da Família (ESF) está organizada

atualmente em 15 USFs, que funcionam a partir de duas organizações: equipes de

referência e apoio matricial (através do programa de Residência Multiprofissional em

Saúde da Família e Comunidade - UFSCar) - arranjos organizacionais com características

de transversalidade. No município, cada equipe matricial cuida de duas USFs, preservando

o princípio da co-responsabilização pelo caso/família. A responsabilização compartilhada

visa aumentar a capacidade resolutiva de problemas de saúde pela equipe local,

desenvolvendo a educação permanente no processo de trabalho. As equipes de apoio

matricial são formadas por psicólogos, terapeutas ocupacionais, nutricionistas,

fisioterapeutas, educador físico e assistente social, fonoaudilogia, e farmácia.

2.2 Um pouco da história do bairro em que ocorreu a intervenção

O bairro J começou a ser ocupado no período entre 1977 e 1979. Na época grande

parte das áreas livres fazia parte dos bairros P e C, sendo que as outras áreas livres eram

particulares e foram ocupadas por trabalhadores vindos de São Carlos, mas, sobretudo de

outras regiões, na maioria subempregados ou desempregados e, portanto sem condições de

alugar barracos, conformando o que passou a ser conhecido como Favela J. Após essa

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ocupação, uma série de iniciativas políticas foram desenvolvidas para melhorar as

condições do bairro, como mutirões para construção de casas, mas estas ficavam a mercê de

financiamento que se fazia de forma descontínua de acordo com os objetivos de cada gestão

municipal.

O aumento populacional do bairro alastrou-se para áreas verdes de preservação e

mais tarde para áreas de risco, já que varias famílias se instalaram no limite da encosta,

sendo uma área de solo arenoso e em moradias precárias sem alicerce, piso e saneamento

básico. Até 1997, podia-se observar que o serviço de iluminação pública era trazido por

pequenos postes de outras residências com fiação e componentes inapropriados. O local

não possuía ruas, apenas caminhos para pedestres, o que impossibilitava a entrada de

qualquer tipo de veículo.

Mais tarde, em 2002, ocorreu uma iniciativa por parte de um projeto de urbanização

com apoio do BID – Banco Internacional de Desenvolvimento, do programa Habitar Brasil

com ações de várias natureza que englobaram: ações de natureza físico urbanística (rede de

abastecimento de água e esgoto, remoção de imóveis em área de risco e remanejamento das

famílias, rede elétrica e iluminação pública, pavimentação e arborização das vias;

implantação de equipamentos públicos: ECo – Estação Comunitária e Unidade de Saúde da

Família); de natureza ambiental (replantio de vegetação nativa nas áreas devastadas;

recuperação das margens do córrego); de natureza habitacional e de natureza social

(mobilização e organização comunitária, educação ambiental, geração de trabalho e renda,

ações de inclusão social).

No que diz respeito à organização comunitária do bairro, esta é deficiente, já que a

única base – Associação dos Moradores – neste momento encontra-se desestruturada. O

que pôde ser observado é que nunca houve muita representatividade desta instância pois

sempre prevaleceu o personalismo não favorecendo a ação coletiva e participativa. O

aparelho social que mais desperta o interesse dos moradores refere-se a atividades

esportivas – como os times de futebol, mas além disso há no local a presença de grupos de

atividades culturais e cooperativas de trabalho.

As conquistas sociais relatadas pelos moradores são: a regularização dos terrenos

ocupados pelos moradores do local em 1990, a creche municipal T em 1998, a Capela S em

1994 e a linha de ônibus que começou a circular em 1997.

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3. USF J E NOSSAS FORMAS DE INSERÇÃO E INTERVENÇÃO

As atividades realizadas ao longo do ano foram diversificadas. Inicialmente

tínhamos como objetivo conhecer os espaços em que estávamos inseridas e a rotina de

trabalho no serviço, aprofundar conceitos da forma de organização da estratégia de saúde

da família, identificar algumas demandas da equipe e pensar conjuntamente sobre a

inserção na unidade.

Assim, participamos de vários espaços a fim de compreender o funcionamento e

conhecer suas dinâmicas. Participamos algumas vezes dos grupos de Atividade Física e

Alimentando Corpo e Mente, mas não acompanhamos as atividades regularmente. Nos

inserimos também nas atividades da Terapia Comunitária, sendo que uma das estagiárias

optou por ter uma participação semanal neste espaço ao longo do primeiro semestre.

Auxiliamos na recepção em vários momentos, além de que uma das estagiárias participava

semanalmente das reuniões de equipe e outra das reuniões de intervisão (reunião entre

agentes comunitários, alguém da equipe de referência e da equipe matricial).

A fim de conhecer melhor o território foi feito o levantamento de atividades dos

centros comunitários que abrangem o bairro. Outras atividades realizadas pelas estagiárias

ao longo do ano foi a intermediação de encaminhamento de pacientes para serviços de

atendimento na UFSCar; realização da sala de espera; participação da campanha de

vacinação de poliomielite, dupla-viral e febre amarela; discussão e acompanhamento de

alguns casos e colaboração na construção de planos de cuidado; realização de visitas

domiciliares, sendo as iniciais para conhecer os procedimentos; articulação da equipe de

saúde com a escola cuja maioria das crianças do bairro freqüentam; fomos facilitadoras de

uma reunião para discutir as relações interpessoais que influenciavam na dinâmica de

trabalho da equipe, e elaboramos conjuntamente com outra profissional da unidade um

projeto de intervenção com adolescentes.

Para acompanhar os casos ocorria a discussão destes com alguns profissionais,

leitura do prontuário do usuário e visitas domiciliares. Entretanto, tivemos algumas

dificuldades em dar encaminhamento e resolutividade em muitos casos e de elaborar um

plano de cuidado. Faremos a descrição de alguns casos acompanhados ao longo do ano no

decorrer deste relatório.

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Abaixo também descreveremos com maior detalhes algumas das atividades

realizadas e percepções e reflexões que tivemos sobre a unidade e a organização de

trabalho. Apesar de estarmos inseridas na rotina da unidade vários dias da semana, fazemos

uma leitura como pessoas dentro da equipe mas de fora desta. Consideramos que isto

possibilita um outro olhar para diversas situações e outros tipos de reflexões que podem

contribuir na organização do processo de trabalho.

3.1 A organização do trabalho e a equipe

O serviço na USF J é composto pela equipe de referência e apoio matricial. A

equipe de referência é composta por um médico, dentista, enfermeira, duas auxiliares de

enfermagem, uma auxiliar de dentista e seis agentes comunitários de saúde.

Durante esse ano a médica tirou licença maternidade. Desta forma durante algum

tempo o residente de medicina ocupou seu lugar, mas este se transferiu para outra unidade

de saúde. Ficando sem nenhum profissional da área da medicina, pudemos verificar uma

série de desarticulação das ações que ocorriam na unidade e conflitos entre a equipe e os

usuários da unidade. Uma médica assumiu provisoriamente o cuidado dos pacientes da

unidade, no entanto, esta não se via como parte da equipe, sendo que pudemos perceber que

ela estabelecia pouco vinculo com os pacientes, não participava de várias reuniões de

equipe e de outros espaços coletivos da unidade, além de faltar muito durante a semana. A

equipe recebeu apoio de duas médicas da equipe da USF C (unidade que estava para ser

inaugurada próxima do território), sendo que uma delas assumiu o posto de médica da USF

J no final do segundo semestre deste ano. Esta médica tinha um grande perfil para trabalhar

a partir dos princípios da Estratégia da Saúde da Família, sendo que sua presença colaborou

na reorganização de ações dentro da unidade, facilitou uma maior tranqüilidade entre a

equipe e os usuários e entre os próprios membros da equipe. Tanto os profissionais da

equipe quando nós estagiárias fazemos uma boa avaliação deste apoio da equipe da USF C.

A equipe do apoio matricial é composta pelos residentes do programa de Residência

Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade da UFSCar, além de uma psiquiatra

da rede. Existe residentes das áreas de psicologia, educação física, nutrição, fisioterapia,

farmácia, serviço social, odontologia, enfermagem e fonoaudiologia. Estes estão na unidade

de dois a três dias por semana.

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Existe, também, um grupo de estudantes de medicina que fazem acompanhamentos

de algumas famílias, estudantes de enfermagem e nós, estagiárias de psicologia. A forma de

inserção dos estudantes na equipe varia, tanto de tempo de permanência na unidade, como

espaços que são ocupados.

O território da USF J é dividido em seis micro-regiões, sendo que cada uma é

acompanhada por um ACS. Em novembro ocorreu a inauguração da USF C no bairro

visinho, sendo que atualmente há um processo de reorganização do território.

Houve a discussão da necessidade da equipe da USF J iniciar um processo de

territorialização (processo este nuca feito no território sendo que os determinantes de saúde

da área ainda não foram sistematizados). Para isso, foi encaminhado o pedido do mapa com

a nova área, foi pensado como seria feita a caracterização das famílias e uma sistematização

dos dados das famílias já acompanhadas pela unidade. Durante o primeiro semestre de 2008

foi elaborada uma tabela para os ACSs organizarem as informações que já possuem das

famílias de sua área, atividade esta que colaboramos e demos sugestões. Alguns

profissionais acreditam que este processo de caracterização é essencial uma vez que todos

os ACSs, com exceção de uma, serão transferidos para outras unidades. Os dados ainda

estão em processo de organização.

Pelo processo de territorialização ainda não ter sido realizado, vemos que há uma

dificuldade de programação de atividades para enfrentar os determinantes do processo

saúde/doença. Em muitos momentos notamos que a equipe tente a se voltar à demanda

espontânea e verbalizam a dificuldade de trabalhar com uma agenda programada.

Há vários encontros e espaços de reunião entre os profissionais que atuam na

unidade, como reunião de equipe; intervisão com os ACSs e mais dois profissionais da

referência, e tutoria e preceptoria com os residentes.

A unidade busca organiza o trabalho através de ações programadas e consultas

agendadas, além de que todas as pessoas que procurarem o serviço em demanda espontânea

passaram por acolhimento e avaliação com algum profissional da equipe. Caso não seja

identificado riscos imediatos é agendado uma consulta, feito orientações, encaminhamentos

para outros serviços, grupos, etc.

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Como já foi dito, procura-se trabalhar, além das ações de assistência (com a

demanda espontânea e agendamentos), com ações que visam a prevenção e promoção, entre

elas:

No início do ano existiam três grupos em funcionamento na unidade mas ao longo do ano

o número dos grupos e os temas abordados variaram.

Ações educativas desenvolvidas na creche do bairro com pais, crianças e profissionais da

instituição para trabalhar a higienização bucal e orientações gerais de cuidado (residente

de enfermagem e nutrição).

Instrução sobre controle de piolho com oficina de confecção de sabão natural

desenvolvida pelos residentes e alguns ACSs.

Sala de espera feita duas vezes por semana. Os profissionais foram divididos em duplas

sendo que estes escolhem um tema para expor na sala de espera.

Além destas atividades, a unidade também participou de algumas campanhas

nacionais: campanha de saúde bucal (voz e higiene bucal) feita através de cartazes e sala de

espera durante a semana do dia 15/04; campanha de vacinação da gripe em idosos no dia

26/04, tendo uma busca ativa nas casas para os que não compareceram; campanha de

vacinação contra poliomielite em crianças de zero a cinco anos no dia 14/06 e no mês de

agosto, campanha nacional de educação odontológica no dia 14/06 e a campanha de

vacinação contra febre amarela em toda a população a partir do dia 16/06, semana da

amamentação em agosto; campanha de vacinação contra rubéola em agosto e setembro,

campanha contra hanseníase entre outras.

Apesar das ações descritas acima consideramos que há poucas atividades de

educação em saúde. Identificamos nos discursos de vários profissionais conceitos que

indicam que a promoção e prevenção devem ser tratadas a partir de um enfoque político e

técnico, mas vemos com dificuldade isto se concretizar na prática. A equipe se foca

principalmente na demanda imediata, sendo que se organiza prioritariamente no modelo de

consultas. Consideramos pouco o enfoque político que os profissionais dão ao cuidado

preventivo à saúde, sendo que poucos assumem, em alguns momentos, um papel de agentes

transformadores e de modificadores das relações tradicionalmente instituídas. Fazemos a

leitura de que a equipe lida principalmente com a demanda imediata, tanto da comunidade

quanto vinda da gestão (através de campanhas nacionais e políticas estabelecidas para o

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município), sendo que há uma grande dificuldade de se programar ações pensadas pela a

própria equipe, a partir das suas necessidades e necessidades do território.

Durante o primeiro semestre de 2008 foram identificadas algumas demandas para a

capacitação da equipe. Essas surgiram da necessidade da própria equipe no cotidiano de

trabalho. Os ACSs levantaram a necessidade de saber mais sobre DST/Aids, sendo que as

dúvidas mais freqüentes foram: quando há a necessidade do medicamento, quais os efeitos

adversos da medicação, qual a rotina e o tipo de remédios utilizados para o tratamento. Um

professor da medicina, durante uma reunião de equipe, fez uma atividade de capacitação e

orientação de como lidar com esta temática dos profissionais da USF.

Outra demanda de capacitação refere-se à saúde mental. A psiquiatra do apoio

matricial identificou a necessidade de levantar os casos de saúde mental e dependência

química. Para isso está sendo feita anamnese de alguns casos e será posteriormente aplicado

um instrumento para avaliar a dependência. A anamnese está sendo feita, na maioria das

vezes, pelos ACSs. Além disto foi feito um levantamentos dos prontuários de usuários que

faziam uso de psicotrópicos, sendo que ao longo do semestre que se passou e nos meses a

seguir está previsto uma reavaliação pela psiquiatra e foi levantado a necessidade de se

fazer um acompanhamento mais próximo destes usuários. Foram discutidos alguns casos

em reunião de equipe, mas como o número de usuários é muito grande, está previsto que

este seja um trabalho realizado ao longo do ano seguinte.

O procedimento de realização de curativos de feridas abertas não está padronizado

na equipe, sendo que uma das auxiliares de enfermagem pediu para o residente de

enfermagem auxiliar e fazer indicações de como proceder para melhorar as suas práticas.

Assim, o residente realizou alguns encontros com a auxiliar de enfermagem e passou

algumas indicações.

Como vimos na literatura a equipe necessita de educação permanente e esta pode ser

realizada através de profissionais da equipe de apoio matricial. Consideramos que os

residentes e a psiquiatra influenciaram diretamente nas ações e discussões de caso através

da troca de conhecimento e de orientações entre equipe e apoiador.

Sobre a relação profissional/usuário, vemos que esta se dá de forma tranqüila, o que

facilita o acompanhamento e continuidade do cuidado à saúde. Há um bom vinculo entre a

maioria da população e os profissionais da equipe. Entretanto, principalmente nos dias em

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que não havia um médico na equipe e tinham que ser desmarcadas as consultas havia

conflitos na recepção. Estes conflitos aumentaram principalmente no segundo semestre

devido a intensificação de faltas da médica que estava dando apoio à equipe.

Apenas ressaltamos, a fim de problematizar para buscar uma melhora no

atendimento, que os usuários deveriam ser incluídos de forma mais concreta nas discutições

das ações e as práticas de serviço. As reuniões do conselho gestor da unidade que estavam

previstas para ocorrer toda última quarta-feira do mês no período noturno não acontecem.

Devido à falta de adesão e afastamento temporário do residente que acompanhava as

discussões, estas reuniões foram desarticuladas e não foram retomadas ao longo do ano.

Como foi dito, uma das diretrizes do SUS é o controle social, sendo considerado o

usuário como co-gestor nos processos de formulação das políticas públicas e ações de

saúde desenvolvidas no território e no município. Consideramos este como um possível

espaço para a inserção social e redistribuição o poder, visando o envolvimento ativo do

sujeito como proponentes e protagonistas da ação social a ser implantada em seus

territórios.

Em uma reunião de equipe facilitada por uma residente levantou-se propostas para

reorganização do trabalho. Ao longo de algumas reuniões foram levantados alguns nós

críticos, sendo estes agrupados em 4 blocos a fim de facilitar o planejamento de ações e

reorganização do trabalho.

A fim de minimizar alguns problemas e conflitos interpessoais presentes na equipe

foi proposta a realização de uma reunião entre todos os profissionais em um horário extra-

serviço. Foi proposto que nós estagiárias facilitássemos este espaço, sendo que ambas

planejaram e organizaram a atividade citada.

4. ALGUMAS DAS AÇÕES EM QUE COLABORAMOS

4.1 Barraca da sexualidade

A Estação Comunitária organizou uma festa junina com a apresentação e amostra

dos trabalhos realizados no CRAS P. Foi decidido pela equipe que teríamos uma

participação neste evento, sendo que optamos por montar uma barraca explicativa sobre

sexualidade e modos preventivos e contraceptivos. Juntamente com uma outra residente

foram estudados os temas selecionados, separamos os matérias explicativos e educativos

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que havia na unidade (quadros e modelos para aprendizagem) e pensamos em meios de

trabalhar com os usuários.

Foi proposto a produção de um panfleto informativo, além de se fazer uma

intervenção com grupo em uma sala da Estação Comunitária ou da unidade. No final, foi

realizada apenas a exposição dos materiais com explicações e conversar informativas pelos

profissionais da unidade devido a falta de profissionais com disponibilidade de realizar as

tarefas naquele momento (por motivos acadêmicos as estagiárias não participaram

diretamente da execução das atividades).

4.2 Semana da Amamentação

A semana da amamentação foi uma iniciativa municipal e ocorreu entre os dias

04/08/08 à 08/08/08. As atividades propostas foram: salas de espera abordando o assunto,

uma artista que pintava quadros sobre o tema, produção pela equipe de um vídeo com as

mulheres do bairro que amamentam e algumas pessoas da equipe dando depoimentos e

explicando sobre a importância da amamentação, confecção de um quadro com fotos das

mães do bairro amamentando, confecção de cartazes educativos, e café da manhã com

gestantes e mulheres que estavam amamentando.

Uma das estagiárias de psicologia pode participar do café da manhã com as

gestantes e as mulheres que estavam amamentando e outra participou em um dos dias na

produção do vídeo com as mães amamentando. Depois de passar o vídeo na sala de espera

as mulheres forma convidadas para o café da manhã, foram aproximadamente seis

mulheres entre gestantes e mães. Foi abordado com essas mulheres temas como a

importância da amamentação, a disponibilidade da USF em ajudar nas dificuldades

referentes ao desenvolvimento da criança, sobre a importância do acompanhamento da

saúde e também houve uma troca de experiências entre as mulheres.

Ao longo dos encontros e na confecção de cartazes era orientado que a

amamentação poderia ser feita imediatamente após o parto. Isto colabora para a

aproximação mãe-bebê; a liberação de hormônios (amamentar libera oxitocina que aumenta

contração uterina, expulsando com maior facilidade a placenta); estimula descida de leite

materno (hormônio prolactina – produção de leite); e produção de endorfina – diminui

dores pós parto.

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Era dito também que a amamentação deve ser exclusiva até os 6 primeiros meses.

Isto colabora para diminuir os riscos de doenças e alergias. O leite materno é completo e

nutritivo e não sobrecarrega o intestino nem o rim do bebe. O ato de sugar fortalece

músculos e ossos da face, preparando o bebe para a mastigação, além de contribuir para o

adequado padrão respiratório (nasal). A contra indicação formal para amamentação ocorre

somente nos casos em que a mãe é HIV +, tem varíola, tuberculose, hanseníase, hepatite ou

herpes.

Era orientado também sobre a diferença/os tipos de leite (Colostro, leite de

transição, e leite maduro). Dessa forma buscava fazer com que as mães conhecessem

melhor o próprio corpo e os diferentes momentos que este passa durante a amamentação.

Era orientado também que não passasse creme nos mamilos, sendo que se houvesse

rachaduras as mulheres deveriam hidratar com o próprio leite; tomar sol e arejar o mamilo;

não oferecer outros bicos; evitar esfregar ou massagear os mamilos.

4.3 Campanha de vacinação de poliomielite, febre amarela e dupla-viral

As estagiárias acompanharam as discussões das campanhas de vacinação de

poliomielite, febre amarela e dupla-viral, acompanharam os ACSs nas VDs para convidar

as famílias a participarem da campanha, fizeram cartazes de divulgação e explicação das

vacinas, além de ir em algumas das atividades de vacinação que ocorreram no final de

semana.

Durante a Campanha Nacional de Vacinação Contra Poliomielite e educação

odontológica, colaboramos com a ornamentação da unidade, colando os cartazes e enfeites

para a educação odontológica, bandeirinhas e cartazes da campanha de vacinação. A

estagiária que participou da ação ficou a maior parte do tempo na recepção, sendo que

orientava as pessoas na fila e tentava tranqüilizar e distrair as crianças enquanto outros

profissionais verificavam as carteirinhas e faziam o mapa de vacinação.

A Poliomielite ("paralisia infantil") é mais comum em crianças, mas também ocorre

em adultos. Crianças de baixa idade, ainda sem hábitos de higiene desenvolvidos, estão

particularmente sob risco. O poliovírus pode ser disseminado por contaminação fecal de

água e alimentos. Os seres humanos são os únicos atingidos e os únicos reservatórios, daí a

vacinação universal poder erradicar essa doença completamente.

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No mesmo dia, também eram aplicadas vacinas injetáveis atrasadas ou de febre

amarela (outra campanha que se iniciava naquele momento). O Ministério da Saúde afirma

que desde 1942 não era registrado nenhum caso de febre amarela urbana, entretanto no

começo deste ano houve registro de algumas pessoas com febre amarela silvestre. Estas

pessoas foram identificadas como não vacinadas, sendo que estiveram em áreas de florestas

ou matas em regiões consideradas de risco. No inicio do ano registrou-se também um

aumento de mortes de macacos em matas próximas de cidades e casos de outras pessoa em

áreas urbanas que contraíram esta patologia. Optou-se, portanto, por se fazer uma

campanha nacional de vacinação, tendo como alvo crianças e adultos sem vacinação (a

vacina tem validade de 10 anos).

Outra campanha que acompanhamos foi a da dupla-viral (rubéola e sarampo). Esta

campanha era voltada para homens e mulheres entre 20 a 39 anos. Não é recomendado a

vacinação de mulher grávida, sendo que em caso de suspeita ou gravidez não deveria ser

realizada a vacinação. Mesmo quem já tinha sido vacinado ou já tinha contraído a doença

era orientado a tomar a vacina.

Segundo materiais do ministério da saúde, a rubéola é uma doença causada por um

vírus que apresenta alta contagiosidade e transmissibilidade, sendo que a transmissão

ocorre por via respiratória. A doença consiste de uma fase de “incubação” (que pode durar

cerca de 20 dias), e uma fase onde a pessoa pode ou não manifestar os sintomas. Quando os

sintomas estão presentes se caracterizam por febre não elevada, manchas vermelhas pelo

corpo, “ínguas” no pescoço e na nuca.

A rubéola é uma doença grave quando atinge a mulher grávida. A infecção na

gestante pode causar abortos, o bebê pode nascer morto ou prematuro e com baixo peso.

Além disso, a rubéola pode ser transmitida ao feto e o bebê poderá nascer com a Síndrome

da Rubéola Congênita (SRC).

No Brasil, a redução de casos de rubéola ficou mais visível com a vacinação de

mulheres realizada a partir de 2001. No entanto, não foi possível interromper a circulação

do vírus e, em conseqüência, foram registrados surtos em 2006 que se estenderam até 2007.

Segundo o Ministério da Saúde foram mais de 8.407 casos, sendo 161 em mulheres

grávidas, resultando em 20 casos de crianças com a SRC. A análise da situação

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epidemiológica e a realização de estudo para estimar a população ainda não vacinada,

suscetível à doença, ficou evidenciada a necessidade da vacinação de homens e mulheres.

Foi discutido com a equipe e uma gestora da rede sobre o baixo número de

aplicações de vacinas no território. Aponta-se a resistência da população em respeito a

vacinação, sendo que mesmo com vários convites não há a adesão nas campanhas. Como

estratégia para potencializar uma maior cobertura da área foram feitos cartazes para

divulgar as atividades de vacinação que ocorreram no final de semana, os ACS e

profissionais da unidade continuaram convidando e orientando sobre a importância da

vacinação, e as auxiliares de enfermagens e outros profissionais capacitados para fazer

aplicação saiam pelo bairro passando nas casas que pertenciam ao território realizando a

vacinação em domicílio mesmo de não acamados. Uma das estagiárias de psicologia entrou

em contato com a administração de um supermercado próximo da unidade a fim de montar

um ponto de vacinação, mas por motivos de sobrecarga dos profissionais da unidade, não

foi concretizada a ação de vacinação no supermercado. Mesmo com estas orientações e

ações, algumas pessoas se recusavam a serem vacinados.

4.4 Elaboração, planejamento e implementação de ações de intervenção com

adolescentes

O projeto “Cuidado integral ao adolescente” foi elaborado pelas estagiárias de

psicologia da UFSCar e outra profissional da unidade (residente) visando promover ações

de educação em saúde bem como de atender a situações de risco já instaladas no bairro

Jardim Gonzaga.

O ponto de partida foi compreender a saúde e a adolescência a partir de um enfoque

interdisciplinar indo a favor da metodologia de trabalho da Estratégia de Saúde da Família.

Partindo do pressuposto da Saúde Coletiva compreendemos o processo saúde-doença como

fenômeno biopsicossocial e cultural, desta forma, trabalhando com o conceito ampliado de

saúde, definido como resultado dos modos de organização social da produção no contexto

histórico de uma sociedade, exigindo a formulação e a implementação de uma política que

invista na melhoria da qualidade de vida de sujeitos e coletividades, garantindo-lhes a saúde

como direito de cidadania e como recurso fundamental para a vida diária.

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A adolescência é concebida como um período peculiar do curso de vida, cuja

compreensão exige a integração de aspectos biológicos, psicológicos, sociais e históricos.

Nesta fase os adolescentes podem estar expostos a situações de maior vulnerabilidade

social (AYRES, FRANÇA JÚNIOR, CALAZANS, 1998), entendida no conjunto dos

aspectos sociais (ou contextuais), programáticos (ou institucionais) e individuais (ou

comportamentais). Além de situações de crises pessoais e conflitos com os pais vivenciados

nesta fase, também existem as situações de pobreza e exclusão social que os indivíduos

podem estar expostos, sendo uma realidade de grande parte da população brasileira, que

somadas a esses outros fatores podem aumentar conseqüências negativas para o adolescente

tais como: evasão escolar, abuso de drogas, gravidez e envolvimento em situações de

conflito com a lei.

Considerando a realidade do bairro em questão percebe-se que os adolescentes

fazem parte de uma grande parcela da população e que apesar de existir uma demanda de

atendimento não há muita procura pelo serviço de saúde, e desta forma há uma carência de

cuidado nesse âmbito. Avaliando que ações voltadas aos adolescentes em Unidades de

Saúde da Família é uma exigência do Ministério da Saúde, tais ações pretendidas visavam

estimular o desenvolvimento da autonomia, do auto-cuidado e da co-responsabilidade por

parte dos usuários, bem como de promover estratégias para o enfrentamento dos problemas

sociais de maior expressão local que atingem adolescentes e seus familiares. Através da

abordagem de temas como saúde reprodutiva, sexualidade e prevenção de DST/Aids,

questões relativas a estigmas, preconceitos e situações de discriminação racial, cidadania,

direitos à saúde e funcionamento do SUS pretendeu-se promover um espaço de discussão,

reflexão e propiciar condições para o enfrentamento dessas questões nessa parcela da

população e contribuir para reduzir a vulnerabilidade social a que estão expostos.

Neste sentido, as práticas de saúde visando essa faixa etária voltaram-se tanto para

ações de educação, prevenção e promoção de saúde quanto para situações de risco

geradoras de estresse já instaladas.

Dessa forma elaboramos algumas atividades para dar início aos objetivos propostos.

Tais atividades visaram abranger vários níveis de ação como também articular a parceria

entre o serviço de saúde e outros equipamentos sociais para ampliar as atuações. Essas

atividades são descritas a seguir:

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- Encontros na escola para discussão de sexualidade. Fizemos uma aproximação

com a escola do bairro do bairro, sendo que tal aproximação tinha como objetivo

desenvolver atividades de capacitação para os professores para lidar com as demandas.

Assim fizemos uma primeira reunião com o intuito de levantar essas demandas dos

professores e a partir delas planejar algumas ações.

Nesta reunião estavam presentes representando a equipe de referencia, da equipe de

apoio matricial e as estagiárias de psicologia, e representando a escola a diretora e alguns

professores. Iniciamos a reunião com uma rodada de apresentação e definição do nosso

papel enquanto equipe de apoio matricial, tanto na Unidade como na Escola, colocamos

também nossos objetivos que visam um trabalho conjunto com os professores e ações

coletivas envolvendo escola-comunidade-unidade. Sugerimos o levantamento de

demandas/dificuldades encontradas pelos professores no dia-a-dia com os alunos, pensamos

inicialmente em propor a utilização de tarjetas para levantarmos essas demandas juntos,

porém, no decorrer da conversa percebemos que nossa proposta não estava clara sendo

necessário retomarmos nosso papel e objetivo. Foi novamente colocado que nosso trabalho

visa o apoio, e para isso buscamos o levantamento de demandas e não de nomes de

crianças, que o trabalho a ser desenvolvido ocorrerá também com os professores no sentido

de orientá-los a lidar com essas demandas e trabalhar com as crianças e adolescentes em

grupo, no qual o objetivo vai muito além da alfabetização, visa melhora na qualidade de

vida. Pactuamos que nossa proposta seria levada para a reunião de HTP dos professores e

nos seria encaminhado, via e-mail, um relatório com as dificuldades/demandas e propostas

para serem analisadas pela equipe.

Esperamos uma devolutiva dos professores, e apesar de novas tentativas de contato

dos profissionais da unidade com a diretora, a devolutiva não aconteceu.

- Grupos de Educação em Saúde com adolescentes. Elaboramos uma proposta de

fazer um grupo com adolescentes. Esta proposta não teve o apoio da equipe, pois, apesar do

reconhecimento da importância da atividade, outros grupos (diabéticos, hipertensos e de

tabagismo) estavam sendo propostos nessa mesma época e a equipe os elegeu como

prioridade. Mesmo assim decidimos levá-la adiante e fazer as atividades até o fim de nosso

estágio tanto para incluir essa parcela da população que estava desassistida pelo serviço

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quanto pela nossa aprendizagem enquanto estagiárias. Dessa forma elaboramos tal proposta

com o apoio da residente de fonoaudiologia.

Os objetivos seriam: temas específicos da adolescência relacionados à realidade do

bairro promovendo ações e reflexões. Como eixos norteadores seriam abordados:

coletividade, saúde, autonomia, auto-cuidado, co-responsabilidade. E como temas a serem

trabalhados: estigmas e preconceitos sociais e raciais; gênero, papéis e dinâmica familiar;

sexualidade (puberdade, afetividade, métodos contraceptivos/preventivos); educação e

trabalho; perspectiva de futuro. No primeiro encontro seria feita a apresentação das pessoas,

dos objetivos do grupo e levantamento dos temas de interesse dentro dos propostos

previamente.

Montamos uma estrutura para planejar, organizar e avaliar os encontros incluindo

objetivos e metas, as ações, descrição do processo e avaliação. O grupo seria composto por

adolescentes de dez a quatorze anos, ocorreria semanalmente com início no dia 30/09, seria

um grupo aberto, com temas independentes. Como forma de divulgação foi realizada busca

ativa através dos agentes comunitários, colados cartazes na USF, na escola do bairro e na

ECo, e nas salas de espera realizadas os objetivos do grupo foram abordados. Entretanto

apesar das estratégias de divulgação o grupo não se realizou. Tentamos, então, conversar

com a Maria (ECo) como possibilidade dos adolescentes que participassem das atividades

de lá fazerem parte do grupo, esta nos disse que havia pouca adesão e não havia nenhum

que se enquadrasse nessa faixa etária. Conversamos com os ACSs para que eles fizessem

um levantamento dos adolescentes de cada micro-área e nós pudéssemos convidá-los

pessoalmente, mas estes mostraram pouca disponibilidade, talvez pelo excesso de tarefas já

atribuídas a eles. Sendo assim não foi possível realizar essa atividade.

- Exibição de filme. Propusemos a exibição quinzenal de filmes na ECo como

forma de estimular o acesso à cultura. Estas exibições não foram realizadas por falta de

disponibilidade de tempo das estagiárias e dificuldades materiais.

- Salas de esperas sobre sexualidade e prevenção DST/Aids. Foram realizadas

duas salas de espera abordando a prevenção de DST/AIDS e a testagem gratuita de HIV e

outra abordando a questão da sexualidade e a retirada gratuita de preservativos no serviço.

- Atividades sobre o funcionamento do SUS. Foram pensados encontros mensais

para problematizar com os participantes sobre o funcionamento do SUS e da unidade de

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saúde da família, além de reforçar a importância da participação e controle social dos

usuários para a gestão da unidade. Entretanto esses encontros não foram realizados por falta

de disponibilidade de tempo das estagiárias e de outros membros da equipe.

4.5 Discussão do Caso

Optamos por discutir apenas alguns dos casos que acompanhamos ao longo do ano.

Muitas vezes entrávamos em contato com casos em reuniões de equipe ou intervisão,

acompanhávamos algum profissional em uma VD, ou até mesmo algum profissional pedia

para discutir algum caso ou pedia para fazermos uma visita ou colaborávamos na discussão

e produção do plano de cuidado. Optamos aqui por colocar alguns dos casos em que ambas

as estagiárias de psicologia discutiram coletivamente a intervenção.

4.5.1 Família: V/R/G

A família é composta por V (mulher), G (marido) e R (filho), sendo que estes

moram na mesma casa. V e G têm filhos de seus primeiros casamentos, sendo R, filho de G

com sua primeira esposa que faleceu pouco tempo depois do nascimento do menino. Desta

forma, R não chegou a conhecer sua mãe biológica, sendo criado desde pequeno por V,

entretanto, este sabe que V é sua madrasta.

V tem um histórico de tumores aparecem por seu corpo, sendo que ao todo ela já fez

dez cirurgias para retirá-los. O primeiro tumor identificado foi na região das trompas, tendo

que retirá-las pouco tempo depois da descoberta. No atual momento, V acaba de fazer uma

cirurgia, ocorrida em junho deste ano para tirar três tumores que se encontram nas regiões

da garganta, ouvido e nariz.

A queixa inicial que V levou ao serviço foi a respeito de R, sendo que ela relatou

que este vinha tendo crises de choro constantes e ela não sabia como lidar com a situação.

Ao longo da primeira conversa, a mulher nos contou um pouco da história de R. O menino

estuda a tarde em uma escola próxima ao bairro. No período da manhã ele acorda bem cedo

e passa o tempo todo com ela, este não sai muito de casa. V não o deixa sair na rua porque,

segundo relato desta, é muito perigosa e tem má influência, devido a usuários de drogas que

moram por ali; R vai às vezes na casa de sua avó, que mora ali por perto.

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V disse que o menino é um ótimo aluno e que gosta de estudar, assim ele acorda

cedo, no mesmo horário que a madrasta, e faz seus deveres de casa e depois faz companhia

para ela, às vezes, eles deitam um pouco na cama de V e enquanto esta dorme, segundo

relato dela, o menino fica a observando e em algumas ocasiões a acorda para ver se ela está

bem. A mulher disse que faz questão de ensinar o filho a fazer tarefas domésticas e enfatiza

que isso é preciso, pois quando ela morrer terá que fazê-las sozinho.

Dois meses antes da data de nossa primeira conversa, V presenciou uma experiência

sexual de R com outro menino em sua casa. Ela disse que esse garoto sempre freqüentava a

casa deles e que gostava de jogar vídeo game com R, mas que depois disto ela proibiu a

entrada do menino na sua casa. V disse que R não viu que ela tinha presenciado a cena, mas

depois disso G foi falar com o menino e disse a ele que não esperava que ele fizesse “essas

coisas” com menino, mas com meninas. Depois disso não se falou mais do assunto. V disse

que foi até a escola e contou o caso para a professora e disse para que observassem se R

ficava entrando no banheiro com os outros meninos, dizendo que não deixassem que ele o

fizesse. A professora, depois disso, disse que gostaria que R fizesse um exame de

hormônios para ver qual a quantidade de hormônios femininos e masculinos que ele

possuía.

Depois disso, R, certa vez, perguntou à madrasta se ele deitasse com uma menina,

ela poderia engravidar e V disse que sim. Ela nos contou que não sabe explicar essas coisas,

mas que fica muito preocupada com R. Ela disse que sempre tenta falar o que é certo e

errado para o menino e ensiná-lo da melhor forma, como ensinou seus outros filhos. Outro

fato que ela relata diz respeito às crises de choro que ele vem apresentando, principalmente

na escola, sendo a causa por ela desconhecida. Disse também que ele fica suspirando pelos

cantos e quando pergunta o que ele tem, mas este não diz nada.

Através desses relatos podemos perceber alguns pontos importantes que devem ser

trabalhados com a família, sendo eles:

- a questão de saúde de V: como é a representação dela sobre sua doença, como lida com

isso, como isso interfere no relacionamento com marido e filho, se faz algum tipo de

acompanhamento no CEME (Centro de Especialidades Médicas) – participa de grupo ou

não;

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- o suporte familiar: esta família é bem estruturada, tendo em vista a maioria dos casos no

bairro, assim é preciso investigar e fortalecer as redes de apoio possíveis;

- a questão da experiência sexual de R: como os pais perceberam essa experiência; que

expectativas os pais têm em relação ao menino, se a sexualidade está sendo vista como um

problema ou não;

- desenvolvimento de R: a fase da adolescência é vivenciada de maneira conflituosa, há

uma necessidade de aceitação do menino pelos pais, aumento da insegurança, fase de auto-

afirmação.

Tendo em vista esses pontos, elaboramos um plano de cuidado para a família.

Plano de Cuidado da Família V/G/R

1. Descrição da necessidade: estado de saúde fragilizado de V. Já realizou nove

cirurgias para retiradas de tumores benignos. Foi diagnosticada com hipertensão,

diabetes, problemas respiratórios e cardíacos, além de ter sido receito de haldol e

gardenal por um médico do CEME (não há registrado no prontuário da unidade os

motivos para tal prescrição).

Sugestão de encaminhamento: acompanhamento da condição de saúde da V. Buscar

prontuário no CEME e conversar com profissional responsável pelo acompanhamento e

pela prescrição dos medicamentos. Trabalhar questões sobre as patologias, estimulando

verbalização sobre temores, angústias e percepção sobre sua saúde. Buscar identificar

perspectivas e objetivos futuros (não valorizar apenas aspectos de sentimento de morte e

fragilidade), levantando hobbys e atividades de lazer que lhe interessem, estimulando-a na

realização de tais atividades.

2. Descrição da necessidade: foi identificado através dos prontuários que V toma uma

série de medicamentos (captopril, AAS, insulina, berotel, atenolol, gardenal,

haldol).

Sugestão de encaminhamento: confirmar se ainda está tomando todos os medicamentos, se

toma nos devidos horários, se há dificuldade em se organizar para tomá-los, encorajar

verbalização de sentimento e percepção que possui por tomar uma variedade de remédio.

3. Descrição da necessidade: diabetes e hipertensão de V

Sugestão de encaminhamento: orientar sobre alimentação, estimular a realização de

atividade física (encaminhar para grupo de atividade física?), identificar e reforçar a

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necessidade de cuidados pessoais, ver últimos exames, as datas e necessidade de realização

de outros exames.

4. Descrição da necessidade: higiene bucal família -- não há seguimento.

Sugestão de encaminhamento: investigar últimas datas de consultas odontológicas da

família, elaborar um plano de acompanhamento.

5. Descrição da necessidade: família se sente fragilizada. Diz que a vizinhança é

complicada (não deixa filho sair de casa por medo de envolvimento com drogas ou

crime organizado).

Sugestão de encaminhamento: buscar fazer gráfico de constituição familiar (heredograma),

identificar vizinhos, amigos próximos, entre outros, que constituam uma rede de apoio para

a família.

6. Descrição da necessidade: ataques de choro de R sem justificativa do motivo.

Sugestão de encaminhamento: orientar que a família busque uma aproximação com o filho,

procurando entender os motivos que o faz chorar. Orientar sobre o fortalecimento dos

recursos que o menino já possui, estimulando independência, auto-confiança,

comportamentos autônomos e mostrando que não depende da aceitação de todos para

realizar suas próprias ações. Orientar para não ameaçar ou punir o garoto, mas sim valorizar

os aspectos positivos e comportamentos desejáveis.

7. Descrição da necessidade: experiência sexual do filho.

Sugestão de encaminhamento: orientar que a mãe fale diretamente sobre o assunto, não

reforçando a sexualidade como um problema. Investigar a concepção de sexualidade de V e

G, orientar que o desenvolvimento sexualidade, ou seja, que a identidade sexual ainda não

está definida. Utilizar a concepção de desenvolvimento psicossexual, de Erik Erikson para

dar orientações.

Em outros encontros com V e em algumas VDs buscamos efetivar o plano de

cuidado elaborado. Nos primeiros momentos começamos a acompanhamento da condição

de saúde da V. Chegamos a ir ao CEME buscar prontuário e aprofundar o conhecimento

sobre as medicações e procedimentos que estavam sendo realizados, mas não conseguimos

obter muitas informações. Outros profissionais da unidade passaram a fazer um

acompanhamento mais próximo e tinham acesso aos exames realizados, facilitando a

compreensão de aspectos em relação a sua condição de saúde. Desta forma, optamos por

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trabalhar questões percebidas pela própria usuária, conversando sobre seus temores e

angústias. Trabalhamos também alguns aspectos das perspectivas e objetivos futuros

tentando levantar seus hobbys e atividades que lhe dessem prazer. Ela sempre apontava o

gosto por cozinhar (modo inclusive de agradar os outros familiares).

Abordava também sobre a dificuldade financeira, sendo que estava atrás de questões

do INSS e aposentadoria. Foi explorada as possibilidades de trabalhar em casa, mas

segundo V tinha que ser um trabalho que não exigisse que ela fizesse muita força, ou

dependia de manter uma postura pois não dava conta devido ao seu estado de saúde. Como

apontava sentir falta de fazer alguma coisa, problematizamos dela cozinhar para fora,

tentando aproximar a necessidade de se ter uma renda com o prazer que ela dizia ter por

cozinhar.

Fomos à escola de R conversar com a psicóloga que o acompanha. Ela relatou

aspectos de insegurança e tentativa de ter controle da situação o tempo todo, desenvolvendo

uma ansiedade generalizada. Disse ter percebido que a questão da sexualidade está

presente, sendo que tenta trabalhar alguns aspectos com ele. A escola propôs que ele

trocasse de período, uma vez que a sala da manhã é mais tranqüila e as relações dele com as

crianças da sala da tarde está desgastada. Em uma VD R relatou ter medo das estagiárias,

sendo que não queria conversar. Outras vezes que passamos em sua casa a fim de fazer uma

VD, não conversava conosco, se apresentando arredio e desconfiado. Por ele já ter um

acompanhamento com a psicóloga da escola optamos por focar o acompanhamento da

família em V, acreditando que fortalecendo a usuária estaríamos fortalecendo a família.

Orientamos V em relação a R sobre a necessidade de ajudá-lo a resolver os

problemas e evitá-los. O objetivo tem que ser o desenvolvimento dos próprios recursos da

criança e a criação de uma autonomia. Para isto, entre outras coisas, propusemos que ela

tentasse estabelecer um diálogo claro, não deixando subentendidos (o que poderia levar a

mal entendidos e aumento da ansiedade do garoto). Propusemos que ela definisse aspectos

que considere como certo e errado, não dizendo apenas o que deve ou não fazer. O menino

aparenta ter sentimento exagerado de necessidade de aprovação, sendo que talvez sabendo

como e por que atingir o “ideal” que pretende chegar, a ansiedade diminua.

Devido a outras atividades realizadas pelas estagiárias, a desencontros com a

usuária e termino do tempo de estágio não demos conta de finalizar as atividades propostas

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no plano de cuidado elaborado acima, mas esta família continua sendo acompanhada pela

equipe.

4.5.2 MF

MF tem 42 anos, é HIV positivo e alcoolista. Mora sozinha em um barraco feito de

madeira e paredes de tijolo (sem reboco), com piso de barro. Não há rede de esgoto nem

tratamento de água e os dejetos são jogados a céu aberto. Há rede elétrica, sendo que em

sua casa há eletrodomésticos, como rádio e geladeira. Recebe auxílio doença.

Ela tem cinco filhos. Dois moram no bairro (barraco perto da sua moradia), um com

a madrinha, um está preso e o outro foi cuidado por uma outra família desde sua infância.

Foi trabalhadora da área rural, sendo que já trabalhou na roça, cortou cana e colheu laranja.

Saiu de casa aos 13 anos, fugindo com um companheiro mais velho. Relata que bebe desde

esta idade, e o companheiro também bebia. Seus pais também faziam abuso de álcool. Ao

longo da vida teve vários companheiros que também bebiam. Relata que apenas o último

não fazia uso de bebida alcoólica. Ele cuidava dela, levava comida e dizia para ela parar de

beber. Ela relatou que ele abusava dela e que roubava seu dinheiro, segundo o ACS ele

guardava dinheiro para ela não gastar com bebida. Dizia não usar camisinha todas as vezes

que tinha relação sexual.

MF não toma as medicações (anti-retroviral e gardenal) corretamente. Relata que

confunde os horários e que as medicações lhe dão dores no estômago. Por morar sozinha

identificamos que não há nenhum cuidador para acompanhar e auxiliar no tratamento. Os

filhos que moram próximo não assumem este papel.

Bebe uma garrafa de pinga por dia, sendo que não bebe em sua casa. Vai beber na

companhia dos amigos em outros barracos do bairro. Há mais ou menos três mês atrás

parou de beber. Percebemos que o auto-cuidado aumentou e passou a freqüentar mais a

USF. Por volta de quatro semanas voltou a beber e diz ter “desandado”. Chora muito e

alega que bebe por ter problema com os filhos e que sente falta de sua mãe e pai, que já

morreram. Diz que sua mãe morreu em seus braços e pediu para que ela cuidasse dos

irmãos. MF tem quatro irmãos, uma mora com ela de tempos em tempos, outro mora em

outra cidade e dois moram em barracos próximos e também fazem abuso de álcool. MF

relata frequentemente que dá dinheiro aos seus irmãos e também aos seus filhos.

Percebemos que essa seria a maneira que ela cuida das pessoas ao seu redor.

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Está muita magra, sendo que relata não comer todos os dias. Durante uma VD nos

mostrou alimentos em sua geladeira e relatou que são feitas doações de alimentos para as

famílias do bairro. Diz que não gosta de comer sozinha e quando o faz, é na casa de outras

pessoas.

Este caso já foi discutido em reunião de equipe em março deste ano. Ela chegou à

unidade por um encaminhamento do CEME, a assistente social do CEME entrou em

contato com a USF. Os profissionais tentaram internação na EAPA (Entidade de Apoio a

Paciente com Aids), porém devido à dependência de álcool e não adesão ao tratamento não

foi aceita. A equipe não conseguiu dar continuidade à discussão do caso.

Começamos então a fazer um acompanhamento semanal com MF, desde meados de

agosto, época em que ela nos relatou ter voltado a beber. MF manifestou interesse nesse

acompanhamento e iniciamos um trabalho com ela no sentido de que ela retomasse outros

aspectos de sua vida independente de estar bebendo ou não.

Ao longo das VDs conseguimos criar um bom vínculo com MF. Ao investigar

aspectos da bebida, identificamos que consumia aproximadamente 500 ml de pinga por dia,

indicava o interesse em parar de beber mas descrevia ter sintomas de dependência química

e um ambiente de fácil acesso a bebida. Ela apresentava outros problemas de saúde como

tosse, dores no peito e dores ao urinar, e dor de dente.

Buscamos estimular tanto um auto cuidado (sacudir o lençol e colocá-lo no sol,

beber mais água, comer pelo menos, uma refeição completa por dia, etc), responsabilização

e encaminhá-la para acompanhamento de outros profissionais, buscando uma

reaproximação entre a usuária e a equipe.

Buscamos desmistificar alguns aspectos como: que não poderia beber água junto

com bebida alcoólica por que isto causaria barriga d´água, estimulando-a a beber mais

líquido; e que como não poderia ingerir bebida alcoólica e tomar a medicação, pois teria

convulsões, era melhor deixar de fazer uso da medicação. Após conversa com a médica a

respeito da combinação entre medicação e álcool, indicamos que poderia ser feita a

ingestão de ambos, sem que houvesse efeitos colaterais, e que a única coisa que poderia

ocorrer era a diminuição do efeito do medicamento. Foi marcada uma consulta e foi feita

uma avaliação para confirmar se a medicação estava correta, mas mesmo após estas ações

MF não recomeçou a tomar a medicação de retro-viral.

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Em relação aos seus familiares trabalhamos com MF no sentido de que o cuidar

deles não envolvia dar a eles tudo o que pediam para ela, que cuidar também era dar alguns

limites. Pudemos notar algumas mudanças de MF em relação isso quando ela manifestava

mais firmeza nas suas decisões e passava a dar alguns limite a si mesma.

Certo dia MF nos relatou que sua mãe também bebia e quando ela parou de beber,

ela morreu. Percebemos que esse era um fator muito importante para MF e ao longo dos

encontros buscamos trabalhar esta relação da morte da sua mãe, com a bebida e o medo de

morte da usuária.

Salientamos também a importância da consulta no CEME para que ela retomasse a

medicação, MF sempre dizia que iria, mas até o momento não houve adesão ao

atendimento.

Após duas semanas sem fazer o acompanhamento (devido a questões acadêmicas)

fomos notificadas que MF estava internada no Hospital Escola, tendo emagrecido ainda

mais e com diagnóstico de desnutrição severa. Foi proposta, então, uma reunião com a

equipe do hospital e a equipe da USF para que fosse discutido o cuidado da usuária.

As equipes fizeram contato com a filha e com uma irmã da paciente para discutir o

cuidado dela. A irmã que também mora no bairro se disponibilizou a cuidar de MF. Tal

irmã parece ter maiores recurso para lidar com a situação.

No momento MF está na casa da filha R e esta queixa-se com a equipe que não

agüentará “vigiar sua mãe para que ela não beba”. Discutimos a necessidade de desenvolver

uma rede de apoio com outras instituições do bairro e a possibilidade de trabalhar com a

família a respeito de uma desmistificação sobre o alcoolismo de MF para que a família

consiga cuidar de MF nos outros aspectos de sua vida.

Quanto à medicação do HIV, as profissionais do hospital relataram que

conseguiram ir até o CEME e pegá-la, como também orientaram MF e sua filha a respeito

da administração.

Nós, estagiárias, problematizamos o fim de nosso estágio e que outra pessoa teria

que começar a acompanhá-la de uma forma mais próxima. Fizemos visitas conjuntas a fim

de que outros profissionais responsáveis pelo caso estabelecesse um vínculo mais forte com

MF (no final do ano nós estagiárias éramos referência de MF na unidade).

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Fazendo um balanço do nosso acompanhamento pudemos notar que MF teve

mudanças significativas, como o aumento do auto-cuidado, a mudança de posicionamento

em relação à família e um aumento da autonomia.

4.5.3 C

C é um garoto de 11 anos. Sua mãe R namorou com o seu vizinho A aos 13 anos,

engravidando com esta mesma idade, ainda no começo do relacionamento. R mudou-se

para a casa do companheiro. Sofreu agressões físicas durante a gestação, sendo que o pai de

R a levou para a sua casa novamente.

Segundo relatos da equipe, após o parto, enquanto C estava com seus primeiros

meses, A invadiu a casa de R, bateu nela e no sogro, e levou a criança para sua casa,

proibindo R de ver seu filho. A já estava com uma outra companheira, a qual ajudava a

cuidar de C. Ele era traficante e tinha autoridade no bairro, sendo que ninguém questionava

enfaticamente tal postura em relação a ex-companheira e o filho.

Ainda nos primeiros anos de vida de C A foi preso por envolvimento com tráfico de

drogas, e o menino ficou aos cuidados da madrasta (companheira de A). Quando C tinha

por volta de cinco anos foi realizada uma queixa de maus tratos infantis e a criança foi

encaminhada para o albergue municipal.

Segundo profissionais da equipe C tem comportamentos agressivos, com ataques de

descontrole e extrema violência (como dar tesouradas em uma companheira de classe ou

arrancar chumaços de cabelo da professora), principalmente em momentos em que é

contrariado e sofre algum tipo de rejeição. Já teve vários problemas no albergue e na

escola, sendo transferido e expulso diversas vezes de colégio e expulso do albergue.

É acompanhado por uma psicóloga do LAPREV (UFSCar), por uma psicóloga da

Secretaria da Educação, e pela equipe de saúde da USF de seu bairro. Faz uso de

psicotrópicos. Foi encaminhado para o PINEL (hospital psiquiátrico de São Paulo), mas foi

reencaminhado para o albergue por os profissionais do PINEL entenderem que não era um

caso para aquela instituição.

Por ordem judicial a guarda da criança foi dada para R. Esta, já com outro

companheiro, P, e mais um filho, G, diz não querer a guarda tanto para o juiz quanto para o

próprio C. R é alcoolista, faz uso de antidepressivos, e fala que se suicidará e já tentou se

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matar na frente do outro filho. A equipe da USF do bairro faz acompanhamento da família

e tenta fortalecer a sua rede de apoio.

Foi disponibilizada a transferência R e seus familiares para outro bairro, a fim de

proporcionar uma melhor condição de vida e na tentativa de minimizar os conflitos

presentes, entretanto, a família preferiu permanecer no bairro.

Entramos em contato com este caso durante discussões em reuniões de equipe, e

mais efetivamente através de um acolhimento quando C chegou à unidade chorando atrás

do ACS com quem mantinha grande vínculo, e encontros casuais durante outras atividades

de estágio. Durante o acolhimento C relatava que sua mãe o mandava sair de casa e ir

embora quando agredia o irmão mais novo ou os vizinhos. Verificamos que R também tem

poucos recursos para lidar o com os filhos, desempenhando pouco cuidado. Percebemos

uma diferenciação/predileção entre as crianças.

A partir do histórico de C identificamos que ele sofreu uma separação com muitas

pessoas com as quais possui vínculo afetivo, desde familiares até profissionais de

instituições pelas quais tem passado. A equipe dizia ser importante trabalhar o vínculo

constante, tendo como proposta ou fortalecer o vínculo familiar e fortalecer a sua rede

social (dar suporte para mãe ter possibilidade de desempenhar o cuidado da criança), ou

encaminhar ele para uma outra instituição que possibilitasse fazer o acompanhamento

médico e dar suporte escolar.

Buscamos, após o acolhimento e uma aproximação do C entender o significado do

bater e da violência. Consideramos que estes não poderiam ser entendidos de uma forma

única e estática. O bater e a violência têm uma multiplicidade de sentidos na vida de C, se

configurando de forma complexa e ambivalente. Podemos entender os ataques de violência

como exteriorização de decepções e angústias em determinadas situações. Além disto, C

teve muitos modelos de violência durante sua vida, tanto como imposição de autoridade e

forma de conquistar coisas através da intimidação, como a violência servia como uma

forma de cuidado (o padrasto não queria que C vendesse drogas para o pai e por isso batia

nele quando pegava ele repassando drogas).

Durante o acolhimento foi feito uma intervenção lúdica acreditando que esta

possibilita que a criança expresse seus sentimentos, medos e necessidades através do faz-

de-conta e do brincar. O próprio C, durante a intervenção, verbalizou que a violência fazia

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com que ele ficasse sozinho (ele atacava os outros bichos de pelúcia e matava-os), mas

também foi o que manteve o leão (bicho com o qual se identificou) estivesse perto do

fantoche mãe porquinho da índia, uma vez que ele a atacava, a machucava e ao mesmo

tempo a deixava viva, tomando posturas de tratá-la. Assim, neste caso, a violência

mantendo-o perto da mãe porquinho da índia, e no ato de brincar, se aproximava de um

vínculo que lhe faltava e demonstrava comportamentos de cuidado.

C pedia para ser tirado do bairro, indicando querer ser encaminhado de volta para o

PINEL ou para outra instituição. Chegou até a dizer para alguns profissionais de saúde os

lugares onde o pai guardava drogas e as armas, além de afirmar que revelaria para a polícia

e para o juiz tais informações. Segundo relatos, a criança falava isto na frente de outras

pessoas do bairro. A equipe passou a considerar que o menino corria risco de vida uma vez

que começava a interferir nas questões do tráfico, estrutura muito forte no bairro.

Depois que R disse para a equipe diminuir as visitas, pois estavam começando a

atrapalhar, alguns profissionais perceberam a necessidade de retirar a criança do bairro o

mais rápido possível. Foi feita uma reunião com todos os que acompanhavam o caso (uma

das estagiárias de psicologia também participou) e foi decidido que entraria-se em contato

com o juiz pedindo uma autorização de transferência da criança para outro município.

A transferência foi autorizada, mas C não foi transferido imediatamente para outro

município. Percebemos que neste meio tempo que a equipe se distanciou do menino e do

caso. Nós estagiárias tentamos entrar em contato com alguns profissionais que

acompanhavam o caso a fim de entender melhor o que estava acontecendo e como

deveríamos proceder. Depois de algumas semanas ainda no bairro ele foi para a casa de

uma família cuidadora ainda no município de São Carlos, e posteriormente ele foi

encaminhado para a instituição em outro município.

4.6 Participação no grupo de adolescentes da USF A

A partir de um convite de uma residente, uma das estagiárias de psicologia passou a

acompanhar o grupo de adolescentes que acontecia na USF Antenor Garcia. O grupo era

aberto e acontecia semanalmente no período da manhã. O grupo era para crianças de 10 a

13 anos, sendo que número de participantes variava.

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Primeiramente o grupo era organizado pela residente de odontologia, sendo que a

residente de fonoaudiologia (a qual fez o convite para que eu participasse) e residente de

terapia ocupacional haviam passado a acompanhar as atividades há pouco tempo. Como as

crianças que freqüentavam eram basicamente do sexo feminino foi pedido que o residente

educador físico também participasse a fim de trazes figuras masculinas para o grupo.

Inicialmente estava previsto que se trabalhasse o desenvolvimento corporal das

crianças, sendo planejado a construção de uma peça de teatro com as crianças. Nos

primeiro encontros discutia-se a peça (foram apresentadas algumas peças e as meninas

escolheram uma delas) e depois fizemos a leitura da peça fazendo adaptações tanto em

relação ao número de personagens (que não batia com o número de participantes do grupo)

quanto a algumas falas e aspectos da peça.

Durante este trabalho e as atividades em relação à peça, também eram abordados

temas variados, sendo que através de dinâmicas, conversas e brincadeiras buscamos

trabalhar aspectos como a sociabilidade, coletividade, cooperativismo, expressão corporal,

racismo, relações e estruturas familiares, sexualidade, desenvolvimento de habilidades de

coordenação motora, entre outros.

O grupo era registrado apenas pela residente de odontologia, mas a partir do

segundo semestre este registro era feito na unidade e colocado na pasta destinada às

atividades do grupo (disponível para qualquer profissional da unidade).

Tentamos redefinir o objetivo do grupo, pensando em temas que poderiam ser

trabalhados e em ações e desenvolvimento destes temas em uma perspectiva de curto e

médio prazo. Rediscutimos entre os profissionais que participavam do grupo, mas não

chegamos em uma conclusão nem uma sistematização das idéias de maneira coletiva.

Tínhamos como procedimento sempre fazer uma abertura para interação, discussão

e abordagem de um tema, uma atividade de descontração e interação e uma avaliação das

atividades com os participantes do grupo.

Devido à inconstância das crianças que participavam do grupo e a grande variação

no número de participantes em cada semana (variava de 10 a uma criança), não foi possível

dar continuidade às atividades referentes a peça de teatro.

Ao longo do semestre duas meninas (as que tinham maior freqüência e constância

no grupo) mostravam grande necessidade de atenção, chegando a excluir outras crianças

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das atividades ou desrespeitando a proposta, regras e os espaços a fim de chamar a atenção

e manter “controle” das dinâmicas. Em espaços antes ou depois do grupo (quando fazíamos

uma avaliação das atividades e pensávamos no grupo a seguir) fomos discutindo como

deveríamos nos portar frente destas situações, sendo que avaliamos que no final do

semestre estávamos conseguindo ter uma postura coerente entre os profissionais de saúde e

estávamos conseguindo trabalhar melhor estes aspectos com estas meninas e as outras

crianças que freqüentavam o grupo.

A estagiária de psicologia que participou desta atividade considera este um espaço

muito rico e de grande aprendizagem. Foi um processo importante tanto no aspecto de se

pensar na organização de um grupo, como nas posturas e desenvolvimento das atividades.

Os profissionais que organizavam e participavam do grupo eram muito abertos, sendo

possível que a estagiária se sentisse como construtora e executora das atividades.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Consideramos que a inserção das estagiárias de psicologia na unidade foi muito

positiva para o aprendizado destas em relação à sua formação profissional. Além disto, ao

longo do ano e das atividades realizadas, sentimos que tivemos uma boa inserção e que os

profissionais consideravam que tínhamos um bom desempenho nas ações em que

participávamos.

É como se nos vários espaços e relações que estabelecemos reafirmássemos o que já

havia sido visto através da literatura: não se pode falar sobre saúde sem pensar nas enormes

complexidades dos determinantes biológicos, psicológicos, sociais e culturais. Foi de

extrema importância ter entrado em contato com a realidade da comunidade e com a rotina

do serviço para melhor compreender as relações que são estabelecidas entre usuários e

profissionais da área de saúde, entre os próprios profissionais que atuam na unidade e

repensar o processo de produção de cuidado em saúde.

Apesar de saber que se é preciso considerar não somente os aspectos subjetivos do

indivíduo (aspecto este focalizados na pratica psicológica tradicional), tivemos dificuldade

em lidar com toda a rede de subjetividade que o envolve, buscando pautar a intervenção em

torno de eixos que apostam na construção do fazer conjunto, coletivo e valorizam a

localidade e as interações dela decorrentes.

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Entre os confrontos dos aspectos teóricos e práticos pudemos reafirmar que nossas práticas

e discursos não são lineares, sendo que há uma enorme necessidade de constantemente se

avaliar e repensar, individualmente e coletivamente, as formas de inserção e intervenção.

Consideramos que, a partir de uma posição de estagiárias, apesar de algumas ações

serem limitadas devido ao nosso momento de aprendizagem, tínhamos uma posição

privilegiada em alguns aspectos por não estarmos inseridas como profissionais nos mesmos

moldes dos demais. Podíamos, assim, assumir um papel de problematizadoras de algumas

ações, possibilitando uma outra forma de contribuição no processo de trabalho da unidade.

Ao longo do ano pudemos perceber a evolução do nosso desempenho através de

discussões de casos, participamos de visitas domiciliares conjuntas, além de auxiliar nas

atividades de funcionamento da unidade, como por exemplo, ficar na recepção, colaborar

em ações coletivas da unidade, divulgar e participar de ações educativas, etc.

Consideramos que a supervisão foi um ponto forte do estágio que nos proporcionou

um espaço para a reflexão de nossas práticas, além de aprofundar algumas discussões,

permitindo uma melhora de nossas práticas. No segundo semestre nosso grupo organizou

debates e leituras em um grupo de estudos (este não era restrito apenas aos estagiários) o

que colaborou ainda mais para o aprofundamento de alguns conceitos e a reflexão de nossas

praticas.

Algumas atividades planejadas não foram concretizadas tanto em função das nossas

ações/posturas como devido à dinâmica do serviço e da comunidade. Vemos, entretanto,

que mesmo estes momentos de elaboração, planejamento, e tentativa de implementação

serviram como grande aprendizagem para pensarmos em outras estratégias para a execução

de ações, como para pensarmos em nossas próprias posturas e formas de organização para a

nossa prática profissional.

De maneira geral consideramos que nosso trabalho foi positivo, possibilitando,

sobretudo uma formação ativa nesse campo de trabalho que relaciona psicologia social e

saúde coletiva.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACURCIO, F. A. ; SANTOS, M. A.; FERREIRA, S. M. G. . A aplicação da técnica de estimativa rápida no processo de planejamento local. In: Eugênio Vilaça Mendes. (Org.). A organização de saúde no nível local. 1 ed. São Paulo: HUCITEC, 1998, v. , p. 87-110.

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8. RESUMO

A Psicologia inseriu-se no campo da saúde pública transpondo conceitos teóricos e técnicas

de intervenção clínica para um contexto institucional e social complexo. A Psicologia

Sócio-histórica em diálogo com a Saúde Coletiva, repensa a prática psicológica em

contextos comunitários e institucionais. Este trabalho visa a inserção de alunos de

psicologia no contexto dos cuidados em saúde do PSF. O modelo de trabalho adotado foi o

de apoio matricial em equipes multiprofissionais. Os objetivos de formação foram:

estabelecer relações entre conceitos de Psicologia Social da Saúde com realidades

observadas; identificar processos sociais e seus determinantes, refletindo sobre propostas de

intervenção nos diferentes contextos, considerando-se o processo saúde-doença e o

conceito de vulnerabilidade social, e privilegiar ações coletivas na comunidade. Foi

atribuída especial importância para a construção do diagnóstico institucional enfocando a

necessidade de compreensão e análise do contexto. Durante as atividades, os alunos

articulados com a equipe, realizaram acolhimentos, visitas domiciliares, consultas

conjuntas, grupos de educação em saúde, participação em espaços de construção do

trabalho coletivo, e proposição de novas ações em saúde. O suporte pedagógico ocorreu

com reuniões semanais de supervisão, grupo de estudos quinzenal, realização de

levantamento bibliográfico dirigido pelas necessidades práticas, leituras, resenhas e

confecção de diários de campo. Como resultados é possível apontar melhora na capacidade

de observação, discriminação e interpretação da realidade de forma coerente entre o

referencial teórico e a proposta de trabalho, estabelecendo relações entre subjetividade e

processos/fenômenos sociais. Observou-se também uma qualificação do serviço, com a

presença de estagiários no cotidiano trazendo questionamentos e propostas que colocam a

equipe para refletir sobre sua prática.