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VIII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Rio de Janeiro, 19 a 22 de Julho de 2015
Realização: Unirio, UFRRJ e UFRJ
1
Reflexões epistemológicas sobre a publicidade sustentável: pesquisa de tese
realizada na Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável.
Dinair Velleda Teixeira – UFRGS
Resumo: Dada a importância da “Década da Educação para o Desenvolvimento
Sustentável”1 (2005-2014) define-se este acontecimento discursivo como espaço-
temporal para pesquisa de tese, onde se investiga que sentidos de sustentabilidade foram
propostos discursivamente pelas organizações através de seus anúncios publicitários. O
objetivo é compreender como são construídos e a forma como se movimentam os
sentidos de sustentabilidade durante a década. Em pesquisa documental empreendida no
Banco de Dados da Revista Veja identificou-se as organizações que mais anunciam com
foco na sustentabilidade, posteriormente, através das lentes da Análise do Discurso
aprofunda-se a análise visando o objetivo proposto. Embora a tese não esteja concluída
é possível perceber uma mudança na forma do discurso das organizações ao longo da
década, que pode ser entendido como um reflexo como a sociedade, na voz de órgãos de
preservação do meio ambiente e demais atores sociais estão conduzindo essas questões.
Palavras-chave: pesquisa; publicidade; sustentabilidade.
Abstract: As from the relevance of the “Decade of Education for Sustainable
Development” (2005-2014), this is considered as a space-timely discoursive event for a
thesis research aiming at understanding which meanings of sustainability were proposed
on discourse by organizations through their advertising. The objective is to understand
how the meanings of sustainability are built and how they move during that decade. A
survey conducted on Veja magazine data-bank found the most frequent, sustainability-
focused advertising organizations. Afterwards, this matter is more deeply studied by
means of Discourse Analysis. Although this thesis is not already concluded, a change
may be seen in the discourse of organizations along such decade, and it may be
understood as an effect of the way in which the society, through the voice of
environmental organizations and other social actors, are dealing with these issues.
Key words: research; advertising; sustainability.
1. Introdução
Nosso hoje está imbricado em um processo histórico que nos constitui
dialeticamente entre passado, presente e futuro. Trago esta reflexão para embasar a
escolha do tema comunicação sustentável na qual me debruço em minha pesquisa de
tese em desenvolvimento. O tema teve significado para mim, pela primeira vez, quando
eu estava no início da graduação em Publicidade e Propaganda e fazia estágio no
departamento de fotografia em uma Agência de Propaganda. Ao explorar através das
lentes da câmera a vista de Porto Alegre, no Morro Santa Tereza, que fotografei e
depois ampliei no laboratório da agência a foto que me concedeu o primeiro lugar no
concurso interno promovido pela própria agência, sobre um registro ambiental que aos
olhos do fotográfo fosse significativo.
1 http://unesdoc.unesco.org
2
No alto do Morro me deparei com uma árvore linda e robusta, caída à sua frente,
uma árvore menor ainda mostrava lampejos da vida saudável que teve, mas arrebatada
pelo forte vento da noite anterior, jazia sem vida aos pés da outra. Um contraste triste,
mas ao mesmo tempo exuberante para o propósito a qual motivara minha saída às ruas.
O concurso no qual me inscrevi, denotava sentidos que para mim, na época, ainda
estavam velados, não revelados, embrionário talvez, mas que um dia teriam significado.
Esses sentidos foram revelados através da minha escolha por um mestrado em Educação
Ambiental2 (EA), após ter concluído uma especialização em marketing. Assim, o
objeto de minha pesquisa “publicidade com foco sustentável” não é uma mera escolha,
mas resultado da minha trajetória (auto)formativa, ou seja, da minha vivencia
acadêmica, profissional e de vida pessoal. É esta formação que me concede aporte para
abarcar toda trama comunicacional da publicidade sustentável.
Esta reflexão sobre a escolha do tema e objeto de pesquisa deve-se as palavras
de Demo (2002 p.13), ele diz ser contradição questionar sem questionar-se. Por isso,
antes de expor a questão de pesquisa, motivo desta tese, conforme o autor sugere, faço
um questionamento reflexivo, no próximo item, sobre a problemática3 que envolve o
objeto pesquisado.
2. Publicidade com foco Sustentável
Os problemas socioambientais4 com os quais nos deparamos hoje já existem há
muito tempo, mas foi só a partir de meados do século XX, com a mídia focando, cada
vez mais, assuntos relacionados às questões ambientais, que diferentes atores sociais
começaram a perceber a extensão dessa crise. A sustentabilidade, sobretudo na ultima
década, se configurou o ponto central de todo debate sobre o meio ambiente. O tema
tem sido pauta diária na mídia, em seus principais produtos midiáticos, no gênero da
informação, entretenimento e na publicidade e propaganda. Assim como está presente
nas instituições de ensino, organizações não governamentais (ONGs), empresas
públicas e privadas, portanto, nas organizações5 de uma forma geral.
Com o aumento da visibilidade sobre o assunto e à medida que a sociedade vai
se tornando cada vez mais sensível aos problemas ambientais, cresce o número de
organizações que incorporam a sustentabilidade aos seus discursos e estratégias de
comunicação, que tende a ser, sobretudo, para atender valor estratégico de mercado.
Entretanto, pela falta de consenso sobre o conceito, inclusive por cientistas, e,
sendo discursivisada tanto em uma FD que se denomina de FD do Mercado - lugar do
dizer em que o discurso da sustentabilidade visa, sobretudo, o crescimento econômico.
Quanto em uma FD Ambientalista, em que o discurso da sustentabilidade visa a
2 A Educação Ambiental, pela sua complexidade, ao longo de sua trajetória, recebeu várias definições.
Dentre elas a da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. “Educação
Ambiental é um processo permanente, no qual os indivíduos e a comunidade tomam consciência do seu
ambiente e adquirem conhecimentos, valores, habilidades, experiências e determinação que os tornem
aptos a agir e resolver problemas ambientais presentes e futuros” (UNESCO, 1977). 3 A problemática ambiental já foi abordada pela autora em Dissertação de Mestrado (2008) A ética no
discurso do jornal Zero Hora sobre as Mudanças Climáticas. 4“Mesmo não estando de acordo com a norma culta da língua portuguesa, acredita-se que tal configuração
pode apontar para a superação da tendência fragmentaria, dualista e dicotômica, buscando preencher de
sentido essa expressão, com a ideia de que as questões sociais e ambientais da atualidade encontram-se
imbricadas em sua gênese e que as consequências manifestam essa interposição” (GUIMARÃES, 2004). 5Conforme Uribe (2007) a noção de organização compreende a união de pessoas em torno de propósitos
específicos, explícitos e susceptíveis de gestão. Assim, contempla todas as associações de sujeitos que,
sob regras mínimas, relacionam-se para a consecução de algum objetivo estabelecido.
3
preservação socioambiental. É na confluência dos sentidos entre estas duas FDs6 que se
pode pensar a construção de sentidos de sustentabilidade posto em movimento pelos
anúncios, portanto, é nesse entremeio que se entende a viabilidade da investigação
proposta na tese. Os diferentes dizeres que costuram essa rede de significados estão
intrinsecamente relacionados com o acontecimento histórico e suas condições de
produção, portanto, envolve relações de força entre lugares sociais e relações de
sentidos, a partir de discursos já-ditos.
Quando se diz algo, alguém o diz de algum lugar da sociedade para outro
alguém também de algum lugar da sociedade e isso faz parte da significação.
Como é exposto por Pêcheux, há nos mecanismos de toda formação social,
regras de projeção que estabelecem a relação entre as situações concretas e as
representações dessas situações no interior do discurso. É o lugar assim
compreendido, enquanto espaço de representações sociais, que é constitutivo
da significação discursiva (ORLANDI, 1987, p.26).
Com isso, a sustentabilidade como fenômeno sociocultural no âmbito da
sociedade, tem os sentidos atualizados e ressignificados a partir do lugar de fala de cada
ator social e poder simbólico (BOURDIEU, 2011) de quem diz, intervindo na cultura da
sociedade como um todo.
As novas significações postas em movimento pelos diversos sujeitos-força
na/pela sociedade, influenciam e são influenciadas, fundindo-se e influenciando-se
mutuamente, em um processo recursivo e dialógico na permanente construção e
(re)construção das significações acerca da sustentabilidade.
Portanto, sua construção ocorre através da educação formal e não-formal7 e da
informal, que é a “educação sem sistematização e metodologia, como no caso da mídia”
(TOZONI-REIS, 2004, p. 6-7). Com isso, a memória social acerca da sustentabilidade
não reflete somente a perspectiva difundida pela educação formal, mas também, e,
sobretudo, pelo resultado da confluência dos sentidos postos em movimento pelos
diversos sujeitos-força no âmbito da sociedade.
A importância da mídia para a educação ambiental é reconhecida na Lei Federal
9.795, de 27 de abril de 1999, que instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental
(PNEA). Essa lei diz que todos têm direito à educação ambiental, cabendo aos meios de
comunicação “colaborar de maneira ativa e permanente na disseminação de informações
e práticas educativas sobre meio ambiente e incorporar a dimensão ambiental em sua
programação”. Entre seus objetivos, figura “a garantia de democratização das
informações ambientais”. O mesmo texto legal prevê “a incorporação da dimensão
ambiental na formação, especialização e atualização dos profissionais de todas as áreas”
e “a busca de alternativas curriculares e metodológicas de capacitação na área
6Estas FDs já foram trabalhadas pela autora no artigo Da imagem-linguagem à imagem-conceito, em
trabalho apresentado no ENCOI – Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem -
Universidade Estadual de Londrina (UEL) 2014. 7O Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, formalizado
durante o Fórum Global da Conferência Rio-92, define educação ambiental formal como aquela realizada
dentro da educação escolar; educação ambiental não-formal é a realizada fora da escola, mas com
sistematização metodológica, como em entidades ambientalistas e centros comunitários; já a educação
ambiental informal refere-se à educação sem sistematização e metodologia, como no caso da mídia em
relação ao público leitor/espectador. (TOZONI-REIS, 2004, p. 6-7). 7Disponível em: <http://www.todospelaeducacao.org.br/comunicacao-e-midia/noticias/23210/mec-
aprova-diretrizes-nacionais-para-a-educacao-ambiental>
4
ambiental”. A PNEA prevê ainda que o poder público, em todos os níveis, deve
incentivar “a difusão, por intermédio dos meios de comunicação de massa, em espaços
nobres, de programas e campanhas educativas e de informações acerca de temas
relacionados ao meio ambiente” (DIAS, 2000, p.66-72; BRASIL, 2005b, p. 65-70).
Outro aspecto relevante que aponta a inter-relação da comunicação e educação e,
consequentemente na construção da sustentabilidade, ocorreu no I Fórum Nacional
sobre Mídia e Educação (1999), em que o conceito de Educomunicação foi reforçado,
ressaltando os seguintes aspectos: a) reconhecer a inter-relação entre comunicação e
Educação como um novo campo de intervenção social e de atuação profissional,
considerando que a informação é um fator fundamental à educação. b) difundir o
binômio Comunicação e Educação como potencial transformador da sociedade, em
direção à plena cidadania (SCHAUN, 2002, p.96).
Desse modo, a publicidade como um dos principais produtos da mídia, se
configura em um importante canal de acionamento de sentidos de sustentabilidade. A
publicidade, que possuiu em seu âmago estar atenta ao que acontece na sociedade,
aproveita valores e modismos evidenciados para pautar seu discurso publicitário e o
transmitir a sociedade, muitas vezes, inclusive, em uma narrativa transmídia8. Dessa
forma, contribui para fundamentar o que é entendido por sustentabilidade, ao reproduzir
em seu discurso o que é parte constituinte do conhecimento, da discussão e da
compreensão de grande parte do público a respeito deste assunto, o que na maior parte
das vezes reflete uma visão reducionista, com isso, acaba reafirmando paradigmas
simplificadores sobre o meio ambiente.
Já a importância da educação para com/estar o/no ambiente, portanto para
sustentabilidade, é reconhecida no decreto da Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), na qual instituiu de 2005 a 2014 como a
“Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável”(DEDS)9, “essa
convocação atualiza o desafio paradigmático da educação ambiental quando a nomeia
como Educação para o Desenvolvimento Sustentável” (MARINA SILVA, 2004, p.5).
O decreto se configura em um veículo de responsabilidade pelo qual os governos,
organizações internacionais, sociedade civil, o setor privado e comunidades locais ao
redor do mundo podem demonstrar seu compromisso prático em aprender a viver
sustentavelmente.
A importância da educação para sustentabilidade se reflete ainda, nas novas
Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Ambiental, recentemente aprovada
no Brasil, para ser seguida por todas as escolas e instituições de ensino do País. O
lançamento das novas diretrizes ocorreu na Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável - Rio+20, evento organizado pela ONU no Rio de
Janeiro, em junho de 2012. Conforme o site Todos pela Educação10
, de acordo com as
8 [ ] Uma história transmídia desenrola-se através de múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto
contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo (JENKINS, 2009). 8Disponível em: <http://www.todospelaeducacao.org.br/comunicacao-e-midia/noticias/23210/mecaprova-
diretrizes-nacionais-para-a-educacao-ambiental> 9Disponível em: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single
view/news/decada_das_nacoes_unidas_da_educacao_para_o_desenvolvimento_sustentavel_documento_i
nal_plano_internacional_de_implementacao_2005/#.UwXUwnKYbug 10
Disponível em: <http://www.todospelaeducacao.org.br/comunicacao-e-midia/noticias/23210/mecaprova
diretrizes-nacionais-para-a-educacao-ambiental>
5
novas diretrizes, está entre os objetivos da EA: desenvolver a compreensão integrada do
meio ambiente para fomentar novas práticas sociais e de produção e consumo; garantir a
democratização e acesso as informações referentes à área socioambiental; estimular a
mobilização social e política e o fortalecimento da consciência crítica; incentivar a
participação individual e coletiva na preservação do equilíbrio do meio ambiente;
estimular a cooperação entre as diversas regiões do País, em diferentes formas de
arranjos territoriais, visando à construção de uma sociedade ambientalmente justa e
sustentável, e também fortalecer a cidadania, a autodeterminação dos povos e a
solidariedade, a igualdade e o respeito aos direitos humanos. De acordo com o texto, a
abordagem curricular do tema deve ser integrada e transversal, além de inter, multi e
transdisciplinar. Significa que a EA deve ser contínua e permanente em todas as áreas
do conhecimento, componentes curriculares e atividades escolares e acadêmicas. Ou
seja, não deve ser criada uma disciplina própria, como já ocorreu, mas sim, tratar o tema
de uma forma que permeie diversos conteúdos da escola e demais instituições de
ensino.
É possível perceber também, no contexto das novas diretrizes, a relevância da
educação informal para sustentabilidade, portanto, da publicidade, dentre outras
maneiras informais de conhecimento para essa construção.
É nessa tessitura que se dá a relação da publicidade e educação ambiental, sendo
a sustentabilidade o nó da trama, na qual, a sustentabilidade para ser alcançada necessita
da educação ambiental. A educação ambiental, por sua vez, necessita da mídia para
disseminação de seus valores, portanto, também da publicidade, sendo esta, um dos
principais gêneros da mídia. Com isso, a publicidade se apresenta um campo fecundo
para o acionamento de sentidos de sustentabilidade.
Nesse sentido, na área da comunicação, o campo da publicidade e propaganda
ainda é escasso em trabalhos científicos com foco na sustentabilidade comparado com o
campo do jornalismo, onde se pode observar mais debates críticos e reflexões científicas
em torno da problemática ambiental que se proponha a realmente produzir
conhecimento novo.
Com base no exposto, entende-se que a questão de pesquisa a seguir, se
apresenta não só pertinente, mas fundamental para a produção de conhecimento no
campo teórico da publicidade e propaganda. Que sentidos de sustentabilidade foram
propostos discursivamente pelas organizações através de seus anúncios publicitários;
quais estratégias de comunicação foram empregadas nessa construção na Década da
Educação para o Desenvolvimento Sustentável (2005-2014).
Foi considerada a importância da década como acontecimento discursivo, para
definição do espaço-temporal para empreender a pesquisa. Portanto, o material empírico
que originou o corpus discursivo para pesquisa, são anúncios publicitários com foco na
sustentabilidade, veiculados na Revista Veja S/A durante a Década da Educação para o
Desenvolvimento Sustentável (2005-2014).
Com isso, a proposta desta pesquisa é avançar a partir das premissas: a) a
comunicação publicitária com foco na sustentabilidade tende a ser desenvolvida para
atender valor estratégico de mercado e a se manter somente no nível discursivo,
dissociada das práticas organizacionais. b) a publicidade é a ferramenta mais poderosa
para despertar desejos de consumo, alterando hábitos e a cultura da sociedade, ou,
segmentos desta. c) conforme a Nova Teoria Estratégica (PÉREZ, 2001), a estratégia é
pensada hoje de uma forma mais complexa, se apresentando como a capacidade
dialética e dialógica do homem com seu entorno.
6
A partir destas premissas e com base na problemática apresentada define-se
como objetivo geral: compreender como são construídos e a forma como se
movimentam os sentidos de sustentabilidade durante a Década da Educação para o
Desenvolvimento Sustentável (2005-2014).
De forma interligada, a investigação é permeada por objetivos específicos:
a) Verificar no discurso publicitário que Formações Ideológicas (FI)
embasam esses discursos e que Formações Discursivas (FDs) se delineiam;
b) Compreender as estratégias empregadas nos anúncios publicitários para
construção de sentidos de sustentabilidade;
c) Analisar se as relações de forças nessa rede de sentidos (interdiscurso) de
sustentabilidade, no discurso dos anúncios, apontam para reprodução ou transformação
da realidade socioambiental;
d) Verificar quais as Posições-Sujeito e Forma-Sujeito se evidencia nesses
discursos e como se mostram nessa construção de sentidos de sustentabilidade.
e) Entender a relação desses discursos publicitários com as condições de
produção da sustentabilidade.
3. Método e Técnicas: um fazer que se faz fazendo
Para compreender como as empresas acionam sentidos de sustentabilidade em
seus anúncios, parte-se do nível epistemológico para empreender a investigação.
Na primeira fase realizou-se pesquisa documental em Banco de Dados da
Revista Veja S/A Digital através da abordagem qualitativa e quantitativa na perspectiva
dedutiva. A análise foi realizada em 520 edições, referente ao recorte temporal de 2005
a 2014, período decretado pelo UNESCO para “Década da Educação para o
Desenvolvimento Sustentável”. Desse material empírico analisado, foram coletados e
catalogados somente os anúncios com foco na sustentabilidade. Foi possível apurar que
as empresas que mais acionam os sentidos de sustentabilidade em seus anúncios são dos
segmentos: bancário (Banco Real), bebida - não alcoólica (Coca-Cola), cosmético
(Natura) e mineração (Vale).
Em relação à adoção do método qualitativo e quantitativo, considerei o
pensamento de Goldenberg (2004) ao dizer que a premissa básica da integração entre os
dois, repousa na ideia de que os limites de um método poderão ser contrabalançados
pelo alcance do outro. Os métodos qualitativo e quantitativo, nesta perspectiva, deixam
de ser percebidos como opostos para serem vistos como complementares. Para Martins
e Theóphilo (2007) pesquisas quantitativas são aquelas em que os dados e evidências
coletados podem ser quantificados, mensurados. Os dados são filtrados, organizados e
tabulados, preparados para serem submetidos a técnicas. Contrariamente ao que ocorre
na condução de uma pesquisa quantitativa, onde os momentos de coleta e análise são
distintos, na construção de uma pesquisa qualitativa e quantitativa coleta e análise
ocorre simultaneamente. Para coletar os anúncios publicitários a serem quantificados
posteriormente, foi necessário analisar primeiramente o conteúdo, certificando-se de
que realmente fazia alusão à sustentabilidade. A identificação não é instantânea, pela
complexidade que significa ser sustentável e, também, pelo fato de que muitos
anúncios, mesmo tendo foco na sustentabilidade, o termo está silenciado. Assim, foi
necessário um olhar mais atento, para não cair no reducionismo atribuido ao conceito,
que tende a ser associado essencialmente ao meio ambiente ecológico, a aspectos como
flora, fauna, ar, solo, água, conforme alerta Dias (2004).
7
Dada a complexidade de aspectos que constituem ser/fazer sustentável, define-se
como critério para seleção dos anúncios os que abarquem a(s) dimensão(es): social,
cultural, econômica, política, ética, tecnológica, científica e também a ecológica. Para
construção deste mosaico de dimensões, toma-se por base o modelo de tecido celular de
Dias (2004) onde ele diz que, para uma efetiva Educação Ambiental (EA) tais
dimensões deve ser constituinte. Traz-se essa reflexão para pensar, também, a
sustentabilidade, uma vez que, sendo a sustentabilidade resultado da EA, para
efetivamente ser sustentável também deve incorporar tais dimensões como parte
constituinte desse ser/fazer.
Entende-se ser importante também, definir parâmetros para pensar tais
dimensões, nesse sentido, para este trabalho, assim são definas: social - na interferência
direta na vida dos cidadãos; cultural - relativo à manutenção do patrimônio natural e
cultural; econômica - na preocupação com as vantagens comerciais e o uso do meio
ambiente; política - relacionado à busca de interesses comuns; ética - do ser humano no
ambiente onde se insere, envolvendo respeito a outros seres humanos e demais espécies;
tecnológica - qualificação dos processos industriais sem prejuízo do meio ambiente;
científica – relacionado a novos modos de ser/estar no meio ambiente sem prejuizo do
mesmo; ecológica - da relação entre as naturezas humana e não-humana.
Na segunda fase da pesquisa – com base nos dados quantitativos que aponta as
empresas que mais anunciaram na década por segmento, agrupa-se os anúncios das que
estão no topo, em blocos discursivos. A nominação de cada bloco discursivo é definida
com base em pesquisa exploratória. Foi possível perceber que determinadas marcas nos
discursos se apresentavam com mais frequência, se configurando, portanto, ideais para
agrupá-las. São elas: a) uso explícito do termo sustentabilidade ou desenvolvimento
sustentável. b) silenciamento dos termos sustentabilidade e desenvolvimento
sustentável. c) uso explícito dos termos transformação ou mudança.
O agrupamento dos anúncios em blocos discursivos, conforme acima
nominados, possibilitará entender como se delineia o movimento de sentidos de
sustentabilidade ao longo da década, e qual a relação desse discurso publicitário com as
condições de produção sócio-histórico-ideológico (ORLANDI, 2012), naquele
momento dado, em condições dadas.
Por fim, a terceira e ultima fase da pesquisa – Dada a impossibilidade de análise
em profundidade em todos os anúncios, selecionou-se 3 anúncios de cada empresa, para
mergulhar nas profundezas desses textos e fazer emergir os sentidos de sustentabilidade
ali encobertos. Teve-se o cuidado de selecionar anúncios veiculados no início, meio e
final da década, para que fosse possível entender os sentidos de sustentabilidade ao
longo da década, conforme pode ser visto a seguir em alguns dos anúncios.
8
VALE - Anúncio (1) – ano 2005
Fonte: Banco de Dados da Revista Veja S/A Digital - 02/novembro/2005 - págs. 87/88/89. Ed. 1229.
VALE - Anúncio (2) - ano 2010
Fonte: Banco de Dados da Revista Veja S/A Digital – 09/Junho/2010 - págs. 36/37. Edição 2168.
9
VALE - Anúncio (3) – ano 2014
Fonte: Banco de Dados da Revista Veja S/A Digital – 05/02/2014 p. 33 - Edição 2359.
NATURA - Anúncio (1) – ano 2005
Fonte: Banco de Dados da Revista Veja S/A Digital – 13/Julho/2005 - págs. 22/23. Edição1913.
NATURA - Anúncio (2) – ano 2009
10
Fonte: Banco de Dados da Revista Veja S/A Digital – 30/dez/2009 págs. 60/61/62/63 Edição 2145
NATURA - Anúncio (3) – ano 2012
Fonte: Banco de Dados da Revista Veja S/A Digital – 05/setembro/2012 - págs. 52/53. Edição 2285.
4. Sob as lentes da Análise do Discurso Pêcheuxtiana
A lente que se optou para olhar o objeto de pesquisa, publicidade com foco
sustentável, é a Análise do Discurso francesa Pêcheuxtiana (1997-1999). Esse
observatório se constrói em dispositivo para examinar os sentidos de sustentabilidade
acionados pelas empresas a partir da materialidade linguística dos anúncios publicitários
selecionados, na qual possibilitará olhar não só as relações de sentidos, mas também as
relações de força e de saber, que possa existir no objeto.
Embora o sentido esteja no discurso, é através do texto em relação com a
exterioridade que se chega ao discurso. Conforme Indursky (2005) é um mecanismo
para se chegar ao discurso, uma vez que esse funcionamento não é integralmente
linguístico, já que dele fazem parte às condições de produção.
11
O trabalho do analista frente ao texto, ao optar pela AD, é examinar com um
olho inquisidor o texto inteiro, mas a análise é realizada somente de um recorte, de um
aspecto que se apresente como uma pista (ORLANDI, 2012). Seleciona-se assim, partes
do texto, ao que Pêcheux (1993) chama de de-sintagmatização, para analisar a
articulação dentro dele, na forma como está organizado. Nessa direção, o processo de
análise parte da materialidade do texto, que para a AD pode ser pela língua, imagem,
fotografia, ou seja, por onde se torne visível chegar aos efeitos de sentidos, tendo como
referência as condições de produção de um determinado enunciado, na qual envolve: a)
relações de força entre lugares sociais. b) relações de sentidos, a partir de discursos já-
ditos. Após a análise das condições de produção, retorna-se a materialidade do texto
identificando como essas condições de produção se apresentam.
Assim, busca-se primeiramente as marcas na língua que possa evidenciar os
sentidos presentes, a ideologia dominante, como se manifesta e que efeito de verdade
propõe. Essas marcas podem se manifestar pela adjetivação, ordem dos termos ou
imagem, quando esta acompanha o texto. Pode estar ainda no “mas”, na “reticência”,
mas pode também, estar no contraste de cor ou em outros aspectos de um sujeito que
não quer falar, mas acaba dizendo. Ou ainda, que fala pelo silêncio ou excitações. Por
isso, para a AD o mais importante não está no “o que” é dito, mas “como” é dito.
A análise não é só no plano da organização da língua (sintaxe), é da ordem do
discurso (semântica), ao buscar a historicidade o enunciado torna-se não apenas um
dado, mas um fato revestido de historicidade. O discurso, portanto, se constitui na
relação com o exterior, é atravessado pela concepção histórica, não no sentido
cronológico, mas do posicionamento do sujeito, do lugar social ocupado, assim como,
pelas diferentes vozes manifestadas, desencadeando, portanto, sentidos diferentes.
Nas condições de produção é possível identificar as vozes presentes no texto, a
sustentação do posicionamento, que saberes aparecem como já sabidos, assim como,
outros saberes que estão no entorno, mas são silenciados. O que não está sendo dito,
mas poderia ser dito. O que não é dito, por que não tem como ser dito a partir dessa
posição. O que não é dito, mas está em choque com o que é dito e, por isso, faz alguém
ter que dizer. A análise tem a intenção de desfazer as evidências, o efeito de verdade
presente na materialidade dos textos, assim como, desfaz, desconstrói a estratégia do
sujeito, a partir do modo como ele diz.
Ao entender como o sujeito diz, para dizer “X”, é possível chegar ao objeto
discursivo, ou seja, ao discurso. Assim, a partir desses recortes chega-se a uma rede de
unificação, ao processo discursivo e as condições de produção do discurso, que conduz
a identificação da FD e posição do sujeito. As determinações do dizer se dão a partir de
uma FD, mais do que isso, determinam os sentidos daquilo que é dito. Essas
determinações de sentidos acontecem pela identificação da FD com os saberes que são
repetidos nela, na qual vai apontar em qual FD determinado dizer faz sentido.
Este é o percurso realizado durante a análise. Não é um percurso evidente. É
preciso considerar o inusitado, o imponderado, reajustando o caminho, é por isso que o
caminho se faz ao caminhar.
4. Algumas considerações
Pode-se dizer que a publicidade empreendida pelas organizações é desenvolvida
para atender estratégias previamente definidas e planejadas conforme interesse e
necessidade de cada anunciante. Concomitantemente ao objetivo a que se propõe tal
12
publicidade está intrínseco manter/construir imagem-conceito11
positiva junto aos seus
públicos. Dessa forma, as organizações se valem de questões que estão em evidencia na
sociedade, como a sustentabilidade, para pautar seus discursos publicitários. Embora
tais discursos em sua maioria tenham sido pensados e planejados estrategicamente com
esse fim, nada assegura que os sentidos entendidos/interpretados sejam os sentidos
pretendidos. Um dizer sempre pode se transformar-se em um outro, quando o que é dito
aciona a memória social, “aquilo que fala antes” (ORLANDI, 2012 p.31), como pode se
observar em muitos dos discursos analisados, porque conforme Pêcheux a língua é
falha, desliza.
Embora a tese não esteja concluída é possível perceber uma mudança na forma
do discurso das organizações ao longo da década, que pode ser entendido como um
reflexo dos esforços empreendidos pela UNESCO com a Década da Educação para o
Desenvolvimento Sustentável, que se refletiu na forma como a sociedade, na voz de
órgãos de preservação do meio ambiente e demais atores sociais estão conduzindo as
questões ambientais, com muito mais exigência e atentos aos detalhes.
Percebe-se também, em alguns textos, que os sentidos estão à deriva, deslizam
de uma posição para outra, mas não vão para qualquer lugar, são direcionados pela FD
que vai determinar os sentidos daquilo que é dito. Com isso, evidencia-se uma
multiplicidade de vozes presente nos discursos e a heterogeneidade da FD. O sujeito do
discurso em muitos dos textos aciona sentidos de sustentabilidade com seu dizer, ainda
assim, se mantém na FD de Mercado porque a forma-sujeito regula a manutenção dos
princípios dessa FD. Assim, a noção de sentido e de sujeito é pensada junta, porque os
sentidos são significados a partir do que o sujeito do discurso diz. Portanto, estas noções
estão inter-relacionadas e são interdependentes na construção dos sentidos de
sustentabilidade posto em movimento nos anúncios.
Por fim, é importante salientar que estas são impressões ainda embrionárias,
ainda que indique alguns movimentos de sentidos. Importa salientar também que a
intenção da pesquisa não é avaliar se as organizações são ou não sustentáveis, mas
compreender os sentidos de sustentabilidade acionados por elas, através de como é dito
o que elas dizem.
Referências
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Gaia, 2004.
11
“Imagem-conceito consiste em um constructo simbólico, complexo e sintetizante, de caráter
judicativo/caracterizante e provisório realizada pela alteridade (recepção) mediante permanentes tensões
dialógicas, dialéticas e recursivas, intra e entre uma diversidade de elementos-força, tais como as
informações e as percepções sobre a entidade (algo/alguém), o repertório individual/social, as
competências, a cultura, o imaginário, o paradigma, a psique, a história e o contexto estruturado”
(BALDISSERA, 2004, p.278).
13
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