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Jéssica Dantas de Medeiros
QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E FUNDAMENTOS SOCIO-
HISTÓRICOS NA REALIDADE BRASILEIRA.
Natal, UFRN.
2013
2
JÉSSICA DANTAS DE MEDEIROS
QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E FUNDAMENTOS SOCIO-
HISTÓRICOS NA REALIDADE BRASILEIRA.
Monografia apresentada ao Curso de Serviço Social
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
como requisito parcial para obtenção do título de
Bacharel em Serviço Social.
Orientadora: Tassia Rejane Monte dos Santos
Natal, UFRN
2013
3
Catalogação da Publicação na Fonte.
UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Medeiros, Jéssica Dantas de.
Questão Racial e o pauperismo: relação e fundamentos socio-históricos na realidade brasileira/ Jéssica
Dantas de Medeiros. - Natal, RN, 2013.
110f.
Orientadora: Prof.ª M. Sc. Tassia Rejane Monte dos Santos.
Monografia (Graduação em Serviço social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de
Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Serviço social.
1. Questão racial – Monografia. 2. Movimentos sociais - Monografia. 3. Políticas sociais - Monografia. 4.
Capitalismo - I Monografia. Santos, Tassia Rejane Monte dos. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
III. Título.
RN/BS/CCSA CDU 364:316.347
4
Jéssica Dantas de Medeiros
QUESTÃO RACIAL E PAUPERISMO
Monografia apresentada ao Curso de Serviço Social
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
como requisito parcial para obtenção do título de
Bacharel em Serviço Social.
__________________________________
Ms. Tassia Rejane Monte dos Santos - UFRN
(Orientadora)
____________________________________
Drª Maria Regina de Ávila Moreira – UFRN
(Membro Examinadora)
____________________________________
Drª Andréa Lima da Silva – UFRN
(Membro Examinadora)
Natal, 10 de junho de 2013.
5
A minha amada mãe Maria de Lima,
pelo amor e dedicação.
A minha venerada vó Geracina de Lima,
pelo cuidado e ternura incondicional a mim
dedicados durante parte de sua vida.
6
AGRADECIMENTOS
A todos que contribuíram para a construção e realização deste trabalho ficam
expressos aqui o meu agradecimento, especialmente:
À Professora Tássia Rejane Monte, pela orientação, pelo aprendizado e apoio em
todos os momentos indispensáveis.
Aos meus amigos e colegas de turma, pela ampla troca de experiências e
companheirismo no decorrer desses quatro anos de curso.
A todo o corpo docente do Departamento de Serviço Social, especialmente Aos
professores Regina de Ávila, João Dantas e Rosangela Alves pela dedicação e
comprometimento com uma formação profissional que ultrapassa o âmbito profissional,
incidindo também em nossas vidas. Aos bibliotecários e toda a equipe técnica da UFRN pela
ajuda incondicional ao longo dessa minha caminha na universidade.
Agradeço, principalmente, as minhas eternas e amadas amigas pelo carinho recíproco
e companheirismo compartilhado durante esses quatro anos. Sou muito grata a Klésia,
Vanessa, Ana Carolina, Aline, Priscilla e Miclécia por fazerem parte da minha história de vida
e por estarem comigo em todos os momentos. Muito aconteceu nesses quatro anos e, vocês
estiveram comigo em nos momentos mais intensos da minha vida, tanto os piores e como nos
melhores, obrigada pelo amor e por não me abandonarem!
A minhas amadas amigas Jéssica Roberta, Gabriela Nascimento e Maria das Graças
por estarem sempre presentes em minha vida. Agradeço também a Judson Nascimento,
Alysson, Allan, Sandrinho, Rogério, João Carlos pelo carinho e paciência.
A minha mãe Maria de Lima, a quem dedico este trabalho. É dela de onde vem toda a
força que me motiva a lutar, resistir e a vencer todos os desafios cotidianos.
A minha vó Geracina Lima, que já não está mais entre nós, mas que sempre cuidou e
orou por mim para que eu conseguisse sempre a realização dos meus sonhos.
A minha família, a qual sinto tanta falta de ter por perto, mas que sempre me apoiam
em todos os momentos da minha vida. A minha prima Luciene Dantas, a quem considero
como uma mãe. Obrigada por me proteger, me amar e, por me ensinar os princípios e valores
que fazem parte da minha vida.
Ao meu amor, por toda a felicidade e pelos momentos de alegrias, te amo! A todos
que, de alguma forma, contribuíram para esta realização deste trabalho: Um muito Obrigado!
7
Eu – Mistério
Sou um mistério.
Vivo mil mortes Que todos os dias
Morro
Fatalmente.
Por todo mundo
O meu corpo retalhado
Foi espalhado aos pedaços
Em explosões de ódio
E ambição
E cobiça de glória.
Perto e longe Continuam massacrando-me a carne
Sempre vida e crente
No raiar dum dia
Que há séculos espero.
Um dia
Que não seja angustia
Nem já esperança.
Dia
Dum eu – realidade.
(AGUSTINHO NETO, 1947)
8
RESUMO
Este trabalho é resultado de uma pesquisa científica de cunho qualitativo, na área do Serviço
Social, sobre a questão racial no Brasil. Apreendida a partir da análise das categorias de
exploração e pauperismo, constructos analíticos fundamentais para crítica das estruturas
sociais vigentes, constatamos que a questão racial se assenta em contradições sociais e raciais
necessárias à reprodução da sociedade do capital. Um dos principais objetivos dessa
investigação foi analisar a questão racial, a partir do desvelamento das condições objetivas de
vida da população negra no país, sedimentadas no pauperismo, cujas evidências vem sendo
historicamente, camufladas pelo sustentáculo ideo-conservador do que a sociologia crítica
brasileira denominou de “mito da democracia racial”. Para tanto, como recurso teórico-
metodológico realizamos uma revisão bibliográfica, bem como uma análise crítica de dados
estatísticos, acerca da população brasileira, os quais auxiliaram na apreensão e reflexão sobre
as problemáticas raciais e seus determinantes sociais, tendo em vista a pesquisa sobre a
relação entre a questão racial e o pauperismo no Brasil. Os resultados mostram que as
desigualdades raciais existentes no país estão ligadas diretamente ao pauperismo da população
negra no Brasil, podendo ser compreendida como resultado de uma formação sócio-histórica
brasileira fundada nas crueldades e abusos legitimados pelo regime escravocrata deste o
tempo da colonização, sendo fomentada pelo desenvolvimento da sociabilidade capitalista, a
qual vem utilizando a reatualização do racismo como meio de atender suas necessidades,
tendo repercussões até os dias atuais. Apresentamos ainda uma breve análise das expressões
do movimento negro, formas de resistência e luta da população negra frente às desigualdades
raciais que incidem no preconceito e discriminação racial e de cor postas nas condições
objetivas e subjetivas de vida da população negra pauperizada. Por isso, ratificamos, ainda
que contraditoriamente, dado os limites e desafios que perpassam as políticas públicas, a
necessidade de ampliação e consolidação de políticas universais, bem como de ações
afirmativas, no enfrentamento à questão racial. Nesse sentido, compreendemos que a
organização coletiva expressa por muitas lutas e resistências se constitui na principal maneira
de superar as problemáticas raciais, a qual deve ser pautada na crítica às bases que produzem
e reproduzem as desigualdades sociais e, consequentemente, as opressões raciais.
Palavras-chave: Questão racial. Pauperismo. Capitalismo. Movimentos sociais. Políticas
Sociais Afirmativas.
9
ABSTRACT
This work is a result of scientific research of a qualitative nature, in the field of Social Work,
on the issue of race in Brazil. Seized from the analysis of the categories of exploration and
pauperism, analytical constructs central to criticism of existing social structures, we found
that the racial issue rests on social and racial contradictions necessary for social reproduction
of capital. A major objective of this investigation was to analyze the racial question, from the
unveiling of the objective conditions of life of the black population in the country, sedimented
in pauperism, whose evidence has been historically, camouflaged by mainstay ideo-
conservative than the critical sociology Brazilian named the "myth of racial democracy."
Therefore, as a resource theoretical and methodological conducted a literature review and a
critical analysis of statistical data on the population, which assisted in the apprehension and
reflection on the problems of racial and social determinants, in order to research on the
relationship between the racial and pauperism in Brazil. The results show that racial
inequalities in the country are linked directly to the pauperism of the black population in
Brazil, can be understood as the result of a socio-historical formation Brazilian founded the
cruelties and abuses this slave regime legitimated by the time of colonization, being promoted
the development of capitalist sociality, which has been using the reviving of racism as a
means to meet their needs, with repercussions to the present day. We also present a brief
analysis of the expressions of the black movement, forms of resistance and struggle of black
people face racial inequality that focus on prejudice and racial discrimination and color put in
the objective and subjective conditions of life of the black population lives in extreme
poverty. Therefore, ratify, even contradictory, given the limits and challenges that underlie
public policies, the need for expansion and consolidation of universal policies and affirmative
action, in dealing with the issue of race. In this sense, we understand that the collective
organization expressed through many struggles and resistance constitutes the main way to
overcome racial issues, which should be based on critical bases that produce and reproduce
social inequalities and thus racial oppression.
Keywords: racial issue. Pauperism. Capitalism. Social movements. Social Policy Statements.
10
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Participante da marcha do Movimento Negro Unificado, em São Paulo,
novembro de 1979.
78
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Pessoas de 10 anos ou mais de Idade, por cor ou raça e as classes de
rendimento nominal mensal – Brasil – 2010.
58
Tabela 2 Valor médio do rendimento mensal total nominal das pessoas de 10 anos ou
mais de idade, residentes em domicílios particulares permanentes, por cor
ou raça. – 2010
63
11
LISTA DE SIGLAS
CECAN Grupo Afro-Latino América, Câmara do Comércio Afro-Brasileiro.
CUT Central Única dos Trabalhadores.
FIES O Fundo de Financiamento Estudantil.
FNB Frente Negra Brasileira.
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
INSPIR Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial.
IPEA
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
MNU Movimento Negro Unificado.
MUCDR Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial (MUCDR).
ONU Organização das Nações Unidas.
PCB Partido comunista Brasileiro.
PIB Produto Interno Bruto
PME Pesquisa Mensal de Emprego.
PNSIPN Política Nacional de Saúde Integral da População Negra.
PRN Partido da Reconstrução Nacional.
PROUNI Programa Universidade para Todos.
PT Partido dos Trabalhadores.
REUNI Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais.
SPM Secretária de Políticas para Mulheres.
SUS Sistema Único de Saúde.
TEN Teatro Experimental do Negro.
UDN União Democrática Nacional.
UHC União dos Homens de Cor.
UNESCO Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura.
Unifem Fundo das Nações Unidas para as mulheres.
12
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.
13
2. A QUESTÃO RACIAL NO BRASIL: CONSIDERAÇÕES ACERCA DA
FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA.
24
2.1. O LUGAR DO NEGRO NA SOCIEDADE BRASILEIRA: O RACISMO
COMO ELEMENTO CONSTITUTIVO DO SISTEMA DE DOMINAÇÃO
CAPITALISTA.
25
2.2. PAUPERIZAÇÃO DA POPULAÇÃO NEGRA E MITO DA
DEMOCRACIA RACIAL: DESVELANDO OS FUNDAMENTOS SÓCIO-
HISTÓRICOS.
45
3. INCONFORMISMO E RESISTÊNCIA: EXPRESSÕES DE LUTA DA
POPULAÇÃO NEGRA NO BRASIL.
69
3.1. CONSCIÊNCIA POLÍTICA E MOVIMENTO NEGRO NO BRASIL.
71
3.2. POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO A QUESTÃO RACIAL:
CONQUISTAS, LIMITES E DESAFIOS HISTÓRICOS.
88
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 101
5. REFERÊNCIAS 104
13
1. INTRODUÇÃO
"Eu tenho um sonho. O sonho de ver meus filhos julgados pelo caráter, e não pela cor da pele.” Martin Luther King (1963).
Este estudo analisa a questão racial e os determinantes histórico-sociais que
condicionam a questão do negro na realidade social brasileira. Tendo por centralidade o
estudo da categoria pauperismo para a apreensão da questão racial no país. Nesse sentido,
mesmo compreendendo as problemáticas raciais como sendo determinadas por aspectos
histórico-culturais, psicológicos, sociais, políticos-ideológicos e econômicos, centralizamos
na crítica à sociabilidade capitalista, o qual se constitui como essencial a produção e
reprodução das condições de pauperização de vida da classe trabalhadora e população negra
no Brasil.
Assim, no presente estudo centralizamos nossa análise na apreensão das problemáticas
raciais e em seus determinantes histórico-sociais, tendo por componente basilar a
compreensão do pauperismo como elemento cotidianamente presente nas condições de vida
das população negra na realidade social brasileira. Ponderando também que essas populações
não são passíveis à barbárie social que as afronta, pois não somente sofrem as determinações
das precárias condições de sobrevivência, mas se mostram resistentes e organizados
politicamente a partir do questionamento e enfrentamento às situações de desigualdades
sociais e raciais, que vem historicamente constituindo as determinações do racismo. Assim
analisamos no decorrer do trabalho que as principais lutas e conquistas dos movimentos anti-
racistas, especialmente, dos movimentos Negros no Brasil, apresentam mediações que tecem
ações jurídico-formal, tais como Leis e políticas públicas. Mesmo com factíveis limites, são
conquistas importantes para o processo de afirmação social da diversidade racial no país.
A desvalorização do negro no processo de construção social, fruto de um racismo que
marca a cultura brasileira deste os tempos coloniais e, que consequentemente rebate na
condição desigual do negro na sociedade brasileira atualmente. E que embora, muitos estudos
ganhem grandes repercussões, tal como o estudo de Florestan Fernandes, impresso no clássico
livro “Integração do Negro na Sociedade de Classes” de 1978, compreendemos a importância
de estudos sobre a questão racial que fomentem reflexões e o debate sobre esta temática, que
embora tenha raízes no período colonial, ainda se constitui em um tema bastante atual, visto
que a configuração da questão racial na atualidade sobrevém enquanto dificuldades na vida
social de muitas mulheres e muitos homens negros.
14
Diante disso, compreendemos a importância deste estudo para a reafirmação dos
princípios defendidos pelo projeto ético político do Serviço Social, tendo em vista que a
construção de uma nova sociabilidade, como luta maior para superar as desigualdades sociais
intrínsecas ao sistema do capital, tendo em vista o fortalecimento das resistências e lutas
políticas para alcançar uma efetiva igualdade racial, enquanto pressuposto para a emancipação
humana. Pois compreendemos que não há emancipação humana com discriminação,
desigualdade social e racial e privação de liberdade.
No tocante a relevância acadêmica, este estudo é importante para promover a maior
apreensão da realidade social, em peculiar a questão racial, com o intuito de oferecer
subsídios para intervenções profissionais mais qualificadas no sentido de promover o
enfrentamento a preconceitos e discriminações raciais. Tendo em vista, os princípios
fundamentais do código de ética do Serviço Social (1993) que objetivam a defesa
intransigente dos direitos humanos, a consolidação da cidadania, defesa da democracia,
justiça e igualdade social.
Para a realização dos nossos estudos, tendo em vista o conhecimento e análise dos
principais elementos que perpassam a “questão racial” no Brasil, buscamos apreender o
pauperismo para analisar as particularidades desta questão na sociabilidade do capital.
Realizamos uma análise baseada na teoria social marxista, compreendendo que o objeto da
presente pesquisa é fruto das contradições do sistema de produção capitalista, e a população
pesquisada também concebe todas as contradições sociais existentes em nossa sociedade as
quais são inerentes ao capitalismo. Nesse sentido, não reduzimos a questão racial a dimensão
economicista ou política, pois também compreendemos esta como sendo permeada e
determinada por aspectos totalizantes que influem na cultura, ideologia e demais instâncias
sociais. No entanto, de maneira concisa, centralizamos nossas análises na crítica as relações
sociais reproduzidas pelo modo de sociedade vigente, como meio de depreender o objeto
dessa análise. Assim, centralizaremos na apreensão dos determinantes universais que
interferem na questão racial no Brasil, mas também ponderamos as particularidades e
singularidades que determinam as relações raciais no país.
No tocante a dimensão teórico-metodológica, a pesquisa foi construída, a partir de
estudos das teorias sociais e da interlocução com trabalhos científicos acerca desta temática,
através do levantamento e estudo bibliográfico, bem como na análise de dados estatísticos,
sobretudo, das últimas pesquisas divulgadas pelo IBGE. Nesse sentido, dentre os principais
autores utilizados ao longo deste trabalho, fazemos referência às contribuições de Octavio
Ianni para a reflexão crítica sobre o “lugar” do negro no Brasil, articulando a outras reflexões
15
empreendidas por autores como Florestan Fernandes, Abdias Nascimento com o objetivo de
fomentar reflexões a cerca da questão racial e suas implicações para uma construção
sociohistorica do “Lugar” da população negra no Brasil. Utilizamos Karl Marx para
compreender os fundamentos da categoria pauperismo no marco da sociabilidade capitalista.
Para tanto, foi imprescindível a análise do processo da formação histórica e
sociocultural da população brasileira, ponderando o período sócio-histórico brasileiro
conhecido por “descobrimento”, quando o Brasil teria sido “descoberto” pelos portugueses,
emergente a partir das grandes navegações no século XVI no processo de expansão do
capitalismo, compreendendo este momento histórico como responsável pela formação das
bases que apoiaram a construção das relações raciais no país.
Dessa forma, buscamos compreender a questão racial no Brasil desde a sua gênese,
sendo necessário ponderarmos sobre o período de colonização, o qual é caracterizado pelo
regime escravista. E a escravidão, segundo Neto e Braz (2010) podem ser compreendidos a
partir do surgimento do excedente econômico e sua apropriação por aqueles que passaram a
explorar os produtores diretos, emerge, então, o modo de produção escravista. E no Brasil,
este modo de produção é caracterizado em primeiro momento, pela escravidão dos indígenas,
e mais intensamente, em um segundo momento, a partir da escravidão do negro africano,
conforme aponta Carvalho (2007) e Prado Junior (2000). Carvalho (2007) reconhece que a
colonização foi um empreendimento do governo colonial aliado a particularidades, contendo
uma conotação comercial, a qual estava associada ao desenvolvimento de uma sociabilidade
pautada no capital.
De acordo com Netto e Braz (2010), quando se analisou a possibilidade de um homem
produzir mais do que consome é o que se evidenciou o quanto era compensador escravizá-lo.
O excedente produzido por escravos torna-se mercadoria, e a partir disso, o comercio começa
a se desenvolver com o surgimento da atividade mercantil. Assim depreendemos que o
período colonial já nasce no sistema econômico capitalista. E nesse sentido, o negro ao
mesmo tempo em que se constitui em produtor de excedentes, também se constitui em uma
mercadoria. E é a partir dessa lógica que o tráfico negreiro foi incentivado, dentre outros
motivos, por ser uma atividade extremamente lucrativa (conforme Prado, 2009), e da
necessidade de mão-de-obra para a realização da vantajosa atividade de produção de açúcar.
Diante disso, Carvalho (2007) analisa que os escravos são importados, inicialmente, na
segunda metade do século XVI, e processo prosseguiu ininterrupta até 1822, tendo em vista
suprir a mão-de-obra necessária para a produção de riquezas sob a exigência do sistema
econômico capitalista no período colonial, tendo em vista sua expansão na Europa.
16
Para Prado Junior (2000), o também lucrativo tráfico africano foi intensificado ainda
para incremento da mão-de-obra para trabalho escravo depois das “leis pombalinas” (Lei de
proteção aos indígenas), sendo considerado como um tipo de escravidão mais “tranquila”,
visto que a escravidão do negro era justificada e aceita tanto do ponto de vista legal, a qual
tinha respaldo do Estado, quanto do ponto de vista ideológico e religioso.
Nesse contexto, para entendemos a gênese da questão racial no Brasil, foi necessário
compreendermos o desenvolvimento do sistema capitalista, o qual possui interferência no país
já no período de expansão do regime político colonialista. É nesse período que surge o negro
africano no contexto nacional, para sustentar o processo de expansão do sistema capitalista
comercial na Europa, a partir da necessidade, por parte dos colonos e produtores agrícolas, de
mão de obra para trabalhar nas fazendas produtoras de cana-de-açúcar. Denotando, a partir
disso, o estabelecimento de um processo chamado “tráfico negreiro”, no qual os coloniais
obrigavam populações negras a saírem do seu continente de origem (o continente africano)
para terem sua força de trabalho e seus corpos escravizados no Brasil, sendo obrigados a
viajar em péssimas condições nos navios negreiros. Dando início a um dos processos mais
cruéis e desumanos da história brasileira: o processo de escravidão da população negra.
Assim, analisamos que a escravidão dos negros no Brasil marca um período socio-
histórico permeado de opressões e dominações moldado pelo modo de organização social e
político vigente, que legitima a dominação de uma raça sobre outra. E nesse sentido, Fainello,
Scolaro (2007) discorrem sobre a escravidão no Brasil:
A escravidão desenraizava o negro de seu meio social e desfazia seus laços
familiares. Além dos trabalhos forçados, ele era usado como reprodutor de
escravos: era preciso aumentar o rebanho humano do senhor de engenho.
(FAINELLO; SCOLARO; FÉLIX; BORGES; CONCEIÇÃO, 2007, p.8).
Segundo Hasenbalg (1979), o domínio coercitivo dos senhores sobre os escravos de
forma cruel e desumana, está associado à ascensão da economia de plantação, que na época
do Brasil colônia já era firmada em bases do modo de produção capitalista, embora houvesse
as questões da tradição cultural.
Sendo assim, compreendemos ao longo deste trabalho que o processo de escravização
do negro africano no Brasil constitui-se em um processo de “abuso” de sua força de trabalho,
e também, como meio de destituí o negro de sua condição de pessoa humana, assim como
toda a sua objetividade e subjetividade enquanto sujeito social. Portanto, compreendemos que
historicamente, a partir da escravidão, houve uma impetuosa tentativa de destituí os negros de
sua cultura, de seus valores religiosos, políticos, por meio da sua exploração e opressão em
17
todos os âmbitos da sociedade. Esse processo culminou na construção social do que
analisamos como o “lugar” do negro nesta sociabilidade, como sendo um lugar de
subalternidade e de pauperização de sua situação de vida.
Ao ponderar a sociedade escravista, Fernandes (2010), analisa que alguns estudiosos
da escravidão têm encarado suas relações com o capitalismo da perspectiva das sociedades
metropolitanas. No entanto, Fernandes (2010, p. 39) afirma que como conexão imediata da
escravidão o capitalismo se desenvolveu não nas sociedades metropolitanas em geral, mas
“naquelas sociedades que podiam preencher hegemonia através do poderio polít ico-militar e
financeiro-comercial”. De acordo com Fernandes (2010), a escravidão se insere, com relativa
rapidez, entre os pré-requisitos tanto da eclosão capitalista modernizadora, quanto da
formação e consolidação do capitalismo comercial. Segundo o autor, a escravidão não apenas
alimentou a crise do regime escravocrata e senhorial, a qual foi responsável pelo seu
desaparecimento, como também a construiu, “sem a persistência da escravidão e a
transferência do excedente econômico que ela gerava para as cidades a “história” seria
inexequível”, ou seja, a escravidão do negro no Brasil esta articulada diretamente ao
desenvolvimento do sistema econômico capitalista e, mais que isso, para que esse sistema se
expandisse foi necessário descaracterizar o negro enquanto pessoa humana (o qual era assim
como qualquer homem, detentor das mesmas necessidades básicas e das mesmas limitações
físicas, psicológicas, sociais, culturais, espirituais) para encobri-lo de resignificados
pejorativos associados ao estigma da cor da pele, para poder justificar sua exploração violenta
durante 300 anos de escravidão no Brasil. Além de usar a violência para obrigá-lo a produzir
riquezas excedentes, as quais foram apropriadas pelos senhores coloniais e constituíram-se na
base para a construção sociohistorica e econômica da sociedade brasileira.
Assim, compreendemos que a escravidão da população negra esteve associada ao modo
de produção capitalista como uma forma lucrativa de exploração da força de trabalho, que se
caracterizou a partir da coisificação do negro e transformação de sua pessoa humana em
mercadoria para cultivo apenas de um sistema econômico pautado em contradições, e
afirmação de um sistema social centrada no poder de uns, em detrimento ao direito a
liberdade e dignidade humana a uma população historicamente subalternizada.
Nesse sentido, Florestan Fernandes (2010), compreende o período de colonização
brasileiro, como sendo possível estabelecer dois tipos de confronto: o primeiro, apanhando as
fases socioeconômicas da evolução do sistema de produção e de dominação econômica, e o
segundo confronto permite considerar as fases de evolução do sistema social de poder. Ou
seja, a escravidão vai perpassar e servir como base para a evolução e expansão do sistema de
18
produção capitalista no Brasil e para a evolução da política, a qual se constitui em duas eras
de emancipação: a primeira referente à continuidade do Estado Senhorial, e outra referente à
construção de um Estado burguês. É a partir dessa perspectiva que tentamos compreender os
determinantes históricos que incidiram diretamente nas condições atuais de vida da população
negra, compreendendo estes determinantes político-econômicos como basilares para a
apreensão das relações raciais desiguais estruturadas no país, a qual incide na exploração e
pauperização da população negra.
Analisamos também que ao longo desse período de escravização da população negra,
muitas revoltas sugiram nas fazendas e muitos escravos eram capturados ou mortos durante a
fuga, mas os que conseguiam fugir constituíam os quilombos (comunidades onde viviam a
população negra que conseguia fugir das senzalas). Ou seja, o negro também reagiu à
escravidão buscando sua liberdade, tendo em vista a conquista de uma vida digna. Havia
aqueles que conseguiam comprar sua “liberdade” ao contrair a Carta de Alforria, no entanto,
não tinham oportunidades e sofriam preconceitos e discriminações da sociedade. Nesse
sentido, analisaremos essas revoltas já como expressões de um inconformismo de sua
condição de escravo e as primeiras expressões do surgimento de uma organização da
população negra a qual culminou na emersão do um movimento negro no país.
Essa realidade começa a mudar quando, em meados do século XIX, a escravidão no
Brasil passou a ser contestada pela Inglaterra em consonância com as crescentes mudanças
socioeconômicas mundiais, tendo em vista a expansão e o desenvolvimento do sistema
capitalista. Assim, era necessária a superação da ordem social escravista para ampliar a
produção de riquezas e adquirir lucros, seria agora, fundamental a existência de “homens
livres” os quais pudessem também comprar mercadorias, e ainda serem “livres” para vender
sua força de trabalho.
Em 1888, a escravidão foi proibida no Brasil a partir do estabelecimento tardio da Lei1
Áurea. No entanto, esse importante marco legal que institui uma liberdade formal para os
escravos negros, na realidade é o mesmo que mascara a continuidade de explorações,
opressões e discriminações, e que nega oportunidades econômicas e condições dignas de vida
à população negra. A partir desta Lei, o Estado reconhece a liberdade do negro (liberdade
formal), mas não reconhece os danos causados pela escravidão à vida dessas pessoas, as quais
1 Analisamos que a lei da abolição da escravatura brasileira foi permeada por interesses contraditórios dos
movimentos mais progressistas, liberais e abolicionistas que pertenciam a segmentos modernos burgueses da
época. E nesse sentido, analisamos que a lei de abolição da escravatura foi instituída tendo em vista o
desenvolvimento e consolidação do sistema econômico capitalista no Brasil.
19
continuam aprisionadas pela falta de oportunidades, pela falta de amparo do Estado, pelo
racismo fruto de preconceitos e discriminações contra os negros, associado ao acirramento das
desigualdades sociais produzidas e reproduzidas pelo sistema capitalista.
Com o fim do sistema escravista no Brasil, se iniciam algumas transformações
econômicas e políticas no país decorrente do desenvolvimento de um novo modo de
produção, as quais repercutem nas relações de trabalho. Iniciam assim, a relação de
trabalhador assalariado caracterizado pela compra e venda da força de trabalho. Mas, também
analisamos a mudança no pensamento e cultura relacionados à questão racial no país, as quais
são essencialmente relevantes, no entanto, incapazes de resolver a questão do negro nessa
sociedade de classes.
No entanto, o modo de sociabilidade é o mesmo, mas em sua fase concorrencial. E o
sistema capitalista continua a se caracterizar pela contradição entre capital e trabalho a qual
lhe é fundante em todo o mundo, bem como a apropriação privada da terra e dos meios de
produção e da riqueza social que é gerada de forma coletiva, os quais geram desigualdades
sociais inerentes a este modo de produção. Assim, ponderamos que esse modo de produção se
sustenta a partir do trabalho explorado e alienado. E a partir desse processo de apropriação
privada da riqueza socialmente produzida, que compreendemos a existência da divisão da
sociedade em classes sociais, onde concebemos a sociedade capitalista como arena de lutas
entre classes, de um lado, a classe burguesa detentora dos meios de produção e, de outro, a
classe proletária a qual possui apenas a sua força de trabalho para vender e garantir sua
condição de vida. Dessa forma, salientamos que este sistema se constitui a partir de uma
estrutura bárbara, desigual, individualista que propicia discriminações e opressões reguladas
na dominação de uma classe hegemônica sobre outra.
Sendo assim, mesmo com o fim o sistema escravista, o trabalho na sociedade
capitalista continua a ser um trabalho explorado. Segundo (trabalhadores de todo o mundo,
uni-vos!) Marx dizia que o trabalhador na sociedade capitalista esta sendo explorado tal como
fora na sociedade escravocrata e na feudal. E a partir disso, ponderamos uma contradição na
“liberdade” estabelecida aos escravos em 1888, a qual liberta os negros de uma sociedade
escravista (onde deveriam obedecer a um dono), mas os aprisionam na sociabilidade
capitalista, a qual continua a depender do trabalho explorado. Assim, o negro deixa de ser
escravo, mas continua a ser explorado na condição de trabalhador assalariado. Constituindo a
“liberdade formal” em uma ideologia para mascarar a constante condição de exploração do
trabalho da população negra no Brasil até os dias de hoje.
20
Compreendemos assim, que a questão racial no Brasil está associada à categoria do
pauperismo no sistema capitalista. Visto que, segundo Santos (2007), Karl Marx foi que
sempre criticou a “mistificação” da sociedade capitalista e criou a teoria do pauperismo, a
qual é capaz de envolver as lutas dos trabalhadores tanto contra a pobreza quanto contra a
desigualdade. Conforme Santos (2007, p.1), esta categoria está “calcada na centralidade das
categorias trabalho, alienação/fetichismo e exploração”. E o negro no Brasil historicamente,
sempre esteve em uma situação subalternidade, sendo uma população constituinte
basicamente da classe trabalhadora, e nesse sentido sua condição social e política também é
determinado pelo pauperismo existente no modo de sociabilidade vigente, além dos
determinantes culturais.
Segundo Netto (2001), o fenômeno do pauperismo surge no século XIX durante a
primeira onda de industrialização na Europa, mediante a instauração do capitalismo em seu
estagio industrial-concorrencial, sendo expresso pela intensificação da pobreza e desigualdade
social, dando início as primeiras lutas de classe. A partir disso, vemos que o pauperismo não
se constitui em uma condição insueta no capitalismo, mas sim, em um fato inerente a este
sistema, o qual necessita das desigualdades sociais para se sustentar.
E é nesse modo de sociabilidade que as opressões e desigualdades raciais ganham
força, sendo no pauperismo um dos elementos para pensar a questão racial, a qual se
manifesta também a partir do racismo. Segundo Jaccoud (2008), no Brasil o racismo nasce
associado à escravidão, porém é exasperada após a sua abolição, quando ele vai se
estruturando como discurso baseado em teorias racistas, expressa por meio do projeto de
branqueamento que vigorou no Brasil até os anos 1930, quando foi substituído pela ideologia
de democracia racial. E nesse contexto histórico, que o negro é posto em um “lugar”
subalternização e discriminação, sendo construído socialmente um “lugar” para o negro.
Conforme Jaccoud (2008) ainda, a questão racial passa por efetivas mudanças em
nosso país, a partir da disseminação da ideologia de democracia racial, cujo termo surge na
década de 1940 e amplia-se em 1950 com a divulgação da obra de Gilberto Freyre. Jaccoud
(2008, p.51) nos ajuda a pensar a democracia racial como reinvenção de “uma história de boa
convivência e paz social” no país. Quando na verdade, a ideia de democracia racial serve
como escudo ao preconceito racial, ao invés de promover seu enfrentamento, a qual passa a
ser criticada no final do século XX, pelo movimento negro e por muitos teóricos, tais como
Fernandes (1978) quando em 1965 utiliza a compreensão de “Mito da democracia racial”,
para realizar a crítica a ideologia de democracia racial como forma de mascarar o preconceito
racial existente em nosso país.
21
Sob essa perspectiva, realizamos algumas reflexões sobre o mito da democracia racial
estabelecida no Brasil, elencando o racismo enquanto expressão de preconceito e
descriminação os quais afligem a população negra.
O “mito da democracia racial” pode ainda ser nacionalmente desmistificada por dados
estatísticos, os quais denunciam a desigualdade racial existente no Brasil. Esses dados
denunciam que, embora a população Brasileira seja composta por cerca de 51% de negros,
cerca de 13% dos negros com idade de a partir de 15 anos são analfabetos, por exemplo,
sendo que apenas 10% da população brasileira são analfabetos.
E no Brasil, segundo dados do IBGE – Censo 2010 o número da população que se
declara negra ou parda cresceu cerca de 70% em uma década. Estes dados não são suficientes
para desmistificar ideologias de desvalorização da população negra, bem como de sua cultura,
contribuição social, e a afirmação de uma identidade negra consciente e livre por parte da
população brasileira. A população negra ainda não tem formada uma identidade racial,
construída a partir de uma história de luta e resistência essencial na construção da sociedade
brasileira. Ainda possuímos uma população negra que nega sua origem, pois é uma população
extremamente oprimida e discriminada socialmente.
Historicamente, pontuamos que poucas ações foram realizadas para o enfrentamento
ao racismo e como meio de promoção da igualdade e democracia no Brasil. No entanto,
compreendemos a instituição da Constituição Federal 1988 como um avanço formal também
para o enfrentamento da questão racial no país, quando estabelece em seu art. 5ª que “todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]”. Em 1989, quando se
estabelece a Lei nº 7.716/89 que criminaliza as praticas de racismo no país. E mais
recentemente, em 2010, no Estatuto da Igualdade Racial (2010) estabelecido pela Lei nº
12.288, na qual institui a efetivação da igualdade de oportunidades e a defesa de direitos a
população negra.
Destarte, analisamos o Estatuto da igualdade racial como é um importante avanço,
embora seja um marco legal que surge tardiamente. Explanaremos adiante que sua
materialização depende de transformações sociais que vão além de aspectos legais,
perpassando aspectos socioculturais e histórico-políticos inerentes à formação brasileira e ao
projeto societário vigente.
Dividimos nosso trabalho em duas seções: na primeira intitulada de “A Questão Racial
no Brasil: Considerações Acerca da Formação Sócio-Histórica”, no qual analisaremos os
determinantes sócio-históricos os quais se constituíram como pilares para a construção das
relações raciais desiguais entre brancos e negros no país. Diante disso, realizamos uma
22
reflexão sobre o “lugar” do negro na sociabilidade de classes, compreendendo esta como
determinante das condições paupérrimas de vida da população negra; e na segunda, definida
com o “Inconformismo da População Negra: Expressões de Luta e Resistência”, realizaremos
uma análise sobre o inconformismo da população negra como propulsor para sua organização
e construção de uma consciência política e do movimento social negro atuante frente aos
preconceitos, dominações e discriminações raciais reproduzidas nas relações raciais
brasileiras, bem como sua importância na conquista de direitos e superação efetiva dessas
desigualdades, tendo em vista a transformação da sociedade. Por último, discorreremos sobre
nossas considerações finais a respeito deste trabalho, tendo em vista, analisar os resultados
alcançados e propor caminhos para o estabelecimento da igualdade racial.
Assim, a principal motivação para a realização desta pesquisa se apresenta pela própria
complexidade da problemática racial existentes no país. As desigualdades raciais perpassam
todas as relações raciais no Brasil, sendo profundamente necessário analisarmos todos os
determinantes sociais que permeiam a produção e reprodução das discriminações e
preconceitos raciais que incidem diretamente na vida da população negra no Brasil. A
motivação principal é depreender elementos da realidade social para fomentar a reflexão
crítica sobre os resultados dessa pesquisa, sendo essencial para que possamos pensar em
estratégias e meios de intervenção sociais frente a essas problemáticas, as quais são essenciais
para a compreensão das relações sociais engendradas neste modo de sociabilidade capitalista,
mas não são igualmente analisadas como outras expressões da “questão social”. Dessa forma,
na sociedade do capital a questão racial ganha materialidade semelhante às problemáticas
estabelecidas pela contradição entre o capital e trabalho, tais como a pauperização, exploração
e dominação da classe trabalhadora (a qual neste país é composta principalmente pela
população negra), mas que também apresenta questões singulares, pondo a questão racial
como um grande enigma, a ser necessariamente desvendado como pressuposto para a
compreensão e atendimento das necessidades sociais desses cidadãos nos limites do marco
capitalista.
A presente pesquisa tem relevância social por se tratar de uma temática que têm
materialidade na vida social de grande parte da população brasileira. E nesse sentido,
analisamos que esta pesquisa foi essencial para a apreensão sucinta das reais condições de
vida da população negra, caracterizadas por situações de precáriedade e pauperização. Assim
sua apreensão na totalidade brasileira, é compreendida aqui como fundamental, também, para
fomentar as lutas e resistências das populações negras, movimentos sociais negros e outras
entidades organizadas frente ao racismo e as discriminações raciais. Assim, os movimentos
23
sociais negros terão mais um subsídio para o fortalecimento de suas reivindicações e pressões
do Estado, tendo em vista à conquista de direitos e políticas sociais que proporcionem
melhores condições objetivas e subjetivas de vida a população negra.
Do ponto de vista acadêmico, analisamos que a produção de conhecimentos é
essencial ao enfrentamento das problemáticas que afligem a humanidade e, este se constitui
em um dos papéis da universidade. Nesse sentido, depreendemos que a questão racial no país
é uma grande problemática posta na sociedade de classes, sendo imprescindível seu estudo e
pesquisa sobre seus determinantes microestruturais e macroestruturais para a fundamentação
da crítica para uma intervenção social qualificada na vida da população negra que tem suas
condições de vida incididas pelo pauperismo, pelo preconceito, discriminação, opressão e
exploração.
24
2 CAPÍTULO – A QUESTÃO RACIAL NO BRASIL: CONSIDERAÇÕES ACERCA
DA FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA.
“o Brasil moderno parece um caledeidocópio de muitas épocas, faz de vida e
trabalho, modos de ser e pensar. Mas é possível perceber as heranças do
escravismo predominando sobre todas as heranças”. (IANNI, 2004, p.61).
Ao analisarmos as particularidades da questão racial, podemos compreendê-la como
elemento cerne na discussão sobre desigualdades sociais no Brasil, a partir da análise da
formação sócio-histórica brasileira.
Compreendemos a questão racial ainda, como uma refração da “questão social”, a qual
se expressa enquanto pauperização, exploração e desigualdades da população negra. E para
entender todos os rebatimentos da questão racial na atualidade, torna-se necessário
analisarmos a questão racial como uma problemática que têm determinantes históricos na
construção sócio-histórica da população brasileira, respaldada pelo modo de produção
capitalista.
No Brasil, a classe trabalhadora, foi construída socialmente e amparada por uma
cultura e modo de sociabilidade que legitimava a exploração e a expropriação da riqueza
produzida pela mão de obra negra. Trata-se do modelo de acumulação capitalista, em sua fase
mercantil/comercial, caracterizada também pela colonização de povos e territórios e, teve, na
particularidade brasileira, uma conformação assentada pelo regime escravocrata, cuja base
social de trabalho explorado era baseada na mão de obra negra de origem africana. Assim,
compreendemos que, no Brasil, a questão social está intimamente ligada à questão racial.
Nesse sentido, devemos compreender a questão racial imbricada na história da formação da
sociedade brasileira como consequência das desigualdades econômicas, políticas e culturais
engendradas pela produção e reprodução de relações sociais contraditórias inerentes à
sociabilidade do capital que condicionam a vida da população negra desde o período de
colonização até a contemporaneidade.
Deste modo, compreendemos a necessidade de dividir essa seção em dois tópicos
centrais. Na primeira subseção, realizaremos uma reflexão crítica sobre os desdobramentos
sócio-históricos, ideoculturais, políticos e econômicos os quais contribuíram para a produção
e reprodução da questão social e racial, ou seja, para a discriminação, preconceito racial e
pauperização da população negra no Brasil.
Ao analisarmos a questão racial e seus rebatimentos socioeconômicos na condição de
vida da classe trabalhadora, compreendemos que esta se relaciona diretamente a situação de
25
pauperização da população negra na sociedade brasileira. Assim, na segunda subseção,
discutiremos sobre a pauperização do negro na sociedade brasileira, tomando a questão racial
como expressão da questão social, compreendendo seus desdobramentos na
contemporaneidade, assim como o acirramento das desigualdades sociais e pauperismo da
classe trabalhadora e, os determinantes sociopolíticos que incidem na situação de exploração
da população negra nesta sociedade.
2.1. O LUGAR DO NEGRO NA SOCIEDADE BRASILEIRA
São profundos os laços que envolvem a questão racial a história da formação social
brasileira, construída a partir das contradições sociais essenciais do desenvolvimento
capitalista.
Desse modo, a questão racial se expressa na conjunção social de exploração da força
de trabalho, pauperização das condições de produção e reprodução da vida social. Marcado
por concepções de “raça”, discriminações e opressões motivadas por ideologias e culturas
pautadas no assentimento das desigualdades raciais e de classes sociais, os quais são
condicionantes da situação de desproteção à população negra na contemporaneidade, cuja sua
compreensão se enceta a partir da produção e reprodução histórica de determinantes culturais-
ideológicos baseadas na inferioridade e “desumanidade” do negro, assim como pelo
condicionamento da acumulação capitalista a partir da legitimidade do “abuso” da força de
trabalho da população negra deste o período Colonial, Império até a República, conforme
aponta Ianni (2004, p.85) ao compreender que “a historia da formação social brasileira
registra a desigualdade enquanto uma realidade concreta do Brasil Colônia ate os dias atuais”.
E ao analisarmos a questão racial nos referimos à condição social do negro no
desenvolvimento da sociabilidade brasileira, compreendendo o caráter histórico e dinâmico
das relações sociais. Conforme Ianni (2004) amplos elementos da questão racial no Brasil
dizem respeito ao negro. E podemos compreender esta referência ao considerarmos as bases
sócio-históricas e político-econômicas que fomentaram a Formação social brasileira. E nesse
sentido, afirmamos que a construção social brasileira foi estruturada a partir das relações
sociais desiguais que colocam o negro em situação de pauperismo no âmbito social, político e
econômico. Conforme aponta Ianni:
Sim, grande parte da questão racial no Brasil diz respeito ao negro, como etnia e
categoria social, como a mais numerosa “raça”, no sentido de categoria criada
socialmente, na trama das relações sociais desiguais, no jogo das forças sociais,
26
como as quais se reiteram e desenvolvem hierarquias, desigualdades e alienações.
(IANNI, 2004, p. 143).
Ianni (2004) discorre sobre a questão racial no Brasil a qual se referencia,
principalmente ao negro, embora consideremos que a questão racial também possa se referir a
outras formas de “abusos” incididos a outras “raças” (como exemplo, o “massacre”
consolidado contra o índio brasileiro no período colonial). Contudo, o autor enfatiza a questão
racial como problemática do negro estruturada a partir da formação social brasileira,
compreendida ainda a partir das particularidades sociais e históricas que legitimaram as
desigualdades e alienações acometidas a população negra, as quais negaram o negro como
etnia e como categoria social. O que nos leva a refletir ainda, sobre as selvagerias investidas
historicamente contra os costumes, valores e as crenças da população africana, a qual embora
tenha sido negada e criminalizada, têm seus elementos eternizados na nossa cultura a partir do
processo de formação social do Brasil.
A população negra é marcada por discriminação, opressão e preconceito de raça,
gênero e de classe social frutos de discriminações e preconceitos estabelecidos socialmente, e
nesse sentido, Silva (2009, p.196) confirma que as desigualdades de classe e a desigualdade
racial no Brasil contemporâneo são expressões da herança do processo histórico, a que se
acrescem, atualmente, outros determinantes nesse processo. E pensar na questão racial como
sendo fundada a partir de relações capitalistas contraditórias, as quais foram construídas
historicamente adjuntas a formação sócio-histórica brasileira e, cujas refrações que se
apresentam até os dias atuais, significa refletirmos sobre os principais determinantes que
contribuíram para o advento e aprofundamento dessas desigualdades raciais, bem como para
pensarmos qual é “lugar” ocupado pelo negro nesta sociabilidade.
Segundo Silva (2009), para Ianni (2004) a população negra sempre ocupou lugares
mais vulneráveis e “invisíveis”, seja no âmbito social, político, econômico ou cultural. E para
analisarmos qual o espaço ocupado pela população negra em nossa sociedade, assim como
apreender a totalidade e suas principais demandas e reivindicações, é indispensável
ponderarmos alguns elementos destacados por Ianni (2004) dentre os quais:
[...] a incorporação do negro à sociedade brasileira como força escrava de trabalho, a
formação e desenvolvimento das castas, a formação social escravocrata, os “mitos
particularmente cruéis” criados pela “elite” dominante sobre a história da sociedade
brasileira e, por fim, a longa história de alienação e a ideologia racial evasiva que se
consolidou na sociedade brasileira em vários setores. (IANNI, 2004 apud SILVA, 2009, p.195).
27
Assim, Ianni (1978) nos ajuda a compreender as peculiaridades da formação social
brasileira, tendo em vista a sociedade escravista e o seu processo abolicionista no país, cujas
características determinam as particularidades de integração e antagonismo raciais construídos
posteriormente ao processo de abolição da escravidão do negro e ininterrupto
contemporaneamente em nossa sociabilidade.
A incorporação do negro à sociedade brasileira sucedeu-se enquanto trabalhador
escravizado, cuja sua força de trabalho era à base da produção e expansão de plantações e
engenhos nas colônias. Ianni (1978) compreende que esse processo de escravização do
africano foi suscitado pelo processo de acumulação produtiva e consequente desenvolvimento
do capitalismo comercial, o qual provocou uma intensa acumulação de capital nos países
metropolitanos (principalmente nos países da Europa), a partir da exploração e expropriação
da riqueza socialmente produzida pelos africanos escravos, cuja consequência se materializa
no modo como foram estruturadas as relações sociais no período colonial. Assim, Ianni
(1978) compreende um paradoxo:
O mesmo processo de acumulação primitiva, que na Inglaterra estava criando
algumas condições histórico-estruturais básicas para a formação do capitalismo
industrial, produzia no Novo Mundo a escravatura, aberta ou disfarçada. (IANNI,
1978, p.4).
Da mesma forma Fernandes (2010, p.37) analisa a questão racial considerando sua
historicidade e sua conexão direta ao desenvolvimento do sistema capitalista. E nesse sentido,
o autor discorre que o Brasil conheceu, em sua história colonial e independente, várias formas
de escravidão. E acompanhando a história, analisamos que a escravidão do negro se
estruturou a partir de determinações dos vários “ciclos econômicos” (Fernandes, 2010, p. 37),
assim também compreendemos que a escravidão e “libertação” do negro estão essencialmente
articuladas ao processo de desenvolvimento e manutenção do modo de produção capitalista.
Não obstante, Nascimento (1978, p.49), compreende que o escravo foi essencial para o
começo da história econômica do Brasil quanto um país estabelecido sob o “signo do
parasitismo imperialista”. Estima-se que cerca de 4.000.0002 de africanos foram importados
para o Brasil (NASCIMENTO, 1978, p. 49), os quais foram essenciais para a produção das
riquezas da colônia, cujos seus excedentes significaram o lucro exclusivo da aristocracia
branca e a oportunidade de acumulação necessária para o desenvolvimento das relações
2 Número estimado apresentado por Nascimento (1978, p.49), o qual será retomado adiante.
28
econômicas capitalistas. Deste modo, o africano escravizado representou o pilar central na
construção sócio-histórica da sociedade brasileira.
O africano escravizado construiu as fundações da nova sociedade com a flexão e a
quebra da sua espinha dorsal, quando ao mesmo tempo seu trabalho significava a
própria espinha dorsal daquela colônia. (NASCIMENTO, 1978, p. 49).
No entanto, contrapondo- se a isto, Gilberto Freyre, a partir da teoria luso-tropicalista3,
compreende que os portugueses obtiveram êxito em criar uma alternativa avançada de
civilização, supunha que “a história registrava uma definitiva incapacidade dos seres humanos
(os “selvagens” da áfrica, índios...) em erigir civilizações importantes nos trópicos”
(NASCIMENTO, 1978, p. 42). Quando na verdade, foram os escravos os principais
propulsores da construção da civilização nas colônias. E no tocante as reflexões realizadas por
autores como Gilberto Freyre, Oliveira Viana, Nestor Duarte e Fernando de Azevedo,
Fernandes (2010) critica a unilateralidade dos conhecimentos obtidos por esses autores.
Segundo Fernandes (2010, p. 71), “essa unilateralidade nasce da redução do macrocosmo
social inerente à ordem estamental e de castas ao micro social inerente a plantação ou
engenho e à fazenda”, dessa forma os autores desconsideram a totalidade, o contexto histórico
estrutural e seus determinantes.
Conforme Florestan Fernandes (2010, p.40), a escravidão “se insere entre os pré-
requisitos tanto da eclosão capitalista modernizadora, quanto da formação, consolidação e
diferenciação do capitalismo comercial”. Desta forma, o modo de produção capitalista, cujos
primeiros indícios de sua emersão sobrevêm a partir da essencial obtenção da produção de um
excedente econômico, envolveu a produção e reprodução de relações escravistas como meio
de ascensão do desenvolvimento das forças produtivas e para a produtividade do trabalho, por
meio da escravização do africano no Brasil, tendo em vista a usurpação de sua força de
trabalho.
[...] Na essência do funcionamento e dos movimentos do escravismo, enquanto
formação social, está um singular processo: a violência e a repressão abertas são
exigências políticas, sociais e culturais de ralações de produção organizadas para
poduzir mais-valia absoluta, produto esse que aparece direta e explicitamente como
expropriação. (IANNI, 1978, p. 39).
Para compreendermos a relação estabelecida entre o capital comercial e a consolidação
do trabalho escravo no Brasil, precisamos analisar as relações sociais de poder estabelecidos
3 Conforme Nascimento (1978, p. 42), Gilberto Freyre foi fundador da teoria luso-tropicalismo, a qual se
constitui em uma ideologia que prestou serviços ao colonialismo português.
29
no período colonial caracterizado pelo controle direto da Coroa ao Brasil. E nesse sentido,
compreendemos a escravidão da força de trabalho do negro como sustentação da expansão do
capitalismo comercial na Europa a partir da invasão a novas terras e expropriação de toda a
riqueza delas produzidas.
Foi o capital comercial que comandou a consolidação e a generalização do trabalho
compulsório no Novo Mundo. Toda a formação social escravista dessa área estava
vinculada, de maneira determinante ao comercio de prata [...] e outros produtos
coloniais. (IANNI, 1978, p.6).
Assim, escravidão do negro africano no Brasil foi estabelecida devida sua
conveniência ao sistema econômico que se instaurava ainda no período colonial e vinculado
ao capital comercial Europeu, o qual se sustentava por meio da exploração da força de
trabalho do negro e da extração de seu produto excedente.
E para compreender a escravização de negros e índios, Ianni (1987, p.10) também
analisa a escravidão como sendo uma forma de prender o trabalhador aos meios de produção,
para que estes produzissem todas as mercadorias necessárias ao capital comercial. Assim, se
estes fossem assalariados poderiam invadir as terras devolutas disponíveis, podendo se
transformar em produtores autônomos. Essa teoria constituiu-se, inclusive, em um dos
principais motivos do estabelecimento da Lei de terras4 em 1850, articulado diretamente ao
desenvolvimento das relações sociais capitalistas.
Dentre as questões que fomentam a discussão sobre a escravidão no Brasil, são
abordadas também por Ianni (1987, p. 10 e 11) a necessidade de escravos devido à ausência
de mão de obra nas metrópoles para o desenvolvimento da produção de riquezas nas colônias;
E o fato de ser um negócio bastante lucrativo para os comerciantes ligados ao tráfico de
negros da África ao Novo Mundo.
A partir disso, compreendemos a essencialidade da escravidão do negro para a
construção sócio-historica brasileira, o qual foi fundamental para acender a produção de
riqueza e acúmulo de excedente econômico necessário ao sistema, sendo assim, responsável
pela sustentação, e ao mesmo tempo, pelo desmoronamento do sistema colonial e senhorial.
A escravidão do negro foi essencial também à crise final da produção escravista e
senhorial, pois conforme Florestan Fernandes (2010, p.40) dela também irrompe a negação do
regime escravocrata e senhorial, não através da atuação revolucionaria das massas escravas,
4 Por isso, que a questão racial também se constitui em uma problemática estreitamente articulado a questão
agrária no Brasil.
30
mas por crises e rupturas que converteram o abolicionismo numa “revolução de branco para
branco”, a partir do surgimento e expansão de uma nova ordem social a qual estrutura as
novas relações de poder entre as classes sociais incidindo no desenvolvimento de um Estado
burguês e reconfiguração das relações econômicas entre o Brasil e países da Europa.
Ela alimentou essa crise, inclusive no plano construtivo, já que sem a persistência da
escravidão e a transferência do excedente econômico que ela gerava para as cidades
(segundo ritmos históricos lentos) a história ocorrida seria inexequível.
(FERNANDES, 1978, p. 41).
No entanto, compreendemos a existência de outras concepções que incidem
diretamente em um artifício na negligencia das análises sobre as relações sociais escravistas e
senhoriais no Brasil. Há compreensões que tendem a “romantizar” o processo de crise do
regime escravista no Brasil, as quais ressoam entre o senso-comum a partir da apreensão
social de ideologias postas pelas classes dominantes. Essas ideologias apresentam o processo
abolicionista da escravidão no Brasil enquanto um processo unilateral, sendo reconhecido
somente enquanto um acontecimento histórico incidido apenas pela ação “revolucionária”
massiva de homens brancos e negros depreendendo a escravidão como a perpetuação do
regime colonial. Reconhecemos esse processo histórico, pois não podemos recusar a
contribuição das lutas a favor da abolição da escravidão do negro, advindo do próprio
inconformismo e resistência do escravo. Porém, segundo Fernandes (2010, p. 40), a atuação
revolucionaria das massas escravas não chegaram a ocorrer como “fator tópico” das
transformações históricas, mesmo porque os escravos eram impedidos, por sua condição
objetiva e subjetiva marcada por sua exploração, precarização e subordinação aos senhores
escravos, da possibilidade de construção de uma consciência política transformadora de sua
condição de vida, imposta pela escravidão. E os abolicionistas constituintes da “raça”
dominantes mais preocupados com os benefícios econômicos incididos pela abolição da
escravidão. Na significação da abolição em seu histórico-estrutural, esta “foi sempre um
negocio de brancos, o resultado dos antagonismos entre os interesses da casta dos senhores
brancos e os interesses da burguesia branca emergente” (IANNI, 1978, p 40).
Perdeu-se de vista, assim, o que a escravidão, que aparecia de modo visível como o
principal esteio de perpetuação de tudo o que era colonial e senhorial, representava
para a emergência, a consolidação e a irradiação do que era capitalista e moderno.
(FERNANDES, 2010, p. 41).
Desta forma, a articulação entre o regime escravocrata e suas funções econômicas
pode ser compreendida, a partir das análises das funções econômicas da escravidão realizadas
31
por Fernandes (2010), tendo em vista, o contexto histórico-estrutural a partir do sistema de
produção e de dominação econômica, compreendendo uma reconstrução analítica desde a
base econômica até as estruturas sociais de poder. E o autor também abrange as funções
sociais da escravidão, a qual esta necessariamente, relacionada “as determinações e
implicações da base econômica sobre o sistema social de poder e de dominação política”
(FERNANDES, 2010, p.43).
No que se referem às funções sociais da escravidão, esta era erigida adjunto de
relações de poder e dominação política, sendo estabelecidas no regime escravocrata a partir da
estratificação social em estamentos e castas distintas, onde o núcleo central era ocupado pela
“raça branca” dominante e ao redor os escravos índios, negros e mestiços. (FERNANDES,
2010, p. 64).
E a partir desse arranjo social, foram estabelecidos técnicas de controle e repressão
criados pelo sistema escravocrata para legitimar as crueldades estabelecidas contra o negro
escravo. Mesmo que as relações econômicas tenham sido determinantes ao estabelecimento
da escravidão no Brasil, este apenas conseguiria se manter diante de toda a sua contradição, a
partir do desenvolvimento de relações sociais centralizadas no poder e dominação.
Isto é, as transformações sociais escravistas tornaram-se organizações político-
economicas altamente articuladas, com os seus centros de poder, princípios e
procedimentos de mando e excussão, técnicas de controle e repressão. (IANNI,
1978, p.13).
Assim, para dissimular e manter as contradições sociais inerentes ao processo de
escravidão no Brasil e ao desenvolvimento das forças produtivas na Europa, segundo Ianni
(1978, p.13), a sociedade colonial cria e recria mecanismos de dominação que eram
materializados por meio da força coerciva altamente violenta e, por meio da disseminação de
ideologias que legitimavam socialmente a escravidão do negro e reprimiam qualquer
resistência ou ação política para preservar a produção e reprodução da ordem social
escravista.
O modo como era organizado as formações sociais no regime escravista implicavam
em um processo de alienação do trabalhador escravo, fomentada a partir da difusão de
inverdades de que o negro era física e moralmente subordinado ao senhor de escravos em sua
atividade produtiva e em suas atividades religiosas e culturais (IANNI, 1978, p.13):
Nessas formações sociais, as unidades produtivas [...] estavam organizadas de
maneira a produzir e reproduzir, ou criar e recriar, o escravo e o senhor, a mais-
32
valia absoluta, a cultura do senhor (da casa-grande), a cultura do escravo (da
senzala), as técnicas de controle repressão e tortura, as doutrinas jurídicas, religiosas
ou de cunho “dawinista” sobre as desigualdades raciais.
Esses elementos analisados por Ianni (1978) legitimam a dominação do senhor de
engenho ao escravo no período colonial e são ascendentes de um processo de subordinação do
negro pelo branco, cujas consequências repercutem até hoje. Os quais construíram ideologias
que tem resquícios presentes nas atuais relações raciais e que ainda são utilizados como meio
de repressão e dominação do branco sobre o negro. Possuindo uma influência direta na
posição social ocupada pela população negra no Brasil, pois muitas das expressões de
preconceitos e discriminações que atingem o negro na atualidade são refrações dos “mitos
cruéis” criados pela classe dominante sobre a história da formação social brasileira e da longa
história de alienação e de criações de ideologias raciais que se solidificaram em nossa
sociedade.
Nesse sentido, Florestan Fernandes (2010, p.73), compreende que a superposição de
estamentos de uma “raça” dominante e de castas de “raças” dominadas, as quais eram
“legitimadas pelo “caráter sagrado” das tradições, da moral católica, do código legal e da
“razão do Estado”. Nesse sentido, “a escravidão mercantil só poderia implanta-se e
desenvolver-se em uma ordem societária dessa natureza”, onde a figura legal do escravo
definia-se, respectivamente, como “um inimigo doméstico” e um “inimigo público”
(FERNANDES, 2010, p. 73).
Destarte, a Igreja católica se constituía em uma instituição de grande influencia, a qual
reproduzia ideais que contribuíam para escravização, a desumanização e dominação do negro.
De acordo com Bertulio (2001), para a Igreja havia distinções entre a humanidade dos
indivíduos escravizados e a dos homens livres. Essas distinções tem como base a concepção
de que negros e índios não tinham alma, as quais legitimavam as ideologias colonialistas e a
dominação da raça branca.
O Império português mais adiante do projeto de colonização de novas terras tinha em
vista ainda, um projeto de expansão da doutrina da Igreja Católica5, diante do crescimento do
Protestanismo na Europa ocidental. Conforme Prado Junior (2000), as missões religiosas não
intervinham como simples instrumentos de colonização, também possuíam interesses
5 A expansão da Igreja Católica no Brasil sucedeu-se por meio da Companhia de Jesus fundada no século XVI,
por Ignácio Lopes de Recalde, nascido em 1534 na cidade de Loyola, Segundo Silva (2004) no contexto de
Contra-reforma Católica, com o intuito de impedir a proliferação do Protestantismo. E ao chegarem ao Brasil
catequizaram os índios, conforme Caminha (1999). E desta forma contribuíram para a “libertação” do índio da
escravidão, estabelecida formalmente por meio da “legislação pombalina” (PRADO JUNIOR, 2000, p. 89).
33
próprios: o da Igreja. E nesse sentido, também usufruiu e contribuiu diretamente para a
manutenção das ações de dominação e exploração contra a população áfrica no Brasil.
Mas a Igreja católica também contribuiu para a legitimação da escravidão dos
africanos no Brasil, tendo em vista a criação de ideais negativos sobre os negros e, ao mesmo
tempo, a disseminação de um conformismo sobre a condição de ser escravo. Conforme Silva
Filho (2004, p. 33), “uma das afirmações mais danosas para o imaginário contra o negro, foi à
condenação divina dos negros a escravidão”, concretizada a partir da utilização da Maldição
de cam6/ cannã (Gênesis 9: 18-27), para justificar a escravização do negro, pois segundo estes
o negro seria descendente de cam e, por isso, eternamente escravos. Essa e outras concepções
estabelecidas pela Igreja Católica para autenticar a escravidão dos negros e, ainda se
apresentam presentes no ideário popular e se materializam por meio de preconceitos e
discriminações.
Não obstante, Nascimento (1978, p.52) faz uma reflexão sobre os mitos de que a
escravidão no Brasil teria sido minimizada pela influência da Igreja Católica. Quando na
verdade, o papel exercido pela Igreja é de “principal ideólogo e pedra angular para a
instituição da escravidão em toda a sua brutalidade”. Nesse sentido, a Igreja católica criou
mecanismo que possibilitassem a aceitação humilde pelo escravo de toda a sua exploração e
abusos, os escravos eram impelidos pela Igreja a acreditar na naturalização de sua condição de
escravo, eles precisariam aceitar pacificamente a sua exploração, pois assim, teriam uma
gratificação futura no céu. Segundo Nascimento (1978), “o mito de influência humanizadora
da igreja católica procura exonerá-la de suas implicações na ideologia do racismo sobre a qual
a escravidão se baseava”, e ao mesmo tempo, tende minimizar as injustiças e barbaridades da
escravidão do negro.
E essas ideologias contribuem para naturalização da condição atual de vida da
população negra. O africano deixa de ser escravo para se constituir em operário (assim, como
alguns brancos também empobrecidos). E a condição de trabalhador operário atribuída ao
negro surge logo a partir do estabelecimento do trabalho livre estando articulada diretamente a
crise da ordem escravocrata e senhorial.
No entanto, é necessário pontuarmos também a importância das religiões de matriz
africana, as quais são expressões da cultura, luta e resistência da população negra no país, as
6 Segundo Silva (2004, p. 33) a Maldição de Cam, constitui-se em um episódio citado no Antigo Testamento
(Gênesis 9: 18-27). Conforme a Bíblia, Noé excedeu-se no vinho e dormiu despido. Cam vendo-o naquele estado
chamou os irmãos para também observa-lo. Sem e Jaffé munidos de um lençol foram de costas e cobriram a
nudez do pai. Noé ao acordar e saber do ocorrido expulsou Cam de casa e o condenou, junto com seus
descendentes e com a intercessão de Jeová, a escravidão eterna.
34
quais foram criminalizadas, suprimidas, e na atualidade ainda são discriminadas e tem sua
importância minimizada socialmente.
Para Abdias Nascimento (1978, p. 50), esse abominável sistema escravocrata, durante
muito tempo, desfrutou a fama de ser uma instituição benigna e de caráter humano (tendo por
apoio também, a ideologia da Igreja Católica). A exploração, violência e crueldade que são
inerentes ao processo de escravização do negro pelo colonizador português foram muito bem
disfarçadas por meio de ações da própria assimilação das populações africanas a cultura e
identidade portuguesas e criação de dissimulações oficiais criados pelos portugueses, no
entanto, conforme Nascimento (1978, p.50):
Essa rabulice colonizadora pretendia imprimir o selo de legalidade, benevolência e
generosidade civilizadora a sua atuação no território africano. Porém todas essas e
outras dissimulações oficiais não dissimularam a realidade, que consistia no saque
de terras e povos, e na repressão e negação de suas culturas – ambos sustentados e
realizados, não pelo artifício jurídico, mais sim pela força militar imperialista.
(NASCIMENTO, 1978, p. 50)
Algumas dessas distorções ressoam em nossa sociedade até os dias de hoje, pois foram
incorporados ao ideário do censo comum, “sempre na tentativa de erigir uma fachada
mascarando a ideologia imperialista” (NASCIMENTO, 1978, p. 50).
Devemos lembrar que “as palavras têm poder”, refiro-me as ideologias herdeiras das
tradições escravagistas de Portugal. E nesse sentido, as disseminações dessas ideologias
contribuem para o mascaramento das truculências praticadas contra o negro no período da
colonização, assim como para a invisibilidade do processo de escravidão do negro como um
importante determinante das condições atuais de vida da população negra, bem como
essencial a compreensão do lugar ocupado pela população negra na nesta sociabilidade.
Nascimento (1978, p. 50), vai discorrer sobre as distorções na história da formação
social brasileira disseminadas ainda hoje, a qual se expressa em ideias de que “a escravidão
sempre existiu na história da humanidade e que a escravidão já existia na áfrica”, “os
portugueses apenas trouxeram a escravidão ao Brasil”. E por isso, estavam justificados parte
da violência e os massacres estabelecidos pela escravidão no Brasil ao negro. De acordo com
essas concepções, “os africanos eram vencidos em guerras em seu continente e vendidos para
os portugueses, assim, isso seria aceitável justificar o cruel processo de remoção “obrigada”
dos negros da áfrica em navios negreiros, em insalubres e precárias condições de “vida”.
Estas são compreensões comumente repetidas em nossa sociedade, as quais se constituem em
“falsificações dos fatos históricos”. E apreensões dessas concepções limitam a análise da
escravidão do negro, ignorando seus reais determinantes e determinadores sociais,
35
legitimando a desumanização sofrida contra os negros, mascarando assim, o caráter
contraditório e bárbaro deste período deletério para os negros.
Fernandes (2010, p. 44) nos ajuda a compreender as particularidades da “escravidão
moderna”, a qual foi estabelecida a partir da colonização, e a “escravidão antiga”, a qual
existia nos países da áfrica, como exemplo. Para o autor, a escravidão moderna é em sua
essência uma escravidão mercantil, e deste modo, o escravo se constituía na principal
mercadoria (“mola mestra da acumulação do capital mercantil”), embora, quando os senhores
compravam os escravos o que ele queria era a energia humana, a qual era utilizada por meio
da organização social do trabalho escravo (FERNANDES, 2010, p. 44). A partir daí,
Fernandes (2010) analisa duas conexões fundamentais da escravidão com o capitalismo no
período colonial, o “mercado de peças” e a “rede de negócios”.
Mesmo que utilizasse escravos nativos, o senhor tinha de penetrar no circulo do
capital mercantil. Com o “tráfico negreiro” e a universalização do trabalho escravo de origem africana, essa conexão de torna mais ampla e profunda. (FERNANDES,
2010, p. 45).
Desta forma, apreendemos a incoerência em comparar a cruel escravidão nativa com a
escravidão mercantil estabelecida pelos colonizadores. Permanecendo evidente a dimensão
ideológica e alienante de inverdades constituídas em um processo ainda persistente de
mascaramento das crueldades e abusos acometidos pela escravidão aos negros e, seus
desdobramentos que atingem os negros no Brasil contemporâneo. A dominação do negro e
ofensiva de sua cultura, religião, as rupturas de laços familiares e com sua etnia causados pelo
tráfico negreiro, são minimizados frente a forçar a aceitação das dissimulações em detrimento
da real análise da dimensão do holocausto que foi a escravidão para os negros no país.
E nesse sentido, Nascimento (1978) realiza algumas críticas ao cientista Gilberto
Freyre. Segundo Nascimento (1978, p. 42 e 43), Gilberto Freyre apresenta em seus estudos
elementos que tendem a glorificar a civilização tropical portuguesa, as quais são enfatizadas a
partir de teorias de miscigenação, cultural e física entre negros, índios e brancos.
Diante disso, compreendemos que Gilberto Freyre vai criar eufemismos raciais (o uso
da expressão morenidade, como exemplo) para racionalizar as relações de raça no país, no
entanto, conforme Nascimento (1987, p. 43), “não se trata de ingênuo jogo de palavras”, na
verdade se constitui em uma proposta que acende uma perigosa mística racista, tendo por
objetivo o estabelecimento de um “processo de branqueamento” da pele negra e a cultura do
negro, promovendo o desaparecimento do descendente africano.
36
Esses eufemismos raciais estão ainda muito presentes no subjetivo da população e
interferem diretamente no reconhecimento de uma identidade racial do negro no país. São
poucos os que reconhecem sua identidade negra. E este acontecimento não é por acaso, faz
parte de uma construção social e histórica do que representou e representa ser negro nesta
sociabilidade. Segundo Nascimento (1978, p.47), o branco detém todo o poder político-
eonomico-social nesta sociabilidade. Assim, são “os brancos que controlam os meios de
disseminar as informações, o aparelho educacional, eles formulam os conceitos, as armas e os
valores do país”, e este controle vai se expressar negativamente na forma como o negro e
visto, e da mesma forma, como o negro se aceita socialmente. O domínio do branco sobre o
negro faz parte de uma construção social, onde a palavra negro era sempre utilizada com um
sentido pejorativo, sinônimo de escravo, inferior e subalterno. E estas construções têm
resquícios nos discursos da população ainda hoje. Essas associações negativas ao negro em
nossa realidade social materializam-se em ditados e analogias populares, vocabulários7
reproduzidos socialmente e expressão o racismo e o preconceito contra o negro.
Outra contribuição de Nascimento (1978) refere-se à compreensão do processo de
miscigenação estabelecido no Brasil. Conforme o autor há uma “ideia de que a formação do
Brasil se verificou obedecendo a um processo integrativo imune de qualquer preconceito”. E
esta realidade posta, contribui para a dissimulação de uma interação sexual saudável dos
portugueses com a mulher negra, negando assim, toda a violência e crueldade de como eram
tratadas sexualmente às africanas, estima-se que a proporção da mulher para o homem era
aproximado de uma mulher para cinco (NASCIMENTO, 1978, P. 61).
A questão da miscigenação foi um processo de tentativa de branqueamento da
população brasileira e se articula diretamente a questão do racismo. Segundo Jaccoud (2008),
a valorização do homem branco e de sua cultura não desaguou no Brasil colônia, pelo
contrário ele vai se evidenciar a partir do “racismo cientifico” nos anos 1880. A qual têm
laços estreitos com teorias do pensamento “como positivismo, o evolucionismo, o
darwinismo”, conforme Schwarcz (2003, p. 43) inicialmente introduzidas no panorama
brasileiro já a partir dos anos 1870. Tendo contribuições no fortalecimento e ampliação do
7 Ao consultarmos o dicionário, por exemplo, verificamos que o “branco” está sempre associado ao bom e o
negro sempre associado ao ruim: “Negro [...] 4. Escurecido; sujo. 5. Escuro; sombrio; 6. Que está escuro ou
azulado devido a traumatismo. 7. Figurado lúgubre; triste. 8. Figurado funesto, fúnebre; tético. Branco: 1. Cor de
cal, da neve ou leite; alvo. 2. Candido. 3. Lívido 4.claro.” (DICIONÁRIO DE LÍNGUA PORTUGUESA, Porto
Editora, 2012)
37
preconceito e da discriminação racial, tanto no âmbito sociocultural, por meio do
aprofundamento da criminalização da cultura e crença da população negra, quanto político-
econômicas, tendo em vista a condição desigual de acesso da população negra as
oportunidades e riquezas socialmente e racialmente produzidas.
De acordo com Jaccoud (2008), a tese de branqueamento como projeto nacional surge
no Brasil como uma forma de conciliar a crença na superioridade branca com a busca do
progressivo desaparecimento do negro. Assim, sinalizamos ainda, a importância dessas
concepções para o fortalecimento do racismo e para o posterior processo de construção de
uma política e economia, na sociedade brasileira, centradas na racionalização, tendo
interferência direta do pensamento liberal e da lógica republicana no país. E mais tarde, sendo
responsável pela manutenção do prestigio social mantidos pelas elites brancas, conforme
Sales Junior (2009, p. 153), as “oligarquias da república velha que sustentavam o racismo
cientifico”. Neste contexto, depreendemos o racismo cientifico como um perigoso meio de
disseminação da superioridade racial, cultural, intelectual, moral e religiosa da população
branca, em detrimento da valorização e participação da população negra no desenvolvimento
social, político e econômico do país. Assim, embora o negro tenha historicamente se
constituído como alicerce desta nova ordem estrutural, permaneceu sendo usurpado de seu
“lugar” de direito por uma sociedade racista, que tem por interesse singular a manutenção dos
privilégios sociais dos brancos.
De outro lado, Soares (2011), discorre que antes no século XIX já se recorriam à
ciência para justificar as causas da violência contra os escravos, constituindo-se assim, em
mais uma maneira cruel de justificar e culpabilizar a própria população escrava pelos castigos
sofridos, bem como, de naturalizar esses abusos, tendo em vista a conservação da ordem
social escravista vigente e, paralelo a isso, o desenvolvimento da acumulação capitalista na
Europa.
Como já sinalizado, a escravidão do negro constitui-se na pilastra do desenvolvimento
do sistema escravista no Brasil e do capitalismo comercial na Europa, mas ao mesmo tempo
influenciou diretamente o processo de crise deste sistema colonial. A partir da exploração da
força do escravo, e a usurpação da mais-valia absoluta de seu trabalho, promoveram a
produção de excedentes econômicos apropriados pelos capitalistas da Europa e pelos senhores
de engenhos, promoveu um processo de expansão do sistema capitalista comercial em
capitalismo industrial, e o significado da escravidão mercantil para o desenvolvimento do
“setor novo da economia” (FERNANDES, 2010, p.57).
38
Segundo Fernandes (2010, p. 61), o período dos anos 1860 até a data da Abolição da
escravidão no Brasil, marca a “crise final irreversível a escravidão”. Segundo o autor, a
escravidão mercantil, a qual produziu subsídios para a expansão da economia urbano-
comercial, passa a se constitui em uma barreira para o desenvolvimento do capitalismo. E a
partir da crise da ordem escravista vemos a emersão de uma nova ordem econômica, que põe
“a acumulação de capital mercantil gerada pela escravidão a serviço da revolução burguesa”
(FERNANDES, p.62).
Para Fernandes (2010, p 83), a crise do regime escravista no Brasil que surge de baixo
para cima, por causa ainda do problema da renovação da escravaria e da reprodução do
trabalho escravo (decorrente da Lei que proíbe o tráfico de escravos). E segundo o autor, foi
agravada pelas pressões dinâmicas decorrentes fatores internos como a expansão do setor
capitalista novo e a pressão emancionista e abolicionista e, pressões externas, vindas de países
Ingleses.
Destarte, para Fernandes (2010) “o senhor não sai dessas transformações como era
antes”. Contudo, ele não se converte em vítima da crise final dessa ordem, pois ainda
continuaram com outras condições de sua riqueza e do seu poder (como monopólio da terra,
forte e crescente participação nas atividades econômicas nascidas do crescimento da
economia urbano-comercial, etc.) (FERNANDES, 2010, P.84). De acordo com Fernandes
(2010, p. 84), a vítima das transformações ocorridas, foi o negro como categoria social, ou
seja, o negro escravo como agente essencial no processo de produção escravista, e mesmo
liberto como engrenagem econômica da estamental e de castas (FERNANDES, 2010, p.84).
Para os senhores de engenho havia a possibilidade de torna-se capitalista, mas para os
escravos não haviam muitas possibilidades:
Ficou com a poeira da estrada, submergindo na economia de subsistência, com as oportunidades medíocres de trabalho livre das regiões mais ou menos estagnadas
economicamente e nas grandes cidades em crescimento tumultuoso, ou perdendo-
se nos escombros de sua própria ruína, pois onde teve de competir com o
trabalhador branco, especialmente o imigrante viu-se refugado e repelido para os
porões, os cortiços e a anomia social crônica. (FERNANDES, 2010, p. 84).
Assim, segundo Ianni (2005, p.88), “com a abolição, a emergência do regime de
trabalho livre e toda a sequencia de lutas por condições melhores de vida e trabalho, nessa
altura da história coloca-se a questão social8”. Nesse sentido, compreendemos que a formação
8 Segundo Netto (2001, p.42), a questão social tem história ressente, começando a ser utilizada na terceira década
do século XIX. O referido autor compreende que a expressão “questão social” surge para explicar o fenômeno
39
social brasileira se produz em bases do capitalismo comercial com a exploração do trabalho
escravo, mas a questão social vai surgir a partir da transição do sistema capitalista comercial
ao capitalismo industrial-concorrencial.
É partir dessa conjuntura que hoje, a população negra ocupa um “lugar” de
subalternidade, vulnerabilidade social, podendo ser considerado como um dos segmentos que
mais sofre com as expressões da questão social no país, na qual se insere a questão racial.
Assim é estabelecido o “lugar” do negro nessa sociedade, como sendo “lugar” de
pauperização e o criminalização. Esse lugar é validado por essa sociedade de classes, também
por meio de um processo de legitimação social criado a partir da construção de ideais
religiosos, disseminação de uma cultura racista, a qual naturaliza as relações sociais desiguais.
Sociedade em que o negro ocupa o lugar de operário, trabalhador explorado, subalternizado,
privado de oportunidades de participação política, obrigados absorver uma cultura dominante,
contraditória por ser homogeneizadora e segregadora simultaneamente.
Conforme Netto e Braz (2008, p. 125), o modo de produção capitalista particulariza-se
historicamente por uma reprodução peculiar, compreendida a partir da acumulação de capital.
Ou seja, o modo de produção capitalista só existe a partir da acumulação de capital.
Assim como foi na Europa, o capitalismo só pôde se desenvolver no Brasil com a
acumulação de capital produzido a partir expropriação da riqueza produzida pelos escravos no
novo mundo, portanto, a acumulação de capital só é possível com a exploração da força de
trabalho. Foi assim com a exploração da mais-valia absoluta dos escravos e continua assim
com extração da mais-valia relativa dos trabalhadores livres.
A abolição da escravatura foi uma transformação revolucionária das relações de
produção, pois que, ao possibilitar a generalização do trabalho livre, abriu novas e
amplas condições para o desenvolvimento das forças produtivas; e implicou a
transformação das relações e estrutura de castas especificas do escravismo, em
relações e estruturas de classes sociais. (IANNI, 1978, p.38).
Deste modo, a abolição da escravatura compreendida por Ianni, marca uma crise final
de um regime econômico e social, pautados em relações socais estabelecidas a partir da
estratificação social em estamentos e castas e em um sistema econômico apoiado na
exploração do escravo e na expropriação da sua mais-valia absoluta. Mas, o desenvolvimento
mais evidente da história da Europa Ocidental que conhecia os primeiros impactos do processo industrializante
iniciada na Inglaterra no último quartel do século XVII, tratava-se conforme Netto (idem) do fenômeno do
pauperismo. “Com efeito, a pauperização (neste caso a mais valia-absoluta) massiva da população trabalhadora
constituiu o aspecto mais imediato da instauração do capitalismo em seu estágio industrial-concorrencial”
(Idem).
40
das forças produtivas, compreendido por Ianni, não aboliu os antagonismos sociais, apenas
substituiu as diferenças entre os estamentos e castas por classes sociais antagônicas,
construídas a partir de novas contradições, novas opressões, e explorações, no âmbito social e
econômico. Pode-se proferir que este processo representou a transformação do Senhor de
escravos e colonos em burguês e a transformação do escravo negro e o do branco pobre em
operário.
Mesmo com a continuação das contradições sociais inerentes ao sistema do capital, a
abolição do trabalho escravo deve ser compreendido, em certa medida, como um “progresso”
(apesar de que a abolição foi um processo muito lento, o qual se estende até hoje). A partir
das novas relações sociais, o poder coercivo sobre os negros para aquisição de sua mais-valia
absoluta, foram minimizados ou substituídos por outros meios, também perversos, de
dominação. No entanto, devemos ter cautela, pois a concepção de “liberdade” disseminada
pelo processo abolicionista se mostra como um elemento alienador para o trabalhador “livre”
e não representa um real melhoramento nas condições de vida do negro. A liberdade aferida
aos escravos, não se constitui em uma “liberdade” concreta e têm por traz interesses do capital
que sempre estarão em detrimento aos interesses da classe explorada.
Desde que a civilização se baseia na exploração de uma classe por outra, todo o seu
desenvolvimento se opera num constante contradição. Cada progresso na produção
é, ao mesmo tempo, um retrocesso na condição da classe oprimida, isto é, imensa
maioria. (ENGELS, in MARX e ENGELS, 1963, 3: 140-141 apud NETTO e BRAZ, 2008).
O escravo torna-se “livre da escravidão”, mas essa liberdade é materializada apenas no
aspecto formal, pois sua condição continua a de subordinação, pois há uma construção social
e econômica que determina isto. Pois, por mais que sejam “livres” para trabalhar e viver, sua
força de trabalho não é suficiente, eles precisam de meios de produção para trabalhar,
produzir riquezas e garantir sua subsistência. No entanto, o capitalismo se assenta também na
propriedade privada dos meios de produção, cujos proprietários são a classe burguesa, em
maioria “branca”. Estando assim, o negro sendo obrigado a vender sua força de trabalho para
garantir a produção e reprodução de sua vida. Assim, o negro passa, junto com alguns brancos
empobrecidos e, principalmente, com imigrantes a compor a classe proletária, composta por
aqueles que não possuem meios de produção, apenas a força de trabalho para vender. E do
mesmo modo, o estabelecimento do trabalho livre, segundo Ianni (1978, p. 42) corresponde a
relações de produção mais propicias à produção de lucro.
41
Na sociedade capitalista, na qual predomina o trabalho livre, a mercadoria aparece
fetichizada a consciência do operário e do burguês. O fato de que o operário vende a
sua força de trabalho por um salário especifico em contrato de que pode vender a diversos compradores, sucessivamente, e de que pode variar o preço dessa venda,
nas condições de mercado, cria no operário a ilusão de que o concreto e o salário, ou
a mercadoria, e não o trabalho alienado, a mais-valia (IANNI, 1978, p. 39).
Assim sendo, o trabalho livre pago por meio do assalario e as possibilidades de
aquisições de mercadorias aparecem aos proletários de maneira “fetichizada”, ou seja, a
mercadoria se apresenta a consciência do operário de forma mística (sendo cultuado). Atribui-
se então a mercadoria um “supervalor” que ela não possui em detrimento reflexão sobre o
trabalho, cuja consequência é o trabalho alienado e a mais-valia extraída.
E a questão do trabalho livre atinge o negro de forma particular, pois mesmo com a
abolição da escravidão, muitas ideologias implicavam na discriminação do negro e na
supressão de oportunidades, assim, os trabalhadores assalariados existentes eram assumidos
por “brancos” (principalmente imigrantes), sendo os piores trabalhos destinados aos negros,
isto quando tinha trabalho, a maioria os negros ficavam na mendicância e extrema pobreza.
Com efeito, desde a constituição da base urbano- industrial da sociedade capitalista,
o que tem resultado da acumulação é, simultaneamente, um enorme crescimento da
riqueza social e igualmente enorme crescimento da pobreza. (NETTO E BRAZ,
2008, p. 137).
E essa pobreza massiva da classe trabalhadora, analisada por Netto e Braz não é
exclusiva dos escravos libertos. A pobreza massiva da classe trabalhadora criada a partir das
contradições entre capital e trabalho é intrínseca ao sistema do capital. Embora a pobreza
sempre tenha existido em várias épocas diferentes na história da sociedade, a pobreza
estabelecida a partir do desenvolvimento do sistema capitalista é diferente, pois é inerente a
esta sociabilidade, sendo expressão das contradições sociais intrínsecas a sociedade do capital.
Conforme Netto (2001, p. 42), referindo-se ao fenômeno Pauperismo na Europa Ocidental,
“afirma que pela primeira vez na história registrada, a pobreza crescia na razão direta em que
aumentava a capacidade social de produzir riquezas”. E esta pauperização justificasse como
resultado da acumulação capitalista inerente ao modo de produção capitalista, que cria uma
polarização entre riqueza/ pobreza compreendida por Netto e Braz:
Todos os métodos de produção da mais-valia são, simultaneamente, métodos da acumulação e toda a expansão da acumulação torna-se, reciprocamente, meio de
desenvolver aqueles métodos. [...] Portanto, [...] a medida que se acumula capital, a
situação do trabalhador, qualquer que seja o seu pagamento, alto ou baixo, tem de
42
piorar. [... a acumulação] ocasiona uma acumulação de miséria, tomento de trabalho,
escravidão, ignorância, brutalização e degradação moral no polo oposto [...].
(MARX, 1884, I, 2:210 apud NETTO E BRAZ, 2012, p. 138).
E a partir disso, Netto e Braz (2012, p. 139) compreendem o debate sobre a “questão
social” engendrada pelo capitalismo, como um meio de comprovação da influência direta da
“lei de acumulação capitalista” no processo de pauperização da classe trabalhadora. E este
processo se articula diretamente a questão racial, pois compreendemos que historicamente
foram os escravos negros os maiores contribuintes na sustentação da lógica de acumulação de
capital, já mencionado. E por isso, também foi à população que mais sofreu com os processos
de pauperização e posteriormente com a “questão social”. Assim, “Os trabalhadores
experimentam, no curso do desenvolvimento capitalista, processos de pauperização que
decorrem necessariamente da essência exploradora da ordem do capital” (NETTO E BRAZ,
2012, p.135).
A pauperização da classe trabalhadora pode ser compreendida através de duas
classificações: a pauperização absoluta e a relativa. Conforme Netto e Braz (2008, p.135) a
pauperização absoluta da classe trabalhadora se caracteriza quando suas condições de vida e
trabalho “experimentam uma degradação geral, como a queda do salário real, aviltamento dos
padrões de alimentação e moradia, intensificação do ritmo de trabalho, aumento do
desemprego”. E a Pauperização relativa ocorre, conforme os referidos autores, “mesmo
quando as condições de vida dos trabalhadores melhoram, com padrões de alimentação e
moradia mais elevados”; sendo caracterizada “pela redução da parte que lhes cabe do total dos
valores criados, enquanto cresce a parte apropriada pelos capitalistas”.
E nesse sentido, a expressão “questão social” surge para designação desse pauperismo.
Conforme Netto e Braz (2008), a questão social surge precisamente quando a base urbano-
industrial do capitalismo começava a se fixar e quando a acumulação se ampliava. A
expressão “questão social” relaciona-se exatamente aos desdobramentos sócio-políticos do
pauperismo, que é imbricada ao desenvolvimento das forças produtivas, mas ao mesmo tempo
diz respeito, as questões políticas que se desenrolam a partir das profundas polaridades entre
riqueza/pobreza expressas pelo pauperismo.
Como meio de reação ao pauperização massiva da classe trabalhadora e concomitante
produção de riquezas, conforme Netto (2001), os pauperizados, do inicio década do século
XIX até seus meados, protestaram de diversas formas, configurando uma ameaça real às
instituições sociais existentes. “Foi a partir da perspectiva efetiva de uma eversão da ordem
burguesa que o pauperismo designou-e como “questão social”.” (NETTO, 2001, p.43). Ou
43
seja, o pauperismo só constitui-se em questão social, quando a classe trabalhadora reconhece
a sua condição de paupérrimo e as dimensões socioeconômicas que as condicionam, e se
apropriam de uma consciência política tendo em vista a eversão da ordem vigente.
Do mesmo modo Iamamoto (2002) e Santos (2012, p.17) reconhecem a “questão
social” como algo intrínseco ao desenvolvimento do sistema capitalista. Segundo Iamamoto
(2012, p.27), a questão social pode ser compreendida como “o conjunto das expressões das
desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a
intermediação do Estado”. Esta perspectiva se contrapõe a outras apreensões conservadoras,
nas quais de acordo com Santos (2012, p. 17), há o desaparecimento “das conexões essenciais
que determinam esses fenômenos”.
A outra perspectiva referida por Santos (2012, p. 17), é analisada por Netto (2001, p.
43) como consequência dos acontecimentos da segunda metade do século XIX, quando
utilização indistinta do termo “questão social” é interrompida por críticos sociais de diferentes
aspectros ídeo-políticos, passando a compor “o vocabulário próprio do pensamento
conservador9”. Esse processo constitui-se também, para o referido autor, com a Revolução de
1848, considerada por ele como um “divisor de águas”, período que encerra o ciclo
progressista da ação de classe da burguesia e impede aos intelectuais a análise conjunta da
economia e a sociedade. Como consequência, há uma crescente naturalização da “questão
social” e distanciamento da crítica às estruturas históricas que a determinam, tendo em vista,
“a defesa da ordem burguesa”.
Mas a explosão de 1848, também “aferiu substantivamente as bases da cultura política
que calçava até então o movimento dos trabalhadores” (NETTO, 2001, p. 45), ou seja, surge a
partir deste acontecimento o evidenciado do antagonismo dos interesses de classes e a
“passagem, em nível histórico-universal, do proletariado da condição de classe em si a classe
para si”, são elementos que contribuem para a construção de uma consciência política sobre a
“questão social”, resolvida apenas com a superação da ordem burguesa.
Destarte, segundo Ianni (2004, p. 88), a “questão social” no Brasil, é posta com a
abolição da escravidão e com a emergência do regime de trabalho livre e toda a sequencia de
lutas por condições melhores. E deste modo, compreendem-se como expressões imediatas da
9 O pensamento conversador contrapõe-se a perspectiva de análise da “questão social” articulada diretamente a
crítica a sua estrutura histórica e econômica, tendo em vista a manutenção da ordem burguesa. Nesse sentido,
essas perspectivas fomentam debates interessantes, inclusive sobre a existência de uma “nova questão social”
analisada por Castel (As metamorfoses da questão social: Uma crônica do Salário. Petrópolis, Vozes, 2. ed.
1999). Veremos na seção 3 como esse pensamento conservador poderá incidir nas ações de intervenção a
questão social.
44
questão social, além do paurerismo, outras problemáticas que fazem frente às conjunturas
sociais, econômicas, e políticas inerentes ao desenvolvimento da sociedade do capital. E nesse
sentido, a questão racial será analisada aqui como expressão da “questão social” no Brasil.
Segundo Ianni (2004, p.87) a “questão social” passou a ser ingrediente cotidiano em
diferentes lugares da sociedade nacional desde o declínio do regime de trabalho escravo, o
qual se articula as relações de classe social e a questão racial. Nesse sentido, compreendemos
a “questão racial” como expressão da “questão social”, pois encontra nas bases capitalistas
um terreno fértil para se desenvolver.
Compreendemos a “questão racial” no Brasil, compreendida como um conceito que
pode designar a realidade concreta das condições de vida da população negra no Brasil, a qual
historicamente foi acompanhada por discriminações, preconceitos e repressões sociais contra
o negro, fomentadas a partir de uma formação social da sociedade brasileira pautada em
desigualdades sociais, políticas e econômicas que determinam as condições de vida da
população negra desde o regime escravista até os dias atuais.
Portanto, compreendemos a pauperização da população negra como uma das expressões
da questão racial no Brasil. Pois quando analisamos o negro como categoria social,
compreendemos esta permeada por resquícios difusão de ideologias e teorias extremamente
cruéis que produziram e reproduzem o mito da inferioridade do negro a propósito do branco,
que ajudaram a legitimar a construção de uma formação social brasileira, marcada pelo abuso
da força de trabalho, da cultura, religião da população negra e posterior “naturalização” dessas
crueldades e discriminações deste o período da escravidão até os dias atuais. Sem esses
elementos seria impossível a compreensão da questão racial no Brasil, a qual se articula aos
antagonismos de classe social essencial a sociedade do capital, fomentando assim a análise do
“lugar” do negro na sociedade brasileira. Que é um lugar de subalternidade, mendicância,
legitimados por uma forte ideologia de Democracia Racial.
Compreendendo o “lugar” ocupado pelo negro em nossa sociedade, construído a partir
de determinantes históricos e culturais presentes na formação sócio-histórica brasileira, a qual
é determinada diretamente pela concepção de classes sociais inerente ao sistema do capital.
Assim, as análises realizadas na subsessão que se sucede tem como centralidade a
categoria pauperismo como uma expressão real das condições de vida da classe trabalhadora,
em essencial da população negra, e a crítica à falsa Democracia racial estabelecida no Brasil,
compreendida como uma forma de mascarar a situação de vida paupérrima da população
negra.
45
2.2. PAUPERIZAÇÃO DA POPULAÇÃO NEGRA E MITO DA DEMOCRACIA RACIAL.
A partir do estudo da questão racial e seus determinantes na condição de vida da
população negra, bem como a compreensão do “lugar” ocupado pela população negra nesta
sociedade, é que centralizaremos nossa análise sobre a situação de produção e reprodução das
precárias condições vida da população negra, apresentando a categoria pauperismo como uma
expressão real dessa situação no Brasil, as quais foram e ainda são construídas histórica e
culturalmente a partir de relações sociais desiguais. E nesse sentido, a ideologia da
Democracia Racial, se põe como um importante instrumento social no processo de
dissimulação da questão racial, cujas expressões na realidade social, dentre outras, se
configura na naturalização do pauperismo, da exploração, opressão e discriminação do negro,
que coloca em evidência contraditoriamente a dimensão ideologia desse artifício conservador.
Compreendemos aqui a questão racial, na atualidade, como expressão da “questão
social”, a qual segundo Ianni (2004, p. 87), desde a decadência do regime escravista, passa a
ser “um ingrediente cotidiano em diferentes lugares da sociedade nacional”. Embora o
racismo e o preconceito racial, enquanto sistema de dominação e exploração, sejam
compreendidos anteriormente a sociedade do capital, analisaremos que a questão racial possui
novas facetas materializadas nas condições atuais de vida da população negra no país.
Na sociabilidade do capital analisamos a pauperização da vida da população negra como
manifestações da “questão social” as quais incidem, principalmente sobre a população negra,
cuja materialização acontece no “contexto em que o emprego, desemprego subemprego e
pauperismo se tornam realidade cotidiana para muitos trabalhadores” (IANNI, 2004, p.87).
Não podemos afirmar que a “questão racial” como expressão da “questão social” atinge
somente a população negra, pelo contrário, pois entendemos conforme Ianni (2004, p. 122)
que “a questão racial compreende toda a gama das etnias, ou raças, e suas mesclas, que
compõem a população”. Mas ao analisarmos a conjuntura histórica e social que envolve as
relações raciais no Brasil, não podemos desconsiderar as construções históricas e culturais que
acometeram particularmente a população negra, por meio da persistência e de concepções e
práticas racistas, as quais justificam e ao mesmo tempo, constitui-se em um dos determinantes
da situação de dominação e exploração a qual o negro é historicamente submetido.
Ao compreendermos a “questão social” como o conjunto das desigualdades sociais,
econômicas, regionais etc., podemos ainda, enfatizar as desigualdades raciais como produto
das relações de dominação e exploração capitalistas, pois são também expressões da “questão
social” em nossa sociedade. As desigualdades sociais, compreendidas essencialmente a partir
46
das contradições entre classes sociais se materializam na vida da população negra de forma
particular por meio também da desigualdade racial. E essas desigualdades são identificadas
não somente pela incoerência entre burguês e proletário, mas nas desigualdades entre negros e
brancos.
A desigualdade racial no Brasil vai permear todos os âmbitos da vida social da
população negra, e segundo dados elaborados pelo Instituto Pesquisa Econômica Aplicada-
(IPEA), Fundo das Nações Unidas para as mulheres (Unifem) e SPM (1993 a 2007) e fontes
do Instituto Brasileiro de Geografia-IBGE dos anos de 1993 até o anos 2010, são analisadas
diferenças sociais entre brancos e negros, as quais vão desde a sua localização regional, sua
condição de inserção no mercado de trabalho, a situação de extrema pobreza da população, as
questões de renda, sua configuração familiar, acesso à saúde, a educação e o nível de
escolarização, até o acesso a serviços básicos.
Segundo elaborações do IPEA sobre os dados do IBGE (1993 a 2007), a população
negra (pretos e pardos) nos anos de 1993 até os anos de 2007 ocuparam majoritariamente a
região nordeste do Brasil. De acordo com dados de 2007 eram aproximadamente 70,0% de
negros contra 29,5% de brancos. E estes dados não são por acaso, estão relacionados
diretamente com particularidades históricas, sociais e econômicas da formação social desta
região, segundo Nascimento (1978) a maioria dos negros africanos foram levados ao nordeste
do Brasil, e mesmo com os processos migratórios registrados na história da população
nordestina para outras regiões brasileiras, tendo em vista dentre outros a tentativa de fugi da
seca, o número maior da população negra na região nordestina manteve-se a mesma. No
Brasil, a região nordeste consiste na localidade mais empobrecida do país, sendo vista sempre
a margem da econômica nacional, pois é compreendidas por ser uma região de menor
desenvolvimento econômico e historicamente região de maior concentração de escravos.
Sendo objeto de constantes ideologias segregacionistas, a partir da reprodução de
preconceitos as regiões nordeste e suas particularidades culturais.
Conforme Hasenbalg (1979), a segregação geográfica dos negros e brancos, se
constitui em uma expressão das desigualdades raciais. Assim, o Brasil estaria dividido
desproporcionalmente entre os negros que vivem no nordeste ou no Brasil em
desenvolvimento, e os brancos que vivem no sudeste ou na região desenvolvido do país.
Dessa forma, as desigualdades raciais entre regiões nos ajudam a compreender parcialmente a
questão racial, pois é necessária também o reconhecendo a existência de suas materializações
nas particularidades presentes em cada região.
47
Podemos compreender essas desigualdades regionais entre negros e brancos, a partir
das reflexões de Hasenbalg (1979, p.167), o qual compreende a política de imigração,
“impregnada como estava de matrizes racistas”, como procedente ao processo de
marginalização de negros no sudeste, reforçando o modelo de distribuição por regiões de
brancos e negros.
A nível nacional, analisamos ainda, que são a maioria dos “brancos” que ocupam as
regiões urbanas do país, as quais são ratificadas segundo dados estatísticos elaborados do
IPEA nos anos 1993 a 2007, que confirmam a permanecem de desigualdades raciais na
ocupação das áreas urbanas e rurais pelo menos durante 10 anos. Em 2007, aproximadamente
79,8 % dos negros ocupam as regiões urbanas versos 87,1% dos brancos, os quais se
constituem maioria. Em contraposição, a população da região rural é constituída por uma
maioria negra, sendo que aproximadamente 20,2% dos negros habitam a âmbito rural contra
12% dos brancos. Analisamos estes dados articulados ao contexto histórico de desigualdades
na obtenção do direito a cidade compreendida entre brancos e negros. A partir do
desenvolvimento das forças produtivas após a abolição da escravatura as oportunidades de
reprodução da vida social estavam centralizadas na cidade serviços sociais básicos, condições
de trabalho e etc., e assim, o negro “liberto” foi continuamente ficando a margem desde
desenvolvimento. Não compreendemos que o espaço rural seja sinônimo de “atraso”, (pelo
contrário, as investidas do grande capital na atualidade no campo mostram a importância
econômica desse espaço) mas devermos considerar que historicamente, as regiões rurais
ficaram a margem do desenvolvimento do grande capital e, em segundo plano nas ações
governamentais. E analisaremos esta particularidade, evidenciada em dados estatísticos, como
consequência do alijamento do negro ao direito a cidade. Assim, a privação de direitos a
cidade se evidencia nas péssimas moradias ou até mesmo na ausência destas, as quais a
maioria da população negra vive. E essas desigualdades raciais compreendidas no âmbito
regional e ainda a partir do acesso desigual ao direito a cidade entre brancos e negros no país,
pode ser analisada a partir das particularidades do modelo de desenvolvimento econômico
social ascendido no Brasil, pautado em uma lógica modernizadora e conservadora, a qual se
apresenta já após a abolição da escravidão e ascensão da burguesia, conforme estuda Soares
(2011, p. 118) que:
[...] os burgueses que se beneficiavam com a modernização da cidade que promovia
a demolição do casario pobre do centro para erguer em seu lugar edifícios e casarões
nos estilos neoclássicos [...], expulsando a população desvalida para os subúrbios e
morros cariocas.
48
A “modernização” da cidade compreendida por Soares (2011), a qual se desenvolveu
de forma desigual entre a classe burguesa e a classe trabalhadora, tem repercussões até a
atualidade. E novamente os dados elaborados pelo IPEA (1993 a 2007) nos possibilita
analisar a conjuntura recente que envolve as condições de moradia das classes trabalhadora e,
em particular o negro. Durante os 10 anos contemplados pelas pesquisas do IBGE e IPEA,
identificamos que no tocante aos domicílios particulares permanentes que dos 56.344.188
existentes, apenas 27.214.106 pertenciam a chefes de família negros.
Do mesmo modo, quando analisamos os dados do IPEA (1993 a 2007) sobre os
domicílios urbanos em condições de infraestrutura precárias ou, conforme o IPEA,
“assentamentos subnormais10
”, identificamos que a população negra se constitui maioria na
ocupação desses domicílios. De acordo com os dados estatísticos, desses domicílios
problemáticos aproximadamente 66,2% são moradias de pessoas negras contra 33,1% dessas
moradias são de brancos. E essas condições de moradia precárias de hoje, são heranças de
uma política urbana racista, que promovia a reurbanização da cidade em detrimento de
milhares de famílias pobres. Segundo Del Piore e Venâncio (2001, p. 276) esta se constituía
majoritariamente pela negra e mulata, as quais foram expulsas das áreas centrais, onde
habitavam em cortiços, para locais mais afastados e de difíceis edificações. Assim, conforme
os referidos autores, “a mesma cidade que se embelezava era também aquela que inventava a
favela”. Representando assim, mais uma expressão das contradições estabelecidas por uma
economia política emergente capitalista desenvolvida no país a partir do aprofundamento de
desigualdades sociais e raciais.
Ao analisarmos a taxa de analfabetismo11
da população brasileira dos anos 1993 até os
anos 2007, identificamos que a maioria das pessoas analfabetas continua sendo as da
população negra. Segundo o IPEA nos dados do ano 2007, compreende-se que
aproximadamente 12,8% dos negros são analfabetos versus apenas 5,7% dos brancos.
Podemos analisar esses dados estatísticos, segundo a concepção de “geração analfabeta”
compreendida por Maestri (2002, p. 135) ao estudar sobre a questão da educação no período
10 Conforme o IPEA (2007), “Assentamento Subnormal: conjunto (favelas e assemelhados) constituído por
unidades habitacionais (barracos, casas e etc.), ocupando, ou tendo ocupado até período recente, terreno de
propriedade alheia (pública ou particular), dispostas, em geral, de forma desordenada e densa, e carente, em sua
maioria, de serviços públicos essenciais”.
11 Taxa de analfabetismo é o percentual de pessoas analfabetas em relação ao total de pessoas em determinada
faixa etária. Conforme o IPEA (2007), analfabeta é a pessoa que não é capaz de ler um bilhete simples.
49
colonial na região do Rio Grande do Sul, afirma que a primeira geração cresceu analfabeta
devido à resistência de alguns colonos, a pequena quantidade de escolas primárias e a
inexistência de escolas secundárias até fins do século XIX. No entanto, quando estudamos
estes dados, tendo por centralidade as desigualdades educacionais existentes no país, devemos
pensar nas particularidades que incidem diretamente nas desigualdades raciais que
determinam, neste caso, as disparidades entre brancos e negros na inserção a educação. Ao
realizarmos uma retomada histórica veremos que antes da constituição de 1988 a educação,
era um serviço predominantemente pago, e nesse sentido apenas os que podiam pagar tinha
este serviço garantido. Sendo que esta realidade somente tem mudança significante a partir da
constituição Federal de 1988, a qual estabelece a educação como um direito social. No
entanto, observaremos que outros aspectos socioculturais, políticos e econômicos incidem
direitamente na problemática do analfabetismo do negro no Brasil, além de uma história
social marcada por alienações, compreendemos na sociedade a necessidade de um grupo
social manter seu poder hegemonia, e contrário a isso, a disseminação da educação se
constitui em uma das formas de construção de uma consciência crítica e contestadora da
classe trabalhadora a ordem vigente, sendo assim, o analfabetismo pode ser também
depreendido como necessário a manutenção de uma estrutura política e social pautada na falsa
democracia e em interesses antagônicos, pois a ordem vigente também se utiliza das
alienações a classe trabalhadora para manter-se hegemônica.
No tocante ao número de pessoas desempregadas, de acordo com o IPEA (1993 a
2007) analisamos que a maioria da população desempregada continua sendo constituintes da
população negra. Conforme dados do ano 2007, aproximadamente 1.746.704 da população
desempregada são negros contra 1.346.108 que são brancos. E essas desigualdades raciais
estão ligadas tanto a aspectos econômicos, quanto a elementos socioculturais, visto que o
racismo ainda se mostra profundamente imbricado as relações raciais reproduzidas nesta
sociabilidade. E nesse sentido, analisamos no país o predomínio da falsa concepção de
igualdade de oportunidades, a qual é difundida para mascarar as discriminações raciais
reproduzidas no cotidiano da vida social, as quais incidem em todos os âmbitos da vida do
negro, principalmente nas condições de trabalho e renda essenciais a reprodução de sua
situação de vida.
Essas desigualdades raciais podem ser compreendidas a partir da análise das suas
múltiplas determinações históricas, político-econômicas e socioculturais, na qual é possível
compreender os laços que prendem estas desigualdades raciais ao desenvolvimento do sistema
econômico capitalista formado a partir de relações raciais apoiadas em uma cultura ratificada
50
por ideologias racistas difundidas entre os séculos XIX e XX. Assim, analisamos as
expressões das desigualdades raciais estabelecidas na contemporaneidade, como heranças
históricas de uma construção social e econômica brasileira, caracterizada por Del Piore e
Venâncio (2001). Os referidos autores compreendem que os primeiros anos da república
foram marcados pelo aprofundamento do processo de europeização do Brasil, marcado pela
importação do ideário sociocultural do belle époque12
, que segundo os autores não estabelece
uma época tão bela. Essa época é caracterizada pela disseminação de visões racistas
importadas, de um lado, os “médicos-higienistas” que acreditavam ser “possível remediar as
debilidades dos descendentes de africanos” (não eram isentos de racismo). De outro lado,
certas correntes teóricas próximas ao darwinismo social, que defendiam “a noção de
sobrevivência do mais forte, chegando mesmo a ver na pobreza um elemento purificador da
sociedade brasileira, na medida em que eliminaria os elementos racialmente tidos inferiores”
(DEL PIORE E VENÂNCIO, 2001, P.274). E assim, compreendemos que este período
histórico teve grandes contribuições as condições de vida da população negra no país.
Conforme Del Piore e Venâncio (2001, p. 273), os anos posteriores à proclamação da
república foram marcados por um turbilhão de transformações, dentre elas a “obsessão” a
adoção do ideário da belle époque as políticas públicas. Neste contexto, são estabelecidas
mudanças a partir de uma nova fase de desenvolvimento econômico, tendo em vista o alcance
do progresso independente dos estragos sociais que esse progresso a “todo custo” poderia
causar a população negra. Ou seja, as políticas públicas dessa época, ao invés de propor o
estabelecimento de melhores condições a vida da população em geral, bem como reparar a
situação de abuso a qual o negro sofrera durante toda a sua história no Brasil até então, tinha
em vista ao contrário, a concretude do progresso econômico no país que desconsiderava suas
consequências a pauperização das condições de vida do negro, ou mais que isso, compreendia
a necessidade de sua total aniquilação, sendo substituída por uma população totalmente
branca, compreendida por esses, como a única capaz de acender o desenvolvimento nacional.
Incidindo assim, diretamente nas condições atuais de vida da população negra.
Dessa forma, essas ideologias racistas vão incidir na disseminação de discriminações e
preconceitos raciais, tendo expressões diretas na naturalização da pauperização do negro,
criminalização da cultura africana, negação de suas crenças e religiões, sua expulsão da
cidade para a margem.
12
Conforme Del Piore e Renato Venâncio (2001, p. 273) a expressão “bele époque” esta presente na constituição
do título de um dos capítulos de seu livro, cuja sua concepção refere-se a um ideário europeizante dos meios
culturais e políticos brasileiros entre os séculos XIX e XX.
51
Podemos compreender essas desigualdades raciais ainda, a partir das reflexões de
Fernandes (1978), sobre a situação de raça da população negra, cuja realidade é bastante
distinta das possibilidades sociais difundidas na ordem social competitiva. De acordo com o
referido autor, a desagregação do sistema de castas e estamentos, adjuntos da escravidão, não
repercutiram diretamente nas relações raciais existentes no passado. E nesse sentido,
compreendemos a situação racial atual do negro permeada de espólios do passado,
identificadas tantos nos mecanismos de dominação racial tradicionais, que conforme
Fernandes (1978, p.457) “ficaram intatos”, quanto à reorganização da sociedade que não
mudaram significativamente, “os padrões preestabelecidos de concentração racial da renda,
do prestígio social e do poder”.
Para Fernandes (1978, p.457), “a liberdade conquistada pelo “negro” não produziu
dividendos econômicos, sociais e culturais”, e os dados estatísticos do IBGE sobre a situação
de vida da população negra no Brasil, ponderados anteriormente, ratificam essa reflexão. As
quais se articulam a condições históricas especificas que, para o aludido autor, estão ligadas
ao desenvolvimento econômico da cidade e as pressões da substituição populacional,
construídas a partir da continuação das relações raciais desiguais, “herdadas pela “população
de cor” do regime escravocrata e senhorial” e que dão bases à construção dessa limitada
forma de sociabilidade, cujos impactos são destrutivos a essa população. Conforme Fernandes
(1978, p.457) essa conjuntura tem contribuição, decisivamente, no agravamento “dos efeitos
dinâmicos desfavoráveis da concentração racial de renda, do prestígio social e do poder”.
As desigualdades raciais existentes no Brasil, cujas marcas se fazem presentes na
condição de vida da população negra (conforme mencionamos anteriormente), podem ser
compreendidas a partir de múltiplos determinantes, dentre eles como expressão da “questão
social”. E assim, analisamos que a expressão “questão social” vem sendo construída ao longo
da história como uma consideração que designa o conjunto das desigualdades sociais,
políticas e econômicas engendradas pela sociedade capitalista. E dessa forma, segundo Santos
(2012, p. 18), a “questão social” não pode ser levantada ao estatuto de uma categoria, pois no
sentido marxiano, compreende-se categoria “como “forma de ser determinação da
existência”.” Destarte, a partir dessa compreensão, conforme a mencionada autora, a “questão
social” em si não existe na realidade e, destarte é compreendida como um conceito.
Segundo Santos (2012, p.18), “as categorias para serem consideradas como tais
devem, antes, ter existência concreta, real, a fim de que seja possível a sua abstração no
âmbito do pensamento”. Assim, a aludida autora, afirma possuir a existência real não da
52
“questão social”, mas sim das suas expressões e, é nesse sentido que compreendemos o
pauperismo enquanto expressão real desta questão.
Seguindo essa reflexão, podemos compreender o pauperismo como uma das categorias
centrais para analisarmos a questão racial no Brasil, pois possui uma existência concreta na
realidade social, se constituído assim, em uma categoria social criada por Marx, sendo
identificada nitidamente nas condições de vida da classe trabalhadora em geral e, em especial,
a população negra.
A pauperização da população negra materializa-se nas precárias condições objetivas e
subjetivas de produção e reprodução de sua vida, que são identificadas pela precarização ou
inexistência de condições de alimentação e moradia, pela diminuição do salário pago,
intensificação da jornada de trabalho e o aprofundamento do desemprego e outras
problemáticas que interferem diretamente na produção e reprodução social do trabalhador.
Mas, o pauperismo aqui analisado tem referencia direta também ao processo de produção e
expropriação privada da riqueza socialmente produzida, e nesse sentido, na medida em que o
trabalhador não recebe o valor total da riqueza produzida por meio de seu trabalho, este
também pode ser compreendido como pauperizado (recapitulação da pauperização absoluta e
relativa compreendida por NETTO e BRAZ, 2008).
Se retornarmos ao período Colonial analisaremos que o Brasil foi o maior importador
de escravos africanos das Américas, estima-se que “entre os séculos XVI e XIX, 40% dos
quase 10 milhões de africanos importados pelas Américas desembarcam em portos
brasileiros” (FLORENTINO, 1997). Conforme Nascimento (1978, p. 49), cerca de 4.000.000
de africanos foram importados ao Brasil (embora, seja impossível estimar o numero de
escravos entrados no país, devido a destruição pelo fogo de todos os documento históricos e
arquivos relacionados ao comercio da escravidão, 1891).
A população brasileira foi constituída a partir de interação violenta e desigual entre três
raças heterogenias: negra, branca e indígena. Visto que, segundo Del Priore e Venâncio
(2001, p.214), “do ponto de vista cultural, os três grupos mencionados não formaram
unidades homogenias, nem muito menos mantiveram relações igualitárias no Novo Mundo”.
E do ponto de vista econômico, compreendemos que essas desigualdades engendradas ao
longo da história, fermentadas no racismo como meio de dominação e exploração da
população negra, encontram na sociabilidade capitalista novos elementos para se desenvolver.
Assim, entendemos que a questão racial está profundamente articulada à teoria de classes
sociais, pois o racismo encontra neste modo de sociabilidade capitalista um campo propício
53
para sua ampliação e para a perpetuação de discriminações, opressões e desigualdades sociais
e raciais.
Hoje a população negra, conforme dados do IBGE – Censo 2010, constitui a maioria da
população brasileira. Segundo estudos13
, no país existem hoje cerca de 97 milhões de pessoas
que se declaram negras ou pardas, e aproximadamente 91 milhões de brancos. O percentual
de pessoas que se declararam negras ou pardas no Censo 2010, pela primeira vez, ultrapassou
a população branca. O que não pode ser confundida como um avanço na construção de uma
identidade racial no Brasil (nada atesta que tal declaração esteja vinculada da real
compreensão política da concepção de identidade racial), embora existam algumas análises
que justificam o aumento das autodeclarações da população negra, a partir da análise das
distinções de fecundidade entre mulheres negras e brancas (cf. afrobras.org.br, 2013).
Porém pode ser apreendida como um parcial avanço, se considerarmos os elementos
ideoculturais racistas presentes no pensamento da população de forma geral e, inclusive da
população negra, pois, como sujeitos sociais também reproduzem o pensamento conservador
e racista da classe dominante, historicamente construída a partir de concepções negativas a
respeito do “ser negro”, as quais se expressam por meio de ideologias racistas que interferem
diretamente no reconhecimento da identidade do negro como etnia, cultura e sujeito político.
Nesse sentido, embora consideremos que os indivíduos também fazem história
(SANTOS e OLIVEIRA, 2010, p. 12), devemos compreender que este indivíduo é
determinado por uma sociabilidade contraditória. Assim, consideramos a relação entre
sociabilidade e individuo como produtos de contradições herdadas historicamente, construídas
a partir das particularidades da população negra no Brasil, o qual foi coagida a receber uma
cultura hegemônica conservadora, etnocêntrica e racista, em detrimento da sua própria
cultura. E desta forma, há uma tendência de reproduzirmos uma cultura nacional
hegemonicamente racista, legitimada a partir da negação da cultura negra, a qual desconsidera
as grandes contribuições da população africana, o que interfere diretamente na construção de
uma identidade racial.
Outro aspecto relevante produto da relação entre individuo e sociedade se constitui na
relação entre objetividade e subjetividade. Na sociabilidade do capital, conforme Santos e
Oliveira (2010, p. 12) as condições materiais se constituem num grande obstáculo que limita o
desenvolvimento pleno e livre da individualidade. Segundo as referidas autoras, ao
considerarmos que as relações entre sociabilidade e indivíduo determinam o modo de pensar e
13 Conforme dados do site afrobras.org.br acessado em 26/04/13 as 02:04.
54
agir da classe trabalhadora e, em especial aqui da população negra, verifica-se “a prevalência
de indivíduos despotencializados em sua criatividade, em sua capacidade reflexiva,
reproduzindo práticas que reiteram processos de alienação e de subalternidade”. E nesse
sentido, depreendemos tanto as influências socioculturais hegemonicamente racistas impostas
pela classe dominante e assimilada pela população negra e historicamente construída (como
sujeito social), quanto às condições materiais de vida, que na maioria da população negra se
apresenta por meio do pauperismo, as quais determinam diretamente a forma de intervenção
do individuo na construção de sua própria história (a ausência da reflexão crítica, produzido
pela alienação).
No tocante as influências socioculturais, ponderamos em nossas análises a difusão de
ideologias, já acima comentadas, que reafirmam o racismo por meio de novas teorias que
disseminam estudos sobre a inferioridade biológica da população negra (a ideologia do
branqueamento era baseada nestes estudos), largamente difundidas na sociedade brasileira já
no século XIX (JACCOUD, 2008, SCHWARCZ, 1993). Segundo Jaccoud (2008), essas
ideologias racistas permitiram o processo de “naturalização das desigualdades raciais”. As
quais embora, não possuam mais nenhuma validade formal (pois as desigualdades raciais
passam a ser explicadas cada vez mais por análises sociais, econômicas e políticas),
repercutem até os dias de hoje na subjetividade social, pois estas ideologias apenas foram
substituídas por outras tais como a ideologia de “Democracia Racial”, a qual apenas constitui-
se em uma forma de mascarar o racismo ao invés de fazer uma oposição e postura crítica.
A ideologia de branqueamento surge no Brasil, a partir de uma reinterpretação das
teorias “científicas” racistas emergidas na Europa no século XIX. Dessa forma, Segundo
Jaccoud (2008, p.53) o ideal do branqueamento da população brasileira consolida-se nas
décadas de 1920 e 1930, conforme a referida autora, mesmo com o enfraquecimento das
“teorias deterministas da raça”. A ideologia do branqueamento, segundo a citada autora, surge
“como uma forma de conciliar a crença na superioridade branca com a busca do progressivo
desaparecimento do negro”, a partir do processo de miscigenação da população brasileira,
tendo em vista resolver a questão racial. Desde modo, as ações políticas eram pautadas na
promoção da imigração de Europeus de cor branca e o impedimento da imigração de pessoas
de cor preta.
A partir dos anos 1930, conforme Jaccoud (2008, p.54), há no Brasil desaparecimento
do discurso racista, em seu lugar emerge um pensamento racial pautado na igualdade dos
cidadãos: “a Democracia racial”. A qual segundo a referida autora, “afirma-se como
55
deslegitimadora da hierarquia social ancorada na identificação racial, ela não deixa de
fortalecer o ideal do branqueamento ao promover a mestiçagem”.
Gilberto Freyre teria sido o criador ou propositor do conceito de “Democracia Racial”
(SOUZA, 2000, IANNI, 2004). Apesar de não ser encontrada em suas obras mais
importantes, essa terminologia tende a sintetizar pensamentos conservadores anteriores, que
buscavam imprimir ao Brasil a imagem de país onde todos tem a mesma oportunidade e não
há discriminação racial, incidindo em um processo de mascaramento do racismo.
Nascimento (1978) traz elementos importantes para pensarmos sobre a situação no
negro na atualidade, tendo como elemento importante a crítica ao conceito de “democracia
racial”, estabelecido a partir da “base de especulações intelectuais” constituindo-se uma
ideologia erigida por uma classe dominante e conservadora, a qual defende a existência de
uma igualdade racial, construída a partir da difusão de uma sociabilidade na qual há
oportunidades análogas entre negros e brancos. Assim, a propagação e a apreensão desta
ideologia na sociedade brasileira, estabelece um obstáculo à luta e resistência do negro, de
modo a inibir a construção de uma identidade de raça, compreendida, a partir de uma
retomada da consciência e valorização dos elementos étnicos e culturais da população negra.
Conforme Jaccoud (2008), a concepção de “democracia racial”, promove nos anos
1930 o progressivo desaparecimento do discurso racista. E para a referida autora aparece em
seu lugar a mestiçagem como um processo benéfico:
[...] emerge um pensamento racial que destaca a dimensão positiva da mestiçagem no Brasil e afirma a unidade do povo brasileiro como produto das diferentes raças e
cuja convivência harmônica permitiu ao país escapar dos problemas raciais
observados em outros países. (JACCOUD, 2008, p. 10)
Da mesma forma Nascimento (1978), compreende o processo de miscigenação no
Brasil como uma estratégia da “raça dominante” para a ascensão do processo de “genocídio”
do negro brasileiro. O qual se constitui em uma ideologia alienante, que tem o intuito de
estabelecer a miscigenação como processo advindo das consensuais relações sexuais entre os
colonos “brancos” e as mulheres negras. O que não é verdade, visto que a mestiçagem no
Brasil foi um processo extremamente truculento, no qual as mulheres negras eram, em sua
maioria, violentadas e obrigadas por sua condição de gênero que estabelece a construção
social, de mulher frágil e indefesa, aliada a sua condição de raça, considerada
preconceituosamente como inferior, a estabelecer relações sexuais com homens “brancos”
legitimados socialmente como “superiores”. Segundo o referido autor, “o mito da
“democracia racial” enfatiza a popularidade da mulata como “prova” da abertura e saúde das
56
relações raciais no Brasil”. Quando na verdade ainda predomina um “estereótipo racial” com
relação às mulheres14
negras e mulatas, identificado conforme Nascimento (1978) a partir de
relações sociais exposta nos ditos populares: “branca para casar, negra para trabalhar e mulata
para fornicar”.
Conforme Hasenbalg (1979, p.18), os intelectuais conservadores ao analisar as
relações raciais, enfatizam “o caráter único e harmonioso das relações raciais no Brasil”. Para
o referido autor, há meias verdades nestas visões, com relação à concepção de que o Brasil se
constitui em um exemplo de uma “democracia racial”, pois “quanto são feitas comparações
internacionais, o Brasil distingue-se pela ausência de formas extremas e virulentas de
racismo”. No entanto, estas comparações não seriam também formas mascarar a realidade
posta? O racismo velado pode ser tão agressivo quanto o racismo explícito. É inegável que no
Brasil coexistam racismo explícito ou velados (de forma menos enfática como nos EUA e
África): expressos desde aquele racismo compartilhado socialmente de forma velada, até, o
racismo que se concretiza de forma ostensiva todos os dias na vida de milhares de brasileiros
negros, as quais são discriminados na seleção de empregos, ignorados em lojas, barrados em
certos ambientes, em todos esses lugares o racismo esta presente como meio de segregação e
opressão.
Nascimento (1978, p.) vai considerar ainda, que o assunto de “democracia racial”, está
dotado de “características intocáveis de verdadeiro tabu”. A partir da concepção de
“democracia racial” disseminada socialmente, as questões raciais passam a ser negadas, sendo
o Brasil um país de justiça racial, e qualquer questionamento a esta ideologia é compreendida
essencialmente como uma afronta a suposta harmonia entre raças estabelecida no Brasil. No
contraponto a essa mistificação ideológica, em 1965, Fernandes aponta decisivamente para
uma crítica a esta ideologia, quando estabelece a concepção de “Mito da Democracia Racial”,
e não como uma afronta a harmonia entre raças, pois esta nunca existiu, mas como um “grito”
de protesto em nome da população negra, tendo em vista o enfrentamento à questão racial
latente desde a escravidão até os dias de hoje.
Compreender o mito da democracia racial implica em rebater as construções
ideológicas mistificadoras da realidade social, que anunciam o Brasil como um país
igualitário, sem preconceitos ou discriminações de raça.
14
A partir das reflexões de Nascimento (1978) sobre o processo de miscigenação compreendido a partir da
violência da mulher negra no país, podemos analisar o agravamento da problemática das questões raciais
articuladas questão de gênero construído socialmente a partir de relações sociais pautadas no patriarcado.
57
De acordo com Jaccoud (2008, p.57), com o ideal de democracia racial há um
gradativo desaparecimento dos debates sobre questão racial, sendo as desigualdades raciais
limitadas à análise da distribuição de renda, desconsiderando os aspectos sociais, políticos e
econômicos que incidem sobre essas desigualdades. No entanto, conforme a referida autora,
os estereótipos e preconceitos raciais continuaram presentes na sociedade brasileira,
“intervindo no processo de competição social e de acesso as oportunidades”. Mas agora, esse
racismo é reproduzido de forma dissimulada, o que mantém “as velhas” maneiras de opressão
e discriminação, mas impedem às formas reais de enfrentamento a questão racial.
Conforme Saffioti (1987, p.60), embora o racismo e patriarcado sejam anteriores ao
modo de produção capitalista, foi a partir da emergência do sistema do capital que houve uma
simbiose entre o patriarcado, o racismo e o capitalismo, cujos se tornam inseparáveis na
realidade objetiva. Transformaram-se, conforme a referida autora, em um único sistema de
dominação-exploração designado por ela como “patriarcado-racismo-capitalismo”. Assim,
compreendemos que o racismo só poderá superado, a partir da superação da ordem burguesa,
a qual se reproduz e, ao mesmo tempo, nutre relações racistas em nossa sociabilidade, pois
são complementares em um processo de legitimação de dominações e explorações.
Assim, para Saffioti (1987, p.51), a democracia racial como algo inverídico,
facilmente verificado a partir a análise da realidade objetiva, cuja desigualdades raciais podem
ser identificadas por estatísticas que ratificam os negros como sendo os que ocupam lugares
menos prestigiados, sendo passivamente mal remunerados, apresentando sempre os baixos
graus de escolaridade, sendo privados de poder político.
Diante disto, na medida em que o negro é alienado por essas ideologias dominantes,
sendo excluído dos processos de participação política, impedem a reflexão crítica sobre sua
pauperização e subalternidade, instituída socialmente, diante do branco, articulada as
desigualdades inerentes a esta sociabilidade de classes que prosseguem e determinam as
precárias condições de vida do negro e, assim não permite que o negro se manifeste enquanto
demanda social; se ausentam dos espaços de participação e discussão políticos, essa demanda
é tomada como invisível, o que impede o estabelecimento de ações afirmativas mais vigorosas
na busca da igualdade racial substantiva, para além da igualdade formal.
O modo de sociedade que estabelece no Brasil a democracia racial é a mesma que
instituiu a “liberdade” aos escravos africanos no Brasil em 1888, o qual liberdades somente se
materializa no campo formal. Pois, esse modo de sociabilidade se estrutura a partir de um
modo de produção econômico incapaz de promover relações sociais justas para todos, sendo
58
essas ideologias apenas promessas que não podem ser cumpridas. Conforme Mészáros (2008,
p. 20):
Fato doloroso é que, não obstante todas as promessas autojustificadoras, até hoje o
capital falhou em satisfazer mesmo as necessidades elementares da maioria
esmagadora do gênero humano. (MÉSZÁROS, 2008, p. 20).
Conforme Ianni (2004) o capitalismo tem sido visto, de forma geral, como o emblema
do progresso, evolução e modernização, representando a democracia e cidadania, e esta é
reafirmada pelo pensamento liberal que surge na luta da burguesia15
contra a dominação
exercida pelo Clero e contra as relações econômicas feudais, e, atualmente, pelo pensamento
neoliberal. No entanto, essa concepção pode ser depreendida apenas como fábula posta pelos
conservadores das classes burguesas, pois é contrariada pela própria realidade social. A qual
também é pensada pelo referido autor, o qual compreende que este sistema tem sido visto
ainda como o símbolo “da decadência, pauperismo e intolerância, bem como da tirania e da
barbárie” (IANNI, 2004, p.9). O qual é ratificado nos dados estatísticos que ponderam as
condições desiguais de vida entre brancos e negros na sociedade brasileira consolidada em
relações sociais capitalistas.
De acordo com a concepção da sociedade capitalista como “emblema da democracia”,
pode se compreender que “os interesses e os liames das classes sociais poderiam unir as
pessoas ou os grupos de pessoas, fora e acima das diferenças de “raça””, porém, conforme
analisa Fernandes (1978, p.459) é ao contrário, os interesses das classes sociais, “divide e
opõe, condenando o “negro” a um ostracismo invisível e destruindo, pela base, a consolidação
da organização social como democracia racial”.
O sistema do capital, que institui o antagonismo entre classes sociais como inerente ao
seu desenvolvimento, aproveita-se do racismo e do preconceito racial contra o negro,
estabelecido socialmente deste a antiguidade, para legitimar as explorações e opressões
essenciais à acumulação do capital.
A acumulação capitalista se constitui no motor que incidi na existência e
desenvolvimento deste modo de produção capitalista, compreendido a partir da compreensão
da “lei geral da acumulação capitalista”, pois conforme Netto e Braz (2012, p.126) “não existe
capitalismo sem acumulação de capital”, a qual é produzida a partir da exploração da força de
trabalho e extração da mais-valia do trabalhador, e dessa forma tem fortes impactos à classe
15 O liberalismo burguês é permeado por contradições, se evidenciam quando a classe burguesa tornar-se classe
hegemônica, e muda para reacionária, passando a manipular o poder em defesa da propriedade, da exploração do
trabalho e da concentração de capital em detrimento da igualdade social defendida antes. John Locke (1632-
1704) foi o principal teórico do liberalismo burguês na revolução liberal inglesa de 1669.
59
operária. Segundo Marx (1996, p.734), a acumulação capitalista possui dentre outras
consequências às classes operárias, a criação do exército industrial de reserva, o qual
“proporciona o material humano a serviço das necessidades variáveis de expansão do capital e
sempre pronto para ser explorado”, o qual incide diretamente no processo de pauperização da
classe trabalhadora, consequente do processo de exploração, alienação e precarização da força
de trabalho.
Com o desenvolvimento do sistema capitalista, segundo Netto e Braz (2012, p.137) “o
que tem resultado da acumulação é, simultaneamente, um enorme crescimento da riqueza
social e um igualmente enorme crescimento da pobreza”.
No Brasil, o sistema do capital se desenvolve a partir de aspectos históricos e sócio-
culturais particulares inerentes à formação social brasileira, fundado e consolidado também
por meio da exploração da população negra, inicialmente como escravo e posteriormente
como trabalhador assalariado16
. Nesse país o capitalismo se desenvolve a partir da derrubada
do regime escravista e senhorial, o qual é caracterizado pela “liberação” da população negra,
pela substituição do trabalho escravo pelo trabalho assalariado, pela aceitação de novas
concepções políticas, desenvolvimento dos meios de produção, e organização da sociedade
em classes sociais com antagonismos evidenciados. Para Fernandes (1978, p.457) “a
formação e a consolidação do regime de classes não seguiram um caminho que beneficiasse a
reabsorção gradual do ex-agente do trabalho escravo”. O modo de sociabilidade vigente
desenvolveu-se e consolidou-se a partir de novas relações sociais, mas tendo por base a
reprodução de desigualdades raciais herdadas do passado. Dessa forma o referido autor,
compreende que a expansão dessa nova ordem sucedeu-se de forma compactada, “como
autêntico e fechado mundo dos brancos”.
Para Fernandes (1976), ocorreu no Brasil um processo de revolução burguesa,
compreendido pelo autor como o conjunto de transformações econômicas, tecnológicas,
sociais, psicoculturais e políticas inerentes ao desenvolvimento do capitalismo no país em sua
fase industrial, a qual é marcada pela substituição da ordem social senhorial pela emergência
da sociedade de classes. A qual apresenta importantes avanços, mas continua permeado por
fantasmas do passado escravocrata. Embora, caracterizado por mudanças nas relações sociais,
continuam estruturadas em antigas heranças culturais que estagnaram até os dias de hoje a
16 Não pretendemos aqui reduzir a concepção de classes trabalhadoras à questão do negro, visto que
compreendemos que a classe operária se constitui em um grupo de sujeitos singulares e diversos na sua condição
humana. No entanto, depreendemos que no Brasil, a classe trabalhadora é formada, em sua maioria, pela
população negra.
60
situação de exploração e opressão a qual a população negra foi submetida durante o período
escravista (explorações e opressões com novas dimensões, mas com estrutura análoga).
Destarte, para Fernandes (1978, p.457) a revolução burguesa pode ser analisada em
duas fases. Na primeira fase da revolução burguesa, marcada temporalmente pelo
esgotamento do regime escravista e o início da II grande guerra, se constitui em uma resposta
“aos interesses econômicos, sociais e políticos dos grandes fazendeiros e dos imigrantes”. Na
segunda fase dessa revolução, é estabelecida, conforme o referido autor, “sobre os auspícios
de um novo estilo de industrialização e de absorção de padrões financeiros, tecnológicos e
organizatórios característicos de um sistema capitalista integrado”, a qual estava subordinada
aos interesses econômicos, sociais e políticos da burguesia construída, principalmente pelos
antigos senhores de escravos, ou seja, aos interesses da maioria de uma população branca.
Portanto, para Fernandes (1978, p. 457 e 458), “em vez de ajustar-se à ordem social
competitiva, a situação de raça da “população de cor” teria permanecido inalterável, não
fossem as transformações sofridas pelo fluxo da substituição populacional”, ou seja, em sua
essência a questão racial permanece impregnada do racismo e preconceito racial legados do
antigo regime, a qual é depreendida como fundamentação que legitima a continuação do
abuso à força de trabalho e vida da população negra. Assim como no antigo regime, na
revolução burguesa, o negro se constituiu como essencial fonte de força de trabalho ao
processo de modernização e industrialização do país.
As peculiaridades que compõe a revolução burguesa no Brasil, pautadas na
continuidade dos abusos a população negra e recusas ao seu reconhecimento substancial
enquanto sujeitos sociais iguais, independente da “cor de pele”, vão incidir na forma
precarizada como o negro é compreendido na sociedade de classes e no processo de
pauperização de sua vida. Tendo na ideologia de “liberdade do negro”, o mascaramento da
falta de oportunidade social a este grupo social, influenciados pelo preconceito de cor, e
mesmo pela falta de oportunidades iguais para todas, ilusoriamente difundidas pela
sociabilidade do capital. Na verdade, no capitalismo não há as mesmas oportunidades para
todos, pois as desigualdades sociais são inerentes ao sistema.
A questão racial da população negra na sociabilidade do capital tem sido
compreendida, somente a partir de um processo de integração enviesado da população negra
ao desenvolvimento da ordem social competitiva. Conforme Fernandes (1978), existe uma
pressão integracionista, que atua “no sentido de compelir o negro a absorverem as normas, os
padrões de comportamento e os valores sociais da ordem social” vigente. E essa pressão tem
reconhecimento desde a histórica negação e deturpação da cultura e religião da população
61
africana, a partir de sua criminalização e difusão de inverdades, assimiladas pelo senso
comum até os dias de hoje. E, se aprofunda, a partir do desenvolvimento das relações sociais
capitalistas, tendo em vista a adequação da população negra aos padrões estabelecidos pela
ordem social vigente, bem como para a própria legitimação de sua exploração e dominação
exercidas por esse sistema econômico e político. Não obstante, para o aludido autor, trata-se
de uma pressão integracionista que não intervém, propriamente “nos padrões predominantes
de concentração racial da renda, do prestigio social e do poder” (FERNANDES, 1978, p.333).
Desta forma, compreendemos que a população negra, longe de participar diretamente
da distribuição da riqueza socialmente produzida, a qual lhe foi historicamente usurpada, é
compreendida, majoritáriamente, como um grupo social que está em permanente situação de
pauperismo no país. E segundo Marx (1996, p. 747) sob o capitalismo “o pauperismo
constitui o asilo para os inválidos do exército ativo de trabalhadores e o peso morto do
exercito industrial de reserva”.
O pauperismo é uma categoria que pode ser depreendida a partir da análise das
precárias condições de produção e reprodução da vida das classes trabalhadoras no sistema do
capital. Nisto, compreenderemos esta categoria social, particularmente, a partir da análise da
situação de vida da população negra no Brasil, não como forma de redução da categoria
pauperismo, pois compreendemos sua essencialidade na vida do operário nesta ordem social,
mas como uma minudência da questão racial no país. A qual estabelece a legitimação e
naturalização da situação de pobreza do negro, frente à produção acelerada de riquezas
sociais.
Tabela 1: Pessoas de 10 anos ou mais de Idade, por cor ou raça e as classes de rendimento
nominal mensal – Brasil – 2010.
Fonte: IBGE – Censo 2010.
62
Conforme dados do Instituto Brasileiro Geográfico e Estatístico - IBGE (2010) acima
ilustrados, compreendemos que estes números apresentam elementos que nos possibilitam
analisar minimamente, a realidade social brasileira, na qual se evidencia uma relevante
desigualdade social inconteste na ordem social vigente. Assim, a desigualdade social é
ratificada nas disparidades entre renda, onde, de acordo com a tabela do IBGE (2010),
aproximadamente 60. 071. 024 milhões de pessoas não possuem rendimentos, quase a metade
do total da população brasileira. A partir dos dados estabelecidos na tabela acima, podemos
ainda, depreender uma mascarada desigualdade racial, a qual revelar-se nas condições de
pauperização da população negra frente ao crescente desenvolvimento econômico vivenciado
pelo país. Em 2010, ano de coleta de dados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), depreendemos conforme estatísticas17
que o Brasil apresentou um profundo
crescimento econômico, caracterizado por um aceleramento do crescimento de acima de 9%
do Produto Interno Bruto (PIB).
Assim, esta população identificada qualitativamente como sem renda, pode ser
compreendida aparentemente como sendo pessoas que não possuem trabalho formal ou
informal expressos por diversos determinantes conjunturais e estruturais, os quais também
podem ser estudados, a partir de uma perspectiva de que essas pessoas são constituintes do
exército industrial de reserva criado pelo capitalismo. E no Brasil, analisamos a
particularidades sócio-historicas que incidem em desiguais raciais e na concentração racial de
renda no país. Essa análise tem fundamentação, ainda, a partir do estudo dos dados do IBGE
(2010) acima exposto, no qual é ratificado que aproximadamente 32.950.799 milhões das
pessoas que não possuem renda confirmada são negras ou pardas, versus 26. 122. 047 de
pessoas brancas as quais não possuem rendimentos. Sendo da população negra, a maioria das
pessoas pode ser considerada como fazendo parte de uma exercito industrial de reserva, o qual
está diretamente ligado a pauperização das condições de trabalho e vida da população negra
que é constituinte das classes trabalhadoras no país. Conforme Marx (1996):
Quanto maiores à riqueza social, o capital em função, a dimensão e energia de seu
crescimento e consequentemente a magnitude absoluta do proletariado e da força
produtiva de seu trabalho, tanto maior o exército industrial de reserva. A força de
trabalho disponível é ampliada pelas mesmas causas que aumentam a força
expansiva do capital. A magnitude relativa do exército industrial de reserva cresce,
portanto, com as potências da riqueza. E, ainda, quanto maiores essa a camada
lázaros da classe trabalhadora e o exercito industrial de reserva, tanto maior, usando-
se a terminologia oficial, o pauperismo. (MARX, 1996, p.747).
17 Conforme dados obtidos no site www.veja.abril.com.br, acessado no dia 15 de maio de 2013.
63
Assim, Marx realiza críticas à expansão do capital, tendo em vista o crescimento do
exército industrial de reserva e a pauperização das classes trabalhadoras. E a partir disso,
podemos compreender as desigualdades raciais e de concentração racial de renda, pois a
população negra, embora seja a maioria da população brasileira, se constitui em minoria na
análise da concentração racial de renda no país, visto que, conforme o IBGE (2010), das
pessoas que apresentam renda superior a 30 salários mínimos aproximadamente 227. 808 mil
são brancos, enquanto que apenas 37.103 mil são negros. Identificamos ainda,
qualitativamente, que são as pessoas negras que constitui a maioria dos que não possuem
renda ou apresentam sub-renda, tendo influência direta na pauperização dessa população,
identificada a partir das contradições do sistema, o qual produz pobreza e miséria, ao mesmo
tempo em produz inversamente na mesma proporção riquezas. Ou ainda pior, podemos
entender conforme Marx e Engels (1977, p.9) que “o trabalhador cai no pauperismo, e este
cresce ainda mais rapidamente que a população e a riqueza”.
Compreendidos segundo Marx (1996, p.747), que “o pauperismo faz parte das
despesas extras da produção capitalista, mas o capital arranja sempre um meio de transferi-las
para a classe trabalhadora e para a classe média inferior”. Assim, a pauperização das classes
trabalhadoras se constitui em uma condição que é inerente ao sistema, sendo arremetidas as
pessoas a responsabilidade pela sua própria pauperização e reprodução social. A partir disso,
podemos analisar a pauperização da população negra no Brasil, pois se constitui maioria e nos
dados estatísticos são identificados como a questão do pauperismo. De acordo com a tabela
acima, nos dados do IBGE (2010) processamos que das pessoas que estão em situação de
extrema pobreza18
, aproximadamente 3. 549. 531 milhões tem renda de ¼ do salário mínimo
são pessoas negras ou pardas, enquanto que aproximadamente 1. 404. 515 milhões que
apresentam renda de ¼ do salário mínimo são brancos. Assim, compreendemos que a
população negra se constitui a mais empobrecida da população brasileira.
Segundo Marx e Engels (1977) “o operário moderno, pelo contrário, longe de se
elevar com o progresso da indústria, desce cada vez mais abaixo das condições de sua própria
classe”. E nesse sentido, compreendemos que a partir dos anos 1990 muitas transformações
18 Famílias em situação de extrema pobreza são, conforme o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS,
2011), aquelas que possuem renda per capita de ¼ do salário mínimo. http://www.mds.gov.br/bolsafamilia,
acessado em 15 de abril 2013. E nesse sentido, é fundamental realizarmos a criticamos essa concepção de
pobreza, a qual somente considera o fator de renda como meio de definição da mesma. Visto que, os principais
fatores da pobreza não analisados, o que reforça a concepção de auto-responsabilização do sujeito pela sua
condição de pobreza.
64
econômicas e políticas incidiram diretamente no aprofundamento das desigualdades sociais,
raciais e, no consequente arrefecimento das condições de vida da classe trabalhadora,
principalmente da população negra. Mudanças às quais são produzidas como resposta às
inelimináveis crises inerentes ao modo de produção capitalista, e nesse sentido, embora essas
crises impactem negativamente todos os sujeitos sociais, “os trabalhadores sempre pagam o
preço” (NETTO; BRAZ, 2008, p. 163).
Assim, com a adesão de uma política econômica neoliberal as ações do Estado
(processo de contrarreforma do Estado iniciada a partir dos anos 1990, conforme BEHRING,
BOSCHETTI, 2010, p. 148), os novos modelos de constituição de mercados e o
aprofundamento dos processos de globalização (os quais são resultantes do processo de
reestruturação produtiva mudanças econômicas estabelecidas em resposta à crise do capital
em 1929) tem por consequência o acirramento das desigualdades sociais, que no Brasil,
também têm uma estreita relação com as desigualdades raciais.
Nesse sentido, compreendemos que essas transformações econômicas e políticas têm
repercussão direta no processo de desestruturação do trabalho19
, apesar da queda dos índices
de incidência da exploração do trabalho infantil (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 185), e
tem por consequência o adensamento da pauperização da classe trabalhadora (classe social
que, no Brasil, é constituída também por parcelas significativas da população negra) - “há
uma persistência da pobreza e da desigualdade social” que interferem diretamente na
regressão dos direitos sociais e na crise das políticas sociais que se reduzem ao trinômio do
neoliberalismo para as políticas sociais “Privatização, focalização/ seletividade e
descentralização” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p.155), incidindo ainda nas políticas
afirmativas20
de combate e enfrentamento às questões raciais, o que minimiza as
possibilidades de resistência e enfrentamento as expressões da questão social no país. De
modo geral, essas problemáticas revelam-se enquanto expressões da questão social, as quais
são fruto do acirramento das contradições entre o capital e trabalho engendradas pelo modo de
sociabilidade do capital e, contribuem para um processo de pauperização e marginalização da
população negra.
A pauperização da população negra se põe na realidade social como uma problemática
bastante complexa, que se apresenta no Brasil moderno como uma miscelânea entre o passado
19 (Des) estruturação do trabalho e condições para a universalização da Previdência Social no Brasil. Maria Lucia
Lopes da Silva. BRASÍLIA – DF 2011 20 Discorreremos sobre este tema na subseção 1 da seção III.
65
e o presente. Podendo ser depreendida na realidade objetiva a partir do estudo das condições
de trabalho e renda da população negra.
No Brasil, de acordo com estudos do IBGE (2009) sobre os dados da Pesquisa Mensal
de Emprego – PME (2009), embora o número de negros e pardos represente menos da metade
da população socialmente ativa, aproximadamente 45,3% da população total, os negros e
pardos constituem mais de 50,5% da população desocupada. E estes índices diz repeito a uma
real desigualdade racial na inserção ao trabalho. E nesse sentido, a partir dos dados da PME,
também ajuizamos uma heterogeneidade entre negros e brancos relacionadas às características
de trabalho, posição e ocupação. Segundos PME, a categoria de trabalhos domésticos se
estrutura como o principal trabalho caracterizado pela maior predominância de negros e
pardos, constituem 61,6% das pessoas ocupadas nos serviços domésticos. Sendo as ocupações
relativas à construção civil composta por 59,6% de pessoas negras. Como podemos verificar,
geralmente, são auferidos aos negros trabalhos, cujas principais atividades são baseadas na
força física de trabalho, e esse fato não acontece aleatório, havendo uma articulação direta
com concepções racistas sobre a imagem do negro em nossa sociabilidade. Assim,
depreendemos que a imagem atual do negro é direta ou indiretamente associada ao negro
escravo, detentor apenas da força física ou em situação de perpetua subserviência, servidão,
assim como eram tratadas os antigos escravos, os quais não trabalhavam como mão de obra
nos engenhos, trabalhava na arrumação, na cozinha, como babás nas casas dos senhores de
engenho, sempre sujeito ao senhor “branco”. Conforme analisa Frederico (2009), o Brasil
herda do regime escravista uma tradição de brutalidade nas relações de trabalho, a qual possui
influência na apreensão, em geral, do trabalho manual como uma atividade desprezível, sendo
somente valorizado o trabalho intelectual, o qual é privilégio das classes altas.
Conforme dados do IBGE (2010), o rendimento médio mensal das pessoas de 10 anos
ou mais de idade, equivaler a R$ R$ 1.202,00, estando à área rural apresentando grandes
disparidades em comparação com a extensão urbana. Analisado este rendimento a respeito da
raça ou cor, identificamos que a população branca possui uma renda superior ao dá média
nacional, sendo equivalente à R$ 1.538, 00. Enquanto que os rendimentos mensais dos negros
e pardos chegam a pouco mais da metade dos índices nacionais, aproximadamente R$ 834,00
para os negros R$ 835,00 para os pardos. A partir disso, podemos ratificar a existência de uma
concentração racial de renda no país, a qual tem estreitos laços com um passado de servidão
do negro ao branco, resultado de um contexto de expropriação pelo branco da riqueza
socialmente produzida pelo negro, de naturalização e continuação dessa exploração, conforme
especifica a tabela abaixo:
66
Tabela 1: Valor médio do rendimento mensal total nominal das pessoas de 10 anos ou mais de
idade, residentes em domicílios particulares permanentes, por cor ou raça. – 2010.
Fonte: IBGE – Censo 2010.
Os dados sobre a realidade social brasileira confirmam as precárias condições de
trabalho e renda da população negra. Diante das pesquisas é impossível negarmos ou
fantasiarmos o preconceito e a discriminação racial, ainda, reproduzidas pelas relações sociais
no modo de sociabilidade hegemônico, as quais se constituem em elementos socioculturais
basilares para a compreensão das desiguais relações de trabalho entre negros e brancos. E
essas questões se expressão quando depreendemos uma sociedade que se utiliza da cor de pele
como critério de seleção de empregados, por exemplo.
As desigualdades nas oportunidades de trabalho e renda da população negra também
podem ser compreendias a partir da necessidade do sistema econômico vigente da insaciável
acumulação de capital, conforme Marx (1996, p. 584) “a produção capitalista não é apenas a
produção de mercadorias”, ou ainda, como depreendemos na contemporaneidade o mercado
financeiro, “ele é essencialmente produção de mais valia”. E nesse sentido, o racismo como
ideologia que compreende a inferioridade do negro sobre o branco pode ser utilizada como
uma forma de justificar os baixos salários destinados a classe trabalhadora, de maneira a
aumentar a extração de mais-valia pelo capitalista em detrimento da redução salarial dos
trabalhadores. Dessa forma, a força de trabalho do negro é desvalorizada em uma sociedade
racista e preconceito que estabelece socialmente a cor da pele como parâmetro capaz de medir
a competência e a capacidade do negro frente ao branco.
A pauperização da população negra compreende a precarização de sua vida, a qual
pode ser caracterizada a princípio pelas precárias condições de trabalho e renda, mas que
possuem expressões diretas as condições de acesso a direitos e serviços sociais, tais como: as
condições de acesso à saúde, educação, direito a cidade, a condições habitacionais e de
habitabilidade, a infraestrutura de saneamento básico dentre outros.
No que diz respeito às condições de trabalho e renda da população negra,
identificamos o acesso ao direito a educação como articulado a inserção desigual no negro na
divisão social e técnica do trabalho. Sobre o direito a educação, ratificamos as disparidades
educacionais entre negros e brancos. E no tocante, ao nível educacional, os dados do ano
67
2007, estabelecidos pelo IPEA (2007), verificamos que aproximadamente 18,7% da
população negra possuem menos de um ano de estudo versos 9,1% dos brancos.
A população das classes trabalhadoras são os que ocupam os piores espaços
socioespaciais com maiores riscos ou de difícil acesso, sendo que, na maioria, são os negros
os que ocupam lugares como as favelas, as casas de palafitas, barracos, ou seja, sempre a
margem do desenvolvimento urbano das grandes cidades, em péssimas condições de
habitação e habitabilidade que têm interferência direta na qualidade de vida dessa população.
Podemos compreender esse contexto social a partir das reflexões de Ferreira (2005) sobre a
propriedade urbana no país. A qual tem uma origem histórica ainda nos acontecimentos do
século XIX, compreendidas a partir da divisão de terras socialmente e racialmente desiguais
estabelecidas a partir dos processos socais antes e após o estabelecimento da Lei de terras.
Conforme o aludido autor, mesmo antes da promulgação dessa lei, por meio da expulsão dos
pequenos posseiros e ocupação indiscriminada de terras por grandes proprietários rurais, foi
consolidado o latifúndio brasileiro. E após a promulgação da Lei de terras, de acordo com o
autor, compreendemos que a propriedade de terras se constitui em um novo indicativo de
poder e riqueza as elites, pois ao contrário já não podiam ter sua riqueza medida pelo número
de escravos que possuíam. Assim, após a abolição da escravatura, a sociedade era dividida
entre os grandes proprietários de terras (população constituída por brancos, antigos senhores
de escravo) e os negros libertos sem possibilidades de comprar terras. Já na república essas
desigualdades permanecem. Conforme Ferreira (2005), no Brasil industrial, o acesso à cidade
urbanizada só era possível para aqueles que pudessem pagar por ela, além disso, ponderamos
sobre um processo chamado de “higienização social” compreendido pela instituição de uma
reforma urbana, a qual foi responsável pelo embelezamento da cidade em detrimento a
população pobre. Assim os pobres e miseráveis foram expulsos da cidade em direção aos
aclives e declives quase inabitáveis das cidades, dando origem aos primeiros bairros
suburbanos e favelas do país, os quais continuam sendo habitadas pela população mais
empobrecida, em sua maioria negra.
Estes dados estatísticos ratificam as desigualdades raciais e concentração racial de renda
nas mãos de uma classe burguesa de ascendência da população branca em detrimento ao
pauperismo majoritário da população negra. Podemos compreender essa problemática a partir
das reflexões de autores como Ianni (2004) e Fernandes (1987) sobre o Brasil moderno, cujos
estudos nos possibilitam a apreensão dessas desigualdades raciais como heranças do bárbaro
passado escravocrata do país. Que ao mesmo tempo, também são aprendidas como
implicações de uma estrutura socioeconômica pautado no racismo e em discriminações raciais
68
entre negros e brancos, o qual é cotidianamente mascarado por ideologias que disseminam o
mito da democracia racial, aqui posto em confronto com a análise de dados empíricos da
realidade racial no Brasil. A situação de pauperismo da população negra no país, há muito
tempo propagada por discursos preconceituosos e racistas presentes em piadas, “ditados
populares”, trocadilhos e outros, confirmam a situação de pobreza da população negra, bem
como, rememoraram concepções de inferioridade do negro sobre o branco.
Analisamos que o capitalismo se desenvolve e se aperfeiçoa a partir de diferentes ciclos
econômicos, mas continua incapaz de sanar seus prejuízos à classe trabalhadora e,
particularmente no Brasil, a população negra. Se no passado, o capitalismo mercantil
(sobretudo na Europa) entusiasmava as explorações das riquezas produzidas pelos escravos
negros o Brasil colônia, atualmente, as formas de exploração e expropriação sociais inerentes
ao capitalismo em sua fase imperialista ainda incide, de modo muito predominantemente
agressivo sobre a população negra por meio da pauperização das suas condições de vida.
Assim, ao mesmo tempo em que o modo de produção do capital possui a capacidade de se
reformular a partir das constantes crises e ascensão de transformações sociais para se
reestabelecer, é capaz de produzir o aprofundamento de suas contradições. Destarte,
ponderamos ainda que, a perpetuação do racismo que se molda as relações raciais vigentes,
possui amarração direta a ordem social do capital na perpetuação de suas dimensões
essenciais: a dominação e a exploração que se desenvolvem de forma desigual e combinada
seja na periferia ou no centro do sistema, que resguardados as particularidades nacionais e
culturais, mas não se definem formalmente, porque lhes são essenciais. Conforme Ianni
(2004, p. 204), no capitalismo:
[...] coexistem drásticas desigualdades sociais, de gênero, étnicas e outras. São
desigualdades das quais se alimentam as xenofobias, os etnicismos e os racismos, as
mais diversas formas de intolerância, preconceito, discriminação e segregação,
poderosas e recorrentes técnicas de dominação. (IANNI, 2004, p. 204).
Diante dessas questões, ponderamos que a solução para a questão racial somente poderá
ser construída coletivamente. Por meio da crítica as contradições postas na realidade social,
tendo em vista, a superação da ordem social vigente, e junto a ela, a superação também de
todas as outras forças de dominação e opressão compreendidas pelo racismo. Assim,
ponderamos a existência de uma população negra que não se conforma, mesmo diante das
opressões e explorações postas pela sociabilidade capitalista, que lhe define um “lugar” na
sociedade e junto a ela condições paupérrimas de reprodução social.
69
3. INCONFORMISMO E RESISTÊNCIA: EXPRESSÕES DE LUTAS HISTÓRICAS
DA POPULAÇÃO NEGRA.
“Há homens que lutam um dia, e são bons; há homens que lutam por um ano, e são
melhores; há homens que lutam por vários anos, e são muito bons; há outros que
lutam durante toda vida, esses são imprescindíveis.”
(Bertold Brecht).
Nesta seção discorreremos sobre as questões que concerne a esta inconformidade do
negro, expressa na luta e resistência dessa população, bem como suas conquistas tendo as
políticas públicas como meio que podem promover melhorias nas condições vida da
população negra no país.
No Brasil, deste os tempos coloniais até a época presente a população negra tem sua
vida tensionada pelo abuso, exploração e dominação histórica persistentemente produzida e
reproduzida por uma ordem social pautada na desigualdade e na concentração social e racial
de renda, as quais estabelecem um “lugar” de subalternidade e pauperização da população
negra na sociedade de classes. Sendo apreendidas socialmente a partir de concepções racistas,
por mais absurdas que sejam, muitas vezes são explicadas como condições sociais “naturais”
do negro. Neste contexto, a concepção hegemônica do pensamento nacional, construída a
partir do pensamento liberal e atualmente continua permeada pela adesão do ideário
neoliberal, defendem que o modo de sociabilidade do capital é fundamentado na igualdade de
oportunidades sociais, políticas e econômicas a todos, concepção que institui a democracia
racial no país. Sabemos bem que isso não é verídico, mas ainda são empregadas para justificar
a situação atual do negro, as quais são erroneamente explicadas como reflexo de sua
inferioridade ou incompetência para competir de igual para igual com o branco. Quando na
verdade a pauperização da população negra se constitui como resultado na ineficiência do
sistema em produzir o bem esta social da população como um todo. Nesse sentido, tentamos
realizar sucintamente, na seção anterior uma crítica ao sistema de produção capitalista
vigente, tendo em vista suas contradições, debilidades e ineficiência em promover o bem
comum da população brasileira, sendo marcado por relações raciais problemáticas que são
engendradas a partir de seu desenvolvimento e consolidação na sociedade brasileira, as quais
condicionam o “lugar” de subalternidade e o pauperismo da situação de vida da população
negra no país.
70
Nesse contexto, analisaremos nesta subseção, a compreensão de que essa crítica ao
modo de sociabilidade vigente e ao racismo contra o negro, só podem se realizar por meio de
transformações sociais e raciais na dimensão concreta da vida social a partir da existência e
atuação de um “inconformismo social” e, em particular na questão racial, a partir de um
“inconformismo da população negra”. Mesmo que o branco reconheça as desigualdades e
preconceitos raciais perpetuados socialmente contra o negro, ainda assim, torna-se bastante
complexo para esta população abdicar de todos os seus privilégios sociais e de seu “lugar” de
superioridade diante do negro para a real construção de igualdade racial e social. Assim
sendo, analisamos a importância da “inconformidade do negro” diante de sua própria situação
de vida, marcada pelas injustiças sociais e desfalques de seu direito substantivo da “liberdade”
de viver. Cuja, impossibilidade de se materializar é inerente a este modo de sociabilidade, até,
por que esta liberdade é cerceada essencialmente a todos das classes trabalhadoras. Sendo
essencial ainda, uma inconformidade racial para além desta ordem, pois mesmo com a
superação da sociabilidade do capital compreendemos que para a efetiva igualdade racial
encontraremos diferentes entraves culturais e sociais, sendo a luta contra o capitalismo apenas
um meio para desfrutarmos da verdadeira justiça social.
Compreendemos nesta ocasião a designação de “inconformismo” a partir da referência
de Fernandes (2010) ao analisar o protesto negro desde os anos 1950. Nesse sentido,
analisamos que as populações negras apresentam uma crítica as injustiças raciais por elas
vividas, mesmo que estas não possuam uma madura consciência política sobre essa
problemática, expressão um “inconformismo” diante de sua situação de pauperismo. Em
concordância a isto, na primeira subseção que se sobrevém temos como pretensão realizar
uma singela análise sobre os principais aspectos que caracterizam o inconformismo da
população negra, tendo em vista a importância da construção de uma “consciência negra”,
pautada na consciência política sobre sua condição de vida, sendo essencial ao fortalecimento
do movimento negro no Brasil, preconizando o estudo sobre os principais conquistas e limites
históricos na consolidação deste processo de maturação política da população negra no país.
Na segunda subseção, considerando os principais elementos que compõe a luta do
movimento negro pelo estabelecimento de uma verdadeira igualdade racial no país,
analisaremos as principais políticas de enfrentamento a questão racial a partir de suas
contradições, ponderando esta como conquistas e limites ao real estabelecimento da
democracia racial no Brasil.
71
3.1. CONSCIÊNCIA POLÍTICA E MOVIMENTO NEGRO NO BRASIL.
Nesta subseção temos por pretensão analisar como o inconformismo da população
negra contribui para a construção de uma consciência política a respeito das deletérias
condições objetivas e subjetivas de vida desta população no país, compreendendo a luta e a
organização política como iniciativa essencial para a superação das adversidades postas para a
concretização da igualdade racial no Brasil. Tendo em vista o fortalecimento do movimento
negro no país, se tornou necessário estudarmos suas principais conquistas e limites históricos
postos por uma sociabilidade que tem por fundamento a manutenção de sua sobrevivência e a
perpetuação de regalias sociais a uma população burguesa majoritária da população branca “a
qualquer custo”.
A Expressão “inconformismo” é analisada aqui a partir da referência de Fernandes
(2010, p.109), o qual empregou inicialmente a concepção de “inconformismo inócuo”, em
seus estudos dos anos 1950, para depreender o protesto negro brasileiro. Primeiramente esta
concepção foi usada pelo autor para designar a concepção de “capitulação passiva” do
movimento negro e, posteriormente o autor reconhece que “hoje, o conceito que merece
preeminência é o reverso de inconformismo inócuo”. De acordo com o referido autor, este
conceito concebe o inverso do que é compreendido, no meio negro, como “o complexo”.
Deste modo, apreendemos a concepção de “inconformismo” analisada por Fernandes, como
forma da população negra demonstrar recusa e indignação frente às discriminações,
preconceitos e desigualdades raciais estabelecidas socialmente pelo racismo e, aprofundada
pelas contradições inerentes a ordem social vigente.
Ao analisarmos a situação atual do negro, vemos que a história social brasileira é
marcada por grandes transformações sociais incididas pela ordem econômica vigente com o
intuito de garantir sua manutenção, as quais tiveram interferência no desenvolvimento das
forças produtivas e nas novas relações sociais, mas mantiveram quase que ilesas as
dominações e explorações raciais que se perpetuaram como heranças de um Brasil escravista.
Neste contexto, a população negra não ficou apática frente a essas transformações sociais e o
aprofundamento das disparidades raciais nutridas nesta sociabilidade. Assim, contrariando
historiadores, os quais de acordo com Prado Junior (2000), compreendem que a população
negra no Brasil era uniformizada pela escravidão sem restrições que desde o inicio de sua
afluência lhe foi imposta e que nunca contestou. Compreenderemos que este sempre se mostra
inconformado com o aprofundamento das problemáticas raciais, seja um inconformismo de
forma oculto ou mais intensa e manifesta. Diante disso, compreendemos que a situação de
72
vida do negro nesta ordem social, somente apresenta relativos avanços a partir dos processos
de organização e mobilização política desses grupos sociais, os quais surgem com os
“inconformismos” expressos pela população negra. Mas, esse processo depende,
principalmente, de muitas mediações, as quais supõem a capacidade e a densidade de
organização e pressão políticas, articulação com diversos setores sociais em torno de agendas
de reinvidicações compatíveis e outros elementos que perpassam a organização dos
movimentos sociais. E este “inconformismo” da população negra diante das desigualdades,
preconceitos e discriminações raciais postas na realidade social brasileira se materializa de
diversas formas.
Conforme Fernandes (2010, p. 110) é possível afirmar que todo negro quando se põe
frente às desigualdades raciais, revela algum modo de inconformismo, mesmo que seja oculto.
O inconformismo tem relação direta com “o complexo”, pois de acordo com o referido autor,
“as mesmas reações de engendram “o complexo” produzem o inconformismo”. Assim, para
Fernandes (2010, p. 110), o complexo “implica uma anuência tática que é uma acusação, uma
alienação que é uma “esperteza contra o branco” ou, nos dois níveis mais complicados, a
resistência calculista e a rebelião declarada, pelas quais se inverte e se dá combate ao
tradicionalismo nas relações raciais”. A partir disto, analisamos o inconformismo negro
produzido a partir dessas reações, as quais podem ser compreendidas como meio do negro de
reafirmar como pessoa, mesmo que de forma subjetiva e ilusória, diante da realidade social
que o inferioriza socialmente, culturalmente e psicologicamente.
Em anuência, conforme Fernandes (2010, p.111) é possível identificarmos algumas
categorias, nas quais podemos compreender possíveis definições das várias inconformidades
da população negra. Segundo o aludido autor, o inconformismo possui distintas formas: sendo
capaz de “larvar em nível de comportamento e de ajustamento raciais do “negro tradicional”,
o qual se adapta passivamente as expectativas do branco”; a respeito do “o negro trânsfuga”,
designado pelos próprios negros como aquele que “foge do problema”, o qual tem “sufocando
o seu orgulho”, “o inconformismo surge “envenenado””; Ao que caracterizamos como o
“novo negro”, o inconformismo se mostra a partir de ambiguidades, ao mesmo tempo em que
ele “corrói a tendência à subalternização do negro”, ele não a enfrenta diretamente; ao
contrário do “negro racista”, pronto para repelir o padrão de dominação racial vigente, mostra
seu inconformismo de forma mais manifesta a partir “de uma contestação da ordem racial e da
posição subalterna do negro dentro dela”.
Conforme Fernandes (2010, p.112) o negro elabora culturalmente “o complexo” como
forma de se proteger contra o branco, as quais se constituem em insatisfações que são
73
externamente materiais e sociais, reafirmadas a partir uma incompatibilidade com o modo de
sociabilidade racial vigente. Nesse sentido, podemos pensar em um processo de construção da
“consciência” do negro sobre suas reais condições de vida materializadas a partir das relações
raciais desiguais nesta sociedade. A qual se estabelece a partir do inconformismo às condições
sociais objetivas e subjetivas e, também, abrange aspectos psicológicos e morais que incidem,
particularmente, na apreensão de uma necessidade, que pode variar de pessoa para pessoa.
Assim, para o referido autor, surge daí como resultado a este processo de apreensão do real,
compreendido pelo “o complexo” e inconformismo do negro, a construção de uma “má
consciência diante de uma ordem racial irremediavelmente “injusta””, ou a denúncia, de
“contraposição e radicalismo sistemático”. A partir disso, compreendemos que em ambos os
casos, o negro tem a possibilidade de intervir em sua própria realidade social, no entanto,
muitas vezes “são coagidos a entrar na torrente”. Nesse sentido, a inconformidade da
população negra é enclausurada por uma sociedade que não permite a ampliação que
quaisquer dessas elaborações do inconformismo. Sendo ele, por vezes abafado dentro do meio
negro, ou pior, segundo Fernandes (2010, p.112), dentro de um “drama de consciência”. Visto
que, nesta sociedade, somente as tensões da elite branca encontram espaços abertos, pois
também, o conflito e a mobilização social são privilégios da “raça dominante”.
Neste contexto, ponderamos a dura caminhada em “contracorrente” realizada
cotidianamente pela população negra e pelo movimento negro frente à questão racial no
Brasil, bem como as conquistas e desafios tão árduos ao movimento, frente às imposições
estabelecidas por sociedade marcada por regalias a “raça dominante”. Deste modo, quando
ponderamos a crítica a uma sociedade impetuosa aos negros, assentado na inferioridade e na
estigmatização do negro pela “cor” como forma de perpetuação de um sistema de dominação
e exploração racial, estamos analisando as condições políticas, econômicas e sociais da
população negra, a partir de crítica as relações raciais historicamente construídas a partir de
um penoso processo de escravização do negro, da precária inserção dos ex-escravos a ordem
social competitiva, da participação da população negra no processo de revolução burguesa
brasileira apenas como coadjuvante, tendo em vista o protagonismo da burguesia majoritária
da população branca neste processo de transformação social. Assim, podemos compreender o
contexto de repressão ao movimento negro na atualidade, como expressão de um contexto
histórico. Conforme Fernandes (2010, p.113):
Para que as coisas fossem diferentes, teria sido necessário que a revolução burguesa
fosse, ao mesmo tempo, aberta às pressões populares, democrática e nacionalista, e,
74
de outro lado, que o próprio negro tivesse criado, depois da Abolição e,
principalmente, da “revolução de 30”, legitimidade para o protesto racial.
O movimento negro pode ser compreendido a partir da análise de uma conjuntura
socio-histórica que tem influência nas condições objetivas e subjetivas que incidem na
atenuação ou no fortalecimento de sua luta e resistência, as quais são responsáveis, em parte,
pela inocorrência dos acontecimentos, acima citados por Fernandes (2010). No Brasil, a
conjuntura social têm influências negativas ao movimento negro, as quais podem ser
compreendidas a partir das opressões sofridas pelo movimento por uma sociedade que
combate todas as manifestações que ponham em risco a manutenção da ordem burguesa. E ao
mesmo tempo, analisamos uma fragilização político-organizativo da população negra para
alcançar legitimidade como movimento social, pois estava assentada, essencialmente, no
“inconformismo negro” em sua forma manifesta, o qual mesmo se constituindo em uma
importante forma de inquietação da população negra frente à questão racial no Brasil, mas não
é suficientemente capaz para o enfrentamento das problemáticas raciais no país, sendo
necessária a construção social de uma “consciência política” do negro, primordial à
legitimação e ao fortalecimento do movimento negro. O qual pode ser estruturado a partir da
ampliação de um inconformismo manifesto da população negra, “consciente” e organizada
politicamente, verdadeiramente pronto para a luta e mobilização política a favor do
estabelecimento de uma substantiva igualdade racial no país. Assim, segundo Fernandes
(2010) “o inconformismo negro pode ser uma realidade psicológica, cultural e moral, mas não
pode tornar-se uma força social atuante e uma realidade política”, visto que, somente uma
organização política da população negra a partir da legitimidade do movimento negro é capaz
de atuar na realidade política.
Nesse sentido, a construção coletiva de uma “consciência política” da população negra
é posto ao movimento negro como um desafio obstante para o fortalecimento da legitimidade
do movimente frente às problemáticas raciais e democratização da ordem social, no entanto,
do mesmo modo, permanecem alguns desafios estruturais. Conforme Fernandes (2010, p.
113), o movimento negro “no passado, ele era expurgado da ordem legal e fortemente
reprimido, como uma “ameaça às instituições e à civilização”, igualmente, “no presente ele é
deliberadamente confundido com o conflito de classe ou com a “subversão comunista da
ordem” – e exposto à solução policial”, sendo compreendido também como uma afronta a
“democracia racial” mistificada no país. Deste modo, analisamos a perpetuação das condições
de repressão política, econômica e sociais ao protesto negro no país, as quais são tensionadas
por uma elite branca, responsável pela conservação desta ordem social.
75
O movimento negro no Brasil emerge e se desenvolve a partir de diferentes
conjunturas e estruturas sociais e possui elos profundos com o “inconformismo do negro” no
país, o qual pode ser analisado deste os momentos da ordem social escravocrata, a partir das
primeiras revoltas e rebeliões dos escravos africanos, as quais incidiram em fungas e,
posteriormente, sendo responsáveis pela criação de quilombos existentes até hoje21
. Deste
modo Menezes (2009) ratifica que a luta dos escravos pela reconquista da liberdade tem início
desde os primórdios do cativeiro, marcado pela formação de quilombos. Mesmo que essas
revoltas representassem mais ações de inconformismo com sua extensa carga de trabalho e
intensos castigos e menos como uma ação política, porém, podem ser consideradas como
primeiras expressões de um protesto negro no país. Sendo cruelmente reprimido e penalizado,
constituindo como os que receberam as mais “duras” repressões: que se caracterizava por
castigos físicos extremamente violentos ou pela própria morte do escravo “rebelado”. Sendo
compreendidos como o movimento quilombola. Essas primeiras expressões de
inconformismo da população negra também tem implicação nos manifestos de resistência do
negro escravizado no período de pré-abolição, contribuindo, mesmo que de forma singela,
para a abolição da escravidão no Brasil como uma conquista da população negra. E nesse
contexto, após a Abolição do regime escravocrata no país, parcela da população negra
mobilizou-se em defesa do chamado Isabelismo, o qual se constituiu em uma forma de cultuar
a Princesa Isabel, sendo reconhecida por eles como "Redentora", como se a Lei Áurea
houvesse sido instituída a partir de um "ato de bondade pessoal", desconsiderando os aspectos
políticos e econômicos que interferem no estabelecimento desta Lei.
Com a decadência do Império, as populações negras se agruparam a diferentes
movimentos populares, tais como: o de Canudos e o do beato Lourenço22
. Assim, podemos
considerar a "Revolta da Chibata", ocorrida em 1910, como o último ato de organizado e
armado de rebeldia do negro ocorrido no país. Posteriormente, a partir de novas opressões e
dominações, as populações negras se manifestavam a partir de outras formas de resistência.
21 Ainda é possível identificarmos comunidades quilombolas, principalmente, na região nordeste do país. No
entanto, analisamos que estas comunidades vêm sofrendo, na atualidade, com frequentes “ataques” culturais,
políticos e econômicos, expressos na desvalorização dos valores e crenças ainda cultivados pelos descendentes
de africanos moradores dos quilombos a partir das crescentes imposições culturais hegemônicas, que ampliam o
racismo e o preconceito racial; pelo descaso do “poder público” frente à garantia do bem estar desta população; e pelas crescentes investidas do grande capital nestas áreas, tendo em vista a especulação imobiliária e turística. 22 O movimento de Canudos ocorreu na Bahia, nos primeiros momentos da República, em decorrência da revolta
da população frente à fome, a seca e o desamparo político os quais assolavam o nordeste no final do século XIX,
a qual foi fortemente reprimida pelo exército brasileiro, incidindo na Revolta de Canudos (1896-1897). Embora
este movimento tenha bases sócio-religiosas, consiste em um importante movimento no início do período
republicano. Segundo Priore e Venâncio (2001) foi liderada por Antônio Conselheiro e, eram constituídos por
uma população pobre do sertão, prostitutas e muitos ex-escravos. O movimento Beato Lourenço se formou no
Ceará, também possuía fundo religioso, sendo perseguido por fazendeiros da região e pela Igreja Católica.
76
Nesse contexto, as primeiras iniciativas do protesto negro como uma forma de
mobilização política somente vai surgir a partir do aprofundamento das problemáticas raciais
e acirramento das contradições postas pelas “transformações histórico-sociais, que alteraram a
estrutura e o funcionamento da sociedade”, todavia, “quase não afetaram a ordenação das
relações raciais, herdadas do antigo regime” (FERNANDES, 1978, p.7). As quais põem em
questão dois grandes dilemas raciais analisadas por Fernandes (1978): de um lado, havia o
dilema da assimilação do negro “às formas de vida sociais organizadas imperantes na ordem
social competitiva”, sendo o primeiro dilema compreendido a partir da situação de
pauperismo da população negra no país. E de outro lado, existia o dilema do “preconceito de
cor”, o qual se constitui em um modo de negar o negro de sua condição de ser social. Frente a
esses dilemas, os quais se constituíam em problemáticas para a integração do negro a ordem
social competitiva, é que surge o protesto da população negra. Conforme analisa Fernandes:
Sob os olhos impassíveis, perplexos ou hostis dos ‘brancos’, ergueu-se o ‘protesto
negro’, como o ‘clarim da alvorada’, inscrevendo nos fastos históricos da cidade os
pródromos da segunda abolição. Como protesto histórico, portanto, esta se enquadra
no contexto das inquietações e esperanças políticas, que culminaram com a
revolução de 1930. (FERNANDES, 1978, p.8).
As mobilizações do protesto negro começam a se desenvolver no final da I Grande
Guerra, a qual marca o princípio da participação do negro no cenário político brasileiro no
começo do século XX. Segundo Domingues (2007), os movimentos de mobilização racial
negra no Brasil se iniciam frente ao acirramento das precárias situações de vida do negro
continuados mesmo com o início do regime Republicano no país. Visto que, o
estabelecimento do novo período político, ao contrário dos ideais que difunde, não conseguiu
estabelecer ganhos objetivos e subjetivos a população negra, promovendo o aprofundamento
das problemáticas raciais no Brasil. A partir disso, analisado por Domingues (2007), o início
do protesto negro com criação de grupos23
, tais como grêmios, clubes e associações e,
concomitantemente, surge à designada imprensa negra, constituída por jornais publicados por
negros, tendo em vista a denuncia as problemáticas do negro neste período, sendo “O Clarim
da Alvorada”, fundado em 1924, um dos principais aparelhos de luta e resistência. Os quais
foram os principais responsáveis pela mobilização do negro, a partir de debates sobre as
problemáticas raciais.
23 Como exemplo: O Club 13 de Maio dos Homens Pretos (1902); O Centro Literário dos Homens de Cor
(1903); A Sociedade Propugnadora 13 de Maio (1906); O Centro Cultural Henrique Dias (1908), A Sociedade
União Cívica dos Homens de Cor (1915), A Associação Protetora dos Brasileiros Pretos (1917); A Sociedade
Progresso da Raça Africana (1891); O Centro Cívico Cruz e Souza (1918); O Clube 28 de Setembro (1897).
Dramático e Recreativo Kosmos (1908) e o Centro Cívico Palmares (1926).
77
No entanto, o movimento negro surge inicialmente, como uma revolução moral, não
representava, necessariamente, uma ameaça à ordem social vigente, pois sua luta não se
materializava contra as estruturas políticas, econômicas e sociais. A luta do protesto negro se
constituía em um movimento integracionista, ao contrário de uma mobilização para a
superação do sistema social operante, os negros lutavam por sua integração a sociedade, tendo
em vista, abolir as distinções raciais. Para Fernandes (1978, p.11), os negros nasciam como os
“campeões da “revolução dentre da ordem”, ao lutarem pela sua integração a ordem social
competitiva, se constituíram em um importante elemento para o desenvolvimento e
consolidação da sociedade de classes”. Contudo, depois da Grande Guerra começa a ser
depreendida a construção de uma consciência mais política entre os negros diante das
mudanças incididas pelo surto da industrialização e ascensão dos imigrantes à pequena
burguesia emergente no país. Quando um grupo de pioneiros alcançou comoção na apatia do
“meio negro”, no qual a população negra pode despertar o interesse no debate e solução das
problemáticas raciais no país.
Aos poucos, a situação de miséria, o tratamento diferencial e o isolamento irão
provocar um doloroso processo de autoafirmação e de protesto, que projetará o
“homem de cor” no cenário histórico, como agente de reindicações econômicas,
sociais e políticas próprias. (FERNANDES, 1978, p.10).
Os movimentos sociais no “meio negro” se dinamizaram, a partir de alguns incentivos
de âmbito histórico-sociais, segundo Fernandes (1978), tais como: O Primeiro incentivo
advém da reação do negro e mulato à impossibilidade que assentava na conquista,
manutenção dos meios de ganho eminentes, em incoerência aos dos “brancos”; Outro
incentivo diz repeito à disputa indireta aos “imigrantes”, para o referido autor, as preferências
diante do “estrangeiro” e a rápida ascensão que eles conseguiram perturbaram a população
negra; o terceiro incentivo surge do colapso final da dominação tradicionalista e
patrimonialista, cujas bases materiais e morais do regime escravocrata se mantêm por maior
tempo nas relações dos brancos com os negros. Estes incentivos se constituíam em
insatisfações, as quais fomentaram o aparecimento de uma massa da população negra contra a
ordem racial estabelecida, deste modo, vemos o protesto negro se nutrindo de certa
consciência política, a partir da articulação com movimentos populares na construção de um
processo de mobilização política, promovendo inclusive, o ajuntamento das reivindicações do
negro com lutas do proletariado por meio da aproximação com as teorias marxistas.
Na década de 1930, Segundo Domingues (2007) o movimento negro deu um salto
qualitativo, com criação da Frente Negra Brasileira (FNB), em 1931, considerada como uma
78
das primeiras organizações negras com reivindicações políticas mais deliberadas, a qual,
posteriormente, se organizou em partido político. Conquistando ainda em 1933, um jornal
próprio, A Voz da Raça, tendo como uma das principais palavras de ordem à defesa da
Segunda Abolição. Outras organizações24
foram construídas, ratificando o fortalecimento do
movimento negro no país. Assim, compreendemos que a partir de Fernandes (1978) a Frente
Negra Brasileira é resultado da construção da nova geração negra no país, porém, o protesto
negro estabelece, a partir disso, uma tentativa frustrada que anunciara a Segunda Abolição.
Assim, analisamos que o movimento negro dos anos 1927 até 1937, pode ser
compreendido a partir de sua consolidação na cena política brasileira. Caracterizado pela
negação da imagem de “preto” construído pela população branca, bem como, pela contestação
do destino estabelecido pela ordem racial vigente.
No entanto, a partir da revolução de 30, entre os anos de vigência do Estado Novo
(1937-1945), os quais foram assinalados por uma violenta repressão política, analisamos o
acontecimento de aniquilamento25
de todas as organizações políticas, inclusive, a Frente
Negra Brasileira. Sendo que, o movimento negro organizado vai se reestabelecer, somente
com a queda da ditadura “Varguista”. Embora, conforme Domingues (2007), este movimento
negro se diferencie do protesto precedente, pois não apresenta o mesmo poder de aglutinação
das massas.
Desse período, podemos discorrer sobre inúmeros agrupamentos da população negra a
partir do inconformismo manifesto. Discorrendo sobre esses agrupamentos, Domingues
(2007, p.108) aponta como alguns dos principais movimentos, a União dos Homens de Cor –
UHC, fundada por João Cabral Alves, em Porto Alegre, em janeiro de 1943. A entidade
prontamente no seu primeiro artigo do estatuto, já declarava sua finalidade central a “elevar o
nível econômico, e intelectual das pessoas de cor em todo o território nacional, para torná-las
aptas a ingressarem na vida social e administrativa do país, em todos os setores de suas
atividades”. Assim, podemos compreender sua ação, a realização de debates, publicação em
jornais, serviços de assistência jurídica, saúde e educação. Esse movimento apresentou grande
capacidade de expansão, já nos anos 1940, “possuía representantes em pelo menos 10 Estados
da Federação”. No entanto, é necessário refletimos que, mesmo com toda relevância em torno
24 Clube Negro de Cultura Social (1932) e a Frente Negra Socialista (1932), em São Paulo; a Sociedade Flor do Abacate, no Rio de Janeiro, a Legião Negra (1934), em Uberlândia/MG, e a Sociedade Henrique Dias (1937),
em Salvador. 25 Apesar da grande repressão política e militar que culminou na extinção de diversos movimentos sociais, é
possível analisarmos algumas formas de resistências dos movimentos populares, os quais se reestabeleceram
após a queda da ditadura.
79
desse tipo de mobilização e organização política, os objetivos principais desse movimento não
possuíam sintonia com uma transposição social à sociabilidade capitalista, no limite revelava
uma reivindicação dentro da ordem, pauta na crítica ao modo de inserção social do negro
como raça, profundamente, discriminada e subalternizada na estrutura social vigente.
O Teatro Experimental do Negro - TEN, o qual tinha Abdias do Nascimento como sua
principal liderança, também se estabelece como um importante agrupamento da população
negra no Brasil. O qual foi constituído no Rio de Janeiro, em 1944, com a proposta inicial de
compor um grupo de teatro constituído somente por atores negros, contudo foi
progressivamente se ampliando, a partir publicação do jornal Quilombo, tendo ações voltadas
para a promoção das artes e educação, tendo em vista a defesa os direitos civis dos negros na
qualidade de direitos humanos. Conforme Domingues (2007) o TEN propugnava o
estabelecimento de uma legislação antidiscriminatória para o país.
Domingues (2007) sinaliza a existência de outras lutas da expressão do inconformismo
negro no país, dentre eles: o Conselho Nacional das Mulheres Negras, em 1950; o Grêmio
Literário Cruz e Souza, em 1943; e a Associação José do Patrocínio, em 1951; a Associação
do Negro Brasileiro, em 1945, a Frente Negra Trabalhista e a Associação Cultural do Negro,
em 1954; o Comitê Democrático Afro-Brasileiro, em1944. Assim, como importantes jornais
de protesto que se constituíram em uma importante base na luta negra: o Alvorada (1945), O
Novo Horizonte (1946), Notícias de Ébano (1957), O Mutirão (1958), Níger (1960), União
(1947), o Redenção (1950) e A Voz da Negritude (1952) e a revista Senzala (1946). Mesmo
com os crescentes agrupamentos negros organizados, o que incide no aprofundamento da
construção da consciência política negra, o aludido autor analisa que o movimento negro
ficou isolado politicamente naquele momento, não podendo contar efetivamente com o apoio
das forças políticas, seja da direita, seja da esquerda marxista.
O movimento negro historicamente vem se desenvolvendo política e
organizacionalmente, no entanto, sofre influências devastadoras advindas das transformações
políticas e econômicas engendradas pela sociedade brasileira. Com o golpe militar de 1964, os
ataques aos movimentos sociais em geral e, principalmente ao movimento negro promovem
desarticulações e derrotas fez engatinhar o enfrentamento da questão racial no Brasil. Por
muito tempo, os militantes políticos do movimento negro no país, foram fortemente
perseguidos (assim como outros militantes políticos que ousavam criticar a ordem
estabelecida), sendo acusados ainda de criar a problemática do racismo no Brasil, pois
segundo o pensamento nacional este problema já não existia mais, desta forma a discussão
sobre a questão racial no país foi suprimida. A repressão militar, a qual sofreu o movimento,
80
procedeu na sua desmobilização política. No entanto, muitos resistiram a esse processo,
lutaram contra as repressões, alguns foram presos, torturados, alguns até assassinados e outros
exilados para o exterior.
No final dos anos 1970, analisamos no Brasil a tímida reorganização política e acessão
dos movimentos populares, sindicais e estudantis. No tocante ao movimento negro,
compreendemos a criação do Movimento Negro Unificado (MNU), em 1978, como um
importante iniciativo de reinserção movimento negro organizado no cenário político
brasileiro.
A partir deste contexto é que surge “o movimento negro contemporâneo”,
compreendido por Pereira (2010) como caracterizado pela luta em oposição à concepção de
“democracia racial” instituída no país, bem como a construção de uma identidade política-
cultural da população negra, construída a partir das novas organizações políticas negras,
ampliadas a partir da mobilização e resistência política do movimento negro até os dias atuais.
Nesse sentido, analisamos as manifestações do inconformismo da população negra, nos anos
1970, materializado em simples ações, como exemplo, comprar revistas produzidas por
militantes do movimento negro, a qual é analisada por Alberti e Pereira (2005, p.3), “nos anos
1970, muitas vezes a consciência da negritude em âmbito pessoal se mescla com uma tomada
de posição política”.
Para Domingues (2007) o protesto negro resurge nos anos 1970 e 1980,
profundamente, influenciado pelas lutas dos negros estadunidenses por direitos civis,
contribuindo para a construção de um discurso radicalizado contra a discriminação racial.
Dessa vez, o movimento negro não lutava mais para a assimilação ou integração do negro a
sociedade de classes, agora “luta pelo respeito às diferenças”.
O pensamento social marxista possui grandes contribuições para a construção política
e ideológica de lideranças políticas do Movimento Negro Unificado. A partir disso, as lutas
frente às problemáticas raciais se aproximaram da luta revolucionária contra a ordem
burguesa. Assim, conforme Domingues (2007, p. 113), “a Convergência Socialista publicou
um jornal chamado Versus, que destinava uma coluna, “Afro-Latino América”, para o núcleo
socialista negro escrever seus artigos conclamando a “guerra” revolucionária de combate ao
racismo e ao capitalismo”. Nesse sentido, a criação do MNU, além de promover o
fortalecimento do movimento negro no país por meio da proposta de unificação dos
movimentos, traz a essencial tônica de luta e mobilização política contra a questão racial
articulada a contestação da ordem social vigente, a partir da compreensão da superação da
81
ordem social vigente, como meio profícuo de superar o racismo na sociedade. A partir disso,
o movimento negro organizado passa a adquirir uma visibilidade a nível nacional.
Ainda no contexto de rearticulação do movimento negro26
, houve uma importante
reunião em São Paulo, no dia 18 de junho de 1978, com diversos grupos e entidades negras
(CECAN, Grupo Afro-Latino América, Câmara do Comércio Afro-Brasileiro, Jornal
Abertura, Jornal Capoeira e Grupo de Atletas e Grupo de Artistas Negros). De acordo com
Domingues (2007) na reunião, foi instituído o Movimento Unificado Contra a Discriminação
Racial (MUCDR). O qual se constituiu em uma importante organização política para o
protesto negro no país.
Figura 1 Participante da marcha do Movimento Negro Unificado, em São Paulo, novembro de 1979.
Na fotografia acima é possível observamos, os participantes da mobilização realizada
pelo Movimento Negro Unificado. Já a partir de sua criação, realizou em 1978, sua a primeira
mobilização27
, na qual a instituição organizou um ato público, sucedido em repúdio à
discriminação racial sofrida por quatro jovens no Clube de Regatas Tietê e em protesto à
morte de Robson Silveira da Luz, trabalhador e pai de família negro, torturado até a morte no
44º Distrito, o qual se constitui em um acontecimento histórico que ratifica a força de
organização e mobilização das novas organizações do movimento negro no país.
Conforme aponta Domingues (2007), o MNU estava em defesa das seguintes
reivindicações “mínimas”: a desmistificação da democracia racial estabelecida no país, à
organização política da população negra, transformação do Movimento Negro em movimento
26 Concomitante à reorganização das entidades negras, registrou-se a volta da imprensa negra. Alguns dos
principais jornais desse período foram: SINBA (1977), Africus (1982), Nizinga (1984), no Rio de Janeiro;
Jornegro (1978),41 O Saci (1978), Abertura (1978), Vissungo (1979), em São Paulo; Pixaim (1979), em São
José dos Campos/SP; Quilombo (1980), em Piracicaba/SP; Nêgo (1981), em Salvador/BA; Tição (1977), no Rio
Grande do Sul, além da revista Ébano (1980), em São Paulo, conforme Domingues (2007, 115).
27 “Ato público realizado no dia 7 de julho de 1978, nas escadarias do Teatro Municipal em São Paulo, reunindo
cerca de 2 mil pessoas, e “considerado pelo MUCDR como o maior avanço político realizado pelo negro na luta
contra o racismo”. O evento recebeu moções de apoio de alguns estados, inclusive de várias associações negras
cariocas”. (DOMINGUES, 2007, p.113).
82
de massas, formação de um amplo leque de alianças na luta contra o racismo e a exploração
do trabalhador, a organização para enfrentar a violência policial, a organização nos sindicatos
e partidos políticos, a luta pela introdução da História da África e do Negro no Brasil nos
currículos escolares, bem como a busca pelo apoio internacional contra o racismo no país. O
MNU elegeu o dia 20 de Novembro, por ser o presumível dia da morte de Zumbi dos
Palmares (Símbolo da Resistência à opressão racial), como o Dia Nacional da Consciência
Negra. O qual até os dias de hoje, precisa ser considerado como um dia de luta e de
resistências as formas de preconceito e discriminações raciais inerentes às relações raciais
desiguais estabelecidas no país, embora em alguns lugares nem seja considerado feriado ou,
seja considerado um dia de comemoração por uma democracia racial brasileira mistificada, se
constitui em um dia de reflexão e mobilização política.
Ponderamos ainda, a importância do movimento negro na luta pela redemocratização
do país. Os anos 1980 foram marcados por um contexto de efervescência política no país,
caracterizado pela participação popular, de trabalhadores, movimentos sociais, dentre eles o
movimento negro. A redemocratização do país materializa-se a partir da queda da ditadura
militar e, se expressão legalmente a partir do estabelecimento da Constituição Federal de
1988, conquistada a partir da tentativa de instituição de um processo de reforma da população
brasileira. Nesse contexto, o movimento negro ajuda a construir o movimento de
redemocratização do país e, ao mesmo tempo, passa por ele mais fortalecido. Visto ainda, o
contexto sociopolítico favorável à realização de lutas e de conquistas as classes trabalhadoras.
Nesse contexto, as reindicações dos movimentos negros contra racismo encontra espaço para
se desenvolver, a partir, também, das articulações com outros movimentos sociais.
Nesse contexto, a questão racial começa a ser discutida nas centrais sindicais. Sendo
reconhecida a essencial importância da discussão sobre a problemática racial no país, a partir
do V Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Em 1990, foi
responsável pela criação da Comissão Nacional Contra a Discriminação Racial e a Força
Sindical (FS), a qual mais tarde resultou na reestruturou a sua Secretaria Nacional de
Desenvolvimento da Igualdade Racial. Sendo criado o atual Instituto Sindical Interamericano
pela Igualdade Racial (INSPIR).
Como maneira de fortalecer o movimento negro e incentivar a participação massiva da
população negra, o MNU desenvolveu uma nova compreensão do termo “negro” para
designar toda a população descendente de africanos antes escravizados no país, contribuindo
assim, para a ruptura de sua conotação pejorativa no país. Deste modo, o termo “negro” deixa
oficialmente de ser considerado ofensivo e passa a ser usado com orgulho pelos militantes do
83
movimento, passando continuamente por um processo de aceitação racial até os dias atuais.
Visto que, a mudança do significado desta expressão tem influência direta na construção de
uma identidade racial de uma população que foi historicamente e, ainda é estigmatizada por
sua cor, sendo que até o presente a palavra “negra” ainda é muitas vezes utilizada em sua
conotação pejorativa, impedindo por vezes a autoafirmação do negro e construção de uma
identidade racial nesta sociedade.
Como depreendemos anteriormente, o movimento negro passou a intervir
frequentemente no terreno educacional, primeiramente por meio das ações voltadas a
educação realizada pelos agrupamentos da população negra, e posteriormente, a partir daquele
período, passa a intervir na educação na medida em que cria proposições estabelecidas a partir
da crítica há alguns conteúdos de livros didáticos, tendo em vista a luta pela revisão e retirada
de alguns conteúdos de conotação racista desses livros, assim como a realização de
capacitações com professores com intuito de desenvolver uma pedagogia interétnica, na
tentativa de reavaliar a ação do negro na história brasileira.
Segundo Domingues (2007), entre o período de 1980 a 2000, o movimento negro
organizado “africanizou-se”. E nesse momento, o movimento negro assume a luta contra o
racismo, trazendo como centralidade novas premissas de ascensão de uma identidade étnica
particular da população negra, apresentando o resgate das raízes antepassadas como direção
para a construção do discurso político do movimento. A partir disto, o movimento negro passa
por um processo revisionista dos seus valores, o qual contribui para o processo político de
ruptura com as perspectivas assimilacionistas e integracionista que norteavam a militância dos
agrupamentos negros no passado, a partir da construção de um movimento negro pautado na
negação dos valores das “raças dominantes” e legitimação dos valores, crenças e cultura
africana herdadas dos antigos escravos e seus descendentes, os quais passaram por um
violento processo de criminalização e desvalorização versus a adesão, legitimação e difusão
de uma cultura europeia no país.
O movimento negro contemporâneo, a partir desse processo revisionista, cuja
centralidade é pautada na crítica há elementos socioculturais que, de alguma maneira
contribuem para a reprodução do racismo nas relações raciais no país, realizam uma
campanha política contra a concepção de mestiçagem28
difundida no Brasil. Sendo analisado
pelo movimento como um artifício ideológico alienador, sendo necessários a luta e o combate
à capacidade alienante da ideologia da mestiçagem no Brasil, a qual tem influência contrária
28 Analisada na seção anterior.
84
no processo de construção da identidade do negro no país. Assim, podemos ponderar que
parte do movimento negro brasileiro têm se construído no cenário político, a partir da
resistência e mobilização política em defesa da construção de uma nova ordem social, tendo
em vista a superação do racismo e, junto a ele todas as formas de opressão e dominação
raciais e sociais. E nesse sentido, o movimento vem atuando na luta contra elementos
histórico-culturais racistas reproduzidos em nossa sociabilidade, tendo em vista a construção
de uma nova identidade racial para a população negra no país. Porém, somente partes desse
movimento, visto que o movimento social negro como um todo não é homogênio na sua
estrutura, no que diz respeito ao projeto, valores e objetivos fundamentais. E nessa dinâmica,
as contradições são elementos que não podem deixar de ser considerados.
Porém, analisamos que o movimento negro, assim como os movimentos sociais em
geral, vem sofrendo um profundo processo de crise estabelecido pelo avanço do pensamento
neoliberal e da atualização do pensamento neoconservador na sociedade brasileira, o qual
incide ainda sobre a construção da consciência política da classe trabalhadora.
A esse propósito, Iasi (2013, p.3) ao analisar a conjuntura política atual, compreende
haver uma “desconstrução da consciência” política da classe trabalhadora, historicamente
representada pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Segundo o referido autor, há um “mito do
acumulo de forças”, cuja compreensão é de que nunca estamos preparados, “nunca o nível de
consciência das massas e dos trabalhadores chega à necessidade da conquista do poder”.
Representando uma problemática para que, realmente, nunca tenhamos às condições certas.
Outra questão abordada pelo aludido autor, é a crítica à compreensão de que os patamares de
consciência não regridem. Iase vai combater essa concepção, a partir de sua imaterialidade na
realidade social. Ao contrário, a consciência expressa na liderança dos movimentos sociais
contemporâneos revela que o conjunto da classe retoma a outro patamar, analisado pelo
mencionando escritor, como à consciência reificada. Caracterizado pela a “consciência da
imediaticidade, da ultrageneralização, do preconceito, da perda da capacidade de vislumbrar,
ainda que potencialmente, a totalidade”. A partir disso, podemos pensar criticamente o
movimento negro no país.
A década de 1980 foi marcada por conquistas e avanços dos movimentos sociais e
classe trabalhadora em geral. Mas a partir dos anos 1990, analisamos no cenário brasileiro o
aprofundamento dos ideais neoliberais nas ações do Estado e, um consequente avanço do
pensamento neoconservador na sociedade brasileira, o qual se materializa em retrocessos
sociais, seja no âmbito do direito social ou na crise dos movimentos sociais. Depreendemos
85
este processo iniciado já a partir do governo29
Collor e consolidado no governo FHC. E ao
contrário do que esperávamos, o primeiro mandato do presidente Lula30
, pode ser considerado
como de continuidade e aprofundamento da ofensiva neoliberal, tendo por consequência a
desestabilização da proposta de governo à defesa da classe trabalhadora. Tendo negativas
repercussões a mobilização popular, acarretando no enfraquecimento dos movimentos sociais
efervescentes nas décadas anteriores, dentre eles o movimento negro. Destarte, Netto afirma:
O primeiro governo de Lula aprofundou o contra-reformismo orgânico da coalizão
do Partido da Social-Democracia Brasileira como o Partido da Frente Liberal – e o
segundo mandato de Lula apenas vem reafirmando a sua incorporação das diretrizes
macro-econômicas e sociais que outrora, nos idos de oitenta e noventa, combatia.
(NETTO, 2006, p. 38).
Entendemos então, que a ascensão do Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder, ao
contrário da defesa à classe trabalhadora, trouxe à tona as consequências do neoliberalismo
tão combatido nas décadas passadas. Estabelecendo, assim, o enfraquecimento dos
movimentos, visto que, o PT se constituía em uma das principais referências dos movimentos
sociais. Quando o PT ao assumir o poder passa a negar seu vínculo aos interesses das classes
trabalhadoras, os movimentos sociais se vêm sem referência, sem esperança política. Visto
que, no lugar de um partido político que luta pela liberdade das classes trabalhadoras,
analisamos a perpetuação de um governo que atua na “maciça cooptação das entidades e
organizações que tinham peso sobre significativos movimentos sociais”. (NETTO, 2006, p.
38). Estando o atual governo, personificado na presidenta Dilma Rousseff31
, dando
prosseguimentos ao processo de crise dos movimentos sociais na conjuntura atual.
Analisamos que, adjunto aos avanços das políticas neoliberais as ações do Estado em
beneficio do grande capital, há a influencia do neoconservadorismo ao pensamento social
brasileiro, a qual tem como expressão, dentre outros, o racismo. Nesse sentido, depreendemos
o conservadorismo como resposta a uma necessidade histórica da “classe dominante”, de
maioria branca, para responder a seus interesses e, este pensamento vem se reatualizando e se
29 Collor foi eleito por meio do Partido da Reconstrução Nacional (PRN). Este governo fomentou ações que
promoveram transformações econômicas no Brasil, tendo em vista a modernização do país, para poder competir
no mercado mundial. Fernando Henrique Cardoso (FHC) foi eleito em 1994, dando continuidade à política
econômica iniciada por Collor, promovendo privatizações, restrições de direitos, tendo em vista a abertura da
economia nacional para o mercado econômico mundial. 30 Lula se constitui no primeiro operário eleito como presidente do Brasil. É filiado ao Partido dos Trabalhadores
(PT), o qual sempre fez oposição aos governos de direita, constituindo-se historicamente um partido de esquerda
no país. 31 Dilma Rousseff se constitui na primeira presidente mulher do Brasil, foi eleita em 2011, é filiada ao Partido
dos trabalhadores (PT).
86
expressa em todos os âmbitos da vida social. Incidindo, também, no aprofundamento das
relações de dominação e exploração raciais e na crise dos movimentos sociais, tendo em vista
a manutenção das dominações e explorações inerentes ao desenvolvimento do grande capital.
Nesse sentido, podemos compreender os mitos analisados por Iasi (2013), articulados
a ofensiva neoliberal e a reatualização do conservadorismo em nossa sociedade, como formas
de por limites aos movimentos sociais contemporâneos, inclusive ao movimento negro.
Conforme Iasi (2013, p.4) “Presos a esta forma de consciência, os trabalhadores não agem
como uma classe nos limites da ordem do capital em luta contra suas manifestações mais
aparentes”. Assim, depreendemos os principais desafios contemporâneos postos pela
macroestrutura social ao fortalecimento do movimento negro, bem como e suas lutas políticas
e conquistas sociais.
Ao analisarmos a historicidade do movimento negro, vermos que as principais
entidades do movimento sempre surgiam acompanhadas por grandes jornais, tendo em vista à
denúncia as desigualdades raciais no país. E hoje, ainda existem meios de comunicação em
massa que se constituem nas principais formas de denuncia da questão racial no Brasil. No
entanto, na história dos jornais e outros meios de comunicação em massa, também analisamos
suas contribuições negativas na difusão dos movimentos sociais em geral, bem como, no
mascaramento do mito da Democracia Racial brasileiro. Sendo os meios de comunicação em
massa também, um dos principais meios de alienação da classe trabalhadora, estando
permeado por interesses neoliberais e neoconservadores, contribuindo para a construção de
uma imagem destrutiva a esses movimentos e a para a banalização de suas principais
reivindicações. Conforme Iasi (2013, p.4), “hoje no quadro de uma democracia de cooptação
consolidada temos um senso comum que tende a ser conservador e, por vezes, reacionário”. E
nesse sentido, o contexto de contra-reforma do Estado tem sua perpetuação assegurada e
evidenciada também pelos meios de comunicação em massa, os quais atendem,
primordialmente, os interesses da “raça dominante”.
Assim, compreendemos que o avanço da ofensiva neoliberal e a atualização do
pensamento neoconservador no Brasil se constituem grandes desafios contemporâneos postos
ao movimento negro no país. No entanto, o movimento negro ainda resiste e persiste na luta
contra as discriminações e preconceitos raciais contra o negro brasileiro. Apesar de todas as
adversidades o movimento negro resiste como se fossem “toupeiras32
”, os quais
32 Toupeira é um termo conotativo recorrente na literatura marxista para designar os movimentos insurgentes,
oriundos da organização revolucionária da classe operária. Atualmente, podemos constatar que a utilização de tal
termo é referente aos processos de organização da luta política que, apesar das adversidades vêm “remando
87
compreendem a partir da luta a real possibilidade de estabelecer a verdadeira democracia
racial no país. Uma expressão disso é o movimento quilombola, o qual também se constituiu
em um uma expressão do movimento negro no Brasil, aliás, é uma expressão que se remete na
forma mais tradicional e antiga de resistência do povo negro brasileiro.
Conforme Iasi (2013), as transformações na consciência dos trabalhadores são
resultados de sua inserção na luta de classes. Da mesma forma, podemos compreender a
construção da consciência política dos trabalhadores da população negra, cuja emergência tem
profundos laços com a participação política desses sujeitos sociais no cenário brasileiro.
Mesmo ponderando as peculiaridades que permeiam a questão do negro nesta sociedade,
compreendemos que a construção da consciência política dessa população possui intensas
ligações com a ascensão das lutas políticas edificadas pelos movimentos sociais,
principalmente dos movimentos negros, entre os anos 1970 e 1980. Sendo assim, não vêm
necessariamente das apreensões sobre o conhecimento ou das explicações das particularidades
que permeiam a questão racial no Brasil, mas ainda, da apreensão e reflexão crítica às
estruturas que sustentam este modo de sociabilidade, bem como, a participação popular no
cenário político brasileiro.
Iasi (1999) analisa o processo de consciência partindo de uma compreensão marxista.
Diante disso, o processo de consciência é apreendido pelo autor de forma introdutória como:
[...] Um desenvolvimento dialético, onde cada momento traz em si os elementos de
sua superação, onde as formas já incluem contradições que ao amadurecerem
remetem a consciência para novas formas e contradições, de maneira que o
movimento se expressa num processo que contem saltos e recuos. (IASI, 1999,
p.13).
Assim, consciência é compreendida pelo autor como um processo. Podendo ser
analisado como uma construção social, ou seja, os sujeitos sociais não são conscientes, eles se
tornam conscientes a partir de um processo sócio-histórico. Da mesma forma, ponderamos
que a consciência política da população negra vem sendo construída historicamente, a partir
de elementos subjetivos e objetivos particulares da vida de cada sujeito social, mas que
envolvem aspectos universais da realidade social entendido a partir da consciência de classes,
e especificamente, “consciência negra”. Estabelecida por meio de um movimento expresso na
passagem de uma consciência reificada à consciência em si.
contra a maré”. CISNE, Mirla. Resistência de classe no Brasil contemporâneo: mediações políticas para o
enraizado do projeto ético-político do Serviço Social. IN: Temporalis. Brasília, Ano VIII, n.16, p. 67-98, 2008.
88
Prosseguindo, analisamos construção da consciência política da população negra,
essenciais para a superação de alienações e ideologias estabelecidas pela “raça dominante”, as
quais têm em vista a manutenção do sistema de dominação e exploração do negro
“naturalizado” socialmente.
Assim, ponderamos que além da pauperização das condições de sua vida, o negro tem
de enfrentar o estigma da cor, as discriminações e opressões resultantes do preconceito racial
engendrado por meio da escravidão, fruto de ideologias racistas pautadas em uma falsa teoria
de inferioridade racial, as quais incidem na vida social até os dias de hoje, constitui-se em
uma grande violência social, psicológica, moral, cultural a população negra.
Nesse sentido, o autor Fabio Fernandes (2011) vai compreender que o racismo refere-
se à valoração negativa de certos grupos humanos em virtude de sua etnia. Assim, pode ser
entendida como uma ideologia, isto é, uma crença de que as capacidades humanas são
determinadas pela “raça” e que é necessário segregar os “inferiores” (Fernandes, 2011). É
nesse contexto que a população negra procura sua cidadania enquanto pessoa humana, em
contracorrente de concepções racista, legitimação das explorações e opressões capitalistas que
também incidem na legitimação de preconceitos e discriminações raciais.
Segundo Gomes (2011), na realidade brasileira e mundial, podemos analisar que a luta
contra o racismo, o sexismo, a homofobia não pode acontecer de forma isolada. Sendo assim,
compreendemos que a luta contra as dominações e explorações raciais deve ser construída
coletivamente, a partir da imersão de consciência política baseada na consciência de classe em
si, tendo em vista desenvolvimento de uma consciência de classe para si, a partir da qual
todos os trabalhadores se reconheceram como a única classe social, capaz de concretizar a
revolução proletária. E nesse sentido, os movimentos sociais tem a educação como um dos
principais campos de luta, e articulado a esse processo, analisamos que o movimento negro no
Brasil têm construído historicamente muitas conquistas frente à conjuntura adversa. Na
próxima subseção, discorreremos sobre as conquistas apresentadas pelo movimento, tendo em
vista centralidade nas políticas sociais, compreendendo estas como principal meio de
intervenção a questão social nos limites da sociedade do capital.
3.2. POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO À QUESTÃO RACIAL: CONQUISTAS,
LIMITES E DESAFIOS HISTÓRICOS.
Analisamos anteriormente, que as lutas pelo fim do racismo e seus rebatimentos na
vida das populações negras não surgem de reivindicações recentes, mas foram construídas a
89
partir de uma conjuntura histórica marcada pela resistência e combate do movimento negro a
um modo de sociabilidade abalizado por relações sociais e raciais desiguais. Analisamos que
as primeiras resistências podem ser depreendidas já no período da escravidão fruto das
primeiras manifestações do inconformismo negro, o qual se desenvolve e se consolida a partir
da formação de uma consciência política do negro e de sua organização política, cujo
resultado pode ser entendido por meio da formação e consolidação do movimento negro
contemporâneo. Desta maneira, o movimento negro intervém na história da sociedade
brasileira materializando lutas e conquistas a população negra, mas, ao mesmo tempo, são
limitados por imposições postas pelos interesses das “raças dominantes”. É nesse sentido, que
discorreremos sobre as políticas de enfrentamento a questão racial, as quais são estabelecidas
como resultado jurídico-formal das conquistas da população e movimento negro. Sendo
compreendidas, também, a partir de suas contradições instituídas no marco da sociabilidade
capitalista, as quais podem ser analisadas como concessões do Estado burguês as classes
trabalhadoras, neste caso, em especial, aos negros, com um dos objetivos de manter a
hegemonia das classes e “raças dominantes”, ameaçadas pelo avanço das lutas sociais e
raciais legitimadas pelas classes trabalhadoras organizadas. Considerando as contradições
sociais que permeiam a emersão, desenvolvimento e consolidação das políticas sociais é que
analisaremos a concepção de políticas de combate à questão racial estabelecidas no país,
tendo em vista a análise de suas conquistas, limites e desafios históricos postos pela sociedade
de classes.
Embora, no Brasil não tenha existido a segregação racial concreta como houve em
outros países, tais como, na África do Sul e nos Estados Unidos, compreendemos violentas
formas de preconceito e discriminação racial que permeiam a vida cotidiana das populações
negras no país, sendo materializadas em humilhações e violações de direitos sociais que se
expressam e, ao mesmo tempo são expressões das condições de pauperização da população
negra neste país. A partir disso, compreendemos que o combate às barbáries do capital (o
racismo embora não seja inerente ao sistema do capital, encontra no mesmo, maneiras de se
reatualizar) somente no campo da luta, podemos avançar em buscar de melhorias na condição
de vida do negro, tendo em vista a construção de novas relações sociais e, consequentemente
superar as relações raciais desiguais nutridas no país. Assim, ratificamos a essencialidade das
lutas políticas organizadas pelo movimento social e negro, não as abstratamente, mas as lutas
e resistências que sucedem na dimensão concreta da realidade social, por meio da crítica para
além das reivindicações a respeito de particularidades ou identidades, tendo em vista a crítica
90
às bases de sustentação dessa sociedade. A partir do tensionamento a sociedade capitalista e
pressionamento ao Estado burguês.
Nesse contexto, de lutas e resistências sociais e raciais em oposição aos padrões
estabelecidos pela sociedade capitalista e racista é que surgem as políticas de enfrentamento a
questão racial. Ao analisamos a conjuntura história sociopolítica brasileira, observaremos que
as histórias das políticas sociais se articulam a história das resistências dos movimentos
sociais e negros no país. Sendo compreendidas como conquistas políticas das classes
trabalhadoras e negras, mas ao mesmo tempo, representam estratégias das classes e raças
dominantes no intuito de manter seu controle e hegemonia perante a sociedade. Assim, neste
modo de sociedade, analisamos que as lutas entre classes sociais são mediadas pelo Estado
burguês que estabelece as políticas sociais como meio de intervir nesses conflitos sociais e,
concomitantemente, manter sua hegemonia. Assim, estudamos a pertinência do surgimento e
desenvolvimento das políticas sociais no Brasil na década de 1930, bem como, sua ampliação
e consolidação nas décadas de 1970 e 1980, momento histórico marcado por grandes
mobilizações políticas e acirramentos das contradições sociais no país, assim como
manifestações contra o racismo e preconceito raciais. Depreendemos que estas emergem com
a “aparência” de produzir o bem-estar de todos nas sociedades capitalistas, no entanto,
somente se constitui em um meio de afiançar algumas melhorias nas condições de vida de
algumas populações, pois a partir da realidade social concreta compreendemos que as
políticas sociais se esbarram nos próprios limites da sociabilidade do capital em estabelecer o
pleno bem-estar comum, podendo este somente ser alcançado em sua plenitude a partir da
superação das dominações e explorações inerentes a sociabilidade vigente.
Compreendemos, a partir de Gramsci que o Estado ampliado, o qual não se restringe
ao campo da coerção, mas para além dele, possui uma esfera ampliada que se apresenta por
meio das relações entre o Estado e sociedade civil, se reafirma a partir da luta e conquista de
um consenso, compreendido por hegemonia, no qual o Estado ratifica sua direção, o poder de
uma classe social, mas se constitui também como uma forma de estabelecer acordos entre as
classes subalternas. Assim, analisamos que as primeiras ações no enfrentamento das
problemáticas raciais no Brasil, tais como, a Lei Afonso Arinos nº 1.390/51, estabelecida nos
anos 1951, surgem a partir de consensos entre o Estado e população negra organizada
politicamente.
O estabelecimento da primeira Lei em oposição ao racismo instituída no Brasil
sucedeu-se a partir de grandes embates políticos, tendo como propulsores os militantes
políticos constituintes, segundo Domingues (2007) da segunda fase do movimento negro no
91
Brasil. A partir de reivindicações do movimento negro e população organizada na Convenção
Nacional do Negro, em 1945, o senador Hamilton Nogueira (UDN), apresentou, em 1946,
uma lei contra a discriminação racial, a Assembleia Nacional Constituinte, a qual não foi
aprovada33
, com a justificativa do PCB de que esta lei restringia o amplo conceito de
democracia. Domingues (2007, p.111) analisa esta problemática, a partir do isolamento do
movimento negro, na década de 1940, com relação às forças políticas.
Ponderamos o estabelecimento da lei contra as práticas racistas Lei nº 1.390/51,
conhecida como Lei Afonso Arinos, a partir do cenário de mobilizações e resistências que
surgem já nos anos 1830, contra o racismo, preconceito racial e de cor, constituindo-se em um
marco para a luta política do movimento negro o qual, historicamente luta pelo
estabelecimento de direitos de cidadania, os quais foram paulatinamente sendo conquistados
ao longo da historia brasileira. Devemos depreender ainda, que esse movimento de
reivindicações e concessões não se sucede isoladamente no país, ao contrário, esta articulada
as grandes transformações que ocorreram em âmbito mundial. Logo nos anos 1919, foi criada
a nível internacional no Pacto da Liga das Nações, uma Proposta de Igualdade Racial, onde
obteve apoio da maioria. E em 1945, a Organização das Nações Unidas- ONU inclui em seu
artigo I a compreensão de direitos humanos, tendo em vista a não distinção de raça. Em 1950,
a União – UNESCO redigiu o documento “A questão da raça”, na qual estabelecia a recusa ao
racismo cientifico.
E nesse contexto, que a partir da Constituição Federal de 1988, as ações racistas foram
consideradas no âmbito jurídico-formal como crime inafiançável, em revogação da lei
anterior, que estabelecia este como contravenção penal. Por ter sido projeto do deputado
Carlos Alberto de Oliveira, a Lei nº 7.716/89, promulgada em 1989, e conhecida como Lei
Caó, e se constitui na primeira e na principal lei que institui as práticas de crime de racismo
no Brasil. A Lei34
nº 7.716/89, em seu “Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes
resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência
nacional”.
Em nossa sociabilidade essas ações, embora se configurem como conquistas da
população negra e, de certa maneira, proporcionem, em sua maioria, pontuais melhorias nas
33 Porém, a primeira lei antidiscriminatória do país, é estabelecida pelo Congresso Nacional cinco anos mais
tarde, a partir da retomada dos manifestos do movimento negro, após “o escândalo de racismo que envolveu a
bailarina negra norte-americana Katherine Dunham, impedida de se hospedar num hotel em São Paulo”
(DOMINGUES, 2007, p.111).
34 Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/15/1997.
92
condições objetivas de vida das populações negras, somente se efetivam plenamente no
âmbito jurídico-formal e, algumas vezes nem mesmo nele. Visto que, as ações legais
estabelecidas pelo Estado, precisam ser aceitas e legitimadas pela sociedade civil. As relações
sociais instituídas em nossa sociabilidade são permeadas por interesses e valores
compartilhados socialmente, na medida em que compreendemos que esses valores
hegemônicos reproduzem historicamente o preconceito racial e de cor, analisamos que a
“força da lei” não implicará na transformação de todo um pensamento nacional pautado no
racismo, ainda que, o próprio estabelecimento das leis possa ser ponderado já a partir da
construção de novos pensamentos. Assim, depreendemos que a lei antidiscriminatória
estabelecida no Brasil, se constitui em uma importante iniciativa jurídico-formal, mas sua
materialização na realidade social objetiva se esbarra em aspectos culturais, psicológicos,
sociais, políticos e econômicos que determinam a questão racial no país.
Mesmo com as contradições que permeiam a plena concretização das ações de
combate ao racismo, ponderamos outras conquistas alcançadas pelo movimento negro na
caminhada política em anseio da ascensão da igualdade e justiça racial e social no país. E
nesse sentido, ao analisarmos os avanços e desafios que permeiam o estabelecimento das
políticas públicas direcionadas a combater o racismo, depreenderemos o Estatuto da
Igualdade Racial como principal resultado da resistência política dos movimentos das
populações negras organizadas na luta pelo fortalecimento das ações de enfrentamento as
desigualdades raciais. Após dez anos de tramitação no Congresso Nacional, foi aprovada e
sancionada a Lei nº 12.288, promulgada em 20 de julho de 2010, que determina em seu artigo
1º:
Art. 1o Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à
população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos
étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais
formas de intolerância étnica. (BRASIL, 2010).
Nesse sentido, analisamos que o Estatuto da Igualdade Racial reafirma a concepção de
direito das populações negras a partir de uma perspectiva de adesão aos ideais das políticas de
ação afirmativa, as quais são estabelecidas pelo governo brasileiro como meio de superação
das desigualdades raciais e o enfrentamento do racismo, constituídas em nossa sociedade
como meio de reparar as violências acometidas a população negra ao longo da formação
sócio-histórica brasileira. Porém, podemos analisar as políticas de ação afirmativas para além
da concepção compensatória, a partir da compreensão desta como um meio de estabelecer
justiça racial. Embora, em nossa sociabilidade tenha se criado o pensamento conservador e
93
limitado de que “justo” é considerar todos de maneira igual, depreendemos que não é possível
a partir de políticas universais, estabelecer igualdade entre relações raciais essencialmente
desiguais. Sendo indispensáveis, as políticas diferenciadas para intervir nas problemáticas
raciais, de forma a construir pilares para uma real justiça racial.
A conceituação original de ação afirmativa encontra-se na obra de Ambedkar35
(1891-
1956), o qual propôs a construção de ações que promovessem direitos aos sujeitos sociais que
por razão religiosa, étnico e racial sofrem desigualdades sociais, tendo em vista, a superação
as disparidades e condições de oportunidades sociais. O conceito de ação afirmativa abrange a
compreensão de política pública, apresentando o pensamento de que todos devem ter direito à
igualdade, incidindo no estabelecimento de uma real democracia social. Assim, podemos
depreender as ações afirmativas conforme define o autor Joaquim B. Gomes:
As ações afirmativas consistem em políticas públicas (e também privadas) voltadas
à concretização do princípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de
compleição física. Impostas ou sugeridas pelo Estado, por seus entes vinculados e
até mesmo por entidades puramente privadas, elas visam a combater não somente as
manifestações flagrantes de discriminação, mas também a discriminação de fundo
cultural, estrutural, enraizada na sociedade. (GOMES, 2001, p.06).
No Brasil as políticas de ações afirmativas ganham visibilidade a partir da mobilização
dos movimentos sociais e setores organizados da sociedade. Nesse contexto, a adoção das
políticas afirmativas as ações do governo brasileiro são analisadas a partir das primeiras
iniciativas do Estado na ascensão de políticas diferenciadas de acesso ao ensino superior para
a população negra no país a partir dos anos 1990. Sendo ampliada em todas as esferas da
sociedade. Assim, compreendemos que as políticas públicas efetivas de enfrentamento as
desigualdades raciais no Brasil se desenvolvem muito tardiamente, ora, a emersão da
discussão sobre políticas públicas no Brasil surge deste o século XIX, sendo que as
problemáticas raciais em torno do negro surgem junto à sociedade brasileira. E somente após
400 anos de violências raciais no país, o Estado começa a estabelecer objetivas ações no
combate ao preconceito com as diferenças e diversidades humanas estabelecidos no país.
Santos (2010, p. 186) ao analisar os limites da igualdade de oportunidades,
compreende que as ações afirmativas “têm o objetivo de reparar danos socioculturais e morais
35 Bhimrao Ramji Ambedkar (1891-1956) é um estudioso da área jurídica, econômica e história. Constitui-se em
um indiano que faz parte das castas de “intocáveis”. Apresentou a ideia de ação afirmativa, pela primeira nos
anos 1919, tendo em vista, a proposta de mudanças nos tratamentos sociais aos sujeitos que fazem parte de
castas sociais ponderadas como inferiores na Índia.
94
que foram e são provocados toda vez que a dimensão da diversidade e da diferença entre os
indivíduos assumiu ou assumir a forma de desigualdade”. E dessa maneira, as ações
afirmativas estabelecidas nesta sociedade, se constituem em instrumentos para criar
oportunidades iguais entre brancos e negros no Brasil.
Entretanto, as políticas de ações afirmativas no Brasil são recebidas com grandes
críticas pelos segmentos conservadores da sociedade, que insistem em ratificar uma
“democracia racial” que só existe na utopia do pensamento neoconservador. Representando,
assim, um grande desafio para a plena efetivação dessas políticas no país. A partir disso,
analisamos a emersão dos pensamentos neoconservadores, que têm dentre as suas expressões,
a reatualização do racismo, mascarado pela ratificação da “democracia racial” e a
compreensão de que a questão da educação no Brasil se limita a dimensão do
empobrecimento de certa parcela da população brasileira.
No âmbito da educação superior, as políticas de ação afirmativa se apresentam a partir
da compreensão da necessidade de um acesso diferenciado para os negros nas instituições
públicas de ensino universitário, tendo em vista, minimizar as desigualdades raciais e
promover um acesso mais igualitário a educação superior no Brasil. Conforme dados do
IBGE (2010), as disparidades do acesso entre negros e brancos persistem, mesmo sendo a
população brasileira formada por aproximadamente 51% de negros ou pardos, ainda se
constituem minoria dentro na universidade. Para termos a dimensão dessas disparidades,
podemos analisar os dados estatísticos que ratificam que dos estudantes negros entre as idades
de 18 e 24 anos aproximadamente 28% e 31% dos pardos tem acesso ao ensino superior,
enquanto que 62% dos estudantes brancos estão na universidade. Assim, compreende-se que
as desigualdades raciais materializadas na pauperização da população negra no Brasil,
também se materializam no acesso e permanência desiguais entre negros e brancos no país.
As políticas de ação afirmativas na educação são fundamentadas na concepção de
“cotas corretivas”, as quais podem se entendidas como ações que, em certa medida,
promovem justiças sociais. Nesse sentido, no país analisamos o estabelecimento do sistema de
“Cotas raciais”, sendo compreendido como uma forma compensatória de intervir nas relações
raciais desiguais construídas a partir de um longo período da História brasileira, marcada por
crueldades e privações de direitos e oportunidades das populações negras, tendo em vista, a
reparação dos “absurdos” incumbidos no passado por meio do processo de escravização do
negro no país. Porém, essa compreensão de “reparação” a questão racial ou mesmo da real
obtenção da justiça racial no Brasil possui limites estruturais, compreendidas quando
analisamos as funcionalidades que as desigualdades raciais passam a ter ao capital. Embora
95
ponderemos a importância das ações afirmativas às populações negras, também, criticamos a
efetivação de ações afirmativas como fim para as contradições raciais, e mesmo a suas reais
intervenções as desigualdades raciais no país no marco da sociabilidade do capital.
Conforme as ações do governo brasileiro, o sistema de cotas raciais, são instituídas por
meio da reserva de vagas em universidades públicas para um acesso análogo de estudantes
negros ao ensino superior. E a discussão sobre as políticas de ação afirmativas desenvolvidas
no âmbito da educação superior no Brasil é bastante complexa, sendo permeada por
polêmicas que se centralizam na crítica a adoção de “Cotas raciais” como meio de estabelecer
números igualitários de negros e brancos na educação superior.
Segundo Ribeiro (2009) o debate sobre ações afirmativas se estabelece de maneira
ambígua. De um lado, há os que são a favor do estabelecimento das cotas, compreendendo
estes como estratégias de luta contra as disparidades de oportunidades entre brancos e negros,
incapazes ser superados por meio das políticas públicas universais. E de outro lado, há os que
são contra as cotas, pois argumentam que a igualdade entre os homens estabelecida perante a
lei, deve ser legitimada também na efetivação de direitos. E nesse debate, defendemos a
necessidade de políticas de ação afirmativas com meio imediato de garantir igualdade racial
no ensino superior, visto que as políticas compreendidas como universais possuem limitações
que restringi seu campo de atuação, e nesse sentido não conseguem ser efetivadas plenamente
na promoção do bem-estar social, menos ainda, no tocante as particularidades que permeia a
questão racial no país. O Estado brasileiro ao reconhecer a validade das ações afirmativas,
abri caminhos para o reconhecimento e reparação das heranças de um passado cruel que
marcou a vida de milhares de cidadãos negros neste país.
As cotas raciais, que representam uma reserva de vagas em universidades a estudantes
negros, foram legitimadas no Brasil em 2012, por meio de uma votação realizada pelo
Supremo Tribunal Federal, que determinou por unanimidade a constitucionalidade das cotas.
No entanto, para Silva (2006, p.146) as políticas de ações afirmativas no Brasil têm a
tendência de ressaltar a renda como critérios de acesso às cotas, reduzindo a questão racial a
um problema de classe social, desconsiderando as particularidades históricas, psicológicas,
culturais que incidem sobre a questão do negro na educação brasileira. A qual é ratificada pela
resistência de alguns grupos sociais em reconhecerem o debate racial no país. Em
contrapartida, ainda que, compreendamos que a questão racial se constitui em uma das várias
expressões da questão social no Brasil, analisamos que as problemáticas raciais possuem
particularidades, as quais não são intervidas a partir das cotas sociais. Havendo no Brasil uma
“pressão do movimento negro para que seja mantido o foco na raça”.
96
Além das políticas de ação afirmativas apreendidas pelo Estado para ampliação do
ensino superior a população negra e empobrecida, outras iniciativas governamentais vem
sendo implementadas, sendo mascaradas como meio de democratização do ensino superior no
Brasil, tais como: o PROUNI, REUNI, FIES, ampliação das instituições de EADS e outras. E
ao invés que promover a real ampliação do ensino superior no Brasil, se constitui em um
processo de contrarreforma mascarado na ampliação do ensino superior no Brasil, moldados a
partir dos interesses do grande capital. E esse processo também possui influências na
concretização das políticas de ação afirmativas, as quais podem ser estudadas a partir da
apreensão desta pela sociedade contemporânea como ações resolverão as desigualdades
raciais.
Nesse contexto, analisamos que as vagas no ensino superior tem tido uma significativa
ampliação, mesmo que de forma precária, importando com o atendimento, primordialmente,
dos interesses do capital. Assim sinalizamos que, outra questão a ser analisada são as
condições de permanecia desses estudantes ao ensino superior, tendo em vista os altos índices
de abandono das universidades, pela impossibilidade materiais que muitos estudantes têm de
se manter no âmbito universitário. Segundo dados do IBGE (2009), dos jovens da faixa etária
de 25 anos ou mais, apenas 4,7% dos pretos e 5,3% dos pardos possuem diploma de ensino
superior, contra 15% dos brancos. Não basta somente estabelecer mecanismo de acesso ao
ensino universitário, é necessário ainda, promover meios de permanência a esses estudantes.
O estabelecimento do sistema de Cotas raciais nas universidades brasileiras consiste
em uma importante estratégia no intuito de fomentar oportunidades sociais mais justas para
brancos e negros. Porém, as precárias condições de permanência desses estudantes no ensino
superior consistem em um grande desafio, postos pela conjuntura social de pauperização e
violação de direitos sociais, construídas socialmente como o “lugar” do negro no Brasil.
Analisamos que as cotas raciais, de certa maneira, ampliam o número de negros na
universidade, mas continuam sendo privados os meios objetivos para a manutenção dessa
vaga e consolidação da formação acadêmica. Assim, compreendemos que o estabelecimento
de políticas públicas de enfrentamento a questão racial no país, devem se desenvolver de
forma articulada. Não podemos colocar toda a responsabilidade do combate da problemática
racial somente em uma política pública, para a sua plena intervenção é necessário à
articulação entre todas as políticas públicas e sociais, sejam, elas o trabalho, a educação, a
assistência social, a saúde. Articulado a isso, ratificamos o neoconservadorismo presente nas
relações raciais no Brasil, como desafios a essas ações afirmativas, materializados “mitos”
que permeiam o entendimento sobre o sistema de cotas.
97
Como resultado, também das resistências e lutas políticas do movimento negro deste os
anos 1980, analisamos a promulgação da Lei 10.639/2003, em 09 de janeiro de 2003, de
autoria da deputada Esther Grossi. Lei que se constituía em uma das principais reivindicações
do MNU, que lutava contra o mito da democracia racial entre outros, e pela introdução da
História da África e do Negro brasileiro nos currículos escolares. O parágrafo 1ª da Lei
10.639/2003 estabelece que:
§ 1º o conteúdo programático [...] incluirá o estudo de História da África e dos
Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na
formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas
social, econômica e política pertinentes à história do brasil. (BRASIL, 2003).
As reivindicações do movimento negro, expressas em grande parte nos escritos da Lei,
evidencia a crítica e a recusa do movimento aos padrões racistas que situam a história
sociocultural brasileira. Sendo criticados porque são padrões que negam as contribuições do
negro, a partir de um necessário processo de revisão e proposições acerca dos conteúdos
programáticos apresentados no âmbito escolar. As quais, de certa forma, contribuíam para a
reprodução de um racismo sutil entre e fora dos muros da escola. O qual precisa ser rebatido,
tendo nesta Lei o suporte jurídico-formal para o fortalecimento da resistência contra as
discriminações e preconceitos raciais.
Ainda no âmbito das políticas sociais, analisamos avanços a respeito da garantia do
direito a saúde da população negra, a qual vem sendo prioridade de luta dos movimentos
negros, mais fortemente, a partir dos anos 1990. Dentre as conquistas estabelecidas pelas
organizações dos grupos sociais destacamos a criação da “Política Nacional de Saúde Integral
da População Negra/ PNSIPN”, em 2006. A qual é pode ser compreendida como uma política
que se estrutura a partir de percepções das ações afirmativas, tendo em vista o princípio da
equidade estabelecido pelo SUS como meio de promover a garantia do direito a saúde de
forma realmente igual para os negros, visto que a dimensão de universalidade abrangida no
direito à saúde pode ser analisada como insuficiente no estabelecimento da igualdade racial
referente ao acesso à saúde. Sobre a PNSIPN, Lopes e Werneck (2008, p.14) analisam que sua
criação:
Estabelece um novo patamar de atuação política no campo da saúde, uma vez que
esta política consolida a responsabilização do SUS em promover ações afirmativas
para alcançar a equidade em saúde para a população negra, destacando ações
prioritárias, possibilitando interpelação direta e específica de gestores de saúde nos diferentes níveis e seu monitoramento detalhado por parte das organizações negras,
98
do movimento negro e outros atores estratégicos. (LOPES; WERNECK, 2008,
p.14).
Assim, ponderamos a organização e mobilização política das populações negras
essenciais a este processo de construção social, tendo sido fundamental para o processo de
consolidação dos avanços içados para a população negra no âmbito da política de saúde,
“contribuindo para o fortalecimento do trabalho em rede”, conforme discorrem Lopes e
Werneck (2008, p.15), as quais têm colaborado, ainda, no avanço das discussões e do controle
social dessas políticas, tendo por centralidade o “enfrentamento do racismo e promoção da
equidade”.
As ações afirmativas no campo da saúde na intervenção das desigualdades raciais no
país se constituem em avanços, mas também esbarra em desafios. E como desafios postos a
plena efetivação da política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), Lopes
e Werneck (2008, p. 19) analisam a compreensão da concepção de racismo institucional, bem
como o empenho em compor uma “cultura institucional não discriminatória”, que proporcione
a ruptura com a naturalização das discriminações raciais percebidas nas ações do Estado. Para
as referidas autoras, “estes são requisitos inadiáveis para a constituição de mecanismos de
gestão coerentes com os objetivos da política e das lutas negras no campo da saúde”.
Entretanto, considerando a totalidade das políticas públicas de saúde na
contemporaneidade, conforme Werneck (2008) é a defesa do Sistema Único de Saúde (SUS)
que se apresenta como fundamental. Neste momento, não é possível pensarmos na efetivação
das políticas de saúde para a população negra, sem atentarmos para a necessidade da luta a
favor da garantia dos serviços e princípios indicados pelo SUS, o qual vem sofrendo um
processo de crise, igualmente como as outras políticas sociais.
Ratificamos a necessidade de lutas e resistências contra as bases que apoiam a
sociabilidade capitalista, tendo em vista a construção de uma nova sociabilidade emancipada,
sem discriminações, dominações, opressões ou explorações. No entanto, também entendemos
a importância da garantia do direito e, em específico sobre a questão racial, a essencialidade
da efetivação de políticas de ações afirmativas para a melhoria das condições de vida e
minimizações das problemáticas raciais, as quais não podem ser compreendidas como o fim
da luta o alcance das igualdades raciais ou o termino do racismo, mas sim como um
importante meio para o fortalecimento da luta pela superação da ordem do capital e posterior
construção de relações raciais concretamente igualitárias.
Compreendemos que a efetivação das ações de enfrentamento a questão racial no país,
tropeça nos próprios limites da sociabilidade do capital, a qual é inábil na concretização de
99
ações que promovam a substantiva igualdade das relações, seja ela sociais ou raciais. Visto
que, o modo de sociabilidade capitalista também se apropria do racismo como forma de
atender a seus próprios interesses. Conforme analisa Wood (2011):
Em particular, a abolição da desigualdade de classe representaria por definição o fim
do capitalismo. Mas o mesmo se aplica necessariamente á abolição da desigualdade
sexual ou racial? Em principio, as desigualdades sexual e racial [...] não são incompatíveis com o capitalismo. Em compensação, o desaparecimento das
desigualdades de classe é por definição incompatível com o capitalismo. Ao mesmo
tempo, embora a exploração de classe seja um componente do capitalismo, de uma
forma que não se aplica as diferenças sexual e racial, o capitalismo submete todas as
relações sociais ás suas necessidades. Ele tem condição de cooptar e reforçar
desigualdades e opressões que não criou e adaptá-la aos interesses da exploração de
classe. (WOOD, 2011, p. 221).
Diante disso, podemos depreender que as ações de enfrentamento a questão racial
estabelecidas na sociedade do capital, são incapazes de resolver as desigualdades,
preconceitos e discriminações que permeiam as relações raciais no Brasil. Visto que, embora
a sobrevivência da sociedade capitalista não dependa, fundamentalmente, da reprodução das
relações raciais dessemelhantes, analisamos que este sistema produz reatualizações, tendo em
vista, adaptar o racismo ao atendimento de seus interesses socioeconômicos.
Segundo Santos (2010), podemos compreender como principal limite posto ao
estabelecimento da igualdade de oportunidade é defendê-la como formas de revolver a
opressão e, em especial aqui analisada, como forma de sanar os preconceitos e discriminações
raciais existentes no Brasil. E se evidencia quando os sujeitos coletivos realizam suas
reivindicações pautadas nos limites postos pela sociabilidade burguesa. Ou seja, os grupos
sociais tendem a restringir a luta e mobilização a favor do estabelecimento de direitos,
deixando de lado a luta revolucionária em favor de transformações concretas, que devem ir
além do campo formal.
Em súmula analisamos que o Estado incorporou suas ações no combate ao racismo e
preconceito racial no país, no entanto, ponderamos que as contradições sociais inerentes ao
sistema do capital permeiam as políticas de Estado. Nesse sentido, ratificamos que as políticas
públicas de combate ao racismo são permeadas por contradições. Se por um lado, o
estabelecimento de direitos é compreendido como conquistas da classe trabalhadora,
contribuindo para a construção de um processo contra-hegemônico, por outro,
contraditoriamente, também atendem aos interesses da classe burguesa, na medida em
intervém minimamente na questão racial, se constituindo como elementos que contribuem
para a manutenção da hegemonia da classe dominante. E dessa maneira, analisamos os limites
100
do direito na sociabilidade capitalista, o qual é impossível de consolidar a superação efetiva
democracia e igualdade raciais.
O reconhecimento da dimensão contraditória dessas conquistas raciais, a partir da
própria contradição inerente as políticas sociais de um modo geral, não podem anular as lutas
pela garantia dos direitos sociais na sociabilidade capitalista. Mas devem ser fortalecidas,
tendo em vista, sua essencialidade para a melhoria de vida da população negra, mesmo que
seja de caráter pontual. Se constituindo como uma importante estratégia também para o
fortalecimento das organizações políticas dos movimentos sociais, fomentando um luta maior:
a luta pela superação das relações capitalistas e a transformação da realidade social. Conforme
analisa Behring e Boschetti (2006, p.195):
O reconhecimento desses limites não invalida a luta pelo reconhecimento e
afirmação dos direitos nos marcos do capitalismo, mas sinaliza que a sua conquista
integra uma agenda estratégica de luta democrática e popular, visando à construção
de uma sociedade justa e igualitária. Essa conquista no âmbito do capitalismo não
pode ser vista como um fim, como um projeto em si, mas como via [...] de transição
para um padrão de civilidade que começa pelo reconhecimento e garantia de direitos
no capitalismo, mas que se esgota nele.
E nesse sentido, mesmo reconhecendo que as políticas públicas de enfrentamento ao
racismo no marco da sociabilidade capitalista, não se constitui a dimensão redentora dessa
problemática é imprescindível reconhecer a necessidade de existência, ampliação e
consolidação dos direitos e das conquistas políticas do movimento social negro. Precisamos
reconhecer as políticas e os direitos sociais como mediações importantes para a afirmação
política da classe trabalhadora na perspectiva da contra-hegemonia.
101
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A questão racial está presente em todos os âmbitos da vida social brasileira e possue
múltiplas determinações, se materializando ainda por meio das paupérrimas condições de vida
da população negra no país.
E assim, ratificamos que apesar de avanços normativos, associados às modificações
histórico-sociais, quase foi afetado a ordenação das relações raciais legadas do antigo regime.
Nesse sentido, ponderamos que a questão racial continua violenta e perpassam todos os
âmbitos da vida social da população negra no Brasil, sendo expressa com maior evidência por
meio do pauperismo que assola as condições objetivas de negros, múltiplas de preconceito,
violência e discriminação ideológica e socialmente, naturalizadas.
Nesse sentido, confirmamos que a questão racial brasileira, tem sua raiz histórica
engendrada a partir dos terrores da escravidão do negro neste país, e se estrutura a partir de
desenvolvimentos sociais e políticos engendrados, a partir do desenvolvimento do modo de
produção capitalista. E como já mencionado, vemos que esta sociedade divide-se em classes
opostas que é inerente a esse sistema do capital.
O desenvolvimento do sistema capitalista deste sua fase mercantilista, pautado na
exploração do trabalho de homens livres, há uma divisão entre classes sociais que se opõe, de
um lado, a classe proletária onde está a maioria da população negra, e de outro a classe
burguesa. Esse contexto é identificado a partir do período histórico brasileiro de abolição da
escravidão em 1888, analisado por Carvalho (2007) depreendido como um marco na
incorporação de ex-escravos aos direitos civis, o qual se concretizou apenas no âmbito
jurídico-formal. Na realidade, os negros continuaram em uma situação de exploração e de
subalternidade, a qual constatamos que se perpetua como herança até a contemporaneidade,
sendo compreendido a partir da crítica ao “lugar” socialmente construído do negro na
sociabilidade de classes.
Ponderamos no decorrer deste trabalho que a abolição da escravidão em 1888, já em
uma nova ordem social - período do Império (1822-1889) - foi construída a partir de vários
movimentos na sociedade e, foi estruturada ao longo de um processo de transição política, que
vai “da Transmigração da Família Real Portuguesa até a República” (Menezes, 2009).
Construída, principalmente, a partir das lutas dos negros contra o abuso de sua escravização,
dos movimentos dos abolicionistas, de um processo de expansão do modo de produção
capitalista e de um movimento que tinha em vista a construção de uma nova ordem política a
Primeira República (1889-1930). Mas foi a Inglaterra o principal responsável por pressionar o
102
Brasil a por fim a sistema escravista, tendo em vista interesses políticos e econômicos
capitalistas. O processo abolicionista no Brasil foi um processo longo e complexo permeado
por contradições e conflitos sociais e econômicos, conforme analisamos no decorrer desta
pesquisa.
Assim, analisamos que os movimentos dos abolicionistas brasileiros foram importantes
para a construção do processo de abolição da escravidão, mas também tinham seus próprios
interesses políticos e econômicos, era composto por liberais, conservadores, monarquista e
republicano. Se esses conflitos se expressão por meio de contradições no âmbito legislativo.
Mas mesmo assim é instaurada a abolição da escravidão, sendo permeada de contradições.
A abolição é violenta também pela forma contraditória que assume. De um lado, prevê a
liberdade do negro, mais de outro antecipa seu aprisionamento às novas formas de exploração
do trabalho inerentes ao modo de produção capitalista. Após a abolição o negro encontra-se
desamparado pelo Estado, mesmo posteriormente a mais de três séculos de abuso da vida e
força de trabalho da população negra, de sua coisificação e do processo de subalternidade
construído e legitimado socialmente (o qual não foi superado, ao contrário, encontra-se em
constante processo de desenvolvimento), o negro é posto em condição de abandono pelo
Estado. Somente lhe sendo garantida a liberdade formal, estando este privado dos meios de se
produzir e se reproduzir socialmente, apenas lhe resta à força de trabalho para vender. Mesmo
com a abolição, não foram dadas aos negros as mesmas oportunidades para que a população
negra pudesse se legitimar enquanto sujeito social detentor de direitos, lhe foram tiradas sua
história e sua cultura enquanto povo, sua religião foi recriminada, sua força explorada, e a
riqueza que produziu lhe foi usurpada, mas não lhe foi dado o reconhecimento de toda a sua
violência sofrida por essa população.
Analisamos no decorrer da pesquisa que o racismo é também disseminado por meio de
ideologias raciais pautadas em teses que legitimavam a inferioridade da população negra, é
aceito e difundido após a abolição como justificava à escravização dessa população e o
processo de escravidão que proporcionou bases para a ratificação do processo político
colonialista, e ganham evidencia nas décadas de 1880 e 1920, e a partir disso surge a
“disseminação de ideologias racistas no Brasil e sua reconstrução na forma de uma ideologia
racial”. No entanto, na época da colonização, haviam outros importantes elementos que
legitimavam a escravidão, como o projeto evangelista da Igreja Católica. Esses elementos são
analisados como bases histórico-sociais que, também incidem na questão racial e no
pauperismo da população negra neste país.
103
O período político da República surge logo após a formalização da abolição da
escravidão no Brasil, em 1889. E para mesmo com o nascimento da República a partir da
disseminação de ideais de igualdades e cidadania, esta se mostra incapaz de promover a
participação do negro nos ambitos econômicos e políticos da sociedade. Ao contrário, ocorreu
um processo de “naturalização das desigualdades raciais” e intensificação de um racismo
explicito a partir da consolidação de ideologias racistas. E esse processo implicar em pensar a
questão racial, não como uma questão determinadas por aspectos histórico-culturais ou
sociopolíticos, mas sim determinada por aspectos naturais. Assim, esse período político foi
marcado pela crença de que “somente um país branco seria capaz de realizar os ideais do
liberalismo e do progresso”. O processo de branqueamento do país foi fundamentado na ideia
de que o progresso do país estava associado não somente ao seu “desenvolvimento econômico
ou da implantação de instituições modernas, mas também do aprimoramento racial de seu
povo”. Nesse sentido, essa ideologia contribuiu para o acirramento do preconceito e
discriminações raciais existentes no país, e ainda, para a desvalorização da população negra,
bem como para negação de sua contribuição, principalmente, nos âmbitos social, cultural e
econômico. É a partir dessa análise que constatamos as desigualdades raciais estabelecidas no
Brasil, sendo legitimada pelo sistema econômico vigente, que tem por essencialidade a
produção de condições de pauperismo das vidas da classe trabalhadora na mesma proporção
em que produz riquezas.
Analisamos no país a partir dos anos 1930, a supressão do discurso racista e, diante
disso ponderamos no presente estudo, que não há repercussão no enfrentamento a questão
racial, ao contrário há o aprofundamento das problemáticas raciais, pois analisamos àquele
racismo que esta desatento à reflexão, sendo assim, salientamos que esta é ocultada
ideologicamente através da legitimação da concepção de “Democracia Racial” disseminada
no Brasil.
Ao longo, deste estudo criticamos a concepção de Democracia racial pois, este tende a
mascarar as desigualdades raciais operante no país. Estabelecendo ainda, um “racismo
implícito”, sendo compreendida como das críticas realizadas a ideologia de democracia racial,
o qual emerge no Brasil em substituição ao processo de branqueamento da população, o qual
é depreendido neste trabalho como um meio de “genocídio do negro”. O qual contribuiu
diretamente com a continuidade desse processo, tendo um destaque a dimensão positiva da
mestiçagem no Brasil, quando na verdade ao invés de enfrentar efetivamente a problemática,
promove apenas sua ocultação. Contribuindo para a negação de toda a exploração e as
violências sofridas pela população negra, e mais ainda para o aprofundamento das tensões
104
raciais e pauperização da vida do negro brasileiro, o qual continua sendo subalternizado,
violentado pelas precárias relações raciais instituídas por essa ordem social que legitima e cria
um “lugar” de marginalização e criminalização para o negro.
E oposição ao contexto de pauperização das condições objetivas e subjetivas de vida do
negro brasileiro, historicamente construídas, analisamos neste trabalho, a essencialidade dos
movimentos sociais negro brasileiro no combate e resistência as problemáticas raciais, sendo
responsáveis por todas as conquistas historicamente almejadas pela população negra, bem
como pela denúncia de preconceitos e discriminações raciais, assim como as recusas do
movimento negro a ideologias racista, tendo em vista a superação da situação de pauperismo
das condições de vida da população negra. E nesse sentido, ao longo do texto analisamos que
o movimento negro vai promover um processo de “desmascaramento racial”, onde o
movimento crítica às concepções de liberdade e igualdade estabelecidas pela Abolição e pela
República, segundo eles seriam meramente formais, e também o movimento vai lutar pela
participação na política brasileira. Tendo papel fundamental, nas conquistas por políticas
públicas de proteção e promoção de igualdade racial estabelecidas no país nos dias atuais. No
entanto, a construção do movimento negro passou por muitas problemáticas, as quais
impediam o desenvolvimento de reações conjugada ou conscientes da população negra aos
problemas sociais os afligiam, pois de acordo com Fernandes (1978), o pauperismo da
população negra e outros fatores, “conduziram a desilusão coletiva e ao desalento crônico”.
Mesmo assim o negro sofre com todos os rebatimentos das expressões da questão social
que nasce a partir do acirramento das contradições inerentes ao capitalismo. A escravidão
formal conseguiu ser “abolida”, no entanto, suas marcas estão presentes até os dias atuais,
assim como a exploração e subordinação emergente deste o desenvolvimento do sistema
capitalista mercantil, concorrencial, monopolista até a fase atual desse sistema, sua fase
imperialista.
Em súmula, confirmamos que a questão racial no Brasil é hoje expressão social de uma
sociedade que jamais conseguiu superar sua herança colonial, marcada pelo regime escravista,
para construir uma sociedade justa e igualitária. Antagônico ao estabelecimento da almejada
“democracia racial”, vemos em concomitância ao processo de expansão do modo de
sociabilidade capitalista por meio de suas várias fases, o crescimento exasperado de suas
injustiças raciais e sociais, as quais estão vinculadas a uma determinação desigual de classe,
do lugar ocupado pelo negro na estrutura social de classes e nas relações de produção e, se
materializam na pauperização das condições vida da população negra até os dias atuais. Nesse
sentido, também compreendemos a necessidade de maiores estudos no campo do serviço
105
social sobre a questão racial, bem como a ampliação dos debates sobre essa temática tanto no
âmbito do fazer profissional quanto no âmbito da formação, por exemplo, através da criação
de disciplinas fundamentadas nesta questão.
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