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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOPEDAGOGIA ORIENTADORA DAYSE SERRA PSICOPEDAGOGIA: REFLEXÕES WINNICOTTIANAS PATRÍCIA CHAGAS CARBONE BARCELOS NITERÓI, JANEIRO DE 2011.

PSICOPEDAGOGIA: REFLEXÕES WINNICOTTIANAS · evacuadas de Londres e outras cidades grandes, e separado de suas famílias, trabalho este que foi fundamental para sua visão teórica

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOPEDAGOGIA ORIENTADORA DAYSE SERRA

PSICOPEDAGOGIA: REFLEXÕES

WINNICOTTIANAS

PATRÍCIA CHAGAS CARBONE BARCELOS

NITERÓI, JANEIRO DE 2011.

1

PATRÍCIA CHAGAS CARBONE BARCELOS

PSICOPEDAGOGIA:

REFLEXÕES

WINNICOTTIANAS

Monografia apresentada ao Curso de

Pós-graduação em Psicopedagogia da

Universidade Cândido Mendes como

requisito para a conclusão de curso.

Orientadora:

Profa. Dra. DAYSE SERRA

Niterói

2011

2

Carbone Barcelos, Patrícia Chagas

PSICOPEDAGOGIA:

REFLEXÕES

WINNICOTTIANAS

43 páginas

Monografia – Universidade Cândido Mendes,

Niterói, 2011.

3

Dedico esta monografia ao meu pai,

Ronaldo Carbone,

que se construiu

através de uma carreira profissional de sucesso

alicerçada em

comprometimento, dedicação e muito trabalho!

4

AGRADECIMENTOS

Ao Álvaro, meu companheiro, por sempre me incentivar e valorizar, além de ter me dado o privilégio de compartilhar sua vida comigo.

À minha mãe, Vera, que está sempre presente com amor e carinho em todos os momentos da minha vida.

Aos meus irmãos, Leonardo e Simone, porque mais que irmãos são meus amigos leais e presentes.

Ao meu sobrinho, João, que demonstra com seu sorriso fácil, como o amor faz uma criança se constituir com alegria.

Ao Lucas, meu afilhado, com o qual tenho o prazer de conviver e de amar.

Aos meus cunhados; Amanda, Carolina e João; pela amizade e pela vida compartilhada.

Aos meus amigos de sempre Jú e Guilherme que estão presentes na minha vida desde a “minha infância querida que os anos não trazem mais...” 1

As famílias Chagas, Carbone e Barcelos das quais faço parte!

A Cláudia Mendonça, minha supervisora “suficientemente boa”, pela amizade e por estar a quase nove anos propiciando meu amadurecimento profissional.

Aos meus amigos do coração que compartilham seus saberes psicanalíticos e de vida semanalmente comigo nos nossos agradáveis encontros de estudos, para mim não somos mais um grupo de estudos, mas uma família de estudos! Obrigada: Rute, Solange, Wanda, Eliane, Cláudia, Passos, César e Odete.

A Deyse Garios, minha companheira da pós, por ter compartilhado comigo os estudos da pós e seus conhecimentos de sala de aula, foi um prazer!

A minha analista, Darlene Marcos, pela delicadeza e afeto com me ajuda a lidar com minhas questões mais difíceis e sofridas.

1 Casimiro de Abreu.

5

“O sentido tem a ver com o conhecimento tácito, com a crença e a vivência pessoal e é construído a partir de uma dramática inconsciente, articulada e desenvolvida num percurso que envolve a nossa própria história.” (PARENTE, 2003, pg. 21).

“Viver é caminhar para o mais além, em que cada passo é uma ação que dá ou não autenticidade ao percurso pela vida, em função do que se é.” (SAFRA, 2004, pg. 125).

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Sumário

Introdução....................................................................................................07

Capítulo 1 – Quem foi Donald Woods Winnicott?.......................................10

Capítulo 2 – O que Winnicott pensava?......................................................13

2.1 A mãe suficientemente boa ou a mãe ambiente e a preocupação

materna primária.......................................................................17

2.2 Holding, handling e apresentação de objetos............................18

2.3 A Ilusão....................................................................................20

2.4 A Criatividade...........................................................................22

2.5 O objeto transicional e o espaço potencial..............................25

2.6 O Falso Self.............................................................................28

2.7 O brincar..................................................................................28

2.8 O jogo da espátula e o uso de um

objeto........................................................................................30

2.9 Winnicott e educação.............................................................32

Capítulo 3 – As idéias de Winnicott na obra de Alícia Fernandez...........37

Capítulo 4 – Algumas Considerações.....................................................40

Referências Bibliográficas.......................................................................42

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INTRODUÇÃO

Este trabalho surgiu da inquietação de alguns atendimentos de

psicoterapia realizados por mim baseados na teoria psicanalítica winnicottiana.

Ao longo de sete anos de trabalho em psicologia clínica, comecei a perceber

que algumas crianças que vinham para atendimento com a queixa de várias

dificuldades emocionais melhoravam seu rendimento escolar durante o

tratamento, embora o foco do tratamento não fosse a aprendizagem.

O que será que se operava? Que reposicionamentos subjetivos

propiciaram isso? Exatamente com o que eu estava lidando? Que conexão era

esta que eu atingia sem saber bem o por quê?

A partir dessas indagações comecei a buscar leituras sobre as

dificuldades de aprendizagem e ingressei no curso de pós-graduação em

psicopedagogia. Considero este trabalho como a primeira tentativa de buscar

reflexões para minhas inquietações iniciais, reflexões estas sempre feitas

articuladas a dois campos de conhecimentos que me atravessam atualmente: a

clínica psicanalítica winnicottiana e a psicopedagogia.

A partir da positividade da função da ignorância postulada por Sara Paín,

ou seja, de um vazio de conhecimentos vou partir para tentar articular idéias

que liguem estas duas áreas de conhecimentos. A tentativa será de conseguir

pensar quais são as contribuições da teoria winnicottiana para a

psicopedagogia clínica.

Percebemos na atualidade uma preocupante medicalização da infância.

Logo que algo é percebido receita-se sem pestanejar vários medicamentos

para se dar conta de comportamentos que muitas vezes refletem dificuldades

que podem ser resolvidas com tratamentos que não usam medicamentos e nos

quais não há efeito colateral.

Conforme eu havia dito em trabalho anterior (2004), o homem

contemporâneo parece estar exposto a várias doenças que surgem de tempos

em tempos e logo se transformam em demandas de psicofármacos.

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Percebemos que algumas doenças poderiam ser denominadas de “doença da

moda” ou de “sintomas contemporâneos”; estas doenças conferem certo

status, ganham o senso comum e estão na mídia. Podemos citar a depressão,

o stress, a fadiga crônica, o transtorno obsessivo compulsivo, a fibromialgia, a

síndrome do pânico, a hiperatividade e o transtorno do déficit de atenção e

hiperatividade como exemplos.

Na opinião de Birman, em o “Mal-estar na atualidade”, a questão dos

psicofármacos é uma tendência da pós-modernidade para inserir o sujeito na

sociedade do espetáculo, a partir do momento em que os deprimidos e

panicados são concebidos como cidadãos que não tem o narcisismo

necessário para estarem nela. Atualmente presenciamos em nossa prática a

dificuldade que as pessoas estão mostrando em lidar com suas questões,

usando, então, o psicofármaco como a melhor solução para si. A medicação é

usada, assim, para sedar a angústia e para esquivar o sujeito do sofrimento

psíquico. Nas palavras de Birman:

Diante de qualquer angústia, tristeza ou outro desconforto psíquico, os clínicos passaram a prescrever, sem pestanejar, os psicofármacos mágicos, isto é, os ansiolíticos e antidepressivos. A escuta da existência e da história dos enfermos foi sendo progressivamente descartada e até mesmo, no limite, silenciada. [sem grifo no original] Enfim, por essa via tecnológica, a população passou a ser ativamente medicalizada, numa escala sem precedentes (BIRMAN, 1999, p. 242).

Frente à possível escolha entre um tratamento farmacológico e um

tratamento psicanalítico ou psicoterapêutico o sujeito tende a escolher um

tratamento medicamentoso, já que o resultado sairia mais rápido e seria menos

laborioso. Neste sentido Freud afirma:

Tratamentos combinados para distúrbios neuróticos, que têm poderosa base orgânica, são quase sempre impraticáveis. Os pacientes afastam o interesse da análise assim que lhes é mostrado mais de um caminho que promete levá-los à saúde [sem grifo no original] (FREUD, 1913, p. 152).

9

Nossa proposta aqui, então, será a de propor um olhar a partir do ponto de

vista da teoria psicanalítica winnicottiana que contribua para uma abordagem

das dificuldades de aprendizagem que prescinda da medicação.

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Capítulo 1 – Quem foi Donald Woods Winnicott?

Winnicott nasceu em Plymouth, Devon, Inglaterra em sete de abril de

1896.

Estudou medicina em Cambridge. Seu curso universitário foi

interrompido durante a Primeira Guerra Mundial, na qual Winnicott serviu como

cirurgião aprendiz - residente em um navio (destroyer) britânico, o HMS Lúcifer.

Concluiu sua formação em medicina, mais especificamente em pediatria, em

1920. Em 1923, casou-se com Alice Taylor e foi contratado como médico no

Paddington Green Children's Hospital em Londres, no qual trabalhou por 40

anos.

Iniciou sua análise pessoal com James Strachey (1887 – 1967), o

tradutor das obras de Sigmund Freud para o inglês.

Em 1926, Melanie Klein (1882-1960), uma das mais importantes

analistas de criança da sua época, se mudou para Londres. Klein começa a dar

supervisões e conquistar vários seguidores de sua teoria. Winnicott, então, vai

fazer análise com Joan Rivière que seguia as idéias de Klein. A convicção dos

Kleinianos na importância suprema, para saúde psíquica, do primeiro ano da

vida da criança, foi compartilhada por Winnicott. Contudo esta visão diverge um

pouco da de Freud e de sua a filha Anna Freud (1895—1982)- ela mesma uma

analista de crianças, que também vieram para Londres em 1938, refugiados do

Nazismo na Áustria.

Em 1927 Winnicott foi aceito como iniciante na Sociedade Britânica de

Psicanálise, qualificado como analista em 1934 e como analista de crianças em

1935. Em1931 publica seu primeiro livro: Clinical notes on disorder of

childhood.

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Mesmo tendo terminado sua formação como analista, Winnicott

continuou trabalhando no hospital infantil, sendo o único analista, de sua

época, que também era pediatra. O tratamento de crianças mentalmente

transtornadas e das suas mães lhe deu a experiência com a qual ele construiria

a maioria das suas teorias. E o curto período de tempo que ele poderia dedicar-

se a cada caso o conduziu ao desenvolvimento das suas consultas

terapêuticas, uma inovação da prática clínica.

Durante a Segunda grande guerra, trabalhou como consultor psiquiátrico

do governo, atendendo crianças seriamente transtornadas que tinham sido

evacuadas de Londres e outras cidades grandes, e separado de suas famílias,

trabalho este que foi fundamental para sua visão teórica do papel da mãe na

constituição do sujeito. A partir desta experiência Winnicott publica o livro

Privação e delinquência.

Havia uma divisão dentro da Sociedade Psicanalítica Britânica entre os

Freudianos ortodoxos e o Kleinianos; mas ao final da Segunda Guerra Mundial,

em 1945, um acordo estabeleceu três cordiais grupos: os Freudianos, o

Kleinianos e um grupo “conciliador" ao qual Winnicott pertencia.

Quando terminou a Segunda Guerra, Winnicott publica o ensaio

Desenvolvimento emocional primitivo. Ainda em 1945, foi nomeado Diretor do

Departamento Infantil do Instituto Psicanalítico da Sociedade Britânica, cargo

no qual se manteve por 25 anos. Foi ainda, por dois mandatos consecutivos,

Presidente da Sociedade Britânica de Psicanálise. Foi membro da UNESCO e

do grupo de experts da OMS; atuou como professor no Instituto de Educação e

na London School of Economics, da Universidade de Londres; dissertou e

escreveu amplamente como atividade profissional independente.

Em 1949, escreve o texto A mente e sua relação com o psique-soma.

Em 1951, publica Objetos transicionais e fenômenos transicionais. De 1956 a

1959 preside a Sociedade Britânica de Psicanálise, cargo que voltará a ocupar

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de 1965 a 1968. Em 1960, publica Teoria do relacionamento paterno-infantil e

A distorção do ego em termos de verdadeiro e falso self.

Ele divorciou-se de sua primeira esposa em 1951 e, nesse mesmo ano,

casou-se com Elsie Clare Nimmo Britton, assistente social psiquiátrica e

psicanalista. Morreu em 28 de janeiro de 1971, após o último de uma série de

ataques de coração e foi cremado em Londres.

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Capítulo 2 – O que Winnicott pensava?

“Não existe tal coisa chamada bebê (...); se decidirmos descrever um

bebê encontrar-nos-emos descrevendo um bebê e alguém. Um bebê não pode

existir sozinho, sendo essencialmente parte de uma relação.” (WINNICOTT,

1971, pág. 99).

Essa famosa frase de Winnicott nos mostra o eixo principal de seu

pensamento. Para ele, nos primórdios da vida, o self2 infantil é não-integrado,

não há vínculo entre o corpo e a psique e não há lugar para a realidade não-eu.

O bebê, então, não tem noção de sua condição de dependência absoluta.

“A mãe suficientemente boa alimenta a onipotência do lactente e até certo ponto vê sentido nisso. E o faz repetidamente. Um self verdadeiro começa a ter vida, através da força dada ao fraco ego do lactente pela complementação pela mãe das expressões de onipotência do lactente.” (WINNICOTT, 1983, pág. 133).

Deste modo, para Winnicott, a base para o estudo da constituição do ser

tem que se focar na relação bebê-outro. Segundo seu pensamento,

“o fornecimento de um ambiente suficientemente bom na fase mais primitiva capacita o bebê a começar a existir, a ter experiências, a constituir um ego pessoal, a dominar os instintos e a defrontar-se com todas as dificuldades inerentes à vida.” (WINNICOTT, 2000, pág. 404).

2 Nas palavras de Winnicott: “O self central poderia ser considerado como o potencial herdado que está experimentando a continuidade da existência, e adquirindo à sua maneira e em seu passo uma realidade psíquica pessoal e o esquema corporal pessoal.” (WINNICOTT, 1983, pág.46)

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Nesta linha de raciocínio, o ser humano é uma amostra temporal da

natureza humana. A herança do homem é o processo inato de

amadurecimento que é concebido como um potencial para a integração.

“A integração significa responsabilidade, ao mesmo tempo que consciência, um conjunto de memórias, e a junção de passado, presente e futuro dentro de um relacionamento.” (WINNICOTT, 1989, pág. 140).

O fato de essa tendência ser inata, no entanto, não garante que ela

realmente vá ocorrer, pois ela não depende essencialmente do indivíduo, mas

de um ambiente facilitador que forneça os cuidados que o indivíduo necessita,

sendo que, no início, esse ambiente é representado pela mãe suficientemente

boa. Esses cuidados dependem da necessidade de cada criança, pois cada ser

humano responderá ao ambiente de forma própria, apresentando, a cada

momento, condições, potencialidades e dificuldades diferentes.

A criança nasce indefesa e percebe de maneira desorganizada os

diferentes estímulos. O ser humano é frágil, insuperavelmente finito e precisa

de um outro ser humano que propicie o sentimento de continuidade do ser, que

é proporcionado pelo apoio egóico da mãe ao ego incipiente do bebê, assim, a

continuidade de ser é resultante do sentimento no bebê de que ele e a mãe são

uma unidade, ou seja, de que ele estaria fundido na mãe. Explicando isso, diz

Winnicott:

“A continuidade do ser significa saúde. Se tomarmos como analogia uma bolha, podemos dizer que quando a pressão externa está adaptada à pressão interna, a bolha pode ‘seguir existindo’. Se estivéssemos falando de um bebê humano, diríamos ‘sendo’.” (WINNICOTT, 1989, pág. 148)

Assim, o percurso de amadurecimento humano compreende uma

jornada que se inicia na dependência absoluta, estado em que todo recém-

nascido se encontra, passa pela dependência relativa até atingir a

15

independência. Se tudo correr bem, três processos acontecerão nesse trajeto:

a integração, a personalização e a adaptação à realidade (realização).

Winnicott acreditava no potencial criativo humano, a noção de um ser

humano que já traz em si as potencialidades do viver. Para ele o que está em

jogo na natureza humana e o que a constitui é o seu acontecimento como ser

humano, isto é, a sua continuidade de ser como pessoa. Ele recusa

decididamente o naturalismo e o determinismo, isto é, recusa a objetificação do

ser humano, pois não concebe o ser humano como um mero fato, um efeito de

causas, uma coisa em conexão causal com outras coisas da natureza.

Para ele há três espaços psíquicos. O interno, o externo e o transicional.

O espaço transicional ou espaço potencial seria uma zona intermediária, que

vai do narcisismo primário ao julgamento de realidade.

Dois movimentos são fundamentais para o ambiente facilitar o encontro

do indivíduo com os objetos externos. O primeiro refere-se às funções

exercidas pelo meio, que facilitam a construção, pela criança, de um espaço

em que pode experimentar brincar e interagir com determinada cultura,

denominado por ele de "espaço potencial" que vem a ser o lugar de separação

potencial entre o mundo externo e o mundo interno, entre a realidade objetiva

e a realidade subjetiva, que pode ser preenchido criativamente.

A segunda função importante do ambiente é fornecer material cultural

relevante para um determinado meio, nas fases apropriadas do

desenvolvimento da criança, de acordo com a sua capacidade, idade e

necessidades.

Percebemos, então, que o ambiente tem uma importância fundamental

na teoria winnicottiana, na qual a etiologiaprincipal dos quadros

psicopatológicos é atribuída às falhas ambientais.

“A criança desajustada é aquela para quem o mundo não logrou ajustar-se apropriadamente no início e nas primeiras fases da vida do bebê.” (WINNICOTT, 1971, pág. 120).

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O início dos problemas psicológicos está localizado no vínculo entre

recém-nascido e mãe. Para ele,

“... no desenvolvimento emocional de cada criança ocorrem processos deveras complexos, e a falta de progresso, ou o fato de o processo não ter chegado a completar-se, predispõe o indivíduo ao distúrbio mental ou ao colapso. A solução desses processos cria a base para a saúde mental.” (WINNICOTT, 2000, pág. 236).

A base da estabilidade mental depende das experiências iniciais com a

mãe e, principalmente, de seu estado emocional. Importante ressaltar que a

mãe é entendida como o ambiente do qual fazem parte também o pai, os

ancestrais e a cultura em que todos estes estão inseridos.

“Esta orientação especial da parte da mãe para com seu lactente não depende apenas de sua própria saúde mental, mas é afetada também pelo ambiente. No caso mais simples o homem, apoiado pela atitude social que é, em si, um desenvolvimento da função natural do mesmo, lida com a realidade externa para a mulher, de modo a tornar seguro e razoável para ela se tornar temporariamente introvertida, egocêntrica.” (WINNICOTT, 1983, pág. 135).

Optaremos a partir de agora por tratar separadamente alguns conceitos

da teoria do amadurecimento.

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2.1 A MÃE SUFICIENTEMENTE BOA OU MÃE AMBIENTE E A

PREOCUPAÇÃO MATERNA PRIMÁRIA

A mãe suficientemente boa - não necessariamente a própria mãe do

bebê - é aquela que efetua uma “adaptação ativa às necessidades do bebê”

que se encontra na fase de dependência absoluta criando, inicialmente,

condições para que o bebê que tem um ego incipiente e não integrado vivencie

o sentimento de unidade entre duas pessoas e de continuidade de ser,

propiciando o início da constituição do si mesmo, que se dará a partir da

finalização do processo de integração no qual o bebê distingue um Eu se

contrapondo ao não-Eu. Winnicott preconiza que no final da gestação e nas

semanas posteriores ao parto, a mãe fica num estado denominado de

preocupação materna primária, que seria um estado psicológico especial, um

modo típico que acomete as mulheres gestantes. Trata-se de uma condição

psicológica de sensibilidade aumentada na qual a mãe fica temporariamente

alienada de outras funções sociais e profissionais. Para ele, a "mãe

suficientemente boa", é a mãe capaz de vivenciar esse estado, voltando-se

naturalmente para as tarefas da maternidade, podendo satisfazer

intuitivamente as necessidades corporais e posteriormente as emocionais

propiciando a integração psicossomática, o desenvolvimento do ego do bebê.

Na teoria winnicottiana, “o êxito no cuidado infantil depende da devoção, e não

do ‘jeito’ ou esclarecimento intelectual.” (Winnicott, 1975).

Desta forma, Winnicott afirma que, na base do complexo de sensações e

sentimentos peculiares dessa fase, está um movimento regressivo da mãe na

direção de suas próprias experiências enquanto bebê e das memórias

acumuladas ao longo da vida, concernentes ao cuidado e proteção de crianças.

É esta capacidade da mãe em se identificar com seu filho que lhe

permite o exercício de três funções psiquicas denominadas holding, handling e

apresentação de objetos que propiciarão o percurso das três etapas do

processo de amadurecimento humano que são: a integração diretamente

propiciada pelo holding; a personalização resultado do sucesso do handling e a

relação de objetos consequência da apresentação de objetos.

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Winnicott fala de três principais funções da mãe. Para ele, a mãe

primeiramente “é necessária como pessoa viva”. Assim, “a vivacidade da mãe

e a orientação física fornecem um ambiente psicológico e emocional essencial

para os primeiros tempos de evolução emocional do bebê.” (WINNICOTT,

1971, pág. 100) A segunda função importante da mãe é a apresentação que a

mãe faz do mundo para o bebê, a mediação do bebê com a realidade. Para

esse processo transcorrer bem é necessário que a mãe propicie o sentimento

de ilusão de onipotência do bebê, segundo Winnicott é essa mediação bem

feita que fornecerá a matriz fundamental da segurança e da esperança. Em

suas palavras:

“Daí se desenvolve uma convicção de que o mundo pode conter o que é querido e preciso, resultando na esperança do bebê em que existe uma relação viva entre a realidade interior e a realidade exterior, entre a capacidade criadora, inata e primária, e o mundo em geral, que é compartilhado por todos.” (WINNICOTT, 1971, pág. 101).

A terceira maneira que a mãe é necessária seria a função do

desilusionamento do bebê. Mas para que ela consiga exercer essa função, é

necessário que antes tenha fornecido o ilusionamento. O desilusionamento é

entendido como “um aspecto mais vasto do desmame”.

2.2 HOLDING, HANDLING E APRESENTAÇÃO DE OBJETOS

A função do holding3 (manutenção, sustentação) em termos psicológicos

é fornecer apoio egóico, em particular na fase de dependência absoluta o que

propiciará a integração do ego. O holding inclui principalmente o segurar

fisicamente o bebê, que éuma sustentação física que propicia uma estabilidade

psiquica sentida pelo bebê como uma forma de amar e como segurança;

contudo, também se amplia a ponto de incluir a provisão ambiental total

3 Na tradução para a língua portuguesa das obras de Winnicott, optou-se por não traduzir os termos holding e handling por entenderem que não havia termos precisos no português que dessem conta da idéia do termo em inglês.

19

anterior ao conceito de viver com, isto é, da emergência do bebê como uma

pessoa separada que se relaciona com outras pessoas separadas dele. O

holding é necessário desde a dependência absoluta até a autonomia do bebê,

ou seja, quando os espaços psíquicos entre este e sua mãe já estão

perfeitamente distintos.

Na visão winnicottiana, a partir do momento em que o holding vai

operando uma integração do ego, vai possibilitando que o handling (manejo,

manuseio) opere uma inter-relação entre o ego e o corpo, uma relação

psicossomática que propicie ao bebê não só conhecer seu corpo, mas integrar

a psique ao corpo, o que foi denominado de personalização. O handling é

composto pelos cuidados maternos com o corpo do bebê, o manejo dele. Para

Winnicott:

“Igualmente importante, além da integração, é o desenvolvimento do sentimento de estar dentro do próprio corpo. Novamente, é a experiência instintiva e a repetida e silenciosa experiência de estar sendo cuidado fisicamente que constroem, gradualmente, o que poderíamos chamar de personalização satisfatória.” (WINNICOTT, 2000, pág. 225).

Winnicott (1983), visando mostrar a pais leigos a importância do que

eles faziam naturalmente, traz uma descrição mais concreta da função do

holding:

Protege da agressão fisiológica, leva em conta a sensibilidade cutânea

do lactente – tacto, temperatura, sensibilidade auditiva, sensibilidade visual,

sensibilidade à queda (ação da gravidade) e a falta de conhecimento do

lactente da existência de qualquer coisa que não seja ele mesmo. Inclui a

rotina completa do cuidado dia e noite, e não é o mesmo que com dois

lactentes, porque é parte do lactente, e dois lactentes nunca são iguais. Segue

também as mudanças instantâneas do dia-a-dia que fazem parte do

crescimento e do desenvolvimento do lactente, tanto físico como psicológico.

(Winnicott, 1979/1983, p.48)

20

O handling, através das experiências físicas e afetivas vividas pelo bebê,

permite que o bebê possa tolerar frustrações tais como a fome e o desconforto,

além de poder passar pela experiência de desilusão progressiva que irá

acarretar a diminuição do sentimento de onipotência sem colocar o bebê

ameaçado pela desintegração. Assim, o handling faz com que o bebê possa

perder suas ilusões e comece a adquirir a consciência que existe um Eu e um

não Eu delimitado por uma membrana, a pele. Para ele, um bom holding

propicia a confiança da criança no mundo interior e exterior. Diz ele:

“Em circunstâncias favoráveis a pele se torna o limite entre o eu e o não-eu. Dito de outro modo, a psique começa a viver no soma e uma vida psicossomática de um indivíduo se inicia.” (WINNICOTT, 1983, pág. 60).

Percebemos, então, que na apresentação dos objetos, a mãe começa a,

de uma certa forma, retirar-se, o que faz com que o bebê se encontre e crie

novos objetos que vão possibilitando seu desenvolvimento. Esta fase, também

chamada desrealização (por tornar real o impulso criativo da criança), inclui

não só o início das relações interpessoais, mas também a introdução de todo o

mundo da realidade compartilhada para o bebê (Winnicott, 2001).

Da relação saudável que ocorre entre a mãe e o bebê, emergem os

fundamentos da constituição da pessoa e do desenvolvimento emocional-

afetivo da criança. É neste momento de uma adaptação total às necessidades

do bebê que a mãe propicia o sentimento de ilusão no bebê (a ele).

2.3 A ILUSÃO

A ilusão concebida por Winnicott difere da idéia da psiquiatria. A ilusão

na teoria do amadurecimento humano é uma experiência constitutiva, sendo o

embrião da formação do símbolo. Porque o símbolo se caracteriza por ser um

objeto que une, sendo uma composição entre uma experiência espontânea e

uma ocorrência no mundo.

21

“Para que essa ilusão se dê na mente do bebê, um ser humano precisa dar-se ao trabalho permanente de trazer o mundo para ele num formato compreensível e de um modo limitado, adequado às suas necessidades. Por esta razão não é possível a um bebê existir sozinho, física ou psicologicamente, e de fato é preciso que uma pessoa específica cuide dele no início.” (WINNICOTT, 2000, pág. 229).

A ilusão, para ele, é propiciada pela mãe e se constitui no sentimento

do bebê que existe uma realidade externa que é criada por ele, ou seja, é a

ilusão da onipotência que é a base para a criatividade primária, o fazer-criativo.

É essa “criação” da realidade externa tão precoce que faz com que

Winnicott, conceba a criatividade como primária e como fundamental não só

para este momento do desenvolvimento emocional, mas para toda a vida. A

percepção criativa da realidade é uma experiência do self, núcleo singular de

cada indivíduo. ( ver mais detalhes sobre criatividade mais adiante)

A ilusão faz com que não haja um choque da criança com a realidade,

mas que este processo seja intermediado pela mãe de forma gradual, segundo

Winnicott, a “mãe suficientemente boa” apresenta o mundo em pequenas

doses ao bebê.

“A mãe reparte com seu filho um fragmento especializado do mundo, conservando esse fragmento suficientemente pequeno para que a criança não se confunda, mas ampliando-o gradualmente, de maneira que a crescente capacidade da criança para desfrutar o mundo seja alimentada.” (WINNICOTT, 1971, pág. 80).

Na teoria do amadurecimento emocional, uma das principais tarefas da

mãe é a tarefa de desilusão que antecede a tarefa do desmame. Para

Winnicott esta tarefa tem sua continuidade com os pais e com os professores.

Para ele, nenhum ser humano está livre da tensão inerente à comparação do

22

mundo interno com o mundo externo. O alívio para esta tensão está na zona

intermediária (arte, religião, cultura...).

Se tudo correu bem até aqui, chega o momento em que

“a adaptação total já não é necessária, e uma desadaptação gradual se revela muito útil (além de ser inevitável). O intelecto começa a explicar, admitir e antecipar a desadaptação (até certo ponto), transformando assim a desadaptação novamente em adaptação total. As experiências são catalogadas, classificadas e relacionadas a um fator tempo.” (WINNICOTT, 1989, pág. 161).

Após algumas semanas de intensa adaptação às necessidades do

recém–nascido, este sinaliza que seu amadurecimento já o torna apto a

suportar as falhas maternas. Há uma diminuição gradativa da adaptação

materna, segundo a capacidade do bebê em dar conta do fracasso da

adaptação e em tolerar os resultados da frustração.

“A principal tarefa da mãe é preliminar à tarefa do desmame e também continua sendo uma das missões dos pais e dos educadores. (...) Se tudo correr bem nesse processo gradativo de desilusão, o palco está pronto para as frustrações que reunimos sob a palavra desmame.” (WINNICOTT, 1975, pág. 28).

A mãe suficientemente boa deve compreender esse movimento do bebê

rumo à dependência relativa e a ele corresponder, permitindo-se falhas que

abrirão espaço ao desenvolvimento.

Vamos retomar o conceito de criatividade que foi citado no momento em

que falávamos da ilusão.

2.4 A CRIATIVIDADE

O conceito de criatividade para Winnicott rompe com a idéia de

criatividade da psicanálise até então, que era concebida como decorrência de

algo, um subproduto, produto de um funcionamento, como Freud concebeu

23

com o conceito de sublimação. Já para Klein, a criatividade seria uma função

defensiva reparatória, sendo também concebida como um fenômeno

decorrente.

Para Winnicott, a criatividade é primária, originária. A condição

ontológica do ser humano é ser compreendido como originariamente criativo.

Segundo Loparic, Winnicott promove uma mudança de paradigma: toda a

organização psíquica do ser humano é decorrente da criatividade, invertendo a

equação de Freud.

“A criatividade que me interessa aqui é uma proposição universal. Relaciona-se ao estar vivo. (...) A criatividade que estamos estudando relaciona-se com a abordagem do indivíduo à realidade externa. Supondo-se uma capacidade cerebral razoável, inteligência suficiente para capacitar o indivíduo a tornar-se uma pessoa ativa e a tomar parte na vida da comunidade, tudo o que acontece é criativo, exceto na medida em que o indivíduo é doente, ou foi prejudicado por fatores ambientais que sufocaram seus processos criativos.” (WINNICOTT, 1975, pág. 98).

É a criatividade que funda o modo de ser de alguém. Como não existe

uma experiência a priori, não há nenhum mecanismo projetivo nessa fase,

assim a criatividade primária é vazia, ela está fundada na ação, no gesto e é

ela que abre o campo da representação.

“Periodicamente um gesto do lactente expressa um impulso espontâneo; a fonte do gesto é o self verdadeiro, e esse gesto indica a existência de um self verdadeiro em potencial.” (WINNICOTT, 1983, pág. 132).

A ação cria o objeto e a experiência com o objeto realiza o si mesmo. A

criatividade possibilita a organização psíquica, o modo de ser de alguém. E

junto com ela o bebê consegue controlar e reconhecer o seio, como parte do

mesmo evento, como parte da função simbólica, da própria criatividade.

24

“A adaptação da mãe às necessidades do bebê, quando suficientemente boa, dá a este a ilusão de que existe uma realidade externa correspondente à sua própria capacidade de criar. Em outras palavras, ocorre uma sobreposição entre o que a mãe supre e o que a criança poderia conceber. (...) O bebê percebe o seio apenas na medida em que um seio poderia ser criado exatamente ali e naquele então. Não há intercâmbio entre a mãe e o bebê. Psicologicamente, o bebê recebe de um seio que faz parte dele e a mãe dá leite a um bebê que é parte dela mesma.” (WINNICOTT, 1975, pág. 27).

Para a teoria psicanalítica de Winnicott o que está em questão não é a

vida erótica do sujeito, mas a conquista de um lugar para viver, ou a base do

self no corpo. A localização do self no corpo não é uma experiência dada

desde sempre, mas sim o fruto de um desenvolvimento sadio.

“No estágio inicial o self verdadeiro é a posição teórica de onde vem o gesto espontâneo e a idéia pessoal. O gesto espontâneo é o self verdadeiro em ação. Somente o self verdadeiro pode ser criativo e se sentir real.” (WINNICOTT, 1983, pág. 135).

Em resumo, Winnicott explica que o acontecer humano depende da

intervenção do ambiente. A tendência à integração e ao amadurecimento só se

realiza se pessoas significativas facilitarem o desenvolvimento do indivíduo. A

facilitação ambiental ocorre através de funções básicas ("segurar, manejar e

apresentar objetos") realizadas no momento certo, de forma adequada,

respeitando e partindo das características e necessidades do indivíduo.

Quando tudo correu bem até aqui, o bebê começa a entrar na fase de

dependência relativa que tem como principal marca a presença dos objetos

transicionais.

25

2.5 OBJETO TRANSICIONAL E ESPAÇO POTENCIAL

Este termo foi criado em 1951 e significa qualquer objeto material que é

eleito pela criança pequena e propicia o caminhar da relação oral com a mãe

rumo às relações objetais. Ele constitui a primeira possessão não-eu da criança

e pode ser observado entre os quatro e doze meses de idade. A criança, para

poder suportar a crescente separação da mãe, se conecta ao objeto

transicional. Por este motivo ele é a marca do percurso da criança da

subjetividade rumo à objetividade, a criança está indo rumo à experimentação,

está em transição daí o nome. Esta é a fase do desenvolvimento na qual as

realidades internas e externas se evidenciam.

“Quando o simbolismo é empregado, o bebê já está claramente distinguido entre fantasia e fato, entre objetos internos e objetos externos, entre criatividade primária e percepção. Mas o termo objeto transicional, segundo minha sugestão, abre campo ao processo de tornar-se capaz de aceitar diferença e similaridade.” (WINNICOTT, 1975, pág. 19).

Assim, começa a ser construída uma área intermediária que ao mesmo

tempo em que une, separa o bebê da mãe, o interno do externo, o ser humano

do mundo. Esta área entre a realidade interna e externa e composta por

elementos de ambas é uma área de experimentação e também de repouso

para o trabalho incessante de separação entre elas. Esta zona de

experimentação intermediária, denominada de espaço potencial, possibilita o

surgimento dos fenômenos transicionais, se localiza entre o bebê sugar o

polegar e se apegar a algum objeto não-eu, o urso de pelúcia, por exemplo.

“O espaço potencial acontece apenas em relação a um sentimento de confiança por parte do bebê, isto é, confiança relacionada à fidedignidade da figura materna ou dos elementos ambientais, com a confiança sendo prova da fidedignidade que se está introjetando.” (WINNICOTT, 1975, pág. 139).

26

Esta experiência pressupõe rudimentos de capacidade ilusória motivo

pelo qual é relacionada ao pensar e fantasiar, e também à arte e à religião

partilhadas na cultura.

“constitui uma área intermediária de experimentação, para a qual contribuem tanto a realidade interna quanto a vida externa. Trata-se de uma área que não é disputada, porque nenhuma reinvindicação é feita em seu nome, exceto que ela exista enquanto lugar de repouso para o indivíduo empenhado na perpétua tarefa humana de manter as realidades interna e externa separadas, ainda que inter-relacionadas.” (WINNICOTT, 1975, pág. 15).

Seu valor reside no fato de preceder ao teste de realidade e constituir

uma espécie de espaço que permite investidas graduais e recuos estratégicos

na relação do bebê com a multiplicidade de objetos do mundo. Passagem,

portanto, de uma condição de inabilidade da criança para uma aquisição de

habilidade relativa ao reconhecimento e aceitação da realidade.

Assim,

“A noção de objeto e de fenômenos transicionais foi conceituada segundo três eixos: como uma etapa do desenvolvimento afetivo normal da criança, como uma defesa contra as angústias de separação e, por último, como um espaço psíquico, um campo neutro de experiência que não será contestado: a área da atividade lúdica e da ilusão.” (MIJOLLA, 2005, pág. 1305).

Conforme o amadurecimento da criança vai se dando, ela vai

gradativamente substituindo o objeto transicional por fenômenos mais abstratos

e mais amplos como canções de ninar, ritmos corporais e vocalizações

27

denominadas de fenômenos transicionais. Embora vá se ampliando, continua

sendo a área intermediária entre o subjetivo e o objetivamente percebido

“a tarefa de aceitação da realidade nunca é completada, que nenhum ser humano está livre da tensão de relacionar a realidade interna e externa, e que o alívio dessa tensão é proporcionado por uma área intermediária de experiência que não é contestada (artes, religião, etc.) Esta área intermediária está em continuidade direta com a área do brincar da criança pequena que se ‘perde’ no brincar.” (WINNICOTT, 1975, pág. 29).

A partir do momento em que a criança vai despertando para o mundo

externo e se interessando pela cultura que o circunda o objeto e os fenômenos

transicionais vão sendo descatexizados e desinvestidos o que abre caminho

para o mundo compartilhado e para a cultura, assim o espaço potencial nunca

deixará de existir.

“Utilizando a palavra ‘cultura’, estou pensando na tradição herdada. Estou pensando em algo que pertence ao fundo comum da humanidade, para o qual indivíduos e grupos podem contribuir, e do qual todos nós podemos fruir, se tivermos um lugar para guardar o que encontramos.” (WINNICOTT, 1975, pág. 138).

A mãe deve funcionar como “ego-auxiliar” da criança. Quando a

sustentação exercida pela mãe for bem sucedida, a criança a vive como uma

“continuidade existencial”; no entanto, quando falha, o bebê terá uma

experiência subjetiva de ameaça, que obstaculiza o desenvolvimento normal.

28

2.6 O FALSO SELF

A falta de holding adequado provoca uma alteração no desenvolvimento,

cria-se uma “casca” (o falso self) em extensão da qual o individuo cresce,

enquanto o “núcleo” (o verdadeiro self) permanece oculto e sem poder se

desenvolver.

O falso self surge pela incapacidade materna de interpretar as

necessidades da criança.

“Quando a adaptação da mãe não é suficientemente boa de início, se pode esperar que o lactente morra fisicamente, porque a catexia dos objetos externos não é iniciada. O lactente permanece isolado. Mas na prática o lactente sobrevive, mas sobrevive falsamente”. (WINNICOTT, 1983, pág. 134)

O desenvolvimento do falso self a custa do verdadeiro self, se relaciona

a uma amplitude na escala de psicopatologia que irá desde sensações

subjetivas de vazio, futilidade e irrealidade até tendências anti-sociais,

psicopatia, caracteropatias e psicoses.

“o lactente é seduzido à submissão, e um falso self submisso reage às exigências do meio e o lactente parece aceitá-las. Através deste falso self o lactente constrói um conjunto de relacionamentos falsos, e por meio de introjeções pode chegar até uma aparência de ser real.” (WINNICOTT, 1983, pág. 134).

2.7 O BRINCAR

Influenciado pelas idéias de Klein, Winnicott redimensiona a brincadeira,

situando o brincar do analista e o valor que essa atividade possui em si,

instituída como uma atividade infantil, e que também faz parte do mundo

adulto. Para ele os analistas infantis por se ocuparem tanto dos possíveis

significados do brincar não possuíam um claro enunciado descritivo sobre o

brincar. Para ele “Brincar é algo além de imaginar e desejar, brincar é o fazer”.

29

“... é a brincadeira que é universal e que é própria da saúde: o brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde; o brincar conduz aos relacionamentos grupais; o brincar pode ser uma forma de comunicação na psicoterapia; finalmente, a psicanálise foi desenvolvida como forma altamente especializada do brincar, a serviço da comunicação consigo mesmo e com os outros.” (WINNICOTT, 1975, pág. 63).

Na experiência do bebê (da criança pequena, do adolescente e do

adulto) mais afortunado, a questão da separação não surge no separar-se,

porque, no espaço potencial existente entre o bebê e a mãe, aparece o brincar

criativo que se origina naturalmente do estado relaxado. É aqui que se

desenvolve o uso de símbolos que representam, a um só e ao mesmo tempo,

os fenômenos do mundo externo e os fenômenos da pessoa individual que

está sendo examinada. A separação é evitada pelo preenchimento do espaço

potencial com o brincar criativo, com o uso de símbolos e com tudo o que

acaba por se somar a uma vida cultural. (Winnicott, 1975, p. 151)

“É no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu (self).” (WINNICOTT, 1975, pág. 80).

Para Winnicott, o brincar é fundamental para o desenvolvimento da

criança. Na brincadeira a criança tem a possibilidade de construção e

reconstrução constantes. O brincar tem um lugar e um tempo, se localiza na

fronteira, isto é, não fica dentro nem tampouco fora da subjetividade. O brincar

não está no espaço repudiado pelo bebê que constitui o não-eu, nem está

inteiramente dentro de sua subjetividade e corpo. Este espaço de brincar foi

denominado de espaço potencial e é de início pensado como um espaço que

se forma entre a mãe e o bebê.

30

A brincadeira não é considerada apenas uma alternativa simbólica;

anterior e mais fundamental que isso, o brincar é um tempo-espaço de criação

e elaboração da realidade subjetiva/objetiva.

Além do aspecto comunicativo, auto-revelador, já colocado por Klein, ele

acrescenta outras vertentes à questão: a criança tem prazer em exprimir seus

impulsos coléricos e/ou agressivos num campo conhecido por ela e aceito

pelos outros. O brincar é uma autodisciplina da agressividade, o que

promoverá mais tarde o jogo inverso, o uso da agressividade em atividades

específicas; a brincadeira é um espaço de controle das idéias e dos impulsos

que conduzem à angústia, caso não sejam dominados; o brincar é o modo

principal pelo qual as crianças contatam e experienciam o mundo, tanto interno

como externo. É brincando que elas se inserem socialmente, fazendo ‘amigos

e inimigos’, assumindo papéis e formando relações emocionais e assim como

as artes e a religião, a brincadeira tende à unificação e integração geral da

personalidade. Winnicott, em palavras simples, confere um novo universo ao

brincar: o da formação do eu e da adaptação à realidade.

“Nos anos pré-escolares, a brincadeira é um meio fundamental para a criança resolver os problemas emocionais que fazem parte do desenvolvimento. A brincadeira é também um dos métodos característicos da manifestação infantil – um meio para perguntar e para explicar”. (WINNICOTT, 1971, pág. 224)

2.8 O JOGO DA ESPÁTULA E O USO DE UM OBJETO

Num artigo de 1941 chamado A observação de bebês numa situação

padronizada, Winnicott descreve um processo muito importante para o estudo

da aprendizagem. A partir da observação da reação de bebês de cerca de 11

31

meses a apresentação da espátula, ele descreve como os bebês se relacionam

com os objetos do mundo compartilhado, apresentados pelos adultos e como

faz uso deste objeto.

O que é denominado de situação padrão é o fato de a mãe sentar-se

próxima a mesa que Winnicott trabalhava, na qual ele deixava uma espátula

(depressor de língua) ao alcance do bebê e procurava não interferir no

processo (só disponibilizava o objeto e mantinha a estabilidade do ambiente), a

partir disso ele observava4, qual seria a reação do bebê. Importante ressaltar

que os bebês se encontravam num estágio específico do processo de

amadurecimento emocional.

Assim, são descritos três momentos presentes no jogo da espátula.

Num primeiro momento, o bebê percebe a presença da espátula e se

sente atraído por ela. Fica num estado de hesitação, pois fica em dúvida se

pega ou não a espátula, então olha para a mãe e para Winnicott para tentar

resolver seu dilema.

O segundo momento é marcado pelo babar da criança que para

Winnicott seria a prova de que o bebê está entrando em contato com seu

desejo de pegar a espátula. Quando era mantido o ambiente de confiança, o

bebê finalmente se apossava da espátula e colocava na boca. Para Winnicott,

o bebê teria conseguido ter autoconfiança para se apossar da espátula e

manipulá-la.

“O bebê agora parece sentir que a espátula está em sua posse, talvez em seu poder, e certamente disponível para propósitos de auto expressão. Ele bate com ela sobre o tampo da mesa, ou sobre a tigela de metal que se encontra perto dele, fazendo tanto barulho quanto lhe é possível. Ou então ele a leva em direção à minha boca e à boca de sua mãe, e fica muito contente quando ‘fingimos’ ser alimentados por ela.” (WINNICOTT, 2000, pág. 114).

Aqui Winnicott começa a marcar o surgimento do lúdico na criança.

Segundo ele, cada vez que o bebê tem a experiência de desejar a espátula e

apossar-se dela sem modificar a estabilidade do ambiente vai cristalizando o

sentimento de confiança.

4 Winnicott atendeu 60 mil crianças e famílias durante sua vida profissional.

32

“Na idade que estamos considerando, e de fato ao longo de toda a infância, experiências desse tipo não são apenas temporariamente reasseguradoras: o efeito cumulativo de experiências gratificantes e de uma atmosfera amistosa em torno da criança é a construção de sua confiança nas pessoas do mundo externo e de um sentimento geral de confiança.” (WINNICOTT, 2000, pág.128).

Quando o bebê entra no terceiro estágio, ele já se apropriou da espátula

e já a explora ludicamente. Neste momento ele a deixa cair como que por

acaso, o adulto a devolve e o bebê se alegra com isso, mas logo depois a atira

no chão de novo. Agora o bebê demonstra satisfação por jogar a espátula no

chão e poder livrar-se dela e logo depois por desviar seu interesse para outros

objetos.

Para Winnicott, a variação que mais acontece neste processo

“ocorre durante a hesitação inicial, que pode estar ausente ou então exagerada. Um bebê aparentemente não se interessa pela espátula, e levará muito tempo até tomar consciência de seu interesse, ou até tomar coragem para demonstrá-lo.” (WINNICOTT, 2000, pág. 117).

2.9 WINNICOTT E A EDUCAÇÃO

Em uma palestra proferida por Winnicott na Association of Teachers of

Mathematics (1968), ele relaciona o estudo da matemática com o da

personalidade humana, pois considera que ambos estão centrados na questão

da unidade.

Segundo Winnicott, alcançar e preservar o estágio do EU SOU é um

aspecto fundamental do desenvolvimento humano. E na aritmética o conceito

de unidade também é central para as operações matemáticas. Assim, o

conceito de unidade derivaria do desenvolvimento do self unitário de todo bebê

33

que se encontra em desenvolvimento. Isto é, para ele, a palavra unidade

adquire significado somente após o bebê alcançar o sentimento de unidade, do

EU SOU.

Para Winnicott se o professor percebe que o problema de aprendizagem

não é da matemática em si, mas uma questão que envolve o desenvolvimento

emocional da criança ele deve largar de mão a aritmética e propiciar certa

estabilidade no ambiente da sala de aula que propicie alguma integração a

essa criança. É importante que o professor propicie uma relação baseada na

confiança.

Segundo as palavras de Winnicott

“Todo e qualquer professor precisa saber quando está lidando não com ‘seu assunto específico’, mas com psicoterapia, ou seja, complementando tarefas incompletas que representam falha parental relativa ou absoluta. A tarefa a que me refiro é fornecer um apoio ao ego onde ele é necessário.” (WINNICOTT, 1968, pág. 49).

Além disso, o ensino da matemática é visto como uma oportunidade de

fazer surgir um impulso criativo, para ele

“No ensino da matemática, ‘a pessoa pode captar o impulso criativo’; talvez seja o gesto lúdico de uma criança, e então a pessoa pode usar isso e o ato de a criança tentar alcançar, fornecendo tudo o que a criança puder aprender, através do ensino, até que ela atinja com o passar do tempo, o impulso criativo. Às vezes, tal trabalho pode ser mais bem feito com uma assistência individual, especialmente se for o caso de fazer algum conserto, por motivo de a criança ter tido experiências infelizes, ou mesmo a experiência de uma pedagogia ruim, que é uma forma de doutrinação.” (WINNICOTT, 1968, pág. 49).

34

No texto A mãe, a professora e as necessidades da criança, Winnicott

discorre sobre os fatores mais importantes da criança na escola. O primeiro

fator importante seria o de ampliar e enriquecer as relações da criança. Além

disso, a escola e os professores, que lidam diretamente com a criança são

vistos como a ‘continuidade’ da família.

“Uma escola maternal, ou jardim de infância, será possivelmente considerada, de um modo mais correto, uma ampliação da família ‘ para cima’, em vez de uma extensão ‘para baixo’ da escola primária.” (WINNICOTT, 1971, pág. 214).

A escola acaba por exercer o papel da continuidade do trabalho da mãe

a partir do momento em que promove estabilidade emocional e “provisão de

brincadeiras constitutivas” auxiliando a criança a cumprir sua jornada rumo ao

amadurecimento. Por isso, para Winnicott, os professores e as pessoas que

lidam com as crianças bem pequenas, da escola maternal, tem que ter

familiaridade com os processos que a criança já vivenciou e está vivenciando

em seu amadurecimento emocional.

“A escola maternal tem funções importantes e óbvias. Uma delas é o fornecimento, durante algumas horas diárias, de uma atmosfera emocional que não é a tão densamente carregada como a do lar. Isso propicia à criança uma pausa para o desenvolvimento pessoal. Também novas relações triangulares menos intensamente carregadas do que as familiares podem ser formadas e expressas entre as próprias crianças.” (WINNICOTT, 1971, pág. 217).

35

Uma dica de Winnicott sobre o modo como a criança vivenciou sua

jornada está na adaptação da criança à escola, que segundo suas idéias está

diretamente relacionada à experiência do desmame.

“Quando a criança aceita facilmente a escola, a professora poderá entender esse fato como um prolongamento do êxito materno em sua tarefa de desmame.” (WINNICOTT, 1971, pág. 219).

Winnicott marca o papel da professora como alguém que, fora da

família, consegue dar continuidade emocional e confiança para a criança poder

desfrutar e experienciar suas primeiras relações em um ambiente externo à

família.

“A professora assume o papel de uma amiga calorosa e simpática, que será não só o principal esteio da vida da criança fora de casa, mas também uma pessoa resoluta e coerente em seu comportamento para com ela, discernindo suas alegrias e mágoas pessoais, tolerante com suas incoerências e apta a ajudá-la no momento de necessidades especiais.” (WINNICOTT, 1971, pág. 219).

A professora protegeria as crianças de suas próprias emoções que

nesta fase tendem para a agressividade. E, ainda, ofereceria atividades lúdicas

que fariam com que sua agressividade e suas emoções fossem canalizadas

para a construção de habilidades para lidar com elas.

“Da organização e fornecimento de ocupações e atividades na escola maternal depende o completo florescimento de potencialidades emocionais, sociais, intelectuais e físicas da criança. A professora desempenha uma função essencial nessas atividades, ao combinar uma sensibilidade à linguagem e expressão simbólicas da criança com um conhecimento das mesmas, bem como por uma avaliação

36

das necessidades especiais da criança, no seio de um grupo.” (WINNICOTT, 1971, pág. 224).

Além disso, a escola maternal proporciona à criança sua primeira

relação de grupo entre iguais, isto é, com outras crianças de sua idade, o que

faz com que crie a necessidade do desenvolvimento da capacidade de

relações harmoniosas partindo dele.

“A educação na escola maternal exige que a professora esteja pronta a exercer restrições e controles sobre aqueles impulsos e desejos instintivos, comuns a todas as crianças, que são inaceitáveis em suas próprias comunidades, fornecendo simultaneamente os instrumentos e oportunidades para o pleno desenvolvimento criador e intelectual da criança, assim como os meios de expressão para a sua fantasia e vida dramática.” (WINNICOTT, 1971, pág. 224).

Nos estudos de Winnicott há uma relação direta entre o

desenvolvimento emocional e as dificuldades apresentadas ao logo da vida,

para ele

“Não há um paralelo exato entre a habilidade e o desejo, e sabemos que muitos progressos físicos – tal como a capacidade de andar – podem ser muitas vezes tolhidos até que o desenvolvimento emocional libere a conquista física. Seja qual for o aspecto físico da questão, há sempre o lado emocional”. (WINNICOTT, 2000, pág. 221)

Percebemos assim que uma dificuldade na aprendizagem pode estar

sinalizando para uma questão profunda que pode ter ocorrido bem

anteriormente ao momento em que vem à tona.

37

Capítulo 3 - As idéias de Winnicott na obra de Alícia Fernandez

Fernández, utilizando alguns conceitos da teoria winnicottiana,

reconhece em cada sujeito contribuições de sua singularidade e historicidade

relacionando o processo de aprendizagem com o desenvolvimento e a

manifestação da criatividade. Propõe, assim, um posicionamento ativo e de

autonomia de cada um frente à aprendizagem que denomina de autoria de

pensamento.

Para ela, a aprendizagem

“É uma construção singular que cada sujeito vai fazendo a partir de seu saber para ir transformando as informações em conhecimentos. Entre o ensinante e o aprendente introduz-se um campo de diferenças, que é lugar de novidade, de criação.” (FERNÁNDEZ, 2001, pág. 124).

Fernández, partindo do conceito do brincar de Winnicott, preconiza que

é esta atividade que permite a experiência de autoria, tendo uma função

subjetivante. Segundo suas idéias

“A primeira experiência de autoria é o brincar. Algo que se faz porque sim. Algo que se faz sem a demanda de outro e sem a exigência da necessidade.” (FERNÁNDEZ, 2001, pág. 127).

Partindo dessas idéias entende-se que são as contribuições subjetivas em

todas as manifestações do sujeito, que determinam a modalidade de aprendizagem

de cada indivíduo.

38

Falando do trabalho do professor – ensinante, coloca que este tem que fazer

um trabalho subjetivo com seu aluno ou aprendente. Para ela, ele tem que se

disponibilizar como objeto transicional. Assim,

“Ser ensinante é poder fazer o trabalho subjetivo de aceitar que, tal como um objeto transicional, a prova de que fomos úteis está em que o aprendente não necessita mais de nós. (...) Se continua precisando, não lhe serviu quando era pequeno; por isso precisa tê-lo sempre ao seu lado para poder descansar. Ao contrário, se essa pessoa se esqueceu do ursinho, se não necessita mais dele, se pode descansar sem ele, quer dizer que foi útil.” (FERNÁNDEZ, 2001, pág. 35).

Para ela, o processo de aprendizagem se dá com uma postura ativa

tanto do ensinante quanto do aprendente. Ela faz uma ligação entre o brincar e

o aprender. Para ela o professor “suficientemente bom”

“não se consegue com técnica ou com cursos. Requer um trabalho constante consigo mesmo para construir uma postura, um posicionamento como aprendente, o qual resultará em modos de ensinar. Um bom ensinante é um bom aprendente.” (FERNÁNDEZ, 2001, pág. 36).

Assim, como Winnicott fala da importância do holding da mãe para o

desenvolvimento emocional do bebê, Fernández enfatiza a importância da

sustentação e do amor para a aprendizagem acontecer.

“Os aspectos de ‘amor’ e ‘sustentação’, ainda que só sejam visíveis quando se colocam como obstáculo, são a condição necessária para que qualquer aprendizagem seja possível. Necessitamos também lhe dar um lugar na própria teoria.” (FERNÁNDEZ, 2001, pág. 36).

39

Para Fernandez todo o aprendizado de classificação e seriação se

constitui a partir da visão do si mesmo no mundo.

“Isso ocorre à medida que a criança sente-se (porque assim significam para ela seus pais, a escola e a sociedade) pertencente ou incluída numa classe (sou filho de, sou mulher, sou homem, sou inteligente) e singularizada em sua diferença, como única e distinta; logo, ao mesmo tempo, seriada entre outros nessa pertença. Assim conseguirá facilmente classificar e seriar objetos, duas operações lógicas presentes em toda a aprendizagem, a partir dos seis ou sete anos de idade.” (FERNÁNDEZ, 2001, pág. 41).

40

Capítulo 4 – Algumas Considerações...

Com Winnicott aprendemos a importância de respeitar a subjetividade

de cada criança também no processo de aprendizagem, isto é, dar espaço e

tempo para que a criança possa entrar em contato com o conteúdo que está

sendo ensinado e se apoderar dele ao seu modo, com sua autoria.

O brincar é uma via de acesso à criança, então o lúdico tem que estar

sempre presente, pois é através do brincar que a criança consegue interagir

com o mundo externo e é na brincadeira que a criança consegue começar a

perceber a realidade que o circunda.

A partir da importância dada ao ambiente por Winnicott, percebemos

como a escolha dos professores e funcionários da escola é importante, pois as

pessoas que lidam diretamente com as crianças numa escola precisam

estabelecer um ambiente “suficientemente bom” e neste ambiente tem que

haver uma relação de confiança, pois ela criará as bases necessárias para que

a criança possa desenvolver suas habilidades cognitivas. Além disso, na visão

de Winnicott a escola seria uma segunda chance para as crianças que

experienciaram um ambiente familiar não suficientemente bom.

Segundo o pensamento de Winnicott, em alguns casos, as habilidades

intelectuais e até físicas da criança se atrasam como resultado de falhas no

desenvolvimento emocional. Assim, para que o processo de aprendizagem

possa se dar é necessário que haja uma harmonia entre as variáveis

necessárias ao desenvolvimento do sujeito. Assim, o ambiente que facilitaria o

aprendizado como o desenvolvimento emocional é aquele que não força nem

obstrui o processo em marcha. Mas seria aquele que sustenta – holding -,

propicia – apresentação de objetos e supre as necessidades para o acontecer

do processo.

No momento em que a psicopedagogia se propõe a pensar em formas

de ação que propiciem da melhor forma possível o processo de aprendizagem,

ela terá que pensar numa ação que dê conta de todos sem abrir mão da

41

especificidade de cada singularidade envolvida. A ‘proposta de educação

winnicottiana’ estaria alicerçada, desta forma, no paradoxo assim como sua

proposta clínica.

Em suma, pensar com Winnicott sobre educação é pensar a

aprendizagem como um processo que vai se dando a partir do momento em

que o ambiente vai dando condições, assim como no desenvolvimento

emocional, para que o potencial para aprender possa se realizar. Apresentando

o conteúdo certo, no momento maturacional em que a criança consiga realizar

o seu potencial.

O desafio da psicopedagogia deste ponto de vista seria o de pleitear um

espaço junto aos educadores em que a ressignificação das dificuldades e

habilidades do sujeito possa acontecer, o que ajudaria a todos aqueles sujeitos

que apresentam dificuldades para aprender, que não tiveram propiciado o

espaço para poder ‘criar’ sua própria aprendizagem, aprender levando em

conta seu modo e seu tempo singular, ao invés de tratar a educação como um

esquema ao qual todos tem que se adaptar.

42

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