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PROGRAMAS DE ACÇÃO SOBRE ESTIMULAÇÃO COGNITIVA DEIDOSOS E FORMAÇÃO EM EXERCÍCIO DE PROFISSIONAIS
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PROGRAMAS DE ACO SOBRE ESTIMULAO COGNITIVA DE
IDOSOS E FORMAO EM EXERCCIO DE PROFISSIONAIS
Mestrado em Gerontologia Social
Raquel Gomes Biltes Garcia
Trabalho realizado sob orientao da Professora Doutora Sidalina
Almeida
Relatrio de Estgio apresentado ao Instituto Superior de Servio
Social do Porto para cumprimento dos requisitos necessrios
obteno de grau de Mestre em Gerontologia Social
Porto, 2014
1
Resumo: Sob o ttulo Programas de aco sobre estimulao cognitiva e formao em
exerccio em lar de idosos, este relatrio explicita o trabalho realizado ao longo de um estgio
no mbito do Mestrado em Gerontologia Social que decorreu entre Dezembro de 2012 e Julho
de 2013, num Lar de Idosos de uma Instituio Particular de Solidariedade Social. Optmos
pela metodologia de projecto para atender ao diagnstico, e nele destacamos a importncia
das hipteses tericas que transformmos em hipteses operacionais, execuo dos
programas de aco e avaliao dos resultados. A observao participante e o dirio de
campo foram ferramentas que usmos para transcrever a nossa prtica.
Para os residentes foi realizado um conjunto de 16 sesses de estimulao cognitiva
enquadradas na animao sociocultural. Para o pessoal auxiliar apresentaram-se 3 aces de
formao em exerccio que permitiram adquirir competncias e treinar conhecimentos para
um melhor desempenho das suas funes.
Relativamente aos resultados da estimulao cognitiva, parece-nos ter confirmado as
hipteses operacionais: atravs da estimulao cognitiva os residentes so capazes de manter
nveis de auto-estima e estabelecer relaes de proximidade interpessoais, so capazes de se
envolver e participar na escolha do tema e no desenvolvimento das sesses. Sobre os
resultados das aces de formao aos funcionrios, apesar do seu nmero limitado, os
funcionrios foram capazes de equacionar novos comportamentos de forma a melhorar as
relaes empticas com os residentes bem como presenciar o reconhecimento do seu
trabalho pelas chefias.
Palavras-Chave: Lar de Idosos; Envelhecimento; Estimulao cognitiva; Formao em exerccio
Abstract: Under the title Action programs about elderly cognitive stimulation and
professionals job training, this report testifies the work done during a Master in Social
Gerontology internship held between December 2012 and July 2013 in a nursing home of a
private institution of social solidarity. In order to do the diagnosis, to transform the theoretical
into operational hypotheses, to execute the action programs and to evaluate outcomes, we
opted by the project methodology. Participant observation and field notes were significant
tools that we used to transcribe our practice.
For the elderly we set 16 sessions of cognitive stimulation within the sociocultural animation.
For the staff we did 3 job training exercises in order to acquire skills and knowledge training for
better performance their duties.
Regarding the results of cognitive stimulation, we seem to have confirmed the operational
hypotheses: through cognitive stimulation, the elderly are able to maintain levels of self-
esteem and establish close interpersonal relationships, are also able to engage and participate
in themes choice and in sessions development. About the job training results, despite the
limited number of exercises, the staff was able to equate new behaviors in order to improve
the empathic relationships with elderly as well as witness the leaderships recognition about
their work.
Key words: Nursing home; Aging; Cognitive Stimulation; Job training
2
Rsum: Sous le titre Programmes d'action sur stimulation cognitive des personnes ges et formation des professionnels, ce rapport de stage tmoigne le travail accompli entre
Dcembre 2012 et Juillet 2013 au cours d'une Matrise en Grontologie Sociale. Pour faire le
diagnostic, transformer les hypothses thoriques en hypothses oprationnelles, excuter les
programmes d'action et valuer les rsultats, nous avons opte par la mthodologie du projet.
Observation participante et notes du terrain sont t des outils importants que nous avons
utilis pour transcrire notre pratique.
Pour les personnes ges nous avons fait 16 sessions de stimulation cognitive dans l'animation
socioculturelle. Pour le personnel, nous avons fait 3 exercices de formation professionnelle
afin quils acquerraient des bonnes comptences pour mieux excuter leurs fonctions.
Concernant les rsultats sur la stimulation cognitive, nous pensons avoir confirme les hypothses oprationnelles: travers de la stimulation cognitive, les personnes ges sont capables de maintenir les niveaux d'estime de soi et tablir des relations interpersonnelles troites, sont aussi capables de s'engager et participer dans le choix des thmes et dans le dveloppement des sessions. props des rsultats sur la formation professionnelle, malgr le nombre limit d'exercices, le personnel a t capable d'assimiler de nouveaux comportements afin d'amliorer les relations empathiques avec les personnes ges ainsi que tmoigner la reconnaissance de leur travail par la direction.
Mots-cls : Institution de soins aux personnes ges; Vieillissement; Stimulation cognitive;
Formation professionnelle
3
AGRADECIMENTOS
Aos meus avs e aos meus pais por serem a minha estrutura e pelos valores que me
transmitiram.
minha orientadora de estgio, Professora Doutora Sidalina Almeida por me ter aguentado
as frias e me ter dado apoio na construo deste relatrio.
directora tcnica da instituio onde estagiei, que sempre me apoiou e confiou no meu
desempenho.
Aos residentes da mesma instituio, por me terem deixado entrar nas suas vidas.
4
INDICE
Introduo .6
PRIMEIRA PARTE
1. Envelhecimento em Portugal: a caracterizao do fenmeno social e a identificao dos
domnios de vulnerabilidade social..10
2. A resposta social Lar de idosos face vulnerabilidade social associada ao processo de
envelhecimento.23
2.1 Contextualizao histrica.23
2.2 Aspectos legais..24
3. Diagnstico...27
3.1. Percurso metodolgico..28
3.2 Misso do lar e principais linhas de poltica organizativa30
3.3 Caracterizao global dos residentes.33
3.4 Identificao das actividades em curso.35
3.4.1 Autonomia: a tomada de deciso39
3.4.2 Relaes com o exterior: o convvio com indivduos pertencentes a outras
geraes.....42
3.4.3 A excessiva regulamentao do quotidiano...43
3.4.4 As relaes entre profissionais e idosos.44
3.5 Caracterizao global dos recursos humanos..46
4. Das hipteses tericas s hipteses operacionais - a construo do plano de
interveno e dos seus programas de aco...48
5
SEGUNDA PARTE
5. Planificao, implementao e anlise crtica dos programas de aco..51
5.1 Contribuies da animao sociocultural em lares de idosos.51
5.2 Consideraes pragmticas sobre a estimulao cognitiva de idosos..52
5.3 Programa de aco I - Actividades de estimulao cognitiva e de enriquecimento
cultural ..53
5.3.1 Planeamento e implementao..53
5.3.2 Anlise crtica dos resultados....67
5.4Consideraes sobre os programas de formao em exerccio para auxiliares de
lar. 69
5.5 Programa de aco II - Formao em exerccio aos auxiliares de lar.71
5.5.1 Planeamento e implementao...73
5.5.2 Anlise crtica dos resultados.79
Consideraes finais.81
Bibliografia..88
Anexos...92
6
Introduo
No mbito da 6 edio do Mestrado em Gerontologia Social do Instituto Superior de Servio
Social do Porto (ISSSP) realizmos um estgio que decorreu entre Dezembro de 2012 e Julho
de 2013 numa Estrutura Residencial para Idosos, de uma Instituio Particular de
Solidariedade Social do distrito do Porto.
A elaborao deste documento pretende relatar o trabalho desenvolvido ao longo desse
estgio cujos objetivos passaram por:
- Aprofundar competncias orientadas para o desempenho de actividades profissionais na rea
de especializao;
- Exercitar a capacidade de investir a teoria na prtica atravs da formulao de um modelo de
interveno assente na leitura interdisciplinar de um dado fenmeno/ problema social, na
delimitao de objectos de estudo e de interveno, na traduo de hipteses tericas em
hipteses operacionais e na construo e implementao de um programa de aces;
- Desenvolver a capacidade reflexiva atravs da elaborao de um relatrio final que integre o
processo de avaliao de todo o trabalho terico e prtico implementado;
- Melhorar a empregabilidade e competitividade do aluno no mercado de emprego.
O ttulo escolhido para relatrio - Programas de aco sobre estimulao cognitiva de idosos
e formao em exerccio de profissionais o espelho daquilo que vivencimos ao longo dos
oito meses de estgio.
Para intervir, primeiro preciso conhecer. Guerra (2002, p.52) diz-nos que em qualquer
contexto de interveno, qualquer aco que se pretenda de base cientfica inclui
necessariamente uma dinmica de investigao-aco, na medida em que este tipo de
processo, ao insistir nos processos de conhecimento do sistema de aco concreto, impede a
rotinizao e a repetio de receitas de aco importadas de outros contextos. As
metodologias de investigao-aco permitem, em simultneo, a produo de conhecimentos
sobre a realidade, a inovao no sentido da singularidade de cada caso, a produo de
mudanas sociais e, ainda, a formao de competncias dos intervenientes () a
investigao-aco parte sempre do terreno (o campo do real) que inicia a problematizao e
pretende voltar ao terreno para a resoluo do problemas identificados. A relao entre teoria
(j concebida e, pelo menos, parcialmente organizada a partir de problemas semelhantes) e
terreno pode ser indutiva ou malevel.
Sendo que as metodologias de investigao contemplam vrios tipos de abordagens, optmos
pela metodologia de projecto, sobre a qual Guerra (ibidem, p.126) afirma um projecto a
expresso de um desejo, de uma vontade, de uma inteno mas tambm a expresso de
uma necessidade, de uma situao a que se pretende responder () a primeira fase da
construo do projecto a emergncia de uma vontade colectiva de mudana e a constatao
7
de recursos (humanos, materiais e simblicos, etc.), capazes de fornecer a energia suficiente
para a montagem do projecto. A necessidade de colaborao na animao sociocultural
atravs da estimulao cognitiva dos residentes, a tentativa de implementar um programa de
formao em exerccio dirigido equipa operacional e o apoio psicolgico, sustentado na
nossa formao de base enquanto psicloga, a alguns residentes mais vulnerveis (que, por
razes de ordem tica e deontolgica, no o referimos neste relatrio), constituram-se como
elementos fundamentais nesta primeira fase.
A autora (ibidem, p.127) continua a segunda fase, na qual se baseia todo o percurso do
projecto, a anlise da situao e a realizao do diagnstico. No nosso contexto, analisando
a situao e face s sugestes da directora, encontrmos as seguintes possibilidades
explicativas: a ausncia de animadora sociocultural oficial, a ausncia de formao profissional
dos funcionrios, a total ausncia de apoio psicolgico. Para a realizao do diagnstico,
fizemos observao participante, anlise documental de alguns documentos da instituio
(regulamento interno, guia de integrao do residente e manual de acolhimento, plano anual
das actividades, etc). O preenchimento de 8 instrumentos do Sistema de Avaliao
Multidimensional de Equipamentos Sociais - Lares de Idosos (SAMES Lar) ajudou-nos ainda a
percepcionar um conjunto de realidades inerentes ao funcionamento especfico desta
instituio.
Guerra (ibidem, p.127) refere ainda a terceira fase pode ento ser considerada como o
desenho do plano de aco e, finalmente, a quarta fase refere-se concretizao, ao
acompanhamento e avaliao do projecto. Os eixos de aco a que nos propusemos dar
resposta foram ento a implementao de sesses de estimulao cognitiva e a organizao
de um programa de formao em exerccio dirigido equipa operacional.
Para a consecuo da quarta fase, delineamos hipteses tericas e operacionais:
1)Hiptese terica A falta de actividades de animao sociocultural com enfse na
estimulao cognitiva contribui para a apatia dos idosos, para sentimentos pouco
valorizadores de si e uma auto-proteco negativa.
Hiptese operacional - A estimulao cognitiva dos idosos essencial para que eles
mantenham nveis funcionais de auto-estima e estabeleam relaes de proximidade
interpessoais.
2)Hiptese terica - Regras rgidas de funcionamento interno so inibidoras de
autonomia e de participao dos idosos no dia-a-dia do lar, contribuindo para a inexistncia de
relaes fortes no interior do lar e com o meio envolvente.
Hiptese operacional Apelar participao dos idosos nas sesses de estimulao cognitiva
atravs de sugestes no planeamento e no desenvolvimento das mesmas, contribui para
desbloquear sentimentos de pertena e de compromisso social.
3) Hiptese terica A falta de motivao laboral da equipa operacional est associada
a lacunas na formao dos funcionrios, que se traduzem em ausncia de conhecimentos
8
tericos que os impedem de identificar outras necessidades dos idosos que no sejam aquelas
que esto relacionadas com a manuteno da vida biolgica aos residentes.
Hiptese operacional As sesses de formao contnua so fundamentais para a aquisio de
novos conhecimentos, para o debate e aprendizagem de boas prticas concernentes
melhoria das relaes empticas com os residentes.
4)Hiptese terica - A falta de motivao laboral est tambm associada a baixos
salrios, a conflitos de classes profissionais e sensao de pouco reconhecimento pelas
chefias (direco tcnica/ conselho de administrao).
Hiptese operacional Para alm da partilha de emoes e sentimentos e da renovao de
conhecimentos, as sesses de formao contnua so fundamentais para a coeso grupal, para
a resoluo de conflitos e para desmistificar a falta de reconhecimento das chefias.
Para a avaliao que fizemos das sesses de estimulao cognitiva e das aces de formaes
usmos as notas do dirio de campo que, de forma sistematizada, fomos escrevendo ao longo
do estgio e se constituram como apoio fundamental enquanto anlise crtica dos
resultados.
importante ainda referir que a metodologia de projecto um processo contnuo,
sistemtico, adaptado e cclico. A plasticidade entre as fases fundamental para que se o
projecto se possa desenvolver de forma integrada.
Cabe aqui uma pequena nota sobre o interesse pessoal que tivemos em fazer estgio
curricular. Esta escolha resultou do nosso interesse sobre o modo de funcionamento de um lar
de idosos. Ter tido contacto anterior enquanto bolseira de investigao, com uma instituio
que prestava servios nas valncias de centro de dia e servio de apoio domicilirio,
aproximaram-nos desta outra resposta social de prestao de servios aos idosos.
As expectativas iniciais deste estgio eram sobretudo a curiosidade e o questionamento sobre
como que a nossa formao inicial de base (enquanto psicloga) se podia conjugar com a
rea da Gerontologia Social. Potenciar a estimulao cognitiva enquanto ferramenta ao servio
da animao sociocultural foi tambm um desafio.
Pretendemos dar a conhecer a nossa interveno na instituio e, para isso, numa primeira
parte introdutria deste relatrio primeiro captulo - abordamos no s alguns indicadores
nacionais do fenmeno do envelhecimento demogrfico em Portugal, atravs de dados dos
Censos da populao divulgados pelos Instituto Nacional de Estatstica (INE) e organizados pelo
Pordata, mas tambm os problemas que esto associados ao envelhecimento da populao,
nomeadamente, os aspectos da vulnerabilidade social dos idosos no plano econmico, social e
simblico, sem esquecer o interesse da Psicologia relativamente a esta rea. Ainda nesta
primeira parte - segundo captulo direccionamos a nossa reflexo para a resposta social lar
de idosos, apoiando-nos no s na legislao que regulamenta o funcionamento daquele tipo
de instituies, mas tambm nas investigaes de alguns autores que analisam em que que
se traduz efectivamente o tipo de servios prestados aos idosos no mbito dos lares, realando
o desfasamento existente entre a lgica intencional e a lgica objectiva.
9
No terceiro captulo, mais vocacionado para o diagnstico e para fundamentar as hipteses
tericas decorrentes da construo de uma problemtica, apresentamos alguns dados
recolhidos atravs da observao participante (registada em dirio de campo) e dos
documentos internos consultados, para dar conta da situao real do lar onde estagimos.
No quarto captulo, traduzimos as hipteses tericas em hipteses operacionais e tecemos
algumas notas sobre a construo do plano de interveno e dos programas de aco.
J no quinto captulo e relativamente nossa interveno apresentamos e analisamos os dois
programas de aco que desenvolvemos. O primeiro diz respeito vertente da estimulao
cognitiva dos residentes, inserida na animao sociocultural. J o segundo programa
destinado formao interna dos profissionais. A preparao das aces, sustentadas em
pesquisa bibliogrfica e respectiva realizao, so descritas da forma intensa. Ainda neste
captulo analisamos criticamente os resultados dos dois programas.
Finalizamos o relatrio com as consideraes finais, atravs das quais tentamos reflectir um
percurso baseado nas expectativas iniciais, nas experincias vivenciadas, destacando as
aprendizagens conseguidas e as dificuldades encontradas. Perspectivamos ainda nesse espao
novos desenvolvimentos e potencialidades.
10
PRIMEIRA PARTE
1. Envelhecimento em Portugal: a caracterizao do fenmeno social e a identificao dos
domnios de vulnerabilidade social: econmico, relacional e simblico
Para a elaborao deste trabalho, elegemos como prioridade o envelhecimento em lares de
idosos. Contudo, para um estudo mais completo da temtica necessrio abarcar o fenmeno
do envelhecimento de forma mais global. Como diz Guerra 2002,p.126) a propsito do
diagnstico, o conhecimento cientfico dos fenmenos sociais e a capacidade de definir
intervenes que atinjam as causas dos fenmenos e no a sua manifestao aparente e este
sempre definido como a identificao dos nveis de no correspondncia entre o que est (a
situao presente) e o que deveria estar (a situao desejada) (ibidem, p.132). Para melhor
caracterizar o fenmeno do envelhecimento em Portugal dos idosos das classes populares,
convm no esquecer que as condies de vida da grande maioria daqueles que nasceram nos
anos 20, 30 e 40 do sec. XX no foram, de todo, as mais favorveis pobreza, trabalho infantil,
m nutrio, baixa escolaridade, baixos salrios, condies precrias de emprego, habitao,
conforto e higiene.
Serra (1997, p.4) diz-nos que em 1900 () o moderado crescimento urbano, exceptuando o
caso de Lisboa, acentuava a ruralidade predominante em todo o territrio. A agricultura
ocupava 65% da populao activa () os principais sectores industriais eram os txteis e
lanifcios () as principais exportaes industriais eram as conservas de peixe, os algodes, a
cortia e as alimentares. A observao da organizao industrial revela um predomnio da
pequena unidade (exceptuando casos como o dos tabacos), a elevada participao de mo-de-
obra e o baixo nvel de formao especializada e at de formao escolar bsica dos
operrios.
Apesar do progresso significativo na rea da sade (medicina, enfermagem, investigao
cientifica), do aumento da esperana mdia de vida aos 65 anos - dados do site do Pordata
indicam que em 2011 se podia esperar viver mais 18,8 anos por oposio aos 13,5 anos em
1970 - da melhoria de condies de trabalho e de reforma ao longo do sc. XX, que
contribuem muitssimo para a melhoria da qualidade de vida dos idosos - registam-se, desde
os anos 80, baixas taxas de natalidade. Dados da mesma fonte, indicam que a taxa bruta de
natalidade em 1980 era de 16,2% e em 2012 registava o valor de 8,5% e que a taxa de
fecundidade geral era de 66,9% em 1980 e de 36,3% em 2012 - o que conduz ao efeito de
duplo envelhecimento demogrfico. Em termos sociolgicos, este conceito define-se pelo
aumento da proporo das pessoas idosas na populao total e a diminuio da taxa de
natalidade das sociedades ditas desenvolvidas. O problema surge quando as baixas taxas de
natalidade no conseguem acompanhar o aumento do nmero de idosos. A pirmide etria
tem ento uma forma oval, (em vez de triangular) e um dos resultados prticos mais srios do
duplo envelhecimento que com a diminuio das taxas de reposio, a populao em idade
activa cada vez menor.
Portugal um dos pases da Unio Europeia que est a envelhecer mais depressa: em trinta
anos, a percentagem de portugueses idosos passou de 11% para 17,5%. Mantendo-se esta
tendncia, segundo o INE, num documento publicado em 2009 e intitulado Projeces de
populao residente em Portugal 2008-2060 (2009, p.9), manter-se- a tendncia de
11
envelhecimento demogrfico, resultado da reduo da percentagem de populao jovem e do
aumento da proporo de populao idosa, sendo expectvel o aumento do ndice de
envelhecimento demogrfico e o decrscimo do ndice de sustentabilidade potencial.
Igualmente, os resultados evidenciam uma reduo expectvel dos efectivos populacionais em
idade activa, em particular nas faixas etrias mais jovens, contribuindo para o envelhecimento
demogrfico da populao em idade activa.
Mais frente o documento indica quanto populao idosa, com 65 ou mais anos de idade,
qualquer que seja o cenrio considerado, a sua proporo face ao total de efectivos
aumentar de forma significativa, passando de 17,4% em 2008 para 32,3% no cenrio central,
30,7% no cenrio elevado, 35,5% no cenrio baixo e 36,1% no cenrio sem migraes, em
2060. Para o aumento da percentagem da populao idosa contribuir sobretudo o aumento
da proporo da populao mais idosa, com 80 e mais anos de idade, em qualquer dos
cenrios, passando de 4,2% do total da populao em 2008 para 13,3% no cenrio central
(mais do que o triplo), 12,7% no cenrio elevado, 15,0% no cenrio baixo e 15,8% no cenrio
sem migraes, em 2060 (ibidem, p.26). Podemos, portanto concordar que
independentemente do cenrio considerado, o ndice de envelhecimento da populao
aumentar e no cenrio central este indicador evolui de 114 idosos por cada 100 jovens em
2007 para 271 idosos por cada 100 jovens em 2060 (...) no cenrio elevado () onde o valor
para 2060 seria de 231 idosos por cada 100 jovens (sensivelmente o dobro do valor inicial) ()
no cenrio baixo, 348 idosos por cada 100 jovens, ou seja sensivelmente o triplo do valor
inicial (ibidem, p.29). Estas previses traduzem uma tendncia de decrscimo do ndice de
dependncia de jovens e de aumento do ndice de dependncia de idosos (ibidem, p.30).
Segundo outro documento do mesmo organismo - Destaque, informao comunicao
social - publicado em 2012 e relativo aos resultados pre-definitivos do Censos de 2011, a
populao idosa (com 65 ou mais anos) em Portugal de 2,023 milhes de pessoas,
representando cerca de 19% da populao total. Na ltima dcada o nmero de idosos cresceu
cerca de 19% (2012, p.1).
Na mesma fonte -nos dito que mais de um milho e duzentos mil idosos vivem s ou na
companhia de outros idosos (ibidem, p.1) e na ltima dcada, o nmero de pessoas idosas a
viver sozinhas (400 964) ou a residir exclusivamente com outras pessoas com 65 ou mais anos
(804 577) aumentou cerca de 28%, tendo passado de 942 594 em 2001, para 1 205 541 em
2011 (ibidem, p.2).
Este documento informa-nos ainda que em Portugal, um quinto dos alojamentos habitado
por pessoas idosas, representando cerca de 20% do total de alojamentos ocupados, o que
representa um acrscimo de 28,3% nos ltimos dez anos (ibidem, p.5) e em particular, o
nmero de alojamentos familiares habitados por uma s pessoa idosa de 400 964, o que
significa 10% do total de alojamentos do Pas e um aumento de cerca de 29%, ao longo da
ltima dcada (ibidem, p.5).
12
Quadro Resumo. Populao residente com 65 ou mais anos e n de alojamentos familiares ocupados,
2001 e 2011 (retirado do documento Destaque, informao comunicao social, INE, 2012)
Portugal 2001 2011 Evoluo 2001-2011
(%)
Populao residente
(total)
10356117 10561614 2,0
Populao c/65 ou mais
anos que vive
exclusivamente c/
indivduos c/65 ou mais
anos
631033 804577 27,5
Populao c/ 65 ou mais
anos que vive sozinha
311561 400964 28,7
N de alojamentos
familiares ocupados (total)
3578548 3997378 11,7
N de alojamentos
familiares ocupados
exclusivamente por
indivduos c/ 65 ou mais
anos
310504 396887 27,8
N de alojamentos
familiares ocupados c/ um
individuo c/65 ou mais
anos
311561 400964 28,7
J o site do Pordata diz-nos que, em 2012, o ndice de envelhecimento (quociente entre o
nmero de pessoas com 65 ou mais anos e o nmero de pessoas entre os 0 e os 14 anos) de
129,4%. Em 1960 este indicador situava-se nos 27,3%. assustador como em 52 anos este
ndice aumentou aproximadamente 4,75 vezes mais. Em 2001, este ndice era de 101,6%.
Em 2012, o ndice de dependncia dos idosos (quociente entre o numero de pessoas com 65
ou mais anos e o numero de pessoas com idades compreendidas entre os 15 e os 64 anos),
de 29,1%. Em 2001, este ndice era de 24,4%.
Em 2012, o ndice de longevidade (quociente entre o numero de pessoas com 75 ou mais anos
e o numero de pessoas com 65 ou mais anos) era de 48,7. Em 2001, este ndice situava-se nos
41,9%.
Ralha & Barbosa (2013, p.563) referem que o Departamento Estatstico da Unio Europeia
(Eurostat) prev que em 2050 Portugal atingir o elevado valor de 31,9% de idosos, ocupando
o quarto lugar no ranking europeu.
13
Se o fenmeno de envelhecimento demogrfico transformou o grupo dos idosos em grupo
maioritrio to s pela expressividade da sua densidade populacional, o mesmo no se pode
dizer da importncia atribuda quer pela sociedade civil, quer pelas autoridades governativas
ao seu estatuto, ao apoio na sua emancipao, autonomia, independncia e capacitao, nas
redes de solidariedade intergeracional e de interconhecimento.
Villaverde Cabral et al (2013, p.12) argumentam que o problema colocado pelo
envelhecimento ao conjunto da sociedade no se resume ao seu custo. O problema,
porventura maior, o do lugar da velhice na sociedade.
Para melhor compreender-se o lugar atribudo aos idosos na sociedade actual, consideramos,
partilhando o olhar de Figueiredo (2010, p.4) que o envelhecimento um fenmeno
biolgico, psicolgico e social que atinge o ser humano na plenitude da sua existncia,
modificando a sua relao com o tempo, o seu relacionamento com os outros e com a sua
prpria histria. O relacionamento do idoso com o mundo caracteriza-se pelas dificuldades
adaptativas, tanto emocionais quanto fisiolgicas, destacando-se a performance ocupacional e
social, o pragmatismo, a dificuldade para aceitar o novo, as alteraes na escala de valores e a
disposio geral para o relacionamento objectual. Para alm destas constataes, atrevemo-
nos a acrescentar que a velhice tambm a fase mais madura da vida do ser humano e a mais
plena de experincias adquiridas, que foram laborais, psicolgicas e sociais, positivas e
negativas.
Ao considerar o ser humano como biopsicossocial, acreditamos que a socializao se faz ao
longo da vida e o individuo, ao relacionar-se com outros, est em constante aprendizagem.
em interaco social que os gostos, (para alm de serem objecto de transformao), so
apreendidos e discutidos tudo o que faz uma personalidade (da linguagem inteligncia
critica, das competncias conscincia moral) encontra a raiz no no genoma, mas nas
relaes sociais de que cada um se apropria sua maneira no decurso da sua vida (Sve,
2001). Assim se explica porque que idosos com baixo poder cultural e econmico que nunca
frequentaram concertos, museus ou a universidade, possam, se lhes for dada a oportunidade,
aprender a gostar de msica, de pintura, de histria, etc.
Quando atendemos aos aspectos sociais do envelhecimento podemos convocar o conceito de
envelhecimento activo que, como Villaverde Cabral et al (2013, p.12) defendem, no devemos
aceitar a excluso ou a marginalizao dos idosos, ou ainda definir a velhice como uma
condio social de dependncia. Aos grupos idosos assiste o direito efectivo de representao
e de participao social e poltica. Reposicionar o idoso no conjunto do sistema de relaes
inter-geracionais constitui um imperativo democrtico e um desafio poltico que as sociedades
envelhecidas enfrentam.
O conceito de envelhecimento activo definido pela Organizao Mundial de Sade (OMS)
como processo de optimizao das oportunidades para a sade, participao e segurana,
para melhorar a qualidade de vida das pessoas que envelhecem (WHO, 2002, p. 12). Este
conceito deve ser compreendido enquanto multidisciplinar com determinismos econmicos,
sociais, comportamentais, pessoais, onde o ambiente fsico e os servios sociais e de sade
tambm se devem envolver, e por conseguinte, deve ser compreendido no contexto da cultura
e do gnero.
14
Como nos dizem Pal et al (2012, p.1) a interpretao do envelhecimento activo foca-se
frequentemente na participao no mercado laboral ancorada numa abordagem econmica
ou numa perspectiva fortemente orientada para a sade, ainda que a OMS tenha uma
abordagem multidimensional e uma viso alargada da sade.
Para Villaverde Cabral et al (2013, p.13) a definio avanada pela OCDE talvez a que tem
um espectro mais amplo. Segundo esta organizao, o envelhecimento activo deve ser
entendido como a capacidade de as pessoas que avanam em idade levarem uma vida
produtiva na sociedade e na economia. Isto significa que as pessoas podem elas prprias
determinar a forma como repartem o tempo de vida entre as actividades de aprendizagem, de
trabalho, de lazer e de cuidados aos outros (OCDE, 1998: 92 cit. in ibidem). Mais frente os
autores (ibidem, p.3) defendem o envelhecimento activo no se restringe ao mbito dos
comportamentos promotores da sade; leva tambm em considerao os factores ambientais
e pessoais que interagem com as condies de sade. As envolventes que enquadram o
envelhecimento, como a famlia, a comunidade e a sociedade em que o processo ocorre,
exercem um impacto enorme na forma como se envelhece.
No Manual de Processos Chave da Estrutura Residencial para Idosos da Segurana Social (s/d,
p. 2) constatamos a realidade mostra porm, que h um nmero considervel de pessoas
idosas que no encontram uma resposta adequada nesse meio [natural de vida]. Na ausncia
de resposta no seu meio natural de vida o familiar a pessoa idosa necessita de especiais
empenho e competncia das respostas sociais para que as dimenses, fsica, psquica,
intelectual, espiritual, emocional, cultural e social da vida de cada individuo possam por ele ser
desenvolvidas sem limitaes dos seus direitos fundamentais a identidade e a autonomia.
Torna-se, por isso, frequente a necessidade do recurso a essas respostas sociais, em que se
inclui o alojamento em Estrutura Residencial, a ttulo temporrio ou permanente.
Quando algum entra num lar de idosos ou em qualquer outra resposta social, j no participa
no mercado laboral desde h alguns anos e na maioria dos casos as suas condies de sade
no so as mais favorveis. Entra, portanto, em condies de fragilidade, ao contrrio daquilo
que preconizam as vrias definies de envelhecimento activo, produtivo ou bem-
sucedido.
Valorizamos estes diferentes conceitos como medidas preventivas que devem ser
consciencializadas ao longo da vida dos indivduos. Se se pretender aplicar estes conceitos ao
envelhecimento num lar de idosos, o entendimento deve comear pela constatao que o
processo de envelhecimento em lar que est longe de poder ser classificado como activo. No
que diz respeito a estas questes e seguindo a proposta de Anne-Marie Guillemard (1972) que
nos apresenta uma tipologia de modos de viver a reforma, consideramos que a maioria dos
idosos que esto em lares vivem a reforma no registo do retraimento ou morte social. Neste
tipo de reforma, o idoso preocupa-se apenas com a sua manuteno meramente biolgica,
no convive nem tem ligaes afectivas com outros, o seu consumo de sobrevivncia e de
manuteno das necessidades bsicas, no h preenchimento do tempo, apenas a espera pela
actividade funcional seguinte.
Almeida & Gros (2012, p.5) argumentam que decisores e especialistas () reconhecem que os
grupos primrios j no assumem efectivamente a gesto da velhice na sociedade
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contempornea e que o Estado e as instituies sociais devem lanar iniciativas para evitar que
a paragem da actividade profissional provoque uma paralisia progressiva de toda a actividade
social e conduza a uma ruptura do lao social. Prevenir a morte social, no sentido em que a
existncia fica reduzida a actos quase reflexos destinados manuteno da sobrevivncia
biolgica, largamente desprovidos de significado social (A.M. Guillemard, 1972 cit. in ibidem),
um objectivo que passa estar na ordem do dia.
Partilhamos aqui algumas das nossas inquietaes enquanto psiclogas e futuras profissionais
na rea da Gerontologia Social: Como que se pode envelhecer activamente num lar de idosos
quando h uma supremacia de actividades e rotinas pensadas apenas no sentido da
manuteno da vida biolgica? Como que se pode repartir o tempo num lar se os
residentes no so sequer autorizados escolher como querem preencher o tempo? Como que
se enriquece os contactos e as trocas interpessoais se, a grande maioria dos idosos, apesar de
dividir espaos comuns, no se conhece realmente?
Segundo Almeida & Gros (2012, p.6) interessa reflectir acerca das reais oportunidades de
integrao social de que usufruem os idosos, ou seja, da capacidade das organizaes para
produzir dinmicas de relacionamento com potencial para prevenir ou corrigir o isolamento e
a solido nas diversas fases do envelhecimento, a perda de interesse pelos problemas e
temticas que esto no centro da vida das geraes mais novas e, finalmente, para substituir
ou complementar os laos primrios, em particular, quando o estado de sade dos indivduos
caracterizado pela fragilidade ou a dependncia (cf. Lalive dEpinay, 2003).
Para Anne-Marie Guillemard (1972), ao alterar as condies da vida de lazer e de trabalho dos
activos, intervindo a montante da velhice, poder-se- exercer uma aco de reforma profunda
e eficaz () atravs de uma gesto mais adequada das relaes entre trabalho e no trabalho,
entre natureza e cultura, que poderemos dar um contedo, um sentido autnomo a esta
etapa da vida.
Quando falamos dos idosos que esto institucionalizados, das polticas e dos
equipamentos/estruturas dirigidas a esta populao alvo, tambm importante pensar nos
meios de subsistncia que detm essa populao. Aqueles que tm reformas baixas, com
certeza tero mais dificuldade para fazer face s suas necessidades e lista de prioridades:
dados do Ministrio da Solidariedade e Segurana Social, divulgados na base de dados
Pordata, indicam que, em 2011, quase 1,2 milhes de pensionistas de velhice do regime geral
da Segurana Social (cerca de trs quartos do total) auferiam uma reforma entre 251 e 500
euros [Em linha] [Consult. 25 Set. 2013] Disponvel em
http://www.publico.pt/sociedade/noticia/dois-em-cada-tres-idosos-nao-tem-rendimentos-
suficientes-para-pagar-o-lar-1588860.
O salrio um dos factores que influencia a forma como se vive, as possibilidades e as
experincias que se tem enquanto indivduo produtivo. O mesmo se pode dizer do valor da
penso de reforma. No caso concreto, pode influenciar a escolha entre um Lar privado ou uma
IPSS. Olhando para a percentagem de idosos com penses de reforma prximas ou abaixo do
valor estabelecido para o limiar de pobreza, percebemos que para muitos a alternativa que
tm para fazer face aos baixos rendimentos a vida no lar. Esta resposta social permite que as
16
pessoas possam ter asseguradas o que muitos autores designam de necessidades que
permitem manter a vida biolgica: alimentao, hbitos de higiene, cuidados de sade.
Se a imprevisibilidade e a indefinio da vida est na ordem do dia para qualquer faixa etria,
para aqueles cujo intervalo se situa actualmente entre os 70 e os 90 anos e que tm as
penses de reforma mais baixas - dados do Pordata indicam que o valor mnimo das penses
de aposentao, reforma e invalidez era, em 2001 de 181.60 e em 2013 de 240; as
penses de sobrevivncia eram em 2001 de 90.80 e em 2013 so de 120 - a sobrevivncia
depende das respostas institucionais de apoio velhice mais do que quaisquer outras.
Ainda de acordo com o Pordata, o nmero de pensionistas com reformas at aos 200 era em
2001 de 35.749 mil idosos. Entre os 300-500 eram 28.429 mil. Em 2012, o nmero de idosos
a receber at 200 baixou para os 34.259 mil mas o nmero daqueles que recebem entre 300
e os 500 aumentou para os 40.303 mil. Percebe-se ento que muitos destes idosos precisem
de estar num lar para poder sobreviver.
Indissociavelmente ligada responsabilidade do Estado, da sociedade e das respostas sociais,
est a prpria vulnerabilidade dos idosos. Esta vulnerabilidade tem mltiplos factores.
Interessa-nos discutir a vertente econmica (penses de reforma), a relacional (redes de
solidariedade e de vizinhana), a simblica (a identidade e o reconhecimento do seu estatuto e
papel perante a sociedade).
Relativamente primeira esfera, a econmica, por ns j apresentada, diz-nos Fernandes
(1997, p.296) que a decomposio da vida social em classes de idades e a definio das
prticas legtimas prprias a cada idade tm promovido o surgimento de grupos especializados
no encargo de cada uma delas como o caso da Terceira Idade. O fenmeno consiste, no
essencial, numa transferncia gradual de responsabilidade do nvel microssocial da famlia
para o nvel macrossocial das instituies e organizaes pblicas.
Mais adiante, a autora continua, as reformas constituem a primeira forma instituda de
definio da velhice e a sua difuso vai contribuir para transformar profundamente a realidade
social das geraes mais velhas, dando-lhes contornos novos de inactividade pensionada que
simultaneamente lhes conferem uma identidade. A velhice, indissociavelmente ligada
reforma, fica marcada pela ambivalncia de uma marginalizao social e desvalorizao
econmica, em simultneo com o benefcio de um repouso remunerado. Tornada visvel e
identificvel a velhice tornou-se objecto de ateno atravs de polticas sociais (ibidem).
O trabalho, que tudo aquilo que organiza a vida at reforma, deixa de existir. A partir de
uma certa idade h uma ruptura com o mundo do trabalho, com o mundo activo. O
trabalhador passa a ser um inactivo - sou um ex- (qualquer coisa), no h definio
identitria. Grande parte da nossa identidade enquanto indivduos depende do trabalho e
quando se reformado isso posto em causa.
Neste momento, em Portugal (e arriscamos dizer, na Europa), no h garantias nem para os
actuais nem para os futuros reformados. Com a crise econmico-financeira europeia e mais
concretamente a do nosso pas como pano de fundo e com os sucessivos cortes nos
oramentos de Estado, neste ano (2014), os trabalhadores ver-se-o obrigados a trabalhar at
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aos 66 anos, como nos informa o jornal Pblico on-line desde 2006, os trabalhadores tm de
permanecer mais tempo no mercado de trabalho para alm dos 65 anos, de forma a evitarem
corte no valor da sua penso, por via do factor de sustentabilidade. Mais frente, a noticia
continua a partir do prximo ano, o Governo quer alterar a forma como calculado o factor
de sustentabilidade e isso levar a que passe dos actuais 4,78% para 12%. Mas ao contrrio do
que acontece agora, esse factor apenas se reflectir no aumento da idade da reforma e no
ter qualquer efeito directo no valor da penso. [Em linha] [Consult. 30 Out. 2013] Disponvel
em http://www.publico.pt/economia/noticia/governo-anuncia-idade-da-reforma-aos-66-anos-
sem-dupla-penalizacao-1610103
Tambm Lus Villalobos, num artigo de opinio do mesmo jornal, reage a questo que
ningum fala dos que tm mais de 50, 55 ou 60 anos, e que, numa altura em que o
desemprego est em mximos histricos (e vai demorar muito a descer), perderam o seu
emprego. Os ltimos dados do INE mostram que no grupo de quem tem mais de 45 anos que
h mais desemprego atinge 291 mil pessoas () o pas est a plantar ms sementes, e uma
delas a de deixar um enorme vazio, com srias consequncias sociais, entre o momento em
que uma pessoa perde o emprego sem esperanas de se manter activo e o momento em que
se pode reformar. A teoria da idade de reforma est desfasada da realidade do mercado de
trabalho. O desafio, muitas vezes impossvel, no trabalhar mais anos. conseguir manter
um emprego at reforma. [Em linha] [Consult. 30 Out. 2013] Disponvel em
http://www.publico.pt/economia/noticia/antes-da-reforma-e-preciso-um-trabalho-1610548
No que diz respeito vulnerabilidade pessoal e relacional, Fonseca (2004, p.104), argumenta
que a idade biolgica constitui somente um indicador do processo de envelhecimento. De
facto, as experincias e as vivncias ao longo da vida de cada ser so importantes para
compreender o comportamento humano (do(a) idoso(a)). As mudanas fsicas, psicolgicas e
sociais comuns nos idosos levam-nos a enfrentar perdas, diminuio do nvel de sade,
afastamento do mercado de trabalho e diversas situaes desfavorveis no controlveis.
Neste contexto, o idoso procura encontrar apoio na famlia, na vizinhana, nos amigos e nas
instituies e a sua qualidade de vida depende das respostas que conseguir obter.
A velhice um constructo social que depende do contexto onde o indivduo est inscrito e das
experincias e oportunidades a que se teve acesso. Do ponto de vista biolgico um
fenmeno nico, do ponto de vista social uma pluralidade de fenmenos. Tentar definir esta
populao alvo apenas em termos cronolgicos um erro comum.
Percursos de vida hetergenos resultam de diferentes experincias ao longo da vida dos
indivduos e essas experincias dependem das oportunidades a que o indivduo acedeu
(educao familiar e acesso escola; socializao em diversos grupos primrios e
secundrios; trabalho e emprego; acesso cultura e ao lazer; organizao dos tempos livres;
escolhas e prioridades; organizao da sua prpria famlia; organizao da entrada na reforma
e a estruturao do seu quotidiano).
Ter ou no familiares, ou vizinhos prximos, j no uma questo. Mesmo quando h
retaguarda familiar ou vizinhana, so muitas vezes as instituies que cuidam e se
responsabilizam (referncia tambm figura jurdica da curatela ou tutela constante no
cdigo civil) pelo idoso. O problema surge quando os servios tm fraca qualidade e os idosos
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so negligenciados e/ou maltratados fsica ou psicologicamente. Para morrer de sozinhismo,
de solido, basta ser abandonado ou negligenciado - em muitas circunstncias, as famlias,
seja pelos valores, seja pelas suas prprias dificuldades e estilos de vida, no se constituem
como um porto de abrigo, sendo parte significativa do problema e no da soluo produzindo
cada vez mais situaes de solido e isolamento entre os velhos, com consequncias que tm
feito manchetes, muitos velhos morrem de sozinhismo, de solido. [Em linha] [Consult. 30
Out. 2013] Disponvel em http://www.publico.pt/sociedade/noticia/morrer-de-sozinhismo-o-
direito-aos-avos-1589528
Sabemos que o conceito de famlia mudou. Das grandes famlias do sc. XIX e incios do sc.
XX, j s resta memria. As famlias de hoje tm outra nomenclatura e/ ou dimenso -
nucleares, monoparentais, novas famlias - onde os avs parecem no ter lugar, ou s o tm
enquanto so considerados teis.
Santos Lus (1997, p.230-31) argumenta a diminuio da solidariedade baseada na famlia e
nas relaes de vizinhana, em resultado do fenmeno urbano, o envelhecimento das
populaes e a nuclearizao das famlias exige, em contrapartida, a institucionalizao da
solidariedade ou, dito por outras palavras do apoio social pblico.
Nas grandes cidades esta realidade parece-nos ser mais evidente. Existe pouca ou nenhuma
retaguarda familiar, e essa, reage de duas formas: - ou empurra os idosos para as vrias
respostas sociais centros de dia, centros de convvio, servios de apoio domicilirio, centros
de noite, famlias de acolhimento, lares - ou retira-os dessas respostas porque a reforma dos
avs sempre contribui para o oramento familiar quando o desemprego assola a famlia
nuclear.
Villaverde Cabral et al (2013, p.21) sustentam a hiptese de que o empobrecimento das
relaes sociais e a falta de suportes relacionais, em resultado de redes precrias, esto
associados a uma vida social pouco intensa, a qual, alm de no contribuir para a sociedade,
conduz a um isolamento que se reflecte tambm no estado de sade fsica e mental dos
indivduos.
Os mesmos autores afirmam o isolamento social provocado por falta de contactos e de
reconhecimento social est associado solido, depresso e at a doenas do foro mental
(...) nesta perspectiva, as redes sociais afiguram-se como uma espcie de profilaxia do
prprio processo de envelhecimento (ibidem, p.23).
No caso de um lar, sabe-se que quem l vive so pessoas com maioritariamente 65 ou mais
anos de idade, com percursos de vida heterogneos e idiossincrticos. O quadro de interaes
sociais que a decorre, depende de um conjunto de factores: do modo como os profissionais
so (des)informados, do conjunto de crenas, normas e valores de ambos os grupos
(profissionais e residentes), das regras de convivncia e de cordialidade, das percepes que
ambos os grupos tm de si prprios e dos outros
Nos lares, os idosos acabam por ter que viver com outros idosos que no conheciam
anteriormente e com os quais no tm nenhuma proximidade afectiva, eis porque numerosos
19
lares no so mais do que autnticos desertos de solido (Elias, 2001). A solido estar
privado de pessoas com quem se tenha laos afectivos e se possa comunicar.
Redondo et al (2011) propem que as as redes sociais devero ser consideradas quer como
eventuais elementos explicativos das dificuldades de cada indivduo quer como recursos
disponveis/facilitadores para uma eventual soluo de algumas das dificuldades
apresentadas. Ora, quando o idoso autnomo entra num lar, h uma srie de despojamentos
que fez priori fechou ou vendeu a casa, seleccionou os bens pessoais a levar, despediu-se
(ou no) dos vizinhos e do bairro, dos familiares mais prximos, ainda que, na melhor das
hipteses, possa continuar a receber visitas no novo espao. Quando o idoso semi-
dependente ou dependente, algum (familiar ou no) encarrega-se destes procedimentos.
Independentemente do estado de sade e de funcionalidade do individuo sempre um
processo de desvinculao, que na maioria das vezes, no bem resolvido, levando a situaes
de angstia, sofrimento e saudosismo muito fortes. Para amparar o idoso devem existir redes
relacionais fortes, que o ajudem na adaptao ao novo espao.
Durante o processo de desvinculao dos espaos anteriores, tempos e pessoas mais
prximas, s redes primrias, definidas como redes de vizinhana, redes de parentesco, redes
de amizade, redes de "companheirismo" (Redondo et al, 2011) e enquanto entidades
colectivas, onde todos os membros se conhecem uns aos outros, constitudas sobre uma base
afectiva ou de afinidades, entre os indivduos considerados, e no sobre uma base de relaes
estritamente funcionais ou comandadas por estruturas sociais formais (ibidem) sobrepem-
se as secundrias relaes estabelecidas a partir das instituies sociais e respondem a
exigncias funcionais. Como os autores indicam as redes secundarias formais so redes
formadas pelas instituies sociais e tm existncia oficial; apresentam-se estruturadas de
uma forma precisa; tm como objectivos desempenhar funes especficas ou fornecer
servios particulares (ibidem). Esta ltima definio abarca tambm os lares de idosos.
Quando a solidariedade horizontal auto-organizao dos indivduos para a soluo dos
problemas comuns(Laville, 2005 cit. in Redondo et al, 2011) e no caso concreto, a famlia
como primeira prestadora de cuidados, de direitos e de proteco aos idosos - no mais
possvel, (por dificuldades econmicas, indisponibilidade psicolgica e/ ou social) surge a
solidariedade vertical que consiste na aco compensadora do Estado (ibidem). Os lares de
idosos so ento caracterizados por redes sociais secundrias e solidariedades verticais, que
do ponto de vista afectivo e social representam um retrocesso em relao a fases anteriores
da vida dos indivduos.
Almeida & Gros (2012, p.7) constataram que o internamento decorre, pelo menos em parte,
da inexistncia e do enfraquecimento dos laos familiares () H, pois, motivos para pensar
que estar s, na sequncia da viuvez ou de no ter casado, um dos motivos fortes que levou
os inquiridos a considerar que no podiam contar com cuidados familiares e que tinham de
recorrer a uma organizao e a profissionais especializados para garantir a satisfao das suas
necessidades face ao avanar da idade.
Relativamente ao campo simblico, (este o mais subjectivo e o mais difcil de avaliar), tem
que ver com o esteretipo do velho, reformado, idoso, snior, no activo que a sociedade
ps moderna impe a quem tem 65 ou mais anos, uma vez ser aquela idade que dita quando
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que a reforma deve comear. Para algum que trabalhou a vida toda, desde tenra idade, como
aconteceu a muitos dos idosos nascidos nos anos 20, 30, 40, do sculo XX, um dilema ser
considerado velho. Se por um lado, a reforma reflecte o descanso merecido, tambm
subsiste o sentimento de desvalorizao pessoal que a sociedade lhe atribui.
Ralha & Barbosa (2013, p.563) consideram tambm as representaes de velhice,
envelhecimento e idoso/velho que se encontram enraizadas em esteretipos e preconceitos
(Farinha & Marinho, 2003) e mais frente continuam se at ao sculo XIX, o idoso era
reconhecido pelo seu saber e experincia acumulados, detendo a memria colectiva, evocada
e transmitida oralmente, hoje, na sociedade moderna, este aparece extremamente associado
a conservadorismo, falta de vitalidade e falta de dinamismo (Faria & Marinho, 2003), assim
como a custos (reforma) e doena. Tem vindo a perder no s o poder econmico e social,
como o valor simblico (Messina, 2003) que levava tantas outras geraes a consult-lo
sempre que tinham uma deciso a tomar (Blessmann, 2004).
As autoras defendem Caldas e Thomaz (2010) reforam a ideia de Campedelli (2009) de que
as imagens sociais e individuais da velhice esto ligadas por um movimento constante de
criao que responsvel pela configurao da identidade do idoso, sendo que este ultimo
apropria-se das caractersticas da imagem social que lhe imposta, apresentando-se ao
mundo de acordo com as expectativas que este depositou nele (Couto, Koller, Novo, e Soares,
2009), gerando-se uma identificao mtua (2013,p. 564). Da o sentimento de peso e
inutilidade que advm do papel de velho, que conduzem ao estreitamento afectivo e ao
isolamento social (Gis, 2003) caractersticas pelas quais o idoso conhecido, formando-se um
ciclo vicioso, em que a sociedade, partida discriminante, refora por si mesma, a
considerao negativa do idoso. Ao desacredit-lo e retirar-lhe a possibilidade de exercer uma
actividade remunerada, ativa e participativa est tambm a extrair-lhe qualidade de vida,
autonomia e contribuio (Moreno, 2007) (ibidem).
Osorio (2004, p. 253) alerta a transio para a denominada sociedade ps-industrial
caracteriza-se pelas profundas transformaes e inovaes tecnolgicas que provocam
mudanas radicais nos sectores produtivos (mudana de uma economia de produo de
mercadorias para outra em que aumenta a criao de servios), o avano cientfico e a nova
distribuio ocupacional obrigam a uma nova organizao do ciclo existencial e a uma
distribuio diferente entre formao, trabalho e tempos livres. O que significa repensar o
sistema educativo, no sentido de considerar que estes trs aspectos no so trs momentos da
vida, mas que correspondem a necessidades presentes em todas as idades. Dentro deste
mbito, a educao de adultos () pode supor, a nvel da terceira idade, no s uma questo
de solidariedade para com os que acedem reforma laboral mas tambm uma
oportunidade para recuperar para a sociedade a quantidade de sabedoria e as experincias
que as geraes idosas representam e cuja actividade s decai se no se utilizar e no se fizer
um exerccio adequado e constante adaptado s situaes das pessoas.
Em qualquer caso e no mbito deste trabalho, para o idoso (autnomo), optar por uma
qualquer resposta social , na maioria das vezes, um mal menor e raramente uma escolha.
Para que esta fase da vida se torne menos penosa, cabe ao Estado, sociedade civil, s
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instituies e aos tcnicos, ter como prioridade a criao de respostas sociais de qualidade,
capazes de proporcionar bem-estar e qualidade de vida a quem delas necessita.
Apesar do grande investimento feito na edificao das respostas sociais para os idosos, a
aposta nas redes de solidariedade, o apoio concreto nas suas dificuldades ou a oferta de
actividades ainda nos deixam muitas interrogaes e o facto de estarem acompanhados por
outros idosos ou terem, atravs das mensalidades que pagam, acesso a bens de primeira
necessidade (alimentao, cuidados de higiene, agua, luz, gs) no colmata a possibilidade de
se sentirem ss ou desamparados. Ser ento necessrio que os tcnicos se responsabilizem
cada vez mais na melhoria contnua do bem-estar fsico, psicolgico e social da sua populao
alvo.
Um dos campos cientficos que se tem dedicado ultimamente ao estudo do envelhecimento e
s suas consequncias o da Psicologia.
Para Figueiredo (2010, p.5) o interesse da Psicologia sobre o envelhecimento relativamente
recente, visto que a expanso sistemtica da Gerontologia s ocorre no final da dcada de
1950, principalmente em funo do rpido crescimento do nmero de pessoas idosas (Arajo
e Carvalho, 2005 citado por Figueiredo, 2010). Iniciam-se em 1928 as primeiras pesquisas
experimentais sobre a velhice, a respeito de tpicos como aprendizagem, memria e tempo de
reaco. No entanto, at 1940, pouco se pesquisou sobre a vida adulta e velhice, considerando
que at ento esta foi a poca de expanso e consolidao da Psicologia da infncia e da
adolescncia (Baltes, 1995 cit. in Figueiredo, 2010). Apesar disso, segundo Baltes (1995, cit.
in Figueiredo, 2010), a evoluo do campo da Psicologia do Envelhecimento, no sculo XX,
acarretou tambm mudanas na Psicologia do Desenvolvimento, onde o ciclo de vida passou
a ser considerado dinmico desde o nascimento at morte.
Um psiclogo incontornvel Erik Erikson (1902-1994) e a sua teoria do Desenvolvimento
Psicossocial formulada em 1963. A teoria composta por 8 estdios de desenvolvimento,
entre os quais o perodo da vida adulta denominado de integridade do ego versus desespero,
sendo que a integridade do ego caracterizada por factores intrnsecos velhice como
dignidade, prudncia, sabedoria prtica e aceitao do modo de viver, enquanto o desespero
seria possivelmente o medo da morte (Figueiredo, 2010, p.6).
No lar de idosos onde estagimos, encontrmos mais pessoas com medo da morte do que
bem resolvidas relativamente vida. Provavelmente, para ultrapassar este sentimento, a
presena mais assdua de familiares seria favorvel. Se os familiares os visitassem mais vezes,
se lhes disponibilizassem mais tempo e afecto, supomos que estes idosos estariam mais
satisfeitos e mais apaziguados.
Consideramos ser fundamental a formao interna dos funcionrios que lidam com esta faixa
etria, no sentido da no infantilizao, da promoo do respeito, da valorizao do idoso,
enquanto pessoa com direitos e deveres, com passado, presente e futuro, com experincias
pessoais e idiossincrticas. Se estes valores e cuidados forem tidos, estamos convencidas que
os residentes sentir-se-o mais estimados e a probabilidade desse reconhecimento ser
recproco aumenta.
22
Para Figueiredo (2010, p.6), o estudo dos processos de envelhecimento introduz-se nas
primeiras duas dcadas do seculo XXI, como uma prioridade cientfica indiscutvel, imprimindo
uma viso de complementaridade, entre pelo menos dois sistemas: um biopsicolgico e outro
socioeconmico e poltico.
Ralha & Barbosa (2013, p.564) referem que a Psicologia Social tem procurado explorar os
efeitos que as representaes associadas aos diferentes grupos etrios tm no modo como
interagimos com estes, tornando-se fundamental falar de idadismo () forma de intolerncia
relacionada com a idade, que pode dirigir-se a qualquer pessoa ao longo da sua vida () e tem
a particularidade de tender a ocorrer de forma inconsciente, implcita e sem controlo ou
inteno de prejudicar. O idadismo parece surgir da prevalncia de dois tipos de processos
cognitivos na populao em geral: a supergeneralizao e a supersimplificao, que fazem a
manuteno dos esteretipos existentes. De acordo com a Teoria da Modernizao, a reduo
do status social do idoso, o aumento da expectativa de vida, a institucionalizao da reforma,
os avanos tecnolgicos, a urbanizao e a educao pblica, so propulsores de idadismo. Por
outro lado, segundo a Teoria da Identidade Social existe um vis intragrupo e uma tendncia
para se manter uma imagem mais positiva do prprio grupo em comparao com outros, na
busca de uma auto identidade positiva (Kite & Wagner, 2002). Todavia, no estudo de Freitas,
Queiroz e Sousa (2010) os idosos procuraram marcar a diferena entre a sua experincia e a do
velho em geral, numa perspectiva de que o velho sempre o outro vislumbrando a velhice
como uma realidade incmoda (p.411) (ibidem). A este propsito, nas respostas sociais
dirigidas a idosos tambm se verificam situaes de idadismo, seja por parte de funcionrios
(nos comentrios que tecem) seja entre os prprios residentes que se auto e hetero
distinguem entre saudveis e doentes, entre os que esto bem da cabea e os que esto
mal da cabea ou malucos. Convm referir a propsito dos comentrios diferenciadores
em relao ao grupo, uma citao de uma senhora de 101 anos, no lar onde estagimos, que
dizia, em tom irnico, porque eu no estou nem sou velha.
Mais frente, as autoras continuam, apesar do idadismo poder significar danos na qualidade
de vida do idoso e perdas para a sociedade (ao nvel das suas contribuies e conhecimentos),
h que considerar a capacidade de resilincia destes indivduos, que parece impedir a
deteriorao do self, assim como a auto-relevncia atribuda aos esteretipos e o uso de
estratgias de proteco (Ralha & Barbosa, 2013, p.564).
Por tudo isto, evidente que o nosso pas est a envelhecer, que no h retrocesso possvel e
que as respostas sociais de apoio aos idosos so cada vez mais procuradas.
Almeida & Gros (2012, p.6) questionam que intervenes desenvolver no quadro dos lares e
centros de dia a fim de ampliar a sua capacidade de resposta s necessidades relacionais e de
reconhecimento dos idosos? Que servios implementar para que a manuteno dos indivduos
no seu quadro de vida habitual no provoque uma paralisia de toda a actividade social, uma
ruptura do lao social, em suma, uma reduo da existncia ao cumprimento dos actos
destinados mera manuteno da vida biolgica?.
No sentido de prestar servios de qualidade, a organizao destas respostas tem que ter em
conta quatro vertentes fundamentais: a escolha dos espaos fsicos, a formao interna dos
funcionrios e o envolvimento dos potenciais residentes e respectivas das famlias. Para alm
23
destes pressupostos, as respostas sociais devem ter em conta o desenvolvimento dos
seguintes objectivos:
- promover o seu bem-estar fsico e psicolgico;
- apostar em redes de solidariedade fortes;
- contribuir para sentimentos de pertena;
- envolver os idosos na gesto do quotidiano dos servios;
- desenvolver novas formas de vida mais comunitrias;
No prximo captulo, veremos que tipo de condies (estruturais, de servio, relacionais e
humanas), pode oferecer uma estrutura residencial para idosos, ou como vulgarmente
conhecida, um lar de idosos. Destaque-se destas condies as que influenciam o trabalho dos
profissionais que esto directamente envolvidos na prestao de servios aos idosos os
auxiliares de aco directa.
2. Resposta Social Lar de idosos face vulnerabilidade social associada ao processo de
envelhecimento
2.1 Contextualizao histrica
No nosso pas os servios de cuidados para idosos so prestados pelo sector pblico, social ou
privado. Os sectores pblicos e sociais regem-se mediante o princpio da subsidiariedade, e
controlam a grande maioria da capacidade disponvel no mercado. Os seus servios so
direccionados a idosos com escassos rendimentos. O lar onde foi desenvolvido o nosso estgio
integra-se neste tipo de instituies.
Tentando estabelecer uma linha cronolgica sobre este tipo de resposta social, referimos Reis,
(s/d, p.20) que defende num primeiro momento a criao de lares para idosos surgiu como
forma de responder s necessidades de acolhimento de pessoas sem retaguarda familiar ou
que, pela fragilizao da sua sade, tornavam imprescindveis cuidados especializados ()
assiste-se a um aumento exponencial da oferta de servios disponveis para os idosos em
quantidade e em qualidade.
Santos Lus (1997, p.230-31) diz-nos que a aco social legitimada por essa necessidade
[institucionalizao da solidariedade] e constitui-se como a emanao institucional da
solidariedade privada () embora constituindo uma obrigao do Estado, o exerccio da aco
social efectuado tambm pelo sector privado, com especial preponderncia para as
Instituies Particulares de Segurana Social, [como o caso da instituio em anlise]. O
predomnio do sector privado (social) constitui uma originalidade portuguesa, tanto mais que
tal situao no se integra nas recentes estratgias de privatizao dos servios pblicos mas,
to somente, da posio assumida pela Administrao, com origem no Estado Novo, de
assumir um papel meramente secundrio no apoio s situaes de pobreza e excluso social,
na altura consideradas mais como questes de ordem pblica que de proteco social.
24
Rio (1997, p.164) constata at dcada de 60, no existiam estruturas especficas ou
adaptadas a idosos. O apoio a idosos carenciados era efectuado atravs dos asilos e dos
albergues, onde se concentravam situaes de indigncia, qualquer que fosse a origem ()
apenas a 13 de Fevereiro de 1969, um aviso prvio da Assembleia Nacional faz emergir o
problema do envelhecimento e da necessidade de uma poltica para a velhice, ressaltando do
debate, () a sugesto de ser criada pelo Governo uma Comisso de Estudos dos Problemas
da Velhice () em consequncia e por Resoluo do Conselho de Ministros do ms seguinte,
foi de facto, criada uma Comisso para o estudo das questes que se prendiam com a situao
social dos idosos, focalizando a sua ateno, particularmente, sobre problemas econmicos da
velhice, alojamento e poltica habitacional, estruturao geronto-geriatrica, trabalho e
ocupao dos idosos e ajuda domiciliria integral.
Globalmente, a capacidade instalada total aumentou 68% com a existncia de mais 91300
lugares, verificando-se que taxa de utilizao dos Lares de 95,3% (Folha informativa n8,
Carta Social, 2012).
Segundo este documento em 2011, 52% dos equipamentos que iniciaram a actividade
pertencem a actividades no lucrativas enquanto 48% a actividades lucrativas () no perodo
de 2005-2011, as respostas Residncia e Lar de Idosos registaram um aumento de cerca 34%.
Em 2011, de realar o acrscimo de 5% e 3% nas respostas Residncias e Servio de Apoio
Domicilirio traduzindo-se em mais de 3600 e 2400 novos lugares, respectivamente. A taxa de
cobertura do conjunto das respostas sociais consideradas para esta populao alvo
Residncia e Lar de Idosos, Centro de Dia e Servio de Apoio Domicilirio situa-se a 12,4% a
nvel do Continente em 2011, superior em quatro dcimas em relao ao ano anterior. 86
concelhos atingiram taxa de cobertura superior a 20%; 66% dos concelhos do total do
Continente apresentam taxas de utilizao igual ou superior a 91% (ibidem, p.2).
Apesar do aumento da oferta, segundo a Deco, que cita dados da Confederao Nacional da
Instituies de Solidariedade representante de quase 2700 instituies , actualmente h
cerca de dez mil pessoas espera de vaga num lar de idosos. A oferta, que dever aumentar
nos prximos anos graas aos investimentos co-financiados pelo Estado e por fundos
comunitrios, ainda no chega para a procura. [Em linha] [Consult. 25 Set. 2013] Disponvel em
http://www.publico.pt/sociedade/noticia/um-em-cada-dez-idosos-espera-um-ano-para-ter-
vaga-num-lar-1589162
no incio da dcada de 80 que se realiza a cooperao com as I.P.S.S Instituies de
Solidariedade Social (regulamentada por Decreto Lei e por Despacho Normativo), o que
estimulou a criao e a remodelao dos servios e equipamentos que viessem responder s
necessidades especficas dos idosos.
2.2 Aspectos legais
Quanto s normas reguladoras das condies de instalao e funcionamento dos lares para
idosos o Despacho Normativo n 12/98, publicado no Dirio da Repblica, I Srie-B e o artigo
n46 do Decreto-Lei n. 133-A/97, de 30 de Maio, vieram estabelecer as normas reguladoras
das condies de instalao e funcionamento dos lares para idosos.
25
Segundo os autores do Ncleo de Documentao Tcnica e Divulgao (1996), o lar de idosos
constitui uma resposta social desenvolvida em alojamento colectivo, de utilizao temporria
ou permanente, para idosos em situao de maior risco de perda de independncia e/ou de
autonomia. O site da Segurana Social qualifica esta resposta como sendo de alojamento
colectivo, de utilizao temporria ou permanente, para idosos. E tem como objectivos
proporcionar servios permanentes e adequados problemtica biopsicossocial das pessoas
idosas; contribuir para a estimulao de um processo de envelhecimento activo; criar
condies que permitam preservar e incentivar relao intrafamiliar; potenciar a integrao
social.
J mais recente, a portaria n67/2012 de 21 de Maro define 22 artigos orientadores sobre o
objecto, o mbito da aplicao, os objectivos, os princpios de actuao, os destinatrios, a
capacidade, a modalidade de alojamento, os servios, o processo individual [de cada utente], o
contrato de prestao de servios [que se deve estabelecer entre a instituio e o utente], a
direco tcnica [da instituio], o pessoal, o acesso informao, o regulamento interno, as
condies de implantao, o edifcio, o acesso ao edifcio, as reas funcionais, a avaliao, a
revogao e a entrada em vigor [da portaria] para alm dos anexos I e II sobre as medidas das
reas funcionais das estruturas residenciais para pessoas idosas.
Ao consultarmos o documento, percebemos que tem como objecto (artigo 1) definir as
condies de organizao, funcionamento e instalao a que devem obedecer as estruturas
residenciais para pessoas idosas e considera-se estrutura residencial para pessoas idosas, o
estabelecimento para alojamento coletivo, de utilizao temporria ou permanente, em que
sejam desenvolvidas atividades de apoio social e prestados cuidados de enfermagem.
O Manual de Processos Chave da Estrutura Residencial para Idosos da Segurana Social (s/d,
p.2) refere que a Estrutura Residencial constitui-se como uma Resposta Social, desenvolvida
em equipamento, destinada a alojamento colectivo, num contexto de residncia assistida,
para pessoas com idade correspondente a idade estabelecida para a reforma, ou outras em
situao de maior risco de perda de independncia e/ou de autonomia que, por opo prpria,
ou por inexistncia de retaguarda social, sem dependncias causadas por estado agravado de
sade do qual decorra a necessidade de cuidados mdicos e paramdicos continuados ou
intensivos, pretendem integrao em estrutura residencial, podendo aceder a servios de
apoio biopsicossocial, orientados para a promoo da qualidade de vida e para a conduo de
um envelhecimento sadio, autnomo, activo e plenamente integrado.
No 3 artigo do decreto-lei n67/2012 concernente aos objectivos lemos que constituem objetivos da estrutura residencial, designadamente, os seguintes; a)Servios permanentes e adequados problemtica biopsicossocial das pessoas idosas; b) Contribuir para a estimulao de um processo de envelhecimento activo; c) Criar condies que permitam preservar e incentivar a relao intrafamiliar; d) Potenciar a integrao social.
No Manual de Processos Chave da Estrutura Residencial para Idosos da Segurana Social (s/d,
p.2) est definido que constituem-se como objectivos principais desta resposta:
Promover qualidade de vida;
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Proporcionar servios permanentes e adequados problemtica biopsicossocial das pessoas idosas;
Contribuir para a estabilizao ou retardamento do processo de envelhecimento;
Privilegiar a interaco com a famlia e/ou significativos e com a comunidade, no sentido de optimizar os nveis de actividade e de participao social;
Promover estratgias de reforo da auto-estima, de valorizao e de autonomia pessoal e social, assegurando as condies de estabilidade necessrias para o reforo da sua capacidade autnoma para a organizao das actividades da vida diria.
Relativamente aos servios no decreto-lei n 67/2012 [artigo 8] est escrito:
1 - A estrutura residencial presta um conjunto de atividades e servios, designadamente:
a) Alimentao adequada s necessidades dos residentes, respeitando as prescries
mdicas;
b) Cuidados de higiene pessoal;
c) Tratamento de roupa;
d) Higiene dos espaos;
e) Atividades de animao sociocultural, ldico-recreativas e ocupacionais que visem
contribuir para um clima de relacionamento saudvel entre os residentes e para a
estimulao e manuteno das suas capacidades fsicas e psquicas;
f) Apoio no desempenho das atividades da vida diria;
g) Cuidados de enfermagem, bem como o acesso a cuidados de sade;
h) Administrao de frmacos, quando prescritos.
2 A estrutura residencial deve permitir:
a) A convivncia social, atravs do relacionamento entre os residentes e destes com os
familiares e amigos, com os cuidadores e com a prpria comunidade, de acordo com os seus
interesses;
b) A participao dos familiares ou representante legal, no apoio ao residente sempre
que possvel e desde que este apoio contribua para um maior bem -estar e equilbrio
psicoafetivo do residente.
3 A estrutura residencial pode, ainda, disponibilizar outro tipo de servios, visando a
melhoria da qualidade de vida do residente, nomeadamente, fisioterapia, hidroterapia,
cuidados de imagem e transporte.
4 A estrutura residencial deve ainda permitir a assistncia religiosa, sempre que o residente
o solicite, ou, na incapacidade deste, a pedido dos seus familiares ou representante legal.
No Manual de Processos Chave da Estrutura Residencial para Idosos da Segurana Social (s/d,
p.3) so definidos os seguintes critrios de qualidade:
Garantir o exerccio da cidadania e o acesso aos direitos humanos dos clientes, p.e., autonomia, privacidade, participao, confidencialidade, individualidade, dignidade, oportunidades de igualdade e no discriminao;
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Respeitar as diferenas de gnero, socioeconmicas, religiosas, culturais, sexuais dos clientes e/ou pessoas prximas;
Respeitar o projecto de vida definido por cada cliente, bem como os seus hbitos de vida, interesses, necessidades e expectativas;
Transmitir e garantir aos clientes um clima de segurana afectiva, fsica e psquica durante a sua permanncia na Estrutura Residencial;
Promover o envolvimento e o estabelecimento de uma parceria e articulao estreita com o cliente e/ou significativos, a fim de recolher a informao necessria sobre as necessidades, expectativas, capacidades e competncias, co-responsabilizando-os no desenvolvimento de actividades/aces no mbito dos servios prestados;
Mobilizar a participao dos clientes na gesto da estrutura residencial, envolvendo-os no planeamento, monitorizao e avaliao das respectivas actividades;
Desenvolver todas as relaes entre o cliente e os restantes intervenientes (colaboradores internos e externos, voluntrios, entre outros) com tica, respeito pelos direitos e deveres, profissionalismo, rigor e qualidade;
Compreender a individualidade e personalidade de cada cliente, para criar um ambiente que facilite a interaco, a criatividade e a resoluo de problemas por parte destes.
Para concluso deste captulo parece-nos oportuno citar ainda Antnio M. Fonseca que, no
prefcio de Guedes (2012, p.12) afirma sobre os lares terem sido criados com o objectivo de
reincorporar e integrar socialmente os mais velhos, () so hoje uma garantia de prestao de
cuidados indispensveis manuteno de uma vida digna para muitos idosos (especialmente
entre os mais desfavorecidos), e a maioria d um inestimvel contributo para a sade e bem-
estar dos que a vivem (funo manifesta). Mas os lares de idosos correspondem tambm, na
generalidade, a uma forma de regulao da velhice atravs da sua institucionalizao, isolando
os mais velhos do contacto com tudo o resto: os outros, a comunidade, a vida como ela
acontece (funo latente).
Guedes (2012, p.32), segundo a perspectiva interaccionista de Goffman, lana um conjunto de
questes como a responsabilizao no investimento e criao de laos fortes, que potenciem o
surgimento de um sentido de vida em comunidade, na criao de mecanismos de ampla
participao no quotidiano da instituio, no enriquecimento das experincias dos idosos.
Acrescenta que para fazer avanar o pensamento e a aco, necessrio conhecer as rotinas
institucionais para depois reflectir como produzir a mudana(ibidem). Fazendo jus a este
princpio, passamos a apresentar, em termos gerais, o lar onde estagimos.
3.DIAGNSTICO
No mbito da metodologia de projecto o diagnstico da situao social deve assumir
centralidade. Podemos considerar este relatrio como resultado de um estgio que colocou
em prtica a metodologia de projecto, porque, como qualquer experincia de interveno
social, alm do diagnstico (onde se pretende a identificao participada das situaes
problema, a problematizao terica das mesmas e a caracterizao institucional dos
organismos), exige uma proposta com objectivos de interveno e de avaliao.
O diagnstico fundamental para a anlise das necessidades e dos problemas dos idosos que
esto institucionalizados. tambm fundamental para a anlise dos obstculos que decorrem
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dos modos de organizao e de funcionamento do lar de idosos e que impedem que, pelo seu
trabalho, a organizao possa cumprir a misso para a qual foi criada. Este propsito tanto
mais importante quanto percebemos que, muitas vezes, o trabalho no lar de idosos no est
organizado em funo do conhecimento efectivo das necessidades sentidas pelos idosos e dos
factores que esto na origem dos problemas por eles vividos.
Em ltima instncia, a realizao do diagnstico fundamental para pensar a elaborao de
estratgias de interveno mais ajustadas satisfao da diversidade de necessidades sentidas
pelos idosos e ao combate aos problemas que eles vivem, quando esto institucionalizados em
lar.
Neste diagnstico, necessrio analisar a organizao formal no que se refere s estruturas,
sistemas de comunicao e de controlo, rgos, regulamentos estabelecidos especialmente
pela administrao. Parte-se do pressuposto de que a organizao, alm do aparato normativo
e regulamentador que atrs apresentmos, tambm caracterizada pela informalidade e tal
situao faz com que se eleja para estudo as relaes sociais desenvolvidas entre os actores no
quotidiano da vida institucional. Faz, ento, sentido considerar a existncia quer do programa
oficial da organizao, quer das presses das relaes interpessoais e das actividades efectivas
realizadas no lar.
, pois, necessrio saber reconhecer estas duas faces da realidade organizacional,
compreender o contraste entre o explcito e o implcito, o discurso e a prtica, ter presente a
pluralidade e a no coincidncia de objectivos que coexistem na organizao. Mais
concretamente a anlise do lar enquanto organizao obriga-nos a distinguir a anlise da
dimenso formal e a anlise da dimenso informal.
A primeira diz respeito dimenso oficial de uma organizao (j atrs parcialmente
apresentada), tratando-se da estrutura que imediatamente observvel e que pode ser
analisada pelo recurso a documentos de fontes oficiais e outros documentos (estatutos,
regulamentos, oramentos, etc.); a segunda corresponde ao funcionamento real da
organizao independentemente daquilo que se encontra oficialmente estipulado, tratando-se
da estrutura que no imediatamente observvel, sendo que para a sua anlise deve recorrer-
se essencialmente observao de condutas individuais e de grupo em situao do
quotidiano, mas tambm aos inquritos e s entrevistas e, ainda, anlise de documentos que
podem incidir sobre diversas fontes: anncios, folhetos, actas de reunies, circulares, notas de
servio, etc.
3.1 Percurso metodolgico
Quando estamos apostados em realizar um diagnstico social interessa mobilizar vrias
tcnicas de investigao que permitam uma recolha de informao de forma aprofundada e
que seja capaz de nos levar a apreender a complexidade de factores que esto na origem dos
problemas identificados.
Destaque-se que, em termos metodolgicos, fizemos observao participante, anlise
documental de alguns documentos da instituio (regulamento interno, guia de integrao do
residente e manual de acolhimento, plano anual das actividades, etc.).Procedemos ao
29
preenchimento de 8 instrumentos do Sistema de Avaliao Multidimensional de Equipamentos
Sociais Lares de Idosos (SAMES Lar).
Face ao descrito, optmos por uma investigao qualitativa, de cariz participante, descritiva e
emprica porque o principal instrumento de pesquisa o prprio investigador e os principais
procedimentos so a presena prolongada no contexto social em estudo e o contacto directo,
em primeira mo, com as pessoas, as situaes e os acontecimentos (Firmino da Costa, 1986,
p. 137).
Neste relatrio, a observao participante e as notas de campo foram fundamentais para a
recolha de informao. Como nos dizem Bogdan & Biklen (2003, p. 110) depois de regressar
de cada observao, entrevista ou outra sesso de recolha de dados, o investigador escreve,
preferencialmente num computador, o que aconteceu. Procede a uma descrio das pessoas,
objectos, lugares, eventos, actividades e conversas. Adicionalmente, o investigador registar
ideias, estratgias, reflexes e palpites assim como padres que emergem. Estas so as notas
de campo o registo escrito daquilo que o investigador ouve, v, experiencia e pensa no
decurso da recolha e reflexo dos dados num estudo qualitativo. () Em estudos que recorrem
observao participante todos os dados recolhidos so considerados como notas de campo;
este termo refere-se colectivamente a todos os dados recolhidos no decurso de um estudo
deste tipo, incluindo notas de campo, transcries de entrevista, documentos oficiais,
estatsticas oficiais, imagens e outro material. Aqui usamos este termo em sentido estrito ()
as notas de campo fornecem a qualquer estudo uma marca pessoal que ajuda o investigador
a manter o controlo relativamente ao desenvolvimento do projecto, a visualizar como a
recolha de dados foi afectada pelos dados recolhidos e para manter-se alerta sobre como pode
ter sido ele prprio influenciado pelos dados (ibidem, p.111).
Os autores Guest, Namey & Mitchell (2013, p.75) defendem que a observao participante pe
em contacto o investigador mais bsica das experincias humanas, descobrindo atravs da
imerso e da participao os como e os porqus do comportamento humano num
contexto particular. O desafio de aproveitar esta capacidade inata para a observao
participante que quando ns somos observadores participantes num sentido mais formal
devemos, no mnimo, sistematizar e organizar um processo inato fludo. Isto quer dizer no s
participar num determinado contexto social mas tambm preencher o papel do investigador
tirar notas, gravar vozes, sons e imagens; e fazer perguntas que esto destinadas a revelar o
sentido oculto dos comportamentos. Mais, em muitos casos, estamos a tentar descobrir e
analisar aspectos de situaes sociais que usam regras e normas que os participantes podem
experienciar sem explicitamente falar delas, que operam em nveis automticos ou
subconscientes ou esto ainda e oficialmente fora das discusses ou tabus. O resultado desta
descoberta e sistematizao que ns no s participamos em algo mas tambm geramos
dados que podem ser valiosos para adicionar nossa compreenso da experincia humana.
Nas sesses de estimulao cognitiva, em grupo e sempre realizadas na sala de convvio,
fazamo-nos acompanhar de um bloco de notas para recolher informao sobre as
contribuies dos residentes. Apontvamos frases completas ou palavras-chave para depois
incluir no dirio de campo. Fizemos isso s claras, para que os idosos percebessem que isso
era importante para ns e que lhes atribuamos significado.
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Nas aces de formao aos funcionrios no apontvamos nada porque no queramos
contribuir mais ainda para o sentimento de avaliao externa. O registo das sesses em dirio
de campo era, nas duas situaes, feito no gabinete ou em casa.
As conversas formais e informais ou de acompanhamento foram igualmente objecto de registo
no referido instrumento de recolha.
Qualquer informao que contribusse para a melhoria do bem-estar dos residentes foi
relatada directora tcnica, sem ferir susceptibilidades e sempre com um sentido tico e de
confidencialidade muito rigoroso.
Com estas contribuies, pode compreender-se a importncia destas tcnicas de investigao
para a elaborao do relatrio. Como veremos mais frente, em muitas das descries que
fizemos sobre os residentes, sobre as actividades de animao sociocultural, sobre os recursos
humanos mas tambm sobre as actividades que desenvolvemos no mbito da estimulao
cognitiva e no mbito das aces de formao em exerccio aos funcionrios da instituio,
usmos a observao participante e o dirio de campo como ncoras para a nossa escrita e
reflexo.
Importa aqui referir que, relativamente aos instrumentos SAMES Lar preenchidos e que se
inseriram no mbito do interesse do Instituto Superior de Servio Social do Porto (ISSSP), os
seus resultados formais no foram tidos em conta no diagnstico para interveno nem para a
elaborao deste relatrio. O seu preenchimento, num total de 174 inquritos, terminou
aquando do terminus do nosso estgio. No entanto, durante esse mesmo perodo, o contacto
tido com os residentes e com os funcionrios foi facilitado atravs desta tarefa e, sem dvida,
ajudou no processo de conhecimento que esteve subjacente elaborao deste diagnstico.
Assim, a programao das actividades por ns desenvolvida procurou responder s
necessidades manifestadas pela orientadora local de estgio e por ns constatadas quer
atravs de observao directa quer atravs de anlise documental.
Debrucemo-nos agora sobre a instituio propriamente dita e as respectivas normas e regras
de funcionamento.
3.2 Misso do lar e principais linhas de poltica organizativa
Sobre a misso da instituio, contida no manual de acolhimento ao utente, podemos referir
6 pontos: receber pessoas idosas cuja problemtica biopsicossocial no seja passvel de outra
resposta; o desenvolvimento normal do processo de envelhecimento, contribuindo para um
envelhecimento com qualidade, evitando a deg