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Rede Internacional de Universidades Laureate³gica, que busca demonstrar os sons das palavras, os quais não representam o objeto a que ... 1.1 Variação e conservação linguística

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Josefa Farias

São PauloRede Internacional de Universidades Laureate

2015

Fonética e Fonologiada Língua Portuguesa

Josefa Farias

São PauloRede Internacional de Universidades Laureate

2015

SumárioCapítulo 1: Diferenças entre Fonética e Fonologia -------------------------------------------5Introdução ------------------------------------------------------------------------------------------51 Língua e sociedade -----------------------------------------------------------------------------61.1 Variação e conservação linguística ---------------------------------------------------------71.2 Diversidade geográfica da língua: dialeto e falar ----------------------------------------81.3 Os dialetos do português: europeu, ilhas atlânticas, brasileiro, África, Ásia e Oceania --------------------------------------------------------------------------------------------92 Fonética e Fonologia ------------------------------------------------------------------------- 102.1 Conceito e histórico do surgimento da Fonética --------------------------------------- 122.2 Conceito e histórico do surgimento da Fonologia ------------------------------------- 142.3 Os sons da fala ----------------------------------------------------------------------------- 15Síntese -------------------------------------------------------------------------------------------- 17Referências Bibliográficas ---------------------------------------------------------------------- 18

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IntroduçãoTodos sabemos que o Brasil é formado por várias raças e culturas. Além dessa diversidade, somos um país de dimensões continentais, ou seja, nosso território é tão grande que mais parece um continente, com muitos países em um só. Esses “países” não somente apresentam culturas distintas, como também formas de falar diferentes, que muitas vezes parecem outra língua. Esse falar variado mostra-se tanto no léxico como na sonoridade.

Quantas vezes não deparamos com palavras que são pronunciadas de uma forma em determinada região e diferentemente em outra? A palavra “presunto”, por exemplo, é pronunciada pr[i]sunto (lê-se “presunto”) pelos cariocas, pr[e]sunto (lê-se “presunto” – com um E pronunciado fechado) pelos paulistas e pr[ε]sunto (lê-se “presunto” – com um E pronunciado aberto) pelos alagoanos e em outras regiões do Nordeste. Tais características não mostram erros ou acertos, apenas divergências entre falares que são comuns nas diferentes regiões, assim como as distinções entre o português de Portugal e o do Brasil.

Outro exemplo clássico quanto aos diversos modos de falar português no Brasil é a pronúncia da letra /t/ em diferentes regiões. Em algumas regiões do país, fala-se [ιjiťʃi], que se lê “leitche”. Em outras, fala-se [ιjite], que se lê “leite”, com a pronúncia do /t/ com em “tu”.

Neste Capítulo, vamos estudar a constituição dessas diferenças do ponto de vista científico, observando que elas se originam em um modo de articulação de sons que é física, já que se origina no aparelho fonador, mas que faz parte de uma característica cultural e que dá identidade aos falantes da língua. Conhecer essas formas de articulação possibilita aos falantes de uma mesma língua respeitar as diferenças linguísticas regionais e individuais, além de facilitar aos estudantes de outros idiomas a compreensão de como se articulam os fonemas em línguas que não são as chamadas línguas maternas.

Para o professor de Língua Portuguesa, conhecer o processo de constituição dos sons na produção da fala é fundamental para identificar o processo de aquisição da língua pelos alunos e ajudar com propostas de atividades que possam resolver problemas de aquisição da escrita. Muitos problemas de troca de letras no processo de escrita podem ser sintomas de distúrbios da linguagem. Não cabe ao professor, contudo, fazer o diagnóstico, mas, se conseguir reconhecer quando o aluno não está desenvolvendo a escrita da forma esperada para a faixa etária e para o nível de escolaridade, pode encaminhá-lo a especialistas que o ajudarão na resolução do problema.

Capítulo 1Diferenças entre Fonética e Fonologia

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Diferenças entre Fonética e Fonologia

1 Língua e sociedadeVocê já deve ter ouvido falar que a língua portuguesa é uma das línguas mais difíceis do mundo, não? Que são muitas regras, e tal.

Na verdade, todas as línguas são de uma complexidade impressionante. Se pensarmos na escrita fonológica, que busca demonstrar os sons das palavras, os quais não representam o objeto a que a palavra se refere, e sim um conceito, percebemos que se trata de um elaborado e sofisticado sistema. Não importa se algumas regras são mais complexas do que outras; as línguas são sempre exemplos de sofisticação e representação do mundo.

Vamos pegar um exemplo simples da língua portuguesa, que é a palavra “menino”. Trata-se de uma palavra de seis letras que representam na escrita os sons que emitimos ao pronunciá-la. Esses sons, contudo, não mantêm uma relação imediata com o seu significado. Essa é, então, uma relação arbitrária, que só faz sentido porque todos os falantes da língua portuguesa aceitam essa convenção. De onde se pode concluir que as línguas são constituídas socialmente. Isso parece meio óbvio, não? No entanto, se essa é uma constatação óbvia, por que há tanta discussão sobre formas corretas ou incorretas de se comunicar? A resposta é simples. A discussão se dá pelo fato de algumas formas de falar serem aceitas como padrão, como um modelo de língua correta de uma nação inteira. E como é que uma maneira de falar entre tantas que são faladas em um mesmo país é escolhida como a norma padrão? A resposta também é óbvia. A forma escolhida é aquela do grupo que tem maior prestígio na sociedade que constitui o país.

Se observarmos bem, essa norma padrão é usada pela elite econômica e intelectual, aparece nos documentos oficiais e na publicidade, nos meios de comunicação etc. Mas e as outras formas de falar? O que acontece com as pessoas que as usam? Outra resposta evidente. Esses grupos ou aprendem a norma padrão ou são marginalizados.

Assim, para que esses grupos que não falam a norma padrão da língua possam deixar de ser marginalizados, cabe à escola ensiná-la. Contudo, é preciso que se discutam as diferenças entre as várias normas existentes para que se conheça a língua do país, e também porque é pelo conhecimentos dessas diferenças que se percebem as regras que dão origem aos falares.

É consenso desde Saussure que a língua se constrói em um sistema de comunicação que é social, mas também individual.

Contudo, somente nos anos 1960 os estudos da relação entre língua e sociedade se solidificaram com o surgimento da Sociolinguística, de base interdisciplinar, sustentada em estudos da Linguística, da Antropologia e da Sociologia. Desse contexto, surgem constatações sobre as formas de constituição da língua como sistema social e que apresenta características representativas dos grupos que a falam.

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Figura 1 – Literatura de cordel. Disponível em: <http://www.estudopratico.com.br/literatura-de-cordel/>. Acesso em: 31 mar. 2015.

1.1 Variação e conservação linguística

Segundo Cunha e Cintra (2001, p. 3), “[...] uma língua histórica não é um sistema linguístico unitário, mas um diassistema, no qual se inter-relacionam diversos sistemas linguísticos e subsistemas”.

Uma língua apresenta, portanto, pelo menos três tipos de diferenças que lhes são constitutivas:

• variações diatópicas ou diferenças regionais: falares locais, variantes regionais etc.;• variações diastráticas ou diferenças entre as camadas sociais: nível culto e nível popular etc.;• variações diafásicas ou diferenças entre as modalidades expressiva: oralidade, escrita, língua literária etc.;

Essa percepção da língua como diassistema permite que se observem os fenômenos linguísticos na sua diversidade. Sendo assim, a língua passa a ser observada não mais como uma unidade, mas como um sistema em que a variação é inerente e ocorre em todos os níveis: fonético, fonológico, morfológico e sintático.

Nessa concepção, a distinção entre a norma culta e a norma popular passa a ser vista como caracterizadora do sistema da língua, e não mais como um equívoco. A caracterização da norma culta como padrão de correção da língua portuguesa tem a ver com a valorização da sociedade ao grupo que a usa, que é detentor do prestígio, por isso é tido como modelo de fala da sociedade e é usado nos círculos em que se busca a valorização, como as instituições sociais (por exemplo, a escola), e também na comunicação e na literatura.

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Diferenças entre Fonética e Fonologia

A gramática normativa caracteriza-se por ser prescritiva, ou seja, ocupa-se em enumerar regras sobre as formas corretas de falar. Contudo, essas normas não são identificadas no falar de todas as pessoas, de todas as regiões, de todas as classes sociais. Elas representam uma forma de falar de determinado grupo social. Assim, o grupo social de maior prestígio econômico, social e intelectual acaba sendo representado por essas normas, denominadas norma culta. Os outros registros são descritos na gramática como regionalismos ou norma popular.

A função da escola é ensinar aos alunos a norma culta. Quando esses alunos são representantes de uma classe que já domina a norma culta, ou seja, se são criados em ambientes em que as pessoas dominam essa norma, já chegam à escola também dominando essa forma de falar e de escrever. O desafio maior é quando os alunos que não pertencem a essa classe não dominam a norma culta, sendo preciso aprender desde o começo.

Como fazer esse trabalho, então? Fica o desafio.

NÓS QUEREMOS SABER!

1.2 Diversidade geográfica da língua: dialeto e falarNas diversidades diatópicas são usados dois conceitos: dialeto e falar. Por dialeto entende-se uma variedade da língua própria de um determinado grupo de falantes da língua, com características comuns na pronúncia, no vocabulário e na gramática. Tradicionalmente, o termo “dialeto” tem sido usado para referir-se ao uso da língua por determinados grupos regionais. A Sociolinguística, por sua vez, emprega o termo para identificar a forma de falar de grupos sociais que diferem da língua padrão.

Nessa concepção, as variações dialetais acontecem em diferentes regiões, como também em grupos de faixas etárias distintas, de gênero masculino e feminino e estilísticas, como os jargões profissionais. Sendo assim, em uma mesma região podem ser identificadas diferenças significativas, como as formas de falar do carioca e do paulista, que vão além da pronúncia do /t/ em “tia”. Já é clichê falar da diferença entre carteira de motorista e carta de motorista, ou ainda lombada e farol, falados por cariocas e paulistas.

Já o termo “falar” designa as peculiaridades expressivas de determinada região, por exemplo, um falar caipira, um falar urbano etc. Diferente do dialeto, o falar não se constrói como sistema linguístico.

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Se não encontrar o livro, leia o artigo de Sírio Possenti: “‘Oncotô’, ou um livro bem interessante”. Nele, o linguista e professor da Unicamp fala do lançamento desse livro de Guy Deutscher e aproveita para discorrer sobre como somos resistentes às transformações da língua.

Disponível em: <http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/palavreado/oncoto-ou-um-livro-bem-interessante>. Acesso em: 31 mar. 2015.

Figura 2 – Capa do livro O desenrolar da linguagem, de Guy Deutscher. Fonte: Mercado de Letras/ Divulgação.

NÃO DEIXE DE LER...

1.3 Os dialetos do português: europeu, ilhas atlânticas, brasileiro, África, Ásia e OceaniaO português é a oitava língua mais falada no mundo. Atualmente, estima-se que a população lusófona (que fala português) esteja entre 190 e 230 milhões de pessoas.

Figura 3 – Mapa lusófono. Disponível em: <http://goo.gl/8aaqpV>. Acesso em: 31 mar. 2015.

Na Europa, em 1986, quando Portugal começou a fazer parte da União Europeia, o português passou a ser uma das suas línguas oficiais. Em 1996, foi criada a CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

Contudo, a língua portuguesa não é a mesma em todos os países que a falam. As diferenças são tão significativas que é comum hoje em dia falar em LPB para se referir à Língua Portuguesa do Brasil.

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Diferenças entre Fonética e Fonologia

Também na África, na Ásia e na Oceania o português constituiu-se com falares distintos, podendo-se distinguir diferentes dialetos crioulos de origem portuguesa, muitos dos quais nem parece português.

Na faixa ocidental da Península Ibérica são falados o galego e o português. Já em Angola e Moçambique fala-se um português sem muitas mudanças, apenas com alguns arcaísmos ou traços dialetais.

Em outros países africanos de língua oficial portuguesa, utiliza-se o português na administração, no ensino, na imprensa e nas relações internacionais, mas, na vida cotidiana, são usados as línguas nacionais ou crioulos de origem portuguesa, uma vez que surgiu mais de uma versão do crioulo.

Na Ásia, atualmente, o português ainda é falado, em pequena escala, em países como:

• Timor Leste: fala-se a língua local tetum, mas uma parcela da população domina o português;

• Macau: o português, junto com o chinês, é a língua oficial, mas só é utilizada na administração e por um número pequeno de pessoas.

Em 2012, entrou em vigor o Acordo Ortográfico assinado em Lisboa em 1990 por todos os países lusófonos, cujo objetivo é a unificação ortográfica em todos os países que têm a língua portuguesa como língua oficial.

A decisão pela unificação deu-se principalmente pelas dificuldades que a dupla ortografia causava na difusão internacional da língua, como nos testes de proficiência, na emissão de documentos oficiais etc.

Essas discussões são originadas da observação de que a língua portuguesa é uma língua de base fonológica. Isso quer dizer que a sua escrita tenta representar graficamente os sons, ou seja, uma mesma letra pode representar mais de um fonema, como é o caso da letra “X” em enxada e exemplo.

Há ainda o caso de um mesmo fonema ser representado por mais de uma letra, como /s/ em pêssego e poço. Muitas palavras têm pronúncias diferentes em diferentes regiões, e, por conta disso, poderiam ter grafias diferentes. Os estudos em Fonética e Fonologia dão conta dessas questões, que serão discutidas a seguir.

2 Fonética e FonologiaQuando ouvimos falar em Fonética e Fonologia, é comum pensarmos no estudo do som. Contudo, essas duas palavras têm conotações bem mais específicas.

Segundo as pesquisadoras Dinah Callou e Yonne Leite (2005):

Enquanto a Fonética estuda os sons como entidades físico-articulatórias isoladas, a Fonologia irá estudar os sons do ponto de vista funcional como elementos que integram um sistema linguístico determinado. (CALLOU; LEITE, 2005, p. 11).

Cagliari (2002, p. 17) exemplifica a prática da Fonética no seguinte exemplo:

[...] A Fonética diz, por exemplo, que um som articula-se com uma corrente-de-ar pulmonar, egressiva, com uma fonação sonora, com uma obstrução fricativa à corrente de ar, formada pela aproximação dos lábios levemente protusos, como no caso do som [β]. (CAGLIARI, 2002, p. 17).

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Essa descrição explica, em termos científicos, como se dá a produção do som da letra /B/.

Portanto, a Fonética estuda os sons a fim de observar como eles são articulados pelo aparelho fonador, tendo como foco a articulação dos sons humanos do ponto de vista físico, como a posição da língua ou o modo como o ar passa entre os dentes.

Em resumo, a Fonética estuda como esses sons são produzidos de um ponto de vista físico-articulatório. Seus estudos são usados:

No trabalho dos fonoaudiólogos:

• para diagnosticar e prevenir problemas de audição;• para investigar, avaliar e propor tratamento para questões ligadas à deglutição, à mastigação, à respiração e à fala;• para aplicar técnicas vocais para profissionais que utilizam a voz em suas atividades;• para prevenir e tratar distúrbios como troca de letras e retardo de linguagem.

Em outras áreas:

• Síntese de voz: na conversão de texto para fala; • Reconhecimento de voz: na conversão de fala para texto; • Compreensão da fala: na determinação do significado da elocução;• Reconhecimento/identificação de locutor: em análises de gravações;• Análise de disfonias: em patologias da laringe.

Você conhece Stephen Hawking? O professor, cosmólogo e físico teórico Stephen Hawking – uma das maiores mentes da nossa época – se expressa por meio de voz sintetizada, pois tem esclerose lateral amiotrófica (ALS) e não consegue falar ou movimentar-se.

Com um sensor na bochecha, detectado por um interruptor infravermelho instalado em seus óculos e concectado ao notebook, ele seleciona as palavras que vão surgindo na tela do computador por meio

VOCÊ O CONHECE?

de dois quadrados no canto superior direito da sua tela: um com as letras do alfabeto e o outro com os números e algumas teclas de função.

Assim que Hawking começa a escrever uma palavra, uma janela retangular se abre com dez palavras sugeridas, numeradas de zero a nove.

O sensor preso a seus óculos detecta o único gesto que ele usa no sistema: um movimento do maxilar para a bochecha, que ativa um clique. Assim, ele escolhe a palavra com que vai construir a frase e o sistema a transforma em uma voz metálica de computador.

Em 2014, a Intel criou para Hawking o ACAT (Kit de Ferramentas Assistivas Cientes do Contexto), que permite uma navegação mais eficiente e rápida para a seleção das palavras e a formação das frases.

Disponível em: <http://goo.gl/7PPmqI>. Acesso em: 31 mar. 2015.

Imagem 4 – Stephen Hawking e o sintetiza-dor de voz. Disponível em: <http://goo.gl/

bGR97H>. Acesso em: 31 mar. 2015.

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Diferenças entre Fonética e Fonologia

Já a Fonologia estuda os “sons linguísticos”, aqueles que, combinados, podem formar morfemas, palavras e frases. Os sons linguísticos são denominados “fonemas”.

Cagliari (2002) explica assim a função da Fonologia:

A Fonologia, por sua vez, faz uma interpretação dos resultados apresentados pela Fonética, em função dos sistemas de sons das línguas e dos modelos teóricos que existem para descrevê-los. (CAGLIARI, 2002, p. 17)

Mais didática é sua explicação das diferenças entre Fonética e Fonologia:

A Fonética é basicamente descritiva e a Fonologia, interpretativa. A análise fonética baseia-se nos processos de percepção e de produção dos sons. A análise fonológica baseia-se no valor dos sons dentro de uma língua, isto é, na função linguística que eles desempenham nos sistemas de sons da língua. Enquanto a fonética descreve o que acontece quando um falante fala, a Fonologia almeja a descrição da organização sistemática global dos sons da língua desse falante. (CAGLIARI, 2002, p. 18).

2.1 Conceito e histórico do surgimento da FonéticaOs sistemas de escrita ocidentais têm um traço em comum: são escritas cuja grafia busca representar os sons das palavras. Assim, quando escrevo uma palavra como /bola/, por exemplo, estou representando na escrita o que os meus ouvidos captam. Contudo, há palavras cuja grafia é mais complexa, como /casa/, especialmente se a oponho a outra palavra com os mesmos sons, mas com uma grafia distinta, como /caso/. A criação do alfabeto mostra um nível de sofisticação linguístico, justamente porque cria uma relação não causal entre as letras e os sons. Se pensarmos bem, as letras não têm semelhança com os sons que representam, pois são meras convenções. No entanto, as letras são resultado de uma reflexão sobre a produção sonora.

Vejamos o caso de palavras como /pato/ e /gato/. As letras /p/ e /g/ representam sons distintos. Essas observações comprovam como o interesse pelo estudo dos sons humanos tem sido objeto de pesquisa desde a Antiguidade.

Há vestígios dessas preocupações linguísticas entre os egípcios, os sumerianos, os acadianos e os chineses, mas os registros mais contundentes da preocupação com a emissão dos sons foram encontrados no século IV a.C., aproximadamente, na gramática de Pãnini, com seu tratado minucioso sobre os pontos de articulação do sânscrito, marcando o início dos estudos da fonética articulatória. Sua preocupação, como a de outros gramáticos hindus, era a descrição dos sons e das palavras do sânscrito, com a intenção de chegar à dicção perfeita das preces para que fossem atendidas. Contudo, esses estudos somente ficaram conhecidos na Europa no início do século XX.

Figura 5 – Imagem de Pãnini. Disponível em: <http://goo.gl/rDjHXT>. Acesso em: 31 mar. 2015.

Na Grécia, a classificação das vogais e das consoantes, assim como o acento das palavras, foi o legado deixado aos estudos linguísticos na Europa.

Durante o Renascimento, o interesse pelos sons linguísticos foi retomado, muito em decorrência do surgimento de novas línguas, em virtude da expansão do Império romano. Buscava-se, assim, encontrar semelhanças entre as línguas românicas, a fim de se normalizar dialetos que se tornavam oficiais.

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Assim, principalmente na França e na Inglaterra, estudos de ortografia e de pronúncia surgiram, mas ainda baseados na etimologia das palavras e sem grande rigor científico.

Somente em meados do século XIX, H. von Helmholtz e Eduard Sievers J. Winteler desenvolveram uma teoria vocálica, baseada no uso de instrumentos, que são considerados na História da Fonética como os primeiros foneticistas científicos. Os estudos da fisiologia e da acústica são hoje empregados como técnicas auxiliares da fonética.

Entretanto, a base linguística que faltava só foi propiciada pelos estudos de Jan Baudouin de Courtenay, polonês que interpretou o fonema como “a ideia de um som vocal”, baseando-se em um conceito psicológico. Contudo, somente com os estudos do Círculo Linguístico de Praga de Nikolai Trubetzkoy, Roman Jakobson e Serge Karcevsky, com base nas ideias de Ferdinand Saussure, que foi definido o conceito de fonema, acrescentando a característica de traço distintivo.

Trubetzkoy apresenta na obra Principes de phonologie uma distinção entre fonética e fonologia, até hoje aceita. Para ele, a fonética pertenceria à linguística da fala (parole) e a fonologia, à linguística da língua (langue).

Os ritos religiosos têm uma relação muito próxima com a oralidade. Os cânticos, os mantras e as orações estão presentes na maioria dos rituais sagrados.

No hinduísmo, o mantra, a repetição de um som, possibilita a conexão com o sagrado. Mas não há apenas um mantra, e sim vários, cada um com um significado.

No judaísmo, a leitura da Torá é o ritual mais importante. Para isso, é preciso treino para que a pronúncia exata das palavras seja alcançada.

Na religião muçulmana, a leitura do Alcorão, que significa recitação, faz parte do ritual de adoração a Alá.

NÓS QUEREMOS SABER!

A produção dos sons da fala humana é estudada de três ângulos:

a) partindo do falante, a partir do aparelho fonador;b) focalizando os efeitos acústicos da onda sonora produzida pela corrente de ar e sua passagem pelo aparelho fonador;c) focalizando a percepção da onda sonora pelo ouvinte.

Por isso, os estudos de Fonética podem ser organizados em três tipos:

• Estudos de Fonética Articulatória ou Fsiológica: estudam os órgãos fonadores e a maneira como esses órgãos produzem os sons;• Fonética Acústica: analisa a estrutura física dos sons vocais;• Fonética Auditiva: estuda a percepção dos sons pelo ouvido humano.

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Diferenças entre Fonética e Fonologia

2.2 Conceito e histórico do surgimento da Fonologia

Figura 6 – Livro Princípios de Fonologia, de N. S.Trubetzkoy. Disponível em: <http://goo.gl/6NQq77>. Acesso em: 31 mar. 2015.

A obra fundadora dos estudos fonológicos foi Principios de Fonologia, publicada pela primeira vez em 1939, na Alemanha, escrita por N. S. Trubetzkoy. Nela, o autor elabora o conceito de fonema, a partir da ideia de Baudouin de Courtenay, de que sons linguísticos são distintivos, destacando o seu caráter funcional da oposição entre dois sons de uma mesma língua para diferenciar significados. Um exemplo dessa distinção seria a oposição entre /t/ e /r/ nas palavras /tato/ e /rato/. Importante também é a distinção entre o som como pronúncia e o som como representação, isto é, como portador de uma intenção do falante. Nessa obra, também é apresentada a distinção entre a Fonética e a Fonologia.

No Brasil, os estudos de Mattoso Câmara Júnior deram seguimento aos estudos de Trubetzkoy, tais como a definição de vogal nasal na oposição à vogal oral.

Nos Estados Unidos, a obra Linguagem, de L. Bloomfield, é também uma referência para a constituição da Fonologia. Sua descrição de línguas indígenas e da Fonologia na América trata sobre fonema, tipos de fonemas, modificações e estrutura fonética. Seu principal objetivo é opor fonética e fonologia a partir dos estudos dos sons que portam significados.

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2.3 Os sons da falaOs sons produzidos durante a nossa fala são o resultado da ação de certos órgãos sobre a corrente de ar vinda dos pulmões. Para que o som seja produzido, são necessárias três condições:

a) a corrente de ar produzida pelos pulmões;b) um obstáculo para essa corrente de ar;c) uma caixa acústica.

Essas condições estão presentes nos órgãos da fala, que compõem o aparelho fonador.

2.3.1 O aparelho fonador

Figura 7 – O aparelho fonador. Disponível em: <http://goo.gl/KZhQqE>. Acesso em: 31 mar. 2015.

Pulmões, brônquios e traqueia Órgãos respiratórios que produzem a corrente de ar necessária à fonação.

Laringe e pregas vocais (ou cordas vocais)

Cavidade nasal, véu palatino, boca, língua e lábios

Produzem a vibração utilizada na fala.

Funcionam como caixas de ressonância. A cavidade bucal possui vários obstáculos à passagem do ar, que são responsáveis pelos diversos sons da linguagem.

Quadro 1 – Funções dos órgãos do aparelho fonador

Fonte: Autora.

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Diferenças entre Fonética e Fonologia

2.3.2 O sistema articulatório

Figura 8 – Sistema articulatório fonador. Disponível em: <http://goo.gl/bZc1iX>.Acesso em: 31 mar. 2015.

Novamente de acordo com Callou e Leite (2005),

Os articuladores podem ser ativos, aqueles dotados de movimento (lábios, língua, úvula, etc.) ou passivos, sem movimento, mas que é o ponto de referência para onde se move o articulador ativo. Articuladores passivos são, dentre outros, a arcada dentária, os alvéolos, a abóbada palatina.

Costuma-se dividir a cavidade orofaríngea e a língua em diversas partes que servirão de ponto de referência para o estabelecimento das áreas de articulação. Assim, um som para cuja articulação funcionem os lábios é chamado labial; se a língua se dirige para o palato, o som é palatal; se é a úvula que está em funcionamento, o som é uvular etc. (CALLOU; LEITE, 2005, p. 23).

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Neste Capítulo, conhecemos os princípios de duas ciências que abordam a forma de constituição dos sons da voz humana. Mas para que servem esses estudos?

Os conhecimento sobre as formas de articulação dos sons das palavras é muito importante para a Fonoaudiologia. Isso é indiscutível, mas também é de fundamental importância para o ensino tanto da Língua Portuguesa como de línguas estrangeiras.

No ensino de Língua Portuguesa, conhecer como os distintos sons são produzidos de variadas formas em diferentes regiões abre para o professor a visão de que divergências linguísticas fazem parte do componente linguístico naturalmente e que essas diferenças constroem a identidade dos grupos sociais. Não são certas ou erradas, apenas se organizam, tal como a sociedade, de forma diferente.

É importante também por permitir que se perceba que o desenvolvimento linguístico obedece a um padrão de maturidade. Conhecer esse padrão possibilita ao professor identificar o nível em que se encontra cada aluno e agir em função de diminuir suas dificuldades.

No ensino de línguas estrangeiras, conhecer a fonologia de uma língua facilita o ensino da pronúncia das palavras, identificando, por exemplo, os pontos de articulação de determinados sons, facilitando assim a aprendizagem.

SínteseSíntese

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Diferenças entre Fonética e Fonologia

CAGLIARI, Luiz, Carlos. Análise Fonológica: introdução à teoria e à prática, com destaque para o modelo fonêmico. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2002.

CALLOU, Dinah; LEITE, Yonne. Iniciação à Fonética e à Fonologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.

CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

ReferênciasBibliográficas