224
Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte Ano XX Número 37 jan./jun. 2015 - Natal/RN, 2015 COMISSÃO EDITORIAL Presidente Letícia Silva Saraiva Maia Membros Ana Beatriz Nunes P. do Amaral Eduarda Teixeira de O. Torres Gabriel de Azevedo Santos Gabriel Rodrigues Soares Gabriela Revoredo P. da Costa Irami Araújo Neto Lucas Leal Sampaio Lumena Maria Nogueira L. Costa Renata Karen Gomes da Fonseca Roberto Tadeu Marinho Sales CONSELHO EDITORIAL Ana Beatriz Ferreira Rebello Ana Luısa Demoraes Campos Anderson Souza da Silva Lanzillo Andreo Aleksandro Nobre Marques Ângelo José Menezes Silvino Anna Emanuella Nelson dos Santos C. da Rocha Artur Cortez Bonifácio Bento Herculano Duarte Neto Claudia Vechi Torres Diogo Pignataro de Oliveira Edilson Pereira Nobre Júnior Eduardo Biacchi Gomes Elke Mendes Cunha Érica Verícia Canuto de Oliveira Veras Fabiano André de Souza Mendonça Fábio Wellington Ataíde Alves Fabrício Germano Alves Felipe Arady Miranda Fillipe Azevedo Rodrigues Francisco Barros Dias Francisco De Sales Matos Gleydson Kleber Lopes De Oliveira Henrique Batista de Araújo Neto Humberto Lima de Lucena Filho Igor Alexandre Felipe de Macêdo Ingrid Zanella Andrade Campos Ivan Lira de Carvalho Jahyr-Philippe Bichara João Paulo dos Santos Melo José Araújo da Silva Jose Miqueias Antas De Gouveia Jules Mıchelet Pereıra Queıroz e Sılva Karoline Lins Câmara Marinho Keity Mara de Souza e Saboya Lauro Ericksen Cavalcanti de Oliveira Leonardo Martins Lídio Sânzio Gurgel Martiniano Lorena Neves Macedo Luciano Athayde Chaves Luiz Alberto Gurgel de Faria Luiz Felipe Pinheiro Neto Madson Ottoni de Almeida Rodrigues Marcelo Maurício da Silva Marcelo Navarro Ribeiro Dantas Marco Bruno Miranda Clementino Marconı Neves Macedo Marcus Aurélio de Freitas Barros Maria do Perpétuo Socorro Wanderley de Castro Maria dos Remédios Fontes Silva Mariana de Siqueira Marise Costa de Souza Duarte Morton Luiz Faria de Medeiros Otacílio dos Santos Silveira Neto Patrícia Borba Villar Guimarães Paulo de Souza Coutinho Filho Paulo Renato Guedes Bezerra Paulo Roberto Dantas de Souza Leão Raoni Macedo Bielschowsky Rıcardo Duarte Júnıor Ricardo Tinôco de Góes Ricardo Wagner de Souza Alcantara Ronaldo Pinheiro de Queiroz Samuel Max Gabbay Thiago Oliveira Moreira Victor Rafael Fernandes Alves Virgílio Fernandes de Macedo Junior Vladimir da Rocha França Walter Nunes da Silva Júnior Xisto Tiago de Medeiros Neto Yanko Marcius de Alencar Xavier Yara Maria Pereira Gurgel Zéu Palmeira Sobrinho

Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito daUniversidade Federal do Rio Grande do Norte

Ano XX Número 37 jan./jun. 2015 - Natal/RN, 2015

COMISSÃO EDITORIAL

PresidenteLetícia Silva Saraiva Maia

MembrosAna Beatriz Nunes P. do Amaral

Eduarda Teixeira de O. TorresGabriel de Azevedo Santos

Gabriel Rodrigues SoaresGabriela Revoredo P. da Costa

Irami Araújo NetoLucas Leal Sampaio

Lumena Maria Nogueira L. CostaRenata Karen Gomes da Fonseca

Roberto Tadeu Marinho Sales

CONSELHO EDITORIAL

Ana Beatriz Ferreira RebelloAna Luısa Demoraes Campos

Anderson Souza da Silva LanzilloAndreo Aleksandro Nobre Marques

Ângelo José Menezes SilvinoAnna Emanuella Nelson dos Santos C. da Rocha

Artur Cortez BonifácioBento Herculano Duarte Neto

Claudia Vechi TorresDiogo Pignataro de Oliveira

Edilson Pereira Nobre JúniorEduardo Biacchi Gomes

Elke Mendes CunhaÉrica Verícia Canuto de Oliveira Veras

Fabiano André de Souza MendonçaFábio Wellington Ataíde Alves

Fabrício Germano AlvesFelipe Arady Miranda

Fillipe Azevedo RodriguesFrancisco Barros Dias

Francisco De Sales MatosGleydson Kleber Lopes De Oliveira

Henrique Batista de Araújo NetoHumberto Lima de Lucena Filho

Igor Alexandre Felipe de MacêdoIngrid Zanella Andrade Campos

Ivan Lira de Carvalho

Jahyr-Philippe BicharaJoão Paulo dos Santos MeloJosé Araújo da SilvaJose Miqueias Antas De GouveiaJules Mıchelet Pereıra Queıroz e SılvaKaroline Lins Câmara MarinhoKeity Mara de Souza e SaboyaLauro Ericksen Cavalcanti de OliveiraLeonardo MartinsLídio Sânzio Gurgel MartinianoLorena Neves MacedoLuciano Athayde ChavesLuiz Alberto Gurgel de FariaLuiz Felipe Pinheiro NetoMadson Ottoni de Almeida RodriguesMarcelo Maurício da SilvaMarcelo Navarro Ribeiro DantasMarco Bruno Miranda ClementinoMarconı Neves MacedoMarcus Aurélio de Freitas BarrosMaria do Perpétuo Socorro Wanderley de CastroMaria dos Remédios Fontes SilvaMariana de SiqueiraMarise Costa de Souza DuarteMorton Luiz Faria de MedeirosOtacílio dos Santos Silveira NetoPatrícia Borba Villar GuimarãesPaulo de Souza Coutinho FilhoPaulo Renato Guedes BezerraPaulo Roberto Dantas de Souza LeãoRaoni Macedo BielschowskyRıcardo Duarte JúnıorRicardo Tinôco de GóesRicardo Wagner de Souza AlcantaraRonaldo Pinheiro de QueirozSamuel Max GabbayThiago Oliveira MoreiraVictor Rafael Fernandes AlvesVirgílio Fernandes de Macedo JuniorVladimir da Rocha FrançaWalter Nunes da Silva JúniorXisto Tiago de Medeiros NetoYanko Marcius de Alencar XavierYara Maria Pereira GurgelZéu Palmeira Sobrinho

Page 2: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

Reitora Ângela Maria Paiva Cruz

Vice-Reitora Maria de Fátima Freire de Melo Ximenes

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS Diretora Maria Arlete Duarte de Araújo Vice-Diretor José Dionísio Gomes da Silva

Coordenadora do Curso de Direito Anna Emanuella Nelson dos Santos C. da Rocha

Chefe do Departamento de Direito Público José Orlando Ribeiro Rosario

Chefe do Departamento de Direito Privado Thiago Oliveira Moreira

Coordenador da In Verbis Xisto Tiago de Medeiros Neto

DIAGRAMAÇÃO Hélder Souza de Lima

REVISÃO Comissão Editorial da Revista Jurídica In Verbis

TIRAGEM 400 Exemplares

PRESIDÊNCIA E ELABORAÇÃOLetícia Silva Saraiva Maia

REVISTA JURÍDICA IN VERBISPublicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito

da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Comissão Editorial da Revista Jurídica In VerbisUniversidade Federal do Rio Grande do Norte - Espaço Integrado CAAC - In Verbis

Av. Senador Salgado Filho, 3.000 - Setor I - Curso de DireitoCampus Universitário - Lagoa Nova - Natal/RN - CEP 59072-970

Home Page: www.inverbis.com.brE-mail: [email protected]

Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta Revista, desde que citada a fonte.

Revista Jurídica In Verbis / Publicação semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. – Ano 20, n. 37 (jan./jun. 2015).

SemestralISSN 1413-2605

1. Direito – Periódicos. I. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas - CCSA/UFRN

CDU - 34

Solicita-se permuta.

Pídese canje.

On demande l’échange.

Si richiede lo scambio.

We ask for exchange.

Wir bitten um austausch.

Page 3: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

EDITORIAL ................................................................................................... 4

PREFÁCIO ..................................................................................................... 6

A ATUALIDADE DO GARANTISMO PENAL DE LUIGI FERRAJOLI NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO .................................................. 13Luciana Ramos da SilvaLuís Alfredo Macedo Soares

ADOÇÃO INTERNACIONAL: ANÁLISE DO QUADRO LEGAL INTERNO E DISPOSIÇÕES DO DIREITO INTERNACIONAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE .......................................................................................... 33Angelus Emilio Medeiros de Azevedo MaiaHayanne Hackradt Saraiva da Costa

A PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO DECISÓRIO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS COMO PRESSUPOSTO INDISPENSÁVEL A UMA LEGITIMIDADE E EFICIENTE REGULAÇÃO SETORIAL DEMOCRÁTICA ... 47Kate de Oliveira MouraMaria Augusta Marques de Almeida Xavier

A PRÁTICA DO CRIME DE DIFAMAÇÃO PELO FACEBOOK ...................... 65Shirlene Marques Martins

A PUBLICIDADE ABUSIVA E O SEXISMO NA PROPAGANDA DE CERVEJA SOB A ÓTICA DO MICROSSISTEMA DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR ... 83Natália Eugênia da Cunha PegadoThaís Medeiros da Costa

Sumário

Page 4: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS SITES DE COMPRAS COLETIVAS PELO VÍCIO DO PRODUTO E DO SERVIÇO ....................................................... 101Letícia Fernandes Pimenta Campos Silva

DECISÕES ESTRUTURAIS NO PROCESSO CIVIL À LUZ DO ESTADO CONSTITUCIONAL DEMOCRÁTICO: CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA SUA RELAÇÃO COM O DIREITO DE DEFESA E OUTRAS PRERROGATIVAS ... 117Raul Medeiros Bezerra da CostaTallita de Carvalho Martins

GARANTISMO PENAL E A MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA ......................................................................................... 133Gabriel da Nóbrega FernandesJosé Roberto Montes Nunes

REFLEXÕES SOBRE A CONQUISTA, PROMOÇÃO E PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA MULHER ............................................................................................. 149Luana Tainá Winter

USO DAS REDES SOCIAIS COMO MEIO DE OBTENÇÃO DE PROVA NO PROCESSO PENAL ................................................................................... 163Mariana Régis Fernandes da Rocha

[ARTIGO CONVIDADO] ASPECTOS GERAIS SOBRE A COLABORAÇÃO (DELAÇÃO) PREMIADA ........................................................................... 185Walter Nunes da Silva Júnior

[ARTIGO CONVIDADO] O CONTROLE JURISDICIONAL DO ATO ADMINISTRATIVO NO DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO .......... 203Vladimir da Rocha França

REGRAS DE PUBLICAÇÃO PARA A PRÓXIMA EDIÇÃO .......................... 223

Page 5: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

“E o verbo fez-se carne...”. Com estas palavras, há vinte anos, encerrava-se a mensagem que a primeira Comissão Editorial deixava aos leitores da Edição número um da Revista Jurídica In Verbis. Naquela época, em meio às atribulações e dificuldades enfrentadas para que a Revista se concretizasse, os membros fundadores do periódico talvez não tenham tido condições de imaginar o quão longe seu ousado projeto chegaria. Hoje, trinta e sete edições (!) depois, podemos dizer que ali era o início de uma trajetória de sucesso. E que sucesso!

Criada no coração do curso de Direito da UFRN com o intuito inicial de estimular a pesquisa científica entre os alunos, nessas duas décadas de existência já foram publicados na In Verbis excelentes trabalhos de grandes nomes do cenário jurídico local e nacional, mas principalmente, textos de altíssimo nível escritos pelos próprios estudantes da casa, o que nos enche de alegria e orgulho.

Por esse motivo, ainda que a cada Edição tenhamos sempre razões para comemorar o encerramento de um semestre de muito esforço e dedicação, é certo que, para nós da Comissão Editorial, o lançamento desta Revista que o caro amigo leitor tem em mãos carrega consigo um gostinho especial.

Pensando nisso, decidimos que nesta trigésima sétima Edição iríamos buscar inspiração naquela primeira publicação lançada em 1995, como uma singela homenagem à história da Revista.

Um primeiro passo foi repaginar e atualizar a capa da In Verbis com base na imagem de cobertura do periódico pioneiro, de modo a prestigiar as origens da Revista e, ao mesmo tempo, torná-la esteticamente moderna e elegante.

Editorial

Page 6: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

Em seguida, como não poderia deixar de ser, convidamos a escrever o prefácio desta Edição o nosso estimado mestre Marcus Aurélio de Freitas Barros, professor da casa, atual membro do Conselho Editorial e membro da primeira Comissão Editorial da Revista.

Por último, pensando ainda nesse sentido, invitamos os nossos prezados Vladimir da Rocha França e Walter Nunes da Silva Júnior a participar com artigos convidados na presente impressão, vez que ambos foram ativos partícipes na concretização da Revista inaugural, respectivamente, como primeiro articulista e membro do Conselho Editorial original.

Finalmente, com a In Verbis em mãos, aproveitamos este espaço para agradecer a fé e confiança de nossos patrocinadores, a disponibilidade dos membros do nosso Conselho Editorial, bem como o interesse dos articulistas (e de todos os que submeteram seus trabalhos) no presente periódico, sem os quais nada disso seria possível. Agradecemos também aos nossos familiares e amigos pela paciência infinita e crença inabalável no nosso sucesso.

Olhar para trás e pensar que seis meses de trabalho duro deram frutos nos dá uma sensação de dever cumprido realmente única. Esperando conseguir fazer jus ao sucesso de vinte anos, desejamos a todos e todas uma proveitosa leitura.

A Comissão Editorial.

Page 7: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

Prefácio

É uma imensa honra e motivo de alegria indescritível ter sido convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista Jurídica In Verbis, prefaciar mais uma edição da nossa amada revista, que de há muito deixou de ser um sonho acalentado por poucos alunos e alguns professores, passando a se afirmar, categoricamente, como um dos maiores patrimônios dos discentes do curso de Direito da UFRN, além de um veículo que tem oferecido altíssima contribuição para a pesquisa jurídica, já que tem recebido artigos de estudantes e profissionais renomados da UFRN e de outras Universidades do Brasil.

A emoção de prefaciar esta edição é ainda maior pelo fato de o ano de 2015 ser marcante na história da Revista Jurídica In Verbis, já que é o ano em que se comemora a notável passagem de vinte anos de existência deste belíssimo periódico, que já deixou sua marca registrada no cenário acadêmico potiguar. Isso mesmo: 20 anos de In Verbis!

E o que mais encanta a todos que, de uma maneira ou de outra se sentem ligados à Revista Jurídica In Verbis, é que, nestes vinte anos de existência, sem dúvida, há muito – mas muito mesmo – a comemorar, podendo-se indicar fatos marcantes, conquistas expressivas, que chamam bastante a atenção para o nível de excelência que se alcançou ao passar dos anos.

Em primeiro lugar, não de pode perder de vista que a Revista Jurídica In Verbis se consolidou como a mais antiga revista jurídica do país feita exclusivamente por estudantes do curso de Direito. O que, no início, era um sonho distante, algo que parecia uma ousadia de poucos idealistas sem a real dimensão do que estava sendo construído, tornou-se um marco histórico para o país, algo grandioso.

As várias e várias gerações de estudantes de Direito receberam

Page 8: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

o projeto de seus idealizadores e, com mãos firmes e de forma cada vez mais competente e profissional, tornaram a Revista Jurídica In Verbis muito maior que um projeto acadêmico episódico. Transformaram a revista num verdadeiro patrimônio jurídico da UFRN, agregando valor ao curso de Direito e engrandecendo o conceito da Universidade, ajudando, inclusive, na consolidação do Mestrado em Direito da UFRN.

Segundo consegui colher com a atual Comissão Editorial, a nossa Revista Jurídica In Verbis, que comemora vinte longos anos de muito sucesso editorial, pode ser encontrada em locais de destaque, como as bibliotecas do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do Ministério da Justiça, da Advocacia Geral da União, do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, do TRT/RN, da Justiça Federal/RN, da Procuradoria da República/RN, do Tribunal de Justiça/RN, da OAB/RN, além de todas as bibliotecas centrais das universidades federais do Brasil. Vale comentar, inclusive, que, recentemente, Ministros do Superior Tribunal de Justiça e Conselho da Justiça Federal enviaram cartas à Comissão Editorial elogiando a qualidade dos artigos e parabenizando o projeto.

Na verdade, a Revista Jurídica In Verbis ultrapassou os limites territoriais do país, sendo distribuída em algumas universidades renomadas do exterior. A Universidade de Havard, nos EUA, uma das melhores do mundo, por exemplo, já reconheceu a qualidade do periódico, solicitando que os exemplares da revista continuem sendo enviados regularmente.

Outro aspecto deveras importante é que, sem dúvida, muitos dos autores potiguares que hoje nos deleitam com livros escritos, publicações de escol, tiveram oportunidade de publicar artigos – por vezes os primeiros de suas vidas acadêmicas – na Revista Jurídica In Verbis. Sem dúvida, o estímulo à produção jurídica, à pesquisa acadêmica, é uma das contribuições maiores desta vintenária revista jurídica.

Fica, pois, muito claro um sentimento pessoal que já expressei quando escrevi o prefácio da edição comemorativa dos quinze anos da revista, mas que pode ser bradado por muitos. O sentimento é de que: “Puxa vida, deu certo! Deu muito certo! Vivas aos estudantes de Direito e a todos que contribuíram com a In Verbis!”. Sinceramente, é muito bom ver florir e dar belos frutos esta árvore, tenra e nobre, que por tantos foi sendo cultivada ao longo de vinte anos.

Diante do contexto apresentado, todos os artigos que compõem mais esta edição da Revista Jurídica In Verbis, tanto os dos alunos como dos renomados professores, merecem ser lidos com atenção, pois integram uma publicação séria, criteriosa, que, após vinte anos de muito empenho e sólidas conquistas, já ocupa lugar de destaque no ambiente jurídico potiguar.

A sociedade potiguar, não tenho dúvidas, que já ofereceu à literatura

Page 9: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

jurídica nacional contribuições de autores do porte de Amaro Cavalcanti, Seabra Fagundes, Múcio Vilar Ribeiro Dantas, Raimundo Nonato Ferandes, José Augusto Delgado, dentre tantos outros antigos e mais recentes, que é impossível listar para não cometer graves injustiças, tem justos motivos e a honra de festejar efusivamente – e não é para menos – os vinte anos da Revista Jurídica In Verbis: a mais antiga Revista Jurídica do país feita exclusivamente por estudantes de Direito.

Parabéns, In Verbis! Que venham muitos, mas muitos anos mais!

Marcus Aurélio de Freitas BarrosCo-fundador da Revista Jurídica In Verbis,

Professor da UFRN e Promotor de Justiça/RN

Page 10: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista
Page 11: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

Artigos

Page 12: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista
Page 13: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

A ATUALIDADE DO GARANTISMO PENAL DE LUIGI FERRAJOLI NO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO

Luciana Ramos da SilvaAcadêmica do 7º período do Curso de Direito da UFRN

Luís Alfredo Macedo SoaresAcadêmico do 7º período do Curso de Direito da UFRN

RESUMO

O presente artigo científico perscrutará reexaminar o Sistema Garantista adotado no ordenamento jurídico brasileiro, refletindo-se acerca da sua pertinência na atualidade, tendo em vista que cada vez mais surgem teorias neoabsolutistas com esteio na defesa da segurança da sociedade. Para tanto, iniciar-se-á com uma revisitação do contexto histórico da origem e do desenvolvimento do garantismo penal, em âmbito global e nacional, permitindo-se compreender a conjuntura que o ensejou e o fomentou. Ato contínuo, perquirir-se-á apresentar as acepções e princípios do garantismo desenvolvidos por Luigi Ferrajoli, como forma de se entender as linhas teóricas nas quais se fundamenta. Por conseguinte, tecer-se-á uma análise crítica do pensamento penal autoritário contemporâneo, destacando-se, dentre elas, o Direito Penal do Inimigo enquanto Direito Penal da Terceira Velocidade e o Garantismo Integral e a sua crítica ao alcunhado Garantismo Monocular Hiperbólico. Por fim, intentar-se-á concluir, diante dos exames realizados, se o garantismo penal proposto por Luigi Ferrajoli cabe ser sustentado no ordenamento jurídico brasileiro atual.

Page 14: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

14 A ATUALIDADE DO GARANTISMO PENAL DE LUIGI FERRAJOLINO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Palavras-chave: Garantismo penal. Luigi Ferrajoli. Direito Penal do Inimigo. Direito Penal da Terceira Velocidade. Garantismo Integral. Garantismo Monocular Hiperbólico.

1 INTRODUÇÃO

É possível aferir, mediante uma persecução histórica, que o poder concedido ao Estado pelos indivíduos, em prol de um modelo de convivência social, pode não significar a almejada sociedade justa e harmônica, conforme se planejara. Isso porque, como se poderá conceber, o Estado, frente a sua maior força perante os cidadãos, tende a atuar de forma abusiva, propensa a utilizar o seu poder em prol dos interesses individuais de uma minoria que figura no topo da pirâmide social.

Em face disso, destaca-se a importância de que haja um modelo de Direito Penal e de Direito Processual Penal de caráter democrático, com aptidão tanto para legitimar o poder de punir, como também para limitá-lo, impedindo que esse seja exercido de forma arbitrária.

Nessa toada, realça-se o modelo garantista, desenvolvido principalmente pelo jurista Luigi Ferrajoli, que, no ano de 1989, publicou a sua obra mais ressaltante, intitulada Direito e Razão, Teoria do Garantismo Penal. Nesse trabalho, Ferrajoli apresentou um sistema, a ser perseguido pelos ordenamentos jurídicos, que visa aumentar as garantias dos cidadãos em face do poder de punir do Estado, buscando um convívio social mais justo e uma vida mais digna para os indivíduos, incluindo-se aqueles que praticam um ilícito penal.

É nesse cenário que se insere o presente artigo científico, no qual se buscará, em um primeiro momento, compreender o Sistema Garantista proposto por Luigi Ferrajoli, perpassando pela sua origem, acepções e axiomas. Ademais, perquirir-se-á, em um segundo momento, discutir a contemporaneidade do modelo garantista adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que este vem sendo alvo de frequentes questionamentos, embasados no discurso de uma sociedade de riscos e na ausência de proteção do direito social à segurança.

Page 15: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

15Luciana Ramos da Silva - Luís Alfredo Macedo Soares

2 UMA BREVE INCURSÃO HISTÓRICA ACERCA DA ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DO GARANTISMO PENAL

Ab initio, cumpre trazer que no interstício temporal compreendido entre o final do feudalismo e o início do liberalismo, a forma de organização estatal e social se fundamentou, principalmente, na tese do contrato social de Jean-Jacques Rousseau, publicada em 1762.

Segundo sua proposição, o indivíduo abdicaria de parte de sua liberdade e autonomia, deixando o seu estado de natureza, em prol da viabilização de uma convivência social harmoniosa.

Para tanto, o Estado seria atribuído de poderes e prerrogativas, dentre as quais se sublinha a posse exclusiva do ius puniendi, para poder coibir e reprimir as condutas consideradas deletérias para o corpo social. Nesse sentido, importante reproduzir os dizeres do filósofo contratualista, ao asseverar que: “A passagem do estado natural ao estado civil produziu no homem uma mudança considerável, substituindo em sua conduta a justiça ao instinto, e imprimindo às suas ações a moralidade que anteriormente lhes faltava” (ROUSSEAU, 2005, p. 33-34).

Foi com espeque nessa conjuntura que o marquês Cesare Beccaria elaborou suas críticas e pensamentos. Suas ideias, ressalta-se, constituíram, posteriormente, os pilares para o Direito Penal e o Direito Processual penal nos moldes que se conhece atualmente.

Destarte, Beccaria, em sua ilustre obra intitulada Dos Delitos e das Penas, publicada em 1764, apresentou, contudo, críticas assíduas às concepções de Rousseau, as quais, segundo o marquês, viabilizaram “concentrar no menor número [de indivíduos] os privilégios, o poder e a felicidade, e só deixar à maioria miséria e debilidade” (BECCARIA, 2002, p. 16). Desta feita, entendia o iluminista que a teoria de Rousseau proporcionava que o poder punitivo estatal fosse utilizado de forma arbitrária.

Nesse diapasão, propaga o marquês que a única finalidade do Direito Penal deveria ser a proteção dos bens jurídicos individuais, em que a intervenção penal poderia ocorrer apenas na medida mínima imprescindível para resguardá-los. No entendimento do célebre autor, “somente a necessidade obriga os homens a ceder uma parcela de sua liberdade; disso advém que cada qual apenas concorda em pôr no depósito comum a menor porção possível dela” (BECCARIA, 2002, p. 19). Destaca-se, por derradeiro, que as ideias defendidas por Cesare Beccaria podem ser localizadas hoje em diversos princípios que regem os direitos fundamentais atualmente reconhecidos, os

Page 16: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

16 A ATUALIDADE DO GARANTISMO PENAL DE LUIGI FERRAJOLINO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

quais se fazem amplamente consagrados em diversas constituições.Contudo, esses e outros direitos fundamentais apenas passaram a

emergir politicamente a partir do século XVIII, tendo como mola propulsora as revoluções liberais ocorridas nos Estados Unidos, em 1776, e na França, em 1789.

Fora nesse contexto que o garantismo penal nasceu na Europa continental, surgindo como uma corrente da Criminologia Crítica, em meio aos avanços das concepções de que o Direito Penal deveria servir como instrumento de limitação da forma de agir do governo em sua utilização do ius puniend (MAGALHÃES, 2010, p. 187).

Todavia, o garantismo penal ganhara força, de fato, apenas na década de 70 (setenta), num contexto em que o governo italiano, de caráter manifestamente fascista, teve que lidar com grupos políticos que se utilizavam de práticas consideradas terroristas. Para tanto, fora editada uma legislação antiterrorista considerada desproporcional. Desta feita, evoluiu, nesse cenário, o garantismo penal, defendendo limites às manifestações penais desarrazoadas por parte dos governantes. Nesse sentido, introduz Salo de Carvalho (2008, p. 26) em Penas e Garantias que:

Como adverte Ferrajoli, é ilusório pensar que pode existir um ‘bom poder’ capaz de tutelar direitos sem a mediação de complexos sistemas normativos de garantias com capacidade de limitá-lo, vinculá-lo, instrumentalizando-o e, se necessário, deslegitimá-lo e neutralizá-lo.

Fora nessa conjuntura que o considerado maior expoente do garantismo penal, o italiano Luigi Ferrajoli, elaborou a sua tese. A sua mais renomada obra, que pode ser traduzida como Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal, trouxe dez princípios básicos a serem observados pelos sistemas penais. Tais axiomas, bem como o modelo penal e processual penal proposto, em síntese, têm a função de limitar o poder punitivo absoluto do Estado. Destarte, Luigi Ferrajoli (2002, p. 682) traz três significados para o Sistema Garantista, como este sendo, simultaneamente, “um parâmetro de racionalidade, de justiça e de legitimidade da intervenção punitiva”.

No Brasil, por sua vez, destaca-se que fora criado, em 1940, um Código Penal e em 1941 um Código de Processo Penal, ambos de influência italiana, de caráter nitidamente rígido, autoritário e de cunho ideológico fortemente penalizador. Nas palavras de Zaffaroni e Pierangeli sobre o Código Penal brasileiro (2002, p. 222-223):

Page 17: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

17Luciana Ramos da Silva - Luís Alfredo Macedo Soares

Seu texto corresponde a um ‘tecnicismo jurídico’ autoritário que, com a combinação de penas retributivas e medidas de segurança indeterminadas (própria do código de Rocco), desemboca numa clara deterioração da segurança jurídica e converte-se num instrumento de neutralização de ‘indesejáveis’, pela simples deterioração provocada pela institucionalização demasiadamente prolongada.

Ademais, salienta-se que, posteriormente, houve um longo período de ditadura militar (1964-1985), em que os mais diversos direitos foram violados sob a justificativa de uma necessidade de se manter a ordem social, frente aos ditos perigos das ameaças comunistas. Esse período, contudo, fora marcado, além do desrespeito a diversas garantias, por mortes, desaparecimentos, torturas, bem como pelo advento de uma democracia assinalada pela impunidade frente aos responsáveis por todos os arbítrios cometidos.

Contudo, despontou um movimento de redemocratização do país, o qual culminou com o advento da Constituição Federal de 1988. A Lex Mater fora alcunhada de Constituição Cidadã, pelo então presidente do Congresso Nacional, Ulysses Guimarães, a qual “merece este adjetivo exatamente pela ausência de garantias anteriores que não faziam do Brasil um Estado Democrático de Direito” (ALBUQUERQUE, 2011, p. 07).

Nessa esteira, com a ascendência de novos marcos teóricos, sociais, políticos e jurídicos, a partir da metade da década de 1990, deflagraram-se manifestações doutrinárias mais enfáticas no sentido da necessidade de aplicação, também no Brasil, do garantismo penal (FISCHER, 2009, p. 01-02). Nesse contexto, passou-se a compreender como descabidos os comportamentos arbitrários por parte do Estado ao exercer o seu dever de punir, por incompatibilidade com os direitos individuais e com o espírito de uma Constituição democrática.

3 APONTAMENTOS TEÓRICOS ACERCA DO GARANTISMO PENAL DE LUIGI FERRAJOLI

Conforme já trazido, o garantismo penal teve como figura de maior destaque, pelo desenvolvimento teórico e cientifico apresentado, o jurista Luigi Ferrajoli. Este, em sua obra Direito e Razão, estabelece as bases conceituais e metodológicas do Sistema Garantista.

Page 18: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

18 A ATUALIDADE DO GARANTISMO PENAL DE LUIGI FERRAJOLINO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Deste modo, Ferrajoli, em verdade, cria uma teoria do garantismo, estabelecendo pressupostos a serem atendidos em especial na seara penal. Para tanto, o autor traz as acepções do termo garantismo e apresenta os dez axiomas que constituem o modelo a ser seguido, principalmente, pelo Direito Penal e pelo Direito Processual Penal dos ordenamentos jurídicos.

3.1 As acepções do termo garantismo

Luigi Ferrajoli traz, em sua obra, que é possível distinguir três acepções da palavra garantismo, as quais, embora diferentes, conectam-se entre si.

Na primeira acepção, o garantismo se apresenta como um modelo normativo de direito, o qual se firma no princípio da legalidade, a base de um Estado de Direito. Esse arquétipo, contudo, é apresentado com três facetas distintas.

Sob o aspecto epistemológico, manifesta-se como um sistema de poder mínimo. No plano político, por sua vez, mostra-se como um sistema que permite reduzir o nível de violência e aumentar a liberdade dos indivíduos de uma dada sociedade. Por fim, sob o viés jurídico, caracteriza-se como um sistema criado pelo Estado para limitar o poder punitivo deste, em prol da garantia dos direitos dos cidadãos. (FERRAJOLI, 2002, p. 684).

Na segunda acepção, o garantismo se manifesta como uma teoria jurídica que redefine a concepção de validade, vigência e efetividade no direito penal, à luz de um Estado Constitucional de Direito, o qual congloba uma serie de princípios ético-políticos, colocados no patamar de estatutos fundamentais. Dessarte, o garantismo estabelece uma distinção entre o ser e o deve ser do direito e coloca como questão teórica nuclear a diferença encontrada nos ordenamentos jurídicos modernos entre os modelos normativos e as práticas operacionais (FERRAJOLI, 2002, p. 684-685). Nesse sentido, mister trazer as seguintes considerações:

Com relação à validade, o Garantismo rompe com a tradição positivista que reduzia a validade de uma norma à sua eficácia ou à sua mera validade formal ou vigência (existência jurídica) ao demonstrar que uma norma para ser válida deve obedecer não somente aos seus requisitos procedimentais, mas também aos substanciais. A correspondência aos critérios formais de produção normativa, por sua vez, confere à norma o conceito garantista de vigência. A eficácia, na análise

Page 19: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

19Luciana Ramos da Silva - Luís Alfredo Macedo Soares

garantista, reside na observação da clivagem entre modelos normativos (tendencialmente garantistas) e suas práticas efetivas (tendencialmente antigarantistas), demonstrando que os primeiros são válidos, porém ineficazes e as segundas são eficazes, mas inválida (BORTOLI, 2006, p. 04).

Ademais, mister também apresentar as palavras de Douglas Fischer (2009, p. 6), que, interpretando as ideias de Ferrajoli, sintetiza que “o juiz não tem obrigação jurídica de aplicar leis inválidas (incompatíveis com o ordenamento constitucional), ainda que vigentes”.

Por derradeiro, a terceira acepção exposta por Ferrajoli traz que o garantismo designa uma filosofia política que coloca ao Direito e ao Estado o ônus de legitimação externa, ética e política, com fundamento nos bens e nos interesses que têm por finalidade a tutela ou a garantia. Conforme preleciona Ferrajoli (2002, p. 685):

Neste último sentido o garantismo (pressupõe) a doutrina laica de separação entre o direito e moral, entre validade e justiça, entre ponto de vista interno e ponto de vista externo na valoração do ordenamento, ou mesmo entre o “ser” e o “dever ser” do direito.

3.2 Os dez axiomas do garantismo penal

Luigi Ferrajoli apresenta, em sua obra, o Sistema Garantista (SG) como um arquétipo de política criminal de mínima intervenção por parte do Estado. Nas lições de Alexandre Wunderlich e Rodrigo Oliveira (2008, p. 65) “O Garantismo tem sido entendido como parâmetro de racionalidade, de justiça e de legitimação da intervenção punitiva” [grifo do autor].

O Sistema proposto alicerça-se sobre dez axiomas, os quais, segundo o próprio jurista, “não expressam proposições assertivas, mas proposições prescritivas” (FERRAJOLI, 2002, p. 74), que “não enunciam as condições que um sistema penal efetivamente satisfaz, mas as que deve satisfazer em adesão aos seus princípios normativos internos e/ou a parâmetros de justificação externa” (FERRAJOLI, 2002, p. 74).

Portanto, os axiomas garantistas elencados por Ferrajoli compõem um conjunto de dever ser estruturador de um modelo garantista de direito penal e de responsabilidade penal, a ser perseguido pelos Estados de Direito, os quais podem alcançá-lo em proporções diversas. Desta feita, Luigi Ferrajoli expõe um conjunto de implicações deônticas, ou princípios, que devem ser

Page 20: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

20 A ATUALIDADE DO GARANTISMO PENAL DE LUIGI FERRAJOLINO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

observados na responsabilização penal e aplicação da pena como forma de se impor limites ao exercício do poder punitivo1.

O autor, então, elenca dez axiomas ou princípios axiológicos, os quais se expressam, com esteio na tradição escolástica, nas seguintes máximas latinas (FERRAJOLI, 2002, p. 74-75):

A1 Nulla poena sine crimine A2 Nullum crimen sine lege A 3 Nulla lex (poenalis) sine necessitateA4 Nulla necessitas sine injuriaA5 Nulla injuria sine actione A6 Nulla actio sine culpa A7 Nulla culpa sine judicio A 8 Nullum judieium sine accusatione A9 Nulla accusatio sine probatione A10 Nulla probatio sine defensione

Sublinha-se que o teórico do garantismo separa tais princípios do Sistema de Garantias entre penais e processuais penais, a partir do que cada um expressa. Nesse sentido, assim aduzem Alexandre Wunderlich e Rodrigo Oliveira (2008, p. 66) acerca dessa distinção promovida pelo filósofo do garantismo:

Para Ferrajoli o Sistema de Garantias é estruturado numa relação biunívoca. São dois sistemas de garantias, entre os quais há uma íntima relação, tanto no plano estrutural como funcional na medida em que as garantias apenas conseguem ser efetivas quando sejam objeto de um juízo (processo) no qual restem asseguradas ‘al máximo la imparcialidad, la veracidad y el control’ [grifos do autor]

Luigi Ferrajoli, então, assim denomina os princípios do Sistema Garantista:

1) princípio da retributividade ou da consequencialidade da pena em relação ao delito; 2) princípio da legalidade, no sentido lato ou no sentido estrito; 3) princípio da necessidade

1 Cada uma das implicações deônticas - ou princípios - de que se compõe todo modelo de direito penal enuncia, portanto, uma condição sine qua non, isto é, uma garantia jurídica para a afirmação da responsabilidade penal e para a aplicação da pena.

Page 21: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

21Luciana Ramos da Silva - Luís Alfredo Macedo Soares

ou da economia do direito penal; 4) princípio da lesividade ou da ofensividade do evento; 5) princípio da materialidade ou da exterioridade da ação; 6) princípio da culpabilidade ou da responsabilidade pessoal; 7) princípio da jurisdicionariedade, também no sentido lato ou no sentido estrito; 8) princípio acusatório ou da separação entre juiz e acusação; 9) princípio do ônus da prova ou da verificação; 10) princípio do contraditório ou da defesa, ou da falseabilidade.

Diante da impossibilidade de se discorrer acerca de cada um dos princípios elencados, uma vez que o foco do presente momento é apenas uma lacônica adução do garantismo proposto por Luigi Ferrajoli, apenas ressalta-se, dentre as garantias listadas, a jurisdicionalidade como a principal garantia processual, uma vez que consiste em um pressuposto de todas as demais.

Portanto, por meio desses dez princípios, Luigi Ferrajoli apresenta o modelo garantista de responsabilidade penal, que manifesta direitos que devem ser asseguradas aos indivíduos, mediante a restrição do ius puniendi, de forma que esse seja afastado, ao máximo, de sua histórica arbitrariedade.

4 ANÁLISE DOS PENSAMENTOS PENAIS AUTORITÁRIOS CONTEMPORÂNEOS

Em contrapartida, várias teorias surgiram com o objetivo de desqualificar o modelo de Direito Penal e Processo Penal trazido pelo garantismo penal. Dentre elas, destaca-se o entendimento desenvolvido pelos professores Günter Jakobs e Manuel Cancio Meliá, denominado Direito Penal do Inimigo, em livro homônimo, o qual também foi adotado pelo doutrinador Jesús-María Silva Sánchez, em sua teoria de Expansão do Direito Penal.

Além disso, outros posicionamentos brotaram no intuito de apresentar uma releitura da doutrina de Ferrajoli, atenuando-a com o discurso de garantir o direito à segurança da sociedade. Destarte, propõe-se a analisar brevemente tais correntes doutrinárias, que podem ser denominadas de pensamentos penais autoritários contemporâneos, ressaltando suas principais características e contrapontos com o Sistema Garantista.

4.1 Direito Penal do Inimigo: Terceira Velocidade do Direito Penal

A teoria do Direito Penal do Inimigo traz à baila a concepção de que

Page 22: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

22 A ATUALIDADE DO GARANTISMO PENAL DE LUIGI FERRAJOLINO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

existem dois tipos diferentes de agentes infratores da norma penal: o cidadão que pratica um crime e o inimigo. Definem os autores como inimigo “quem, por princípio, se conduz de modo desviado [e assim] não oferece garantia de um comportamento pessoal. Por isso, não pode ser tratado como cidadão, mas deve ser combatido como inimigo” (JAKOBS, MELIÁ; 2007, p. 49). Assim, qualificam-se nesta categoria os agentes praticantes de “crimes econômicos, de terrorismo, da criminalidade organizada, de delitos sexuais e de outras infrações perigosas” (JAKOBS, MELIÁ; 2007, p. 35). Como bem definem Aline Bianchini e Luiz Flávio Gomes (2006, p. 02), “é inimigo quem se afasta de modo permanente do Direito e não oferece garantias cognitivas de que vai continuar fiel à norma”.

Deste modo, o inimigo, por não obedecer às regras estipuladas para a convivência em sociedade – sob os fundamentos teóricos de Rousseau, Fichte, Hobbes e Kant –, não seria considerado um cidadão, possuidor de direitos fundamentais, mas sim uma não-pessoa, a qual não seria sujeito das garantias processuais previstas no ordenamento jurídico. Portanto, ao inimigo se aplicaria um procedimento penal diferenciado daquele disposto para o cidadão, denominado de Direito Penal do Inimigo, que se assemelha àqueles estabelecidos em tempos de guerra.

Por conseguinte, BIANCHINI e GOMES (2006, p. 04-05) apresentam como as principais características processuais do Direito Penal do Inimigo:

a) flexibilização do princípio da legalidade (descrição vaga dos crimes e das penas); b) inobservância de princípios básicos como o da ofensividade, da exteriorização do fato, da imputação objetiva, etc.; c) aumento desproporcional de penas; d) criação artificial de novos delitos (delitos sem bens jurídicos definidos); e) endurecimento sem causa da execução penal; f ) exagerada antecipação da tutela penal; g) corte de direitos e garantias processuais e fundamentais; h) infiltração descontrolada de agentes policiais; i) uso e abuso de medidas preventivas ou cautelares (interceptação telefônica sem justa causa, quebra de sigilos não fundamentados ou contra lei); j) medidas penais dirigidas contra quem exerce atividade lícita (bancos, advogados, joalheiros, leiloeiros, etc.).

Neste esteio, os ditames do Direito Penal do Inimigo mostraram-se difundidos, apropriados e adequados a novos contextos sociais por diversas correntes doutrinárias ao redor do mundo. Em especial, podem-se destacar os ensinamentos do professor Jesús-María Silva Sanchez, que incorporou a

Page 23: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

23Luciana Ramos da Silva - Luís Alfredo Macedo Soares

doutrina de Jakobs e Melliá a sua teoria de Expansão do Direito Penal e das Velocidades do Direito Penal, classificando-a como a terceira velocidade do direito penal.

Deste modo, Silva Sánchez discorre que o Direito Penal do Inimigo tratar-se-ia de uma nova modalidade de relação político-penal entre o Estado e seu cidadão, ou, no caso, não-cidadão. Conforme explicita o referido doutrinador (SILVA SÁNCHEZ, 2001, p. 163), concebeu-se inicialmente o Direito Penal representado por duas velocidades: a primeira consistiria no direito penal do cárcere, relativo às infrações punidas com penas privativas de liberdade e caracterizado pela rigidez na aplicação dos princípios políticos-criminais, das regras de imputação penal e dos princípios processuais; por sua vez, a segunda velocidade abarcaria as condutas em que, por se demonstrarem casos de aplicação de penas restritivas de direitos ou pecuniárias, mostrar-se-ia possível a flexibilização dos princípios e regras devidos, proporcionalmente à lesividade propiciada pela conduta.

Nesse contexto, o Direito Penal do Inimigo encontrar-se-ia em outro patamar, o qual foi classificada por Silva Sánchez como uma terceira velocidade. Tal categoria consistiria no encontro entre o direito penal do cárcere e uma ampla relativização das garantias político-criminais, das regras de imputação e dos critérios processuais inerentes ao direito processual penal, o que, segundo o autor, poderia demonstrar-se efetivo se aplicado a situações excepcionais, de acordo com o potencial lesivo da conduta (SILVA SÁNCHEZ, 2001, p. 163-164). Ainda, Silva Sánchez (2001, p. 166) defende a legitimação da aplicação da terceira velocidade perante os indivíduos não-cidadãos, argumentando que:

Tratándose de reacciones ceñidas a lo estrictamente necesario para hacer frente a fenómenos excepcionalmente graves, que puedan justificarse en términos de proporcionalidad y que no ofrezcan peligro de contaminación del Derecho penal de la normalidad, seguramente cabría admitir que, aunque en el caso del Derecho penal de la tercera velocidad nos hallemos ante un mal, éste pueda ser el mal menor.

4.2 Garantismo Integral e a crítica ao denominado “Garantismo Monocular Hiperbólico”

De ínicio, cabe ressaltar que tal vertente doutrinária dispõe que o garantismo penal surgiu em uma época em que o acusado era visto como objeto, e não como sujeito do processo penal, o que denotava, deste modo,

Page 24: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

24 A ATUALIDADE DO GARANTISMO PENAL DE LUIGI FERRAJOLINO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

no desrespeito de seus direitos e garantias fundamentais pelo Estado. Assim, o Sistema Garantista mostrara-se, naquele contexto, essencial para a proteção dos direitos individuais do acusado.

Entretanto, com o desenvolvimento da doutrina dos direitos fundamentais, que em um dado momento desaguou no nascimento dos direitos fundamentais de segunda geração, mudou a percepção do papel do Estado nesse campo. Como bem elenca CARBONELL (apud FISCHER, 2009, p. 16):

en el modelo del Estado Social los poderes públicos dejan de ser percibidos como enemigos de los derechos fundamentales y comienzan a tomar, por el contrario, el papel de promotores de esos derechos, sobre todo de los de carácter social.

Em contrapartida, segundo as críticas apresentadas, as manifestações

doutrinárias e jurisprudenciais predominantes não atentam para este dever estatal, aplicando somente os preceitos garantistas para resguardar os direitos e garantias do acusado. Portanto, o sistema penal não estaria cumprindo a sua função social. Nesse cenário, nasce o garantismo integral, o qual defende, em suma, que o Estado deve mitigar a proteção dos direitos individuais, para albergar os direitos sociais e coletivos, dentre eles o da segurança. Conforme preceitua Fischer (2009, p. 16-17), “o processo criminal e a respectiva imposição de pena aos infratores é uma forma de, mediante as irradiações dos efeitos da prevenção geral positiva, garantir a segurança e convivência entre os pares que não infringiram o ordenamento jurídico”.

5 REAFIRMAÇÃO DO GARANTISMO PENAL DE LUIGI FERRAJOLI NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Malgrado a difusão de posicionamentos doutrinários em oposição ao Sistema Garantista, como os que foram expostos acima, impera a necessidade de convalidar os preceitos e fundamentos garantistas de Luigi Ferrajoli, sobretudo diante do estado caótico do ordenamento jurídico político-criminal brasileiro. Portanto, buscar-se-á questionar tais alicerces dessas correntes neoabsolutistas, chegando-se a uma necessária reafirmação do garantismo penal proposto do Ferrajoli.

Page 25: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

25Luciana Ramos da Silva - Luís Alfredo Macedo Soares

Desta feita, é cediço que em algumas sociedades contemporâneas, a qual se inclui a brasileira, são deveras frequentes os discursos pautados na lógica do medo, no incremento da violência e no fomento da ideia de que o endurecimento dos sistemas jurídico-penais solucionará a problemática da criminalidade.

Todavia, a experiência vem demonstrando que a utilização do Direito Penal como um projeto político-criminal bélico, muitas vezes, inclusive, em um falacioso caráter de emergência, contra os considerados inimigos da sociedade, não vem atingindo a buscada segurança, servindo, contudo, apenas para macular a própria democracia pelas decorrentes violações de direitos fundamentais. Nesse sentido, mister expor os ensinamentos de Salo de Carvalho (2006, p. 265-266):

Lógico, contudo, que se pode perceber, pela assunção acrítica e pela naturalização do fenômeno da emergência como regulador da normalidade, o apego ao autoritarismo e a vontade de punitividade, tanto pelos operadores das agências penais quanto pelo seu público espectador (senso comum teórico, every day theories). O desejo generalizado de punição realiza o velamento da percepção de que o processo de construção da democracia é lento e sutil, instaurando, na realidade dura da programação repressiva, uma democracia de superfície capturada pela densidade punitiva.

Assim, percebe-se que entendimentos absolutamente repressores, baseados na supervalorização e uso exacerbado do direito penal como combate à criminalidade, não apresentam os fins desejados por seus idealizadores; ao contrário, “a confiança na capacidade da tecnologia penal solucionar problemas como o das drogas e do terrorismo (narcisismo penal) obtém como resultado a maximização incontrolável e a generalização desmesurada da repressão” (CARVALHO, 2006, p. 226). Dessa forma, coaduna-se com as palavras de Zaffaroni (apud CARVALHO, 2006, p. 226), ao brilhantemente destacar que:

Una Política Criminal, que sueñe con que su objetivo sea la erradicación será absurda, porque el delito, en su contenido concreto, es un concepto cultural y, por ende, relativo, históricamente condicionado. Siempre habrá delitos, siempre habrá conductas jurídicamente prohibidas y reprochables

Ademais, insta-se pontuar que o garantismo penal ainda se

Page 26: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

26 A ATUALIDADE DO GARANTISMO PENAL DE LUIGI FERRAJOLINO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

manifesta como um modelo necessário para a atual conjuntura da democracia brasileira. Assim se faz pertinente aduzir, uma vez que é lugar comum entre os críticos da manutenção do Sistema Garantista no ordenamento jurídico pátrio o argumento de que não mais subsiste o contexto histórico que deu margem para a origem e o afloramento do sistema de garantias de Luigi Ferrajoli.

De fato, consoante a breve incursão histórica realizada alhures, a origem e evolução do garantismo penal no mundo, bem como a sua adoção no ordenamento brasileiro, deflagrou-se em palcos marcados pelo autoritarismo dos governantes e por intensas violações dos direitos fundamentais.

Entretanto, infelizmente, o Brasil ainda se encontra em um patamar de democracia incompleta, apresentando fortes resquícios dos períodos ditatoriais. Diante disso, o fomento e a perpetuação do garantismo em âmbito penal consistem em uma imposição da conjuntura contemporânea que insta ainda por uma maior estruturação do Estado Democrático de Direito. Nesse esteio, impera transmitir as lições de Alexandre Wunderlich e Rodrigo de Oliveira (2008, p. 64), ao aduzir que:

Cabe lembrar, por oportuno, que a adoção da teoria do garantismo, principalmente na esfera penal – foco (ainda) muito vivo de violações dos direitos fundamentais, sobretudo pela repugnante ausência de técnica legislativa, e pela descodificação penal -, é imperiosa para que se possa construir uma sociedade (verdadeiramente) aberta, plural e multicultural, onde o controle da violência-criminalidade não seja marcado pela divisão entre os “cidadãos de bem” e os supostos “inimigos”.

Outrossim, necessário se faz ressalvar que o discurso de contraposição entre o garantismo penal e a segurança não merece guarida, consistindo em uma inverdade afirmada ao público consumidor do medo exacerbado da criminalidade e do discurso de necessidade um defesa social de qualquer forma e a qualquer custo. Conforme adverte Luigi Ferrajoli (2002, p. 310):

Frente à artificial função de defesa social, não é arriscado afirmar que o conjunto das penas cominadas na história tem produzido ao gênero humano um custo de sangue, de vidas e de padecimento incomparavelmente superior ao produzido pela soma de todos os delitos.

Entretanto, “não existe dicotomia entre a manutenção dos direitos e garantias individuais e a criação/manutenção de sistemas democráticos de

Page 27: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

27Luciana Ramos da Silva - Luís Alfredo Macedo Soares

controle da criminalidade. O choque de perspectivas somente pode ser real se se optar por modelos persecutórios autoritários” (CARVALHO, 2006, p. 11).

Desta feita, entende-se que é perfeitamente cabível e necessário que, em um Estado Democrático de Direito, os direitos e garantias dos cidadãos consistam nos pilares de sustentação de qualquer ação de combate à violência. Portanto, torna-se imperioso que os governantes imprimam a máxima efetividade tanto dos direitos individuais, quanto dos direitos sociais, sem fazer à desnecessária e antidemocrática opção política de uns em detrimento de outros.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o presente trabalho, pôde-se denotar a importância da teoria do garantismo penal para a efetivação dos direitos fundamentais do cidadão no âmbito do processo penal e do direito penal, constituindo-se em um passo revolucionário para a humanização da atividade punitiva do Estado.

Inicialmente, buscou-se apresentar o contexto histórico de origem e desenvolvimento desta teoria, o qual fora marcado pelo autoritarismo do governo italiano. Nesse cenário, esta doutrina fora, em resposta àquela conjuntura, brilhantemente sistematizada no livro Direito e Razão por Luigi Ferrajoli, a qual exerce influência em diversos ordenamentos jurídicos modernos, sobretudo no Brasil, desde o processo de redemocratização pós-ditadura militar.

Após a contextualização da teoria garantista, intentou-se esmiuçar as características essenciais do modelo de Direito Penal e Processo Penal em espeque, sobretudo enfatizando as acepções do termo garantismo e perpassando para uma apresentação de seus axiomas. Desta feita, tornou-se possível uma precisa exposição do Sistema Garantista proposto por Ferrajoli a ser perseguido pelos ordenamentos jurídicos que perscrutem a efetivação de um sistema democrático de direitos.

Ato contínuo, explicitou-se as principais doutrinas que refletem um posicionamento contrário aos ditames garantistas, uma vez que apresentam forte questionamento, na contemporaneidade, aos ordenamentos jurídicos que adotam o Sistema Garantista. Deste modo, analisou-se o Direito Penal do Inimigo, teoria que se destaca por dois pontos: a) diferenciação entre o cidadão e o alcunhado inimigo; e b) flexibilização dos princípios e regras garantistas em conjunto com a aplicação do mais repressivo ato estatal, o que foi classificado

Page 28: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

28 A ATUALIDADE DO GARANTISMO PENAL DE LUIGI FERRAJOLINO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

por Jesús-María Silva Sánchez como a terceira velocidade do direito penal. Ademais, também se destacou a vertente do Garantismo Integral, que defende, fundamentando-se em uma questionável ideia de defesa da sociedade, a mitigação de direitos e garantias individuais dos acusados.

Contudo, malgrado a teoria garantista não esteja isenta de críticas, pois não há de ser uma teoria absolutamente perfeita, impôs-se a necessidade de reafirmação do garantismo penal adotado no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que os discursos que o contestam não se sustentam frente uma análise mais acurada sob a ótica da democracia. Apesar das críticas sobreditas, prevaleceram-se as seguintes conclusões: a) o aumento da repressão estatal penal não alcança a almejada segurança; b) o atual estágio ainda deficitário de democracia que o Brasil se encontra torna imperiosa a manutenção de um sistema garantista; e c) não há uma oposição entre os direitos sociais e os direitos individuais, sendo imperativo que um Estado Democrático de Direito promova a máxima efetivação de ambos.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, Marinson Luiz. O “garantismo penal” aplicado ao direito administrativo disciplinar no âmbito da PMPR. 2011. Disponível em: <http://www.aprapr.org.br/wp-content/uploads/2014/01/O-“GARANTISMO-PENAL”-aplicado-ao-Direito-Adminstrativo-Disciplinar-no-âmbito-da-PMPR.pdf>. Acesso em: 03 nov. 2014.

BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Martin Claret, 2002. Tradução: Torrieri Guimarães.

BORTOLI, Adriano de. Garantismo Jurídico, Estado Constitucional de Direito e Administração Pública. Florianópolis: Cesusc, 2006. Disponível em: <http://virtual.cesusc.edu.br/portal/externo/revistas/index.php/cadernos/article/viewFile/31/24>. Acesso em: 06 nov. 2014.

CARVALHO, Salo de. Penas e Garantias. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.______. Política de Guerra às Drogas na América Latina entre o Direito

Page 29: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

29Luciana Ramos da Silva - Luís Alfredo Macedo Soares

Penal do Inimigo e o Estado de Exceção Permanente. In: Revista Crítica Jurídica: Revista Latinoamericana de Política, Filosofía y Derecho. Ciudad Universitaria: Crítica Jurídica A.C., n. 25, jul/dic. 2006. Disponível em: <http://www.revistas.unam.mx/index.php/rcj/article/viewFile/16749/15948>. Acesso em: 06 nov. 2014.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002.

FISCHER, Douglas. Garantismo penal integral (e não o garantismo hiperbólico monocular) e o princípio da proporcionalidade: breves anotações de compreensão e aproximação dos seus ideais. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 28, mar. 2009. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao028/douglas_fischer.html> Acesso em: 01 set. 2014.

GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. Direito penal do inimigo e os inimigos do direito penal. Revista Ultima Ratio. Coord. Leonardo Sica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, ano 1, p 329-356.

JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: noções e críticas. 2ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2007.

MAGALHÃES, Vlamir Costa. O garantismo penal integral: enfim, uma proposta de revisão do fetiche individualista. SJRJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 29, p.185-199, dez. 2010. Disponível em: <http://www4.jfrj.jus.br/seer/index.php/revista_sjrj/article/viewFile/205/205>. Acesso em: 27 ago. 2014.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social e outros escritos. 15ª Ed. São Paulo: Cultrix, 2005.

Page 30: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

30 A ATUALIDADE DO GARANTISMO PENAL DE LUIGI FERRAJOLINO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. La Expansión del Derecho Penal: aspectos de la política criminal en las sociedades postindustriales. 2ª Ed. Madrid: Civitas, 2001.

ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique.  Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 4ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

WUNDERLICH, Alexandre; OLIVEIRA, Rodrigo Morais de. Resistência, Prática de Transformação Social e Limitação do Poder Punitivo a partir do Sistema de Garantias: Pela (Re)afirmação do Garantismo Penal na Contemporaneidade. In: Política Criminal Contemporânea – Criminologia, Direito Penal e Direito Processual Penal. WUNDERLICH, Alexandre (org.). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

THE CONTEMPORARY SITUATION OF LUIGI FERRAJOLI’S CRIMINAL GARANTISM IN THE BRAZILIAN LEGAL SYSTEM

ABSTRACT

This scientific article peer into review the Garantism System adopted in the Brazilian legal system, reflecting about its relevance nowadays, once more and more neoabsolutist theories arise in defense of the society’s security. In that reason, it begin with a brief review of the historical context of the origin and development of criminal garantism in global and national levels, allowing yourself to understand the circumstances that gave rise and fostered. Immediately thereafter, it assert to present the meanings and principles developed by Luigi Ferrajoli’s garantism as a way to understand the theoretical lines which it is based. Therefore, a critical analysis of contemporary authoritarian criminal thinking will weave-up, highlighting, among them, the Criminal Law of

Page 31: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

31Luciana Ramos da Silva - Luís Alfredo Macedo Soares

the Enemy as Criminal Law and the Third Speed and the Integral Garantism and its critics to the known Monocular Hyperbolic Garantism. Finally, it will bring up-complete, before the exams, the criminal garantism. proposed by Luigi Ferrajoli fit to be sustained in the current Brazilian law.

Keywords: Criminal Garantism. Luigi Ferrajoli. Criminal Law of the Enemy. Criminal Law of the Third Speed. Integral Garantism. Hyperbolic Molecular Garantism.

Page 32: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista
Page 33: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

ADOÇÃO INTERNACIONAL: ANÁLISE DO QUADRO LEGAL INTERNO E DISPOSIÇÕES DO

DIREITO INTERNACIONAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Angelus Emilio Medeiros de Azevedo MaiaBacharel em Direito pela UFRN

Advogado

Hayanne Hackradt Saraiva da CostaAssessora Ministerial

RESUMO

A Constituição Federal do Brasil coloca as crianças e adolescentes em destacada proteção, frisando a importância da convivência familiar e comunitária em seu desenvolvimento. Desta maneira, a adoção mostra-se como meio de garantir tal convivência, criando-se entre o adotante e o adotado uma relação jurídica de caráter parental/familiar, podendo ser realizada internacionalmente, quando o adotante tem país residência habitual distinto do adotado. Contudo, em razão do risco da transferência da criança ou adolescente do Brasil para outro país é que o regime jurídico se encontra autorizado a dar tratamento diferenciado e mais rigoroso. Portanto, através de pesquisa bibliográfica e do exame de diplomas normativos e tratados internacionais, busca-se analisar a compatibilidade e adequação das disposições legais internas, que regulam o processo de adoção internacional, com a estrutura normativa dos direitos humanos internacionais da criança e do adolescente e verificar se há efetiva tutela dos interesses do adotando.

Page 34: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

34 ADOÇÃO INTERNACIONAL: ANÁLISE DO QUADRO LEGAL INTERNO E DISPOSIÇÕES DO DIREITO INTERNACIONAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Palavras-chave: Adoção internacional. Direito internacional da criança e do adolescente. Direito de família.

1 INTRODUÇÃO

Adoção internacional (ou transnacional) é o ato jurídico pelo qual o adotante possui domicílio em um determinado país enquanto o adotado tem residência habitual em outro, formando-se, entre o adotante e o adotado, uma nova relação jurídica, de caráter parental/familiar.

Atualmente, a Constituição brasileira, em sua máxima efetividade, não sopesa o parentesco sanguíneo em relação ao parentesco civil/afetivo e vice-versa, tampouco dando à adoção internacional um tratamento menos atencioso. Nesse sentido, o § 5º do artigo 227 da Carta Magna dispõe que a adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros, o que nos remete às alterações feitas no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), no ano de 2009, pertinentes ao tema.

É precisamente em razão dos riscos implicados na adoção internacional, isto é, na transferência da criança ou adolescente do Brasil para outro país, que o regime jurídico se encontra autorizado a dar tratamento diferenciado e até mesmo mais rigoroso, para o fim de tutelar absolutamente os interesses do adotando, na dimensão biopsicológica, o que se procurou refletir nas mudanças legislativas recentes efetuadas no Estatuto da Criança e do Adolescente e que merecem ser objeto de estudo.

Dessa maneira, através de pesquisa bibliográfica e do exame de diplomas normativos e tratados internacionais, busca-se analisar a compatibilidade e adequação das disposições legais internas, que regulam o processo de adoção internacional, com a estrutura normativa dos direitos humanos internacionais da criança e do adolescente.

2 ADOÇÃO INTERNACIONAL: QUADRO LEGAL BRASILEIRO

A Constituição Federal de 1988 marcou, com efeito, uma nova fase na história brasileira, pois buscou assegurar diversos direitos e garantias fundamentais, além de diversas medidas protetivas às mais diversas facetas

Page 35: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

35Angelus Emilio Medeiros de Azevedo Maia - Hayanne Hackradt Saraiva da Costa

da sociedade. De fato, a partir da leitura do seu texto normativo, podem-se extrair diversos intentos em proteger as crianças e os adolescentes, vistos que esses são entendidos como cidadãos em formação e são consideravelmente mais vulneráveis.

Em verdade, o caput do artigo 227 da Constituição Federal dispõe ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com prioridade absoluta, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-las a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Deste modo, todas as normas que envolvam crianças e adolescentes deverão ser compreendidas através da aplicabilidade dos dispositivos provenientes da Lei Maior e pela afirmação de sua plena cidadania. Neste ínterim, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90, doravante denominado ECA) foi elaborado no intento de promover a proteção integral dos mais jovens, com força nas diretrizes esposadas pela nossa Carta Magna.

Assim, a adoção surge como um meio de amparar o menor e assegurar o esposado pelo art. 227 da Constituição, através da criação de uma relação de paternidade e filiação entre o adotante e o adotado. Almeja, principalmente, resguardar a convivência familiar àqueles cuja família biológica não pôde mantê-los ou não é aconselhável que os mantenha.

Mais precisamente no que tange a adoção internacional, devidamente regulada pelo ECA por meio das alteração oriundas da Lei 12.010/2009 (Lei de Adoção), sua possibilidade tem levantado polêmicas e tem sido repelida por muitos sob a justificativa que poderia ensejar o tráfico de menores e prestar-se à corrupção.

Em verdade, tais receios não se mostram justificáveis, uma vez que eventuais adoções mal-intencionadas não devem se sobrepor àquelas realizadas no intuito de acolher a criança em um lar. E mais, com a quantidade de menores disponíveis à adoção, não é razoável que a possibilidade de ser abrigados em uma família, mesmo estrangeira, seja mitigada.

Outrossim, a Lei 12.010/2009 implementou o Cadastro Nacional de Adoção, agrupando os dados das pessoas que estão aptas a adotar e dos menores que podem ser adotados, de modo que os pormenores do processo de adoção internacional serão delineados adiante.

Page 36: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

36 ADOÇÃO INTERNACIONAL: ANÁLISE DO QUADRO LEGAL INTERNO E DISPOSIÇÕES DO DIREITO INTERNACIONAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

2.1 Processo de adoção internacional no Brasil

Os interessados em adotar o menor brasileiro deverão formular pedido de habilitação à adoção perante a Autoridade Central em matéria de adoção internacional no país onde está situada sua residência habitual, ou seja, no país de acolhida. Se a referida Autoridade considerar que os interessados estão habilitados e aptos para adotar, emitirá um relatório que contenha informações sobre a identidade, a capacidade jurídica e adequação dos solicitantes, sua situação pessoal, familiar e médica, seu meio social, os motivos que os animam e sua aptidão para assumir uma adoção internacional.

Tal relatório será instruído com toda a documentação necessária, incluindo estudo psicossocial elaborado por equipe interprofissional habilitada e cópia autenticada da legislação pertinente, acompanhada da respectiva prova de vigência, de modo que será enviado à Autoridade Central Estadual, com cópia para a Autoridade Central Federal Brasileira. A Autoridade Estadual poderá ainda fazer exigências e solicitar complementação sobre o estudo psicossocial do postulante estrangeiro à adoção.

Verificada a compatibilidade da legislação estrangeira com a nacional, além do preenchimento por parte dos interessados à medida dos requisitos objetivos e subjetivos necessários ao seu deferimento, será expedido laudo de habilitação à adoção internacional, que terá validade por um ano, no máximo.

O ECA dispõe que a adoção só será deferida quando fundar-se em motivos legítimos e apresentar reais vantagens para o adotando, dependendo do consentimento dos seus pais ou representantes legais (dispensável quando estes já estiverem destituídos do poder familiar ou não sejam conhecidos). Caso o adotando seja maior de 12 (doze) anos, sua anuência também será necessária.

Para a concretização da adoção, que se constitui por sentença judicial inscrita no registro civil mediante mandado, deverá haver um estágio de convivência com o menor, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar de acordo com o caso concreto, sendo acompanhado pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da medida.

Por tratar-se de adoção internacional, tal prazo não poderá ser inferior a 30 (trinta) dias e o estágio de convivência deverá ocorrer em território nacional. Destaca-se que essa modalidade de adoção é excepcional, visto

Page 37: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

37Angelus Emilio Medeiros de Azevedo Maia - Hayanne Hackradt Saraiva da Costa

que só poderá ocorrer em três hipóteses: a) a colocação em família substituta mostra-se como solução adequada ao caso concreto; b) foram esgotadas todas as possibilidades de colocação da criança ou adolescente em família substituta brasileira; c) tratando de adoção de adolescente, este foi consultado, por meios adequados ao seu estágio de desenvolvimento, e que se encontra preparado para a medida, mediante parecer elaborado por equipe interprofissional.

A saída do adotando do território nacional só se dará após o trânsito em julgado de sentença que conceda a adoção internacional, de modo que a autoridade judiciária determinará a expedição de alvará com autorização de viagem, bem como para obtenção de passaporte, constando, obrigatoriamente, as características da criança ou adolescente adotado assim como foto recente e a aposição da impressão digital do seu polegar direito, instruindo o documento com cópia autenticada da decisão e certidão de trânsito em julgado.

Outrossim, a Autoridade Central Federal Brasileira poderá, a qualquer momento, solicitar informações sobre a situação das crianças e adolescentes adotados. Cabe destacar também que organismos credenciados, tanto nacionais quanto estrangeiros, poderão intermediar o processo de adoção, conforme os ditames dos §2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º do ECA.

3 ANÁLISE DOS PRINCIPAIS TRATADOS SOBRE ADOÇÃO INTERNACIONAL: DIREITOS HUMANOS DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES

Cumpre analisar algumas disposições dos principais tratados relativos à adoção internacional. De acordo com a Convenção de Haia de 29 de maio de 1993, relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, a adoção transnacional poderá promover a constituição de uma família permanente à criança para quem não se possa encontrar uma família adequada, isto é, comprometida com o desenvolvimento harmonioso de sua personalidade, em seu país de origem.

O governo brasileiro aprovou a Convenção pelo Decreto Legislativo n. 1, de 14 de janeiro de 1999, promulgando-a pelo Decreto Legislativo n. 3.087, de 21 de junho de 1999. Atualmente, os outros Estados que ratificaram o tratado em comento são México, Romênia, Sri-Lanka, Chipre, Polônia, Espanha, Equador, Peru, Costa Rica, Burkina Faso, Filipinas, Canadá, Venezuela, Finlândia, Suécia, Dinamarca, Noruega, Holanda, França, Colômbia, Austrália, El Salvador, Israel, Áustria, Chile, Panamá, Itália e República Tcheca.

Page 38: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

38 ADOÇÃO INTERNACIONAL: ANÁLISE DO QUADRO LEGAL INTERNO E DISPOSIÇÕES DO DIREITO INTERNACIONAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

A Convenção de Haia (1993), afinal, tem por objetivo estabelecer garantias para que as adoções internacionais sejam feitas segundo o interesse superior da criança e com respeito aos direitos fundamentais (reconhecidos internacionalmente), instaurando, para tanto, um sistema de cooperação entre os Estados contratantes que efetive tais garantias.

Em seu Artigo 4º, a Convenção dispõe que as adoções por ela regulamentadas só poderão ocorrer se as autoridades do Estado de origem: a) consideram que a criança é adotável; b) verificaram, depois de examinadas as possibilidades de colocação da criança em seu país de origem, que uma adoção internacional atende ao interesse superior da criança e; c) tiverem assegurado a idoneidade do procedimento, respeitando o consentimento das pessoas envolvidas e promovendo a devida informação a respeito dos efeitos da adoção internacional.

É nesse contexto que o diploma legal internacional em questão consagra o sistema de Autoridades Centrais (Artigo 6º), a ser implantado pelos Estados partes no sentido de dar cumprimento à Convenção, sendo considerado a sua principal contribuição e adotado, inclusive, pela Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores (México, 1995).

Com efeito, observa-se que a Convenção de Haia de 1993 harmoniza-se com o preceito de que a adoção internacional possui um caráter excepcional, e isso em razão do Artigo 8 da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1989, segundo o qual se comprometem a respeitar o direito da criança de preservar sua identidade, inclusive a nacionalidade, o nome e as relações familiares, sem que haja interferências ilícitas, de acordo com a lei.

A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança foi aprovada pelo Poder Executivo brasileiro através do Decreto Legislativo n. 28, de 14 de setembro de 1990, havendo sido promulgada dois meses depois, pelo Decreto n. 99.710 de 21 de novembro de 1990.

Sem dúvida, é certo dizer que existe um direito da criança à preservação da própria identidade, atributo do ser humano influenciado pelo direito à nacionalidade, ao nome e pela existência das relações familiares, todos considerados aspectos básicos da identidade infantil, gerando a dupla obrigação do Estado em proteger e, se for o caso, restabelecê-los.

Ainda, segundo a Convenção das Nações Unidas (1989), as crianças privadas – temporária ou permanentemente – do seu meio familiar, ou cujo interesse maior exija que não permaneçam nesse meio, terão direito à proteção e à assistência especial do Estado, como enunciado no início do Artigo 25 da

Page 39: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

39Angelus Emilio Medeiros de Azevedo Maia - Hayanne Hackradt Saraiva da Costa

Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 dezembro de 1948. Ao serem consideradas as soluções, deve-se aplicar o princípio do interesse maior da criança, fundamento do sistema de adoção internacional, enunciado no Artigo 3 dessa Convenção.

Por oportuno, cumpre dizer que ninguém será sujeito a interferências ilegais na sua família (Artigo 12 da Declaração Universal). Nesse sentido, a Convenção adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, sobre os Direitos das Crianças, preconiza que os Estados contratantes deverão zelar para que a criança não seja separada dos pais contra a vontade dos mesmos, exceto quando tal separação é necessária ao interesse maior da criança, ressalvando-se o direito ao acesso à Justiça para discutir a questão e a determinação das autoridades competentes, essencial em casos específicos como quando a criança sofre maus-tratos ou descaso dos pais, ou quando estes vivem separados e uma decisão deve ser tomada para definir o local da residência da criança (Artigo 9, 1).

Sobre o tema, conclui-se que a Convenção de Haia Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional objetiva atender ao acordado na alínea “e)” do Artigo 21 da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança. Segundo o dispositivo em exame, os Estados partes, quando necessário, hão de promover esforços para firmar acordos (bilaterais ou multilaterais) visando garantir a atuação dos organismos ou autoridades competentes em matéria de adoção internacional.

A adoção da criança por estrangeiros, nos termos da Convenção das Nações Unidas, somente poderá ser autorizada pelas autoridades competentes, considerando que a adoção efetuada em outro país é, no caso concreto, meio legítimo e idôneo de cuidar da criança, no caso de não poder ser “colocada em um lar sob guarda ou entregue a uma família adotiva ou não logre atendimento adequado em seu país de origem” (Artigo 21, alínea “b”). Como visto, o direito da criança de viver com seus pais naturais não pode ser incompatível com o seu maior interesse, qual seja, o pleno e harmonioso desenvolvimento de sua personalidade.

Isto posto, temos que o Direito Internacional evidencia a família como grupo fundamental da sociedade humana e ambiente natural para o crescimento e bem-estar de todos os seus membros e, em particular, das crianças, motivo pelo qual os Estados que adotam os direitos humanos como parâmetro normativo devem destinar a proteção e a assistência necessárias ao grupo familiar.

Tanto a criança como o adolescente encontram-se em estágios

Page 40: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

40 ADOÇÃO INTERNACIONAL: ANÁLISE DO QUADRO LEGAL INTERNO E DISPOSIÇÕES DO DIREITO INTERNACIONAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

particulares do desenvolvimento humano, não sendo razoável afirmar que a extensa proteção normativa internacional dada às crianças, mutatis mutandi, não assiste ao adolescente, assim considerados pelo direito interno. Como  “toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa perante a lei” (Artigo VI da Declaração Universal), torna-se claro que os ajustes internacionais referentes à infância e à juventude atraem a observância dos tratados e convenções sobre os direitos humanos. Os direitos humanos das crianças e dos adolescentes, salvaguardadas algumas peculiaridades, correspondem aos direitos humanos reconhecidos pelo Direito Internacional.

Dentre outros tratados relativos à proteção específica da criança e do adolescente, podemos destacar a Convenção Interamericana sobre Obrigações Alimentares e a Convenção Interamericana sobre Restituição de Menores (contexto internacional do sequestro de crianças e adolescentes), realizadas em Montevidéu, no ano de 1989, e promulgadas, no Brasil, pelo Decreto n. 2.428, de 17 de dezembro de 1997, e pelo Decreto n. 1.212, de 03 de agosto de 1994, respectivamente.

Relativamente à questão do tráfico internacional de menores, a Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores, ocorrida em 1995, no México, representa um importante esforço jurídico para combater essa realidade da sociedade internacional. Informada pelo princípio da proteção integral e efetiva do menor, estabeleceu normas de prevenção e sanção do tráfico, além de mecanismos de assistência mútua, intercâmbio e cooperação entre os Estados partes. Nesse sentido é o teor do artigo 35 da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (1989), que estabelece o dever estatal de tomar todas as providências para evitar a venda, o tráfico e o sequestro de crianças.

4 A TÉCNICA JURÍDICA NA ADOÇÃO INTERNACIONAL: LACUNAS NORMATIVAS E CONFLITO ENTRE AS LEIS DOS PAÍSES ENVOLVIDOS

Os diplomas legais internacionais anteriormente analisados, bem como outros pertinentes à adoção internacional, estabelecem deveres mais ou menos genéricos aos Estados contratantes, obrigações estas que derivam da normativa internacional sobre os direitos humanos. Nota-se, ao menos no texto dessas convenções, um esforço para harmonizar a legislação interna e o Direito Internacional, considerando os primordiais interesses dos menores.

A respeito dessa característica, o Artigo 41 da Convenção das

Page 41: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

41Angelus Emilio Medeiros de Azevedo Maia - Hayanne Hackradt Saraiva da Costa

Nações Unidas sobre o Direito das Crianças (1989) é explícito, pois, em seus termos, nada do estipulado na presente Convenção afetará as disposições que sejam mais convenientes para a realização dos direitos da criança e que podem constar, inclusive, das leis de um Estado parte ou das normas de Direito Internacional vigentes para esse Estado.

Trata-se, portanto, do respeito por padrões normativos estabelecidos no direito interno ou no Direito Internacional aplicável que se apresentem mais efetivos no sentido de concretizar a tutela dos direitos dos menores, o que se coaduna sensivelmente ao disposto no § 2º do Art. 5º, in fine, da Constituição brasileira, vez que os direitos e garantias expressos nessa Constituição não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais nos quais o Brasil figure como parte.

Anteriormente à reforma do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 2009, os juristas brasileiros criticavam a existência de um vazio normativo referente à adoção internacional, combatido mediante a edição da Lei n. 12.010/09. As lacunas normativas, nesse contexto, originam-se da inércia dos Estados partes (dos tratados supramencionados) em promover a elaboração e o aperfeiçoamento de medidas jurídicas efetivadoras do direito à convivência familiar. Em se tratando do Direito Internacional que versa sobre os melhores interesses das crianças e dos adolescentes, a iniciativa estatal é imprescindível, considerando a lógica cooperativa do processo de adoção internacional, dando aos países envolvidos amplas margens, inclusive em atenção à soberania das nações, para participar, fiscalizar e normatizar a adoção por estrangeiros.

Mesmo antes da realização das Convenções mencionadas no tópico anterior, relevantes para o desenvolvimento do sistema jurídico da adoção internacional, já existia um diploma concluído, em La Paz, pela Organização dos Estados Americanos (OEA) para fins de superar o problema técnico-jurídico do conflito de leis (internas e internacionais) sobre a adoção internacional de menores. A Convenção Interamericana sobre Conflito de Lei em Matéria de Adoção de Menores, de 24 de maio de 1984, foi objeto de promulgação pelo Estado brasileiro por intermédio do Decreto n. 2.429, de 17 de dezembro de 1997.

Em seu Artigo 4, a Convenção em evidência resguarda a aplicação da lei do adotado quando os requisitos da lei do adotante (ou adotantes) forem manifestamente menos restritivos do que os da lei da residência habitual do adotado. A rigidez legal, como se vê, é considerada propícia à salvaguarda dos interesses dos menores adotáveis. O artigo referenciado introduz o critério legal distributivo, ou seja, a aplicação distributiva das leis em conflito.

Page 42: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

42 ADOÇÃO INTERNACIONAL: ANÁLISE DO QUADRO LEGAL INTERNO E DISPOSIÇÕES DO DIREITO INTERNACIONAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Ocorre que a adoção internacional suscita conflitos legais não apenas ao tempo de sua constituição, mas também no momento da produção dos seus efeitos, posteriormente, conforme a observação de COSTA (2000, p. 265/282), a seguir:

Assim, a lei aplicável aos efeitos da adoção também pode não coincidir com a lei aplicável à relação adotiva no momento de sua constituição. A lei que governará tais relações deverá ser a mesma dos filhos legítimos dos adotantes. Em matéria sucessória, a maior parte da doutrina excluiu a aplicação pura e simples da lex adoptionis, optando pela lex sucessionis. Se, contudo, a lei que criou o vínculo veda o direito sucessório, este não poderá ser reconhecido ao filho adotivo, ainda que previsto na lei sucessória aplicável.

Outros critérios técnico-normativos adotados na Convenção de La

Paz de 1984 consistem no da residência habitual do adotado e no do domicílio do(s) adotante(s). As autoridades do Estado da residência habitual do adotado serão competentes para outorgar as adoções regidas por esta Convenção. Por outro lado, competem aos juízes do Estado do domicílio do adotante, enquanto o adotado não constituir domicílio próprio, decidir sobre as questões referentes às relações entre o adotado, o adotante e a família deste.

4.1. Concretização dos direitos dos menores

A tutela jurídica das crianças e dos adolescentes é universal, isto é, considera as interações entre a legislação interna e o Direito Internacional, cumprindo analisar a efetividade dessa proteção sistemática. A partir do Artigo 4 da Convenção das Nações Unidas de 1989 temos que:

Os Estados Partes adotarão todas as medidas administrativas, legislativas e de outra natureza, com vistas à implementação dos direitos reconhecidos na presente Convenção. Com relação aos direitos econômicos, sociais e culturais, os Estados Partes adotarão essas medidas utilizando ao máximo os recursos disponíveis e, quando necessário, dentro de um quadro de cooperação internacional.

Como se vê, a diretriz da proteção dos menores não dispensa as ações dos Estados comprometidos com esse objetivo, pelo contrário, a Convenção, bem como outros tratados sobre o tema, trata de enfatizar a

Page 43: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

43Angelus Emilio Medeiros de Azevedo Maia - Hayanne Hackradt Saraiva da Costa

iniciativa dos países envolvidos sem prejuízo da cooperação internacional. O dispositivo acima descrito consolida a obrigação dos Estados partes em transformar os direitos da Convenção em realidade o que, à luz dos direitos humanos fundamentais, pode ser interpretado extensivamente, já que os conteúdos das normas internacionais sobre a defesa da infância e juventude não se excluem, mas se complementam para o fim de conservá-la.

Sendo assim, no contexto de analisar a efetividade da proteção jurídica destinada às crianças e aos adolescentes pelo Estado brasileiro, observando-se o Direito Internacional, concordamos com o posicionamento de Maria Berenice Dias (2009)1, para quem a própria habilitação à adoção transformou-se em um processo pouco efetivo, no sentido de quase vetar a adoção internacional de menores brasileiros por estrangeiros (família unipessoal ou casais).

Vez que o instituto foi tão exaustivamente disciplinado e dotado de diversos entraves e exigências a partir da Lei n. 12.010/09, a consequência é que dificilmente a adoção internacional será concretizada. Por conseguinte, a reforma do ECA, embora marcada por um forte propósito protetivo, pouco atingirá seu objetivo, qual seja, o de proporcionar um lar a, aproximadamente, oitenta mil seres humanos que vivem em instituições de assistência a crianças e adolescentes (os menores institucionalizados).

É evidente que não se desconsidera o caráter excepcionalíssimo da adoção internacional, tampouco se deve ignorar o cenário global de crimes praticados contra crianças e adolescentes (sequestro, tráfico, exploração sexual e extração ilegal de órgãos, dentre outros) que justifica, em princípio, os excessos protetivos da legislação interna, como na opinião de COSTA (2000, p. 265/282), in verbis:

É induvidoso que toda criança tem o direito de ser criada e educada em sua própria família, em seu próprio país e na sua própria cultura. Como reconheceram a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e o Pacto de São José da Costa Rica, toda pessoa tem o direito de conservar a sua nacionalidade. Deste direito fazem parte a manutenção dos vínculos com a família, a terra, as tradições, a cultura e a língua materna. Por isso mesmo, conforme reconhece a moderna tratativa supranacional, o rompimento do processo de interação com aqueles que estão

1 Documento online não paginado.

Page 44: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

44 ADOÇÃO INTERNACIONAL: ANÁLISE DO QUADRO LEGAL INTERNO E DISPOSIÇÕES DO DIREITO INTERNACIONAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

ligados pelos vínculos familiares e pelas mesmas raízes só se justifica em caráter de excepcionalidade. Não encontrando a criança uma alternativa possível de colocação familiar dentro de seu próprio país, não se pode privá-la de encontrar o seu bem-estar e felicidade junto de uma família estrangeira.

A celeridade do processo da adoção internacional concorre para a garantia do direito humano fundamental à convivência familiar, inscrito no Artigo 16 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e no artigo 227 da Constituição Federal brasileira. É certo dizer que a legislação pátria atual, emergente da necessidade de suprir um vazio jurídico anteriormente existente e alvo de muitas críticas, inviabiliza, em parte, a adoção internacional de brasileiros por estrangeiros.

5 CONCLUSÃO

Como pode ser observado, a Constituição Federal do Brasil inaugurou uma nova era no que tange ao tratamento jurídico das crianças e adolescentes. Estes, anteriormente vistos como objetos de direito através do assistencialismo estatal, passaram a ser sujeitos de direitos através do acolhimento da doutrina da proteção integral.

Neste ínterim, o Estatuto da Criança e do Adolescente regulou os procedimentos relativos à adoção transnacional e a tratou como medida excepcionalíssima, de modo que tal modalidade de adoção só poderá ser deferida quando a colocação em família substituta mostra-se como solução adequada ao caso concreto; quando forem esgotadas todas as possibilidades de colocação da criança ou adolescente em família substituta brasileira e quando, tratando-se de adoção de adolescente, este foi consultado por meios adequados ao seu estágio de desenvolvimento e que se encontra preparado para a medida, mediante parecer elaborado por equipe interprofissional.

Nota-se que o Direito Internacional, por sua vez, dá ampla margem para a legislação interna adequar-se aos valores reconhecidos pela sociedade internacional quanto aos interesses das crianças e dos adolescentes, tais como especial proteção para o seu desenvolvimento físico, mental e social e o direito à moradia e à convivência familiar. A cooperação no quesito da adoção internacional é evidente, sendo reconhecido seu caráter excepcional tanto no âmbito interno como no externo.

Page 45: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

45Angelus Emilio Medeiros de Azevedo Maia - Hayanne Hackradt Saraiva da Costa

Portanto, quando comparamos as disposições internas brasileiras com os tratados internacionais, constata-se um quadro de crise da efetividade da adoção de crianças e adolescentes brasileiros por estrangeiros, em face do rigor contido no ECA, dificultando a concretização do direito à convivência familiar, dentre outros.

É evidente que, aqui, não se tecem críticas ao viés protecionista da lei interna, sendo este absolutamente necessário. No entanto, há de se rever o processo da adoção internacional, no Brasil, para fins de melhor viabilizar o bem-estar e a felicidade do menor junto à uma família estrangeira, caso não encontre alternativa dentro do seu próprio País.

REFERÊNCIAS

CARNEIRO, Cynthia Soares; LAGNIER, Pamela Davila.  Vinculação e adoção internacional: a eficácia da Comissão Estadual Judiciária no acompanhamento da criança brasileira adotada por casal estrangeiro. Revista da Faculdade Mineira de Direito, v.12, n. 23, jan./jun. 2011.

COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção internacional: aspectos jurídicos, políticos e socioculturais. In: A Família na Travessia do Milênio: Anais do II Congresso Brasileiro de Direito de Família, IBDFAM, Belo Horizonte, 2000, p. 265/282.

DIAS, Maria Berenice. O lar que não chegou. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/? artigos&artigo=527 Acesso em: 20 de outubro de 2014.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2010.

INTERNATIONAL ADOPTION: LEGAL FRAMEWORK ANALYZIS OF DOMESTIC AND INTERNATIONAL LAW RULES OF THE CHILD AND ADOLESCENTS

Page 46: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

46 ADOÇÃO INTERNACIONAL: ANÁLISE DO QUADRO LEGAL INTERNO E DISPOSIÇÕES DO DIREITO INTERNACIONAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

ABSTRACT

The Federal Constitution of Brazil puts children and adolescents in outstanding protection, stressing the importance of family and community in their development. Thus, adoption shows up as a way of ensuring such harmony, creating between the adopter and the adoptee a legal relationship of parental character/family, and it can also performed internationally, when the adopter has distinguished country residence of the adoptee. However, due to the risk of transfer of the child or teen from Brazil to another country is that the legal system is authorized to give special treatment and more accurate. Therefore, through literature search and examination of normative acts and international treaties, it seeks to analyze the consistency and adequacy of internal legal provisions which regulate the process of international adoption, with the normative framework of international human rights of children and adolescents and check for effective protection of the interests of adopting.

Key-words: International adoption. International law of child and adolescent. Family la

Page 47: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

A PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO DECISÓRIO DAS

AGÊNCIAS REGULADORAS COMO PRESSUPOSTO INDISPENSÁVEL A UMA LEGÍTIMA E EFICIENTE

REGULAÇÃO SETORIAL DEMOCRÁTICA

Kate de Oliveira MouraAcadêmica do 8º período do Curso de Direito da UFRN

Maria Augusta Marques de Almeida XavierAcadêmica do 8º período do Curso de Direito da UFRN

RESUMO

O presente trabalho tem por intuito esclarecer a importância da participação administrativa popular no âmbito das agências reguladoras a fim de se assegurar a aplicação dos preceitos democráticos no exercício da atuação regulatória estatal. Para tanto, destacam-se as premissas atinentes à relação existente entre democracia e agências reguladoras, versando sobre as diversas vias existentes aptas a lhes conferir legitimidade democrática. Na sequência, será vista a questão da participação popular no processo decisório dessas agências como condição inafastável para o alcance de uma regulação democrática. Neste sentido, os estudos versarão também sobre a questão da obrigatoriedade desta participação, consoante os ditames da Constituição de 1988 e, a fim de elucidar o modo de realização da participação cidadã no contexto fático, serão abordados os mecanismos e canais que contribuem para a comunicação da sociedade civil com as agências reguladoras. Por fim, em que pese à existência de

Page 48: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

48A PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO DECISÓRIO DAS AGÊNCIAS

REGULADORAS COMO PRESSUPOSTO INDISPENSÁVEL A UMA LEGITIMIDADEE EFICIENTE REGULAÇÃO SETORIAL DEMOCRÁTICA

inúmeros canais de participação administrativa popular, serão tecidas críticas no que tange ao efetivo exercício destes instrumentos, frente à notória baixa mobilidade democrática da sociedade civil brasileira.

Palavras-chave: Direito Administrativo. Agências Reguladoras. Regulação Estatal. Democracia. Participação popular.

1 INTRODUÇÃO

As agências reguladoras, figuras recentes no cenário brasileiro, são destinadas à regulação estatal sobre o domínio econômico em setores específicos e estratégicos, ponderando e harmonizando os diversos interesses contrapostos envolvidos entre os seus regulados: o Estado (interesse político), os agentes econômicos (interesse econômico) e os cidadãos (interesses coletivos). As referidas agências são fruto de um processo de reaparelhamento estatal, marcado pela transição de um Estado intervencionista para um Estado Regulador, funcionando de forma politicamente independente e dotadas de autonomia financeira e administrativa. Nessa perspectiva, com o intuito de promover uma regulação técnica, imparcial e eficiente, as agências reguladoras foram dotadas de uma autonomia qualificada, que lhe assegurasse o distanciamento de pressões político-partidárias, pressuposto essencial para que elas alcancem suas atribuições legais. No entanto, essa autonomia diferenciada frente ao Poder Constituído deu ensejo a uma série de críticas por parte dos estudiosos, preocupados com a constituição de um poder paralelo, que engloba funções executivas, legislativas e judiciárias. Dentre os inúmeros desafios enfrentados pelas agências, ressalta-se a crise de legalidade e a crise de legitimidade, sobretudo quando considerada a importância dos instrumentos regulatórios enquanto ferramentas aptas a promover os interesses sociais, na tentativa de consagração de uma regulação verdadeiramente democrática. Neste ínterim, com o intuito de examinar as agências reguladoras sob

Page 49: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

49Kate de Oliveira Moura - Maria Augusta Marques de Almeida Xavier

a égide da legitimidade democrática, é necessário o estudo dos mecanismos atuais de participação popular, bem como a compreensão da existência de um cenário de baixa mobilidade social. Para tanto, inicialmente, serão analisados os aspectos de evolução e consolidação desses entes reguladores, a fim de que se compreenda a importância da legitimidade pelo exercício do poder conferida à sociedade civil por meio de instrumentos próprios, cujo intuito é contribuir para a formação de uma legítima e eficiente regulação democrática.

2 PROCESSO DE SURGIMENTO E EVOLUÇÃO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS NACIONAIS

As agências reguladoras existentes no Brasil, incorporadas principalmente na década de 1990 em meio ao processo de privatização e desestatização, foram, em larga medida, inspiradas no sistema regulatório norte-americano. Esse modelo, após o período do New Deal1, ficou sobremaneira caracterizado pela significativa autonomia frente ao Poder Executivo, bem como pela sua elevada qualificação técnica (BINENJOM, 2005, p. 480).

Interessante notar que agências reguladoras norte-americanas, considerando o cenário político e econômico estadunidense vigente na época, funcionaram de forma a propulsar determinados setores da atividade econômica e, concomitantemente, relativizar princípios nitidamente liberais, tais como a propriedade privada e a autonomia da vontade, os quais eram tidos por absolutos na época do Capitalismo Puro. Percebe-se, desta forma, que a atividade regulatória estadunidense não apenas visava estabilizar a seara econômico-financeira, mas também proteger os menos favorecidos contra as constantes oscilações do mercado.

Ao realizar uma análise mais aprofundada do contexto político-econômico vivido pelo Brasil durante a década de 1990 — momento em que as referidas agências foram amplamente incorporadas ao sistema regulatório

1 O New Deal consistiu em uma série de programas estabelecidos durante 1933 e 1937 através da iniciativa do então Presidente estadunidense Franklin Delano Roosevelt, com o intuito de recuperar a economia nacional bem como assistir os prejudicados pela Crise de 1929 — também conhecida como “Grande Depressão” —, o qual consistiu no mais longo período de recessão econômica vivida pelos EUA durante o século XX.

Page 50: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

50A PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO DECISÓRIO DAS AGÊNCIAS

REGULADORAS COMO PRESSUPOSTO INDISPENSÁVEL A UMA LEGITIMIDADEE EFICIENTE REGULAÇÃO SETORIAL DEMOCRÁTICA

pátrio — percebe-se com clareza que o cenário de surgimento das agências reguladoras nacionais era diametralmente oposto ao dos Estados Unidos, acima exposto.

Nessa década, a ideia de Estado Empresário, marcado pela atuação direta na economia, inclusive na produção de bens e prestação de serviços (MISSE, 2010) cedeu espaço para a concepção do Estado Regulador, que ganhou força no Brasil. Neste, o ideal de intervenção estatal indireta no cenário econômico pode ser percebida com a consagração do princípio da subsidiariedade2 através dos artigos 173 e 174 da Constituição Federal. Ou seja, a exploração direta do Estado no domínio econômico somente se dá com base nos imperativos de segurança nacional e relevante interesse coletivo.

Diferentemente do que ocorreu no cenário estadunidense, o Brasil, no momento de reforma do aparelho estatal — com o advento da Lei n.º 8.031/1990, responsável por estabelecer o Plano Nacional de Desestatização —, necessitava assegurar aos investidores estrangeiros uma perspectiva de estabilidade e previsibilidade nas relações jurídicas. Sendo assim, foi necessário buscar a manutenção das liberdades econômicas clássicas contra possíveis intervenções futuras governamentais3.

Nessa esteira, convém perceber que setores estratégicos da economia — tais como a telefonia, vigilância sanitária, fornecimento de

2 O princípio da subsidiariedade pode ser entendido como uma espécie de limite horizontal à atuação reguladora do Estado, o qual traz como pressuposto a ideia de que as instituições sociais prescindem do Estado para resolver os seus conflitos e, por esta razão, só caberá ao ente estatal intervir quando uma finalidade de interesse geral não seja alcançada autonomamente pelas instituições sociais, conforme bem esclarecido por Floriano Azevedo Marques, em sua obra intitulada “Limites à Abrangência e à Intensidade da Regulação Estatal” (2006). Tal análise restou iniciada, na obra, com o intuito de esclarecer se a regulação estatal encontra limites na Constituição Federal, se tais limites existem e se eles atuam no sentido de orientar a atividade estatal. Seria, nestes termos, o princípio da subsidiariedade, justamente, considerado pelo autor como o primeiro princípio da regulação estatal.3 Percebe-se que enquanto a instituição das agências reguladoras no contexto estadunidense se deu, em um primeiro momento, a partir da necessidade do Estado ingressar no mercado de transporte ferroviário e, quando do período entre guerras, como medida a contribuir com a limitação ao alargamento do Poder Executivo no âmbito do New Deal implantado por Roosevelt, no cenário brasileiro tal incorporação se deu para viabilizar a saída do Estado do meio econômico, atuando os referidos entes reguladores como um resíduo da atuação estatal no mercado, permitindo a autonomia da iniciativa privada, conforme destacado por MARTINS (2004).

Page 51: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

51Kate de Oliveira Moura - Maria Augusta Marques de Almeida Xavier

energia elétrica, etc. — que antes estavam sujeitos diretamente ao controle estatal, foram transferidos à iniciativa privada e, neste ínterim, surgiu a necessidade de implementação das agências reguladoras enquanto instrumentos capazes de controlar e fiscalizar essas atividades.

Tal processo de consolidação e evolução regulatória vem se desenvolvendo desde a Segunda Guerra Mundial nos Estados visivelmente democráticos (MARTINS, 2004). Quando da análise específica do cenário firmado no Brasil, cumpre destacar que vários são os desafios enfrentados atualmente pelas agências reguladoras, sobretudo considerando que houve a importação de um modelo estadunidense pré-concebido, sem que fossem feitas as devidas adequações acerca das particularidades atinentes à realidade política, econômica e social vivida no contexto brasileiro.

Desse modo, dentre os referidos desafios atualmente enfrentados pela atividade regulatória brasileira, Gustavo Binenbojm (2005) elenca três dos quais considera os principais focos de tensão existentes: a) a tensão com o princípio da legalidade; b) tensão com o sistema de separação de poderes e de freios e contrapesos; e, por fim, c) a tensão com o regime democrático.

Conforme se verá adiante, é exatamente este último ponto, isto é, a tensão com o regime democrático, que será esmiuçado no presente estudo, de forma a analisar a importância dos instrumentos contemporâneos de participação popular para a formação de uma regulação efetivamente democrática e eficiente.

3 AS AGÊNCIAS REGULADORAS E A DEMOCRACIA

Estabelecidas as premissas iniciais quanto à incorporação das agências reguladoras no contexto brasileiro bem como o contemporâneo estágio em que se encontra a regulação pátria, imperioso que se analise a compatibilidade entre o sistema regulatório brasileiro com o princípio democrático, disposto no artigo 1º da Carta Magna de 1988 e elencado como fundamentos da República Federativa do Brasil (MARTINS, 2004).

Nada obstante, para que o estudo referente ao estabelecimento de uma regulação democrática seja completo, imperioso que se compreenda, primeiramente, as várias facetas da democracia, desde a sua noção conceitual até a sua relação para com as agências reguladoras, sobretudo considerando a possibilidade de um suposto déficit democrático, expressão originariamente utilizada para qualificar as situações de ausência de mecanismos de

Page 52: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

52A PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO DECISÓRIO DAS AGÊNCIAS

REGULADORAS COMO PRESSUPOSTO INDISPENSÁVEL A UMA LEGITIMIDADEE EFICIENTE REGULAÇÃO SETORIAL DEMOCRÁTICA

participação direta do cidadão (JUSTEN FILHO. In ARAGÃO, 2006).Inicialmente, em consonância com os ensinamentos de BOBBIO

(1993), o termo “democracia” poderia ser compreendido como o método ou um conjunto de regras procedimentais com o intuito de constituição do Governo e, por conseguinte, formação das decisões políticas. A democracia, nestes termos, buscaria assegurar a vinculação entre a vontade popular e o provimento dos órgãos políticos máximos (JUSTEN FILHO. In ARAGÃO, 2006).

Trata-se, contudo, de breve noção conceitual, a qual apresenta um núcleo mínimo caracterizador do instituto da democracia, sem, contudo, representar um conceito universal cogente apto a contemplar toda e qualquer sorte de experiência democrática concreta.

Isto posto, em que pese a impossibilidade de se determinar um conceito hermético de democracia — mormente quando reconhecida a inexistência de um modelo democrático único e padrão — faz-se necessário compreender que democracia não se trata da aplicação pura e simplória da vontade da maioria. Tal advertência, já apontada por Marçal Justen Filho (In ARAGÃO, 2006), leva à conclusão de que não há democracia efetiva quando existente uma preponderância absoluta e ilimitada da vontade da maioria, devendo haver, em verdade, um equilíbrio entre a vontade majoritária e os anseios do grupo minoritário, evitando eventuais abusos de poder pela parcela dominante.

Para além destas premissas inicialmente traçadas, cumpre destacar as diversas vias de legitimidade democrática no campo da regulação estatal. Marçal Justen Filho (In ARAGÃO, 2006), oportunamente destacou que a democracia não é simploriamente caracterizada a partir da aplicação concreta do princípio da eletividade para o ingresso dos órgãos com competência decisória, mas também é vislumbrada quando do modo em que esta competência é exercida.

Aduz ainda o referido autor (JUSTEN FILHO. In ARAGÃO, 2006) que não se pode reclamar a ocorrência de um déficit democrático em virtude da inexistência de participação direta do povo na constituição de determinada instituição estatal, sobretudo no caso de o órgão ter como prioridade assegurar o cumprimento efetivo de preceitos democráticos fundamentais, atuando justamente de modo a neutralizar a opinião majoritária.

O ingresso de membros através do sufrágio universal não consiste em condição sine qua non para que se configure um déficit na democracia. Não se pode, portanto, negar o status democrático à regulação que não observe a via da elegibilidade como forma de ingresso nas carreiras dirigentes, tão

Page 53: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

53Kate de Oliveira Moura - Maria Augusta Marques de Almeida Xavier

somente por esta razão. Sobre o assunto, oportuno pontuar que para Martins (2004), a

atual forma de regulação poderia, em tese, ser compreendida como um instrumento apto a mitigar o princípio democrático, na medida em que subtrai certas funções da competência dos agentes eleitos democraticamente pelo povo. Entretanto, tal tese, conforme é advertido pelo próprio autor na sequência, restaria rechaçada diante da percepção de que a inexistência de eleição popular não implica na imediata constatação de déficit na democracia.

Importante reconhecer que no pensamento de Chevallier (apud JUSTEN FILHO. In: ARAGÃO, 2006), a suposta crise de legitimidade existente nos sistemas democráticos ocidentais poderia ter a sua causa atribuída a uma crise de representatividade, crise de participação, crise de cidadania e à perda de referência.

Tal concepção vem corroborar sobremaneira com o entendimento ora defendido de que a legitimidade dos representantes não advém única e exclusivamente da aplicação do sufrágio universal, posto que “a democracia não se reduzirá nunca apenas aos processos eletivos” (JUSTEN FILHO. In: ARAGÃO, 2006, p. 308), mas também à garantia dos preceitos democráticos fundamentais, perseguição das finalidades elencadas, respeito à vontade da maioria bem como da minoria.

Nesse mesmo sentido, ainda em consonância com o que vem sendo firmado, Fábio Konder Comparato (apud ARAGÃO, 2011) preleciona que a legitimidade das agências reguladoras se encontra não na expressão da soberania popular de eleger seus representantes, mas na capacidade de realizar as finalidades coletivas.

Para além da análise da questão da elegibilidade dos dirigentes com competência decisória, igualmente deve ser observada a legitimidade da atuação das agências reguladoras durante o exercício do seu poder regulador, sendo essencial que esta atuação ocorra de forma a observar os preceitos democráticos, respeitando o interesse da coletividade.

A mera existência formal das agências reguladoras não é suficiente para que fique assegurada, no tocante ao sistema regulatório, a ampliação dos preceitos democráticos. É imprescindível, nesses termos, que a sua estrutura organizacional esteja voltada a assegurar o crescimento do nível democrático existente, sob pena de restar deficitária. Assim, apenas é possível afirmar que essa autarquia de regime especial carecerá de legitimidade quando reste indubitável que o exercício de suas atribuições típicas ocasionou a ampliação das deficiências do sistema político ou não cumpriu com os fins a que se

Page 54: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

54A PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO DECISÓRIO DAS AGÊNCIAS

REGULADORAS COMO PRESSUPOSTO INDISPENSÁVEL A UMA LEGITIMIDADEE EFICIENTE REGULAÇÃO SETORIAL DEMOCRÁTICA

destina (JUSTEN FILHO, 2006). Oportuno destacar que Fernando Barbalho Martins (2004) propõe uma tríade que, uma vez respeitada, conferiria legitimidade democrática para o exercício da função regulatória, baseando-se, pois, nos seguintes pontos: a) atendimento das finalidades públicas fixadas para aquele setor econômico; b) presença de espaços públicos de discussão; e, por fim, c) sujeição aos princípios constitucionais. Conforme se verá, o presente estudo se propõe a analisar o segundo item do referido tripé, estabelecendo a importância dos atuais canais públicos de participação existentes para a configuração de uma Regulação efetivamente democrática.

Por fim, necessário esclarecer que, em face da existência de diversas vias de legitimidade democrática, bem como considerando a irrelevância da elegibilidade para a caracterização de um déficit democrático, propõe-se, a seguir, uma análise acerca da legitimidade pelo exercício do poder conferida através da participação da sociedade civil aos canais de comunicação com as referidas agências.

3 A PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO DECISÓRIO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

Antes de uma análise mais apurada a respeito da participação cidadã no processo decisório das agências reguladoras, faz-se mister trazer à baila uma pertinente consideração acerca da circunstância e do desenho institucional adotado pelo modelo regulatório brasileiro a fim se compreender um dos fatores para essa baixa participação popular.

Conforme esposado no início do presente trabalho, no Brasil, a proliferação das agências reguladoras se deu em meio ao processo de privatização e desestatização, e tinha como objetivo primordial manter o “status quo conservador brasileiro”4 ao proteger o direito à propriedade e à

4 Nesse ponto, importante trazer à baila as palavras do Professor Floriano de Azevedo Marques Neto ao asseverar que “[...] o poder público maneja os instrumentos regulatórios de modo a permitir a preservação e a reprodução do sistema (ou, se quisermos, sub-sistema) regulado, de modo a assegurar a permanência do equilíbrio intra-sistêmico [...]” (MARQUES NETO, 2006, p. 4.). Nesse diapasão, no Brasil, houve, na verdade, uma blindagem institucional, por meio de um compromisso regulatório entre o Estado e o Mercado, que assegurasse a independência das agências frente aos agentes políticos e ao Poder Judiciário, a fim de atrair investimentos estrangeiros, assombrados com o histórico de regimes autoritários, bem como impedir qualquer

Page 55: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

55Kate de Oliveira Moura - Maria Augusta Marques de Almeida Xavier

liberdade contratual contra possíveis levantes populistas, bem como de atrair investimentos estrangeiros (BINENBOJM, 2005).

Por tal razão, não se coadunava, a priori, com o modelo regulatório adotado no Brasil dar espaço à participação popular como controle político. Diferentemente, o modelo norte-americano dispôs expressamente sobre a participação dos administrados no processo decisório de suas agências reguladoras na Seção 553, ‘c’, do Administrative Procedure Act.

Esse foi um dos fatores para o reconhecimento tardio da tensão democrática existente na relação entre as agências reguladoras e seus regulados. Mentalidade que vem sendo superada aos poucos, conforme se elucidará nas linhas seguintes.

Malgrado os diversos vieses doutrinários a respeito da legitimidade democrática das agências reguladoras, imperativo registrar que o estudo em apreço irá se ater à imprescindibilidade da participação popular (e.g. por meio de consultas, audiências, canais de ouvidoria) para tornar legitimamente democrática e eficiente a atuação setorial das referidas agências, mormente com relação às normas por elas emanadas.

3.1 Da obrigatoriedade e da necessidade da participação popular no processo decisório da regulação setorial para uma regulação efetivamente democrática

Sob esse prisma, discute-se sobre uma suposta ausência de previsão constitucional no que diz respeito à obrigatoriedade de mecanismos permanentes de participação cidadã no processo de formulação, implementação e revisão de decisões no âmbito das agências reguladoras. Trata-se, em verdade, de um equívoco.

Segundo o entendimento de Miriam Wimmer e Elisa Peixoto (2008), nada obstante a Lei Maior não prever expressamente a participação cidadã na regulação setorial, esse entendimento é obtido por meio de uma simples interpretação sistemática da Carta Magna. De início, atentando-se para o artigo 1º, percebe-se que neste são aclamados os fundamentos de um Estado Democrático de Direito, dentre os quais, ressalta-se a cidadania e o pluralismo político. Seguidamente, o parágrafo único prevê que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”.

novo levante popular de esquerda.

Page 56: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

56A PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO DECISÓRIO DAS AGÊNCIAS

REGULADORAS COMO PRESSUPOSTO INDISPENSÁVEL A UMA LEGITIMIDADEE EFICIENTE REGULAÇÃO SETORIAL DEMOCRÁTICA

Mais adiante, o artigo 5º da Constituição, o qual versa sobre os direitos e garantias fundamentais, em seu inciso XXXIV dispõe a respeito de direito concedido a todos de peticionar aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra a ilegalidade ou abuso de poder; e no inciso LXXIII prevê que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.

Por seu turno, o artigo 37, § 3º dispõe sobre as formas de participação do usuário na Administração Pública direta e indireta, abarcando: a) as reclamações administrativas; b) o acesso a registros e informações sobre atos de governo; e c) a representação contra exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na Administração Pública.

Ademais, o artigo 31 da Lei nº 9.784/99 (Lei do Processo Administrativo Federal) traz, de forma explícita, a obrigatoriedade de consultas públicas para manifestação de terceiros quando a matéria a ser apreciada por tais agências envolver assunto de interesse geral. Nos parágrafos deste mesmo artigo, o legislador se preocupou em nortear o Administrador em como proceder a abertura da consulta pública (divulgação pelos meios oficiais, e prazo de para oferecimento de alegações escritas), alertando, inclusive, que a Administração deve fundamentar qualquer decisão a ser tomada, seja consentânea ou não com os interesses demonstrados por aqueles que compareceram à consulta pública.

Tal concepção traduz a doutrina do Hard-Look Review, a qual corresponde ao dever de justificação da Administração tanto no que concerne a aceitabilidade quanto á recusa de uma contribuição do administrado, no intuito de que os mecanismos de participação dos administrados não se traduzam em mera formalidade, descomprometida com o real diálogo com a sociedade. (FIDALGO, 2007).

Mostra-se, portanto, translúcido que a participação popular não é uma mera faculdade das agências reguladoras. Na verdade, a concretização de uma democracia plena depende de mecanismos eficientes que possam permitir a participação popular no processo decisório, a fim de se democratizar a democracia através da participação (WIMMER; PEIXOTO, 2008, p. 4).

Trata-se de um anseio social que marca a mudança de concepção da democracia brasileira, ao privilegiar uma democracia mais participativa, ao mesmo tampo em que dá nova roupagem modus operandi da própria Administração Pública, obrigando-a a garantir e estimular a participação

Page 57: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

57Kate de Oliveira Moura - Maria Augusta Marques de Almeida Xavier

popular em suas decisões.Conforme visto anteriormente, a legitimidade de uma decisão

não significa a vontade da maioria (“ditadura da maioria”), mas de que todas as partes envolvidas foram ouvidas – inclusive, com a participação de indivíduos e entidades alheias às instituições estatais –, que seus anseios e preocupações foram levados em consideração para a consecução do bem comum, finalidade única da Administração Pública.

Esse entendimento é perfilhado por Marçal Justen Filho (In ARAGÃO, 2006), no sentido de que um sistema democrático não pressupõe a ideia de que toda decisão deva ser necessariamente tomada pela maioria. A vontade que se almeja não é a geral, oriunda da maioria, mas a vontade plural, advinda da conjunção de interesses dos mais diversos grupos sociais.

Com efeito, há de se ter bastante cautela ao se falar da ampliação da participação administrativa de sorte que tal abertura não implique na eliminação da capacidade do Estado de tomar as suas decisões e de impô-las, mesmo que contra a vontade dos seus administrados (poder estatal). Isso seria pôr fim à própria concepção do Estado.

Deve-se prezar por um meio-termo, de modo que cada segmento tenha autoridade e autonomia para exercer seu poder-dever de fiscalização e de prestador de contas sobre o outro, mantendo, assim, o checks and balance.

Um desses instrumentos de controle consiste na political accountability5, ou seja, um sistema de controle e fiscalização das ações ou inações dos agentes públicos latu senso, por meio da participação popular.

Para a doutrina, a accountability possui três dimensões: a) vertical, relacionada ao sufrágio universal, seria a capacidade dos cidadãos premiar ou punir um candidato, votando a seu favor ou contra ele; b) horizontal, refere-se a mecanismos institucionais de controle e fiscalização mútuas entre os Três Poderes – checks and balances; c) societal, consiste no aperfeiçoamento do conceito de accountability vertical, na medida em que prevê a participação da sociedade, mediante mecanismos institucionais ou não, na fiscalização e no processo decisório da Administração Pública (O´DONNELL, 1998).

Ocorre que, em que pese termos avançado, ainda há uma certa resistência dos agentes públicos em prestarem contas, assumindo o ônus

5 Interessante notar que a não tradução do termo para o português revela um pouco da fragilidade e ineficiência do accountability no Brasil. A necessidade e obrigação de “prestar contas” não é, ainda, um traço marcante na cultura brasileira.

Page 58: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

58A PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO DECISÓRIO DAS AGÊNCIAS

REGULADORAS COMO PRESSUPOSTO INDISPENSÁVEL A UMA LEGITIMIDADEE EFICIENTE REGULAÇÃO SETORIAL DEMOCRÁTICA

argumentativo, e de serem responsabilizados por suas escolhas políticas. Ao mesmo tempo, os cidadãos não cobram efetivamente essa obrigação e responsabilização. Essa falta de controle político acarreta uma série de efeitos nefastos, a exemplo de ineficiência e altos índices de corrupção.

3.2. Mecanismos de Participação Administrativa na Regulação Setorial

A história, em diversas oportunidades, ensina que o espaço público de debates é condição indispensável à consecução de uma democracia plena. Compreensão que abrange também a regulação setorial. Nessa esteira, quanto maior e melhor os mecanismos estatais visando concretizar a participação administrativa, maiores as chances de se alcançar decisões mais justas, legítimas e democráticas.

Nessa linha de intelecção, Diogo de Figueiredo Moreira Neto (apud VILELA SOUTO, 2002), preleciona que há três modalidades de participação popular administrativa: a) Coleta de opinião (exposição de motivos dos participantes); b) Debate Público (confronto entre os diversos interesse em jogo) e c) Audiência Pública: confluência entre as duas primeiras modalidades, com um procedimento mais formal.

Em outra oportunidade, o renomado professor sintetiza as inúmeras vantagens de a Administração optar pela via da consensualidade, isto é, pela oitiva da sociedade: o Estado valorizaria soluções mais flexíveis, eficientes, eficazes, mais rápidas, com maior participação, menos onerosas, e mais legitimadas democraticamente6. Nessa linha de intelecção, estar-se-ia caminhando para uma regulação que prioriza a consensualidade e não a coercibilidade.

Nessa linha de intelecção, Alexandre Santos Aragão (2011) assevera que os objetivos da regulação podem ser mais facilmente alcançados se, ao invés da Administração atuar unilateralmente por meio de mecanismos

6 Percebe-se que várias são as vantagens proporcionadas pela participação popular na Administração Pública. Nesse sentido, Odete Medauar (2002) defende que o procedimento administrativo (elemento para a consecução da participação administrativa) pode surtir os seguintes benefícios: (a) garantia; (b) melhor conteúdo das decisões; (c) legitimação do poder; (d) correto desempenho da função administrativa; (e) justiça na Administração; (f ) aproximação entre administrados e Administração; (g) sistematização das ações administrativas; e (h) facilitação dos controles exercidos sobre a Administração.

Page 59: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

59Kate de Oliveira Moura - Maria Augusta Marques de Almeida Xavier

verticais coercitivos, ela buscar obter o maior número de consentimento entre os sujeitos envolvidos.

Em outras palavras, deixa-se de lado aquele velho dogma de que a Administração deve atuar de forma imperiosa para que suas finalidades sejam obtidas (método que se mostrou muitas vezes ineficiente e deveras intransigente), quando os mesmos objetivos podem ser alcançados pela via da anuência dos administrados, conciliando o conteúdo do ato unilateral ao máximo de anuência que se puder atingir dos sujeitos envolvidos, dando ensejo a um maior grau de satisfação e corresponsabilidades. Nesse espeque, a Administração atua com base na Eficiência e na Proporcionalidade.

3.3 O problema da baixa mobilidade popular brasileira como óbice ao alcance de uma regulação setorial legítima e eficiente

Em que pese toda a reticência inicial em ceder espaço público para debates como condição elementar de inserção das agências reguladoras nos limites democráticos, atualmente tais agências, insertas em uma nova concepção de gestão, trazem o processo de consultas e audiências públicas em seus sites oficiais.

De fato, todos os dias, dezenas de consultas públicas estão disponíveis nos sítios eletrônicos oficiais das agências reguladoras ligadas ao governo federal. A questão é que não há uma mobilidade popular para participação nas decisões dessas autarquias de regime especial.

O problema crucial, portanto, é refletir sobre as razões para essa apatia (falta de estímulo para a ação cidadã), abulia (recusa da participação cidadã nas decisões administrativas por desacreditar na sua eficiência e legitimidade) e acracia política (dificuldade da ação cidadã devido ao excesso de formalismo administrativo), bem como analisar de que forma podemos combater e reverter essa deletéria situação (MOREIRA NETO apud MODESTO, 2002).

Primeiramente, nada obstante existir ferramentas formais de participação popular, especialmente as consultas públicas via internet, há uma publicidade insípida no que concerne à importância dessa participação aliado a uma linguagem ainda bastante técnica que obsta a compreensão dos leigos ante a matéria tratada.

Em segundo lugar, revela-se insatisfatório a mera previsão de coletas de opinião, audiências e consultas públicas, quando elas representarem apenas um procedimento formal, desapartado do reconhecimento da

Page 60: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

60A PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO DECISÓRIO DAS AGÊNCIAS

REGULADORAS COMO PRESSUPOSTO INDISPENSÁVEL A UMA LEGITIMIDADEE EFICIENTE REGULAÇÃO SETORIAL DEMOCRÁTICA

imprescindibilidade da participação popular administrativa no processo decisório, como expressão de nossos direitos políticos, da nossa cidadania, da nossa dignidade.

Corroborando com esse entendimento, Marçal Justen Filho, de forma magistral, assevera que:

[...] a mera participação popular e a audiência da sociedade são insuficientes. É fundamental que a atividade decisória da agência incorpore a participação popular, mesmo quando não aceda com as sugestões e propostas apresentadas. Incorporar a participação popular significa reconhecer como relevante a intervenção externa, acolhendo-a ou justificando sua rejeição. Não se admite o fenômeno que se poderia qualificar como participação externa cosmética. (In ARAGÃO, 2006, p. 323).

Em terceiro lugar, não há um comprometimento das agências reguladoras em justificar fundamentalmente suas decisões, explicando a razão para a recusa de determinada contribuição de um administrado, tampouco se busca uma solução mais justa, mais consensual e mais legítima. Isso aumenta o descrédito da população quanto à própria eficiência de sua participação.

Como decorrência dessa baixa mobilização, nos deparamos com outro imbróglio: o “risco da captura”. Hipótese na qual as agências reguladoras passam a servir e instrumento para proteção e benefício de interesses setoriais aos quais se destinam a regular (JUSTEN FILHO, 2002). De acordo com a teoria da captura, a mesma se caracteriza quando a agência perde sua autonomia, condição de autoridade técnica e imparcial comprometida com a realização do interesse coletivo, e passa a reproduzir atos ou abstenções destinados a legitimar a consecução de interesses dos blocos por ela regulados.

Por fim, as reais dificuldades para a concretização de um controle popular eficiente é resultado de um baixo grau de mobilidade democrática popular, seja pela apatia, abolia ou acracia política.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme esposado, o grande debate sobre as agências reguladoras deixou, há muito tempo, de se limitar à sua autonomia reforçada,

Page 61: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

61Kate de Oliveira Moura - Maria Augusta Marques de Almeida Xavier

como elemento indispensável a sua atuação imparcial e técnica, sem vínculos de subordinação hierárquica ao Executivo Central. A discussão hodierna pauta-se na sua ausência de controle político e legitimidade democrática de tais entes administrativos.

Diante da percepção de que a participação popular no processo decisório das agências reguladoras é pressuposto indispensável a uma legítima e eficiente regulação setorial democrática, estudiosos empreenderam esforços objetivando pensar mecanismos que pudessem dirimir o déficit democrático dessas agências. Com a implantação recente desses instrumentos, passou-se a questionar a eficiência desses mecanismos.

O cerne da questão, porquanto, passou a ser: como motivar a participação cidadã em uma sociedade marcada pela baixa mobilidade democrática? Situação deveras complexa, que demanda vários estudos econômicos, políticos e sociais que não são objeto do presente estudo.

Todavia, de acordo com os estudos até então realizados, conclui-se que há, de fato, instrumentos estatais no Brasil suficientes para consolidar a participação administrativa no processo decisório das agências reguladoras, aptos a lhes conferir legitimidade e eficiência. Tais mecanismos de participação do cidadão devem ser obrigatoriamente levados em consideração no processo decisório das agências reguladoras, não cabendo falar em mera faculdade. E, principalmente, sua execução deve atender não somente a procedimentos formais, caso contrário, além de inócua, iria culminar em gastos desnecessários ao Erário.

Dessarte, a participação dos administrados é a própria expressão de seus direitos políticos. À proporção que a sociedade envolve-se no debate da regulação setorial, e percebe que a sua contribuição foi ouvida, isso gera uma cadeia de consequências: a) decisões mais justas, legítimas e eficientes: o interesse público primário passa se sobrepõe sobre a soma de todos os interesses privados envolvidos; b) controle social: a participação cidadã permite uma fiscalização mais apurada da gestão pública, concretizando o check and balance; c) sentimento de responsabilidade compartilhado pelas ações políticas tomadas; d) menor reatividade contra as decisões emanadas pelos entes reguladores, ao se prezar pela consensualidade e não pela coercibilidade, contribuindo para a harmonia social.

Por fim, o que se traz à lume, portanto, é uma transição democrática para um modelo de democracia participativa, com o pleno alcance do accountability (vertical, horizontal e societal), o que demanda uma maturidade temporal para a sua concretização final. E essa mudança de

Page 62: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

62A PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO DECISÓRIO DAS AGÊNCIAS

REGULADORAS COMO PRESSUPOSTO INDISPENSÁVEL A UMA LEGITIMIDADEE EFICIENTE REGULAÇÃO SETORIAL DEMOCRÁTICA

paradigma, ao contrário do que prega os céticos, já está acontecendo.

REFERÊNCIAS

ARAGÃO, Alexandre Santos de. O poder normativo das agências reguladoras. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011.

BINENBOJM, Gustavo. Agências reguladoras, legalidade e direitos fundamentais – limites aos poderes normativo e sancionatório da ANVISA na regulação de produtos fumígenos. Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, v. 3, n. 10, abr. 2005. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/39012>. Acesso em: 06 de maio de 2014.

BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 5ed. Brasília, ed. Universidade de Brasília. 1999.

FIDALGO, Carolina Barros. Déficit democrático e legitimação do modelo brasileiro de agências reguladoras independentes através da criação de mecanismos de participação dos administrados. II Prêmio SEAE, Rio de Janeiro, 2007. Disponível em: < www.esaf.fazenda.gov.br/premios/premios-1/premios/viii-premio-seae-de-monografias-edicao-2013/monografias-2007/3-lugar-tema-2-estudantes+&cd=7&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br&client=firefox-a >. Acesso em: 05 maio 2014.

JUSTEN FILHO, Marçal. Agências Reguladoras e Democracia: Existe um Déficit Democrático na “Regulação Independente”?. In: ARAGÃO, Alexandre Santos. (Org.). O Poder Normativo das Agências Reguladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.301-332.

______. O Direito das Agências Reguladoras Independentes. São Paulo: Dialética, 2002.

Page 63: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

63Kate de Oliveira Moura - Maria Augusta Marques de Almeida Xavier

MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Limites à abrangência e à intensidade da regulação estatal. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº 4, nov/dez 2005, jan 2006. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 06 maio 2014.

MARTINS, Fernando Barbalho. A legitimidade democrática das agências reguladoras. Revista de Direito processual Geral. n. 58, Rio de Janeiro, 2004.

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: Ed. RT, 2002.

MISSE, Daniel Ganen. História e Sentido da criação das agências reguladoras no Brasil. Disponível em: <http://www.encontro2010.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1273241978_ARQUIVO_CriacaodasAgenciasReguladorasnoBrasil.pdf>. Acesso em 06 maio 2014.

MODESTO, Paulo. Participação popular na administração pública. Mecanismos de operacionalização. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: < http://jus.com.br/artigos/2586>. Acesso em: 06 maio 2014.

O´DONNELL, Guillermo. Accountability horizontal e as novas poliarquias. Lua Nova, São Paulo, n. 44. 1998.

VILLELA SOUTO, Marcos Juruena. Agências Reguladoras. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2000, v. IV (Direito Econômico).

WIMMER, Miriam; PEIXOTO, Elisa Vieira Leonel (Coaut.). Participação e democracia nas agências reguladoras: como se conjugam autonomia decisória, especialização técnica e participação popular na Anatel. ENANPAD - Encontro da ANPAD, Rio de Janeiro, v.32 , set. 2008.

Page 64: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

64A PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO DECISÓRIO DAS AGÊNCIAS

REGULADORAS COMO PRESSUPOSTO INDISPENSÁVEL A UMA LEGITIMIDADEE EFICIENTE REGULAÇÃO SETORIAL DEMOCRÁTICA

THE POPULAR PARTICIPATION IN DECISION MAKING PROCESS OF REGULATORY AGENCIES AS AN ESSENTIAL CONDITION TO A LEGITIMATE AND DEMOCRATIC REGULATION

ABSTRACT

The present study intends to clarify the importance of popular participation in the regulatory agencies in order to ensure the application of democratic values in the exercise of the State’s regulatory functions. For this purpose, will be examined the premises concerning to the relation existent between democracy and regulatory agencies, exploring the different ways able to guarantee a democratic legitimacy. Despite, will be explored the issue of the popular participation in the decision making process of regulatory agencies as an indispensable condition for achieve a democratic regulation. In this regard, the studies will also deal with the issue of the mandatory participation, according to the Constitution from 1988 and, with the aim of clarify the instruments of the citizen participation, will be elucidated the mechanisms which contribute to the communication of the society with the regulatory agencies. Finally, notwithstanding the existence of several instruments of popular participation, criticism will be made concerning to the effective exercise of this instruments, front the visible low mobility from the Brazilian society.

Key-words: Administrative law. Regulatory agencies. State regulation. Democracy. Popular participation.

Page 65: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

A PRÁTICA DO CRIME DE DIFAMAÇÃO PELO FACEBOOK

Shirlene Marques MartinsAcadêmica do 8º período do Curso de Direito

da Faculdade Maurício de Nassau

RESUMO

A cultura de expor o pensamento, de forma mais livre, no Facebook tem proporcionado junto ao exercício da liberdade de expressão, a publicização de comentários que acabam maculando a imagem e a honra de pessoas, que se tornam vítimas do crime de difamação. Como não existe em nosso ordenamento jurídico tipificação específica, no Código Penal, relativa aos crimes contra a honra praticados via internet, a punição advém da aplicação de artigos dispostos em nosso código penalista. Desta feita, buscamos delinear neste artigo a prática do referido delito entrecortado com exemplos praticados no Facebook e como tem sido efetivada a punição para tal crime. A metodologia utilizada para a produção deste artigo foi pesquisa bibliográfica feita em livros, sites especializados e leitura de processos instaurados. Tal estudo demonstra que a prática da difamação, no Facebook, apesar de rotineira e recente, já está sendo punida. Importante ressalvar a necessidade de estudos no campo penal que estejam alinhados com as novas ferramentas de comunicação.

Palavras-chaves: Difamação. Direito Penal. Internet. Facebook.

Page 66: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

66 A PRÁTICA DO CRIME DE DIFAMAÇÃO PELO FACEBOOK

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo abordar a efetivação do crime de difamação praticado por usuários brasileiros que usam o Facebook, o qual é considerado na atualidade a maior rede social do planeta, com cerca de um bilhão de pessoas cadastrado no sistema. Somente no Brasil, o número de usuários é de aproximadamente 76 milhões. Um das estratégias do Facebook é o uso gratuito da rede social e a possibilidade que o usuário tem de fazer comentários em vários espaços, conhecidos como perfis, possibilitando uma ampla divulgação do conteúdo publicado.

Porém, muitos internautas têm utilizado as facilidades de publicação no Facebook para denegrir a imagem de pessoas e instituições, pois sabem que o impacto da divulgação das informações traz prejuízos para a esfera pública da vítima, devido à ampla exposição proporcionada. Assim, escolhemos focar neste artigo o delito de difamação, pois o mesmo tem como objeto jurídico a proteção da honra objetiva da vítima.

A escolha do tema, primeiro, deu-se a partir da relação existente entre a experiência profissional exercida no mundo da internet e a incursão de pesquisas no campo do Direito. Desta feita, procura-se entender neste artigo a relação deste tema contemporâneo aliado a questões penalistas. Presenciou-se nas pesquisas para a composição do texto, dificuldade em encontrar obras e jurisprudência dedicada ao tema. Desta feita, o artigo foi elaborado estabelecendo uma ponte entre doutrina e casos extraídos de matérias e artigos disponibilizados na internet.

2 LIBERDADE DE EXPRESSÃO EM TEMPOS DE FACEBOOK E O ATAQUE À HONRA

A vida em sociedade ganhou nuances e alcances de grande amplidão após a implementação da internet, rede mundial de computadores. Somente no Brasil, são 100 milhões de pessoas que possuem tal acesso:

O número de pessoas no Brasil com acesso à Internet superou a marca de 100 milhões pela primeira vez, segundo informações da empresa de pesquisas IBOPE Media. De acordo com o levantamento, o número de brasileiros com acesso à web foi de 102,3 milhões no primeiro trimestre deste ano. A possibilidade de escrever mensagens instantâneas provocou uma verdadeira

Page 67: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

67Shirlene Marques Martins

revolução nas formas de expressão (BRASIL, 2013).

O alto número de usuários, para o IBOPE Media1, reflete uma massificação do acesso e o processo de democratização da informação, cultura e educação. A internet, que antes era apenas um serviço de comunicação para grupos restritos, tornou-se um meio capaz de conectar milhões de pessoas ao redor do mundo com uso de ferramentas como sites de relacionamento, blogs e e-mails.

As formas de convivência foram afetadas e a comunicação que antes dependia apenas da utilização de meios como a carta e o telefone foi sendo substituída por artefatos como programas e sites de computador. A expressão do pensamento, que antes era feita em jornais e rádios, também ganhou novas formas de se manifestar, principalmente com a chegada das redes sociais. De acordo com Raquel Recuero (2009), autora do livro Redes Sociais na Internet, uma rede social é definida como um conjunto de dois elementos: atores (pessoas, instituições ou grupos; os nós da rede) e suas conexões (interações ou laços sociais):

Essas ferramentas proporcionaram assim, que atores pudessem construir-se, interagir e comunicar com outros atores, deixando, na rede de computadores, rastros que permitem o reconhecimento dos padrões de suas conexões e a visualização de suas redes sociais através desses rastros (RECUERO, 2009, p. 22).

Uma das redes pioneiras foi o Orkut2 (2004), que perdeu grande número de usuários que migraram para o Facebook3 (2004). Conforme estatísticas divulgadas em sites especializados de notícias sobre internet, como o portal da Globo (2013), o Facebook ocupa a primeira posição em número de usuários no mundo, são 1 bilhão e 150 milhões de usuários cadastrados, o que torna o Facebook, a maior rede social do planeta.

1 O IBOPE Media é a unidade de negócios do Grupo IBOPE responsável por prover o mercado com pesquisas sobre o consumo de todos os meios. 2 Criado em janeiro de 2004 pelo engenheiro turco Orkut Büyükkökten, de quem herdou o nome, o Orkut foi, por seis anos, a maior rede social da internet no Brasil. 3 Também criado em 2004, mas que disponibilizou acesso mais amplo, somente em 2006.

Page 68: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

68 A PRÁTICA DO CRIME DE DIFAMAÇÃO PELO FACEBOOK

No Brasil, 76 milhões de usuários são cadastrados no Facebook4, o que faz com que o país ocupe um papel de relevância no ranking global. De acordo com matéria publicada no portal G1 da Rede Globo (BRASIL É, 2013), o país está em terceiro lugar, atrás apenas da Índia (2º Lugar) e do primeiro colocado, os Estados Unidos.

Um dos grandes trunfos do Facebook é a possibilidade do usuário ter liberdade para publicar (postar) comentários, frases não somente em seu perfil, como em páginas e perfis que não fazem parte do seu grupo. Isto possibilita que a publicização de conteúdo se espalhe rapidamente e alcancem grande quantidade de leitores/usuários.

Assim, a Rede Social possibilita ao usuário tanto a troca de informações benéficas como a publicação de comentários que objetivam trazer consequências danosas para a imagem, a honra e a dignidade de pessoas, quer sejam, ou não, usuárias do Facebook.

No texto, A origem do Facebook de Carlos Alberto Teixeira, o autor suscita questionamentos relativos ao poder dado ao usuário e a questão regulatória:

Como o Facebook irá alterar as interações de seus usuários no mundo real? Como responderão os governos repressivos a esta nova ferramenta que confere tanto poder ao usuário? Será que um serviço como o Facebook precisa ser regulado? (TEIXEIRA, 2012).

De acordo com Martha Christina Motta da Silva, autora do trabalho intitulado Divulgação indevida de dados e informações via internet: análise relativa à responsabilidade civil, a potencialidade lesiva de informações postadas em uma rede social tem um alto grau, devido ao número elevado de pessoas que fazem parte da rede de cada usuário.

É que, nessa hipótese, o objetivo não é o de reunir um grupo com interesses comuns, mas reunir o maior número possível de agregados a uma dada rede de amigos, no caso do Orkut e do Facebook, ou de seguidores, caso do Twitter. Nessa perspectiva, constata-se, atualmente, um aumento de incidência de condutas lesivas à honra praticadas nas redes

4 Utilizaremos a expressão a Rede Social para nos referirmos ao Facebook em algumas passagens do texto, daqui em diante.

Page 69: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

69Shirlene Marques Martins

sociais, encontrando-se inúmeros exemplos em concreto, ora divulgados na mídia. Algumas delas são, claramente, caracterizadas como lesivas (SILVA, 2010, p. 32).

Tal liberdade oferecida pelo Facebook aos usuários tem proporcionado a muitos deles, a possibilidade para a prática de delitos, entre eles o de difamação, foco deste artigo. Usuários utilizam a Rede para publicar, de maneira explícita, fatos que trazem prejuízo à honra para uma vítima, praticando crimes como o de calúnia e de difamação.

O desenvolvimento das ferramentas de comunicações e o crescimento vertiginoso da Internet e do uso de redes sociais vêm revolucionando os relacionamentos entre as pessoas e gerando sérias consequências de ordem moral, social, política, econômica e, obviamente, jurídica (SILVA, 2012).

Muitas vítimas, já cientes dos seus direitos têm procurado as autoridades como a Polícia e o Poder Judiciário com o intuito de terem os seus direitos garantidos. De acordo com a Polícia Civil de Manaus: “Registros de crimes contra a honra, como calúnia, difamação, injúria e ameaça, cometidos na internet, que há cinco anos não eram comuns, passaram a ser frequentes nos Distritos Integrados de Polícia (DIPs) da Polícia Civil, em Manaus” (REGISTROS, 2010).

Quais são as características do delito em questão? Qual é o direito da vítima? O que deve ser resguardado é protegido?

2.1 Proteção da honra da pessoa humana

A pessoa humana em sua complexidade compõe-se de aspectos físicos, psicológicos, espirituais e morais. A formação de cada ser através dos tempos vai resultando em características únicas, que se revelam dentro de cada grupo social, e que distinguem cada pessoa. Este constructo exterioriza uma faceta nossa para o outro.

Além de sermos conhecidos por nossos atributos físicos, nome e parentesco, refletimos para os outros, no meio social, uma imagem do que somos e do acreditamos ser e temos o direito de que o outro respeite esta nossa qualidade. Cada pessoa possui uma honra, um conjunto de condutas que estão de acordo com os princípios de vida e de moralidade de cada uma.

A proteção da honra em nosso Estado encontra guarida em nosso

Page 70: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

70 A PRÁTICA DO CRIME DE DIFAMAÇÃO PELO FACEBOOK

ordenamento constitucional e no Código Penal. A Constituição Federal, em seu art. 1º , inciso III, prescreve que o nosso país tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana e que a efetivação de tal qualidade deve ser garantida pelo nosso Estado.

Uma destas garantias está posta no inciso X do art. 5º da Constituição Federal, o qual aponta que a honra da pessoa é um bem considerado inviolável, deixando (implícita ou explicitamente) claro que cabe a obrigação de respeitar o outro, em sua individualidade: “X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Para que tal honra seja protegida, o legislador tipificou figuras no Código Penal. No capítulo intitulado “Dos Crimes contra a honra” (que estão descritos nos artigos que vão de 138 até 145), há uma catalogação de três delitos contra a honra: a calúnia (art. 138), difamação (art. 139) e injúria (art. 140). Tal honra estaria dividida em dois tipos, uma honra objetiva e outra subjetiva. “A honra objetiva estaria voltada ao conceito que o sujeito goza no seu meio social. A honra subjetiva cuida do conceito que a pessoa tem de si mesma, dos valores que ela se auto-atribui e que são maculados com o comportamento levado a efeito pelo agente” (GRECO, 2007, p. 416).

Assim, os crimes de calúnia e difamação atentam contra a honra objetiva do agente, já o crime de injúria atinge a honra de natureza subjetiva. Como o foco do nosso trabalho é o crime de difamação, passaremos no próximo item a construir uma tentativa que consiga dialogar com a codificação penalista e doutrinária do delito e sua expressão no Facebook.

Pretende-se construir no item a seguir um encadeamento teórico e exemplificativo do delito em análise, com a inserção de exemplos da prática do delito por usuários do Facebook. Importante destacar a falta de material teórico sobre o tema, o que conduziu a escolha desta alternativa, no intuito de deixar o texto mais claro e atual.

3 A PRÁTICA DA DIFAMAÇÃO NO FACEBOOK

Quando um agente imputa fatos à vítima, que ofendem a reputação da mesma, o agente está praticando o delito de difamação, o qual está tipificado no art. 139 do Código Penal.

A partir do momento em que o agente ofende a reputação da vítima, traz consequências negativas para todo um círculo de convivência social. Os

Page 71: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

71Shirlene Marques Martins

prejuízos se refletem nos variados ambientes. Greco (2007) citando Emiliano Borja Jiménez aponta que:

Quanto mais positiva essa imagem social, maiores condições terá o indivíduo para desenvolver livremente sua personalidade e ser mais feliz. E, vice-versa, quanto mais negativa seja dita imagem, maiores problemas encontrará o sujeito para levar a cabo sua vida em comum com seus semelhantes, e possivelmente seja mais desgraçado (GRECO, 2007, p. 415).

O fato ofensivo utilizado pelo agente para difamar a vítima, pode se tratar de um evento verdadeiro ou não. Mesmo assim, haverá a configuração da difamação:

Isso significa que, mesmo sendo verdadeiro o fato, o que se quer impedir com a previsão típica da difamação é que a reputação da vítima seja maculada no seu meio social, uma vez que o que se protege aqui é sua honra considerada objetivamente, ou seja, como já frisamos, o conceito que o agente presume que goza perante a sociedade (GREGO, 2007, p. 445).

O bem juridicamente protegido é a honra objetiva, referida à reputação social. Assim, quando um agente tem o objetivo de levar, ao conhecimento dos outros, fatos desonrosos à vítima, que tragam reprovação e desprezo para a mesma num meio social, estamos diante do delito. Assim, o objeto material é a pessoa à qual foram dirigidas tais ofensas.

Tal reputação pode ser denegrida associando o nome da vítima a uma doença grave, que gere repulsa no meio social. Uma destes casos aconteceu na cidade de Vargem Grande do Sul, São Paulo, no ano de 2012. Um motorista foi vítima de difamações postadas no Facebook, alegando que o mesmo era portador do vírus HIV5:

Ele relata que no início de novembro, tomou conhecimento através de sua amiga ARCR, 37 anos, que uma pessoa estaria lhe difamando através do site de relacionamentos Facebook. Identificada por um nome feminino, o perfil adicionou sua colega e começou a fazer várias afirmações extremamente

5 HIV é a sigla em inglês do vírus da imunodeficiência humana. Ter o HIV não é a mesma coisa que ter a AIDS.

Page 72: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

72 A PRÁTICA DO CRIME DE DIFAMAÇÃO PELO FACEBOOK

pejorativas a respeito do motorista, dizendo até que ele tinha transmitido o vírus HIV para uma parente de ARCR (CALÚNIA, 2012).

Neste caso, é importante destacar que o tipo penal tem como objetivo punir a imputação de fato determinados, sejam eles falsos ou verdadeiros, mas que tenham o objetivo de macular a reputação da vítima. No caso acima, mesmo que a vítima ARCR fosse portadora do vírus, a agente causadora de tal informação no Facebook não tem o direito de expor tal situação para um grande número de pessoas com o objetivo de denegrir.

No delito de difamação, o agente causador não tem direito à exceção da verdade, como posto no parágrafo único do art. 139 do Código Penal. De acordo com Grego (2007), de nada adiantaria comprovar que os fatos divulgados pelo agente são verdadeiros. Cabe exceção da verdade apenas quando o ofendido é funcionário público e a ofensa seja relativa ao exercício das funções.

O delito de difamação pode ter como sujeito ativo qualquer pessoa, o que faz com que o Facebook utilizado por milhões de brasileiros seja um campo fértil para ser utilizado como ferramenta para tais difamações. Em relação ao sujeito passivo, além das pessoas físicas, pessoas jurídicas também podem ter sua reputação atingida:

Pode, portanto, ser perfeitamente possível que uma pessoa jurídica se veja atingida em sua reputação com fatos divulgados pelo agente que denigrem a sua imagem perante a população, fazendo inclusive com que, em virtude disso sofra prejuízos materiais (GRECO, 2007, p. 447).

Tais prejuízos acontecem devido à falta de credibilidade que pode ser associada a uma empresa, como o fato de atribuir incompetência na realização de determinada atividade. De acordo com matéria publicada no portal JusBrasil, uma desta vítimas foi o Laboratório Sodré (São Paulo), especializado em exames toxicológicos para concursos: “Segundo a empresa, os ataques tiveram como objetivo fazer com que candidatos a concursos públicos das Polícias Militares em Santa Catarina, Bahia e Tocantins escolhessem outros laboratórios para fazer os exames toxicológicos obrigatórios” (LIMINAR, 2013).

A matéria indica que falsas denúncias foram postadas em comunidades específicas para concursos no Facebook e no Correioweb, espaços que são acessados por um grande número de “concurseiros”. De acordo

Page 73: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

73Shirlene Marques Martins

com o advogado, a empresa normalmente é responsável por 40% dos exames toxicológicos feitos para concursos públicos, porém, após as difamações, o número caiu de forma drástica:

Na Bahia, estado em que duas mil pessoas participavam da disputa, apenas dois candidatos foram ao local fazer os testes. Além disso, alguns laboratórios conveniados chegaram a mencionar o descredenciamento, para evitar prejuízos à imagem (LIMINAR, 2013).

Percebe-se que nos dois exemplos citados anteriormente, as vítimas sofreram comentários desabonadores que chegaram até terceiros. Tais comentários não foram dirigidos apenas para a vítima, de forma restrita. Assim, para que tal delito chegue a ser consumado é necessário que um terceiro, que não a vítima, tome conhecimento dos fatos ofensivos à reputação da mesma. De acordo com Greco (2007) também se faz necessário que tal fato chegue ao conhecimento da vítima, para que a mesma possa propor ação penal contra o agente difamador, no prazo de 6 (seis) meses, sob pena de ocorrer a decadência do seu direito de ação.

Como estamos fazendo uma relação entre o delito e um meio de comunicação que permite a escrita, o delito também admite a forma tentada. Porém, só estará consumado se a difamação chegar ao conhecimento de terceiros. Dentre as funcionalidades do Facebook existe a possibilidade do envio de mensagens somente privadas, desta feita não estaríamos diante do crime de difamação, mas sim de injúria.

Quando um agente escreve comentários revelando fatos que tragam prejuízo ao outro, está claro que há um desejo de produzir um dano. Portanto, o delito de difamação somente admite a modalidade dolosa. Dolo este que será praticado com a intenção de propalar fatos difamadores para um grande número de pessoas. Por exemplo, a partir do momento em que um usuário do Facebook usa uma conta para referir-se à vítima utilizando palavras grosseiras e qualificando sua vida sexual, não agiu de forma culposa.

O usuário do Facebook Sérgio da Silva Miranda, no mês de julho de 2013, postou na rede social comentários negativos relacionados à pessoa de Josimar Ferreira, diretor de um portal na internet. As falas de Sérgio Miranda fizeram alusão ao suposto fato da vítima ter sido abusado sexualmente na infância, além de tecer comentários relacionados à vida sexual do difamado. No texto fica claro o dolo e a publicização de fatos que denigrem a honra da vítima:

Page 74: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

74 A PRÁTICA DO CRIME DE DIFAMAÇÃO PELO FACEBOOK

Não entra na pilha do Josimar Ferreira não, ele é apenas um recalcado vive de criticar pra chamar a atenção de alguém, precisa ir ao psicólogo pra ver se foi abusado na infância ou algo do tipo..Pq ele também estava lá na inauguração só não deitou e rolou no gramado por ser travado socialmente, enquanto os demais deitavam e rolavam sendo felizes, ele imaginava mais uma besteira pra falar...Ele é apenas um destes internautas que não namoram, não fazem sexo, vivem uma vidinha virtual tentando chamar a atenção de uma meia dúzia, que não tem a sua sexualidade definida por isso precisa chamar a atenção das pessoas... (PONTO, 2013).

3.1 Aspectos punitivos da difamação

No Brasil, ainda não existe uma legislação específica que tipifique os crimes contra a honra praticados pela internet. Assim, utiliza-se a Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40) para punir os chamados crimes digitais ou cibernéticos que são lesivos à honra. É importante frisar que houve um avanço com a tipificação criminal de delitos informáticos através da Lei nº 12.737, de 30 de novembro de 2012, chamada de “Lei Carolina Dieckmann6”. Porém, deixamos claro, que tal tipificação tem como meta a punição de crimes que envolvem a esfera da privacidade.

A tipificação voltada para o objeto de estudo deste artigo, o delito de difamação, o inclui nos chamados crimes de menor potencial ofensivo, que são aqueles no qual a pena máxima cominada em abstrato não ultrapassa o limite de dois anos. O art. 139 do CP indica que a pena para a prática da difamação, é de detenção, de 3 (três) meses a 1(um) ano, e multa. Porém, esta pena pode sofrer um aumento de um terço, nos termos do caput do art. 141 do Código Penal. Portanto, quando um agente pratica o delito utilizando o Facebook, pode ter sua pena aumentada em um terço, pois o seu comportamento enquadra-se no inciso III, do art. 141, o que daria uma pena de detenção de no máximo um ano e quatro meses. Devido ao limite da pena não ultrapassar os dois anos, a competência para o processo e julgamento cabe ao Juizado Especial Criminal, nos termos do art. 61 da Lei 9.099/05.

6 Divulgou-se amplamente que no mês de maio de 2012, fotos da atriz foram divulgadas na internet após terem sido copiadas do seu computador por crackers. Os responsáveis pela divulgação, após copiarem as fotos, extorquiram a vítima para que não expusessem suas imagens na internet, como a mesma não aceitou o trato, as imagens foram divulgadas.

Page 75: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

75Shirlene Marques Martins

Caso deseje, a vítima de uma difamação no Facebook tem direito de mover uma ação de iniciativa privada, ou pode dispor deste direito. A vítima que fizer a escolha de buscar a punição do difamador, deve procurar uma delegacia de polícia e narrar os fatos. Em muitos estados, ainda não existem delegacias específicas para os crimes praticados na internet. De acordo com o portal Safernet, estão em atuação unidades especializadas em cibercrimes no Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo. Caso o vitimado não encontre a especializada, ele deve procurar uma delegacia mais próxima. Com a popularização do Facebook, o número de vítimas que tem procurado as delegacias tem aumentado.

Registros de crimes contra a honra, como calúnia, difamação, injúria e ameaça, cometidos na internet, que há cinco anos não eram comuns, passaram a ser frequentes nos Distritos Integrados de Polícia (DIPs) da Polícia Civil, em Manaus. De acordo com a delegada do 11º DIP, no Coroado, zona leste, Suely Costa, as redes sociais como Orkut, Messenger, Facebook e ainda os e-mails são os canais utilizados para propagar calúnias e injúrias contra as vítimas (REGISTROS, 2010).

Na delegacia é produzido um TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência) que a ser encaminhado para o Juizado Especial Criminal, onde haverá uma tentativa de conciliação entre ofendido e ofensor. Como a pena do crime não ultrapassa dois anos, o juiz pode converter a mesma em restritiva de direitos. Ou seja, a possibilidade de alguém ir preso por ter praticado o crime é mínima. Além de pedir uma punição na esfera penal, a vítima também tem o direito de exigir uma compensação financeira por danos morais.

Pesquisas feitas na internet já mostram alguns julgados, realizados na esfera cível, que são favoráveis para as vítimas que foram difamadas no Facebook. De acordo com informações postadas, em abril de 2013, no portal Jus Brasil, a 3ª Vara do Juizado Especial de Campo Grande julgou procedente a ação movida por A. F. G. contra Z. D. A ré publicou difamações e injúrias contra a vítima, que é pai de santo, no Facebook, sendo condenada ao pagamento de R$ 4.000,00 a título de danos morais ao autor. Segue trecho do texto publicado no Facebook, o qual atribui à casa de candomblé o fato de ser um grupo formado por loucos e medíocres, que pode levar os frequentadores à loucura:

Cuidado com esses enganadores que se apossam de títulos de pai de santo, porque na verdade são pessoas doentes e

Page 76: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

76 A PRÁTICA DO CRIME DE DIFAMAÇÃO PELO FACEBOOK

aproveitadores da ignorância e inocência de pessoas leigas. Se passarem pela Orla Morena, podem ver a placa de um falso Ilê, cuspa no chão, pois ali estão os medíocres e culto de malucos que vão levar muitos para o um HOSPÍCIO!!! (JUSTIÇA, 2013).

A sentença da Justiça de Campo Grande julgou a ré culpada baseada na afirmação de que a mesma atacou diretamente a pessoa da vítima:

[...] se a finalidade da ré era apenas a de alertar sobre um suposto exercício ilegal de profissão praticado pelo autor, poderia ter feito o aviso sem injuriar e difamar o requerente, motivo pelo qual, considero que extrapolou o seu dever legal e, assim, deve ser responsabilizada por tal excesso (JUSTIÇA, 2013).

Para não fugirmos do tema proposto neste artigo, decidimos não extrapolar com mais exemplos da área cível, trouxemos o aludido apenas com o intuito de revelar que na área supracitada, os julgados relacionando ao Facebook e difamação já são uma realidade em nosso país. Durante a nossa pesquisa virtual, não foi encontrado nenhum caso na esfera penal, que tivesse gerado a pena de detenção, conforme exposto em nosso Código Penal.

4 CONCLUSÃO

A relação entre a prática da difamação e o uso do Facebook como canal de expressão para a realização do delito assume uma faceta contemporânea para a efetivação do delito. Para os que usam a rede com tal objetivo negativo, ela tem possui várias características que se amoldam ao intuito do agente que pretende promover um ataque à honra subjetiva: grande alcance de público, instantaneidade e publicização de qualquer tipo de comentário, em múltiplos perfis.

Assim, chega-se a conclusão de que o Facebook é espaço privilegiado para tal delito e que cabe a cada cidadão fazer uso da ferramenta de modo a não prejudicar a esfera privada do outro. Assim, é essencial uma atuação positiva tanto dos que fazem o Facebook, no sentido de barrar usuários que praticam tais condutas lesivas, como da Justiça na esfera punitiva. No momento em que a punição alcança este tipo de usuário a Justiça mostra que a liberdade de expressão tem seus limites e que a honra de cada indivíduo deve ser

Page 77: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

77Shirlene Marques Martins

preservada, como elemento de convivência mais harmoniosa em sociedade.Apesar de não termos tido acesso a livros, nem trabalhos acadêmicos

específicos sobre a abordagem aqui tratada, há uma sensação de dever cumprido. Sensação de estar escrevendo algo, ainda embrionário, mas que possa servir de ponto inicial para trilhas mais longas.

REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. v.2.

BRASIL chega a 76 milhões de usuários ativos no Facebook. Portal Terra – Tecnologia. Disponível em: <http://tecnologia.terra.com.br/brasil-chega-a-76-milhoes-de-usuarios-ativos-no-facebook,b9f019fd65870410VgnCLD2000000ec6eb0aRCRD.html>. Publicado em 14 de Agosto de 2013. Acesso em: 14 de set. 2013.

BRASIL é o 2º país com mais usuários que entram diariamente no Facebook. G1 – GLOBO. Disponível em: <http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2013/09/brasil-e-o-2-pais-com-mais-usuarios-que-entram-diariamente-no-facebook.html>. Publicado em 12 de setembro de 2013. Acesso em: 15 de set. 2013

BRASIL ultrapassa 100 milhões de pessoas com acesso à Internet. IBOPE. Disponível em:<: http://www.ibope.com.br/pt-br/ibope/quemsomos/unidadesnegocio/ibopemedia/Paginas/IBOPE-Media.aspx>. Acesso em: 22 de set. 2013

BRITO, Auriney. Análise da Lei 12.737/12 – “Lei Carolina Dieckmann”. Atualidades do Direito. Disponível em: <http://atualidadesdodireito.com.br/aurineybrito/2013/04/03/analise-da-lei-12-73712-lei-carolina-dieckmann/>. Acesso em 25 de set. 2013.

Page 78: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

78 A PRÁTICA DO CRIME DE DIFAMAÇÃO PELO FACEBOOK

CALÚNIA no Facebook vira caso de polícia. Jornal Parabrisa. Disponível em: <http://www.parabrisa.com.br/index.php?page=noticias&stl=2&id=8054>. Publicado em 14 de dezembro de 2012. Acesso em 14 de set. de 2013.

CONGO, Mariana. Um terço dos brasileiros tem Facebook: País se torna o 2º em número de usuários. Blog Estadão. Disponível: <http://blogs.estadao.com.br/radar-tecnologico/2013/01/23/um-terco-dos-brasileiros-tem-facebook-pais-se-torna-o-2o-em-numero-de-usuarios/>. Publicado em 23 de janeiro de 2013 . Acesso em: 14 de set. 2013.

DANTAS , Rosalliny Pinheiro. A honra como objeto de proteção jurídica. Portal Âmbito Jurídico. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?nlink=revista_artigos_leitura&artigo_id=11017>. Acesso em: 14 de set. 2013.

FACEBOOK aumenta esforços para mostrar resultados de anúncios. O GLOBO. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/tecnologia/facebook-aumenta-esforcos-para-mostrar-resultados-de-anuncios-10056752>. Acesso em: 22 de set. 2013.

FACEBOOK informará IP de quem difamou laboratório. Sindicato da Notícia. Disponível em: <http://www.sindicatodanoticia.com.br/2013/08/facebook-informara-ip-de-quem-difamou.html>. Acesso em: 21 de set. 2013.

FALTA de lei sobre crimes virtuais leva à impunidade, diz especialista. PORTAL JUS BRASIL. Disponível em: <http://alexandre-theniense.jusbrasil.com.br/noticias/2530003/falta-de-lei-sobre-crimes-virtuais-leva-a-impunidade-diz-especialista>. Acesso em: 21 de set. 2013.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial. 3. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007. v.2

Page 79: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

79Shirlene Marques Martins

JESUS, Damásio Evangelista de. Código Penal anotado. 33. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 201. v.2.

JUSTIÇA concede danos morais por injúrias publicadas no Facebook. Portal Jus Brasil. Disponível em: <http://tj-ms.jusbrasil.com.br/noticias/100481611/justica-concede-danos-morais-por-injurias-publicadas-no-facebook>. Acesso em: 21 de set. 2013.

LIMINAR obriga Facebook a informar IPs de autores de difamação a laboratório. Jus Brasil. Disponível em: <http://juspodivm.jusbrasil.com.br/noticias/100636325/liminar-obriga-facebook-a-informar-ips-de-autores-de-difamacao-a-laboratorio?ref=home>. Acesso em 25 de set. 2013.

LOPES, Bruno de Oliveira. A Linguagem dos Blogs e as Redes Sociais Virtuais. Monografia apresentada no curso de Tecnologia em Informática para a Gestão de Negócios. FATEC. São Paulo: 2009.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Especial. 30. ed. rev. e atual São Paulo: Atlas, 2013. v. 2

O que é HIV. Ministério da Saúde. Disponível em:<http://www.aids.gov.br/pagina/o-que-e-hiv>. Acesso em: 21 de set. 2013.

PONTO Novo: difamação e injúria postadas no Facebook vão parar na Justiça. Ponto Novo. Disponível em: <http://www.pontonovo.net/2013/07/ponto-novo-difamacao-e-injuria-postadas.html>. Acesso em 20 de set. 2013.

RECUERO Raquel. Redes sociais na Internet. Porto Alegre: Sulinas, 2009.

REGISTROS de calúnia na internet agora são comuns nas delegacias. D24am.

Page 80: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

80 A PRÁTICA DO CRIME DE DIFAMAÇÃO PELO FACEBOOK

Disponível em: <http://www.d24am.com/noticias/tecnologia/registros-de-calunia-na-internet-agora-sao-comuns-nas-delegacias/4723>. Publicado em 08 de agosto de 2010. Acesso em: 20 de set. 2013.

SILVA, Martha Christina Motta da . Divulgação indevida de dados e informações via Internet: Análise relativa à responsabilidade civil - Rio de Janeiro, 2010.

SILVA, Taís Carvalho. O exercício do direito à liberdade de expressão nas redes sociais e a tutela preventiva dos direitos de personalidade das pessoas jurídicas. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3149, 14 fev. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/21075>. Acesso em: 15 set. 2013.

TEIXEIRA, Carlos Alberto. A origem do Facebook. Saiba sobre a história da rede social mais popular do mundo que abre capital nesta sexta-feira. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/tecnologia/a-origem-do-facebook-4934191>.Publicado em 12 de maio de 2012. Acesso em 20 de set. 2013.

UM passeio pelas ruínas do Orkut. O GLOBO. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/tecnologia/um-passeio-pelas-ruinas-do-orkut-uma-cidade-fantasma-7931668> Acesso em: 22 de set. 2013.

THE CRIME OF DEFAMATION BY FACEBOOK

ABSTRACTY

The culture of freely exposing the thoughts on Facebook has provided, along with the exercise of the freedom of speech, the popularization of comments that end up tarnishing the image and the honor of people, who become victims of the crime of defamation. As there is no specific law in our classification, the Penal Code, relating to

Page 81: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

81Shirlene Marques Martins

crimes committed against the honor via Internet, the punishment comes from the application of punitive articles arranged in our code. This time, we tried to outline in this article referred to the practice of choppy offense practiced with examples on Facebook and has been honored as the punishment for such a crime. The methodology used to produce this article was bibliographical survey of books, websites and specialized reading prosecutions. This study demonstrates that the practice of defamation on Facebook, despite being usual and recent, is already being punished. Important to highlight the need for studies in the criminal field, that are aligned with the new tools of communication.

Keywords: Defamation. Criminal Law. Internet. Facebook.

Page 82: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista
Page 83: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

A PUBLICIDADE ABUSIVA E O SEXISMO NA PUBLICIDADE DE CERVEJA SOB A ÓTICA DO

MICROSSISTEMA DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR

Natália Eugênia da Cunha PegadoAcadêmica do 8º período do Curso de Direito da UFRN

Thaís Medeiros da Costa

Acadêmica do 8º período do Curso de Direito da UFRN

Fabrício Germano AlvesProfessor Orientador

RESUMO

Um dos aspectos mais controversos e debatidos no âmbito do Direito das Relações de Consumo diz respeito aos valores que determinam a abusividade ou não, dos anúncios, dos conteúdos publicitários tão comuns atualmente. A regulamentação deste setor de atividades aparenta ser ampla e bastante completa, o que, no entanto, não impede a continuidade de condutas abusivas e irregulares, cada vez mais maquiadas sob o prisma da inocência dos anunciantes. Dentro dessa perspectiva, o presente trabalho analisará de que forma se dá a publicidade abusiva, as complicações advindas de suas subjetividades, a questão do sexismo em um determinado grupo seleto de “propagandas” e de que modo a sistemática de tutela aos direitos do consumidor cumpre – ou não – seu papel nesse contexto.

Palavras-chave: Direito do Consumidor. Publicidade Abusiva. Sexismo.

Page 84: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

84

1 INTRODUÇÃO

É incontestável que a mídia exerce um poder substancial sobre a sociedade, moldando pensamentos e comportamentos, reforçando estereótipos e adequando padrões aos seus próprios interesses (BRITTO; GASTALDO, 2006). A imprensa não é neutra, como muito se insiste em afirmar, até porque a espinha dorsal dos veículos de comunicação reside na publicidade, arma com a qual o capitalismo propaga a sua ideologia e exerce o seu poder.

A publicidade difere da propaganda, pois aquela sempre terá como objetivo difundir um produto ou serviço de determinado fornecedor, ou até mesmo o próprio fornecedor, por meio de mensagem direcionada à público-alvo, consumidor em potencial (CABRAL, 2003).

Nesse sentido, o discurso publicitário é um artefato cultural (COSTA; SOUZA, 2011) que se encontra repleto de representações de situações ideais, sendo esta forma muito mais eficaz de atrair a atenção do consumidor do que um discurso persuasivo direto (BRITTO; GASTALDO, 2006). Nesse sentido, o recurso persuasivo joga com os estereótipos como uma forma de assegurar uma maior aceitação pelo público-alvo, a despeito das implicações éticas que tal recorte da realidade possa vir a causar (MOREIRA, 2012).

Diante disso, a imagem da mulher frequentemente sofre os efeitos negativos deste engessamento do papel de cada indivíduo na sociedade. Classicamente a publicidade ligou a figura feminina aos afazeres domésticos e à sexualidade exacerbada. Atualmente existe uma maior preocupação em mostrar a mulher como uma figura profissionalmente bem-sucedida, mas ainda lidando com responsabilidades domésticas, como se este fosse o ideal a ser seguido (MOREIRA, 2012). A publicidade, assim, reforça as cobranças feitas sobre a mulher por uma sociedade sexista.

O caso dos anúncios de cerveja é emblemático para ilustrar o caráter sexista do discurso publicitário e por isso foi escolhido como escopo do presente artigo. O consumo de tal bebida alcoólica é comumente associado ao universo masculino e, portanto, enseja a produção de peças publicitárias claramente voltadas ao referido público-alvo, por meio da reprodução de uma situação ideal de divertimento e prazer (COSTA; SOUZA, 2011).

Este ambiente ideal representa aquilo que chamam de “normatização da felicidade”, a qual reforça estereótipos e padrões difundidos pela sociedade, rejeitando, por consequência ideologias contra-hegemônicas que possam afetar a aceitabilidade da marca e do produto (BRITTO; GASTALDO, 2006). Nesse

A PUBLICIDADE ABUSIVA E O SEXISMO NA PROPAGANDA DE CERVEJASOB A ÓTICA DO MICROSSISTEMA DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR

Page 85: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

85

sentido, percebe-se que o risco de macular a imagem da empresa, diminuindo assim o lucro, impõe um caráter conservador ao discurso publicitário, por mais contraditório que isto possa ser, diante de uma atividade que, à primeira vista, é eminentemente criativa.

De fato, a referida “normatização da felicidade” se baseia na venda de uma ideia, de um estilo de vida, não mais de um produto. Portanto, consumir passa a ser um meio para atingir um padrão de felicidade ideal que nos comerciais de cerveja é representado por festas, praia e mulheres com o corpo vendido pela mídia como o ideal (COSTA; SOUZA, 2011).

Dessa forma, o presente trabalho se propõe a analisar o sexismo de tais propagandas à luz do Código de Defesa do Consumidor, buscando elencar de que forma tais peças podem ser consideradas “publicidade abusiva” e como esta prática pode ser combatida por meio das ferramentas dispostas pelo referido Código. Ao longo do texto também serão tecidos comentários sobre o caso da publicidade da Cerveja Nova Schin o qual teve repercussão nacional por seu caráter claramente atentatório à dignidade sexual da mulher, conforme será exposto mais adiante.

2 A LEGITIMIDADE DA LIMITAÇÃO AO DIREITO DE PUBLICIDADE

Conforme já explanado anteriormente, a publicidade está inserida no contexto da mídia e possui potencial para moldar padrões e endossar estereótipos. No entanto, ao contrário da imprensa, a atividade publicitária não goza de uma liberdade de expressão plena, uma vez que seus objetivos são distintos entre si.

A liberdade de expressão e criação do publicitário está vinculada à ética mercantil. Assim, não há que se falar em garantia plena de tal liberdade, posto que, ao contrário de uma obra de arte, por exemplo, o anúncio publicitário é um meio que tem como fim a venda de um produto ou prestação de serviço, sendo esta a sua única razão de existir (NUNES, 2012).

A atividade publicitária nada mais é que um momento da atividade comercial. Por isso, não deve ser protegida à luz da garantia à liberdade de expressão e opinião, posto que não é discurso jornalístico, nem exclusivamente ou preponderantemente científico, intelectual ou artístico, utilizando-se destes apenas como um instrumento para o alcance de um fim, a venda do produto anunciado (BENJAMIN, 1994).

Portanto, o direito de publicidade não é decorrente da liberdade

Natália Eugênia da Cunha Pegado - Thaís Medeiros da Costa

Page 86: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

86

de opinião e expressão, mas sim do direito à livre iniciativa. Dessa forma, encontra-se submetido aos imperativos constitucionais que limitam este direito, quais sejam a livre concorrência, a proteção ao meio ambiente, a defesa do consumidor e a função social da propriedade (BENJAMIN, 1994).

Nesse sentido o controle e a tipificação de condutas ilícitas decorrentes da atividade criativa publicitária é perfeitamente cabível sob o ponto de vista constitucional, uma vez que se inserem nas reservas legais impostas ao exercício do direito à livre iniciativa, o qual encontra no fenômeno aqui analisado um importante sustentáculo de sua fruição.

3 PUBLICIDADE ABUSIVA E SEXISMO

O Código de Defesa do Consumidor foi desenvolvido já na vigência dos princípios que emanam do texto constitucional de 1988. No intuito de assegurar a efetividade das garantias fundamentais elencadas ao longo da Constituição Federal, o constituinte estabeleceu limites para a exploração do mercado, tais como a limitação à exploração do recursos minerais pelo ente privado (art. 176) e a restrição da propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora a brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 anos (art. 222).

A publicidade, como ferramenta indispensável à exploração mercantil não passou imune a tais restrições, estando, assim, vinculada ao princípio da função social da propriedade (art. 170, III), o qual decorre dos fundamentos da própria República, quais sejam, o valor social do trabalho e da livre iniciativa (art. 1o, IV) (NUNES, 2012).

Não há sociedade de consumo sem publicidade. Sendo assim, necessário que o Direito imponha regras ao fenômeno publicitário a fim de proteger o indivíduo-consumidor em sua posição de vulnerabilidade (BENJAMIN, 2013).

No entanto, o legislador consumerista não se preocupou em apresentar uma definição específica para a publicidade (BENJAMIN, 2013). Nada obstante, o Código de Defesa do Consumidor prevê três formas de publicidade ilícita, quais sejam: a simulada (art. 36), enganosa (art. 37, § 1°) e abusiva (art. 37, § 2°). Por força do veto presidencial ao parágrafo único do artigo 67 do CDC, apenas a publicidade enganosa e a abusiva ensejam responsabilização penal, civil e administrativa, inexistindo, diretamente, qualquer sanção para a prática de publicidade simulada (COELHO, 2009).

A PUBLICIDADE ABUSIVA E O SEXISMO NA PROPAGANDA DE CERVEJASOB A ÓTICA DO MICROSSISTEMA DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR

Page 87: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

87

A publicidade simulada é aquela que oculta o seu caráter de propaganda comercial levando o consumidor a acreditar na neutralidade de tal informação (COELHO, 2009), violando frontalmente o art. 36 do CDC. Já a publicidade enganosa (art. 37, § 1°) é aquela que induz o consumidor ao erro sobre o produto ou serviço oferecido, mesmo que não haja dolo por parte do fornecedor. Por outro lado, a publicidade abusiva é definida pelo art. 37, § 2°; vejamos o referido artigo:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

De fato, percebe-se que a publicidade abusiva é um conceito mais subjetivo que exige uma maior ponderação por parte do julgador (BENJAMIN, 2013). No entanto, diante do trecho destacado, fica claro que a publicidade não pode utilizar-se de recursos discriminatórios, ou seja, deve ter como base o que está disposto no art. 3o da Constituição Federal que assegura ser objetivo da República Federativa do Brasil “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”.

Nesse sentido, a publicidade abusiva é aquela que ofende valores caros à sociedade. Inclusive é com base na proteção desses valores que a Constituição no art. 220, § 4o, elenca casos em que o limite à atividade publicitária será ainda mais rigoroso. Dentre estes casos especiais encontra-se a publicidade de bebidas alcoólicas, cuja regulação se deu especialmente a partir da Lei 9.246/96.

3.2 O sexismo na publicidade e a mercantilização do corpo feminino

A publicidade utiliza-se do corpo feminino nos mais diversos segmentos. O ideal de beleza imposto pela mídia em geral reverbera, e é

Natália Eugênia da Cunha Pegado - Thaís Medeiros da Costa

Page 88: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

88

reforçado, diga-se de passagem, nas propagandas comerciais. Esta imposição de um padrão do que é belo trabalha a serviço do capital que mercantiliza o corpo e impõe um objetivo a ser alcançado por meio das ferramentas que o mercado oferece. Nada mais é, então, que um método de alargamento das possibilidades de consumo (SANTOS; MEDEIROS, 2011).

Sendo assim, a sexualização do corpo feminino repercute tanto nos segmentos em que o público-alvo é masculino, quanto naqueles em que as próprias mulheres são as consumidoras em potencial. Na verdade, surge um novo mercado de cirurgias plásticas, procedimentos estéticos, entre outras intervenções que perpassam a ideia de que a mulher deve atingir determinado padrão de beleza exigido pela sociedade e reproduzido/fomentado pela publicidade (SANTOS; MEDEIROS, 2011).

Por outro lado, não se pode falar que a mercantilização do corpo feminino é um fenômeno novo. A sexualização da mulher como recurso publicitário chegou a ser utilizada até mesmo por órgãos públicos. Até o início dos anos de 1990 o Instituto Brasileiro de Turismo (EMBRATUR) utilizou-se da objetificação do corpo da mulher brasileira como ferramenta para atrair o turismo estrangeiro, mostrando que a própria imagem pública do Brasil estava sendo construída com base na exploração da figura da mulher, sempre com uma conotação sexual (OLIVEIRA; SALVATO-SILVA, 2013).

Se a objetificação do corpo feminino chegou a fazer parte de uma política de Estado, não é surpreendente que em âmbito privado ela seja deveras utilizada. A publicidade da cerveja seguem um caminho parecido ao utilizado pela EMBRATUR: o endeusamento da mulher pela sua sensualidade.

A mulher só é valorizada e somente exerce algum tipo de poder por causa do seu corpo e da sua capacidade de seduzir. Sob essa premissa desenvolvem-se anúncios em que o homem demonstra sua virilidade por meio da posse do corpo feminino. Assim, a mulher é vista como uma mercadoria produzida em série e pronta para ser exposta em uma vitrine pelo homem que irá conquista-la ao adquirir o produto-serviço ao qual o anúncio a vincula

(COSTA; SOUZA, 2011).Nesse sentido, a utilização da imagem da mulher sexualizada

e submissa reforça estereótipos e acaba alimentando, mesmo que inconscientemente, a ideia de que a objetificação da mulher é algo normal. O caráter nefasto de tal repetição discursiva se expressa nitidamente em casos de violência sexual, física e psicológica contra a mulher (MOREIRA; 2012).

Portanto, é essencial que os responsáveis pelos anúncios publicitários reconheçam o caráter sexista de determinadas associações

A PUBLICIDADE ABUSIVA E O SEXISMO NA PROPAGANDA DE CERVEJASOB A ÓTICA DO MICROSSISTEMA DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR

Page 89: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

89

e percebam as consequências nefastas da reiteração dos estereótipos historicamente atribuídos à figura feminina. Na verdade, deve-se levar em conta um mínimo ético que não se utiliza da degradação de um gênero como ferramenta mercadológica, ignorando as implicações sociais dessa política de depreciação (MOREIRA, 2012).

3.3 Análise de caso: a abusividade de propagandas de cerveja – a Nova Schin (2012)

A publicidade ou anúncio publicitário, conforme já visto, consiste em um fenômeno contemporâneo regulado e analisado pelos mais diversos ramos da ciência, seja o Direito, o Estudo das Linguagens, a Ética ou a Psicologia, por exemplo. Trata-se, de fato, de um mecanismo difundido como forma de ampliação e consolidação da atividade capitalista, a qual torna sua fórmula e seus produtos atrativos mediante a veiculação massiva de ideias.

Dentro da ótica mercadológica atual, a publicidade se tornou uma importante via, não só para efetivar e acelerar a movimentação financeiro-produtiva do sistema capitalista, mas, e de forma mais preponderante – ao menos, em tese –, servir como canal de conexão mais concreta entre fornecedor/produtor e consumidor, promovendo uma divulgação mais completa, detalhada e verdadeira, de informações relevantes à pratica consumerista dos produtos e serviços oferecidos no mercado.

No entanto, observando-se a construção doutrinária da publicidade, sendo esta conceituada como toda informação ou comunicação difundida com o fim direto ou indireto de promover junto aos consumidores a aquisição de um produto ou serviço, qualquer que seja o local ou meio de comunicação utilizado (MARQUES, 1999), vê-se que a finalidade maior da atividade publicitária finda sendo, ainda, através da veiculação de informações, atingir, em regra, um determinado público-alvo, cativando seu interesse e dirigindo-o ao consumo.

Inclusive, da própria natureza do instituto da publicidade, verifica-se que sua conotação precípua é o convencimento, a sedução, a persuasão daquele a quem se destina.

Neste sentido, todo o discurso publicitário é voltado a essa característica que lhe é ínsita: ele sempre parte de alguém, se dirigindo a outro alguém com o objetivo de, direta ou indiretamente, persuadi-lo ou convencê-lo de algo, sendo esse algo, na sobredita lógica do mercado do

Natália Eugênia da Cunha Pegado - Thaís Medeiros da Costa

Page 90: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

90

capital, o consumo em massa. Tal convencimento ou persuasão se voltam, em suma, a afetar o consumidor psicologicamente, através da propagação de elementos de caráter fortemente ideológico, subjetivo, que visa a atingir as vontades, desejos e sentimentos do interlocutor (GRILLO, 2006).

É essa necessidade de adentrar e revirar o consciente, ou mesmo subconsciente do indivíduo, com o fito de operacionalizar o consumo, que motiva e dá azo às mais diversas normas de proteção a essa fragilidade do indivíduo diante da potente máquina publicitária. E é com fundamento nesse aspecto da vulnerabilidade, principalmente, que o atual Código de Direito do Consumidor brasileiro intenta estabelecer as balizas e as restrições necessárias à proteção da parte mais fraca da relação consumerista.

Isto posto, inobstante ser um dos instrumentos mais valiosos para a promoção da circulação de bens e prestação de serviços da atualidade, a utilização da publicidade não pode nem deve, por óbvio e com fundamento na proteção daquele a quem é dirigida, atingir valores sociais e humanitários, nem estimular comportamentos perigosos ou indesejados dos consumidores, seja direta ou indiretamente.

Nesta perspectiva, faz-se cediço adentrar em uma situação da vida cotidiana, a qual, muitas vezes difundindo e consolidando valores distorcidos e polêmicos, finda passando desapercebida pelos tão necessários órgãos de controle, ou até mesmo não são contestados pelo grupo social a que se dirigem. No entanto, a prejudicialidade deste tipo de anúncio acaba voltada, mormente, para aqueles grupos sociais que não são, em tese, o público-alvo de suas campanhas.

Foi o que se vislumbrou em um caso bastante polemizado, divulgado e criticado por parcela da população brasileira. A “propaganda” da Nova Schin, em 2012, que colocava a mulher em uma posição degradante, incentivando, ainda, outras práticas extremamente perniciosas e atentatórias à dignidade das cidadãs brasileiras.

Descrevendo, em suma, o anúncio publicitário, vê-se que ele gira em torno do já obsoleto estereótipo de ser a cerveja uma bebida só de indivíduos do sexo masculino. Não bastando as mulheres serem, descaradamente, escanteadas do público-alvo dos fornecedores deste produto, ainda são utilizadas nestas situações de uma forma assaz sensualizada, fantasiosa, mística, perpetuadora de ideais distorcidos diante da hodierna sociedade brasileira.

Assim, a situação “fantasiosa” incia-se com um grupo de homens,

A PUBLICIDADE ABUSIVA E O SEXISMO NA PROPAGANDA DE CERVEJASOB A ÓTICA DO MICROSSISTEMA DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR

Page 91: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

91

rapazes jovens em uma praia, cada um consumindo o bem comercializado: a cerveja Nova Schin. É então que a temática do comercial foca em dois pontos bastante desagradáveis para o público a quem ela, em regra, não se destina, ou mesmo, para não realizar generalizações indevidas, parte dos indivíduos da classe masculina: a supersensualização e exposição da mulher como argumento de venda e a disseminação, esta ainda mais discreta (mas ainda bem perceptível e grotesca), do ideal de que ao homem é permitido e divertido tomar liberalidades com qualquer mulher, bastando a si, seu interesse, desnecessário sendo o consentimento desta.

A primeira das vertentes é demonstrada logo de início, quando se visualizam os jovens notando e apreciando um grupo de garotas, todas de pequenos biquíni na praia, com corpos esculturais e com a beleza-padrão dos comerciais televisivos, servindo como instrumentos de sedução não só para o jovem da propaganda, como para o homem de casa, aquele que assiste e, em tese, aprecia esse tipo de imagem.

É notável que, assim como na incrível maioria das propagandas deste produto, a mulher é tida como o atrativo, como uma das “benesses” atraídas pelo consumo da bebida; esse tipo de propaganda se sustenta na ideia de que a só um gênero sexual interessa aquela construção publicitária, sendo o outro, utilizado de forma padronizada, estereotipada, de modo a suscitar o desejo pelo produto, apelando aos sentidos do consumidor e, aparentemente, correspondendo aos seus interesses, ainda que os mais íntimos.

A questão é que, ainda que direcionada a um público em específico, a comunicação em massa estabelece um grau mais elevado de vulnerabilidade a todo consumidor, no sentido de que, ao constituírem uma “massa” de indivíduos não identificados (MORAIS, 2009) ou dificilmente identificáveis (na maioria das vezes) e dispersos, a publicidade acaba atingindo a todos e a cada um, individualmente, de uma forma diferente; assim, a subjetividade de cada consumidor interfere, de forma latente, no que pode vir a ser considerado abusivo ou não, bem como na capacidade de organização deles para eventual contestação dos conteúdos atentatórios violados.

A massificação da publicidade traz a necessidade de uma maior patrulha de conteúdo – ainda que a posteriori para se evitar a inconstitucional

Natália Eugênia da Cunha Pegado - Thaís Medeiros da Costa

Page 92: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

92

censura1 – tendo em vista a amplitude do seu alcance. Assim, por mais que os anúncios de cerveja se dirijam, aparentemente, apenas ao público masculino, a pluralidade dos meios de comunicação e das mensagens explicitadas neles garantem uma pluralidade de consumidores, além dos “desejados”.

Portanto o respeito aos demais consumidores que, em razão da expansão e desenvolvimento dos meios de informação, findam sujeitos, mesmo que desgostosamente, à publicidade desta natureza, é medida que se impõe. A vulgarização e objetificação, com a consequente difusão de valores pré-concebidos e retrógrados do papel da mulher na sociedade, não devem ser medidas efetivadas sobre nenhum pretexto, muito menos o de instigar o consumo amplo.

A utilização do sexo feminino desta maneira incentiva a perpetuação de conceitos pré-concebidas, em nada condizentes com a atual realidade da evolução histórica da mulher. Ela, da mesma forma que o homem, não deve ser exposta como argumento de influência sobre um público para a aquisição de um produto; o ser humano não deve ser acessório, objeto de marketing.

Ademais dessa constante utilização da figura feminina como objeto de desejo para incentivar os “homens bebedores de cerveja” ao consumo – mesmo que seja sabido que nem todo homem consome cerveja ou aprecia esse tipo de manipulação comercial – a propaganda em comento ainda faz alusão, ainda que não intencionalmente (e esse é o problema em perpetuar estereótipos e valores atrasados), a outra situação deveras gravosa a qualquer ser humano digno: a banalização do assédio ou violência sexual.

Ora, obviamente (ao menos assim se espera), essa não parece ser a intenção direta do anunciante ao focar o comercial na ideia do “homem invisível”; o fato é que, dadas as implicações das condutas levadas a efeito pelos homens do anúncio que, durante o consumo da cerveja, se tornam invisíveis, a mensagem subliminar – não intencional – foi captada por grande parte do público, gerando desconforto e revolta.

Isso porque os rapazes se tornavam invisíveis e, a título de diversão e “brincadeira entre garotos”, começam a tocar as mulheres da praia, sem que elas possam identificá-lo, chegando ao ponto de adentrar um vestiário feminino, do qual todas as mulheres saem correndo, com cara de espanto. À primeira vista, aparenta ser uma questão leve, divertida, banal que não deve

1 Art. 5º, IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.

A PUBLICIDADE ABUSIVA E O SEXISMO NA PROPAGANDA DE CERVEJASOB A ÓTICA DO MICROSSISTEMA DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR

Page 93: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

93

ser levada a sério pelos consumidores; no entanto, a subjetividade de cada um mais uma vez entra em cena e, assim, homens e mulheres começaram a questionar a normalização dessa conduta perpetrada pelos jovens no comercial de cerveja.

Em um país em que os níveis de violência são tão elevados e que, mesmo após anos de conquistas, as mulheres ainda têm de lutar para derrubar velhos preconceitos e fixar-se em um patamar de igualdade, a exposição de uma atitude tão invasiva quanto tocar alguém indevidamente (sem sua permissão, o que é até mesmo tipificado pela Lei Penal brasileira), de forma a, inevitavelmente, assustá-la, por mais que seja maquiada para parecer uma simples brincadeira, reflete a perpetuação de situações graves que as mulheres tentam combater todos os dias. São valores de respeito que a ala feminina da sociedade tenta fixar e que não devem ser atropeladas por anúncios publicitários, instrumentos a serviço de interesses patrimoniais.

Enfim, o anúncio publicitário em comento demonstra como a lógica da psicologia mercadológica funciona: exploram-se imagens, cenários e situações “comuns” e “atrativas” ao consumidor, fazendo-o imaginar-se nesta situação e associando-a ao consumo do produto; finda efetivando o ato da compra e assimilando, ainda que despropositadamente, o contexto daquele anúncio2. Esse é o itinerário do merchandising: causar um impacto, despertar o desejo, marcar a memória, provocar o consumo da massa.

E é nessa imposição de ideias e manipulação de interesses que a normativa consumerista brasileira tende a se focar, de modo a tutelar o consumidor, que se encontra em posição de ampla vulnerabilidade nestes contextos.

4 MECANISMOS DO MICROSSISTEMA DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR PARA COMBATER A PUBLICIDADE ABUSIVA

Nos esclarecimentos expostos anteriormente mencionou-se

2 A psicologia da publicidade, portanto, baseia-se na existência de uma necessidade que pode ser despertada por um estímulo, tendo como objetivo fazer com que o indivíduo tenha consciência desta necessidade. Para tanto, é gerado um estado de “atenção, interesse, desejo e ação”. A atenção se voltará ao produto ou serviço, pois a publicidade fará com que o destinatário da mensagem os conheça, ato contínuo procurando implantar no consumidor a ideia de que aquele “objeto” apresentado poderá satisfazer sua necessidade despertada. Ibidem, p. 282.

Natália Eugênia da Cunha Pegado - Thaís Medeiros da Costa

Page 94: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

94

bastante a ampliação da tutela normativa dos interesses e direitos do consumidor, principalmente diante da diversificação das práticas abusivas ligadas às mais diversas relações consumeristas, in casu, aquelas fundadas na publicidade.

Colocando em perspectiva a sistemática de proteção do consumidor, denota-se que sua extensão tem fundamento na Constituição Federal, a qual ordenou a criação do Código de Defesa do Consumidor em seu art. 48, com a consequente fixação de diversos valores e interesses a serem tutelados pela ordem jurídica.

Além dos valores constitucionais fundamentais a serem abraçados por todos os comandos normativos legislativos, no que tange especificamente à questão da publicidade abusiva, verifica-se ainda na Constituição Federal, em seus arts. 220 e 221, o estabelecimento de um óbice constitucional à publicidade violadora de valores pessoais e sociais a exemplo das publicidades enganosas e abusivas. Neste amplo espectro estabelecido pela Constituição, verifica-se a possibilidade de, caso a caso, serem impostas restrições a manifestações publicitárias cujo conteúdo vá de encontro às determinações constitucionais e normativas infraconstitucionais referentes ao tema.

No que tange às normas infraconstitucionais, as mais relevantes concernentes à rede de proteção do consumidor contra a publicidade abusiva ou enganosa se consubstanciam no Código de Defesa do Consumidor e no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária.

Sendo o primeiro mais amplo, ele expõe as disposições gerais que regem todos os tipos de publicidade, assim como as sanções pertinentes às situações lesivas aos vulnerávies-consumidores, tudo girando em torno do que dispõe seu art. 6º, IV, que trata como direito essencial do consumidor “a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços”.

Especificamente em seu artigo 37, o Código de Defesa do Consumidor estabelece a vedação às condutas publicitárias abusivas e enganosas, conceituando, contudo, de forma bastante genérica e ampla o que seria, de fato, tais abusividades ou enganosidades; tais disposições gerais, findam se sujeitando à subjetividade do consumidor, dos órgãos fiscalizadores e do Poder Judiciário no que diz respeito à identificação destas situações danosas. Mais à frente, dentro do rol exemplificativo de práticas abusivas, inclui, mais uma vez, a publicidade desta natureza como conduta

A PUBLICIDADE ABUSIVA E O SEXISMO NA PROPAGANDA DE CERVEJASOB A ÓTICA DO MICROSSISTEMA DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR

Page 95: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

95

vedada pela lei (art. 67).A perpetração de anúncios publicitários abusivos, sejam eles quais

forem, atinjam quem atingir, sejam divulgados por quem for, é prática sujeita a sanções estabelecidas no código do consumidor, sejam elas de natureza administrativa, civil ou penal.

Dentre estas medidas impositivas passíveis de ser aplicadas quando qualquer consumidor (não necessariamente aquele que adquire o produto, mas, pela própria conceituação do Código, todo aquele exposto a práticas comerciais, dentre elas a publicidade, conforme se aduz do art. 29 do CDC) se sentir atingido por algum ato praticado pelo fornecedor quando do anúncio ou publicização de seu produto ou serviço estão: a contrapropaganda (ou contrapublicidade, art. 56, XII, CDC); multas (art. 56, I, CDC); detenção (e.g art. 68, CDC); dentre outras.

Complementando estas disposições normativas gerais proibitivas, preventivas e punitivas o Código determina e estimula a criação de vários órgãos específicos de proteção ao consumidor. Nesta senda, disponíveis para apoio ao consumidor lesado, ou sob ameaça de lesão, se encontram instituições como a Delegacia do Consumidor, o Procon, as associações civis de defesa do consumidor (v.g., Brasilcon, IDEC, Senacon, SINDEC, etc).

Tais órgãos realizam um controle mais generalizado, uma proteção ampla dos direitos dos consumidores; em se tratando de um caso específico de publicidade, por exemplo, há outros órgãos direcionados somente para tratá-lo, sendo o mais notório o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR).

Este conselho, que tem a natureza jurídica de ONG, surgiu de modo a fazer valer a correta aplicação do Código de Autorregulamentação Publicitária, criado este na época da Ditadura Militar, servindo, inicialmente, como instrumento normativo para garantir a defesa da livre expressão e manifestação contra as forças ditatoriais da censura.

Inobstante essa inicial luta contra as amarras impostas às atividades publicitárias da época, o CONAR e o referido Código de Autorregulamentação foram adquirindo uma característica mais controladora da própria publicidade. Assumiram a dupla feição de não só garantir a liberdade de expressão publicitária, mas, com imensa compatibilidade com as necessidades atuais, impedir também que a publicidade enganosa ou abusiva cause constrangimento ao consumidor ou a empresas.

Esse Código é um conjunto de disposições normativas das mais relevantes para o controle da atividade publicitária e à tutela dos direitos dos

Natália Eugênia da Cunha Pegado - Thaís Medeiros da Costa

Page 96: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

96

consumidores perante ela. Estabelecendo normas mais específicas acerca destas práticas, este diploma normativo apresenta princípios gerais da publicidade, categorias especiais de anúncios (como os anúncios voltados à promoção do consumo de bebidas alcoólicas), a responsabilização por infrações e as penalidades cabíveis.

É com base nele que atua o CONAR, apesar de seu exercício ainda sofrer diversas críticas, as quais não são, de todo, infundadas. Inobstante o fato de ser um meio extrajudicial mais veloz e com uma latente imperatividade sobre os fornecedores, há muitos casos polêmicos sobre os quais o CONAR pareceu sucumbir a pressões, alegando a licitude de certos conteúdos publicitários.

Isso porque a principal função deste órgão é deflagrada, mormente, a partir das denúncias de consumidores ou grupo de consumidores que se sentiram, direta ou indiretamente, atingidos pelo conteúdo de uma determinada “propaganda”. No entanto, apesar de não ser todo caso que mereça atenção do CONAR, há situações de latente violação ao Código de Autorregulamentação que não são sancionadas, tais como o criticado caso da publicidade “Tenha sua primeira vez com Devassa” em 2013; é a questão da subjetividade da abusividade, mais uma vez, atuando contra o consumidor.

O caso da cerveja Nova Schin explicitado no tópico supra foi, inclusive, um dos inúmeros anúncios publicitários denunciados ao órgão por seu caráter abusivo, claramente violando o Princípio do Consumo com Responsabilidade Social defendido pela normativa, o qual veda, dentre outras coisas, na publicidade de bebidas alcoólicas, apelos à sensualidade que constituem o principal conteúdo da mensagem (modelos publicitários não devem ser utilizados como objeto sexual) e sugestão de que a bebida provoque algum tipo de superioridade no consumidor ou mesmo maior apelo sexual. Não foi considerado abusivo pelo CONAR.

Assim, bem como em toda situação que venha causar dano ou ameace causar dano a direito de qualquer indivíduo em nosso ordenamento jurídico, quando as instâncias administrativas não derem a resposta esperada – ou mesmo se estas não forem o caminho inicial escolhido –, há sempre a possibilidade de se invocar a atividade jurisdicional para promover a eventual tutela do direito pleiteado (art. 5º, XXXV, CF).

Enfim, verifica-se que há uma enormidade de providências que podem ser tomadas pelo consumidor, ou medidas acautelatórias de seus direitos que ele pode pleitear dos órgãos responsáveis, tudo com fundamento no amplo sistema de garantias e direitos do consumidor instituído pós Constituição de 1988 e pós Código de Defesa do Consumidor.

A PUBLICIDADE ABUSIVA E O SEXISMO NA PROPAGANDA DE CERVEJASOB A ÓTICA DO MICROSSISTEMA DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR

Page 97: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

97

5 CONCLUSÕES

O sistema de proteção ao consumidor é um dos conjuntos normativos que mais ganha força na atualidade, uma vez que, diante dos intensos bomberdeios mercadológicos ao qual é submetido, a proteção dessa sua já reconhecida vulneralibilidade é medida de grande valia para a atual conjuntura das relações consumerísticas.

No entanto, o que se conclui desse trabalho é que, devido à multipolarização das condutas perpetradas pelos fornecedores, especialmente no que tange às práticas de publicidade e divulgação de informações, a multiplicação de meios utilizados para alcançar, de todas as formas, o consumidor, deve ensejar um cuidado mais conciso.

Isso porque, em razão da complexização destes meios de conexão fornecedor-consumidor, bem como da massificação da comunicação, a dificuldade em se identificar os consumidores lesados por uma publicidade abusiva se torna missão tão complexa quanto.

É nessas circunstâncias que comerciais publicitários como o detalhado anteriormente se desenvolvem sem a devida fiscalização ou sancionamento adequado, dada a dificuldade de se identificar, ao certo, quais os valores sociais violados perante quais grupos sociais; o sexismo, por exemplo, nem sempre é identificado com facilidade, principalmente quando o grupo a quem se “dirigem” anúncios dessa natureza não são o principal afetado por ele. É uma tarefa árdua e que exige um nível de atenção e sensibilidade dos órgãos responsáveis e da própria sociedade em sua realização.

Assim, nada obstante a sistemática de defesa do consumidor fornecer o mais vasto aparato de proteção e combate, o que se verifica é uma mudança de foco no quesito dos tipos de danos causados, mormente pela publicidade: ela não passa a ser aquela que, diretamente, incita uma conduta violenta ou que arrisque a saúde do consumidor, mas, de forma sutil, promove a manipulação e difusão de ideias que tem um poder destrutivo forte dentro de nossa sociedade; e é essa abusividade de caráter “invisível” que atinge mais os valores sociais não-homogêneos, os aspectos mais íntimos dos seres humanos, ainda que sejam das minorias, que precisam ser respeitados. Afinal, a democracia deve ensejar a satisfação dos interesses da maioria, resguardados os direitos das minorias e não uma ditadura dos grandes grupos sociais, dos valores tradicionais, com o consequente escanteamento dos menos representados.

Natália Eugênia da Cunha Pegado - Thaís Medeiros da Costa

Page 98: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

98

REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. O controle jurídico da publicidade. Revista de Direito do Consumidor, n. 9, p. 25-57, jan./mar. 1994. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/8981>. Acesso em: 20 nov. 2013.

________. Oferta e Publicidade. In: BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manuel de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 236-275.

BRITTOS, Valério C.; GASTALDO, Édison. Mídia, poder e controle social. Alceu, Rio de Janeiro, v. 7, n. 13, p.121-133, jul. 2006.

CABRAL, André Luiz Cavalcanti. Aspectos jurídicos da publicidade. Prim@ Facie, João Pessoa, v. 2, n. 2, p.129-144, jan. 2003.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 102-103

COSTA, D Hyovai N e Nascimento; SOUZA, Cínthia Ferreira de. Anais. In: XVI CONGRESSO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO NA REGIÃO SUDESTE, 16., 2011, São Paulo. Questões de gênero na propaganda de cerveja Schin. São Paulo: Ntercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2011. p. 1 - 14. Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/regionais/sudeste2011/resumos/R24-0347-1.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2013.

GRILLO, Karla Coelho.  A imagem da mulher como argumento de venda na publicidade. 2006. 121 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Ciências da Linguagem, Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça, 2006. Disponível em: <http://busca.unisul.br/pdf/84907_Karla.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2013.

A PUBLICIDADE ABUSIVA E O SEXISMO NA PROPAGANDA DE CERVEJASOB A ÓTICA DO MICROSSISTEMA DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR

Page 99: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

99

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

MORAIS, Paulo Valério dal Pai. Código de Defesa do Consumidor: o princípio da vulnerabilidade no contrato, na publicidade, nas demais práticas comerciais: interpretação sistemática do direito. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009.

MOREIRA, Mariana Gonçalves. Ética e sexismo aplicada na Publicidade e Propaganda. In: XXX I I I CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 33., 2012, Recife. São Paulo: Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2012.

NUNES, Rizzato. Curso de Direito do Consumidor. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

OLIVEIRA, Cleber Roberval Salvador; SALVIATO-SILVA, Ana Cristina. Análise da imagem do Brasil obtida através da divulgação oficial da EMBRATUR. Disponível em: <http://www.convibra.com.br/upload/paper/adm/adm_2939.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2013.

SANTOS, Lionês Araújo dos; MEDEROS, Juan Felipe Sànchez. A Mercantilização do corpo: Mídia e capitalismo como principais agentes da promoção do consumo e do mercado. Espaço Plural, Blumenal, v. 24, n. 12, p.107-112, jan. 2011. Semestral.

ABUSIVE PUBLICITY AND SEXISM IN BEER’S PUBLICITY UNDER THE MICROSYSTEM OF PROTECTION OF THE CONSUMER

Natália Eugênia da Cunha Pegado - Thaís Medeiros da Costa

Page 100: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

100

ABSTRACT

One of the most controversial e discussed aspects of the Consumer’s Law consists in the social values that determine the abusiveness of the advertising and publicity, so common these days. This section of activities regulation appears to have a wide range and be very complete, however, does not prevent the continuity of unfair and irregular actions and behaviors, increasingly rouged through the prism of the innocence of advertisers. Within this perspective, this paper will analyze how abusive publicity occurs, the complications of their subjectivities, the issue of sexism in a certain select group of “advertisements” and how the system of protection of the consumer’s rights meets - or not - their role in this context.

Key-words: Consumer Law. Abusive Publicity. Sexism.

A PUBLICIDADE ABUSIVA E O SEXISMO NA PROPAGANDA DE CERVEJASOB A ÓTICA DO MICROSSISTEMA DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR

Page 101: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS SITES DE COMPRAS COLETIVAS

PELO VÍCIO DO PRODUTOE DO SERVIÇO

Letícia Fernandes Pimenta Campos SilvaAcadêmica do 9º período do Curso de Direito da UFRN

RESUMO

A massificação dos contratos de consumo e a formação das complexas redes de fornecedores, decorrentes dos avanços tecnológicos verificados no comércio eletrônico, especificamente quanto às relações firmadas com sites de compras coletivas, vêm ocasionando diversos problemas no mercado, consubstanciados na dificuldade de aferição de responsabilidade civil por eventuais danos causados aos consumidores. Diante disso, importa analisar os atributos do referido sistema de compras, enquadrando-os como fornecedores, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, examinar a formação dessas relações jurídicas, bem como compreender a possibilidade de responsabilização civil dos sites de compras coletivas pelo vício do produto e do serviço, mensurando necessidade e suficiência.

Palavras-chave: Microssistema de defesa do consumidor. Responsabilidade civil. Sites de compras coletivas. Vício do produto e do serviço.

Page 102: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

102 A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS SITES DE COMPRAS COLETIVASPELO VÍCIO DO PRODUTO E DO SERVIÇO

1 INTRODUÇÃO

Diante do hodierno cenário da inclusão digital, do consumismo, e do comércio eletrônico em massa, da rapidez de circulação de bens no mercado de consumo, e da aparente insaciabilidade dos consumidores, com a elevação dos índices de compras, criou-se um meio de buscar atender às demandas da sociedade, de maneira a proporcionar tanto o benefício da comodidade de se obter novos produtos e serviços sem sair de casa, quanto da rentabilidade pela oferta a preços inferiores ao normalmente fixados: os sites de compras coletivas.

Entretanto, a expectativa depositada pela sociedade em tais sistemas de compras nem sempre é correspondida, de maneira que se mostram crescentes as insatisfações pessoais, reclamações a órgãos administrativos, e ações judiciais, especificamente pelas lesões ocasionadas pela má qualidade do produto ou do serviço.

Isso, porque grande parcela dos referidos sítios buscam se esquivar de quaisquer caracterizações enquanto fornecedores. Desta forma, se eximem da obediência ao sistema consumerista, não oferecendo as garantias às quais são obrigados por lei.

Assim, faz-se necessário um estudo acerca dos principais aspectos pertinentes a esse sistema de compras, visando aferir seu enquadramento enquanto fornecedor, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, analisando a formação das relações jurídicas de consumo, para, a partir disso, aferir a sua responsabilização civil por eventuais danos causados aos consumidores decorrentes do vício do produto ou do serviço.

Registre-se que a proteção do consumidor tem mandamento constitucional em seu artigo 5º, inciso XXXII, inserido na categoria dos direitos fundamentais, sendo, inclusive, um dos princípios norteadores da ordem econômica brasileira, com fulcro no artigo 170, inciso V, também da Carta Magna.

Nesse sentido, infere-se como dever do Estado efetivar essa proteção de forma que o ensinamento constitucional deve orientar todo o sistema de normas protetivas, não se podendo restringir a sua aplicação apenas aos casos previstos expressamente em lei, visto que o sistema é abrangente e abarca todas as relações de consumo possíveis caracterizadas enquanto tais.

Page 103: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

103Letícia Fernandes Pimenta Campos Silva

2 OS SITES DE COMPRAS COLETIVAS E O MICROSSISTEMA DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Os sites de compras coletivas são espaços online, hospedados em domínios eletrônicos e disponibilizados através de seu respectivo URL, sendo assim, apresentados no âmbito da internet.

Nesse sistema de compras, as empresas fornecedoras – chamadas “parceiras” – ofertam seus produtos e serviços a preços fixados com até mais de 90% de desconto no intuito de atrair a sociedade de consumo, intensificando as suas vendas e, indireta e consequentemente, divulgando o seu nome ou marca, de maneira a cativar clientes e assegurar futuras novas compras.

Os “parceiros” têm o ônus de remunerar diretamente o site por cada publicidade veiculada, ou ainda, repassar um percentual sobre as vendas efetivamente realizadas, demonstrando assim, o caráter comercial das atividades desenvolvidas por ambas as empresas.

Os sites de compras coletivas fazem parte, portanto, do comércio eletrônico, abarcando a compra e venda de produtos e serviços ofertados, solicitados, enviados ou pagos por meio da internet, em uma rede especializada em técnicas de contratação em massa, caracterizada pela distância entre os contratantes e consequente desumanização das relações, desterritorialidade e simultaneidade de informações, complexidade decorrente da pluralidade de agentes econômicos envolvidos, além da predominância de um marketing agressivo (MARQUES, 2005, p. 119).

As transações comerciais eletrônicas, em geral, efetuadas são pactuadas por meio da adesão, mediante cláusulas preestabelecidas unilateralmente pelo fornecedor, seja nas próprias ofertas anunciadas, ou nos termos e condições do site, em que se apresentam todas as regras atinentes às aquisições de quaisquer produtos e/ou serviços veiculados pela empresa.

Nesses negócios jurídicos, a participação do consumidor consiste na aceitação em bloco das cláusulas formuladas antecipadamente, de modo geral e abstrato, pela outra parte, a fim de, no futuro, constituir conteúdo normativo e obrigacional (GOMES, 1972 apud TARTUCE, 2012, p. 300).

O modelo é, portanto, uniforme e massificado, caracterizado pela ausência de fase pré-negociável, cabendo ao consumidor limitar-se apenas à decisão de aceitá-lo ou não, sem qualquer possibilidade de discussão ou modificação substancial de seu conteúdo, como disposto no artigo 54, caput, do Código de Defesa do Consumidor.

Page 104: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

104 A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS SITES DE COMPRAS COLETIVASPELO VÍCIO DO PRODUTO E DO SERVIÇO

2.1 A formação das relações jurídicas de consumo

Verificados os principais aspectos definidores dos sites de compras coletivas, cumpre analisar a formação das relações de consumo, compreendendo seus elementos objetivos e subjetivos, com base na Lei Federal nº 8.078/90.

Por elementos objetivos, tem-se o produto e o serviço, apresentados no artigo 3º, §§ 1º e 2º da referida Lei. O produto consiste em qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial, que apresente aspectos de interesse econômico e/ou jurídico. O serviço, por sua vez, constitui qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, incluindo-se as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes de relações trabalhistas, mediante remuneração, admitindo-se, inclusive, que o prestador tenha apenas vantagens indiretas, sem que tal fato prejudique a qualificação da relação consumerista (TARTUCE, 2012, p. 88).

Atente-se ao fato de que tal remuneração consiste no recebimento de qualquer vantagem, não necessariamente pecuniária, como a realização futura de um negócio, a angariação de novos clientes, bem como a divulgação de um produto, serviço ou marca.

Além destes, cumpre analisar os elementos subjetivos da relação jurídica de consumo. Inicialmente, os consumidores, tal qual aduz o artigo 2º da Lei Federal nº 8.078/90, são pessoas físicas ou jurídicas que adquirem ou utilizam produto ou serviço como destinatários finais.

Tal destinação final pode ser analisada com base em diferentes estudos. A Teoria Maximalista adota a premissa de que as normas do Código de Defesa Consumidor regulamentam o mercado brasileiro em sua completude e, assim, atingem todos os seus agentes, os quais podem ora assumir papel de fornecedor, ora de consumidor, não sendo os regramentos, portanto, orientados apenas à proteção do consumidor não profissional. Nesse sentido, defende uma interpretação extensiva do dispositivo legal, entendendo que a destinação exigida seria apenas a fática, a qual se configura a partir da retirada do produto ou serviço do mercado, independentemente de sua função econômica (BENJAMIN, MARQUES, MIRAGEM, 2010, p. 106).

Por outro lado, a Teoria Finalista, majoritariamente aceita pela doutrina e jurisprudência pátrias, restringe a concepção do conceito de consumidor àquele necessariamente não profissional, que realmente precisa de proteção jurídica diferenciada, ao retirar o bem do mercado e colocar um fim na cadeia de produção. De acordo com este entendimento, a destinação final

Page 105: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

105Letícia Fernandes Pimenta Campos Silva

deve ser fática e econômica, para consumo privado, excluindo-se, portanto, as relações cujo objeto for revendido ou integrado à vida profissional do suposto consumidor, funcionando como verdadeiro instrumento de trabalho e permitindo a fruição de lucros a partir de sua utilização (BENJAMIN, MARQUES, MIRAGEM, 2010, p. 105).

Não obstante, de acordo com a análise de decisões proferidas nos últimos anos pelo Superior Tribunal de Justiça, buscou-se atenuar a Teoria Finalista, ao reconhecer, excepcionalmente, a necessidade de proteção também das pequenas empresas ou empresários, nas hipóteses em que, provada no caso concreto sua vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica perante o fornecedor, adquiram produtos ou serviços fora de seu campo de especialidade, não utilizados em sua linha de produção, a não ser indiretamente1.

Dessa forma, tomando por base o entendimento do STJ, a relação entre o site de compras coletivas e um supermercado que adquire lavagens de carro pode ser considerada de consumo. Contudo, não adentra no âmbito de aplicação do microssistema consumerista uma relação contratual em que uma empresa especializada em eletrônicos e informática adquire pen drives para revenda ou microcomputadores para utilização em seus caixas.

O Código trata ainda em seus artigos 2º, parágrafo único, 17 e 29, dos consumidores por equiparação, assim considerando, respectivamente, toda a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo; todas as vítimas de danos causados por produtos ou serviços; e todos os expostos às práticas comerciais.

Por fim, cumpre examinar a norma expressa no artigo 3º da referida lei, de acordo com o qual fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços, sendo critério caracterizador o desenvolvimento destas atividades tipicamente profissionais de forma habitual (BENJAMIN, MARQUES, MIRAGEM, 2010, p. 159).

Nesse conceito, pode-se inserir os sites de compras coletivas, por desenvolverem, com o preenchimento do requisito da habitualidade,

1 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 661145/ES. Rel. Min. Jorge Scartezzini. j. 22/02/2005.

Page 106: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

106 A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS SITES DE COMPRAS COLETIVASPELO VÍCIO DO PRODUTO E DO SERVIÇO

a atividade comercial, portando-se como uma espécie de “intermediário” na cadeia de fornecedores, na medida em que veicula ofertas cujos lucros auferidos beneficiam tanto a empresa “parceira”, quanto a si próprios, restando evidente sua interferência no processo econômico de fornecimento.

Isto posto, deve-se atentar ao fato de que as normas de proteção e defesa do consumidor intervêm de forma imperativa em todas as relações de consumo, dado seu caráter principiológico, caracterizando-se ainda por serem indisponíveis e irrenunciáveis, não se admitindo convenção em sentido contrário pelas partes (QUEIROZ, 1998, p. 117).

Ainda, o Código de Defesa do Consumidor, conforme aduz seu artigo 7º, caput, não se apresenta exaustivo, tampouco com pretensão de completude (BENJAMIN, MARQUES, MIRAGEM, 2010, p. 53), porquanto não exclui outros direitos decorrentes de princípios gerais do direito, analogia, costumes, equidade, dentre outros. Dessa forma, o Código define diretrizes, direitos básicos e medidas protetivas que devem ser observados em todas as relações de consumo, não apenas nas citadas ou definidas no texto legal, cabendo aos respectivos intérpretes e aplicadores a incumbência de analisar o caso concreto em conformidade com o sistema protetivo.

Destarte, pode-se inferir a aplicação das referidas normas de defesa e proteção dos consumidores também ao comércio eletrônico, aqui incluindo os sites de compras coletivas, já que dessa perspectiva o Direito é chamado à regular uma nova realidade, adaptando seus institutos e conceitos, em face das mudanças sociais decorrentes do desenvolvimento tecnológico.

2.2 A responsabilidade solidária dos fornecedores

Analisados os aspectos fundamentais dos sujeitos da relação jurídica de consumo, deve-se compreender a responsabilidade solidária dos fornecedores prevista no Código de Defesa do Consumidor. Com fulcro no artigo 6º, inciso VI, do referido diploma legal, os consumidores têm direito básico à efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos. Prevê, ainda, em seu artigo 7º, parágrafo único, que, tendo mais de um autor a ofensa, todos os fornecedores responderão solidariamente pela reparação (TARTUCE, 2012, p. 57).

Este ônus alcança, pois, os intermediários da relação de consumo via internet, possibilitando sua responsabilidade, visto que, embora o produto ou serviço seja disponibilizado diretamente por determinado fornecedor, existem outros agentes envolvidos na atividade comercial, tendo o microssistema

Page 107: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

107Letícia Fernandes Pimenta Campos Silva

justamente o intuito de proteger todos os participantes da cadeia, não importando se sua relação com o consumidor é direta ou indireta (BENJAMIN, MARQUES, MIRAGEM, 2010, p. 159).

Isso significa dizer que cabe ao consumidor escolher o(s) fornecedor(es) da cadeia a ser(em) acionado(s) para responsabilizar(em)-se integralmente por eventuais danos causados, cabendo àquele que efetivar o pagamento o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo suas participações na causação do evento danoso, tal qual aduz o parágrafo único do artigo 13, do Código de Defesa do Consumidor.

Assim, pode-se afirmar que os sites de compras coletivas, por serem fornecedores, são responsáveis solidários por lesões ocasionadas aos consumidores decorrentes de produtos ou serviços adquiridos através de seus sítios eletrônicos, visto ser inquestionável que a empresa desenvolve atividade comercial potencialmente de risco, devendo, portanto, responder por eventuais prejuízos causados pela cadeia de fornecedores da qual faz parte.

Como meio de corroborar com tal proteção, o artigo 51, inciso I, da Lei Federal nº 8.078/90 aduz serem nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços, ou impliquem renúncia ou disposição de direitos, sendo proibidas também, consequentemente, as que impõem forma especial não prevista em lei pra o exercício de certa prerrogativa, limitando-as com fulcro em interesses particulares, em desconformidade com o microssistema de proteção ao consumidor, v.g., a cláusula contratual que prevê prazos de garantia que variam de acordo com o preço do produto ou serviço.

Ainda, prevê o inciso III do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor serem nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que transfiram responsabilidades a terceiros, impedindo que o fornecedor se beneficie de qualquer relação que tenha com outrem, no intuito de transferir-lhe no todo ou em parte sua responsabilidade pelos produtos e serviços que coloca no mercado de consumo, com a exceção de eventual contratação de seguradoras em caso de acidentes de consumo.

Essas normas proibitórias são de ordem pública, consoante o artigo 1º do mesmo diploma legal, constituindo instrumento hábil para reestabelecer o equilíbrio da relação de consumo. Assim, diante a massificação das relações de consumo e das novas fragilidades decorrentes da evolução tecnológica, busca-se cada vez mais equidade e justiça social, com a interferência na autonomia privada das partes e responsabilização, quando possível, do agente de atividade abusiva ou lesiva ao consumidor.

Page 108: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

108 A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS SITES DE COMPRAS COLETIVASPELO VÍCIO DO PRODUTO E DO SERVIÇO

2.3 Do vício do produto e do serviço

Ante o exposto, resta analisar ainda com base no microssistema de defesa do consumidor o vício do produto e do serviço.

Os vícios de que trata a Lei Federal nº 8.078/90 atingem diretamente direitos patrimoniais, eventualmente cumulados com extrapatrimoniais, de titularidade do consumidor destinatário final, abarcando os considerados strictu sensu e lato sensu – equiparados – que hajam intervindo na relação de consumo.

Neste caso, o objeto viciado da relação de consumo não se apresenta apto às utilidades razoavelmente dele esperadas pelo consumidor, tornando-se economicamente inadequado para os fins colimados, do que se depreende, a partir da teoria da qualidade, o surgimento de efeitos contratuais, com o ônus pelo fornecedor de prestar a garantia pelo vício, bem como extracontratuais, pela obrigação de substituir o bem viciado e de reparar os danos causados.

De acordo com o artigo 18, caput, do Código de Defesa do Consumidor, os vícios podem ser de qualidade ou quantidade, que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuíam o valor, assim como aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes do recipiente, embalagem, rotulagem, oferta ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza.

Aqui, enquadram-se aspectos que comprometem a funcionalidade dos objetos, sua finalidade, eficiência e desempenho, como os com prazos de validade vencidos, os deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação, além dos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam. Analisa-se também a sua quantidade, espacialidade e medidas em geral.

Em qualquer desses casos, infere-se ainda do artigo 18, caput, do referido diploma legal, a responsabilização solidária de todos os fornecedores da cadeia de produção, cabendo ao consumidor acionar diretamente qualquer dos envolvidos para exigir seus direitos (NUNES, 2009, p. 185), independentemente de dolo, culpa ou conhecimento acerca do respectivo vício no objeto.

Dessa forma, pode ser responsabilizado o site de compras coletivas, v.g., pela torradeira que não esquenta o suficiente, pelo pen drive cuja capacidade diverge da anunciada, pelas sessões de estética não concretizadas

Page 109: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

109Letícia Fernandes Pimenta Campos Silva

por falta de máquinas necessárias, pela limpeza de pele realizada com produtos divergentes do informado em anúncio, e pela venda de diárias em hotel cujas reservas já se apresentam esgotadas.

De toda sorte, em caso de vício no produto, o consumidor pode exigir diretamente à empresa responsável a substituição das partes viciadas, quando possível, de acordo com o artigo 18, caput, da Lei Federal nº 8.078/90. No entanto, caso não seja sanado no prazo máximo, via de regra, de trinta dias, consoante § 1º do mesmo dispositivo, pode exigir alternativamente, e à sua escolha, a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso, a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos, ou o abatimento proporcional do preço.

Tratando-se de vício de quantidade, cabe, ainda, com fulcro no artigo 19, inciso II, a exigência da complementação do peso ou medida. Neste campo, há certa peculiaridade, porquanto aduz seu § 2º que apenas o fornecedor imediato será responsável quando fizer a pesagem ou a medição e o instrumento utilizado não estiver aferido segundo os padrões oficiais.

Ademais, prevê o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 18, § 3º, que a substituição por novo produto deve ser imediata em caso de a troca apenas da parte viciada comprometer a qualidade ou características do objeto, diminuir-lhe o valor ou em se tratando de produto essencial. Registre-se que, não sendo possível a sua substituição por outro da mesma espécie, consoante § 4º, poderá haver por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante complementação ou restituição de eventual diferença de preço.

Em caso de vício no serviço, cabe a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo e eventuais perdas e danos, o abatimento proporcional do preço ou a exigência da reexecução dos serviços, sem custo adicional e, quando cabível, podendo esta ser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor, como expressa o artigo 20 da Lei Federal nº 8.078/90.

Ademais, o artigo 26 da Lei Federal nº 8.078/90 aduz que o direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação, os quais não exigem para sua identificação conhecimentos técnicos específicos, caduca em trinta dias nos casos de fornecimento de produtos e serviços não duráveis, que se exaurem no primeiro uso ou logo após sua aquisição e, em noventa dias, tratando-se de bens duráveis, definidos, por exclusão, como aqueles de vida útil não efêmera. Ademais, impõe o mesmo dispositivo, em seu § 1º, que a contagem se inicia a partir da entrega efetiva do produto ou do término da

Page 110: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

110 A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS SITES DE COMPRAS COLETIVASPELO VÍCIO DO PRODUTO E DO SERVIÇO

execução dos serviços. Por outro lado, expressa o §3º que, em se tratando de vícios ocultos,

o prazo decadencial inicia-se apenas no momento em que ficar evidenciado o defeito.

O prazo, ainda, é obstaculizado, de acordo com o §2º, incisos I e II, em decorrência de reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca, bem como com a instauração de inquérito civil, até seu encerramento. Trata-se de efeito suspensivo do prazo decadencial (NUNES, 2011, p. 436), contando-se o lapso temporal transcorrido antes da ocorrência de alguma das duas hipóteses, se for o caso, e recomeçando logo após.

Ademais, não obstante tal garantia legal, que independe de termo expresso, como expressa o artigo 24 do Código de Defesa do Consumidor, é permitida a estipulação contratual no intuito de ampliar o tempo ou as condições de assistência ao consumidor, em complementação àquela, consoante artigo 50, caput, sendo vedadas as cláusulas que impossibilitem, exonerem ou atenuem a obrigação de indenizar os danos causados aos consumidores, tal qual prevê o artigo 25, caput, ambos da referida Lei.

3 A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS SITES DE COMPRAS COLETIVAS PELO VÍCIO DO PRODUTO E DO SERVIÇO

A interferência do Estado nas relações de consumo ocorre tanto no campo preventivo, com a previsão de normas protetivas, de ordem pública e interesse social, quanto no campo repressivo, em que se faz presente, dentre outros, a reparação e/ou compensação dos danos causados, observando-se sempre sua suficiência e necessidade.

A responsabilidade civil constitui a aplicação de medidas suficientes e necessárias à reparação de danos sofridos por alguém, em virtude do inadimplemento de um dever contratual ou extracontratual, bem como de violação de norma jurídica que vincula o agente à respectiva reparação, no intuito de desfazer tanto quanto possível os efeitos da lesão, restituindo o prejudicado ao status quo ante ou compensando seu sofrimento (DINIZ, 2006, p. 40).

Apresenta, então, funções ressarcitória, punitiva e preventiva, visto que promove a reparação e compensação do dano causado, punindo o lesante e desestimulando a prática de novos atos lesivos.

Page 111: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

111Letícia Fernandes Pimenta Campos Silva

Para o microssistema de proteção e defesa do consumidor, a responsabilidade dos fornecedores é objetiva e integral (NUNES, 2009, p. 173), porquanto se baseia na teoria do risco da atividade profissional exercida, com notável potencialidade danosa, permitindo ao lesado, ante a dificuldade de provar a culpabilidade do agente, obter deste a reparação integral de seu dano, independentemente de culpa (DINIZ, 2006, p. 55), já que tal responsabilização é imposta por lei, no artigo 7º da Lei Federal nº 8.078/90.

Destarte, pela teoria do risco, todo aquele que exerça alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais danos causados aos consumidores, independentemente de culpa, porquanto têm o dever anterior de obediências às normas técnicas e de segurança (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 240).

Tal responsabilidade é composta de três elementos essenciais: o ato comissivo ou omissivo, o dano material e/ou moral e o nexo causal entre ambos, os quais devem ser provados pelo consumidor.

O dano material afeta a esfera patrimonial do lesado, ou seja, o aspecto constitutivo de seu conjunto de bens economicamente valoráveis, incidindo, pois, na diminuição ou depreciação, total ou parcial, do valor de bens patrimoniais a serem restituídos por meio de reparação natural, consistente na entrega da própria coisa, ou pela indenização pecuniária, quando impossível o restabelecimento do status quo ante (DINIZ, 2006, p. 71). Essa espécie de dano abrange tanto o dano emergente quanto o lucro cessante, os quais, juntamente com o dano principal, devem ser ressarcidos integralmente.

Por sua vez, o dano moral refere-se à lesão de interesses extrapatrimoniais, afetando aspectos físicos e psíquicos, como a vida, a saúde, a imagem, a honra. Neste caso, ante a impossibilidade da reparação natural, a compensação é garantida por meio da prestação pecuniária, no intuito de amenizar a ofensa e compensar a lesão causada, devendo-se observar, no momento de fixação de seu valor, certos critérios, como sua natureza específica, a intensidade real do sofrimento causado, a repercussão no meio social, a existência de dolo ou má fé por parte do agente, sua situação econômica, a possibilidade do ofensor voltar a praticar o mesmo fato danoso, se o infrator já cometeu a mesma falha anteriormente, se realizou práticas atenuantes visando reduzir a dor do ofendido, dentre outras (NUNES, 2009, p. 324).

Assim, deve-se reparar e/ou compensar tais danos quando, mesmo após a tentativa de saneamento do vício através das exigências cabíveis previstas em lei e anteriormente apresentadas, observar-se a subsistência de efetivo prejuízo aos consumidores, v.g., nos casos de impossibilidade de reexecução do serviço ou de negativa de substituição do produto por outro

Page 112: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

112 A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS SITES DE COMPRAS COLETIVASPELO VÍCIO DO PRODUTO E DO SERVIÇO

da mesma espécie.Outrossim, observa-se que se deve utilizar a técnica da ponderação

entre os interesses da vítima e do agente da conduta lesiva e, a partir desta valoração comparativa, fixar critérios a serem considerados no caso concreto, objetivando não haver banalização do dano ressarcível (MARTINS, 2008, p. 52). Dessa forma, evita-se uma expansão excessiva das fronteiras da responsabilidade civil, impedindo-se o enriquecimento ilícito, bem como a fixação de valores ínfimos ou não suficientes tanto para a eficaz compensação do dano quanto para cumprir com as funções punitiva e preventiva da indenização, no intuito de que as empresas fornecedoras não reincidam em atos danosos aos consumidores.

Ademais, cumpre destacar que, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 27, prescreve em cinco anos a pretensão à reparação por tais danos causados aos consumidores, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

3.1 Causas excludentes de responsabilidade

Não obstante o caráter protetivo do microssistema consumerista, o Código de Defesa do Consumidor prevê determinadas circunstâncias nas quais o fornecedor se exime da reparação de eventuais danos causados aos consumidores.

Os incisos I, II e III do parágrafo 3º do artigo 12 do referido diploma legal elenca hipóteses de exclusão de responsabilidade por danos causados por produtos, quais sejam, quando provar que não colocou o produto no mercado; que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, v.g., em desrespeito ou desconhecimento das normas de utilização do produto constantes de seu manual de instruções.

Prevê, ainda, o parágrafo 3º do artigo 14 da referida Lei que o fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Destarte, apenas há o dever legal de reparar os danos causados caso reste provado o defeito do produto, mesmo que exista dano e nexo causal.

Além destas, construções doutrinárias2, aceitas pela jurisprudência

2 Nesse entendimento, Paulo de Tarso Sanseverino (Responsabilidade civil no

Page 113: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

113Letícia Fernandes Pimenta Campos Silva

pátria3, defendem outras hipóteses de exclusão da responsabilidade do fornecedor, quais sejam, o fato concorrente do consumidor, a força maior e o caso fortuito.

Inicialmente, o fato concorrente do consumidor funciona, em verdade, como um atenuante da responsabilidade do fornecedor, reduzindo a extensão do nexo de causalidade e diminuindo o quantum debeatur, porquanto no sistema de ponderações, analisa-se a extensão do dano e o grau de participação dos envolvidos na causação do evento danoso (TARTUCE, 2012, p. 189).

Quanto à força maior e ao caso fortuito, não obstante a existência de diversos posicionamentos contrários4, diante da lacuna apresentada pela norma, entende-se que esta não pode ser interpretada literalmente, e ambas as hipóteses podem romper o nexo causal, porquanto não se deve descartar a possibilidade de ocorrência de fatos imprevisíveis ou inevitáveis que influenciem a colocação do produto no mercado (MARTINS, 2008, p. 156).

Nesse campo, busca-se diferenciar o fortuito interno do fortuito externo. O primeiro constitui um fato imprevisível e inevitável, ocorrendo no momento da fabricação do produto ou da realização do serviço e, desta forma, faz parte da atividade econômica do fornecedor, sendo abarcada pelos riscos do empreendimento, e, portanto, não excluindo a responsabilidade. Por outro lado, o fortuito externo – verdadeira força maior – é entendido como o fato que não guarda relações com a atividade do fornecedor, sendo absolutamente estranho ao ciclo produtivo do bem de consumo, via de regra ocorrendo em momento posterior ao da sua circulação no mercado, não se responsabilizando por ele, então, o fornecedor (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 256).

Código do Consumidor e a defesa do fornecedor. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 290); Gustavo Tepedino (A responsabilidade civil por acidentes de consumo na órbita civil-constitucional. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1998).3 Nesse sentido tem se manifestado a jurisprudência, v. g. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ARE 805500 RS. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. j. 28/04/2014. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AgRg no AREsp 202778 MG 2012/0144435-7. Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. j. 22/10/2013. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 120647 SP 1997/0012374-0. Rel. Min. Eduardo Ribeiro. j. 16/03/2000. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 1349894 SP 2012/0169439-3. Rel. Min. Sidnei Beneti. j. 04/04/2013.4 Nesse entendimento, Cláudia Lima Marques, Antonio Herman V. Benjamin e Bruno Miragem (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 383); Rizzatto Nunes (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 195); Nelson Nery Jr. E Rosa Maria de Andrade Nery (Leis civis comentadas. São Paulo: RT, 2006. p. 195); e Roberto Senise Lisboa (Responsabilidade civil nas relações de consumo. São Paulo: RT, 2001. p. 270).

Page 114: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

114 A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS SITES DE COMPRAS COLETIVASPELO VÍCIO DO PRODUTO E DO SERVIÇO

4 CONCLUSÕES

Os sites de compras coletivas, por desenvolverem de maneira habitual atividades de comercialização de produtos e de serviços, que lhes auferem lucros diretamente com as vendas ou a partir de anúncios ofertados em seus sítios, constituem as cadeias de fornecedores do mercado eletrônico, compondo relações jurídicas de consumo e, portanto, a eles sendo aplicadas todas as regras atinentes ao microssistema de proteção ao consumidor.

Desta forma, considerados fornecedores, de acordo com Código de Defesa do Consumidor, tais sistemas de compras são solidariamente responsáveis pelos danos causados aos consumidores decorrentes da venda de produtos ou serviços viciados, cabendo a imputação de reparação ou compensação civil independentemente da aferição de culpabilidade, porquanto sua responsabilidade neste caso é objetiva, baseada na teoria do risco da atividade profissional que exerce.

Outrossim, o vício consiste na inaptidão do produto ou do serviço às utilidades que razoavelmente dele se espera, tornando-se economicamente inadequado e atingindo, portanto, diretamente direitos patrimoniais, eventualmente cumulados com extrapatrimoniais.

Conforme verificado, os danos podem ser materiais e/ou morais e, no intuito da sua efetiva prevenção e reparação, há possibilidade de responsabilização integral dos sites de compras coletivas no âmbito civil, buscando-se observar sempre a suficiência e necessidade das medidas adotadas, correlacionando-as com suas funções ressarcitória, punitiva e preventiva.

Ademais, o Código de Defesa do Consumidor prevê determinadas causas excludentes de tal responsabilização, quais sejam a não introdução do produto no mercado de consumo; a inexistência do defeito no produto ou no serviço; e o fato exclusivo do consumidor ou de terceiro. A doutrina e a jurisprudência ainda defendem outras hipóteses, quais sejam, o fato concorrente do consumidor – enquanto atenuante da responsabilidade – e o fortuito externo, sendo este o fato de consequências inevitáveis estranhas aos riscos do empreendimento, externos ao ciclo produtivo do bem de consumo, via de regra ocorrendo em momento posterior ao da sua circulação no mercado.

Page 115: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

115Letícia Fernandes Pimenta Campos Silva

REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Antônio Herman V. MARQUES, Claudia Lima. MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

BRASIL. Lei Federal n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 set 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 30 out 2014.

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. V. 7. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2005.

MARTINS, Guilherme Magalhaes. Responsabilidade Civil por Acidente de Consumo na Internet. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

Page 116: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

116 A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS SITES DE COMPRAS COLETIVASPELO VÍCIO DO PRODUTO E DO SERVIÇO

______, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 6. ed. Sã Paulo: Saraiva, 2011.

QUEIROZ, Odete Novais Carneiro. Da Responsabilidade por Vício do Produto e do Serviço. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

TARTUCE, Flávio. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor: direito material e processual. São Paulo: Método, 2012.

THE CIVIL LIABILITY OF GROUP BUYING SITES BY DEFECT OF PRODUT AND SERVICE

ABSTRACT

The massification of consumer contracts and the formation of complex networks of suppliers, resulting from technological advances seen in e-commerce, specifically regarding relationships established with group buying sites, are causing many problems in the market, as reflected in the difficulty of gauging liability for damage caused to consumers. Therefore, it is important to analyze the attributes of this system of purchasing, framing them as suppliers, according to the Consumer Protection Code, examining the formation of these legal relationships, as well as understanding the possibility of civil liability of group buying sites by defect of product and service, measuring necessity and sufficiency.

Keywords: Microsystem of consumer protection. Civil liability. Group buying sites. Vice of product and service.

Page 117: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

DECISÕES ESTRUTURAIS NO PROCESSO CIVIL À LUZ DO ESTADO CONSTITUCIONAL DEMOCRÁTICO: CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA

SUA RELAÇÃO COM O DIREITO DE DEFESA E OUTRAS PRERROGATIVAS

Raul Medeiros Bezerra Da CostaAcadêmico do 6º período do Curso de Direito da UFRN

Tallita De Carvalho MartinsAcadêmica do 6º período do Curso de Direito da UFRN

RESUMO

O presente trabalho busca realizar uma análise crítica a respeito do direito de defesa, em consonância com as decisões estruturais prolatadas pelo judiciário brasileiro, tomando como respaldo a Teoria dos Direitos Fundamentais e outras prerrogativas processuais. Assim, pauta-se, sobretudo, em uma abordagem com fulcro na Constituição Federal de 1988, a fim de se demonstrar seus desdobramentos, explicitando-se a sua verdadeira amplitude. Logo, o trabalho em contenda se volta à desconstrução de dogmas solidificados com base em interpretações reducionistas sobre o tema. Por fim, busca demonstrar como tal garantia se estende a todos os integrantes da relação jurídica processual, garantindo o acesso à justiça e fazendo possível se contemplar, em tais considerações, as vicissitudes da tutela jurisdicional. Destarte, procurou-se apresentar a visão doutrinária a respeito do tema, debatendo-se, sempre, criticamente, aqueles pontos de maior divergência na seara acadêmica.

Palavras-chave: Direito de defesa. Decisões estruturais. Tutela jurisdicional. Acesso à justiça.

Page 118: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

118

1 INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 balizou o direito de defesa como cláusula pétrea, tornando-o englobado pelos direitos e garantias individuais do art. 5º, blindando-o, pois, de qualquer tentativa do constituinte derivado de modificá-lo de modo negativo, ou, até mesmo, de extingui-lo.

Em face da magnitude de tal instituto constitucionalmente estruturado, todo o ordenamento jurídico deve ser interpretado da maneira mais adequada a respeitá-lo e efetivá-lo, seja em qual for a seara em que o fato litigioso se encontra para ser solucionado; isto é, estando no meio judicial ou no administrativo, por exemplo.

Neste norte, o presente artigo visa discorrer e refletir sobre a defesa em conjunto com o princípio do contraditório, suas faces, a necessidade do acesso à justiça, sua imiscuidade com os direitos fundamentais, além de rupturas com dogmas postos e a dualidade encontrada entre ação e exceção, enquanto polos figurativos de um mesmo processo de compreensão, a qual compõe o exercício da jurisdição e a busca pela pacificação de conflitos.

Ademais, traz à baila considerações tocantes ao arcabouço das decisões estruturais, quanto ao seu conceito e a sua imbricação com o próprio direito de defesa na realidade do ordenamento jurídico brasileiro.

Nesse sentido, propõe discutir sobre a teoria das decisões judiciais e a tutela dos direitos como fim do Processo Civil no Estado Constitucional Democrático. Para tanto, far-se-á uma análise dedutiva de proposições lógicas, partindo-se de uma situação geral e genérica para uma particular.

Desta feita, concluir-se-á o estudo ressaltando-se a necessidade de se encarar a teoria das decisões judiciais sob um aspecto mais racional, apartando-se de construções silogísticas e de adjudicações temerárias, sobretudo quando se tem em foco uma garantia fundamental a exemplo do direito de defesa.

2 A IMBRICAÇÃO ENTRE O DIREITO DE DEFESA E AS DECISÕES ESTRUTURAIS EM UM BOSQUEJO HISTÓRICO

Ao representar um dos alicerces do Estado Constitucional de Direito, a garantia à ampla defesa constitui um dos mais imprescindíveis institutos da franquia democrática. Tal afirmação corrobora com o fato de a jurisdição, controlada pelo Estado em sua face jus imperium, ter como um de seus escopos

DECISÕES ESTRUTURAIS NO PROCESSO CIVIL À LUZ DO ESTADO CONSTITUCIONAL DEMOCRÁTICO: CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA

SUA RELAÇÃO COM O DIREITO DE DEFESA E OUTRAS PRERROGATIVAS

Page 119: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

119

a pacificação e harmonização social por meio da solução dos conflitos entre os particulares e entre estes e a instituição estatal.

No entanto, não é sempre que se faz possível a aplicação do princípio da concordância prática ou da harmonização, proposto por Konrad Hesse. Em contrapartida, na ambiência de uma sociedade multifacetada que, a seu turno, foge ao consenso, muitos são os conflitos possíveis e maiores ainda as dificuldades para acomodá-los em harmonia.

Nesse escopo, tem-se contundente divergência de realidade àquela que estava plasmada à época do Estado Liberal. Pautado em um positivismo lógico-formal, os ideais liberais ventilavam os pilares do individualismo que embasou a Revolução Francesa (STRECK, 2002).

Assim, concretizando-se um direito nuclear (voltado para resolução de conflitos individuais lineares), não se pôs em tela situações que envolvem direitos transindividuais, os quais perpassam, em muito, as disputas entre Caio e Tício (ou Mévio). Isto é, não se atentou para a premência do apoderamento de técnicas argumentativas capazes de dirimir problemáticas mais complexas do que aquelas bilaterais, para as quais o direito apresenta, de pronto, uma resposta prática (STRECK, 2002).

Nas palavras de Rochele Vanzin Bigolin (apud HOMMERDING, 2007):

A situação do processo civil na ’ ‘era das massas’ é precária. Idealizado para uma sociedade cuja historicidade era outra, o Direito Processual não resistiu à sua finitude’. Ovídio A. Baptista da Silva asseverou que, para o Direito Processual Civil, a história parou no século XIX: ‘Daí porque não devemos depositar demasiada esperança na ‘Reforma do Poder Judiciário’, se não estivermos dispostos a repensar os fundamentos do sistema, superando os ideais do Iluminismo’.

Em outras palavras, a evolução pertinente ao mundo contemporâneo trouxe à tona a composição de uma sociedade de risco que sobrevive em meio a árduas disputas. Não raro, tais embates acabam por chegar ao alcance do judiciário, causando, assim, enorme demanda para um órgão que, no Brasil, ainda se apresenta demasiadamente imaturo quanto às questões de racionalização de crítérios para ponderação de valores.

Logo, o direito de defesa, nesse ínterim, aparece no enfoque de muitas das questões estruturais que, outrora, eram inobservadas e as quais agora resultam na necessidade de uma atuação judicial mais política do que jurídica, mais ideológica do que técnica e mais filosófica do que científica.

Raul Medeiros Bezerra da Costa - Tallita de Carvalho Martins

Page 120: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

120

Fazendo alusão às palavras de Amandino Teixeira Nunes Junior (apud BONAVIDES, 1994):

Com o aparecimento do Estado Social, quando as constituições assumem a forma de autênticos pactos reguladores de sociedades heterogêneas e pluralistas, arvoradas por grupos e classes com interesses antagônicos e contraditórios, surge uma nova interpretação constitucional, que ‘já não se volve para a vontade do legislador ou da lei, senão que se entrega à vontade do intérprete ou do juiz, num Estado que deixa assim de ser o Estado de Direito clássico para se converter em Estado de justiça, único onde é fácil a união do jurídico com o social... ‘

Destarte, em um Estado Social se passa a falar em políticas públicas e medidas afirmativas, tendo por ventura o próprio destaque que é fornecido ao povo. Isso porque, justamente em decorrência da convivência de interesses tão plurais e conflitantes, faz-se necessária essa atuação estatal mais presente.

Todavia, conforme preleciona o próprio BONAVIDES (2007, p. 187):

A implantação do Estado social demanda um processo bastante difícil, porquanto, pela sua própria natureza conciliadora de segmentos distintos da sociedade, acaba oscilando no ‘drama do poder’ nas contradições entre os interesses sociais divergentes, alguns de cunho material, outros de cunho ideológico.

Nesse conspecto, tem-se o desafio já lançado de se fazer conciliar o direito de defesa, do autor e do réu, com consolidação ao acesso de justiça de ambos, fazendo jus a consolidação das garantias tuteladas pela Carta Magna de 1988.

Até porque, para que o objetivo da jurisdição seja alcançado, faz-se necessário que ocorra um procedimento alinhado com os princípios e dispositivos constitucionais processuais, o que envolve o direito de ação por parte do autor, o qual o exercerá contra o Estado e em face do réu, e o direito de defesa, por parte deste, que busca se blindar do ataque da outra parte. Desta feita, “sem a efetividade do direito de defesa, portanto, estaria comprometida a própria legitimidade do exercício do poder jurisdicional” (MARINONI, 2009, p. 305).

Ora, é natural e intuitivo do ser humano procurar se defender daquilo que procura lhe causar dano. Este panorama que acompanha o homem desde sua gênese foi destacado para o mundo do Direito, fazendo surgir, então, um

DECISÕES ESTRUTURAIS NO PROCESSO CIVIL À LUZ DO ESTADO CONSTITUCIONAL DEMOCRÁTICO: CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA

SUA RELAÇÃO COM O DIREITO DE DEFESA E OUTRAS PRERROGATIVAS

Page 121: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

121

direito inerente que o resguarda: o direito de defesa que, no ordenamento jurídico pátrio, é vazado na Lei Maior por força do art. 5º, LV, tutelando, pois, que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Segundo Marinoni (2009, p. 306), o direito de defesa é aquele que de modo pleno “pode negar a tutela do direito, o qual apenas poderá ser limitado em hipóteses excepcionais, racionalmente justificadas pela necessidade de efetiva tutela jurisdicional do direito”. Esta afirmação é corroborada com os dizeres da processualista Ada Pellegrini (2011, p. 295):

O autor, através do exercício da ação, pede justiça, reclamando algo contra o réu; este, através da exceção, pede justiça, solicitando a rejeição do pedido. Tanto como o direito de ação, a defesa é um direito público subjetivo (ou poder), constitucionalmente garantido como corolário do devido processo legal e dos postulados em que se alicerça o sistema contraditório do processo. Tanto o autor, mediante a ação, como réu, mediante a exceção, têm um direito ao processo.

Assim, é correto dizer que o réu, ao se utilizar de exceções processuais, – as quais constituem sua defesa – procura não a obtenção de uma expressão pecuniária, por exemplo, da parte autora que impetra a ação – o ataque na lide –, mas uma tutela jurisdicional que negue a tutela do direito pedido pelo autor.

3 O ACESSO À JUSTIÇA NA SEARA DO DIREITO CONSTITUCIONAL E O SEU VÍNCULO COM O DIREITO DE DEFESA

Ao passo que a parte autora adentra em juízo com a pretensão de ter um direito solicitado tutelado pelo Estado-juiz, o réu, ao apresentar sua defesa, busca, como explicitado anteriormente, a negação de tal tutela. Desse modo, a Constituição de 1988 estabelece em seu art. 5º, LXXIV, que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”1.

1Enfatizando tal raciocínio, tem-se a Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, a qual

Raul Medeiros Bezerra da Costa - Tallita de Carvalho Martins

Page 122: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

122

Logo, deve-se afirmar de forma imprescindível que tal acesso à jurisdição representa uma via não apenas para o autor da demanda, mas também para o réu, tendo em vista que a prestação e tutela jurisdicionais representam, também, um exercício de cidadania e só se tornarão embebidos de legitimidade quando ambas as partes puderem alegar e produzir provas de forma equivalente.

Como bem preconiza Marinoni (2009, p. 309):

Um processo em que qualquer das partes não possa efetivamente participar retira a legitimidade do exercício do poder jurisdicional. Não há como ter uma decisão legítima sem se dar àqueles que são atingidos por seus efeitos a adequada oportunidade da formação do judicium.

Neste contexto, Cappelletti (1988, p. 9) aduz que um dos problemas que acaba por tornar instável a balança do acesso à justiça e o próprio contencioso processual é o recurso financeiro. Praticamente todo o planeta encontra-se mergulhado em um panorama capitalista, no qual a divisão de renda não se encontra bem compartilhada e uns são muito mais abastados que outros.

Dessa maneira, aqueles que possuem mais dinheiro são armados com uma gama de ferramentas que fazem com que sua solicitação de tutela de um direito (ação) ou negação deste (defesa) seja mais eficaz. Ao contrário, os mais pobres coexistem com uma dificuldade imensamente maior de poder atacar ou se defender, tendo em vista que as custas processuais e os honorários dos advogados obstam na busca do exercício da jurisdição, já que os mecanismos dos quais o Estado dispõe – supramencionados – não têm a eficiência que deveriam ter.

Com o quadro exposto, expõe-se a elucidação de Cappelletti (1988, p.8) sobre o fato acima narrado:

Pessoas ou organizações que possuam recursos financeiros consideráveis a serem utilizados têm vantagens óbvias ao propor ou defender demandas. Em primeiro lugar, elas podem

dispõe, em seu artigo 1º: “os poderes públicos federal e estadual, independente da colaboração que possam receber dos municípios e da Ordem dos Advogados do Brasil, - OAB, concederão assistência judiciária aos necessitados nos termos da presente Lei”

DECISÕES ESTRUTURAIS NO PROCESSO CIVIL À LUZ DO ESTADO CONSTITUCIONAL DEMOCRÁTICO: CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA

SUA RELAÇÃO COM O DIREITO DE DEFESA E OUTRAS PRERROGATIVAS

Page 123: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

123

pagar para litigar. Podem, além disso, suportar as delongas do litígio. Cada uma dessas capacidades, em mãos de uma única das partes, pode ser uma arma poderosa e a ameaça de litígio torna-se tanto plausível quanto efetiva. De modo similar, uma das partes pode ser capaz de fazer gastos maiores que a outra e, como resultado, apresentar seus argumentos de maneira mais eficiente.

Para Marc Galanter (2009, p. 119), fazendo uma analogia interessante, esta conjuntura é como uma comida bastante saborosa (aqui representando a tutela jurisdicional de um direito ou a negação desta, dependendo do caso) que é servida apenas para aqueles que podem investir de forma suficiente para ter o prato (ação ou defesa de sucesso), enquanto aqueles que não o podem se contentam com o que sobrar.

Portanto, conclui-se que apenas com uma real assistência judiciária aos mais necessitados ocorrerá, de forma plena, o exercício da jurisdição, o qual representa um ato de cidadania por parte daqueles que concorrem ao Judiciário para terem suas lides solucionadas.

4 O DIREITO DE DEFESA E AS DECISÕES ESTRUTURAIS NA TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais, enquanto garantias diversas de todos os cidadãos, albergados, principalmente, no art. 5º da Constituição Federal de 1988, podem ser analisados à luz de inúmeras teorias. Assim sendo, o direito de defesa, nesse diapasão, poderá ser compreendido sob divergentes considerações, mas, que, de certa forma, complementam-se quanto à definição do conceito outrora apresentado, por sua vez, coerente com a ideia proposta por um Estado Constitucional Democrático.

Logo, ab initio, cabe dizer que os direitos fundamentais podem ser subdivididos em direitos às prestações sociais; direitos à proteção e direitos à participação (MARINONI, 2010, p. 67). Tal concepção é a que imprime o posicionamento majoritário da doutrina sobre o tema, não obstante alguns autores acrescentem outras categorias desses direitos ou divirjam quanto à nomenclatura, apesar de geralmente preservarem o mesmo significado.

Revisando a teoria de Jellineck, por exemplo, Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins (2012, p. 51-52), classificam as gerações dos direitos fundamentais em apenas três, sendo a primeira delas correspondente aos

Raul Medeiros Bezerra da Costa - Tallita de Carvalho Martins

Page 124: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

124

status negativos (direito do cidadão à renúncia do Estado); status positivus (direitos prestacionais por parte do Estado) e, por fim, o de status activus (direitos políticos).

Tal classificação se demonstra importante para compreensão do direito de defesa, pois, sob a égide de um novo modelo estatal, dissonante da matriz liberal-burguesa, os direitos fundamentais não mais podem ser compreendidos apenas como o direito de o particular impedir a ingerência do Poder Público em sua esfera jurídica (MARINONI, 2010, p. 75). Com o advento do Estado Social, a sociedade passou a gozar do poder de cobrar deste ente aquelas prestações que lhes são asseguradas pela Carta Magna.

Nas palavras de Fábio Ataíde (2008, p. 7), o “Estado Constitucional de Direito não somente constitui um regime de efetivação do direito de defesa, mas, do mesmo modo, busca efetivar o direito de ação, como também a prestação jurisdicional e o processo como um todo”.

Diante disso, não soa coerente a atribuição exagerada de um direito de defesa, de forma que com isso se prejudique garantias outras, de equivalente importância, como a efetividade processual. Pois, da mesma maneira que, na demanda judicial, a parte ré deverá ter observada todos os benefícios os quais lhe são aproveitados, a parte autora necessariamente contará com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva.

Por seu turno, direito esse que possui imbricações imediatas com a categoria de status positivus no tocante ao dever do Estado-Juiz realizar uma prestação que corresponda ao acesso à justiça de qualidade2.

Sob outra perspectiva, a conclusão é de que, hodiernamente, o direito de ação “assume valor, como direito fundamental de defesa, quando visto como procedimento especialmente diferenciado para a obtenção de tutela jurisdicional do estado-juiz contra a violação ou a ameaça de violação de direito praticada pelo estado-réu” (MARINONI, 2010, p.97).

Portanto, os chamados direitos activus, políticos ou de participação, consagram uma categoria imprescindível ao atual momento do Estado Democrático. Nas proposições de Jurgen Habermas, Peter Haberle e Canotilho, é a partir da efetiva influência da sociedade na ordem jurídica, política e social

2 CF: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

DECISÕES ESTRUTURAIS NO PROCESSO CIVIL À LUZ DO ESTADO CONSTITUCIONAL DEMOCRÁTICO: CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA

SUA RELAÇÃO COM O DIREITO DE DEFESA E OUTRAS PRERROGATIVAS

Page 125: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

125

que existe a real concretização dos direitos fundamentais ora discutidos.Em outras palavras, já é hora de se abandonar “o mito liberal do

processo como mera garantia de formas” (MARINONI, 2010 apud CHIARLIONI). Para tanto, a sociedade deve ser interveniente na construção desse saber.

Nesse diapasão, Sérgio Cruz Arenhart (2013), discorrendo sobre as “Decisões estruturais no Direito Processual Civil brasileiro”, conclui sobre o assunto que as decisões estruturais são aquelas “[...] que se orientam para uma perspectiva futura, tendo em conta a mais perfeita resolução da controvérsia como um todo, evitando que a decisão judicial se converta em problema maior do que o litígio que foi examinado”.

Por essa razão, considerando-se a ampla atividade criativa do juiz, o qual, por sua vez, poderá decidir sob o parâmetro da juridicidade (que vai além da legalidade), lançando mão de princípios, axiomas, postulados, direitos humanos plasmados em convenções ou tratados, resolvendo a celeuma por método de dedução ou indução, é que se propõe, enfaticamente, a pertinência da lógica argumentativa e da hermenêutica nesse processo, a fim de que seja possível uma interpretação conforme à Constituição.

5 DA ABSORÇÃO DA INSEGURANÇA E DA FINALIDADE DA TUTELA: O FIM DAS CONSTRUÇÕES SILOGÍSTICAS

Observadas todas as considerações feitas até o momento, há de

se concluir que, atualmente, a realidade processual do ordenamento jurídico brasileiro se apresenta bem mais complexa do que já foi um dia. Nesse contexto, o processo de decisão se encontra igualmente necessitado de soluções possíveis de se enfrentar as questões estruturais que tanto foram abordadas no artigo em tela.

Nas palavras de Tércio Sampaio (2011, p. 287):

No processo de decisão, podemos também buscar uma resposta que traga satisfação mediata, caso em que somos obrigados a enfrentar incompatibilidades de segundo grau, isto é, relativas às condições das próprias satisfações imediatas: conflito sobre as condições de possibilidade dos conflitos. [...] Essa visão mais alargada da decisão permite ver que se trata de um procedimento dentro de um processo, portanto muito mais complexo que uma deliberação individual fizesse crer.

Raul Medeiros Bezerra da Costa - Tallita de Carvalho Martins

Page 126: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

126

Assim, há de se compreender que a existência da decisão decorre do conflito, natural de uma sociedade multifacetada. Porquanto, por outro ângulo, se estivesse posta ao magistrado a possibilidade de decidir em poder de todos os dados relevantes, sendo capaz de prever e avaliar alternativas viáveis para deliberar sobre a lide ter-se-ia uma situação ideal, relativa a uma sociedade de consenso, na qual se extinguiria o conflito de forma definitiva.

Em via diversa, frente à multiplicidade de interesses que são postos em uma mesma demanda judicial que insta por uma decisão estrutural, extinguir o conflito se torna objetivo utópico e descolado da realidade fática, portanto, sendo mais cabível a transformação do problema em adequação à referida pretensão.

Recuperando o raciocínio de Tércio Sampaio, a finalidade última da decisão, nesse contexto, resume-se à absorção de insegurança. Segundo o mesmo autor, “significa, pois, que o ato de decidir transforma incompatibilidades indecidíveis em alternativas decidíveis, ainda que, num momento subsequente, venha a gerar novas situações de incompatibilidade até mais complexas que as anteriores”. (SAMPAIO, 2011, p. 288).

Tão logo, a viabilidade de se resolver um conflito de acordo com essa via se torna bem mais palpável na conjuntura ora discutida. Trazendo exemplo colacionado em estudos de Tiago Glagiano Pinto Alberto e Sabrina Santana Figueiredo Pinto Alberto:

No Brasil, talvez o exemplo mais cadente de decisão estrutural possa ter sido evidenciado por oportunidade do julgamento da ação popular que impugnava a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em que o Supremo Tribunal Federal adicionou à parte dispositiva do acórdão 19 (dezenove) cláusulas condicionantes, as quais passariam a disciplinar a demarcação de qualquer terra indígena que, a partir de então, se realizasse no Brasil. Prolatou-se o que se vem denominado de “sentença aditiva”, que, por sua natureza, contém determinações abstratas e genéricas a regular determinado ponto omisso que obste o cumprimento de cláusulas constitucionais.

Desta feita, observa-se que o conflito em si não foi eliminado, mas buscou-se impedir a sua perpetuação. Desta feita, vê-se que a situação conflituosa restou transformada, havendo, portanto, a supracitada absorção de insegurança. Isso porque, os conflitos jurídicos, diferentemente daqueles eminentemente sociais, políticos ou religiosos, são tratados dentro de limites

DECISÕES ESTRUTURAIS NO PROCESSO CIVIL À LUZ DO ESTADO CONSTITUCIONAL DEMOCRÁTICO: CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA

SUA RELAÇÃO COM O DIREITO DE DEFESA E OUTRAS PRERROGATIVAS

Page 127: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

127

postos pelo próprio ordenamento, não podendo ser levados adiante de forma indefinida, pelo que se tem com o próprio instituto da coisa julgada.

Arrematando tais considerações, coloca Tércio Sampaio (2011, p. 289): “A institucionalização do conflito e do procedimento decisório confere aos conflitos jurídicos uma qualidade especial: eles terminam. Ou seja, a decisão jurídica é aquela capaz de lhes pôr um fim, não no sentido de que os elimina, mas que impede sua continuação”.

Nesse escopo, entende-se a abordagem ao conflito deve ser feita de forma subjetiva, não devendo o magistrado ater-se à legalidade estrita, tal qual se propunha à época do empirismo exegético. Até porque, em se tratando de decisões estruturais, o juiz precisa ir além, lançando mão do princípio da juridicidade, a fim de que possa decidir de forma mais aberta, não com isso descurando da necessidade de fundamentação, porquanto, sem tal elemento, o ato decisório se tornaria nulo.

Capitaneando de forma pioneira essa forma de decidir, o famigerado juiz Magnaud, por sua vez, presidente do Tribunal de Primeira Instância de Chânteau-Tierry, entre o período de 1889 e 1904, em primeiro plano, colocava princípios como a equidade, em detrimento ao apreço demasiado à lei, tal qual à doutrina e à jurisprudência.

Tanto o fez que ficou conhecido por suas decisões inovadoras em variados assuntos, ao seu ponto de vista, muito mais complexos do que se poderia analisar em primeira análise. Por essa razão, julgando necessário ponderar os pontos estruturais da questão e, conseguintemente, muitas vezes decidindo contra legem.

A título de ilustração, o autor Luiz Guilherme Marques traz como exemplo algumas decisões do “bom juiz Magnaud”:

[...] num julgamento famoso, que chamou a atenção de todo o país na época, inclusive tendo sido objeto de explorações político-partidárias, absolveu uma mulher por furto famélico; num outro julgamento absolveu um rapaz que não conseguia emprego e que era acusado de mendicância e vadiagem; absolveu uma mulher acusada de adultério, tendo fundamentado sua sentença no entendimento de que não havia prejuízo público, mas apenas para a vida dos próprios cônjuges; e, através de inúmeras decisões surpreendentes para a época, pretendeu a descriminalização do adultério, o reconhecimento do que depois se tratou como estado de necessidade, avançou no sentido do direito de greve, de segurança do trabalho, da valorização da mulher e sua

Raul Medeiros Bezerra da Costa - Tallita de Carvalho Martins

Page 128: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

128

igualdade em relação ao homem etc.

Assim, percebe-se que, para a sua época, esse juiz enfrentava os conflitos que lhes eram postos analisando a questão de acordo com toda a sua conjuntura. Portanto, tinha o cuidado de perceber que algumas demandas não poderiam ser resolvidas tomando-se como base as respostas “prontas” trazidas pela legislação ou mesmo pela jurisprudência. Logo, buscava conceder uma tutela jurisdicional efetiva (termo mais contemporâneo concernente ao processo civil) na medida em que considerava a problemática a fundo, fugindo do mero pragmatismo.

6 CONCLUSÕES

Diante de todo o exposto, faz-se possível arrematar que o direito de defesa se apresenta como garantia básica e fundamental. Nesse ínterim, possui assento constitucional e implica em diversos desdobramentos práticos que servem para consolidação do seu significado final.

Enquanto direito basilar, apresenta-se passível de intervenção, desde que racionalmente justificada. Entendendo, dessa forma, a necessidade de os juízes adotarem critérios de racionalização para ponderação de valores em suas decisões. Ademais, o respectivo direito convive, sobretudo, com garantias outras que surgiram com a inauguração de uma nova ordem estatal (Estado Social), por seu turno, responsável pelas inequívocas mudanças quanto à interpretação desse conceito de matiz no modelo clássico do Estado Liberal.

Portanto, o direito de defesa apresenta-se como uma garantia de suma importância para a consolidação do Estado Constitucional Democrático, sobretudo no que tange à efetivação da tutela jurisdicional, proporcionada por um amplo acesso à justiça. Desse modo, deverá ser observado quanto a todos os seus desdobramentos, fugindo-se de uma interpretação restritiva, a fim de que seja possível a sua real concretização para todos os envolvidos na relação processual.

Nesse sentido, também foi possível depreender a sua relação em decisões estruturais que, por sua vez, requerem uma atuação do judiciário mais complexa e concatenada com fatos sociais e conjuturas alheias aos simples ditames legais. Salienta-se, aqui, a solução anterioremente observada de, nessas situações, promover-se a transformação do conflito, de maneira a obstar a sua continuidade, em contrapartida à mera harmonização de interesses,

DECISÕES ESTRUTURAIS NO PROCESSO CIVIL À LUZ DO ESTADO CONSTITUCIONAL DEMOCRÁTICO: CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA

SUA RELAÇÃO COM O DIREITO DE DEFESA E OUTRAS PRERROGATIVAS

Page 129: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

129

perscrutada enquanto objetivo ideal em uma sociedade de consenso.

REFERÊNCIAS

ALBERTO, Tiago Gagliano Pinto; ALBERTO, Sabrina Santana Figueiredo Pinto. Decisões Estruturais e Argumentação. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=fa36dd3f38345315>. Acesso em: 3 nov. 2014.

ALVES, Fábio Welligton Ataíde.  Efetivação da garantia defesa no estado constitucional de direito: colisão entre poder punitivo e garantia de defesa. 2008. 442 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2008. Disponível em: <http://ftp.ufrn.br/pub/biblioteca/ext/bdtd/FabioWAA.pdf>. Acesso em: 8 nov. 2013.

ARENHART, Sérgio Cruz. Decisões estruturais no direito processual civil brasileiro. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 38, n. 225, nov. 2013. Disponível em: <http://www.rkladvocacia.com/arquivos/artigos/art_srt_arquivo20140707125902.pdf>. Acesso em: 3 nov. 2014.

BIGOLIN, Rochele Vanzin. Tutela jurídica dos direitos transindividuais em um Estado Democrático de Direito. Jus Navigandi, Teresina, a. 19, n. 4115, out. 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/29763/tutela-juridica-dos-direitos-transindividuais-em-um-estado-democratico-de-direito/2>. Acesso em: 03 nov. 2014.

BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1998.

Raul Medeiros Bezerra da Costa - Tallita de Carvalho Martins

Page 130: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

130

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.  Teoria Geral do Processo.  27. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011.

DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

GALANTER, Marc. Access to Justice in a World of Expanding Social Capability.  Fordham Urban Law Journal.  New York, p. 115-128. jan. 2009. Disponível em: <http://ir.lawnet.fordham.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2324&context=ulj>. Acesso em: 10 nov. 2013.

JÚNIOR FERRAZ, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2011.

JUNIOR NUNES, Amandino Teixeira. A moderna interpretação constitucional. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/3497/a-moderna-interpretacao-constitucional>. Acesso em: 03 nov. 2014.

MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

MARQUES, Luiz Guilherme. Paul Magnaud – O Bom Juiz. Ratione Temporis. 2006. Disponível em: <http://ratione-temporis.blogspot.com.br/2006/05/paul-magnaud-o-bom-juiz.html>. Acesso em: 04 nov. 2014.

STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 82-83.

DECISÕES ESTRUTURAIS NO PROCESSO CIVIL À LUZ DO ESTADO CONSTITUCIONAL DEMOCRÁTICO: CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA

SUA RELAÇÃO COM O DIREITO DE DEFESA E OUTRAS PRERROGATIVAS

Page 131: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

131

JÚNIOR FERRAZ, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2011.

DECISIONS IN STRUCTURAL CIVIL PROCEDURE UNDER THE AEGIS OF A STATE CONSTITUTIONAL DEMOCRACY: CONSIDERATIONS REGARDING YOUR RELATIONSHIP WITH THE RIGHT OF DEFENSE AND OTHER PREROGATIVES

ABSTRACT

This study aims to conduct a critical analysis concerning the right of defense, consistent with the structural decisions handed down by the Brazilian judiciary, taking as support the Theory of Fundamental Rights and other procedural prerogatives. So is guided primarily in a core approach to the Federal Constitution of 1988, in order to demonstrate its aftermath, explaining its true amplitude. Thus, the work in dispute turns deconstruction of dogmas solidified based on reductionist interpretations of the theme. Finally, it seeks to demonstrate how such a warranty extends to all members of the procedural legal relationship, ensuring access to justice and making possible to contemplate on such considerations, the vicissitudes of judicial review. Thus, we sought to introduce doctrinal views on the subject, struggling, always, critically, those points of greater divergence in academic harvest.

Keywords: Right to defense. Structural decisions. Jurisdictional tutelage. Access to justice.

Raul Medeiros Bezerra da Costa - Tallita de Carvalho Martins

Page 132: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista
Page 133: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

GARANTISMO PENAL E A MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA

Gabriel Da Nóbrega FernandesAcadêmico do 7º período do Curso de Direito da UFRN

José Roberto Montes NunesAcadêmico do 7º período do Curso de Direito da UFRN

RESUMO

O presente trabalho de pesquisa tem por objetivo desenvolver uma análise crítica sobre o princípio da motivação das decisões judiciais, previsto no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, à luz da Teoria do Garantismo Penal, trazida pelo jusfilósofo Luigi Ferrajoli em 1989, em obra batizada de “Direito e razão: Teoria do Garantismo Penal”. No contexto de um Estado Democrático de Direito, firmado sobre um sistema penal acusatório, existe a necessidade perene de limitar o poder punitivo do Estado, assegurando o respeito aos direitos fundamentais do cidadão. A partir destas garantias constitucionais foi que se permitiu afastar regimes estatais autoritários e sistemas jurídicos marcados pela arbitrariedade e parcialidade, merecendo especial destaque o princípio da motivação, previsto na nossa Carta Maior, que vincula a legalidade e legitimidade de uma decisão judicial à sua fundamentação. Para um melhor entendimento do tema, far-se-á uma análise da necessidade da motivação de todas as decisões exaradas no curso do Processo Penal, especialmente daquela que recebe a peça acusatória, com vistas a chamar atenção para este tema que se encontra visceralmente ligado ao princípio do devido

Page 134: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

134 GARANTISMO PENAL E A MOTIVAÇÃO DAS DECISÕESDE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA

processo legal.

Palavras-chave: Garantismo Penal. Processo penal. Motivação. Recebimento da denúncia.

“Oxalá fossemos uma nação de juristas. Mas o que somos, é uma nação de retóricos.”

(Rui Barbosa)

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Estas singelas linhas pretendem realizar uma análise minuciosa do artigo 93, inciso IX, disposto na nossa Constituição Federal, sob o filtro da Teoria do Garantismo Penal desenvolvida pelo jusfilósofo Luigi Ferrajoli. Tal dispositivo constitucional, como se verá adiante, consiste na obrigatoriedade de fundamentação de qualquer decisão emanada pelo Poder Judiciário, sob pena de nulidade das mesmas, justificada no atual Estado Democrático de Direito e no sistema penal acusatório. A fim de possibilitar um melhor entendimento do tema, far-se-ão algumas considerações a respeito da Teoria do Garantismo Penal propriamente dita, analisando-se suas principais características, finalidades, sua aplicabilidade no processo penal e as contribuições de seus axiomas no ordenamento jurídico brasileiro. Posteriormente, serão evidenciados alguns meios empregados por esta teoria na sua função primordial de proteção aos direitos fundamentais frente ao poder punitivo e exclusivo do Estado. Ademais, a presente pesquisa remeterá à análise do princípio da motivação das decisões judiciais, especificamente das que dão início ao processo penal, recebendo a inicial de acusação, na tentativa de trazer fundamentos para evidenciar a estrita necessidade de motivação das mesmas, afastando juízos arbitrários ou parciais, perigosos pilares de sistemas absolutistas passados. Deste modo, será analisado, também, as diversas implicações deste princípio no processo penal, e sua importância na garantia da efetivação de diversos outros, como o princípio da ampla defesa, do contraditório e da presunção de inocência. Neste cenário, a análise será feita também sob o viés jurisprudencial, adentrando no atual posicionamento do Supremo Tribunal Federal quanto ao tema.

Page 135: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

135Gabriel da Nóbrega Fernandes - José Roberto Montes Nunes

2 BREVE ANÁLISE DA TEORIA DO GARANTISMO PENAL

A construção de um Estado Democrático de Direito passa por um crescente processo de afirmação e proteção dos direitos humanos e garantias fundamentais, marcado pela submissão hierárquica das leis infraconstitucionais aos preceitos de nossa Carta Maior. Neste aspecto, um novo modelo de Direito Penal vem ganhando cada vez mais força no âmbito democrático, cuja finalidade é justamente a de assegurar ao máximo a tutela dos direitos fundamentais frente à potencialidade punitiva do Estado, buscando afastar, mediante tal desenvolvimento teórico, antigas sistemáticas jurídicas autoritárias, inquisitivas e arbitrárias. Estar-se a falar da Teoria do garantismo penal, idealizada e desenvolvida pelo jusfilósofo Luigi Ferrajoli em sua obra “Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal”1. Apresentando como premissa básica a deslegitimação de qualquer poder punitivo em absoluto do Estado, o garantismo penal encontrou relevante apoio no sistema processual penal acusatório2, especialmente no que concerne à cristalina separação entre as funções de acusar, defender e julgar, conferidas a sujeitos distintos – assegurando, assim, a imparcialidade do órgão julgador – e a obediência ao princípio constitucional do devido processo legal, encartado no art. 5º, LIV, CF, a ser debatido mais adiante. Esta repercussão dos ideais garantistas nos princípios normativos

1 Título original: Diritto e ragione: teoria del garantismo penale.2 Sobre a “acusatoriedade” ou não do sistema processual penal brasileiro, inteligente visão traz o Professor Nucci: “O sistema adotado no Brasil, embora não oficialmente, é o misto. Registremos desde logo que há dois enfoques: o constitucional e o processual. Em outras palavras, se fôssemos seguir exclusivamente o disposto na Constituição Federal poderíamos até dizer que nosso sistema é acusatório (no texto constitucional encontramos os princípios que regem o sistema acusatório). Ocorre que nosso processo penal (procedimentos, recursos, provas, etc.) é regido por Código Específico, que data de 1941, elaborado em nítida ótica inquisitiva (encontramos no CPP muitos princípios regentes do sistema inquisitivo, como veremos a seguir). Logo, não há como negar que o encontro dos dois lados da moeda (Constituição e CPP) resultou no hibridismo que temos hoje. Sem dúvida que se trata de um sistema complicado, pois é resultado de um Código de forte alma inquisitiva, iluminado por uma Constituição imantada pelos princípios democráticos do sistema acusatório. Por tal razão, seria fugir à realidade pretender aplicar somente a Constituição à prática forense. Juízes, promotores, delegados e advogados militam contando com um Código de Processo Penal, que estabelece as regras de funcionamento do sistema e não pode ser ignorado como se inexistisse. Essa junção do ideal (CF) com o real (CPP) evidencia o sistema misto” (2007, p. 104-105).

Page 136: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

136 GARANTISMO PENAL E A MOTIVAÇÃO DAS DECISÕESDE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA

inerentes ao sistema processual penal atual permitiu a elaboração de um sistema-modelo voltado para a busca da satisfação dos direitos individuais do cidadão e da sociedade, limitando o poder punitivo do Estado autoritário, na medida em que reúne uma série de regramentos que funcionam como verdadeiros pressupostos à aplicação da pena. Nas palavras de Ferrajoli (2006, p.30):

[...] os diversos princípios garantistas se configuram, antes de tudo, como um esquema epistemológico de identificação do desvio penal, orientado a assegurar, a respeito de outros modelos de direito penal historicamente concebidos e realizados, o máximo grau de racionalidade e confiabilidade do juízo e, portanto, de limitação do poder punitivo e de tutela da pessoa contra a arbitrariedade.

Neste entendimento, para que um sistema normativo-penal seja considerado garantista, faz-se necessário perceber em seu ordenamento jurídico a existência de um conjunto de princípios basilares, destinados a garantir a efetividade dos direitos fundamentais de indivíduos eventualmente submetidos ao processo penal, trazidos por Ferrajoli (2006, p.91) como os “dez axiomas do garantismo penal”, que são os seguintes: Nulla poena sine crimine (princípio da retributividade ou da consequencialidade da pena em relação ao delito); Nullum crimen sine lege (princípio da legalidade); Nulla lex (poenalis) sine necessitate (princípio da necessidade ou da economia do Direito Penal); Nulla necessitas sine injuria (princípio da lesividade ou da ofensividade do evento); Nulla injuria sine actione (princípio da materialidade ou da exterioridade da ação); Nulla actio sine culpa (princípio da culpabilidade ou da responsabilidade pessoal); Nulla culpa sine judicio (princípio da jurisdicionalidade); Nullum judicium sine accusatione (princípio acusatório ou da separação entre juiz e acusação); Nulla accusatio sine probatione (princípio do ônus da prova ou da verificação); e Nulla probatio sine defensione (princípio do contraditório e da ampla defesa, ou da falseabilidade). A partir de uma análise primária desses axiomas, percebe-se que o garantismo penal apresenta proposições próprias tanto no que concerne à pena, quanto ao delito e ao processo. Não obstante, para o presente estudo, passamos logo às considerações a respeito da incisão desta teoria no campo processual penal, para depois adentrar na pesquisa do princípio da motivação das decisões judiciais propriamente dito. Entendendo o processo penal em sua dupla finalidade – pacificação

Page 137: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

137Gabriel da Nóbrega Fernandes - José Roberto Montes Nunes

social obtida com a solução do conflito (finalidade mediata) e instrumento de aplicação do direito material (finalidade imediata) – resta-se evidente, assim, a atuação da teoria do garantismo penal no sentido de resguardar a obediência aos direitos individuais frente ao monopólio da aplicação da pena por parte dos órgãos jurisdicionais. Para que o indivíduo tenha sua liberdade cerceada com a sentença penal condenatória, ou ainda mediante qualquer outra decisão judicial, é preciso que a lide percorra uma série de atos processuais legais (em atenção ao princípio do devido processo legal) que visam a aproximação da verdade real aos fatos imputados, resguardados os direitos à ampla defesa e ao contraditório, preceitos básicos de um processo penal vigente num Estado Constitucional Democrático. Essa obediência ao devido processo legal resguarda ao cidadão o direito a uma persecução criminal justa, concretizada também pelo acesso a um juiz natural e imparcial, que somente poderá decidir contra a sua liberdade se seu convencimento consubstanciar-se em prova inequívoca, após garantida oportunidade de defesa ampla ao acusado (princípios do contraditório e ampla defesa), conforme determina o princípio da presunção de inocência, precisamente definido no artigo IX, ponto 1, da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que leciona:

Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

Desta maneira, diversos são os meios utilizados pela teoria garantista na proteção dos direitos fundamentais, que servem de resistência ao poder punitivo do Estado, mostrando-se imprescindível, nesse contexto, o estudo aprofundado de dois princípios que os atores do Direito Processual Penal (legislador, advogados, membros do Ministério Público e da Polícia e Juízes): aquele que diz ser todos presumidamente inocentes antes de qualquer condenação transitada em julgado e o princípio que garante ao cidadão acusado decisões fundamentadas e devidamente acessíveis, insculpido - como já dito - no art. 933, inciso IX, da Constituição Federal de 1988. Vamos a

3 Art. 93, IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a

Page 138: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

138 GARANTISMO PENAL E A MOTIVAÇÃO DAS DECISÕESDE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA

eles.

4 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA COMO GARANTIA FUNDAMENTAL

O princípio da presunção de inocência consiste em uma barreira legal que envolve o indivíduo antes da instauração do processo, sendo necessária a percepção de uma verdade formal para que o sujeito deixe de ser presumidamente inocente e, consequentemente, inicie-se o processo penal. Embora comumente empregado como sinônimo do princípio da não culpabilidade, previsto constitucionalmente no art. 5º, inciso LVII, filiamo-nos à corrente doutrinária em que se faz necessário esclarecer brevemente algumas distinções entre os dois conceitos. Seguindo os ensinamentos trazidos pelo Professor Walter Nunes da Silva Júnior em sua obra intitulada “Teoria (Constitucional) do Processo Penal” concluímos, primeiro, que o princípio da não-culpabilidade consiste no direito do indivíduo – já na condição de acusado, no trâmite do devido processo penal – a ser considerado culpado tão só quando transitado em julgado a respectiva sentença penal condenatória, que indubitavelmente deverá ser fundamentada através de meios probatórios concretos, diga-se de passagem. Por outro lado, no que se refere à presunção de inocência - esta relacionada à fase pré-processual, prevê-se que, para se receber a petição acusatória, deverá o magistrado realizar, ainda que sumariamente, um juízo de valor em que deverá constatar um embasamento probatório mínimo capaz de desfazer essa presunção. Para tanto, mostra-se imprescindível a evidência de indícios contundentes de materialidade e de autoria do fato criminoso, além da constatação de justa causa para a persecução criminal.

presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004). O texto anterior à EC 45/2004 era o seguinte: IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes.

Page 139: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

139Gabriel da Nóbrega Fernandes - José Roberto Montes Nunes

Como se pode perceber, o princípio da presunção de inocência procura impedir a instauração discricionária de ações penais sem a realização de um exame prévio da possível culpabilidade do sujeito. Afinal, é sabido que a simples colocação do indivíduo no banco dos réus é bastante para constranger sua honra, ainda mais em uma sociedade que promove a estigmatização do cidadão que cruza os corredores do Fórum Criminal. Portanto, entende-se que o despacho que recebe a peça acusatória e rompe com a presunção de inocência possui sim um cunho decisório, devendo o juiz fundamentar seu posicionamento tecendo o processo cognitivo que o levou a evidenciar a presença do nexo de causalidade entre a prova de materialidade do crime e os indícios de autoria, como se observará mais detalhadamente adiante, tudo com base, também e principalmente, no já citado princípio da motivação das decisões judiciais, mais detalhadamente visto a seguir.

4 MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS COMO INSTRUMENTO GARANTISTA DO PROCESSO PENAL4

Dar motivos, subsídios, fundamentos, devidamente amparados pela Constituição e pelas leis, requisito mínimo para a legitimidade de qualquer ato decisório emanado não só pelo Poder Judiciário, mas também por todo o Estado Brasileiro, em qualquer de sua esfera de Poder. Este é, basicamente, o princípio da motivação. Antes de ser trazido ao plano constitucional mediante o art. 93, inciso IX, o princípio da motivação há muito tempo já era aclamado pelos comentadores brasileiros. Em início dos anos oitenta, momento em que o regime militar dava seus últimos suspiros, o Professor José Carlos Barbosa Moreira publicava “A motivação das decisões judiciais como garantia inerente ao Estado de Direito”. Naquela ocasião, o autor já concluía: “é conveniente a inclusão, na Constituição da República, de dispositivo que consagre em termos expressos o princípio da obrigatoriedade da motivação” (MOREIRA, 1980, p. 83).

4 O referido subtítulo tem inspiração no artigo de autoria do Professor Aury Lopes Júnior, denominado de “A instrumentalidade garantista do processo penal”, referenciado ao final deste trabalho.

Page 140: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

140 GARANTISMO PENAL E A MOTIVAÇÃO DAS DECISÕESDE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA

Pois bem. O artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal eleva à categoria de garantia constitucional a necessidade de fundamentação das decisões judiciais, sob pena de nulidade das mesmas, criando, desta maneira, um sistema processual no qual somente uma espécie de decisão nele habita: a decisão fundamentada, que expõe seus motivos àquele que por ela será afetado. Ao dispor que “[...] todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas as decisões, sob pena de nulidade [...]”, garantiu o constituinte que, o Estado, quando sob as vestes da toga, tem a obrigação de deixar claro os motivos e fundamentos nos quais se baseou para se pronunciar de determinada maneira. Neste desiderato, aliás, talvez tenha ido mais além a Constituição Italiana, que propõe de maneira mais direta a abrangência do dispositivo, advertindo, em seu art. 111, que “todos os provimentos jurisdicionais devem ser motivados”5, não deixando margem, como acontece no Brasil, para os mais literalistas acreditarem que ao trazer a expressão “julgamentos”, estaria o constituinte brasileiro a tratar tão somente de sentenças ou decisões interlocutórias carreadas de evidente poder decisório, aptas a determinarem eventuais punições. Em primeiro plano, o preceito constitucional deslegitima - e torna nula - qualquer decisão fruto de arbitrariedade ou convicção íntima do julgador, fazendo com que este traga, sempre de modo acessível, suas razões, sendo tal condição primordial para que a ordem judicial levada a efeito seja considerada válida, eficaz e, portanto, amparada pela Constituição Federal de 1988. Sob outra perspectiva, o art. 93, inciso IX, também serve às garantias fundamentais do processo, tais como o contraditório, a ampla defesa e a presunção de inocência. Isto porque tal dispositivo impõe ao Julgador o ônus de demonstrar o seu conhecimento sobre as peculiaridades dos fatos ocorridos e as normas aplicáveis no caso, trabalhando no sentido de trazer à tona a “máxima eficácia do sistema de garantias”, razão pela qual, aliás, o princípio estudado se mostra intimamente relacionado com a Teoria do Garantismo Penal, especialmente quanto aos seus efeitos ideários que irradiam no sistema processual brasileiro. Diante disso, Ferrajoli (2006) creditou ao princípio da motivação das

5 “Art. 111 - tutti i provvedimenti giurisdizionali devono essere motivati”.

Page 141: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

141Gabriel da Nóbrega Fernandes - José Roberto Montes Nunes

decisões duas funções básicas: uma de caráter endoprocessual, no sentido de assegurar a defesa (no processo penal, ampla) do acusado – quem poderá se insurgir contra as razões que efetivamente contra ele depuseram no consciente do juiz – e outra, no sentido extraprocessual, que torna público e acessível o que disse o Estado no exercício de sua função jurisdicional, de modo a possibilitar o controle social de suas expressões. Literalmente, eis as palavras do Professor:

Compreende-se, após tudo quanto foi dito até aqui, o valor fundamental desse princípio. Ele exprime e ao mesmo tempo garante a natureza cognitiva em vez da natureza potestativa do juízo, vinculando-o, em direito, à estrita legalidade, e, de fato, à prova das hipóteses acusatórias. É por força da motivação que as decisões judiciárias resultam apoiadas, e, portanto, legitimadas, por asserções, enquanto tais verificáveis e falsificáveis ainda que de forma aproximada; que a ‘validade’ das sentenças resulta condicionada à ‘verdade’, ainda que relativa, de seus argumentos; que, por fim, o poder jurisdicional não é ‘poder desumano’ puramente potestativo da justiça de cádi, mas fundado no ‘saber’, ainda que só opinativo e provável, mas exatamente por isso refutável e controlável tanto pelo imputado e sua defesa como pela sociedade. Precisamente, a motivação permite a fundação e o controle das decisões seja de direito, por violação de lei ou defeito de interpretação ou subsunção, seja de fato, por defeito ou insuficiência de provas ou por explicação inadequada do nexo entre convencimento e provas. E não só em apelação como em cassação. [...] E pode ser, portanto, considerado o principal parâmetro tanto da legitimação interna ou jurídica quanto da externa ou democrática da função judiciária (2006, p. 497).

Vê-se, deste modo, os fundamentos do autor se amoldam facilmente como pilares na estruturação do artigo 93, IX, da Constituição Federal, principalmente quando se aplica tal dispositivo na anulação de decisões judiciais proferidas no curso de uma ação penal, que é permeada pelos chamados “dez axiomas do garantismo penal”, protetores da dignidade da pessoa humana acusada. A motivação é quem demonstra, quando realizada de modo claro, preciso, lógico e didático, o respeito ou não da decisão emanada aos direitos fundamentais do acusado, aos preceitos processuais penais e à sistemática firmada na Constituição Federal e reproduzida na legislação. Ora, se imotivado

Page 142: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

142 GARANTISMO PENAL E A MOTIVAÇÃO DAS DECISÕESDE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA

o decisum, como se efetivar, por exemplo, o duplo grau de jurisdição, se certa decisão judicial não deixa evidente os seus motivos de condenação? Contra especificamente que matéria iria se insurgir o acusado? Não há dúvida do prejuízo. Por isso é que a motivação das decisões judiciais no processo penal é a “garantia das garantias”, eis que permite o controle, interno (das partes) e externo (do povo), daquela decisão até que se encerre o processo penal. E é por isso também que não podem os Tribunais permitir desvios quanto à necessidade de fundamentação das decisões, principalmente no âmbito do processo penal. Sem apontar quaisquer exceções, o art. 93, inciso IX, da Carta Maior deixa claro que só existe um tipo de decisão no sistema processual brasileiro: a decisão motivada, fundamentada. Fora isso, nada é. Não pertence ao cenário jurídico formal decisão que simplesmente revela opinião própria do julgador, ou que esconde seus reais motivos sob o manto de formalismos e sofismos exacerbados. E isso vale tanto para garantir os direitos do acusado, como também para assegurar os da sociedade, que busca a tutela reparadora da lesão supostamente praticada pelo réu.

Diante de tudo quanto exposto, temos a convicção de que também se enquadra neste ambiente a decisão interlocutória que recebe a peça acusatória, dando início ao processo judicial penal. É só uma a razão deste trabalho: alertar a Academia para os danos ocasionados ao sistema processual penal acusatório quando os juízes recebem a acusação sem trazer de modo preciso seus motivos. Decisões genéricas, nas quais o termo “in casu” é o único utilizado para fazer referência ao caso concreto não podem vingar, diante da opção do Constituinte em obrigar que todas as decisões emanadas pelo Estado sejam motivadas. É isso que veremos a seguir.

5 NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO DO DESPACHO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA OU QUEIXA-CRIME

Numa última abordagem, chegamos ao clímax deste estudo. Há de se reivindicar atenção para perigosa praxe forense no sentido de receber denúncia, ou queixa-crime, sem a devida fundamentação, o que termina por limitar a abrangência do dispositivo constitucional 93, inciso IX, se acreditando que tal mandamento não repercute sobre todas as decisões judiciais. Em primeiro lugar, conforme já se deixou claro, o art. 93, inciso IX, da

Page 143: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

143Gabriel da Nóbrega Fernandes - José Roberto Montes Nunes

Carta Republicana não deixa dúvidas sobre sua abrangência quando traz os dizeres “fundamentadas todas as decisões”, devendo o mesmo ser aplicado a todas as determinações deliberadas pelo Poder Judiciário, capazes de influir no direito das partes envolvidas no litígio. Entretanto, muitas das vezes, o empecilho para a aplicação deste preceito aos despachos que recebem a denúncia ou queixa-crime, dando início à persecução criminal, se apoia no fundamento de que tais atos não teriam natureza decisória, não estando albergados, portanto, no art. 93, inciso IX, da Carta Maior. Acontece que, como se denota da explicação em tópico anterior, o princípio da presunção de inocência - consubstanciado na atual sistemática processual penal acusatória - assegura ao indivíduo o direito de não responder criminalmente por fato em que não se restou comprovado a materialidade do crime ou indício de sua autoria. Deverá o juiz analisar a existência da justa causa na situação concreta, sendo imprescindível a realização de um juízo de cognição, ainda que sumário, para decidir se a referida ação penal acusatória merece ou não ser acolhida. Logo, o despacho judicial que recebe ou recusa a ação penal possui cunho decisório sim, devendo ser fundamentado indistintamente, de acordo com o art. 93, inciso IX da Carta Maior. Caro leitor, só sabe o que é responder um processo penal quem de fato o responde. As repercussões são extremamente graves no íntimo do acusado e no seu convívio social (amigos, colegas de trabalho, familiares). “Em síntese”, diz o Professor Aury Lopes Júnior, “recebe uma nova identidade, degradada, que altera radicalmente sua situação social” (2001, p. 51). E mais; o recebimento da ação penal, seja pública ou privada, enseja automaticamente efeitos processuais, tais como a prevenção do juízo competente (art. 83, CPP), e materiais, ao consubstanciar-se causa interruptiva da prescrição (art. 117, inciso I, CP) ou ainda como termo final do aproveitamento do arrependimento posterior como causa de diminuição de pena (art. 16, caput, CP). Mesmo assim, em face de todas essas implicações do ato de recebimento de denúncia, o Supremo Tribunal Federal chancelou a possibilidade, inclusive, de recebimento tácito da petição acusatória. Pergunta-se: como assim? Recebimento tácito? Explica-se. É que, no entender da Corte Suprema, o juiz pode tão somente designar data para interrogatório e ordenar a citação do acusado, sem declarar recebida, de modo expresso, claro e fundamentado, a petição inicial. “O ordenamento processual penal brasileiro”, afirma o Supremo, “não repele, em consequência, a formulação,

Page 144: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

144 GARANTISMO PENAL E A MOTIVAÇÃO DAS DECISÕESDE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA

pela autoridade judiciária, de um juízo implícito de admissibilidade da denúncia”, e prossegue, “O mero ato processual do juiz – que designa, desde logo, data para interrogatório do denunciado e ordena-lhe a citação – supõe recebimento tácito da denúncia”6. Por conseguinte, julga o STF que “não se exige que o ato de recebimento da denúncia seja fundamentado”, haja vista que “o Juízo positivo de admissibilidade da acusação penal, ainda que desejável e conveniente a sua motivação, não reclama, contudo, fundamentação”.7

Noutra oportunidade8, o Ministro Ayres Britto voltou a destacar o posicionamento que segue o Supremo Tribunal Federal, atendo-se à letra do art. 516, CPP. Eis o que ressaltou o Ministro na ocasião:

[…] o despacho que recebe a denúncia ou a queixa, embora tenha também conteúdo decisório, não se encarta no conceito de “decisão”, como previsto no art. 93, IX, da Constituição, não sendo exigida a sua fundamentação - art. 394 do CPP; a fundamentação é exigida, apenas, quando o juiz rejeita a denúncia ou a queixa - art. 516 do CPP, aliás, único caso em que cabe recurso - art. 581, do CPP (v.g. HCs 72.286, 2ª T., Maurício Corrêa, DJ 16.2.96; 70.763,1ª T., Celso de Mello, DJ 23.9.94).

Neste contexto, o que se percebe a partir do posicionamento tomado por nossa Suprema Corte é que a aferição da justa causa como requisito de admissibilidade da ação penal exige a fundamentação do despacho de recebimento da denúncia, ainda que se entenda pela inexistência de natureza condenatória, sob pena de nulidade. Afinal, não se discute aqui a condução do referido despacho ao patamar de decisão condenatória, que ensejaria uma análise aprofundada das provas, abrindo prazo para a defesa exercer o contraditório. O que se quer explicar é que o despacho que acolhe a acusação parte do pressuposto da elaboração de um juízo cognitivo, ainda que sumário, em relação ao lastro probatório mínimo capaz de romper a presunção de inocência do indivíduo. Além disso, vê-se que o contrassenso também é seguido pelo

6 STF - HC 68926/MG - 1ª Turma - Rel. Min. Celso de Mello - DJU 28.08.92 - p. 13.453.7 STF - HC 93056/PE - 2ª Turma - Rel. Min. Celso de Mello - DJ 29.10.09.8 STF - HC: 109660 BA , Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 02/08/2011, Data de Publicação: DJe-150 DIVULG 04/08/2011 PUBLIC 05/08/2011.

Page 145: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

145Gabriel da Nóbrega Fernandes - José Roberto Montes Nunes

legislador – e repetido pela Jurisprudência -, quem exige, no artigo 5169 do CPP, a fundamentação do despacho que rejeita a peça acusatória, enquanto silencia a respeito da hipótese contrária, trazendo à tona o lado inquisitivo do Código de Processo Penal Brasileiro, louvando as intenções “da sociedade” em ver o delito retribuído com a pena, em detrimento dos direitos do acusado, presumidamente inocente até o tal recebimento da denúncia, conforme já exposto anteriormente. Diante de todas essas reflexões, não se pode admitir decisões desta natureza sem a devida motivação, sob pena de grave afronta ao art. 93, IX da Constituição Federal, dispositivo que assegurou a necessidade de motivação de todas, sem exceção alguma, todas as decisões judiciais emanadas pelo Poder Judiciário, não se podendo afastar a repercussão do citado artigo sobre os despachos que guardam em si evidente caráter decisório com fortes repercussões processuais e materiais, conforme antes demonstrado.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Deste trabalho não se pode deixar de tirar uma conclusão: a motivação, garantia constitucional, direcionada ao acusado e à sociedade, necessária a todas as decisões judiciais, é instrumento imprescindível na concretização de um sistema processual pautado na Teoria do Garantismo Penal, trazido à tona pelo Professor Ferrajoli. Como controlar as decisões, que são emanadas por indivíduos não escolhidos pelo povo, portanto, sem a mesma legitimidade democrática de outros poderes, senão pela publicidade e clareza de seus fundamentos? Esperamos que tenha ficado clara a ideia de que a decisão que recebe a petição acusatória traz consequências diretas para o acusado, seja no âmbito processual, seja no tocante à sua vida pessoal, interferida pela responsabilidade de ser parte numa ação criminal. Assim, diante de tudo quanto exposto, vê-se que a Academia não pode se furtar a desconstruir raciocínios jurídicos que busquem mitigar a abrangência do art. 93, inciso IX, da Constituição da República, razão

9 “Art.  516.    O juiz rejeitará a queixa ou denúncia, em despacho fundamentado, se convencido, pela resposta do acusado ou do seu defensor, da inexistência do crime ou da improcedência da ação.”

Page 146: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

146 GARANTISMO PENAL E A MOTIVAÇÃO DAS DECISÕESDE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA

principal da elaboração deste trabalho. Se assim não for, fadados estaremos a arbitrariedades sem fim, “fundadas” unicamente na consciência do julgador, ainda que desamparadas pelo Estado Democrático de Direito, fazendo do Estado Brasileiro um Organismo de homens, não de leis, perigo de extrema gravidade à democracia já há muito alertado por Aristóteles.

REFERÊNCIAS

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A motivação das decisões judiciais como garantia inerente ao Estado de Direito, in Temas de Direito Processual. 2ª Série. São Paulo: Saraiva, 1980.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do garantismo penal. 3. ed. rev. e. ampl. SãoPaulo: RT, 2010.

FERREIRA, Fábio Luiz Bragança. A motivação da sentença penal condenatória e o garantismo penal. 2010. Monografia (Graduação em Direito) - Centro Universitário de Brasília. Brasília.

ITÁLIA. Constituição (1947). Constituição da República Italiana: promulgada em 22 de dezembro de 1947.

GOMES FILHO, Antônio Magalhães. A motivação das decisões penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

_____. A instrumentalidade garantista do processo penal, 2005. Disponível em: <http://http://www.juspodivm.com.br/jp/i/f/%7B34561569-

Page 147: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

147Gabriel da Nóbrega Fernandes - José Roberto Montes Nunes

847D-4B51-A3BD-B1379C4CD2C6%7D_022.pdf>. Acesso em: 30 ago. 2014.

SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Curso de direito processual penal: teoria (constitucional) do processo penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios Constitucionais Penais e enfoques processuais penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

_____. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 3ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

CRIMINAL GARANTISM DOCTRINE AND THE MOTIVATION OF DECISIONS THAT RECEIVES PROSECUTION

ABSTRACT

This work aims to develop a critical analysis of the principle motivation of judgments under Article 93, section IX of the Constitution, according to Criminal garantism, doctrine espoused by Luigi Ferrajoli in 1989, baptized in work of “Law and Reason: Theory of Criminal guaranteeism”. In the context of a democratic state, signed on an accusatory system, there is a perennial need to limit the punitive power of the State by ensuring respect for the fundamental rights of the citizen. From these constitutional guarantees was allowed to depart authoritarian state regimes and legal systems marked by arbitrariness and partiality, in particular the principle of motivation, provided by our Magna Charter that links the legality and legitimacy of a court ruling with their motivation. For a better understanding of the topic, there will

Page 148: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

148 GARANTISMO PENAL E A MOTIVAÇÃO DAS DECISÕESDE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA

be an analysis about the needing of motivation all decision during criminal procedure, especially one that receives the legal prosecution, starting the criminal process, in order to draw attention to this issue that is viscerally connected with the principle of due process.

Keywords: Criminal garantism doctrine. Fundamental rights. Judicial motivation. Criminal proceedings.

Page 149: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

REFLEXÕES SOBRE A CONQUISTA, PROMOÇÃO E PROTEÇÃO DOS

DIREITOS DA MULHER

Luana Tainá WinterAcadêmica do 2º período do Curso de Direito

da Faculdades Integradas Machado de Assis

RESUMO

O seguinte estudo tem por escopo refletir acerca da conquista e proteção dos direitos humanos fundamentais das mulheres. Delimita-se à análise do previsto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e de políticas públicas implementadas pelo Governo. Levantam-se como problemáticas esclarecer o papel do Estado na proteção das mulheres, e se este vem cumprindo com suas obrigações como um Estado Democrático de Direito. Como objetivo geral, tem-se a pretensão de enfatizar a importância da conquista dos direitos humanos fundamentais das mulheres, como a proteção ofertada pela Constituição, para desse modo conscientizar os leitores sobre como a cultura de submissão imposta a esse gênero pode ser destrutiva, e, nesse sentido, o quão importantes são as discriminações positivas promovidas pelo Estado através de políticas públicas de inclusão desse grupo considerado uma minoria dentro da sociedade brasileira.

Palavras-chave: Direitos humanos fundamentais das mulheres. Estado Democrático de Direito. Políticas públicas.

Page 150: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

150

“A discriminação ocorre quando somos tratados de maneira igual, em situações diferentes; e de maneira diferente, em situações iguais.”

(Flávia Piovesan)

1 INTRODUÇÃO

Tem-se por tema a conquista, promoção e proteção dos direitos humanos fundamentais das mulheres, dando-se ênfase ao âmbito nacional através da apresentação de partes do texto constitucional e de políticas públicas que o Estado brasileiro vem desenvolvendo para promoção e proteção dos direitos das mulheres. Nesse contexto, elencam-se como problemáticas: a) esclarecer o papel do Estado brasileiro, como um Estado Democrático, na proteção das minorias sociais, no caso as mulheres; b) responder de forma hipotética, conforme o apresentado no desenvolvimento do artigo, se o Estado está cumprindo suas obrigações para com essa minoria.

O objetivo geral desse artigo é enfatizar a importância da conquista dos direitos humanos fundamentais das mulheres, e das políticas implementadas pelo Estado para sua promoção e proteção. Desse modo, tem-se a pretensão de conscientizar a todos os leitores, sobre quão eficazes, ou não, podem ser as discriminações positivas dispensadas às minorias historicamente discriminadas.

A metodologia adotada trata de uma pesquisa teórica de natureza qualitativa e finalidade exploratória. Nesse contexto, a coleta dos dados é realizada através de documentação indireta por pesquisa bibliográfica, e a análise destes feita através do método de abordagem hipotético-dedutivo, enquanto o método de procedimento utilizado na construção da pesquisa é o histórico. Dos autores utilizados para construção desse trabalho, pode-se citar como principais: Flávia Piovesan, Rui Ramos Ribeiro, Lenio Luiz Streck e José Luis Bolzan de Morais.

O seguinte estudo subdivide-se em dois tópicos centrais: da conquista dos direitos e da atuação do Estado. O primeiro tópico citado trata do processo de incorporação por parte da Constituição de 1988 de reinvindicações femininas. No segundo tópico, que trata da atuação do Estado, caracteriza-se o Estado Democrático de Direito (como se constitui a República Federativa do Brasil), conceitua-se vulnerabilidade, isto é, minorias, e elenca-se uma política pública desenvolvida pelo Estado para a promoção da inclusão das mulheres na política, a fim de que estas passem a exercer sua

REFLEXÕES SOBRE A CONQUISTA, PROMOÇÃO EPROTEÇÃO DOS DIREITOS DA MULHER

Page 151: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

151

plena cidadania. Sob esta seção, analisa-se ainda a proteção dispensada à mulher, trazendo a Lei Maria da Penha como exemplo.

2 DA CONQUISTA DOS DIREITOS

Nas palavras de Flávia Piovesan, a Constituição Federal de 1988 é o marco da transição para a fase democrática e da institucionalização dos direitos humanos nesse país:

O texto constitucional demarca a ruptura com o regime autoritário militar instalado em 1964, refletindo o consenso democrático ‘pós-ditadura’. Após vinte e um anos de regime autoritário, a Constituição objetivou resgatar o Estado de Direito, a separação dos poderes, a Federação, a Democracia e os direitos fundamentais, à luz do princípio da dignidade humana (PIOVESAN, 2011, p.60).

Estabelecida como um Estado Democrático de Direito, a República Federativa do Brasil se afirma sobre os princípios da constitucionalidade, organização democrática, sistema de direitos fundamentais individuais e coletivos, justiça social, igualdade, legalidade e segurança jurídica (STRECK; BOLZAN DE MORAIS, 2003). Possuindo como fundamentos a soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, entre outros (BRASIL, 1988).

A Carta de 1988 significou um avanço extraordinário na consolidação dos direitos e garantias fundamentais, situando-se como o documento mais abrangente e pormenorizado sobre os direitos humanos jamais adotado no Brasil. É a primeira Constituição brasileira a iniciar com capítulos dedicados aos direitos e garantias, para depois tratar do Estado, de sua organização e do exercício dos poderes. Ineditamente, os direitos e garantias individuais são elevados a cláusulas pétreas, passando a compor o núcleo material intangível da Constituição (artigo 60, parágrafo 4º) (PIOVESAN, 2011, p.60).

Os movimentos feministas, responsáveis pela elaboração da “Carta

das Mulheres Brasileiras aos Constituintes”, a qual “contemplava as principais reivindicações do movimento de mulheres, a partir de ampla discussão e debate nacional”, devido à sua atuação competente, obtiveram como resultado a incorporação significativa das reivindicações formuladas por mulheres à

Luana Tainá Winter

Page 152: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

152

Constituição Federal de 1988 (PIOVESAN, 2011).Nesse sentido, Leila Linhares Barsted observa que o movimento

feminista foi fundamental à mudança legislativa e social ocorrida devido ao novo texto constitucional, “denunciando desigualdades, propondo políticas públicas, atuando junto ao Poder Legislativo e, também, na interpretação da lei”. A autora ainda afirma que:

Desde meados da década de 70, o movimento feminista brasileiro tem lutado em defesa da igualdade de direitos entre homens e mulheres, dos ideais de Direitos Humanos, defendendo a eliminação de todas as formas de discriminação, tanto nas leis como nas práticas sociais. De fato, a ação organizada do movimento de mulheres, no processo de elaboração da Constituição Federal de 1988, ensejou a conquista de inúmeros novos direitos e obrigações correlatas do Estado, tais como o reconhecimento da igualdade na família, o repúdio à violência doméstica, a igualdade entre filhos, o reconhecimento de direitos reprodutivos [...] (BARSTED, 2001, apud PIOVESAN, 2011, p. 61).

Como exemplos de políticas previstas na Constituição e destinadas à proteção dos direitos das mulheres, pode-se elencar: a) art. 5º, inciso I “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”; b) art. 7º, inciso XX “proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos”; c) art. 7º, inciso XXX, que fala sobre a proibição de diferenças de salário, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivos de sexo, idade, cor ou estado civil; d) art. 226, § 8º, prevê que o Estado deve criar mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações familiares (BRASIL, 1988).

Segundo Flávia Piovesan, “o período pós-1988 foi marcado pela adoção de uma ampla normatividade nacional voltada para a proteção dos direitos humanos”, o país passou a aderir aos principais tratados internacionais de proteção dos direitos humanos:

Dentre eles, destacam-se: a) a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, em 20 de julho de 1989; b) a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, em 28 de setembro de 1989; c) a Convenção sobre os Direitos da Criança, em 24 de setembro de 1990; [...] f ) a Convenção Americana de Direitos Humanos, em 25 de setembro de 1992; g) a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em 27 de novembro de 1995; [...] k) o Protocolo Facultativo

REFLEXÕES SOBRE A CONQUISTA, PROMOÇÃO EPROTEÇÃO DOS DIREITOS DA MULHER

Page 153: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

153

à Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, em 28 de junho de 2002; [...] (PIOVESAN, 2011, p. 65-66).

3 DA ATUAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

Estabelecida a República Federativa do Brasil como um Estado Democrático de Direito, devendo respeitar, dentre outros, os princípios da justiça social e da igualdade, e acrescendo como fundamentos a cidadania e a dignidade da pessoa humana, o Estado passa a ter como preocupação básica a tranformação da realidade. Nesse sentido, Streck e Bolzan de Morais citam que:

Quando assume o feitio democrático, o Estado de Direito tem como objetivo a igualdade e, assim, não lhe basta a limitação ou a promoção da atuação estatal, mas a referenda pretensão à transformação do status quo. A lei aparece como instrumento de transformação da sociedade não estando mais atrelada inelutivamente à sanção ou à promoção. O fim a que pretende é a constante reestruturação das próprias relações sociais (STRECK, BOLZAN DE MORAIS, 2003, p. 94).

A lei como instrumento de transformação social, e o Estado estabelecido sob os princípios democráticos passam a exigir deste políticas afirmativas de proteção e promoção de grupos considerados minorias. Assim, essas ações implementadas pelo Estado são um poderoso instrumento de inclusão social e, segundo Piovesan:

[...] constituem medidas especiais e temporárias que, buscando remediar um passado discriminatório, objetivam acelerar o processo de igualdade, com o alcance da igualdade substantiva por parte de grupos vulneráveis, como as minorias étnicas e raciais, as mulheres, dentre outros grupos (PIOVESAN, 2006, p. 38).

Portanto, entende-se que a vulnerabilidade pode ser encontrada em “grupos e indivíduos que estão em situação de invisibilidade social como sujeitos de quaisquer direitos”, em fase de construção de sua identidade como portadores de direitos, ou, ainda em processo de luta pela conquista da ampliação da garantia e/ou realização de seus direitos (CULLETON et al,

Luana Tainá Winter

Page 154: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

154

2009).Nesse contexto de vulnerabilidade, encaixam-se as mulheres que,

devido à cultura patriarcal, foram historicamente consideradas inferiores e incapazes. Nesse sentido, Paul Singer afirma que o feminismo questiona a forma tradicional de vida imposta às mulheres, não mais buscando atualmente a conquista de direitos, mas afim de mudar a forma em que homens e mulheres se relacionam, em primeiro lugar na família, assim como no trabalho e na política.

As feministas, não aceitam a divisão tradicional de trabalho entre os sexos, pela qual cabem à mulher todas as tarefas domésticas, deixando ao homem o relacionamento com o mundo externo ao lar. O fato de a mulher ser mãe não justifica que ela assuma todos os encargos da procriação, o que acarreta sua dependência que forma a base de subordinação da mulher, no plano econômico em primeiro lugar e nos demais planos em consequência [...] Trata-se, antes mesmo de tentar mudar as relações sociais objetivas, de encontrar uma nova identidade para a mulher. Para que a mulher possa se libertar da sujeição que o comportamento dos outros - os homens - lhe impõe, é preciso que ela mesma se liberte antes dos valores, atitudes e preconceitos que desde criança lhe foram introjetados. O movimento feminista começa, portanto, sua ação junto às próprias mulheres, propondo-lhes uma outra visão de si mesmas, que supere os sentimentos de autodepreciação, que uma eventual recusa aos papéis ‘femininos’ não deixa acarretar (1983, p. 113-114).

Elencam-se muitas diferenças ainda presentes na sociedade brasileira quanto à atuação da mulher no mercado de trabalho (por mais que a Constituição assegure tal ato por meio do artigo 7º inciso XX), mas uma, e talvez das mais notavéis formas de exclusão, é a baixa participação das mulheres no plano político.

Como política de inclusão, o Estado criou no ano de 1997 a Lei nº 9.504, a qual prevê, de acordo com seu parágrafo terceiro, que “cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.” (BRASIL, 1997)

Louvável é a criação da citada lei, mas, infelizmente, apesar dos dados mostrarem que de 1997 até os dias atuais a participação feminina na política aumentou consideravelmente, os números divulgados nas eleições de 2014 mostram que as mulheres ainda são consideradas minorias nesse cenário.

REFLEXÕES SOBRE A CONQUISTA, PROMOÇÃO EPROTEÇÃO DOS DIREITOS DA MULHER

Page 155: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

155

De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o número de mulheres que disputaram cargos nas Eleições Gerais de 2014 representa apenas 29,73% do total de concorrentes. O motivo de tais resultados talvez seja o fato de que a Lei nº 9.504/97 não se poste de maneira eficientemente satisfatória, pois esta não estabelece obrigatoriedade no preenchimento da porcentagem mínima de vagas para mulheres, e sim, apenas impede que as citadas vagas sejam preenchidas por homens, não havendo ônus ao partido que não utilizar as cotas.

3.1 Da proteção da mulher

Consideradas “o sexo frágil”, as mulheres sempre estiveram à mercê da violência psicológica, física e sexual. Nesse sentido, Rui Ramos Ribeiro enfatiza que a inspiração dessa violência:

[...] encontra endereço no sistema patriarcal (relações familiares entre homem e mulher) e no adultocrentismo (relações familiares entre os pais e os filhos), proporcionando falta de simetria das relações de gênero, subordinando a mulher ao homem, e como um traço da estrutura cultural brasileira, um problema social onde o indivíduo melhor situado socialmente se falando, submete os que lhe são inferiores (RIBEIRO, 2008, p.51).

Como exemplo estarrecedor de violência doméstica contra mulher, cita-se o caso de Maria da Penha Maia Fernandes, moradora de Fortaleza – CE, que sofreu duas tentativas de homicídio pelo então companheiro Marco Antônio Heredia Viveiros.

De acordo com a denúncia, em 29 de maio de 1983, a Senhora Maria da Penha Maia Fernandes, de profissão farmacêutica, foi vítima, em seu domicílio em Fortaleza, Estado do Ceará, de tentativa de homicídio por parte de seu então esposo, Senhor Marco Antônio Heredia Viveiros, de profissão economista, que disparou contra ela um revólver enquanto ela dormia, ato que culminou uma série de agressões sofridas durante sua vida matrimonial. Em decorrência dessa agressão, a Senhora Fernandes sofreu várias lesões e teve de ser submetida a inúmeras operações cirúrgicas. Em conseqüência da agressão de seu esposo, ela sofre de paraplegia irreversível e outros traumas físicos e psicológicos (CIDH, 2001).

Luana Tainá Winter

Page 156: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

156

O senhor Marco Antônio procurou encobrir a agressão alegando que o tiro que atingiu dona Maria havia sido disparado por ladrões que invadiram a casa e fugiram posteriormente. Porém, apenas duas semanas após Maria da Penha retornar do hospital, esta sofreu um segundo atentado por parte do ainda esposo Marco Antônio. De acordo com o depoimento dado por Maria da Penha à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ele teria tentado eletrocutá-la enquanto se banhava1. Após este acontecimento, Maria da Penha Maia Fernandes entrou com o pedido oficial de separação judicial.

Nesse período uma investigação judicial foi iniciada e foram recolhidas declarações que comprovavam a culpa de Marco Antônio, inclusive encontrou-se a arma utilizada na primeira tentativa de homicídio de Maria. A denúncia foi apresentada pelo Ministério Público em 28 de setembro de 1984, como ação penal pública perante a 1a. Vara Criminal de Fortaleza, Estado do Ceará (CIDH, 2001).

Passados 15 anos sem se chegar a uma condenação definitiva do ex-esposo de Maria da Penha Maia Fernandes (o qual se manteve em liberdade durante todo esse tempo), na data de 20 de agosto de 1998, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos recebeu a denúncia apresentada por Maria da Penha Maia Fernandes, pelo Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional e pelo Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher, alegando a tolerância da República Federativa do Brasil para com a violência cometida contra a senhora Maria.

Concluiu a Comissão Interamericana sobre o caso:   

1. Que tem competência para conhecer deste caso e que a petição é admissível em conformidade com os artigos 46.2,c e 47 da Convenção Americana e com o artigo 12 da Convenção de Belém do Pará, com respeito a violações dos direitos e deveres estabelecidos nos artigos 1(1) (Obrigação de respeitar os direitos, 8 (Garantias judiciais), 24 (Igualdade perante a lei) e 25 (Proteção judicial) da Convenção Americana em relação aos artigos II e XVIII da Declaração Americana, bem como no

1 Segundo declarações da vítima, no segundo fim de semana após seu regresso de Brasília, o Senhor Viveiros lhe perguntou se desejava tomar banho e, quando ela se achava em baixo do chuveiro, sentiu um choque elétrico com a corrente de água.  A Senhora Fernandes se desesperou e procurou sair do chuveiro, enquanto seu esposo lhe dizia que um pequeno choque elétrico não podia matá-la.  Manifesta que nesse momento entendeu por que, desde seu regresso, o Senhor Viveiros somente utilizava o banheiro de suas filhas para banhar-se.  (CIDH, 2001)

REFLEXÕES SOBRE A CONQUISTA, PROMOÇÃO EPROTEÇÃO DOS DIREITOS DA MULHER

Page 157: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

157

artigo 7 da Convenção de Belém do Pará.2. Que, com fundamento nos fatos não controvertidos e na análise acima exposta, a República Federativa do Brasil é responsável da violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, assegurados pelos artigos 8 e 25 da Convenção Americana em concordância com a obrigação geral de respeitar e garantir os direitos, prevista no artigo 1(1) do referido instrumento pela dilação injustificada e tramitação negligente deste caso de violência doméstica no Brasil.3. Que o Estado tomou algumas medidas destinadas a reduzir o alcance da violência doméstica e a tolerância estatal da mesma, embora essas medidas ainda não tenham conseguido reduzir consideravelmente o padrão de tolerância estatal, particularmente em virtude da falta de efetividade da ação policial e judicial no Brasil, com respeito à violência contra a mulher.4. Que o Estado violou os direitos e o cumprimento de seus deveres segundo o artigo 7 da Convenção de Belém do Pará em prejuízo da Senhora Fernandes, bem como em conexão com os artigos 8 e 25 da Convenção Americana e sua relação com o artigo 1(1) da Convenção, por seus próprios atos omissivos e tolerantes da violação infligida (CIDH, 2001).

Ao Estado brasileiro restaram recomendações contundentes2, entre elas:

a) que o processamento penal do agressor de Maria da Penha Maia Fernandes fosse completado de forma rápida e efetiva;

b) que uma investigação fosse levantada acerca dos atrasos injustificados no processamento do responsável, para se tomarem as medidas cabíveis;

c) que o Estado assegure a vítima uma adequada reparação simbólica e material pelas violações;

d) que o Estado intensificasse reformas contra a discriminação com respeito à violência doméstica contra mulheres.3

2 Em 13 de março de 2001, a Comissão decidiu enviar este relatório ao Estado brasileiro, de acordo com o artigo 51 da Convenção, e lhe foi concedido o prazo de um mês, a partir do envio, para o cumprimento das recomendações acima indicadas.  Expirado esse prazo, a Comissão não recebeu resposta do Estado brasileiro. (CIDH, 2001)3 A Comissão recomenda particularmente o seguinte:a) medidas de capacitação e sensibilização dos funcionários judiciais e policiais especializados para que compreendam a importância de não tolerar a violência

Luana Tainá Winter

Page 158: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

158

Na tentativa de cumprir com o recomendado pela Comissão, no ano de 2006 o Congresso Nacional decreta e sanciona a Lei nº 11.3404, a qual fica conhecida popularmente como “Lei Maria da Penha”, uma homenagem singela a essa mulher que, graças aos seus esforços na busca de justiça, possibilita hoje uma proteção mais efetiva para todas as brasileiras.5

doméstica;b) simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual, sem afetar os direitos e garantias de devido processo;c) o estabelecimento de formas alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de solução de conflitos intrafamiliares, bem como de sensibilização com respeito à sua gravidade e às consequências penais que gera;d) multiplicar o número de delegacias policiais especiais para a defesa dos direitos da mulher e dotá-las dos recursos especiais necessários à efetiva tramitação e investigação de todas as denúncias de violência doméstica, bem como prestar apoio ao Ministério Público na preparação de seus informes judiciais.e) incluir em seus planos pedagógicos unidades curriculares destinadas à compreensão da importância do respeito à mulher e a seus direitos reconhecidos na Convenção de Belém do Pará, bem como ao manejo dos conflitos intrafamiliares. (CIDH, 2001)4 Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. (PLANATO, 2006)5 Segundo Maria Berenice Dias, a lei prevê os seguintes passos para proteção da mulher e início do processo contra o agressor: “Procedido o registro da ocorrência, a ofendida é ouvida, sendo tomado por termo a representação apresentada (art. 12, I). Colhido o depoimento do agressor e das testemunhas (art. 12, V) e feita sua identificação criminal (art. 12, VI), processar-se-á a instauração do inquérito policial a ser encaminhado à Justiça (art. 12, VII). Quando houver necessidade da concessão de medidas protetivas de urgência, expediente apartado deve ser remetido a juízo no prazo de 48 horas (art. 12, III). A vítima deverá estar sempre acompanhada de advogado (art. 27), tanto na fase policial, como na judicial, garantido o acesso aos serviços da Defensoria Pública e ao benefício da Assistência Judiciária Gratuita (art. 18). Não pode ser ela a portadora da notificação ao agressor (art. 21, parágrafo único), sendo pessoalmente cientificada quando ele for preso ou liberado da prisão, sem prejuízo da intimação de seu procurador (art. 21). A vítima só poderá desistir da representação antes do oferecimento da denúncia, em audiência designada pelo juiz especialmente para tal fim e depois de ouvido o Ministério Público (art. 16). O registro da ocorrência desencadeia um leque de providências: a polícia garante proteção à vítima, a encaminha ao hospital, fornece transporte para lugar seguro e a acompanha para retirar seus pertences do local da ocorrência (art. 11); instaura-se o inquérito policial (art. 12, VII); é tomada por termo a representação nos delitos de ação privada (art. 12, I); são deferidas medidas judiciais urgentes de natureza cível (art. 12, III), podendo ser decretada a prisão preventiva do agressor (art. 20).” (DIAS, 2008, p. 74)

REFLEXÕES SOBRE A CONQUISTA, PROMOÇÃO EPROTEÇÃO DOS DIREITOS DA MULHER

Page 159: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

159

A Lei Maria da Penha é, portanto, um mecanismo criado pelo Estado para a proteção específica de uma minoria, no caso as mulheres, desse modo pode ser chamada de ação positiva, pois foi adotada para aliviar condições resultantes de um passado discriminatório.6

Nesse sentido, Rui Ramos Ribeiro enfatiza que a Lei 11.340/2006 é:

[...] o fruto de diuturna e incansável busca pelos direitos fundamentais das mulheres (Declaração e Programa de Ação de Viena – 1993; Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher “Convenção de Belém do Pará” – 1994) que dentro de um contexto proporciona uma maior proteção da própria família, destinando-a também, e porque não se dizer, especialmente, aos filhos, quando crianças ou adolescentes (RIBEIRO, 2008, p.51).

4 CONCLUSÕES

A pesquisa realizada teve como escopo refletir acerca da conquista, promoção e proteção dos direitos das mulheres. Dentro dessa temática, foram elencados dois problemas: Primeiro, esclarecer o papel do Estado brasileiro na proteção das minorias, no caso as mulheres; Segundo, responder, de forma hipotética, se o Estado está cumprindo com suas obrigações para com essa minoria.

Em resposta ao primeiro questionamento, pode-se afirmar que: a) a República Federativa do Brasil, constituída como um Estado Democrático de Direito, tem o dever de cumprir com os princípios que o modelo de Estado adotado pede, no caso a justiça social e igualdade, e ainda, conforme previsto na Constituição, deve respeitar como fundamentos a cidadania e a dignidade da pessoa humana. Nesse contexto, o Estado deve estabelecer políticas de promoção que permitam às minorias, no caso às mulheres, uma ascenção dentro da sociedade, promovendo desta forma a justiça social, a igualdade,

6 Segundo Flávia Piovesan, as ações positivas “cumprem uma finalidade pública decisiva ao projeto democrático, que é a de assegurar a diversidade e a pluralidade social. Constituem medidas concretas que viabilizam o direito à igualdade, com a crença de que a igualdade deve se moldar no respeito à diferença e à diversidade. Através delas transita-se da igualdade formal para a igualdade material e substantiva” (PIOVESAN, 2006, p. 40).

Luana Tainá Winter

Page 160: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

160

e permitindo o exercício da plena cidadania a esse grupo historicamente discriminado. Além disso, é dever do Estado proteger os vulneráveis, quando necessário, com políticas específicas.

Ao segundo questionamento, elenca-se como resposta, de acordo com o analisado no texto, que: b) o Estado brasileiro veem implementando políticas de promoção e proteção às mulheres, porém não se pode afirmar que estas sejam completamente eficazes ou que tenham sido impostas pela vontade do Estado em cumprir o seu papel. Quanto à política de promoção, citou-se a Lei nº 9.504 de 1997 que trata da inserção da mulher no plano político, nesta pode-se verificar que há lacunas, e portanto, certa inefetividade. Já, em referência à política de proteção, foi apresentada a Lei 11.340 de 2006, conhecida por Lei Maria da Penha, um caso singular em que o Estado, intimado publicamente pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, viu-se na obrigação de criar uma lei específica para a proteção das mulheres contra a violência doméstica.

Nesse contexto, o objetivo geral do artigo é enfatizar a importância da conquista dos direitos das mulheres, da promoção e proteção ofertada pelo Estado através de políticas públicas. Dessa maneira, espera-se conscientizar os leitores em relação às discriminações positivas proporcionadas pelo Estado às minorias, e da relevância e necessidade que essas ações positivas possuem para a concretização da cidadania de indivíduos vulneráveis, procurando desfazer o preconceito existente na sociedade acerca de políticas destinadas a grupos específicos e para com os mesmos.

REFERÊNCIAS

CIDH. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatório nº 54/01. Caso 12.051 Maria da Penha Maia Fernandes, 4 de abril de 2001. Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/annualrep/2000port/12051.htm#_ftn1>. Acesso em: 25 out. 2014.

CULLETON, A.; BRAGATO, Fernanda F.; FAJARDO, Sinara P. Curso de Direitos Humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009.

DIAS, Maria Berenice. “A violência doméstica na justiça”. KATO, Shelma

REFLEXÕES SOBRE A CONQUISTA, PROMOÇÃO EPROTEÇÃO DOS DIREITOS DA MULHER

Page 161: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

161

Lombardi de. Manual de Capacitação Multidisciplinar: Lei n.11.340, de 07 de agosto de 2006 - Lei Maria da Penha. 3. ed. Cuiabá: Departamento Gráfico-TJMT, 2008.

PIOVESAN, Flávia. Ações afirmativas e direitos humanos. Revista Usp, São Paulo, n. 69, p. 36-43, 2006.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos, civis e políticos: a conquista da cidadania feminina. BARSTED, Leila Linhares; PITANGUY, Jacqueline. O progresso das mulheres no Brasil 2003-2010. 3. ed. Rio de Janeiro: CEPIA, 2011.

RIBEIRO, Rui Ramos. “Lei Maria da Penha”. KATO, Shelma Lombardi de. Manual de Capacitação Multidisciplinar: Lei n.11.340, de 07 de agosto de 2006 - Lei Maria da Penha. 3. ed. Cuiabá: Departamento Gráfico-TJMT, 2008.

SINGER, Paul. O feminino e o feminismo. In: SINGER, P. e BRANT, V (orgs). São Paulo: O povo em movimento, Vozes/CEBRAP, 1983.

STRECK, Lenio Luiz; BOLZAN DE MORAIS, José Luis. Ciência política e teoria geral do Estado. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

REFLECTIONS ON THE CONQUEST, PROMOTION AND PROTECTION OF THE RIGHTS OF WOMAN

ABSTRACT

The following study is scoped to reflect on the achievement and protection of fundamental human rights of women. It delimits the analysis provided in the Constitution of the Federative Republic of Brazil of 1988 and the public policies

Luana Tainá Winter

Page 162: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

162

implemented by the Government. The main problematics of this work are to clarify the role of the State in the protection of women, and if it has complied with its obligations as a democratic state. The general objective is to emphasize the importance of the achievement of the fundamental human rights of women, such as the protection offered by the Constitution, and also to educate readers about how the culture of imposed submission to this genre can be destructive and, in that sense, how important are the positive discriminations filed by the state through public policies for inclusion of this group considered as a minority in Brazilian society.

Keywords: Fundamental human rights of women. Democratic State. Public politics.

REFLEXÕES SOBRE A CONQUISTA, PROMOÇÃO EPROTEÇÃO DOS DIREITOS DA MULHER

Page 163: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

USO DAS REDES SOCIAIS COMO MEIO DE OBTENÇÃO DE PROVA

NO PROCESSO PENAL

Mariana Régis Fernandes da RochaAcadêmica do curso de Direito da UFRN

RESUMO

O presente trabalho trata da obtenção de provas para o processo penal em redes sociais, analisando os aspectos conceituais da atividade probatória no processo criminal, sua finalidade e os limites impostos por determinações constitucionais e infraconstitucionais tal como determinado pelo artigo 157 do Código de Processo Penal. Em um breve estudo histórico, técnico e social do ambiente virtual, analisa-se a natureza das informações dispostas em redes sociais sob o prisma de direitos fundamentais positivados ou implícitos, como privacidade, intimidade e da inviolabilidade das comunicações telegráficas e correspondências discorrendo, por fim, sobre as implicações que tais prerrogativas trazem como limitações na atividade probatória.

Palavras-Chave: Prova. Processo Penal. Redes Sociais. Internet. Intimidade.

Page 164: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

164 USO DAS REDES SOCIAIS COMO MEIO DE OBTENÇÃODE PROVA NO PROCESSO PENAL

1 INTRODUÇÃO

Hodiernamente, podemos afirmar que o mundo não acontece apenas nos contatos físicos e presenciais, mas também no mundo virtual, onde as informações são fornecidas e consumidas ao mesmo tempo e bilhões de pessoas estão aptas ao contato imediato, com o advento das redes e mídias sociais. A validade do relacionamento virtual, ainda questionada por cientistas sociais e especialistas, deve ser considerada não pela sua profundidade ou pelo significado que possui para os participantes, mas pela sua existência para o Direito. A partir do momento em que se configura o relacionamento entre várias pessoas, onde regras e costumes são observados, nos deparamos com um tipo de sociedade e, como em toda coletividade, deve existir um elemento regulador, afinal, como afirma o conhecido brocado jurídico, o Direito deve estar onde a sociedade está. Com o advento de uma sociedade virtual, o Direito Digital surge para que não exista apenas uma aplicação subsidiária de outras leis, mas uma legislação específica que seja capaz de tutelar as demandas específicas e a esse novo ramo tecnológico. Entretanto, no que concerne à prática de crimes, tanto os crimes virtuais como a comprovação de crimes que aconteceram no mundo não virtual, o Direito Digital ainda se desenvolve a passos lentos, apesar de significativos. A utilização do Código Penal e do Código de Processo Penal ainda é absoluta, apesar de alguns ajustes necessários, que são sempre adaptados quando exigidos pelo caso concreto. Diante do exposto, o presente artigo tem como função especificar uma forma de uso das redes sociais a partir da ótica do Código de Processo Penal, que seria a possibilidade de utilização de suas informações públicas como provas no processo penal. Para tal discussão, será feita uma análise inicialmente expositiva da doutrina e, em seguida, dedução das informações expostas para conclusão a que se propõe o presente trabalho. Terá por marco inicial, o estudo do conceito de prova, das formas de produção e suas limitações, bem como um breve histórico da Internet e do nascimento das redes sociais. Tais assuntos que se desenvolvem nos seguintes itens: o papel da prova na realização do processo penal, a verdade real e os limites da prova no processo penal, a internet e o nascimento das redes sociais e o tópico objeto do presente trabalho, o uso das informações disponibilizadas em redes sociais como provas no processo penal.

Page 165: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

165Mariana Régis Fernandes da Rocha

2 O PAPEL DA PROVA NA REALIZAÇÃO DO PROCESSO PENAL É pertinente que, antes de tecer qualquer comentário sobre o uso das redes sociais como meio de obtenção de prova para o processo penal, seja delimitado o conceito de prova no processo penal. Por prova, pode ser entendido o ato praticado na fase probatória que visa verificar o acontecimento ou as circunstâncias de um fato passado que demande tutela jurisdicional. De forma simples, Walter Nunes conceitua como “aqueles atos praticados pelas partes, por terceiros (testemunhas, peritos, etc), ou mesmo pelo próprio Juiz, no escopo de certificar a verdade e formar a convicção do julgador quanto aos fatos debatidos no processo”. Portanto, deduz-se que a finalidade da fase de instrução seria a obtenção de material probatório que, por sua vez, tem finalidade “a apreciação e comprovação” (SILVA JÚNIOR, 2012) dos fatos afirmados pelas partes durante a fase probatória, seja pelo Juiz em diligência1. Vencido o conceito, é necessário explicar sua finalidade. Conforme já abordado, todas as informações levantadas pelas partes durante a fase instrutória, bem como as provas produzidas por iniciativa do Juiz são consideradas, para que possam compor seu convencimento. O fenômeno acima, tratado como Princípio do Livre Convencimento do Juiz, positivado no artigo 155 do Código de Processo Penal2, estabelecendo que o Juiz é livre para decidir como lhe aprouver, posto que seja uma decisão fundamentada

1 A Exposição de motivos do Código de Processo Penal assim dispõe sobre a produção de provas por parte do Juiz: “Atribui ao juiz faculdade de iniciativa de provas complementares ou supletivas, quer no curso da instrução criminal, quer a final, antes de proferir sentença. [...] Sua intervenção na atividade processual é permitida, não somente para dirigir a marcha da ação penal e julgar a final, mas também ordenar, de ofício as provas que lhe parecem úteis ao esclarecimento da verdade.” Considerando o Sistema Acusatório, ao qual o processo penal está submetido e que tem como principal objetivo a prevalência das garantias fundamentais durante o processo, vertentes doutrinárias questionam a legitimidade do juiz de participar de maneira ativa do processo. Apesar da divergência, o juiz é ativo, mas restrito, ao esclarecimento de dúvidas inerentes às causas ventiladas durante à instrução ou às determinações do artigo 156 do Código de Processo Penal: produzir provas, em caso de urgência ou relevância, bem como determinar diligências para a solução de uma dúvida sobre ponto relevante (SOUZA, 2014). 2 Artigo 155 do Código de Processo Penal: “O Juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.”

Page 166: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

166 USO DAS REDES SOCIAIS COMO MEIO DE OBTENÇÃODE PROVA NO PROCESSO PENAL

nos quesitos levantados pelo artigo 155 (TÁVORA, 2014). Nesse contexto, destaca-se o fato de que todas as informações obtidas em fase probatória, mesmo as produzidas pelo juiz, possuem o mesmo valor probatório3 e passam a compor o processo (o que a doutrina chama de comunhão da prova) para que sejam submetidas ao contraditório4. É importante considerar que o princípio do contraditório da prova tem positivação constitucional5 e aplicação de um direito fundamental de primeira geração6, tendo por finalidade garantir às partes participação na decisão judicial, ou seja, todas as informações levantadas pelos participantes processuais durante a fase probatória serão analisadas, para que as conclusões obtidas através dessa análise sejam levadas à apreciação do Juiz, para a composição de uma decisão justa (TÁVORA, 2014). Entretanto, deve-se considerar que a aplicação do princípio do contraditório no processo penal tem uma aplicação diferente do que aquela observada no processo civil. Por exemplo, por mais que a aplicação do princípio ocorra basicamente da mesma forma em todas as vertentes processuais, o instituto da revelia, típica do processo civil, é inconcebível no modelo do processo criminal tal qual ocorre no modelo cível, haja vista que o contraditório compreende não só a possibilidade da parte compor e intervir na construção da decisão judicial, mas de ser um componente ativo do processo, sendo intimado para todos os atos processuais. Além da participação direta no processo, deve ainda o contraditório garantir que as partes (principalmente o réu) possuam representação para que possam se defender e interferir na lógica processual de forma pertinente7. Ainda, ressalta-se que a exigência de produção de provas está

3 O princípio da livre apreciação da prova não estabelece valores prévios a tipos de provas: o Juiz, em sua valoração, deverá considerar todas as informações expostas. nesse sentido, as únicas informações obtidas em inquérito policial.4 Princípio da Comunhão da Prova: Aqui constata-se que a prova deixa de ter “dono” passando a servir ao processo e ao convencimento do Juiz.5 Artigo 5º, LV, CF/88: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. 6 Sua principal função seria garantir a liberdade individual. 7 O artigo 261, do Código de Processo Penal (Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor), bem como a Súmula 708 do Supremo Tribunal Federal (É nulo o julgamento da apelação se, após a manifestação nos autos da renúncia do único defensor, o réu não foi previamente intimado para constituir outro) explicitam bem a importância da defesa representada.

Page 167: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

167Mariana Régis Fernandes da Rocha

diretamente relacionada com o princípio da verdade real, próprio do processo criminal, em que as alegações devem possuir escopo fático, devendo atingir a maior verossimilhança possível. Tal princípio deve embasar não só as alegações das partes, mas os pronunciamentos judiciais8, haja vista que a sentença não fundamentada é vício processual (BARROS, 2013).

3 A VERDADE REAL E OS LIMITES DA PROVA NO PROCESSO PENAL

Após uma breve explanação sobre o conceito de prova e a finalidade da atividade probatória no processo, existe uma reflexão a ser feita: existe a possibilidade de uma reconstituição tão perfeita dos fatos, uma atividade probatória tão completa, que permita a real noção do que de fato aconteceu? Deve o processo descobrir a verdade a partir de reconstituição exata dos fatos ou formar a verdade a partir das informações obtidas? O que seria mais propício para assegurar a proteção dos direitos fundamentais protegidos pelo ordenamento jurídico: o que de fato aconteceu ou o que foi deduzido durante a instrução processual? Enfim, qual seria a verdadeira função do processo? Sobre a reconstituição fática, vertente doutrinária afirma que a reconstituição total de todos os fatos alegados em ação penal é impossível. Mesmo em situação de flagrante delito ou réu confesso, não existe a possibilidade de onisciência dos fatos ocorridos. A tarefa é tão extrema que, mesmo em situação de flagrante delito ou réu confesso, o Estado-Juiz não poderia abster-se de efetuar a instrução: primeiro, é ilegal por vários motivos, dentre eles o cerceamento de defesa9; segundo, de acordo com a Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, a confissão não tem um

8 Enquanto a existência de uma atividade probatória na instrução pode fundamentar as alegações realizadas pelas partes, o pronunciamento decisório do Juiz deve ser fundamentado como lhe aprouver, conquanto, exista relação com os fatos expostos no decorrer da fase instrutória e leve em consideração não só os fatos, mas o direito, sua inexistência implicando nulidade absoluta. Nesse sentido, o inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal assim discorre: “[...] IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em caso nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”. 9 Deve-se considerar que a detenção não motivada é ilegal por não ter sido ofertado ao acusado o direito de defesa durante a instrução.

Page 168: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

168 USO DAS REDES SOCIAIS COMO MEIO DE OBTENÇÃODE PROVA NO PROCESSO PENAL

valor majorado em relação às outras provas; por fim, o Juiz não está restrito à descoberta do autor ou da execução do crime, mas também deve orientar a descoberta dos componentes subjetivos, tais como as circunstâncias que envolvem a realização do feito tipificado, bem como as motivações do agente ao realizar o ato.

3.1 Distinção entre Verdade real e Verdade formal

Para fins acadêmicos, a doutrina costuma fazer a distinção entre dois tipos de verdade: a verdade real e verdade material. A verdade formal é construída durante a relação processual, acordada entre as partes, onde nem todos os aspectos do que realmente aconteceu são levados em consideração, pois o verdadeiro objetivo das partes seria pôr um fim no conflito que demandou tutela jurídica, sendo mais aplicado em uma relação processual cível. Por sua vez, a verdade real é o objetivo do processo penal, tendo por escopos provas concretas dos acontecimentos alegados pelas partes. Nesta situação, não existiria acordo entre as partes, tendo em vista que o processo penal tem por função a proteção de bens jurídicos por demais significativos à manutenção da dignidade dos envolvidos10. Entretanto, como demonstrado anteriormente, a obtenção de uma verdade em uma relação processual seria impossível. Como afirma Carlos Haddad, o processo que tivesse como finalidade descobrir a real verdade dos fatos seria utópico (HADDAD , 2014), e a essa afirmação podem ser acrescentados outros adjetivos, como dispendioso, moroso e exaustivo. É dever do Judiciário garantir uma solução para todas as demandas que surgirem, e a persecução exaustiva da verdade colocaria em xeque o princípio da eficiência da administração pública e o princípio da celeridade processual. Ainda nesse sentido, explica que não deve existir dicotomia no conceito de Verdade, afirmando que a única verdade disposta em um processo é a verdade processual, que não deve estar longe da realidade dos fatos e deve ser suficiente para dirimir o conflito (HADDAD,2014). Neste sentido, afirma-se que a verdade real não é a única opção para

10 Cogitar a impossibilidade de utilização do que se considera Verdade Material em um processo cível é um completo desconhecimento da importância de um processo tão diligente quanto o criminal em relações processuais que correm em Varas de Família ou Vara da Fazenda Pública. Apesar de serem matérias do direito cível, devem ocorrer com a maior verossimilhança possível.

Page 169: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

169Mariana Régis Fernandes da Rocha

dirimir conflitos judiciais ou aplicação necessária da norma. A Lei 9.099/1995, que cria os Juizados Especiais11, ao adotar práticas como conciliação e transação penal para os crimes de menor potencial ofensivo12, coloca-se a resolução dos conflitos acima da aplicação final da lei, dirimindo, até certo ponto, a importância de se estabelecer uma verdade para os componentes da relação processual.

3.2 Os limites da prova no processo penal: nulidade das provas obtidas por meios ilícitos e as exceções à regra

De acordo com o artigo 157 do Código de Processo Penal, a prova ilícita é aquela que é “obtida em violação a normas constitucionais ou legais”. Ainda em sua redação, afirma que toda prova que foi obtida violando as normas supracitadas devem ser desentranhadas do processo. Portanto, a função desse artigo é retirar do processo penal as provas que sua obtenção se deu através de violação de direitos fundamentais (como integridade física, intimidade, vida privada, proteção à imagem e ao lar) (SILVA JÚNIOR, 2008) ou mesmo disposições infraconstitucionais.

4 A INTERNET E O NASCIMENTO DAS REDES SOCIAIS

Na obra “Direito e Internet”, Lilliana Paesani (2000) expõe as circunstâncias do nascimento de uma Internet que pouco se assemelha com o instrumento do qual dispomos atualmente, surgindo no contexto da Guerra Fria, uma encomenda do Departamento de Defesa do Estado norte-americano à Rand Corporation, em 1969, para que um possível ataque nuclear russo às principais cidades do país “não interrompesse a corrente de comando dos Estados Unidos”. Explica a autora que cidades em pontos

11 Artigo 2º, da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, Lei dos Juizados Especiais, assim dispõe: “O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível a conciliação ou a transação”. Ainda nesse sentido discorre o artigo 62 da mesma lei, que ressalta ainda a prevalência de reparação monetária e das penas não privativas de liberdade. 12 Artigo 61 da Lei 9.099/95: Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.

Page 170: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

170 USO DAS REDES SOCIAIS COMO MEIO DE OBTENÇÃODE PROVA NO PROCESSO PENAL

estratégicos à segurança nacional seriam guarnecidas com uma rede local de comunicação, denominada de LAN, e todas essas LANs formariam uma rede regional, denominada de WAN que, por sua vez, seria conectada a várias outras WANs formando uma Inter Networking. Caso uma cidade fosse atacada e uma WAN fosse aniquilada, a LAN dessa região seria responsável pela manutenção da comunicação interna.

O uso civil da internet ocorreu pouco tempo depois, em 1973, com a criação do Protocolo Internet (“Internet Protocol”, o IP), que permitiu a comunicação entre Inter Networkings incompatíveis (PAESANI, 2000). Tal protocolo padronizou a transmissão de dados, permitindo utilização em massa. Entretanto, apenas com a criação do World Wide Web, o WWW, em 1989, que possibilitou o armazenamento e transmissão multimídia (PECK, 2010), o uso foi expandido.

Interessante constatar que, apesar de seu uso difundido mundialmente e finalidade incontestável, elaborar um conceito é extremamente complexo. Paesani (2000), por exemplo, se utiliza de um conceito técnico, afirmando que “a Internet é uma imensa rede que liga elevado número de computadores em todo o planeta [...] através de cabos, redes telefônicas e satélites”. Desnecessário dizer que tal conceito é incompleto, pois não se pode fornecer no conceito apenas um ponto de vista técnico, desconsiderando seu papel, e sua responsabilidade, nas repercussões sociais dos últimos 40 anos.

Sobre as transformações sociais, é importante considerar como o acesso a uma quantidade inimaginável de dados em tempo real modificou a sociedade. Apesar do imediatismo e perfeccionismo das relações, obviamente reflexo da interação constante com a tecnologia, o acesso a esses dados (doravante chamados de informação) nunca foi maior, e esse é um aspecto muito relevante da internet: garantir um direito fundamental positivado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, o acesso à informação13. Por esse motivo, o acesso à Internet foi também elevado a direito fundamental14. Nesse

13 Artigo 19°: “Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.” (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 2014). 14 A ONU afirma que o acesso à Internet é um direito humano e que desconectar a população ou não garantir acesso viola essa política. Violação do artigo 19, §3º, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.

Page 171: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

171Mariana Régis Fernandes da Rocha

contexto existe uma preocupação por parte das Nações Unidas o fato de que 60% da população mundial ainda não possui acesso à rede, ou à tecnologia necessária, principalmente em países em desenvolvimento (ONU, 2014).

Após discorrer sobre a importância da Internet ou das várias transformações que a rede trouxe para a sociedade, é pertinente que seja construído um conceito. Existe uma discussão sobre a evolução do conceito de Internet, considerando que os próprios recursos por ela oferecidos também passaram por alterações drásticas. A chamada Web 2.0, conceito de Tim O’Reilly, afirma que, previamente existia uma internet de limites rígidos, onde o papel de fornecedor e consumidor de informações era facilmente identificável, que o estudioso chamou de Web 1.0 (SANTOS; NICOLAU, 2014).

Com o advento da Chamada Computação Social, passou a existir uma Internet comunitária, em que todos seriam fornecedores e receptores de informações, considerando que todos poderiam interferir na construção das páginas da web, antes passíveis de mudanças apenas por parte de seus proprietários. A interação direta entre os usuários da rede, tendo como consequência a troca de informações, é conceituada como Web 2.0 (SANTOS; NICOLAU, 2014).

Entretanto, é impossível falar em computação social sem mencionar o maior site de pesquisa em funcionamento, o Google, que atualmente ocupa todos os espaços disponíveis para oferecer recursos ao internauta. O objetivo é tornar a internet espaço de convívio e obtenção de resultados, não só obtenção de informação através do mecanismo de busca, sendo pertinente citar missão da empresa: “organizar as informações do mundo e torná-las mundialmente acessíveis e úteis” (INC, 2014).

Considerando o exposto, conclui-se que é uma pretensão conceituar internet, pois existem inúmeras variáveis em seu funcionamento e interpretação que não foram sequer abordadas acima. Entretanto, será o suficiente, por hora, afirmar que Internet é uma rede de comunicação que fornece mais do que acesso a informações, que serão obtidas não só através de acesso a dados disponíveis em rede de forma estática, mas de interação direta entre usuários, até mesmo em tempo real.

4.1 Fluxo de informações e o nascimento de uma “Sociedade Virtual”

Com intensa interação social que ocorre na internet, formou-se o que pode ser conceituado como cultura cibernética, um conjunto de características que definiriam essa sociedade formada pelos internautas.

Page 172: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

172 USO DAS REDES SOCIAIS COMO MEIO DE OBTENÇÃODE PROVA NO PROCESSO PENAL

Sobre isso, deve-se destacar que, através da globalização, essa sociedade adquire características comuns, ou seja, de várias formas, as culturas locais gradativamente perdem lugar para um conjunto de comportamentos comuns, moldado por um meio de comunicação de massa.

Sobre esses aspectos comuns, é pertinente concluir que essa padronização de comportamento precede a Era Digital, por ser típica de meios de comunicação de massa, tais como cinema e televisão. Patrícia Peck (2010), em sua obra “Direito Digital”, nesse sentido, expõe duas teorias: a Sociedade de Informação, de Alvin Tofler, e a Global Village, de Marshall McLuhan. A primeira destaca que a sociedade teria seu comportamento ditado por meios de comunicação, independentemente de sua natureza, sendo regida por seus horários, demandas e desempenhos, sendo necessária uma resposta célere para todas as questões enfrentadas, em um tempo de máquina. Por sua vez, McLuhan afirma que todos estariam conectados e teriam seus comportamentos padronizados a partir de uma única rede de comunicação. Percebe-se que o comportamento da sociedade já foi padronizado, ditado pelos meios de comunicação, exigindo dos membros da sociedade reações cada vez mais rápidas, precisas e perfeitas.

4.2 Conceito de rede social e sua importância para a análise da sociedade contemporânea

Percebe-se que a Web 2.0 criou o contexto para o surgimento de sites de relacionamento imediato: no intento de participar ativamente do mundo virtual, os usuários da Internet passaram a congregar em espaços que tinham por finalidade estimular a troca de experiência e informações. As Redes Sociais possibilitaram uma interação mais direta entre os internautas, onde essas informações podem ser comparadas, criadas e divulgadas com maior repercussão e com um público-alvo mais direto (CARDOSO; LEMY, 2014).

O conteúdo da Internet mudou drasticamente com o advento das Redes Sociais: os internautas passaram a fornecer livremente informações pessoais com as mais diversas finalidades, ocorrendo uma alteração do que se entendia por privacidade e, a partir de tal fato, constatou-se uma certa flexibilização de prerrogativas fundamentais que se entendiam por indisponíveis, como honra e intimidade.

Page 173: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

173Mariana Régis Fernandes da Rocha

4.3 A Internet sob o prisma constitucional

No Brasil, a livre manifestação do pensamento está segurada para todos os meios de comunicação pelo artigo 220 da Constituição Federal, sendo pertinente lembrar que o sucesso da Ordem Social, da Democracia e do Estado Social de Direito restam na liberdade, na livre manifestação do pensamento e no acesso à informação. A sociedade livre é feliz, desenvolvida e próspera, e a internet tem um papel fundamental para a existência dessa felicidade, pois o acesso à informação nunca foi tão amplo. Para garantir a segurança dos meios de comunicação, o artigo 5º traz em seu conteúdo o inciso XII, estabelecendo o sigilo das comunicações, salvo por ordem judicial para dar andamento a inquérito policial ou instrução no processo penal.

Sobre a regulamentação constitucional dos meios de comunicação, o artigo 220 tem origem clara na necessidade de recompor os direitos inerentes à liberdade em um contexto pós-governo militar ao destacar em seu caput e em seus dois primeiros parágrafos15 que a informação não será restrição de nenhuma ordem (PAESINI, 2000). Ainda sobre o caput, é interessante destacar que ele, apesar da data de sua redação ser anterior à década de 90, muito antes de qualquer efeito digno de nota por parte da Internet, o legislador fez questão de ser genérico ao tratar das fontes de Informação ao dizer “sob qualquer forma, processo ou veículo” 16. Nesse sentido, Paesani, acertadamente, raciocina que o legislador manteve em mente a inevitável evolução tecnológica, e que um rol exaustivo de meios de comunicação poderia tornar, em pouco tempo, o texto inepto.

5 AS INFORMAÇÕES DISPONIBILIZADAS EM REDES SOCIAIS COMO PROVA NO PROCESSO PENAL

Ante tudo o que foi exposto previamente, tem-se a necessidade

15 Artigo 220, CF/1988: A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.16Antes de seu tempo, o legislador já deu uma noção correta do que seria uma legislação voltada para a Internet: uma legislação inespecífica, abrangente.

Page 174: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

174 USO DAS REDES SOCIAIS COMO MEIO DE OBTENÇÃODE PROVA NO PROCESSO PENAL

de adentrar a problemática do presente artigo: existe escopo jurídico para a utilização de informações dispostas em redes sociais como meio de obtenção de prova para o processo penal? Ficou claro que, com a nova formatação do ambiente virtual, em que se presencia diariamente o convívio, nem sempre saudável, dos usuários de redes sociais, que o poder fiscalizador do Estado deve ter sua atuação imediata, bem como os internautas o direito de levarem as situações pertinentes à tutela jurisdicional.

De forma inicial, deve-se fazer a seguinte consideração: no caso das redes sociais, todos os usuários têm acesso à rede através de contas geralmente privadas, pessoais, que estão protegidas pelo direito constitucional de sigilo dos meios de comunicação e, consequentemente, pelo direito à intimidade17.

Entretanto, deve ser considerado que o contexto histórico da edição deste inciso, ou de todo o artigo 5º, podia antecipar certa evolução tecnológica, mas decerto não poderia prever o surgimento das redes sociais virtuais tal qual as compreendemos hoje, ou que a sociedade teria, após um regime ditatorial que tinha por modus operandi a invasão de privacidade e o total desrespeito às garantias fundamentais, tamanha tendência a disponibilizar tantas informações pessoais sem nenhum critério, interesse ou discernimento.

O fato da privacidade e a intimidade serem, até certo ponto, solapadas pelo avanço das mídias sociais pelos descendentes filhos da geração que presenciou o completo desrespeito às garantias pessoais é um paradoxo interessante, que, de certa forma, é solucionado por outro conceito também básico e igualmente relevante: a liberdade, que por possuir um alcance tão extenso permite, inclusive, que se flexibilize a compreensão de conceitos como privacidade e intimidade, tão cheias de rigor constitucional.

Doutrinariamente, a flexibilização de direitos fundamentais é conceito pacífico, posto que cada situação tem como prioridade a proteção de um certo direito, não existindo vantagem pré-estabelecida. Sobre o assunto, Walter Nunes cita Canotilho, que reafirma as limitações dos direitos fundamentais, alegando que existe o que ele chama de

17 Artigo 5º, XII, CF/88: “É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações eletrônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.”

Page 175: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

175Mariana Régis Fernandes da Rocha

“Cláusula de Comunidade”, pois a limitação existiria a partir do momento em que “colocassem em perigo bens jurídicos necessários à existência da comunidade” (CANOTILHO, 1991).

Como demonstrado, garantias constitucionais podem ser disponíveis, tanto pela existência de situações em que sempre haverá um direito mais importante que outro, como pelo poder que o indivíduo teria de dispor desse direito voluntariamente. Sobre a disponibilização voluntária de direitos e, de forma mais contextualizada com a problemática, a disponibilidade do direito à intimidade, é importante que se faça um comentário sobre a Teoria das Esferas, de Hubmann. Em suma, a Teoria das Esferas leciona que o indivíduo possui três níveis concêntricos de intimidade e privacidade: o primeiro, o menor, seriam as informações extremamente pessoais que, por não terem sido compartilhadas com ninguém, sua violação demandaria tutela jurisdicional18. A segunda esfera, um pouco maior, compreende pessoas com as quais normalmente o indivíduo poderia dividir certas informações, como família e amigos íntimos. A terceira esfera compreende pessoas que estão fora do convívio direto do indivíduo, que normalmente não teriam acesso a informações relacionadas ao indivíduo em questão (MAIA, 2014).

No contexto das redes sociais, presenciamos uma situação bem peculiar: informações íntimas que, a princípio, não deveriam ser disponibilizadas, sendo compartilhadas em rede pelo dono da informação voluntariamente; ou um destinatário da informação que rompeu com o tácito compromisso de sigilo, por motivos profissionais ou pessoais. Logo, é pertinente uma reflexão sobre o que realmente seria considerado foro íntimo: se uma informação é disponibilizada para alguém que faz parte de seu convívio direto e esse alguém rompe o compromisso de sigilo, tácito ou não, existe a violação de intimidade; se a informação foi disponibilizada de livre e espontânea vontade, perde o status de foro íntimo e, consequentemente, a proteção constitucional garantida no inciso X do artigo 5º19.

18 Artigo 5º, X, CF/88: São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. 19No contexto de proteção dos bens jurídico dispostos no supracitado inciso X, deve-se tecer um comentário sobre a Lei 12.737/2012, a chamada Lei Carolina Dieckman, que tipifica os chamados crimes cibernéticos. A lei acrescenta mais duas determinações ao artigo 154 do Código Penal, estabelecendo que “invadir dispositivo

Page 176: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

176 USO DAS REDES SOCIAIS COMO MEIO DE OBTENÇÃODE PROVA NO PROCESSO PENAL

Percebe-se que as redes sociais tornaram-se não só um local de compartilhamento voluntário, mas uma verdadeira ameaça àqueles que porventura compartilham informações de natureza íntima. Infelizmente, é impossível aferir o caráter de todos com que se trava relacionamento e também é impossível viver no receio de alguma informação tenha sido disponibilizada sem a devida permissão.

No contexto do processo penal e, de forma mais específica, da produção de provas, percebe-se que a liberdade probatória20 é máxima quando existe necessidade de recorrer às informações públicas que circulam em redes sociais para obtenção de provas, posto que, se a informação possuir nexo de causalidade com a lide, a barreira de proteção constitucional não existe. Entretanto, em momento nenhum se pode considerar que as garantias fundamentais perderam lugar na análise das informações que circulam em redes sociais: as informações que circulam de forma privada, como mensagens diretas e e-mails, estão sob tutela do disposto no inciso XII, que dispõe sobre a inviolabilidade da comunicação telegráfica e correspondências. Tal informação, obtida sem ordem judicial, seria considerada uma prova ilícita, devendo ser imediatamente desentranhada do processo.

6 CONCLUSÃO

A partir do conceito de prova exposto, deduz-se que a atividade probatória tem por finalidade convencer o julgador quanto aos fatos debatidos no processo para que este, a partir da verdade constituída na relação processual, possa aplicar a lei para dirimir o conflito em questão. Neste contexto, destaca-se a necessidade de submeter todo o material probatório, pois nenhuma prova é mais importante do que a outra, a contraditório, garantindo a participação das partes na decisão judicial. Relaciona-se,

informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita” é crime passível de detenção. 20 “É previsto pelo artigo 198 do Código Processual Penal, podendo ser entendido como o direito das partes de provarem fatos no processo, utilizando-se de qualquer meio de prova. A liberdade se encontra na ampla e garantida possibilidade de se provar tudo, e por todos os meios, desde que nos termos previstos pelo Código Processual Penal Brasileiro e pela Constituição Federal” PONTIROLLI (2014).

Page 177: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

177Mariana Régis Fernandes da Rocha

ainda, a produção probatória com o princípio da verdade real, que postula a necessidade de todas as alegações feitas em processo penal devem ter escopo fático, garantindo a maior verossimilhança possível.

Apesar da necessidade de garantir ao processo penal alegações que possuam escopo fático, a busca pela verdade real não deve ser compreendida como a finalidade maior do processo, devendo ser esta a resolução da demanda. Ainda, destaca-se que a reconstituição perfeita dos fatos é impossível em uma relação processual. Por não ser o objetivo maior do processo a busca pela verdade, nem todas as informações podem ser utilizadas na atividade probatória. As chamadas provas ilícitas, regulamentadas no artigo 157 do Código de Processo Penal, são aquelas provas cuja obtenção violou alguma disposição constitucional ou infraconstitucional, devendo ser imediatamente desentranhadas dos autos.

Ao iniciar a discussão sobre redes sociais, foi mencionada a origem da internet, em sua forma rudimentar, no contexto da Guerra Fria, como meio de comunicação militar. Após anos de seu uso por civis, o acesso à Internet é considerado direito fundamental, por garantir acesso à informação. Com o avanço tecnológico, a transmissão de dados em tempo real gerou a Computação Social, tornando possível interação direta entre os internautas e oportunidade de contribuir na construção. Foi possível, ainda, delinear um conceito de Internet que seria a rede de comunicação que fornece acesso a informações, que serão obtidas não só através de acesso em uma rede estática, mas de interação direta entre os usuários, em tempo real.

A interação em tempo real gerou uma cultura cibernética, constatando a padronização do comportamento dos usuários. Surge o contexto para a criação de sites de relacionamento, as chamadas redes sociais, que têm por finalidade estimular a troca de experiências e informações. Constatou-se, a partir de então, uma mudança no conteúdo da Internet a partir do crescente número de informações pessoais disponibilizados em rede, colocando em posição de questionamento garantias constitucionais como intimidade e privacidade.

De acordo com a teoria constitucional, existe a possibilidade de dispor de direitos fundamentais, desde que feita de forma voluntária e consciente. Então, no contexto das redes sociais, existe a disposição voluntária do direito à intimidade, bem como casos em que existiu violação de sigilo, seja por pessoa de convívio ou por motivos profissionais.

Para fins de atividade probatória no processo penal, aquelas informações que foram a público, de forma consciente em rede social, podem

Page 178: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

178 USO DAS REDES SOCIAIS COMO MEIO DE OBTENÇÃODE PROVA NO PROCESSO PENAL

ser objeto de atividade probatória, sem necessidade de ordem judicial, como dispõe o inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal. Entretanto, as informações que circulam em meios de comunicação, mas estejam submetidos à privacidade a qual faz menção o inciso XII da Constituição, demandam ordem judicial para sua utilização probatória.

REFERÊNCIAS

BARROS, Marco Antônio de. A Busca da Verdade no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

CANOTILHO, José Joaquim. Direito Constitucional. 5. Ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1991.

CARDOSO, Gustavo; LEMY, Cláudia. Redes sociais: comunicação e mudança. 2011. Janus. Net: e-journal of international relations. Disponívelem: < http://www.academia.edu/1061445/REDES_SOCIAIS_COMUNICA%C3%87%C3%83O_E_MUDAN%C3%87A >. Acesso em: 04 ago. 2014.

CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal São Paulo: Conan Editora, 1995.

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Disponível em: <http://www.oas.org/dil/port/1948 Declaração Universal dos Direitos Humanos.pdf>. Acesso em: 07 ago. 2014.

HADDAD, Carlos Henrique Borlido. Verdade Material e Verdade Formal: Antiga distinção ou moderna concepção. Disponível em: <http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewFile/1554/1549>. Acesso em: 08 ago. 2014.

Page 179: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

179Mariana Régis Fernandes da Rocha

ONU afirma que acesso à internet é um direito humano. Disponível em: <http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2011/06/onu-afirma-que-acesso-internet-e-um-direito-humano.html>. Acesso em: 07 ago. 2014.

INC., Google. Google Crisis Response. Disponível em: <http://www.google.org/crisisresponse>. Acesso em: 30 set. 2014 a.

_____. Google Home Page. Disponível em: <http://www.google.com.br/intl/pt-BR/about/>. Acesso em: 30 set. 2014 b.

MAIA, Luciano Soares. A Privacidade E Os Princípios De Proteção Do Indivíduo Perante Os Bancos De Dados Pessoais. Disponível em:<http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/bh/luciano_soares_maia.pdf>. Acesso em: 05 ago. 2014.

ONU: 4,4 bilhões de pessoas permanecem sem acesso à Internet. Disponível em: <http://www.onu.org.br/onu-44-bilhoes-de-pessoas-permanecem-sem-acesso-a-internet/>. Acesso em: 07 ago. 2014

PAESANI, Liliana Minardi. Direito e Internet: Liberdade de Informação, Privacidade e Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2000.

PECK, Patrícia Pinheiro. Direito Digital. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

PONTIROLLI, Monique. Princípio da liberdade probatória. Disponível em: <http://moniquebpontirolli.jusbrasil.com.br/artigos/116653095/principio-da-liberdade-probatoria?ref=home>. Acesso em: 08 ago. 2014.

Resolução nº 121 do Conselho Nacional de Justiça. Em: http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atos-da-presidencia/323-resolucoes/12239-resolucao-

Page 180: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

180 USO DAS REDES SOCIAIS COMO MEIO DE OBTENÇÃODE PROVA NO PROCESSO PENAL

no-121-de-5-de-outubro-de-2010. Acesso em: 28/09/2014

SANTOS, Emanuella; NICOLAU, Marcos. Web do futuro: a cibercultura e os caminhos trilhados rumo a uma Web semântica ou Web 3.0. Temática, João Pessoa, v. 10, n. 8, p.1-14, out. 2012. Disponível em: <http://www.insite.pro.br/2012/Outubro/web_semantica_futuro.pdf>. Acesso em: 06 ago. 2014

SGARBOSSA, Luiz Fernando; JENSEN, Geziela. A Emenda Constitucional nº 45/04 e o princípio da celeridade ou brevidade processual. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6676/a-emenda-constitucional-n-45-04-e-o-principio-da-celeridade-ou-brevidade-processual#ixzz39mzw89jZ>. Acesso em: 07 ago. 2014..

SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Reforma Tópica do Processo penal: inovações aos procedimentos ordinário e sumário, com o novo regime das provas, principais modificações do júri e as medidas cautelares pessoais (prisão e medidas diversas da prisão). Rio de Janeiro: Renovar, 2012.

_____. Teoria (constitucional) do Processo Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

SOUZA, André Pereira de. O sistema acusatório e a possibilidade de produção de provas pelo juiz na fase pré-processual, conforme o art. 156, I, Código de Processo Penal: aspectos legais e constitucionais. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/monografia-tcc-tese,o-sistema-acusatorio-e-a-possibilidade-de-producao-de-provas-pelo-juiz-na-fase-pre-processual-conforme-o-art-1,25530.html>. Acesso em: 05 ago. 2014.

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 9. ed. Salvador: Juspodivum, 2014.

Page 181: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

181Mariana Régis Fernandes da Rocha

USE OF SOCIAL NETWORK AS A MEAN OF OBTAINING EVIDENCE IN CRIMINAL CASEABSTRACT

This paper deals with obtaining evidence for the prosecution on social networks, analyzing the conceptual aspects of evidential activity in the criminal process, its purpose and the limits imposed by constitutional and infra-constitutional as determined by article 157 of the Criminal Process Code. In a brief historical, technical and social study of the virtual environment, there’s the analyze of the information’s nature arranged in social networks through the prism of positivized or implied fundamental rights such as privacy, intimacy and the inviolability of correspondence and telegraphic communications discoursing finally on the implications of such prerogatives as they bring restrictions on evidential activity.

Keywords: Proof. Criminal Process. Social networks. Internet. Privacy.

Page 182: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista
Page 183: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

ArtigosConvidados

Page 184: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista
Page 185: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

ASPECTOS GERAIS SOBRE A COLABORAÇÃO (DELAÇÃO)

PREMIADA

Walter Nunes da Silva JúniorGraduação em Direito pela UFRN. Mestre e Doutor pela UFPE. Professor Adjunto da UFRN. Juiz Titular da 2ª Vara Federal - Seção Judiciária do Rio Grande do Norte e Corregedor do Presídio Federal em Mossoró (RN) bem como Coordenador-Geral da Comissão Coordenadora do Fórum Permanente do Sistema Penitenciário Federal. Membro do Conselho Superior da ENFAM - Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados para o biênio 2013-2015.

RESUMO

O trabalho examina a pertinência jurídica e ética do instituto da colaboração premiada, definindo-o como forma de o agente que pratica crime de alta gravidade colaborar com a sociedade quanto à preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio, nos termos do art. 144, caput, da Constituição, ademais de, em outra perspectiva, constituir-se em instrumento hábil para que seja exercido com amplitude o direito de defesa, constituindo-se, por conseguinte, os incentivos legais à colaboração decorrência lógica do princípio da ampla defesa. Malgrado o debate sobre a colaboração premiada só agora tenha interessado mais de perto os juristas e a sociedade em geral, não se trata de tema novo, pois sua origem, em nosso meio, remonta ao tempo das Ordenações

Page 186: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

186 ASPECTOS GERAIS SOBRE A COLABORAÇÃO (DELAÇÃO) PREMIADA

Filipinas. O instituto foi tratado de forma tímida e incipiente pelo legislador até a edição da recente Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, a qual, conquanto destinada precipuamente apenas para os crimes praticados por organização criminosa, apresenta-se como espécie de lei geral sobre a colaboração premiada. A colaboração premiada é instituto legítimo e se coaduna com os preceitos constitucionais relativos à segurança pública e à ampla defesa.

Palavras-chave: Colaboração premiada. Responsabilidade de todos pela segurança pública, art. 144, caput, da CF. Princípio da ampla defesa. Lei 12.850/2013. Aspectos relevantes.

1 PALAVRAS INICIAIS

Como consequência das mais diversas notícias veiculadas na impressa nacional sobre crimes de corrupção envolvendo agentes públicos, revelando o desvio de vultosos recursos financeiros para irrigar campanhas eleitorais e enriquecer agentes públicos, empresários e servidores, tem sido evidenciada e discutida a utilização da colaboração – pejorativamente chamada de delação – de agentes participantes do esquema criminoso mediante a proposta e concessão de benefícios, tais como perdão judicial, redução da pena, substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito e, até mesmo, a definição de regime de cumprimento da pena mais benéfico.

A despeito de o tema se encontrar na ordem do dia, suscitando densos debates políticos e doutrinários, que passeiam pelos aspectos de ordem jurídica e ética, efetivamente o assunto só mereceu a devida atenção do legislador brasileiro com a edição da Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013. Estreme de dúvidas, sem a colaboração obtida a partir da premiação, esses ilícitos de base organizativa, a exemplo dos crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro, ainda que não ficassem de todo impunes, só ensejariam as condenações de alguns agentes, aqueles diretamente envolvidos com as operações, não havendo como reunir provas contra os mentores do esquema, geralmente os ocupantes de cargos relevantes na administração pública ou

Page 187: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

187Walter Nunes da Silva Júnior

detentores de cargos eletivos.Por conseguinte, sem embargo da importância do instituto da

colaboração/delação premiada, a disciplina jurídica mais específica da matéria em nosso meio é recente, de modo que muito ainda há de ser esmiuçado pela doutrina e pela jurisprudência.

Este escrito se circunscreve a expender reflexões sobre os aspectos gerais sobre a colaboração premiada. No item 2, cuidamos da definição do que seja colaboração ou delação premiada e a discussão sobre a questão ética do instituto, ressaltando que, ao invés de traição entre os companheiros da empreitada ilícita, deve ser enxergado como um incentivo para que a pessoa se conscientize do preceito constitucional plasmado no art. 144, caput, da Constituição, de que a segurança pública, conquanto seja um dever do Estado, é da responsabilidade de todos.

Em seguida, tratamos de fazer um esboço histórico sobre a colaboração/delação premiada em nosso sistema jurídico, destacando a forma fragmentada e incipiente dispensada pelo legislador, até o advento da Lei nº 12.85, de 2013. Nessa parte, demonstramos, ainda, que o legislador deu preferência à nomenclatura colaboração premiada, evidenciando que o instituto há de ser compreendido mais como uma forma de fomentar a cooperação do agente com a sociedade quanto à manutenção da segurança pública do que um incentivo à traição entre os amigos do crime.

Por fim, no item 4, abordamos os aspectos mais relevantes a respeito da Lei nº 12.850, de 2013, merecendo atenção a parte que tratamos dos termos da sentença proferida com base na colaboração premiada, pois o juiz, sendo o caso, deve impor a condenação como se acordo não tivesse havido e, em seguida, substituir a pena pela que foi ajustada no acordo, deixando claro que, na hipótese de descumprimento das condições firmadas, ocorrerá a reconversão da sanção aplicada no pronunciamento condenatório.

2 COLABORAÇÃO OU DELAÇÃO PREMIADA: TRAIÇÃO OU COLABORAÇÃO COM A SOCIEDADE?

Colaboração ou delação premiada consiste no acordo entre o investigado ou acusado e a autoridade policial ou o representante do Ministério Público. Dessa forma, o colaborador, como forma de barganhar a pena que lhe será aplicada aceita voluntariamente prestar informações cruciais para a desarticulação do grupo criminoso e para a identificação de terceiro que

Page 188: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

188 ASPECTOS GERAIS SOBRE A COLABORAÇÃO (DELAÇÃO) PREMIADA

participou do fato delituoso. Em troca pela colaboração, pode ser compensado com a extinção de sua punibilidade por meio do perdão judicial, redução da sanção, fixação de regime menos rigoroso de cumprimento da pena ou substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Em outras palavras, a delação ou colaboração confere ao agente colaborador benefícios legais, forma de premiação que, por via reflexa, serve, ainda que mediatamente, para o exercício efetivo do direito à ampla defesa.

Etimologicamente, a palavra delação – é a preferida na linguagem comum – origina-se do latim delatione e, em explicação simples, traduz-se no ato de o investigado ou acusado revelar à autoridade policial ou ao representante do Ministério Público a participação de terceiro na empreitada criminosa. Por sua vez, a expressão premiar, conforme consta no Dicionário Aurélio Buarque, significa “dar prêmio ou galardão a; laurear; galardoar; pagar; recompensar; remunerar” (FERREIRA, 1999). Tendo em conta esse aspecto, Damásio de Jesus (JESUS, 1998) esclarece que a interlocução delação premiada é a “incriminação de terceiro, realizada por um suspeito, indiciado ou réu, no bojo de seu interrogatório (ou em outro ato).” Diz-se premiada por ser incentivada pelo legislador, que premia o delator, concedendo-lhe benefícios, que podem consistir em redução da pena, perdão judicial, regime mais benéfico de cumprimento da pena etc.

De acordo com os ensinamentos doutrinários, a colaboração premiada pode ser antes ou durante o processo. A primeira se dá na fase da investigação policial, antes de recebida a denúncia contra o acusado. A segunda, naturalmente, após o ajuizamento da ação penal e, até mesmo, após prolatada a sentença condenatória. O escopo perquirido com a delação é desbaratar o grupo organizado, seja para punir todos os envolvidos, seja para coibir a continuidade da prática delitiva e, até mesmo, para permitir que, com a exata compreensão de como se deu o esquema criminoso, possam ser adotadas estratégias para prevenir a perpetração de novas infrações.

O prêmio à colaboração é assunto de ordem ética que enseja contundente divergência entre os doutrinadores. Não se confunde com o depoimento dado por testemunha, pois, neste caso, são declarações dadas por uma pessoa que não teve participação na empresa criminosa.

Note-se que a palavra delação, no seu sentido técnico, refere-se às afirmações feitas por um dos envolvidos no crime, com a propriedade de identificar a participação de outras pessoas, fornecendo detalhes sobre o ilícito, de modo que, na arena das relações pessoais, a delação pode ser vista como uma traição, o que, em rigor, seria reprovável mesmo quanto a companheiros

Page 189: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

189Walter Nunes da Silva Júnior

da empresa criminosa. Assim, para todos os efeitos, no momento em que o Estado, por

meio da lei, incentiva e oferece um prêmio a quem se presta a delatar outrem, em certa medida, está fomentando a traição. De qualquer sorte, sob outra ótica, a delação pode representar o comprometimento de lealdade ou que um dos envolvidos no crime tem para com o Estado e a sociedade em si, no sentido de dizer a verdade e esclarecer um fato que é do interesse de toda a comunidade, ademais de ser instrumento que permite ao agente manifestar o seu arrependimento pelo agir ilícito. Pode-se dizer ainda que é uma forma de colaboração com a sociedade em si, na dimensão do art. 144, caput, da Constituição, que preceitua ser da responsabilidade de todos a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. No particular, com desenganado acerto, Sergio Moro (MORO, 2014) argumenta que por meio desse instituto, o agente, “... embora movido por interesses próprios, colabora com a Justiça e a aplicação das leis de um país”, e arremata que, “se as leis forem justas e democráticas, não há como condenar moralmente a delação: é condenável nesse caso o silêncio.”

Conferindo destaque ao aspecto negativo da delação, embora reconheça que esse instituto venha sendo utilizado largamente no Direito Comparado, especialmente nos sistemas americano e italiano, Luiz Flávio Gomes (GOMES, 1998) diz que essa política legislativa é eticamente condenável, na medida em que passa a mensagem de que trair traz benefícios, difundindo uma cultura antivalorativa, o que, no seu pensar, constitui um equívoco no sentido pedagógico, além de ser uma prova contundente da pública e notória ineficiência do Estado para combater a criminalidade, na medida em que ele sente a necessidade de valer-se da traição.

Essa discussão é antiga, tendo merecido a atenção, até mesmo, de Beccaria. O Marquês disse que a praxe adotada por alguns tribunais de oferecer “... impunidade ao cúmplice de grave delito que delatar os seus companheiros” (BECCARIA, 1979) possui seus inconvenientes e suas vantagens.” Quanto aos inconvenientes, o escritor milanês suscitou a circunstância de o governo autorizar a traição, o que, para ele, é “... detestável mesmo entre os criminosos.” (BECCARIA, 1979), ao passo que, de outra banda, “... o tribunal mostra a própria dúvida, a fraqueza da lei que implora a ajuda de quem a ofende.” Como vantagem, o autor do livro Dos delitos e das penas evidenciava a contribuição que a delação dava ao esclarecimento de crimes graves e para “... mostrar que quem não mantém fidelidade às leis, isto é, ao público, é provável que não a mantenha a cada um em particular” (BECCARIA, 1979).

Page 190: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

190 ASPECTOS GERAIS SOBRE A COLABORAÇÃO (DELAÇÃO) PREMIADA

Com sua aguçada inteligência, Beccaria via no prêmio à delação uma forma de imprimir no cidadão o receio de reunir partícipes para a prática do crime, pois “... preveniria as associações, com o temor recíproco que cada cúmplice teria de não expor senão a si mesmo”1.

Nessa ótica, ao contrário de revelar fraqueza perante aquele que pratica o crime, a colaboração premiada se manifesta como importante instrumento de política criminal não apenas para fins punitivos, mas, igualmente, para a prevenção à prática de crimes por meio da associação de pessoas, sem falar que, conforme acentuado, trata-se de incentivo para que o agente, em sinal de arrependimento pelo seu comportamento, colabore com a sociedade na responsabilização de todos os que tiveram participação no crime.

Por isso mesmo, em que pese a crítica de parte da doutrina, nada obsta, pelo contrário, tudo recomenda que o Estado, por meio de lei, ofereça vantagens para quem queira colaborar com a justiça, até porque, para todos os efeitos, a disciplina legal, ao tempo em que fortalece o combate à criminalidade, oferece mais uma alternativa de defesa, a par de fomentar o arrependimento por parte do agente e, de outra banda, desestimular a atuação criminosa em parceria. Sem falar que, consoante asseverado acima, essa colaboração encontra esteio no caput do art. 144 da Constituição.

3 ORIGEM DA COLABORAÇÃO/DELAÇÃO PREMIADA EM NOSSO SISTEMA JURÍDICO

A colaboração/delação premiada não se trata de um instituto novo, sequer em nosso meio. A despeito de tratada no livro Dos delitos e das penas de Beccaria, livro lançado na segunda metade do Século XVIII, é de conhecimento geral que, na época da vigência das Ordenações Filipinas, há notícia da delação de Joaquim Silvério dos Reis, o qual, integrante do movimento político denominado Inconfidência Mineira, entregou Tiradentes, o mártir do movimento de libertação patriótica no ano de 1789, obtendo em troca da

1 Mais precisamente, afirmou BECCARIA: “Parecer-me-ia que uma lei geral, que prometesse a impunidade ao cúmplice delator de qualquer delito, fosse preferível, a uma declaração especial em cada caso particular, porque, assim, preveniria as associações, com o temor recíproco que cada cúmplice teria de não expor senão a si mesmo; o tribunal não tornaria ousados os criminosos, aos quais se pedisse ajuda em casos particulares” (Ibid., p. 64).

Page 191: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

191Walter Nunes da Silva Júnior

Fazenda Real o perdão de suas dívidas (FONSECA, 2008). Essa reminiscência histórica, certamente, contribui para que o instituto, em nosso ambiente, não seja visto com bons olhos.

Talvez aí resida a explicação para a circunstância de o legislador brasileiro quanto à premiação da delação ou colaboração ter-se mostrado sobremaneira tímido. No Código Penal incentivou-se, apenas, a confissão espontânea, com a premiação do acusado por meio de atenuante na dosagem da pena pela contribuição prestada ao esclarecimento quanto a sua participação no crime (art. 65, III, d, do Código Penal)2. Note-se que o fato de o acusado revelar, ou não, a participação de outrem é indiferente para esse tipo de atenuante. O que a lei premia é o altruísmo do acusado em admitir a sua participação no delito. Depois, o legislador ordinário ousou um pouco mais e considerou como causa de diminuição da pena, nos crimes praticados por organizações criminosas, a colaboração espontânea do agente idônea a levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria (art. 6º da Lei nº 9.034, de 1995).

A partir de então, o nosso sistema normativo passou a premiar propriamente a delação. Note-se que, na hipótese da Lei nº 9.034/95 (revogada pela Lei nº 12.850, de 2013), o incentivo não era à mera confissão espontânea, mas para a colaboração espontânea que tivesse o condão de esclarecer sobre as circunstâncias de crimes praticados pela organização – não apenas em relação àquele ilícito em apuração –, assim como de sua autoria. Indo um pouco mais além, a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998 (art. 1º, § 5º) instituiu em nosso sistema jurídico a delação como causa de isenção de pena3.

Assim, nos crimes de lavagem de dinheiro ou de ocultação de bens, direitos e valores, definidos no art. 1º e nos seus §§ 1º e 2º da Lei 9.613/98, quando o autor, coautor ou partícipe colabora espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos necessários à apuração das infrações

2 Antes da reforma da parte geral do Código Penal, operada pela Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984, para que a confissão espontânea fosse caracterizada como atenuante, exigia-se, como condição, que a autoria fosse ignorada ou atribuída a outrem.3 Art. 1º, § 5º, da Lei nº 9.613, de 1998, com a redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012: “A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, co-autor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.”

Page 192: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

192 ASPECTOS GERAIS SOBRE A COLABORAÇÃO (DELAÇÃO) PREMIADA

penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime, o juiz pode, como prêmio, diminuir a pena de um a dois terços, substituí-la pela pena restritiva de direitos ou então, conceder o perdão judicial, deixando de aplicá-la.

A delação, como se vê, passou a ser hipótese, até mesmo, de perdão judicial quanto à aplicação da pena; i. e., como prêmio à colaboração dada à justiça, o agente pode vir a ser isentado do cumprimento da pena. Nesse caso, na sentença, o juiz, se for o caso, condena o acusado, porém o isenta da pena, em cumprimento dessa política criminal de incentivar a delação como forma de tornar o processo criminal mais eficiente.

Na mesma passada, o legislador brasileiro, com a edição da Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999, concebeu a delação premial como negociação bilateral que pode levar à extinção da punibilidade. De acordo com a lei em foco, pode ser negociada a concessão de perdão judicial, com efeito extintivo da punibilidade, em qualquer crime, nos casos em que o autor colabore efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que isso acarrete a (1) identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa; (2) localização da vítima com a sua integridade física preservada; e (3) recuperação total ou parcial do produto do crime. Deve-se levar em consideração, ainda, a personalidade do agente e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso (art. 13 e parágrafo único).

Mantendo essa política legislativa, na edição da Lei nº 11.343, de 32 de agosto de 2006 – dispõe sobre o uso e o tráfico de substâncias entorpecentes ou drogas ilícitas –, consta que poderá o juiz, em razão de proposta do Ministério Público, deixar de aplicar a pena, ou reduzi-la, de 1/3 a 2/3, nos casos em que o acusado promover a revelação, eficaz, dos demais integrantes da quadrilha, grupo, organização ou bando, ou a localização, total ou parcial, do produto, substância ou droga ilícita (art. 41).

Enfim, a Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013 – tipificou o crime de organização criminosa –, ademais de revogar a Lei nº 9.034, de 1995, e dar outras providências, disciplinou a colaboração premiada, autorizando o juiz, quando houver requerimento das partes, a conceder o perdão, reduzir em até 2/3 a pena ou substituí-la por restritiva de direitos, contanto que seja eficiente para a obtenção de um dos seguintes resultados: (a) identificação dos demais integrantes da organização criminosa e das infrações praticadas; (b) revelação da estrutura hierárquica e da divisão das tarefas; (c) prevenção de novas infrações da organização criminosa; (d) recuperação, ainda que parcial, do produto ou do proveito das infrações; e (e) localização, se for o caso, da

Page 193: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

193Walter Nunes da Silva Júnior

vítima com a sua integridade física preservada (art. 4º, incisos I a V). Registre-se que o legislador não fez a distinção, elaborada por parte

da doutrina, entre delação premiada e colaboração premiada. Ele colocou sob a rubrica colaboração premiada o benefício legal concedido ao agente que, ao cooperar com a investigação e/ou instrução processual, dentre outras revelações, identificar algum de seus companheiros na empreitada criminosa. Ao preferir a expressão colaboração, o legislador expressa preocupação ética, pois dá destaque aos benefícios que o gente traz para a sociedade com a sua ajuda na persecução criminal, não à traição aos companheiros da empresa ilícita. Em outras palavras, incentiva, por meio da premiação, a consciência da pessoa quanto a sua responsabilidade pela preservação da segurança pública, nos termos do art. 144, caput, da Constituição.

4 ASPECTOS RELEVANTES DA COLABORAÇÃO PREMIADA PREVISTA NA LEI Nº 12.850, DE 2013

É pertinente esclarecer que a colaboração premiada, prevista na Lei nº 12.850, de 2013, em princípio, é destinada apenas aos ilícitos praticados por organização criminosa nela definidos. Contudo, interpretação sistêmica e lógica conduz o exegeta à conclusão de que deve ser aplicada, igualmente, ao crime de quadrilha tipificado no art. 288 do Código Penal, até porque, para todos os efeitos, não há diferença ontológica entre o grupo que caracteriza, para fins criminais, organização criminosa e o que se enquadra como quadrilha, senão a quantidade de integrantes, o mínimo de 4 (quatro), no primeiro delito, enquanto o mínimo de 3 (três), no segundo, ademais da circunstância, quanto àquele, de os ilícitos praticados serem punidos com pena máxima superior a 4 (quatro) anos ou, independentemente da quantidade da pena, possuírem caráter transnacional (art. 1º, § 1º, da Lei nº 12.850, de 2013).

Em verdade, acreditamos que a Lei 12.850, de 2013, trata-se de espécie de lei geral sobre a colaboração/delação premiada, de modo que os seus dispositivos, no que não forem incompatíveis, devem ser aplicados, subsidiariamente, às demais leis que tratam da matéria, na medida em que estas, como visto supra, apresentam lacunas que comprometem a utilização do instituto.

Feitos esses esclarecimentos, cabe notar que a leitura da primeira parte do § 2º do art. 4º da Lei nº 12.850, de 2013, deixa patente que a colaboração premiada pode ser concedida em qualquer momento processual,

Page 194: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

194 ASPECTOS GERAIS SOBRE A COLABORAÇÃO (DELAÇÃO) PREMIADA

o que compreende a fase de execução da pena. Limita, porém, o seu alcance quando for posterior à sentença, pois, nessa hipótese, pelo que se depreende do § 5º do art. 4º, o benefício só poderá corresponder à redução da pena até a metade ou à progressão de regime, sem que necessária a observância dos requisitos objetivos, o que inclui, em razão de não constar nenhuma restrição, a definição na sentença condenatória do regime aberto ou semiaberto como forma de cumprimento da pena, independentemente de sua quantidade.

Por conseguinte, a colaboração premiada ou delação premiada pode ser requerida pelo Ministério Público antes ou depois do oferecimento da ação penal ou, até mesmo, na própria peça acusatória. Em verdade, é possível que a delação ocorra em qualquer fase do processo, o que inclui a de execução, ou seja, depois de prolatada eventual sentença condenatória.

Quando o legislador explicita que a proposta há de ser requerida pelas partes, naturalmente isso não implica que deva, necessariamente, ser um requerimento feito a quatro mãos, isto é, por meio de petição assinada pelo Ministério Público e pela defesa, mas, sim, que a proposta, oferecida por uma das partes, seja aceita pela outra (BITTAR, 2011).

Em princípio, o juiz não participa das negociações entre as partes para a formalização do acordo, conforme, aliás, acertadamente, está expresso na primeira parte do § 6º do art. 4º da Lei nº 12.850, de 2013, mas nada obsta que, em determinadas situações, o juiz esteja presente.

Isso porque, nos termos da lei, as negociações e a formalização do acordo devem ser feitas pelas partes, aqui estando compreendida a negociação levada a efeito entre o delegado de polícia, de um lado, e o investigado e o seu defensor, do outro, ou, se for o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado, acompanhado de seu defensor (art. 4º, § 6º). Ajustado o acordo, em petição conjunta ou não, deve ser encaminhado ao juízo o termo de colaboração, cabendo ao magistrado examinar a regularidade, legalidade e voluntariedade, sendo-lhe facultado, se entender pertinente, em caráter reservado, ouvir o colaborador, na presença, unicamente, de seu defensor (art. 4º, § 7º).

O envio do termo de cooperação, portanto, é que, em regra, inaugura a participação do juíz na colaboração premiada, quando poderá recusar a homologação da proposta, caso verifique que as cláusulas não se confortam com os parâmetros legais ou, então, o que é mais razoável, pode, até mesmo,

Page 195: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

195Walter Nunes da Silva Júnior

adequá-las ao caso concreto (art. 4º, § 8º)4. Todavia, a presença do juiz no momento da negociação não é de

todo descartada porque, como a delação pode ocorrer em qualquer fase do processo, é possível que a proposta e a respectiva aceitação da delação sejam formalizadas, inclusive, na própria audiência, embora, pelos mais diversos fatores, essa circunstância seja uma exceção, não a regra.

Até porque o mais adequado é que, tendo ciência, em linhas gerais, do conteúdo do depoimento do indiciado ou acusado, o Ministério Público, desde logo, sinalize qual o conteúdo da colaboração, se será o benefício máximo, que consiste no perdão judicial, ou apenas a redução da pena em determinado percentual ou, independentemente de sua quantidade, a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos ou a definição de regime de cumprimento da pena mais benéfico.

De mais a mais, uma vez que geralmente o conhecimento prévio do conteúdo do depoimento do acusado é condição para que o Ministério Público formalize perante o juiz o pedido de colaboração premiada, tudo recomenda que o procedimento referente à coleta do conteúdo se dê extrajudicialmente.

Sem embargo dessas considerações, existe ainda expressa previsão normativa no sentido de que as partes podem, a qualquer tempo, pedir a retratação da proposta, restando explicitado que, nesse caso, “as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor” (art. 4º, § 10º, da Lei nº 12.850, de 2013).

A lei nada diz, porém, quanto às hipóteses nas quais pode ser feita a retratação. A leitura literal da norma jurídica em destaque dá a entender que não há necessidade de fundamentação e, ainda, que essa retratação não passa pelo crivo do Judiciário. Parece óbvia, porém, a necessidade de a retratação ser fundamentada por quem a manifestar, no escopo de permitir o seu exame, notadamente quando da lavra do Ministério Público, uma vez que, para todos os efeitos, ao aceitar a colaboração, o acusado o faz como estratégia de defesa, o que, para tanto, exige a renúncia expressa ao direito ao silêncio, assumindo o compromisso legal de dizer a verdade (art. 4º, 14, da Lei nº 12.850, de 2013), (BITENCOURT, 2013).

4 Ajustado o acordo de colaboração, independentemente da forma em si utilizada, a matéria há de passar pelo crivo crítico do Judiciário. Isso porque, nesse caso, o juiz deve decidir se o acusado, diante das circunstâncias, tem o direito, ou não, ao perdão judicial, à redução da pena ou a ter a sua pena privativa substituída por restritiva de direito.

Page 196: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

196 ASPECTOS GERAIS SOBRE A COLABORAÇÃO (DELAÇÃO) PREMIADA

Se assim não for, o acusado pode ser levado a abrir mão de uma garantia constitucional da magnitude do direito ao silêncio e, em seguida, mesmo tendo fornecido a sua colaboração, ficar à mercê, sem qualquer garantia, de eventual retratação do Ministério Público, mesmo sem justificativa.

Afinal, como se disse, esses incentivos legais à confissão, independentemente de configurarem, ou não, colaboração premiada, possuem natureza de defesa. Em outros termos, estão compreendidos no âmbito do princípio magno da ampla defesa, cujo reconhecimento, após a formalização e concretização, não é razoável que fique ao talante da parte adversária, no caso, o Ministério Público.

Verifique-se que, tendo como linha de entendimento que a colaboração premiada representa, igualmente, exercício do direito de defesa, os benefícios propostos ao agente colaborador pelo Ministério Público, quando manifestada a aceitação e prestado o consequente depoimento, assumem a condição de direito subjetivo, de maneira que o magistrado, salvo situação excepcional, não deve deixar de homologar o acordo, máxime no cenário de um processo penal de modelo acusatório, no qual o parquet é o dominus litis da ação penal.

Nesse aspecto, o legislador merece aplauso, porquanto deixou claro que o juiz só deverá recusar a homologação quando a proposta não atender aos requisitos legais, podendo operar, na sentença homologatória, alterações aos termos do acordo, a fim de adequá-los ao caso concreto (art. 4º, § 8º, da Lei nº 12.850, de 2013).

Esses incentivos à confissão e à colaboração não se atritam com a natureza defensiva do interrogatório, muito pelo contrário, com ela se harmonizam. Ao fazer a comunicação de que o acusado detém o direito ao silêncio como estratégia de defesa, o juiz deve informá-lo, ainda, dos benefícios que ele pode usufruir com a sua eventual colaboração na persecução criminal. Aliás, essa postura do juiz concretiza o disposto no artigo 5º, LXIII, da Constituição, porquanto o diploma expressa que o preso – a jurisprudência e a doutrina majoritárias sufragaram o entendimento de que a expressão preso abrange toda e qualquer pessoa a quem seja imputada a prática de um ilícito – será “informado de seus direitos, entres os quais o de permanecer calado”, o que indica que outros direitos, previstos no sistema normativo, devem ser cientificados ao agente, dentre os quais se insere a colaboração premiada, que, se for o caso, pode trazer como consequência, até mesmo, a extinção da punibilidade, hipótese na qual a sentença possui natureza jurídica absolutória.

Não se há de negar que, no instante em que o acusado está

Page 197: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

197Walter Nunes da Silva Júnior

cooperando, ele está, igualmente, exercendo a sua defesa, pois a efetividade e eficiência da defesa não se confundem com a tese de exculpação ou de negativa de autoria, podendo, em muitos casos, ser exercida apenas no sentido de que, na condenação, o juiz leve em consideração circunstâncias determinantes para a aplicação de pena menos grave (reconhecimento de circunstâncias judiciais, atenuantes e de causas de diminuição de pena, de concurso formal ou de crime continuado etc.), de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou de aplicação do perdão judicial.

Nesse particular, muito já se discutiu, na doutrina, quanto à natureza jurídica do perdão judicial. Para uma corrente, ela era (1) declaratória de extinção da punibilidade, para outra (2) condenatória com todos os efeitos secundários e, por fim, para uma terceira, (3) ela era absolutória. Para dirimir essa divergência, na reforma da parte geral do Código Penal, implementada em 1984, o legislador situou o perdão judicial como umas das causas de extinção de punibilidade (art. 107, IX). Ainda assim, diante da persistência de dúvidas, o Superior Tribunal de Justiça editou a súmula nº 18, com a qual esclareceu que “A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório.” Com a Reforma Tópica implementada em 2008 essa questão ganhou colorido todo especial, pois, a partir daí, a sentença que reconhece o perdão judicial, por se tratar de causa extintiva de punibilidade, passou a possuir natureza absolutória (art. 397, IV, do CPP), (SILVA JÚNIOR, 2012).

Quando a sentença concessiva do perdão judicial ostentava apenas natureza declaratória de extinção da punibilidade, sem que daí resultasse qualquer reflexo penal, seja em relação à primariedade, seja aos efeitos civis, o caráter defensivo desses incentivos legais à confissão estavam evidenciados, daí por que não se haveria de pensar em desarmonia desses institutos em relação ao direito ao silêncio. Agora, após a Reforma Tópica de 2008, com mais razão ainda, pois, para todos os efeitos, a sentença, nesse caso, possui natureza absolutória.

Uma última nota a respeito do tema há de ser feita. Tem-se feito muitas críticas ao instituto da colaboração premiada, ao argumento de que isso pode levar à impunidade do agente que mentir ou que, em seguida, volte a praticar crimes. Essa visão é um erro de perspectiva e advém da circunstância de o legislador não ter deixado claro como deve o juiz proceder na sentença em que aplica os benefícios da colaboração premiada. Nesse caso, o juiz deve proferir a sentença condenatória, fixando a pena que seria a adequada para, na sequência, fazer a substituição pela sanção negociada em razão da colaboração

Page 198: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

198 ASPECTOS GERAIS SOBRE A COLABORAÇÃO (DELAÇÃO) PREMIADA

premiada, deixando consignado que, caso não cumprida qualquer cláusula do acordo, ocorrerá a reconversão da pena aplicada. Assim, na hipótese de o agente deixar de cumprir as cláusulas do acordo, da mesma forma como ocorre quando da substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, ele terá de cumprir a sanção que havia sido substituída.

Malgrado o que foi expendido, o legislador ainda salientou a possibilidade de a negociação abranger a renúncia do Ministério Público quanto ao oferecimento da denúncia, estabelecendo como requisitos específicos a circunstância de o agente beneficiado não ser o (a) líder da organização criminosa e (b) primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos da lei (art. 4º, § 4º, da Lei nº 12.850). Como se observa, essa é uma situação extrema, que deve ser utilizada com bastante comedimento pelo Ministério Público, sob pena de levar à impunidade.

Ademais, o legislador não explicitou como é que se daria essa renúncia à ação penal por parte do Ministério Público. Contudo, como os termos da colaboração são submetidos ao crivo do Judiciário, naturalmente que a chancela judicial é o bastante para a perfectibilização do acordo, não havendo necessidade de outra providência. O que é importante é que conste da decisão judicial homologatória a ressalva quanto à existência de cláusula resolutiva para a hipótese de ser descumprido o acordo firmado com base no qual o Ministério Público tenha renunciado ao exercício da ação penal. Essa renúncia, portanto, é sob condições, ou seja, desde que o agente, ante a prescrição do crime, cumpra as condições estabelecidas no acordo. Assim, nesses casos, a extinção de punibilidade gera, apenas, coisa julgada formal, podendo o Ministério Público, caso o agente não cumpra as cláusulas do acordo da colaboração premiada e desde que não prescrito o crime, oferecer a denúncia.

5 PALAVRAS FINAIS

A colaboração premiada é o acordo firmado entre o investigado ou acusado e a autoridade policial ou o representante do Ministério Público, que pode ocorrer na fase da investigação ou do processo judicial, até mesmo após a sentença.

O instituto deve ser visto como um incentivo para que a pessoa, nos termos do art. 144, caput, da Constituição, assuma a sua responsabilidade quanto à manutenção da segurança. Por isso mesmo, antes de a colaboração

Page 199: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

199Walter Nunes da Silva Júnior

premiada ser uma forma de incentivar a traição entre os parceiros da empreitada criminosa, há de ser vista como instrumento para incentivar a pessoa a ajudar a apuração de crimes de alta gravidade, em relação aos quais a sociedade tem grande interesse, ao tempo em que serve para expandir o direito de defesa, tratando-se, portanto, nessa perspectiva, de instituto inserido no contexto do princípio da ampla defesa.

A colaboração premiada pode representar o perdão judicial, a redução da pena, fixação de regimento de cumprimento da pena mais benéfico ou substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, independentemente da quantidade da pena.

REFERÊNCIAS

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução Marcílio Teixeira. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979.

BITAR, Walter Barbosa. Delação premiada: direito estrangeiro, doutrina e jurisprudência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Delação premiada na “lava jato” está eivada de inconstitucionalidades. Disponível em www.conjur.com.br/2014-dez-04/cezar-bitencourt-nulidades-delaçao-premiada-lava-jato. Acesso em 20 mar 2013.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: Dicionário da Língua Portuguesa. 3 ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

FONSECA, Pedro Henrique Carneiro. A delação premiada. De jure – Revista Jurídica do Ministério Público de Minas Gerais. Belo Horizonte, n. 10, na/jun 2008.

FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 3. ed. São Paulo: Editora Revista

Page 200: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

200 ASPECTOS GERAIS SOBRE A COLABORAÇÃO (DELAÇÃO) PREMIADA

dos Tribunais, 1994.

FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994.

GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais: delação premiada e aspectos processuais penais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998.

MORO, Sergio Fernando. Considerações sobre a operação mani pulite. Revista do CEJ, Brasília, n. 26, jul/set./2014.

SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Reforma tópica do processo penal: inovações aos procedimentos ordinário e sumário, com o novo regime das provas, principais modificações do júri e as medidas cautelares pessoais (prisão e medidas diversas da prisão). 2. ed. revista, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Renovar, 2012.

GENERAL ASPECTS ABOUT THE AWARDED COLLABORATION

ABSTRACT

The paper examines the legal and ethical relevance of the award-winning collaboration Institute, defining it as a form of the agent who practice high-gravity crime collaborate with the society and the preservation of public order, the safety of persons and property, in accordance with art. 144, caput, of the Constitution, besides, in another perspective, form themselves into an effective instrument to be exercised with amplitude the right of defense, Despite the debate on the award-winning collaboration only now has closer to

Page 201: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

201Walter Nunes da Silva Júnior

interested lawyers and society in general, this is not new theme, having its roots to the Philippine Ordinances time. The institute was treated timid and incipient form by the legislature to the latest edition of Law No. 12.850, of August 2, 2013, which, while aimed primarily only for the crimes committed by criminal organizations, presents itself as a kind of general law on the award-winning collaboration. The award-winning collaboration is legitimate Institute and is in line with the constitutional provisions relating to public security and full defense.

Keywords: Award-winning collaboration. Everyone’s responsibility for public security, art. 144, caput, CF. Legal defense of principle. Law 12.850, 2013. Relevant aspects.

Page 202: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista
Page 203: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

O CONTROLE JURISDICIONAL DO ATO ADMINISTRATIVO

NO DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO

Vladimir da Rocha FrançaMestre em Direito Público pela Universidade Federal

de Pernambuco. Doutor em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor Associado I do Departamento de Direito

Público da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Advogado.

RESUMO

O direito ao controle jurisdicional dos atos administrativos é uma das principais garantias constitucionais dos administrados no sistema do Direito Positivo brasileiro. Diante da presença de invalidade no ato administrativo, faz-se necessário identificar a tutela jurisdicional adequada e seus limites para prevenir a intervenção excessiva do Poder Judiciário na Administração Pública. Ao se examinar o seu sentido, conteúdo e alcance, verifica-se que se mostra imprescindível para reprimir as lesões e prevenir as ameaças à esfera de direitos dos administrados. A substituição arbitrária do juízo de oportunidade da Administração Pública pelo juízo de oportunidade do Poder Judiciário consiste em violação frontal e grave ao princípio constitucional da separação dos poderes. Mas é justamente esse princípio fundamental que exige do Poder Judiciário que restaure a juridicidade quando esta foi violada ou se encontra ameaçada pela Administração Pública.

Page 204: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

204 O CONTROLE JURISDICIONAL DO ATO ADMINISTRATIVONO DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO

Palavras-chave: Ato administrativo. Administração Pública. Poder Judiciário. Controle judicial.

1 INTRODUÇÃO

Os atos jurídicos que constituem o cerne da função administrativa do Estado são os atos administrativos. No Estado Democrático de Direito, o regime jurídico desta atividade estatal – o regime jurídico-administrativo - está submetida a dois princípios fundamentais: (i) a prevalência do interesse público sobre o interesse privado, que legitima a posição de supremacia do estado na defesa dos valores e diretrizes constitucionais; e (ii) indisponibilidade do interesse público pela administração pública, que confere amparo aos direitos e garantias fundamentais que o sistema do direito positivo assegura aos administrados (BANDEIRA DE MELLO, 2010; e FRANÇA, 2007).

Tomando-se por base o sistema do Direito Positivo do Brasil, o ato administrativo é o ato jurídico unilateral do estado (ou por quem esteja no exercício de prerrogativas públicas), expedido numa posição de supremacia, que insere no ordenamento jurídico normas individuais complementares à lei (ou à própria Constituição) para a concretização do interesse público, estando sua validade sob o controle jurisdicional.1

Para se aferir a efetiva subordinação do ato administrativo às normas jurídicas que lhe são superiores, merece destaque o controle de validade realizado pelo Poder Judiciário, haja vista este constituir o intérprete último do sistema do Direito Positivo na resolução das controvérsias sociais levadas à sua apreciação (ATALIBA, 1998; REALE, 1998).

O objetivo do presente ensaio é justamente examinar o controle jurisdicional do ato administrativo no regime jurídico-administrativo brasileiro, sob a perspectiva da Dogmática Jurídica2 e com amparo no sistema do Direito Positivo fundado pela Constituição da República Federativa do Brasil3 – a

1 Observe-se que se adota aqui um conceito estrito de ato administrativo, que deixa de fora os atos normativos expedidos pela Administração Pública e os contratos administrativos.Sobre a matéria, consultar: BANDEIRA DE MELLO, 2010; e FRANÇA, 2007.2 Sobre a matéria, consultar: CARVALHO, 1999; KELSEN, 1991; KELSEN 1992; VILANOVA, 1997; e VILANOVA, 2000.3 Promulgada em 5 de outubro de 1988.

Page 205: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

205Vladimir da Rocha França

Constituição Federal.4

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A INAFASTABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

No Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição Federal,5 o Poder Judiciário deve zelar pela integridade do sistema do Direito Positivo, prestando a tutela jurisdicional apta para a defesa do administrado contra ameaça ou lesão aos seus direitos subjetivos originada da Administração Pública. Em razão disso, a inafastabilidade do controle jurisdicional do ato administrativo constitui princípio constitucional do regime jurídico-administrativo brasileiro (BANDEIRA DE MELLO, 2010).

Tendo em vista o ordenamento jurídico brasileiro, a função jurisdicional constitui a atividade do estado que envolve a expedição de normas subsidiárias à lei (ou à própria Constituição), exercidas por órgãos independentes e imparciais, destinada à resolução definitiva de conflitos após o exercício do direito de ação (FRANÇA, 2007).

A atividade jurisdicional abrange a expedição de normas jurídicas que aplicam a lei (ou a própria Constituição) aos casos controvertidos que são levados à apreciação do órgão jurisdicional competente. O Poder Judiciário tem o monopólio da função jurisdicional por imposição do art. 5°, XXXV,6 da Constituição Federal.7

Em regra, a atividade jurisdicional determina a aplicação da lei na resolução da lide levada à apreciação do órgão competente. Afinal, o princípio da legalidade constitui uma garantia fundamental do Estado Democrático

4 Sobre matéria, consultar: BOBBIO, 1993; CARVALHO, 1999; KELSEN, 1991; KELSEN 1992; VILANOVA, 1997; e VILANOVA, 2000.5 Vide o art. 1º da Constituição Federal.Sobre a matéria, consultar: REALE, 1998.6 Esse enunciado constitucional tem a seguinte redação:“Art. 5º [...]XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.7 Vide o art. 1º da Lei Federal n.º 5.869, de 11 de setembro de 1973 (“Institui o Código de Processo Civil”).Vide o art. 1º, o art. 3º, e o art. 16, todos da Lei Federal n.º 13.105, de 16 de março de 2015 (“Código de Processo Civil”).

Page 206: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

206 O CONTROLE JURISDICIONAL DO ATO ADMINISTRATIVONO DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO

de Direito instituído pela Constituição Federal.8 Entretanto, há situações nas quais o direito subjetivo tem amparo em norma constitucional dotada de aplicabilidade imediata, legitimando a tutela jurisdicional destinada a protegê-lo contra lesão ou ameaça sem a necessidade de lei que o discipline (BONAVIDES, 2002; FERREIRA FILHO, 2008; SARAIVA, 1993; e SILVA, 2008).9

Atualmente, a função jurisdicional não se restringe à expedição de normas individuais. O regime jurídico do controle de constitucionalidade10 e das súmulas vinculantes11 no sistema constitucional brasileiro determinam ao jurista o reconhecimento de que o Poder Judiciário tem competência para expedir normas gerais, revestidas com a força da coisa julgada, nos termos do art. 5°, XXXVI,12 da Constituição Federal.

Registre-se que o regime constitucional do Poder Judiciário e de seus magistrados exige e viabiliza a independência e imparcialidade de seus órgãos quando no exercício de suas competências jurisdicionais.13 Todavia, não se deve perder de vista que a legitimidade política do Poder Judiciário está assentada no grau de coerência entre a sua atuação na defesa da juridicidade e dos valores constitucionais (ATALIBA, 1998).

Outro aspecto importante dessa atividade estatal reside no princípio

8 Vide o art. 5º, II da Constituição Federal.9 Vide o art. 5º, § 1º, da Constituição Federal.10 Vide o art. 97, o art. 101, o art. 102, I, “a”, e III, §§ 1º e 2º, o art. 103, e o art. 125, § 2º, todos da Constituição Federal.Vide a Lei Federal n.º 9.868, de 10 de novembro de 1999 (“Dispõe sobre o processo e o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal”).Lei Federal n.º 9.882, de 3 de dezembro de 1999 (“Dispõe sobre o processo e julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1º do art. 102 da Constituição Federal”).Sobre a matéria, consultar: BONAVIDES, 2002; DANTAS, 1996; KELSEN, 1991; KELSEN, 1992; KELSEN, 1993; MARTINS e MENDES, 2001; e MENDES e BRANCO, 2011; e NOBRE JÚNIOR, 2004.11 Vide o art. 103-A da Constituição Federal.Vide a Lei Federal n.º 11.417, de 19 de dezembro de 2006 (“Regulamenta o art. 103-A da Constituição Federal e altera a Lei Federal n.º 9.784, de 29 de janeiro de 1999, disciplinando a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal, e dá outras providências”).12 Esse enunciado constitucional tem a seguinte redação:“Art. 5º [...]XXXVI – a lei não prejudicará o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”.13 Vide o art. 93 e o art. 95, ambos da Constituição Federal.

Page 207: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

207Vladimir da Rocha França

da inércia.14 O órgão jurisdicional somente pode atuar no concreto quando a parte interessada exerce o seu direito de ação. O direito de ação, por sua vez, pressupõe a existência de uma lide que obrigue o interessado a procurar segurança jurídica em sua esfera de direitos.

Deve se enfatizar que somente a resolução de conflito que atende essas características básicas pode ser classificada como resultado da função jurisdicional do estado. De todo modo, o ordenamento jurídico assegura ao jurisdicionado os direitos e garantias constitucionais que compõem a cláusula do devido processo legal.

Se o ato administrativo representar ameaça ou lesão a direito subjetivo do administrado, este tem a garantia fundamental de submeter a sua validade à apreciação jurisdicional, por meio do exercício do direito de ação na forma da lei. Em razão das especificidades do sistema presidencialista de governo, o controle jurisdicional do ato administrativo tende a ser o mais efetivo, quando comparado com o controle realizado pela própria Administração Pública ou o controle legislativo (SEABRA FAGUNDES, 2005).

3 AS INVALIDADES DO ATO ADMINISTRATIVO

Não raras vezes, constam do conteúdo do ato administrativo, normas individuais que têm repercussão na esfera de direitos dos administrados, sem prejuízo de seu impacto para os interesses públicos sujeitos à tutela da Administração Pública. Por imperativo do princípio constitucional da separação dos poderes,15 o Poder Judiciário deve empregar exclusivamente um juízo de juridicidade no controle do ato administrativo, respeitando-se o seu mérito – produto do juízo de oportunidade da Administração Pública - na medida em que este seja compatível com os princípios constitucionais do regime jurídico-administrativo (FRANÇA, 2000).

Logo, o interessado em retirá-las do sistema do Direito Positivo pela via judicial, seja por interesse individual, seja em razão de interesse público, deverá obrigatoriamente levantar a questão da validade do ato administrativo perante o órgão jurisdicional competente (FRANÇA, 2000; e FRANÇA, 2007).

14 Vide o art. 2º da Lei Federal n.º 5.869/1973.Vide o art. 2º da Lei Federal n.º 13.105/2015.15 Vide o art. 2º, caput, e o art. 60, § 4º, III, ambos da Constituição Federal.

Page 208: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

208 O CONTROLE JURISDICIONAL DO ATO ADMINISTRATIVONO DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO

O ato administrativo deve ser considerado inválido quando é portador de um vício – a invalidade – que o torna incompatível com as normas jurídicas que lhes são superiores e, quando a autoridade competente declara-o mediante outro ato jurídico, retirando aquele provimento do sistema do Direito Positivo (FRANÇA, 2000; e FRANÇA, 2007). Somente após a invalidação, o ato administrativo passa da categoria de válido para a de inválido (AMARAL, 1978; e FRANÇA, 2007).

A invalidação pode ser administrativa ou judicial (FRANÇA, 2000; e FRANÇA, 2007). Na invalidação administrativa, a própria Administração Pública determina a extinção do ato administrativo viciado.16 Por sua vez, na invalidação judicial, a retirada do provimento administrativo portador de invalidade é feita pelo Poder Judiciário no exercício da função jurisdicional.

Na estrutura do ato administrativo, existem duas classes de requisitos: (i) os elementos; (ii) e os pressupostos (BANDEIRA DE MELLO, 2010; e FRANÇA, 2007).

Os elementos do ato administrativo são os requisitos intrínsecos ao ato administrativo, sem os quais ele não tem existência e que, se decisivamente atingidos, ficam passíveis de invalidação (BANDEIRA DE MELLO, 2010; e FRANÇA, 2007). São eles: (i) o conteúdo, as normas jurídicas que ele põe no sistema do direito positivo; e, (ii) a forma, o revestimento exterior que ele efetivamente apresenta na realidade social.

Os pressupostos do ato administrativo são aqueles aspectos que são exteriores a este provimento, mas que são relevantes para a sua existência e validade (BANDEIRA DE MELLO, 2010; e FRANÇA, 2007).

Os pressupostos de existência do ato administrativo são: (i) a possibilidade jurídica e material do objeto, sendo este a conduta disciplinada pelas normas constantes do ato; (ii) a pertinência à função administrativa, sem a qual o ato não pode ser reputado como ato administrativo; e, (iii) a publicidade, ou seja, a efetiva disponibilidade do ato para os destinatários de seus efeitos jurídicos (FRANÇA, 2007).

Os pressupostos de validade do ato administrativo são: (i) o sujeito, que compreende a pessoa que emite o ato; (ii) o motivo, abrangendo os pressupostos de fato e de direito do ato; (iii) os requisitos procedimentais, que

16 Vide a Súmula n.º 346 e a Súmula n.º 473, ambas do Supremo Tribunal Federal.Vide o art. 53 da Lei Federal n.º 9.784, de 29 de janeiro de 1999 (“Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal”).

Page 209: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

209Vladimir da Rocha França

constituem os atos jurídicos que devem compor o processo administrativo para expedição do ato; (iv) a finalidade, o interesse público que o ato deve visar no caso concreto; (v) a causa, concernente à relação de proporcionalidade que deve haver entre o pressuposto de fato e o conteúdo do ato, à luz da finalidade; e (vi) a formalização, que diz respeito ao revestimento exterior que o ato deve ter na realidade social (BANDEIRA DE MELLO, 2010; e FRANÇA, 2007).

O ato administrativo pode apresentar as seguintes invalidades: (i) vício quanto ao conteúdo, que ocorre quando as normas postas pelo ato são incompatíveis com as normas jurídicas que lhes são superiores;17 (ii) vício quanto ao sujeito, configurado quando a pessoa ou o órgão que emite o ato não tem competência para fazê-lo, ou se há impedimento ou suspeição do agente público que o expediu;18 (iii) vício quanto ao motivo, em face da ausência do pressuposto de fato, da incompatibilidade entre o pressuposto de fato e o pressuposto de direito, ou pela invalidade do pressupostos de direito;19 (iv) vício quanto aos requisitos procedimentais, se algum destes não for realizado ou o tenha sido de forma defeituosa;20 (v) vício quanto à finalidade, na hipótese em que o interesse visado com a expedição do ato seja incompatível com o interesse público que justificou a outorga da competência administrativa exercida no caso concreto;21 (vi) vício quanto à causa, na violação ao princípio da proporcionalidade com a expedição do ato;22 (vii) vício quanto à formalização, havendo descompasso entre o revestimento exterior do ato e aquele que deveria ter sido empregado no mesmo23 (BANDEIRA DE MELLO,

17 Vide o art. 5º, II, e o art. 37, caput, ambos da Constituição Federal.Vide o art. 2º, “c”, e parágrafo único, “c”, da Lei Federal n.º 4.717, de 29 de junho de 1965 (“Regula a ação popular”).Vide o art. 2º, caput, parágrafo único, I, IV e VI, da Lei Federal n.º 9.784/1999.18 Vide o art. 5º, LIII, da Constituição Federal.Vide o art. 2º, “a”, e parágrafo único, “a”, da Lei Federal n.º 4.717/1965.Vide os arts. 11 a 15 da Lei Federal n.º 9.784/1999.19 Vide o art. 2º, “d”, e parágrafo único, “d”, da Lei Federal n.º 4.717/1965.20 Vide o art. 5º, LIV a LVI, da Constituição Federal.Vide o art. 2º, “b”, e parágrafo único, “b”, da Lei Federal n.º 4.717/1965.Vide o art. 2º, caput, e parágrafo único, V, VIII, X, XI e XII, da Lei Federal n.º 9.784/1999.21 Vide o art. 5º, LXIX, da Constituição Federal.Vide o art. 2º, “e”, e parágrafo único, “e”, d Lei Federal n.º 4.717/1965.Vide o art. 2º, caput, e parágrafo único, II, III e IV, da Lei Federal n.º 9.784/1999.22 Vide o art. 2º, “c”, e parágrafo único, “c”, da Lei Federal n.º 4.7171965.Vide o art. 2º, caput, e parágrafo único, VI, da Lei Federal n.º 9.784/1999.23 Vide o art. 2º, “b”, e parágrafo único, “b”, da Lei Federal n.º 4.717/1965.Vide o art. 2º, caput, e parágrafo único, VII e IX, da Lei Federal n.º 9.784/1999.

Page 210: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

210 O CONTROLE JURISDICIONAL DO ATO ADMINISTRATIVONO DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO

2010; e FRANÇA, 2007). As invalidades do ato administrativo podem ser insanáveis ou

sanáveis. As invalidades insanáveis – as nulidades – impõem a invalidação do ato administrativo. Já as invalidades sanáveis – as anulabilidades – podem impor a convalidação, se não houver lesão ao interesse público nem prejuízo a direito de terceiro (BANDEIRA DE MELLO, 2010; FRANÇA, 2007; e ZANCANER, 1993).

A invalidação judicial do ato administrativo deverá compor o cerne do provimento jurisdicional de mérito visado pelo autor da ação caso queira eliminar os seus efeitos jurídicos, tanto na defesa do interesse individual como na defesa do interesse público. É o que se verá a seguir.

5. A TUTELA JURISDICIONAL ADEQUADA PARA O CONTROLE DO ATO ADMINISTRATIVO

Partindo-se da premissa de que o provimento jurisdicional de mérito deve assegurar, na medida do possível, a integralidade do direito subjetivo previsto no sistema do Direito Positivo (DINAMARCO, 2001, v. 1), faz-se necessário identificar qual a tutela jurisdicional adequada para retirada do ato administrativo desse ordenamento quando este provimento se encontra eivado de invalidade.

Em rigor, a invalidação judicial do ato administrativo compreende a expedição de um provimento jurisdicional de mérito que, ao registrar a invalidade (nulidade ou anulabilidade), determina: (i) a quebra a validade do ato administrativo viciado; (ii) a desconstituição dos efeitos jurídicos deste provimento administrativo; e, (iii) a restauração material da situação anterior aos seus efeitos sociais ou, se isto for impossível, a recomposição pecuniária pelos danos sofridos (FRANÇA, 2007).

Recorde-se, mais uma vez, que o provimento administrativo somente passa da categoria de válido para a de inválido mediante a invalidação. Até lá, o ato se presume válido e deverá ser observado pelo seu destinatário sob pena de sofrer a sanção que lhe for cabível.

Não há como se afastar definitivamente da esfera de direitos individuais do administrado os efeitos jurídicos e sociais do ato administrativo sem a sua invalidação. E, caso o provimento administrativo seja ineficaz, somente a sua invalidação ensejará uma proteção efetiva do administrado que não deseja ser atingido no futuro por aquele provimento da administração

Page 211: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

211Vladimir da Rocha França

pública.Logo, a invalidação judicial do ato administrativo é veiculada

mediante a tutela jurisdicional constitutiva,24 haja vista ensejar a extinção desse ato jurídico e dos correspondentes efeitos no sistema do Direito Positivo, com a natural criação, modificação ou extinção de relação jurídica entre o seu destinatário e a pessoa que o emitiu.

Caso não seja possível a restauração material da situação anterior aos efeitos sociais do ato invalidado mediante a tutela reparatória específica, torna-se cabível a tutela reparatória inespecífica (ou ressarcitória). Esta assegura ao destinatário do ato invalidado o direito a recomposição de seu patrimônio mediante indenização pecuniária.25

Nas situações de ameaça a direito individual do administrado em razão da iminência da expedição de ato administrativo, caberá a tutela jurisdicional inibitória caso for demonstrado o dever jurídico da administração pública de não emitir o referido provimento.

A tutela jurisdicional provisória de urgência, seja a antecipatória, seja a cautelar, também poderá ser empregada no controle jurisdicional do ato administrativo.26 Evidentemente, deverão ser observados os requisitos legais para a concessão dos provimentos jurisdicionais de urgência previstos no sistema do direito positivo, tanto na lesão como na ameaça a direito individual do administrado.

Também não se vê restrições no emprego da tutela jurisdicional provisória de evidência no controle do ato administrativo pelo Poder Judiciário, à luz do art. 311, II e IV,27 ambos da Lei Federal n.º 13.105/2015.

24 Sobre a matéria, convém recordar a seguinte lição de DINAMARCO:“Para a solução de situações da vida caracterizadas como crises das situações jurídicas a ordem processual oferece a tutela constitutiva, que consiste na criação, modificação ou extinção de alguma relação jurídica entre os litigantes. [...] Essa categoria de tutela jurisdicional tem cabimento quando o direito material estabelece o direito do litigante a uma modificação jurídica dessa ordem. A tutela constitutiva é a mais perfeita das que têm lugar no processo de conhecimento, porque a sentença já traz em si mesma a sua própria efetivação e o resultado desejado é produzido por ela própria, sem necessidade nem cabimento de processo executivo e sem contar, em momento algum, com a disposição do obrigado de obedecer ou a cumprir [...]” (2001, v. 1, p. 151).25 Sobre a matéria, consultar: DINAMARCO, 2001, v. 1.26 Vide o art. 273 e o art. 798, ambos da Lei Federal n.º 5.869/1973.Vide o art. 294 da Lei Federal nº 13.105/2015.27 Esse enunciado legal tem a seguinte redação:

Page 212: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

212 O CONTROLE JURISDICIONAL DO ATO ADMINISTRATIVONO DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO

Em princípio, essas considerações são aplicáveis à tutela jurisdicional coletiva que envolve o controle do ato administrativo. Os fatores que a distinguem da tutela jurisdicional individual residem basicamente na legitimação processual. Aspectos, sem sombra de dúvida, com grande impacto no controle jurisdicional do ato administrativo.

Na tutela jurisdicional individual, o controle do ato administrativo pelo Poder Judiciário somente pode ser validamente realizado caso o administrado demonstre que houve violação ou ameaça a direito individual que lhe seja pertinente, e que a restauração de sua esfera de direitos pressuponha a desconstituição daquele ato jurídico. Tanto a nulidade como a anulabilidade do ato administrativo poderão ser analisadas aqui de modo desembaraçado quando levantadas pelo demandante.

Já na tutela jurisdicional coletiva, deve-se demonstrar que o ato administrativo envolve a lesão ou ameaça a direito difuso ou coletivo.

Nesse caso, reconhece-se a legitimidade: (i) da pessoa natural que seja portadora de título de eleitor válido para propor ação popular;28 e, (ii) do Ministério Público, mediante ação civil pública ou ao intervir no processo por determinação legal.29

Quanto à iniciativa da própria Administração Pública, não se pode perder de vista que já existe a invalidação administrativa à sua disposição. Com efeito, a Administração Pública carece o interesse de agir ao propor ação judicial para a invalidação de ato administrativo que ela mesmo emitiu (FRANÇA, 2007).30 Entretanto, nesse caso, não se pode recusar à Administração

“Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:[...]II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;[...]IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável”.28 Vide o art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal.Vide o art. 1º, caput, e § 3º, da Lei Federal n.º 4.717/1965.29 Vide o art. 127, caput, e o art. 129, III e IX, ambos da Constituição Federal.Vide os arts. 81 a 85 da Lei Federal n.º 5.869/1973.Vide o art. 25, IV, “b”, da Lei Federal n.º 8.625, de 12 de fevereiro de 1993.Arts. 176 a 181 da Lei Federal n.º 5.869/1973.Sobre a matéria, consultar: FRANÇA, 2011.30 Vide o art. 3º da Lei Federal n.º 5.869/1973.Vide o art. 17 da Lei Federal n.º 13105/2015.

Page 213: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

213Vladimir da Rocha França

Pública a oportunidade de se contrapor à pretensão do administrado mediante a arguição da invalidade do ato administrativo, desde que ela comprove ter deflagrado o processo administrativo de invalidação, ou ter já ocorrido a invalidação administrativa.

Caso se trate de conflito entre entes estatais distintos, não se pode recusar o interesse e a legitimidade da Administração Pública de requerer a invalidação judicial de ato administrativo que ela não emitiu.

Por fim, no que concerne à coisa julgada, teoricamente o alcance dos efeitos da sentença judicial que determinar a invalidação do ato administrativo terá o alcance restrito às partes, ou estendido à toda a sociedade, conforme a natureza individual ou coletiva da tutela jurisdicional prestada. Todavia, como os atos administrativos veiculam normas individuais, dificilmente os destinatários do ato invalidado deixam de ser atingidos pela invalidação judicial, à luz do devido processo legal.

6 LIMITES AO CONTROLE JURISDICIONAL DO ATO ADMINISTRATIVO

É cediço que o único juízo que o Poder Judiciário tem legitimidade para aplicar na apreciação dos atos administrativos, é o juízo de juridicidade (FRANÇA, 2000). Deve se limitar a verificar a compatibilidade desse provimento estatal com as demais normas jurídicas, ou seja, verificar se há ou não invalidade nele, assim como a determinar a sua retirada do sistema do Direito Positivo diante da constatação de vício (BANDEIRA DE MELLO, 2010; e FRANÇA, 2000).

Trata-se de imperativo do princípio da separação dos poderes.31

Por essa razão, os requisitos do ato administrativo que foram compostos pela Administração Pública com amparo no juízo de oportunidade somente podem ser revistos pelo Poder Judiciário quando constatado algum atentado às demais normas componentes do ordenamento jurídico em vigor (FRANÇA, 2000; e FRANÇA, 2007).

A discricionariedade administrativa consiste no processo jurídico-político de decisão, no âmbito da função administrativa e determinado por lei, que permite a inserção de elementos meta-jurídicos na produção do ato administrativo, mediante a outorga de espaço para o juízo de oportunidade da autoridade competente (FRANÇA, 2000).

31 Vide o art. 2º, e o art. 60, § 4º, III, da Constituição Federal.

Page 214: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

214 O CONTROLE JURISDICIONAL DO ATO ADMINISTRATIVONO DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO

Assim, a atividade administrativa se ajusta às demandas políticas, sociais e econômicas que são dirigidas ao Estado, sem a perda de sua integridade processual (FRANÇA, 2000).

Com efeito, na discricionariedade administrativa, duas ou mais opções de conduta são consideradas lícitas na aplicação da lei pela Administração Pública, cabendo ao Poder Judiciário respeitar a integridade e permanência do ato administrativo no sistema do Direito Positivo, quando não se identifica invalidade (BANDEIRA DE MELLO, 1992; BANDEIRA DE MELLO, 2010; SEABRA FAGUNDES, 2005; e TÁCITO, 1997).

Mas não há um ato administrativo integralmente discricionário, pois a lei nunca deixa de disciplinar com um mínimo de densidade normativa todos os requisitos dos atos administrativos. Razão pela qual todo ato administrativo é passível de revisão judicial (SEABRA FAGUNDES, 2005).

O que a lei permite é o emprego do juízo de oportunidade no momento da expedição desses provimentos estatais, ou na composição parcial de alguns desses requisitos. Isso autoriza a Administração Pública, no plano normativo, dispor de duas ou mais opções lícitas de conduta.

Entretanto, no plano do caso concreto, é possível haver a comprovação de que somente uma das opções outorgadas abstratamente pela lei é lícita em razão das especificidades da situação que se apresentou à Administração Pública (BANDEIRA DE MELLO, 2010).

Em outros casos, a lei emprega os chamados conceitos jurídicos fluidos na disciplina do ato administrativo. Padecentes de considerável grau de ambiguidade e vagueza, esses conceitos tornam mais árido o desforço hermenêutico para elucidá-los na interpretação e aplicação da lei que os utiliza. Mesmo assim, essa técnica legislativa não enseja a identificação da outorga de espaço para o juízo de oportunidade no plano normativo (FRANÇA, 2000).32

Todavia, se o juízo de juridicidade do Poder Judiciário não consegue fazer cessar a fluidez do conceito jurídico legal, deve-se considerar lícita a opção hermenêutica da Administração Pública (FRANÇA, 2007). Entretanto, há maior espaço para a prevalência do juízo de juridicidade do Poder Judiciário

32 Em sentido contrário, consultar: BANDEIRA DE MELLO, 1992; e BANDEIRA DE MELLO, 2010.Há interessante posição doutrinária no sentido de que existe a atividade administrativa não vinculada, que se subdivide na aplicação de conceitos jurídicos fluidos pela Administração Pública e na decisão tomada em face de um rol de opções lícitas de conduta (cf. OLIVEIRA, 1999).

Page 215: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

215Vladimir da Rocha França

em face dos conceitos jurídicos de perfil mais axiológico. Mesmo assim, diante de conceitos de outras áreas do conhecimento humano positivados pela lei, deve-se respeitar o juízo de juridicidade da Administração Pública diante de controvérsia técnico-científica.33

Não se deve perder de vista a relatividade da competência discricionária (BANDEIRA DE MELLO, 2010).

De todo modo, o exame da estrutura do ato administrativo para a identificação da presença de invalidade pressupõe a interpretação e aplicação dos princípios do regime jurídico-administrativo (FREITAS, 2004). Notadamente, daqueles princípios que constituem garantias fundamentais do administrado, cuja eficácia se encontra reforçada pelo art. 5º, § 1º,34 da Constituição Federal.

A análise do ato administrativo sob a perspectiva dos princípios da legalidade,35 da publicidade,36 da motivação,37 e do devido processo legal,38 não há dúvida de que deve sempre prevalecer o juízo de juridicidade do Poder Judiciário.39

Já no que concerne a princípios como a moralidade,40 a igualdade,41 a finalidade,42 e a razoabilidade43 a incapacidade material do Poder Judiciário de fazer cessar a fluidez do conceito jurídico legal no caso concreto pode obrigá-lo a respeitar a integridade do juízo de juridicidade da Administração

33 Sobre a matéria, consultar: MORAES, 1999.34 Esse enunciado constitucional tem a seguinte redação:“Art. 5º [...]§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.35 Vide o art. 5º, II, e art. 37, caput, da Constituição Federal.Vide o art. 2º, caput, e parágrafo único, I, da Lei Federal n.º 9.784/1999.36 Vide o art. 37, caput, da Constituição Federal.Vide o art. 2º, caput, e parágrafo único, V, da Lei Federal n.º 9.784/1999.37 Vide o art. 2º, caput, e parágrafo único, VII, da Lei Federal n.º 9.784/1999.38 Vide o art. 5º, LIII, LIV, LV, LVI e LXXVIII, da Constituição Federal.Vide o art. 2º, caput, e parágrafo único, VIII a XII, da Lei Federal n.º 9.784/1999.39 Notadamente no sujeito, no conteúdo, no motivo, nos requisitos procedimentais e na formalização do ato administrativo.40 Vide o art. 5º, LXXIII, e o art. 37, caput, e § 4º, ambos da Constituição Federal.Vide o art. 2º, caput, e parágrafo único, IV, da Lei Federal n.º 9.784/1999.41 Vide o art. 5º, caput, e I, e o art. 37, caput, ambos da Constituição Federal.42 Vide o art. 5º, II, e § 2º, da Constituição Federal.Vide o art. 2º, caput, e parágrafo único, III e XIII, da Lei Federal n.º 9.784/1999.43 Vide o art. 1º, caput, e o art. 5º, § 2º, ambos da Constituição Federal.Vide o art. 2º, caput, da Lei Federal n.º 9.784/1999.

Page 216: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

216 O CONTROLE JURISDICIONAL DO ATO ADMINISTRATIVONO DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO

Pública e, portanto, que ensejou o ato administrativo.44 Em se tratando de incompatibilidade objetiva entre esse provimento estatal e tais princípios, prevalecerá naturalmente o juízo de juridicidade do órgão jurisdicional.

O controle da proporcionalidade45 dos atos administrativos reside essencialmente na sua causa. Se a causa do ato administrativo já se encontra exaustivamente delineada na lei e, mesmo assim, há inconformismo do administrado, este deverá arguir a inconstitucionalidade desta para quebrar a validade daquele provimento estatal. Por outro lado, se a lei deixa para a Administração Pública espaço para escolher a intensidade e a extensão da medida exigida pelo interesse público no caso concreto, caberá ao Poder Judiciário a última palavra sobre a validade da providência eleita.

Por fim, o controle da eficiência administrativa46 não pode ser realizado pelo Poder Judiciário em toda a sua plenitude. Sob a ótica desse princípio, as ações administrativas devem ser analisadas sob o juízo de prognose. Como se trata da confrontação entre a medida eleita e as metas previamente estabelecidas que justificaram aquela eleição, faz-se necessário aguardar a concretização do ato administrativo e seu efetivo impacto socioeconômico para aferir a sua eficiência (cf. FRANÇA, 2000).

Pode-se ressalvar a hipótese de que o ato administrativo expedido comprovadamente é ineficiente, em razão de experiências pretéritas.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário representa uma das garantias mais importantes para a estabilidade do próprio Estado brasileiro. Ao se examinar o seu sentido, conteúdo e alcance, verifica-se que se mostra imprescindível para reprimir as lesões e prevenir as ameaças à esfera de direitos dos administrados.

Não se pode perder de vista que, como todo e qualquer instrumental, o bom e constitucional manejo da ferramenta técnico-jurídica pressupõe o compromisso político-filosófico e ético do magistrado com os

44 O foco aqui é dirigido ao motivo e à finalidade do ato administrativo.Sobre a matéria, consultar: BANDEIRA DE MELLO, 1992; e TÁCITO, 1997, v. 1.45 Vide o art. 1º, caput, e o art. 5º, § 2º, ambos da Constituição Federal.Vide o art. 2º, caput, e parágrafo único, VI, da Lei Federal n.º 9.784/1999.46 Vide o art. 37, caput, e o art. 70, caput, e o art. 74, II, da Constituição Federal.

Page 217: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

217Vladimir da Rocha França

valores consubstanciados pela Constituição Federal.A substituição arbitrária do juízo de oportunidade da Administração

Pública pelo juízo de oportunidade do Poder Judiciário consiste em violação frontal e grave ao princípio constitucional da separação dos poderes. Mas é justamente esse princípio fundamental que exige do Poder Judiciário que restaure a juridicidade quando esta foi violada ou se encontra ameaçada pela Administração Pública.

REFERÊNCIAS

AMARAL, Antônio Carlos Cintra do. Extinção do ato administrativo. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1978.

ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2 ed. Atualização por Rosalea Miranda Folgosi. São Paulo, Malheiros Editores, 1998.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade administrativa e controle jurisdicional. São Paulo, Malheiros Editores, 1992.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 27 ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2010.

BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 6 ed. Tradução de Maria Celeste C. J. Campos. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1995.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12 ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2002.

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 2 ed. São Paulo, Editora Saraiva, 1999.

Page 218: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

218 O CONTROLE JURISDICIONAL DO ATO ADMINISTRATIVONO DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO

DANTAS, Ivo. O valor da Constituição: do controle de constitucionalidade como garantia da supralegalidade constitucional. Rio de Janeiro, Renovar, 1996.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo, Malheiros Editores, 2001, v. 1.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 34 ed. São Paulo, Editora Saraiva, 2008.

FRANÇA, Vladimir da Rocha. Invalidação judicial da discricionariedade administrativa no regime jurídico-administrativo brasileiro. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2000.

FRANÇA, Vladimir da Rocha. Estrutura e motivação do ato administrativo. São Paulo, Malheiros Editores, 2007.

FRANÇA, Vladimir da Rocha. Invalidação do ato administrativo por iniciativa do Ministério Público no Direito brasileiro. Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo, v. 56, pp. 213-218, 2011.

FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 3 ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2004.

KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. 3 ed. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo, Martins Fontes, 1991.

KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado. 2 ed. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo, Martins Fontes, 1992.

Page 219: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

219Vladimir da Rocha França

KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. Tradução do alemão por Alexandre Klug. Tradução do italiano por Eduardo Brandão. Tradução do francês por Maria Ermantina Galvão. São Paulo, Martins Fontes, 2003.

MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira. Controle concentrado de constitucionalidade: comentários à Lei n. 9.868, de 10-11-1999. São Paulo, Editora Saraiva, 2001.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6 ed. São Paulo, Editora Saraiva, 2011.

MORAES, Germana de Oliveira. Controle jurisdicional da administração pública. São Paulo, Dialética, 1999.

NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. Direitos fundamentais e arguição de descumprimento de preceito fundamental. Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris Editor, 2004.

SARAIVA, Paulo Lopo. A Constituição deles não é a nossa. Natal, Cooperativa Cultural da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 1993.

REALE, Miguel. O Estado Democrático de Direito e o conflito das ideologias. São Paulo, Editora Saraiva, 1998.

SEABRA SEABRA FAGUNDES, Miguel. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 7 ed. Atualização por Gustavo Binenbojm. Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2005.

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7 ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2008.

Page 220: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

220 O CONTROLE JURISDICIONAL DO ATO ADMINISTRATIVONO DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO

TÁCITO, Caio. Temas de direito público (estudos e pareceres). Rio de Janeiro, Renovar, 1997, v. 1.

VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do Direito Positivo. São Paulo, Max Limonad, 1997.

VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4 ed. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2000.

ZANCANER, Weida. Da convalidação e da invalidação dos atos administrativos. 3 ed. São Paulo, Malheiros Editores, 1993.

THE CONTROL OF ADMINISTRATIVE ACTS BY THE JUDICIARY IN THE CONTEXT OF BRAZILIAN LOW

ABSTRACT

The right to judicial review of administrative acts is one of the constitutional guarantees of the rights in the Brazilian Positive system. In the presence of invalidity in the administrative act, it is necessary to identify the appropriate legal protection and its limits to prevent excessive intervention of the Judiciary in Public Administration. When examining the meaning, content and scope, it appears that shows essential to suppress the lesions and prevent threats to the sphere of rights of citizens. The arbitrary substitution of judgment opportunity Public Administration by the Judiciary opportunity to judgment consists of front and serious violation of the constitutional principle of separation of powers. But it is precisely this fundamental principle which requires the judiciary

Page 221: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

221Vladimir da Rocha França

to restore the legality when it has been violated or is threatened by the Government.

Keywords: Administrative Act - Public administration - Judiciary - Judicial review.

Page 222: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista
Page 223: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

Todas as normas que regem a publicação de artigos na trigésima oitava edição da Revista Jurídica In Verbis encontram-se disponíveis para download no site oficial do periódico – www.inverbis.com.br -, na seção “Normas”. As referidas normas consistem em Edital e Guia de Normas, este anexo àquele. Na supradita seção, há também um artigo modelo elaborado, a convite, pelo Professor Igor Alexandre Felipe de Macêdo.

Regras de Publicaçãopara a Próxima Edição

Page 224: Publicação Semestral dos Acadêmicos do Curso de Direito da ... · convidado para, na condição de professor na nossa querida UFRN e de um dos idealizadores e fundadores da Revista

Revista impressa pela Impressão Gráfica.