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Reflexões sobre a «via pacífica para o socialismo» Georges Gastaud* (7 de Novembro de 2006, aniversário da revolução proletária de Outubro de 1917*) Aviso: este não é um texto acabado. Trata-se de um primeiro esboço que procura apenas iniciar uma discussão: o ano de 2007 foi sem dúvida um ano quente em França, infelizmente não no bom sentido: em Dezembro de 95, em Maio de 2003, em Abril de 2003, as massas populares foram reprimidas com força e namoraram a violência revolucionária; é portanto necessário reflectir muito seriamente sobre o problema da violência: o facto das relações das forças actuais colocar provisoriamente o proletariado na defensiva, não deve ser uma objecção para relançar uma reflexão sobre a revolução: pois não se pode sequer defender se não se abrir uma perspectiva. Lenine dizia que não se pode dar um passo se tivermos medo de ir para o socialismo. Acrescento que não podemos defender-nos, nem sequer recuar em boa ordem se recearmos reflectir sobre as condições da marcha para o socialismo. Via pacífica e via armada na marcha para a revolução socialista «…todas estas coisas eram igualmente ilegais, tão ilegais como a Revolução, como a queda do trono e da Bastilha, tão ilegais como a própria liberdade» Maximilian Robespierre, discurso de Novembro 5 de 1792 «é pela violência que se deve estabelecer a liberdade, e chegou a hora de organizar momentaneamente o despotismo da liberdade para esmagar o despotismo dos reis». Jean-Paul Marat Desestalinização, desalinização e teoria krutchoviana da via pacífica. O 20. o congresso do PCUS não se contentou em oficializar a «destalinização» sem nuances de Estaline e os seus métodos. Impulsionado por Nikita Krutschov, a «desestalinização» fez-se pela direita, iniciando uma verdadeira «desalinização» conseguindo adoçar as concepções marxistas-leninistas (não é à toa que os actuais liquidadores do Movimento comunista internacional, de Gorby a Hue passando por D’Alema, se reclamam do «degelo» iniciado por Krutchov.

Reflexões sobre a «via pacífica para o socialismo» · capitalista, europeu, aliás União europeia, anexou os países socialistas da Europa de Leste, desarticulou a Checoslováquia

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Reflexões sobre a «via pacífica para o socialismo»

Georges Gastaud*

(7 de Novembro de 2006, aniversário da revolução proletária de Outubro de

1917*)

Aviso: este não é um texto acabado. Trata-se de um primeiro esboço que

procura apenas iniciar uma discussão: o ano de 2007 foi sem dúvida um ano

quente em França, infelizmente não no bom sentido: em Dezembro de 95, em

Maio de 2003, em Abril de 2003, as massas populares foram reprimidas com

força e namoraram a violência revolucionária; é portanto necessário reflectir

muito seriamente sobre o problema da violência: o facto das relações das

forças actuais colocar provisoriamente o proletariado na defensiva, não deve

ser uma objecção para relançar uma reflexão sobre a revolução: pois não se

pode sequer defender se não se abrir uma perspectiva. Lenine dizia que não se

pode dar um passo se tivermos medo de ir para o socialismo. Acrescento que

não podemos defender-nos, nem sequer recuar em boa ordem se recearmos

reflectir sobre as condições da marcha para o socialismo.

Via pacífica e via armada na marcha para a revolução socialista

«…todas estas coisas eram igualmente ilegais, tão ilegais como a Revolução, como a

queda do trono e da Bastilha, tão ilegais como a própria liberdade»

Maximilian Robespierre, discurso de Novembro 5 de 1792

«é pela violência que se deve estabelecer a liberdade, e chegou a hora de organizar

momentaneamente o despotismo da liberdade para esmagar o despotismo dos reis».

Jean-Paul Marat

Desestalinização, desalinização e teoria krutchoviana da via pacífica.

O 20.o congresso do PCUS não se contentou em oficializar a «destalinização» sem nuances de

Estaline e os seus métodos. Impulsionado por Nikita Krutschov, a «desestalinização» fez-se

pela direita, iniciando uma verdadeira «desalinização» conseguindo adoçar as concepções

marxistas-leninistas (não é à toa que os actuais liquidadores do Movimento comunista

internacional, de Gorby a Hue passando por D’Alema, se reclamam do «degelo» iniciado

por Krutchov.

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No que diz respeito à construção do socialismo, a nova direcção soviética acentua a

rentabilidade contabilística das empresas socialistas (reformas Liberman) em risco de viciar a

lei principal do desenvolvimento socialista, que é a satisfação crescente das necessidades do

povo pelo desenvolvimento harmonioso de uma economia científica e democraticamente

planificada. A passagem da URSS socialista para o modo de produção comunista (então

anunciada para os anos 80) era então essencialmente concebida como um assunto técnico, o

da modernização, do alcance e ultrapassagem das forças produtivas dos grandes países

capitalistas. Quanto ao conteúdo de classe do Estado socialista, estava fortemente atenuado já

que o PCUS definia o Estado socialista, já não como o dos operários e camponeses, mas como

o «Estado de todo o povo.»

Sobre a marcha do socialismo nos países capitalistas, a equipe krutchoviana teorizava a ideia

de uma «via pacífica» para o socialismo; com a ligação mundial das forças criada pela

extensão do campo socialista, tornava possível afirmavam os novos dirigentes soviéticos

«conquistar uma sólida maioria parlamentar»; na condição de se apoiar num largo movimento

de massas dirigido pela classe operária, o partido comunista poderia pensar em construir o

socialismo sem «guerra civil» em muitos países. Esta concepção pacífica da marcha do

socialismo ia a par de uma insistência um pouco unilateral sobre a coexistência pacífica entre o

mundo capitalista e países socialistas. Estas ideias sedutoras foram lançadas no Ocidente,

principalmente pelos dirigentes do PC italiano, com Togliattti à frente: endurecidas e

sistematizadas por E. Berlinguer (secretário-geral do PCI) e por S. Carrillo, o cínico líder do PC

de Espanha, estas concepções levaram rapidamente o PC italiano e espanhol) durante um

tempo seguidos pelo PC francês de Marchais, a dar o golpe de misericórdia ao Movimento

comunista internacional no fim dos anos 80, quando George Marchais

e Maxime Gremetz declararam que o PCF não participaria numa conferência mundial ou

regional dos partidos comunistas… Paralelamente a esta tomada de distância ostensiva para

com a URSS, uma ficção, ou talvez uma cisão, direitista, europeísta e anti-soviética, emergia

do Movimento comunista internacional sob o nome eloquente de eurocomunismo»: comunismo

em palavras e europeísmo de facto, pois se examinarmos os resultados reais da história, o

comunismo está hoje quase a ser criminalizado pela Europa supranacional1 já que o império

capitalista, europeu, aliás União europeia, anexou os países socialistas da Europa de Leste,

desarticulou a Checoslováquia socialista, desmembrou a Republica socialista federativa da

Jugoslávia, desagregou os PCs de massa de França, de Espanha e de Itália, abafou o

sindicalismo de classe desses países e absorveu uma parte da URSS (os países bálticos)

esperando satelitizar a Ucrânia, a Geórgia… e a Bielorrússia de Anatole Loukachenko…

Mas não caricaturemos o passado confundindo o oportunismo de Krutchov, reformismo no

poder, e o reformismo realizado dos actuais dirigentes abertamente «mutantes», anti-leninistas

e liquidadores: Krutchov não era Gorby e serão precisos 30 anos (que seria da história sem o

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tempo?) para que o oportunismo inconsequente de Krutchov se transforme em

liquidação gorbachoviana. Assim o senhor K» esforçou-se não sem incoerência, em manter a

revolução e Fidel Castro (o qual se opôs veementemente a Krutschov no caso dos mísseis de

Cuba, mas foi o primeiro a reconhecer a divida do povo cubano para com o povo soviético e

seus dirigentes de então). Krutschov também ajudou o Egipto nacionalista de Nasser a

contrariar a expedição neocolonial montada em Paris, Londres e Tel Avive para impedir a

nacionalização do canal de Suez (1956); finalmente, Krutschov impediu a tentativa

de putsch contra-revolucionário em Budapeste (também em Outubro de 56). Quanto ao PCF

de Thorez, Duclos, Frachon e W. Rochet, ficara um grande partido operário de massas,

sinceramente ligado a URSS, à Revolução de Outubro e ao marxismo-leninismo ainda que

fosse historicamente o primeiro, através da entrevista dada ao Times por M. Thorez (1946) a

explorar a pista das «vias pacíficas para o socialismo» na época em que o PCF estava no

governo de união patriótica brevemente presidido por De Gaulle.

O PCF, da «via pacífica» para o socialismo à liquidação dos objectivos revolucionários

Assim, durante todo o período que precedeu o funesto 22.o Congresso de 1976 (em que a

ditadura do proletariado foi rejeitada numa caricatura de debate) o PCF recusou confundir «via

pacífica» e «via parlamentar».

Mesmo no Manifesto de Champigny para uma democracia avançada, para uma França

socialista (68) o PCF, privilegiando a hipótese «pacífica» continuava a referir-se em segunda

instância à possibilidade de uma revolução armada no caso da grande burguesia francesa

tomar a iniciativa de uma contra-revolução violenta. Mas a procura a todo o preço de um

programa comum com Mitterrand e a concorrência eleitoral desabalada com o PCF e o seu

aliado socialista puxaram irresistivelmente o PCF para a direita; de congresso em congresso, o

revisionismo anti-leninista e anti-marxista tornou-se cada vez mais visível e reivindicado: 1976,

abandono da ditadura do proletariado; 1979, abandono da referência estatutária do marxismo-

leninismo e ao internacionalismo proletário em proveito da utopia «avançar passo a passo para

o socialismo autogestionado» (sic) … Estes abandonos teóricos concretizaram-se por duas

vezes (81/84, governo Mauroy, com os «ministros comunistas» Fitterman, Le Pors,

Ralite e Rigout; 95/2002, governo Jospin com os ministros «comunistas

Gayssot, Buffet e Demessine) pela participação sem princípio do PCF em governos de gestão

leal do sistema capitalista; para acabar, o PCF liquidou qualquer traço de comunismo com a

«mutação» (1994), abandono da referência ao socialismo, ao marxismo, à classe operária e ao

centralismo democrático; 1997, abandono do «antecedente» da ruptura com o tratado de

Maastricht para autorizar uma participação ministerial num governo socialista; finalmente

rejeição da ideia de socialização dos meios de produção em proveito da «economia

mista público-privada de predomínio social» mista de «critérios» de gestão social do

capitalismo e outras regressões para o socialismo utópico, tudo apresentado como tantos

outros «avanços». O PCF chegou hoje irreversivelmente à última fase da sua liquidação como

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partido comunista com a proposição de criar um «pólo de radicalidade antiliberal» represente

ou não a sr.ª Buffet o movimento antiliberal às presidenciais de 2007, garantiu que ninguém

representa o PCF melhor que ela.

Uma resposta falhada ao revisionismo: a crispação maoista

Face ao «revisionismo kruchoviano» levantaram-se nos anos 60 os dirigentes do PC chinês e

albanês, Mao e Hoxha. Estes continuavam a referir-se a Estaline, cuja difamação

desmedida post mortem ameaçava desestabilizar e deslegitimar o conjunto do campo

socialista; os dirigentes chinês e albanês não iam ao ponto de perguntar se uma crítica leninista

de abuso de poder, praticas inquisitoriais e repressão cega dos anos 50 não poderia opor-se ao

anti-estalinismo destruidor de direitistas; ao faze-lo, abandonavam involuntariamente ao

trotskismo a pretensão (infundada) de produzir uma crítica leninista, não de direita e não de

social-democracia das deformações da democracia socialista. Assim a resistência legítima e

meritória dos dirigentes chineses no novo curso direitista de Krutschov não tardou a tomar

laivos de esquerdista, cisionista e … anti-soviética, que não lhe permitiu vencer os novos

rumos direitistas iniciados por Krutchov. Quem podia realmente acreditar, por exemplo, que,

apenas porque a sua direcção se inclinava então para o «revisionismo», a URSS se tornava

repentinamente um país «social-imperialista», um «capitalismo de Estado» dirigido por «novos

czares»? Era de uma análise materialista de relações de produção socialistas predominantes

na URSS (embora de modo mais ou menos deformado segundo os períodos históricos),

mesmo sob Krutschov, Brejnev e Andropov: a propriedade socialista claro que não

desaparecera na noite que se seguira ao 20.o congresso, mesmo que os elementos de

gestão anti-socialistas tivessem sido introduzidos na economia do país que permitiam a uma

burocracia proveitosa proliferar na sombra e preparar a época abençoada em que, tomando

consciência de si própria, podia transformar-se em burguesia capitalista e restabelecer as

relações de produção capitalistas. Desmentindo a crítica idealista do «social-

imperialismo soviético» pelo PC chinês, os imperialistas ocidentais não se enganaram ao

escolher a URSS para seu inimigo principal, construindo até uma aliança de reverso com a

China de Zhou En Lai para fazer a guerra ao Vietname socialista, aliado de Moscovo, em 79

(lembramos a espectacular reaproximação sino-americana dos anos 80 e o apoio dos

Ocidentais e de Pequim ao regime sangrento e anti-soviético de Pol Pot). Lembramos que no

fim dos anos 70 e no início dos anos 80, a direcção chinesa apoiava, por anti-

sovietismo desvairado, qualquer regime contra Moscovo, indo ao ponto de renovar relações

com a Africa do Sul racista ou com o Chile de Pinochet, denunciando a tentativa de construir

um Afeganistão laico e popular, etc. Esse tipo de comportamento, que qualificaria de «sem

princípios em nome dos princípios» não fez pouco para desacreditar a referencia ao marxismo-

leninismo» tornado para muitos sinonimo de dogmatismo, de sectarismo e de fuga para a frente

(mesmo a China, onde os excessos de aventureirismo da revolução cultural produziram em

definitivo o que queriam conjurar: o golpe à direita de Deng Xiaoping e a entrada da China na

via do pretenso «socialismo de mercado» e por fim, o revisionismo de esquerda.

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Não confundir Thermidor e a restauração capitalista

Na realidade o thermidor kruchoviano era apenas o prelúdio, no quadro do socialismo, da

futura restauração da propriedade capitalista na URSS; está só chegou à maturidade trinta

anos mais tarde, em 86/91, com Gorbatchov e Ieltsine (as últimas palavras do livro assinado

por este último, «até ao fim», eram significativamente… «propriedade privada»); esta teve lugar

após um intenso braço de ferro político-militar entre o Leste e o Ocidente (cruzada

de Reagan para implantar os seus euromísseis na Europa, a poucos minutos de tiro de

Moscovo, preparativos muito concretos de guerra nuclear anti-soviética contra o «Império do

Mal», encontro de Bitburg em 84, num cemitério com os túmulos dos SS

entre Reagan, Thatcher, Kohl e Mitterrand, com forte tonalidade guerreira e anti-soviética); é

em 1985 que Gorbatchov, que se apresentava como o homem do «desarmamento unilateral» e

da paz a qualquer preço, foi levado ao poder em Moscovo numa atmosfera político-militar

opressiva marcada pela preparação efectiva da guerra nuclear pelos Estados Unidos e o

isolamento crescente da URSS no cenário internacional; o oportunismo descabido da equipe

de Gorbatchov, os seus recuos de tipo neo-munique perante o imperialismo em nome do «novo

pensamento político» (que dizia «preferir os valores universais da humanidade aos interesses

de classe do proletariado») levaram a um intenso choque de classes entre entusiastas e

adversários do socialismo, e isso mesmo dentro da direcção do PCUS; a crise contra-

revolucionária encontrou o seu desfecho trágico no Verão de 1991, quando o braço de ferro

entre partidários (inconsequentes) do socialismo e adeptos da restauração capitalista levou à

falência dos primeiros, incapazes de apelar à classe operária, e à vantagem dos segundos,

apoiados por toda a reacção mundial.

A vitória do grupo anticomunista e mafioso dirigido pelo grosseiro Ieltsine traduziu-se

imediatamente pela morte do Estado soviético, o desmembramento da URSS, a privatização da

propriedade do Estado após as quintas colectivas, e por fim, pelo bombardeamento do Soviete

da Rússia em Outubro de 19932. Julgar-se, como fizeram os dirigentes maoistas durante três

decénios, que a URSS de Krutschov se tornara subitamente «capitalista» e «social-

imperialista» era um grave erro idealista que acabava por confundir um desvio ideológico com o

que para um marxista seria sempre o ponto essencial: o estado real das relações de produção.

Um pouco como se pensassem no Thermidor de 1795 (pelo qual a ala direita da revolução

burguesa francesa, dirigida por Fouché e Tallien, se transformara na ala

esquerda robespierriana e «sans cullote») como a Restauração do Antigo Regime feudal! Ora,

como já demonstramos num outro artigo não há passagem contínua»., «progressiva» do

capitalismo para o socialismo, nem há passagem progressiva e insensível do socialismo para o

capitalismo: para passar do capitalismo ao socialismo, é necessário uma revolução, para

percorrer o caminho inverso, é necessária uma contra-revolução. Se bem que a

critica maoísta do revisionismo (real) da nova direcção soviética estivesse profundamente

marcada, por mais paradoxal que possa parecer aos olhos destes camaradas subjectivamente

muito revolucionários, pelo idealismo e pelo reformismo!3

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Uma saída catastrófica da destalinização

Ao contrário dos PCs que ficaram fieis à URSS, que derivaram numa maioria para concepções

oportunistas, eleitoralistas, e por fim, liquidadoras, os partidos «marxistas-leninistas» criados

por admiradores ocidentais de Mao e/ou de Hoxha, idealizavam a «luta armada» sobretudo

depois do grande choque de classes de Maio de 68. A ideia de uma larga maioria popular

unida contra os monopólios capitalistas, de uma grande aliança de classes antimonopolista

integrando camponeses, artistas, pequenos comerciantes, parecia de essência revisionista aos

émulos europeus da «revolução cultural». Alguns grupúsculos» tipo «M.L.» enfraqueciam a

luta de massas, lançavam no aventureirismo esquerdista, as Brigadas vermelhas italianas

de Acção Directa, em risco de favorecer o endurecimento do Estado policial e a sua «estratégia

da tensão» de Roma a Paris passando por Bona. O movimento marxista-leninista ocidental

teve de resto grande dificuldade em subsistir quando a China fez um volte face e apanhou os

seus seguidores ocidentais de surpresa: isso aconteceu quando os elementos direitistas e

«pragmáticos» reagrupados em volta de Deng Xiaoping afastaram os maoistas como o «Bando

dos Quatro» chefiados pela viúva de Mao, para instaurar uma política económica em

comparação com a qual as reformas Liberman relevavam o marxismo mais ortodoxo!

A saída do período estalinista efectuou-se globalmente de modo caótico e catastrófico e o

conselho leninista de assimilar de maneira critica a herança histórica foi tão respeitado na

morte de Estaline como acontecera com o testamento político na morte de Lenine4 (5). É

apenas uma profunda rectificação leninista que se impõe na morte de Estaline: com efeito,

nada há de herético a fazer o balanço crítico em contraste com o grandioso e trágico período

estalinista: esse viu simultaneamente as ligações de produção socialistas consolidarem-se na

Rússia (colectivização das terras), a derrota pseudo-revolucionária de Trotsky e a sua

impossível «revolução permanente» a invencível Wehrmacht explodir em Stalinegrado diante

do exercito vermelho, o campo socialista emergir à escala mundial, a descolonização tomar o

seu lugar planetário na sequência de Outubro 17… E também o dogmatismo mais assustador,

o culto delirante da personalidade, a arbitrariedade policial, o regulamento repressivo das

contradições no partido, o seguidismo quase-religioso e o monolitismo de principio, o

abafamento da democracia predominar no partido e os sovietes em risco de despolitizar

profundamente a classe operária e os partidos comunistas no poder: pois «a contradição é a

raiz de todo o movimento (Hegel)5.

Lenine e Estaline, regresso a um testamento sem herança

Já Lenine, gravemente doente, ferido e velho, tinha tentado «rectificar o tiro» pouco antes de

morrer pedindo no seu célebre testamento que o demasiado brutal Estaline politicamente

acusado por Lenine de se comportar como o «grande polícia russo» para com as

nacionalidades não russas) fosse retirado do posto de secretário-geral; Lenine propunha

também que se acentuasse a «cooperação» agrícola acima da colectivização forçada, e que a

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industrialização do país se fizesse à custa do desengorduramento do aparelho de estado

administrativo e não às custas dos camponeses: preconizava que a inspecção operária e

camponesa actuasse como contrapoder para controlar o Estado e o partido único. Contra toda

a russificação propunha maior facilidade nas relações entre as repúblicas federadas da URSS;

para compensar as distorções politica impostas à URSS para o projecto incontornável de

edificar o «socialismo num único país», (ou seja, tendo sido tragicamente cortada, pelo

esmagamento do spartakismo alemão, da produção ocidental de ponta, do proletariado

ocidental com a chave num enorme esforço de defesa sobrecarregando pesadamente o estado

soviético), apelava ao desenvolvimento pela internacional comunista, à entrada massiva de

operários na produção no Comité Central bolchevique; militava num sentido contrário ao

de Mao (esse combatia os esquerdistas do Proletariado que com Bogdanov, rejeitavam

puerilmente as velharias do património cultural nacional em proveito de uma cultura proletária

de pacotilha: Lenine pelo contrário preconizava uma autentica revolução cultural elevando

massivamente o nível escolar técnico, científico e político do país dos Sovietes). Em resumo,

voltamos a dizer nada há de iconoclasta em si para um leninista criticar as graves estreitezas e

os impasses do período estalinista: contanto que se proceda de maneira construtiva, prudente,

responsável e comunista, na condição de recusar toda a criminalização da primeira

experiência socialista da história, na condição de ter em vista, não o consenso eleitoral com

os latidores soviéticos, mas os interesses do futuro do socialismo; desde que se evite

simultaneamente o enfraquecimento revisionista do marxismo e a idealização dogmática do

passado; na condição também de reconhecer IGUALMENTE, sem complexo nem

autoflagelação (mas pelo contrário com gratidão e orgulho), as imensas realizações de

vanguarda do povo soviético sob a direcção de José Estaline; na condição enfim de entender

que as graves distorções do socialismo e da democracia socialista que aconteceram não foram

produto do sistema nem do modelo bolchevique, nem da maldade de Estaline mas que se

desenvolveram nas condições concretas objectivamente terríveis: a Rússia arruinada pela

guerra imperialista, a guerra civil e a intervenção estrangeira, o aumento do fascismo na

Europa e no Japão, depois a guerra fria, «equilíbrio à beira do abismo» e corrida às armas

nucleares imposta sem cessar por Washington, mesmo durante o período de détente (nunca

houve tratado de desarmamento soviético-americano, até durante os anos 70, só tratados de

«limitação» da corrida aos armamentos.)

Assim não é esta linha de rectificação leninista que prevaleceu na análise do período dito

estalinista e com a excepção de alguns teóricos como Michel Verret6, a análise materialista e

dialéctica cedeu o passo a um movimento duplo e simétrico de niilismo culpabilizado e de

idealização sem moderação; assim o movimento comunista cindiu-se permanentemente entre

os que «deitavam fora o bebé com a água do banho (revisionismo de direita) e que, atrás do

anti-estalinismo escondiam cada vez menos o anticomunismo e os que (esquerdismo)

idealizavam em bloco o passado, guardavam a agua suja ou melhor ainda o inebriante vinho de

missa do dogmatismo, sem se preocupar com o futuro do bebe socialista: terrível desperdício

histórico pois a divisão do Movimento comunista e do campo socialista em

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estalinismo maoizante, mobilizando e pervertendo o epíteto de «marxistas-leninistas» e «anti-

estalinistas, combatendo ou deformando esse mesmo marxismo-leninismo, facilitou

imensamente o contra-ataque imperialista, logo de início cm a demolição dos feitos

de Stalinegrado e da Revolução de Outubro.

Tentamos de resto (felizmente não fomos os únicos) indicar a largos traços como seria possível

sair por cima da crise da desestalinização7. Mas que aconteceu, depois da experiência

concluída e do recuo histórico a ajudar, da polémica histórica entre os seguidores da «via

pacífica» e os seguidores da «via armada» que separou tantos comunistas nos anos 60/70?

Esterilidade histórica e derivados oportunistas da «via pacífica»

Em parte alguma, em meio século, da «via pacífica» nasceu de uma sociedade socialista. A

experiência mais significativa, a da Unidade popular chilena, saldou-se por um banho de

sangue, os comunistas, esquerdistas (MIR) e socialistas chilenos sendo então entregues

indefesos aos torcionários de Pinochet dirigido por Kissinger.

Em França, o pretenso «avanço passo a passo para o socialismo que devia em teoria

encontrar um início na concretização com a participação de ministros comunistas no governo

de Miterrand-Mauroy dos anos 81/84, traduziu-se por uma terrível inversão de circuitos: o PCF

desacreditou-se junto das massas operárias decepcionadas, o PS de Mitterrand acelerou o

«passo a passo» para a «construção europeia» neoliberal. Com uma política orientada para o

«franco forte» (pai do euro) o desemprego em massa, a precarização do trabalho e a

austeridade salarial: o recuo passo a passo, aguardando a «ruptura sarko-royal do capitalismo

«com freio» do após guerra para o aberto neoliberalismo actual. Assim a «excepção francesa»

nascida do tête-a-tête galo-comunista dos «Trinta gloriosos» morreu sob os nossos olhos,

enquanto as sociedades capitalistas temperadas de social-reformismo do norte da Europa

agonizam agora que os países socialistas do Leste foram anexados à EU, e que os capitalistas

ocidentais já não têm a menor alternativa de sociedade real.

Em parte alguma, o capitalismo aceitou uma transição democrática, «pluralista» para uma

sociedade sequer tinta de socialismo: a Nicarágua sandinista, que deixava subsistir livremente

uma oposição legal de direita atrás da riquíssima Violeta Chamorro, foi varrida por um

terrorismo contra-revolucionário notoriamente pago e planificado por Washington. Por mais

simpático que seja comparado com o que o precedeu, o regime do brasileiro Lula só tocou pela

rama a sorte dos mais desfavorecidos e não se mantém porque no essencial, o governo do PT

segue à letra as instruções do FMI dinamitando as pensões dos funcionários brasileiros,

criando dificuldades a Evo Morales (o presidente boliviano que quer nacionalizar

os hidrocarbonetos) e desmontando peça a peça o sector publico e nacionalizado.

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O caso Chávez, uma excepção que contraria a regra?

Fica o caso da Venezuela de Hugo Chávez onde se desenha segundo alguns comentaristas

não comunistas uma «marcha pacífica para o socialismo e sem ditadura do proletariado», sem

chegar ao pluralismo nem à utilização da repressão contra a oposição de direita. Talvez haja

muitas ilusões nessa visão idílica de uma Venezuela que faz sonhar uma parte dos anti-

imperialistas: enfim a capacidade de criar um modelo de transição que escape às duras leis da

revolução ditadas não há muito pelo marxismo-leninismo «ortodoxo». Por um lado, o processo

de transição para o socialismo está apenas no início na Venezuela e já conheceu um obstáculo

muito violento já que a «contra» grosseiramente apoiada por Bush, tentou com

um putsch afastar Chávez substituindo-o pelo presidente do patronato venezuelano: foi

necessário que milhões de habitantes de Caracas descessem às ruas, e também que parte leal

do exército mostrasse os dentes para que a ordem constitucional fosse restabelecida. Claro

que Chávez não derrotou a oposição e a imprensa reaccionária, que não se coíbe de apelar

diariamente ao assassinato do «tirano» e à guerra civil; mas Chávez dispõe de uma arma

pouco comum que permite para já à Venezuela bolivariana adiar a «luta final», fazer

amadurecer lentamente a ideia do socialismo, preparar as massas para o socialismo

desenvolvendo a democracia participativa para construir por baixo os órgãos do futuro poder

proletário e popular: essa arma, com a qual os revolucionários de ontem e de amanhã não

podem contar a não ser em circunstâncias muito especiais, é … o dinheiro do petróleo, que

permite ao governo venezuelano iludir e adiar (inteligentemente) o choque final com a grande

burguesia investindo maciçamente no desenvolvimento popular sem expropriar para já a

grande burguesia, sem taxar duramente a media burguesia, sem desmontar essencialmente o

velho aparelho de estado burguês; instaura-se assim uma dupla Venezuela cuja coexistência

não será, temos a certeza, eternamente pacífica; e se os preços do petróleo acabassem por

baixar ou se Washington reunisse as condições político-militares que lhe permitissem intervir

militarmente com sucesso para impedir o vírus chavista de infectar toda a América latina!

Cedo ou tarde, a escolha surgirá: quem levará para Caracas o capitalismo ou o socialismo, a

burguesia ou o proletariado? E então a necessidade de uma conquista plenária do poder (que,

por natureza não se partilha… ou quem desaparecerá quer como poder, ou como ditadura de

uma classe ou de outra, se partilharem…) e o problema da ditadura do proletariado e dos seus

aliados surgirá na Venezuela sob uma forma que podemos esperar seja a mais democrática e

a mais «pluralista» mas principalmente a mais eficaz possível. Chávez está tão consciente

disso que se esforça por construir o equivalente a um partido revolucionário de massas e,

sobretudo, em ter As ARMAS que ele põe à disposição do povo para dissuadir o inimigo de

classe e, se não o dissuadir para o combater e o vencer no momento certo! Já ninguém pode

esquecer, e honra seja feita a Chávez que o presidente venezuelano ouve os conselhos doutos

do «sábio» latino-americano da Revolução: Fidel Castro, se bem que nem falte à experiência

venezuelana, se olharmos de perto, o aporte de uma teoria revolucionária que não precisa de

ser directamente elaborada em Caracas, para ter todas as esperanças «indígenas» da nossa

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América, como diziam Bolívar, Marti e Che! Não há uma excepção venezuelana, nenhuma

entorse às leis objectivas da Revolução estudada por Marx e Lenine… mas apenas as que

confirmam a regra: as premissas de guerra civil que ameaçam actualmente a Bolívia

de Evo Morales à iniciativa da reacção boliviana, e que obrigam a navegar à vista, mas sem

perder o cabo, sobre a nacionalização dos hidrocarbonetos, mostram-no de modo

angustiante…

Da via pacifica à liquidação do PCF passando pelo eurocomunismo

Mais gravemente ainda, sob a capa de conformar toda a sua política e toda a sua teoria à via

pacífica que os PCs eurocomunistas do Ocidente mudaram (mantém formalmente o nome mas

abandonam tudo o que fixa a diferença entre o comunismo e a social-democracia), ou

simplesmente desaparecem como na Itália. No que respeita ao PCF, é no congresso de ruptura

de 1976 (abandono da ditadura do proletariado pela via democrática para o socialismo) que o

partido renunciou a ter dois ferros no fogo e que abandonou definitivamente a própria

possibilidade de uma via armada para o socialismo. Nessas condições, é claro que só resta ao

partido fazer seja o que for para ganhar as eleições a qualquer

preço. Aragon, Garaudy e Kanapa, que foram os grandes pais franceses do culto estalinista

nos anos 50, transformaram-se então em anti-estalinistas ferozes segundo o velho princípio

religioso ilustrada já por S. Paulo «queima o que adoraste» Assim Aragon proclama com uma

ingenuidade desarmante perante o histórico comité central de Argenteuil de 1966, tornado

maior na consolidação do novo curso direitista: é preciso fazer tudo para adequar a teoria do

partido à sua política de união a qualquer preço com o PS ou seja se necessário rever a teoria

marxista e alinhar nas exigências eleitorais (e com a baixa da maioria de De Gaulle e o facto

que ele não tinha mais de 6% entre um e outro (Miterrand, NDLR), tínhamos a perspectiva, que

temos agora, e que não é uma perspectiva filosófica nem está mesmo verdadeiramente longe

de alcançar, esperemos, para as eleições legislativas, uma maioria para a esquerda. Esta

questão não é uma questão filosófica e para mim ela comanda as questões filosóficas e não o

contrario» (em Aragon e o Comité Central de Argenteuil», pg. 136/137, Anais da Sociedade

dos Amigos de Aragon e de Elsa Triolet, 2000)

Em momento algum Aragon duvidou da natureza de classe do PS, dos fins estratégicos

de Mitterrand, do conteúdo de classe de mudança, da diferença entre o PCF e a Federação da

Esquerda…) não, Mitterrand, então grande vedeta dos «dias de diálogo» organizados

por Garaudy, que ganhava no próprio seio do PCF por intermédio dos seus intelectuais mais

prestigiados, e isso em nome das «vias pacíficas para o socialismo» grosseiramente abatidas

pelo eleitoralismo mais raso e mais ingénuo! Ou, conformar os seus ideais e a sua teoria às

necessidades imediatas e aos êxitos eleitorais mais efémeros, é a própria essência do

oportunismo e vemos hoje os óptimos resultados: não só o povo francês está em desespero,

não só a perspectiva de uma mudança se tornou quase invisível, mas o PCF que seguiu à letra

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todos os conselhos eleitoralistas de Aragon está às portas do desaparecimento eleitoral e da

liquidação organizacional.

Claro que esta absolutização da via pacífica não estava prescrita pela adaptação do PCF às

teses kruchovianas, e no início, esta orientação estava ainda mais ou menos equilibrada pela

ideia que uma via armada era sempre possível, pelo menos em princípio (mesmo que o PCF

nada tenha feito pelo menos com meu conhecimento durante estes anos para preparar,

TAMBÉM!); a via armada ficava, se ouso dizer, «em reserva na revolução», e isso nada era:

como a menção persistente da ditadura do proletariado nos estatutos do partido, isso bastava

para dar ao PCF um aspecto inquietante em poder para a burguesia… e atractivo para o

proletariado e a juventude revolucionária. De resto é o próprio Lenine quem, entre Fevereiro e

Novembro de 17 insistiu na possibilidade («extremamente rara») acrescentou, mostrando

assim que não se podia tratar de uma linha estratégica, menos ainda de um «principio político»

de passar ao socialismo «sem revolução violenta»; bastaria então que a maioria dos sovietes,

que se reclamavam do socialismo (SR, bolcheviques, mencheviques, trabalhistas…) tomasse o

poder, e os bolcheviques, mesmo que minoritários no início do processo, decidissem manter de

maneira trágica o processo pacífico de ruptura com o capitalismo. Mas os kruschovianos dos

anos 60 que alegavam o exemplo de Lenine para fundar a sua «via pacífica», esqueciam-se

em geral de dizer que, ao mesmo tempo, o partido bolchevique tinha «dois ferros ao fogo» e

que continuava a armar as massas, a revolução russa de Fevereiro de 17 tinha

espontaneamente conseguido pôr no lugar um «duplo poder» a fazer emergir sovietes

operários e camponeses dispondo de uma força armada já que uma grande parte do exército

tinha passado com as armas para o lado do povo!

Sem se aperceberem, os teóricos da «via pacífica» perderam o seu principal argumento

Não podemos deixar de constatar até hoje a esterilidade total das teorias que procuram a «via

pacífica». Mas dirão, não se pode insultar o futuro e não seria científico deduzir «o que será,

será» Em princípio, concordo, embora não seja muito provável que o que não funcionou

durante cinquenta anos de repente vá funcionar no futuro. (TODAS as revoluções sociais

desde a Comuna foram pelo menos em parte violentas: Rússia, revolução espartaquista,

democracias populares do após-guerra tornadas possíveis pela derrota militar de Hitler,

revolução chinesa, revolução cubana, vitória do Vietname socialista, revoluções nacionais no

Egipto, Argélia, Etiópia, e até a revolução dos Cravos de Portugal, que saiu directa da

revolução militar do «Movimento das Forças Armadas», mas lembro a todos os que são

capazes de raciocinar e de curvar-se perante uma demonstração que as razões que ontem

motivaram, na verdade, a possibilidade formal de uma passagem pacífica para o socialismo,

acabaram há muito. Desde 1946, na sua muito controversa entrevista

ao Times, Maurice Thorez (precursor da «via pacífica») fundamentou a sua ideia de uma

transição pacífica, «à francesa» para o socialismo (como se a França não fosse também tanto

como a URSS país de conflitos agudos e armados entre as classes sociais…) pelo novo poder

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do campo socialista que tornava mais difíceis as intervenções imperialistas contra um país que

se dirigisse para o socialismo. Krutschov no 20.o Congresso do PCUS, Marchais no

20.o congresso do PCF, retomaram esse argumento geopolítico que repousava sobre o poder

do campo socialista. Se os dirigentes do PCF tivessem memória e a mínima consciência

teórica em vez de navegarem à vista sem memória, sem teoria e sem projecto, seriam desde

logo os primeiros a contestar a «via pacífica» já que… o campo socialista não existe, o

capitalismo, se remundializou após a decomposição da URSS, a direita está ao ataque como

nunca em França e a nível mundial. Se a relação de forças é cada vez mais favorável ao

socialismo» como afirmava Krutschov em 56 mudou em relação a forças cada vez mais

favoráveis ao Capital desde o triunfo da contra-revolução de Leste, há cada vez menos bases

objectivas para a possibilidade de uma revolução pacífica, economizando toda a violência

armada.

Pacificadas, a sociedade francesa e as sociedades capitalistas desenvolvidas?

É cada vez maior a ligação das forças políticas e militares dentro da França e da maior parte

dos países capitalistas europeus, e mais degradada. No plano político, navegamos

de Charybde a Scylla, com segundas voltas presidenciais contra a peste da cólera,

dos Chiracs aos Le Pen, dos Sarko a Royal e de novo ao Le Pen! No plano militar, o exército

de circunstância desapareceu. A grande burguesia está sossegada, sem a menor oposição do

PCF e dos revolucionários de barba rala do LCR e do LO um exercito profissional europeu de

natureza imperial, dispondo de meios para esmagar militarmente revoltas populares: apesar da

forte oposição dos povos «não» dos povos francês e holandês à constituição europeia

em Maio-Junho de 2005), NENHUMA força de esquerda representada no parlamento e visível

mediaticamente pôs em causa a sacrossanta «construção europeia» de um novo império do

capital, verdadeira santa aliança dos burgueses europeus contra as suas respectivas classes

trabalhadoras.

Pior, a extrema-direita sobe por toda a Europa. A extrema-direita, ou seja a parte da reacção

que está ávida por esmagar pelo sangue o movimento operário. Mais ainda, essa extrema-

direita «detém» e dirige até uma parte crescente da «direita civilizada» (sic) torna-se fascista à

vista desarmada, como é o caso de Sarkozy de Nagy-Bocsa em França ou de Bush nos

Estados Unidos (por iniciativa do qual é agora legal torturar um prisioneiro suspeito de

terrorismo) ou do trabalhista Blair (qualquer estrangeiro pode ser preso sem julgamento e por

quanto tempo a polícia decida se for suspeito de terrorismo!) Leis anti-emigração, seguem os

«pré-delinquentes «desde a escola maternal, caça aos sindicalistas vermelhos nas fábricas e

nos serviços públicos., quadrilha totalitária dos media na campanha para a constituição

europeia já deu um vislumbre, retorno em força do clericalismo religioso na escola e nas

instituições, formação da polícia na luta antimotins, violações sistematicamente impunes do

código de trabalho pelo patronato, condenação à cadeia de manifestantes anti-CPE pela

«Justiça», utilização desproporcional do estado de emergência contra os bairros populares

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em Novembro-Dezembro de 2005, recurso ao exército para acabar com o conflito marítimo da

SNCM na mesma época, brutalidade policial repetida, violação grosseira de poderes pelo

Ministro da Polícia (que é o principal presidenciável da burguesia, que se permite dar

instruções aos juízes, nomear procurador da República que é o chefe de gabinete… do ministro

da Justiça, desprezo total pelo poder UMP para todos os escrutínios que negaram

massivamente (regionais, europeus, constituição europeia, referendos na Córsega e

Antilhas…) passagem em força do poder UMP sobre o Gás de França apesar da promessa

solene feita pelo numero 2 do governo de jamais privatizar a energia francesa… mesmo que

viva no coração vermelho do povo trabalhador, a república é apenas uma efígie nos frontões

dos edifícios públicos, o regime vai-se fascizando à vista desarmada (e será fácil de mostrar

que o mesmo acontece na RFA, na Itália, na Grã Bretanha e nos Estados Unidos…) Para já

não falarmos do crescente domínio da classe capitalista sobre os media, audiovisual, publico e

privado, grandes jornais nacionais dominados pelos senhores das armas, «gratuitos»

monopolizados pelos grupos financeiros do tipo Bolloré, etc.

O plano oculto desta fascização crescente é fácil de pôr em evidência: é a política única da UE,

posta em música tanto pela direita como pelo PS, é o pensamento único totalitário levado pelos

media audiovisuais, os jornais grátis, a grande «imprensa» nacional e local possuída

por Dassault, Rothschild, Bouygues, Pinault e Lagardère, uma política que é preciso IMPOR

TOTALITARIAMENTE já que sempre que pode (grande movimento social, escrutínio…), o povo

diz NÃO por todos os meios disponíveis. Se amanhã Sarkozy (ou o seu duplo

selvagem, Le Pen, ou a sua sombra grácil Royal…) chegarem ao poder, como imporão a

quebra dos regimes especiais de reforma (EDF, RATP, SNCF, GDF), a demolição do estatuto

da função pública, o fim da carteira escolar, a integração forçada da França na constituição

europeia, o fim do CDI para o contrato único precário do UMP, a interdição da greve nos

transportes, senão marchando literalmente sobre o ventre do povo e da juventude? E este irá

eternamente deixar? Às portas da ruptura Thatcher-Berlusconi desejada por Sarkozy e pelo

MEDEF (ou a sua variante suave, a ruptura bairrista de Royal), o nosso povo será literalmente

confrontado pela questão de ser ou não ser, pois tratar-se-á de TUDO, da República e

definitivamente da própria existência da nação. Em resumo, os grandes choques de classes

entre o povo trabalhador (operários, assalariados, quadros médios, engenheiros, professores e

técnicos, licenciados e estudantes, mas também artesãos, pequenos comerciantes e

camponeses trabalhadores) e grande capital maastrichiano são para amanhã. Já, com o seu

ideólogo mais claro e mas fascizante, o cínico «historiador» patronal Jacques Marseille, a

burguesia sarkoziana coloca publicamente a questão: «será necessário que o sangue corra

para que a França se reforme»? A resposta fala por si. E para nós? É que nunca é a classe

dominante que toma a iniciativa da luta de classes mais feroz contra as benesses concedidas à

classe dominada na época em que ela dispunha de um partido comunista poderoso, combativo,

organizado e marxista-leninista!

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O povo de França não dá a face esquerda!

Mas temos a certeza: o povo trabalhador, já brutalizado de mil maneiras pela política do trio

UMPS/MEDEF/UE, humilhado pelo desprezo de ferro do UMPS sobre o sufrágio universal,

dolorido pelo assassinato programado da nação, da sua soberania, da sua língua e da sua

cultura, numa Europa e numa mundialização neo-liberal que rejeita cada vez mais, esse povo

reage de modo cada vez menos pacífico e toma cada vez mais medidas de autodefesa

espontânea, mesmo que se constate pelo seu lado uma parte crescente de abatimento e

mesmo de desespero, tantas vezes já foi traído e traído de novo. Mas o essencial não é o

abatimento: já na primavera de 2003 depois da recusa das confederações sindicais em entrar

na greve geral para salvar as reformas, os jovens professores em greve dura, auxiliados por

outros assalariados, tinham multiplicado as «operações choque», contra os cercos do MEDEF,

as permanências UMP, os homens do poder. Por sua vez, os intermitentes do espectáculo

espoliados pelo MEDEF utilizaram métodos análogos e às vezes, as pessoas do EDF fizeram o

mesmo. Em Novembro de 2005, uma massa de jovens espoliados dos arredores demonstrou o

seu ódio de maneira selvagem incendiando aqui e ali milhares de carros (o que coloca em

primeiro lugar o problema da falta de vanguarda política, de autodestruição do partido

comunista que deixou esses bairros sem qualquer «bússola» política: abandonada a si própria

a parte desclassificada do proletariado e do sub-proletariado queima os autocarros e as

escolas maternais e revolta-se com a parte organizada da classe trabalhadora em vez de

atacar o capital). De modo incomparavelmente mais consciente e política, os alunos de liceu e

os estudantes também usaram a contra-violência de classe. Principalmente utilizando

«operações-choque», mobilizações instantâneas, e piquetes de greve (greve é: não passam,

não trabalham) dirigindo aos poderosos AG democráticos, premissas de uma verdadeira

democracia popular de luta. Ao dizer não convidamos os trabalhadores e os jovens a partir de

flor na espingarda, a lançarem-se sobre as baionetas inimigas; observamos uma tendência

histórica, a da subida aos extremos num período de intensa guerra de classe que só poderá

acabar na derrota total de um ou de outro campo, como aconteceu na Inglaterra depois da

terrível derrota sofrida pelos mineiros em 1984 perante Thatcher. Quando uma luta é inevitável

por iniciativa do inimigo de classe, os que se ocultam, os que recusem a vê-la chegar e a

preparar-se estão perdidos; os que se prepararem têm pelo menos uma oportunidade de

resistir, manter-se e ganhar: «se não tomares parte no combate» prenuncia Brecht, «vais

partilhar a derrota.»

Pacificação e social-traição

É verdade que a grande burguesia pode ainda apostar nos estados-maiores políticos e

sindicais da falsa esquerda para deter a violência popular e … deixar aos dominadores o

monopólio invisível (pois não denunciado, ou seja incensado pelos media) da violência de

classe. A «esquerda plural» PCF, LO e LCR incluído, foi assim incapaz de recuperar após a

imensa vitória do Não a 29 de Maio de 2005. Quem, para além do PRCF, apelou a organizar

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uma grande manifestação nacional em Junho para exigir a saída do tratado de Maastricht,

indirectamente rejeitado pelos eleitores (o seu conteúdo era a famosa parte III da constituição

chumbada) a demissão do presidente (Chirac assinou a constituição em nosso nome e nunca

retirou a sua assinatura!) e a demissão do grotesco parlamento UMPS que votou 92% a

constituição recusada a 55% pelo povo que os deputados «parecem» representar! Após a

queda do CPE, que fizeram os estados- maiores do «sindicalismo reunido» (após o amarelo

Cherèque) para utilizar o entusiasmo da vitória organizando uma acção de massas para a

retirada total da lei Borloo, a abrogação do CPE e de todas as contra-reformas UMP? A única

«saída da crise», foi a negociação forte dos sindicalistas com os deputados secundários UMP

(o ridículo Acoyer) já que Chirac, chefe do executivo, ditava abertamente a nova redacção da

lei legislativa «independente em virtude da separação dos poderes»: grotesca comédia em que

TODOS os estados-maiores se comprometeram a auxiliar o poder a desrespeitar a

constituição! E que acção nacional de TODOS os sindicatos para tirar da prisão os jovens anti-

CPE e os milhares de sindicalistas reprimidos pelo patronato nas fábricas porque ousam ainda

defender os interesses dos trabalhadores em vez de seguir docilmente os

Thibault, Aschieri, Mailly e Cie (Chereque não vale a pena nomear) que diluem o sindicalismo

da luta francês nas redes da Confederação Europeia dos Sindicatos e da Internacional sindical

amarela constituída a 30 de Outubro pela fusão do sindicalismo CISL (filho da CIA) e do

«sindicalismo» cristão, pilotado durante cinquenta anos pelo Vaticano! Até quando os

assalariados franceses, que contrariamente aos sindicatos nacionais permanentes, tinham tudo

a perder para eles e os filhos nessas manigâncias, seguirão eles tais guias?

Até quando a revolta não atingirá os próprios lideres sindicais, como em Dezembro de 95,

quando Notat, verdadeira iniciadora do plano Juppé, teve de ser protegida contra os

manifestantes do seu próprio sindicato, pelos membros do seu serviço de ordem?

Não absolutizar os meios necessários para passar ao socialismo

Isso significa assim que é necessário passar de um extremo a outro absolutizando a via

armada? Esta, como já vimos, tem êxitos históricos de primeiro plano no seu activo. Sem

triunfar totalmente, as FARC da Colômbia estão vitoriosas há trinta anos e até administram de

modo sagaz um grande território da Colômbia. A guerrilha maoista do Nepal acabou por

desestabilizar o carunchoso poder real de Katmandu abrindo a via a uma transição democrática

cujo futuro não está escrito. As grandes lutas que se anunciam no México entre a esquerda

popular e o poder pró US foram preparadas pelas revoltas armadas de Chiapas (ainda que o

seu porta voz, o subcomandante Marcos, quase as esterilizasse proibindo-as de entrar na luta

pelo poder central), e agora pela luta armada dos proletários urbanos e camponeses

de Oaxaca. Ao mesmo tempo, a absolutização dessa luta não se revelou como uma panaceia;

acabou por se transformar num pesadelo; o Caminho Luminoso não deu a vitória ao povo

peruano e deixou muito más recordações a muitos camponeses e aproximou-se da reacção

fascista; não falemos do poder sanguinário de Pol Pot que levou até ao absurdo o princípio

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insustentável que «os fins justificam os meios». Em Itália, os desesperados das «brigadas

vermelhas» facilitaram na realidade a social-democratização do PCI e a liquidação do regime

parlamentar em proveito do regime semi-bonapartista actual, na realidade inscreveram-se na

«estratégia da tensão» desejada por Washington e a Democracia cristã para dar lugar à

influencia de massas, tão confusa que ideologicamente acabou com o partido comunista

italiano.

Embora seja provável, nas condições actuais, que uma via puramente pacífica seja apenas

uma via do espírito para um longo período, é preciso primeiro pôr a questão em termos de

princípios, em geral. Ou, politicamente, o que é o mais provável8, é uma combinação das duas

vias, dos dois métodos, uma a vencer temporariamente a outra segundo as circunstancias e a

relação das forças desde que o objectivo não seja nunca perdido de vista na teoria como na

prática: a revolução socialista, a conquista do poder de Estado pela classe dominante, o

armamento do povo e o desarmamento da reacção, a defesa resoluta das transformações

sociais (a ditadura no sentido estrito), a mobilização e a ofensiva permanentes do povo em

formas ajustadas às etapas e aos graus do choque de classes.

O problema da violência nos choques de classes

Para sermos concretos, examinemos a situação francesa a meio termo (a curto prazo estamos

na defensiva e o problema n.o1 que nos é colocado é a resistência… mas a resistência não vai

longe se não se acreditar numa alternativa!) O problema não é como poderíamos pensar

esquematicamente nos anos 70, «vitória eleitoral da esquerda com um bom conteúdo» ou «luta

armada». Primeiro porque «a esquerda» hoje é o PS e a social eurocracia tecida em mil fios

pela união europeia e o seu pilar «esquerdo» o PS europeu (que dirige a comissão de

Bruxelas, o parlamento europeu a que preside a OMC, desculpem, pelo extremista do

«socialista» francês Lamy) e que esse partido, não só não tende para a esquerda (em comum

com a Holanda e Allende, Strauss-Kahn e Jaurès?) mas deriva rapidamente para o centro-

direita e o bairrismo como atesta o sucesso da muito reaccionária Royal. Depois porque

mesmo a pequena esquerda «antiliberal» o PCF incluído, não põe em questão a entrada da

França no tratado de Maastricht, santifica a «construção europeia», ilude o problema da OTAN

e do exercito europeu, aceita o euro, e principalmente não põe em causa a propriedade privada

dos grandes meios de produção. Quanto à própria via armada hoje, o

conselheiro ex abrupto (esta expressão latina importa) significaria nas relações das forças

actuais, não só enviar para a morte ou à prisão perpétua os desgraçados que se lançarem em

primeiro lugar contra um aparelho de estado mais poderoso e agressivo que nunca, mas ajudar

os governos a fascizar o Estado e as instituições invocando a «segurança pública» e a «paz».

Primeiro, a estratégia revolucionária

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Na realidade, a questão que nos foi colocada é a de reunir uma ampla Frente de Resistência e

de Alternativa Popular (FRAP) em volta dos trabalhadores assalariados e da

juventude precarizada, o conjunto de vítimas do grande capital maastrichiano, mesmo uma

parte das «camadas médias» assalariadas e não assalariadas, oprimidas e destinadas à ruína

pelo grande capital e sua Europa. Nada tem a ver com o reagrupamento simples, caro

a Mme Buffet, da «esquerda» contra «a direita». Potencialmente, o bloco social anti-Maastricht,

progressista e republicano é largamente majoritário como vimos no 29 de Maio

(potencialmente, porque também teve vozes fascistas entre os eleitores do não) e também na

luta contra o CPE, mesmo que os contornos dos dois blocos (o primeiro estava infectado pela

direita nacionalista mas desligada da social-democracia, o segundo reinvestido pela esquerda

europeísta mas desligada da direita fascizante) não coincidem ainda. Para os fazer coincidir em

bases progressistas, são necessárias condições ideológicas: a aliança da bandeira vermelha

com a foice e o martelo (que simbolizam a luta mundial do proletariado contra a exploração

capitalista) e da bandeira tricolor com o barrete frígio (que simboliza o patriotismo republicano e

laico); pois o que esteriliza hoje a «pequena esquerda antiliberal» dominada pelo trotskismo e

a altermundialização (O PCF já não tem prato ideológico próprio) e a sua capacidade congénita

em defender a nação e a república laica e sua ancoragem social-imperialista na «construção

europeia» que será necessário, ilusoriamente, «reorientar num sentido progressista». Assim,

deixam para Le Pen, Sarkozy, De Villiers e até Royal, a bandeira vermelha da Revolução

francesa, da independência nacional e da Republica à qual os operários e camponeses estão

legitima e fortemente ligados. Pelo contrário, os «republicanos» que defendem abstractamente

«a» nação e «a» república são incapazes de trazer as aspirações progressistas e sociais dos

explorados e não conseguem soltar-se (a grande burguesia sendo maciçamente antinacional e

desdenha copiosamente «a excepção francesa») da empresa da direita europeísta… ou do

nacionalismo fascista.

No plano político, é um programa de ruptura com a UE, de reconstituição do sector público do

Estado, de re-industrialização planificada do país, de relance e de alargamento do que se

adquiriu em 1945, de novos tratados internacionais progressistas e ultrapassando o ar

Europeu, de democratização em profundidade do país que deve ser proposta. E para isso, não

por nostalgia do grande PCF mas porque sem ele não há agente proletário de massas,

pela vanguarda popular empunhando as duas bandeiras, é necessário reconstituir um

verdadeiro partido comunista totalmente emancipado da social-democracia.

Maioria de unidade popular não significa passeio parlamentar

Dizer apenas que a FRAP é potencialmente muito maioritária, não nos deve levar a recair nos

erros que foram os do PCF dos anos 70; constatando que os defensores autorizados dos

grandes monopólios capitalistas não eram mais que poeira humana face às

«camadas antimonopolistas» defendidos pelo programa comum PC/PS, o PCF deduzindo a

inutilidade da ditadura do proletariado viu que não há necessidade de pegar num martelo-

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pilão para esmagar uma mosca! Quanto ao pluralismo político, havia a certeza de defender a

100% contra o mau «modelo soviético» pois bastaria impedir os fascistas e garantir a liberdade

política a todos os que respeitassem a lei socialista e democraticamente votada. Que absurdo!

Na verdade, esta repartição simplista ignora várias realidades politicamente decisivas:

a) espontaneamente, em toda a sociedade dividida em classes sociais, «os pensamentos

dominantes são os da classe dominante» (Marx-Engels); em resumo uma boa parte dos

membros da classe dominada não se reconhece espontaneamente nos partidos que lutam por

eles; muitos escravos inconscientes, embrutecidos pela sua educação e hoje pelos media,

defendem os seus senhores; assim muito poucos senhores se enganarão de campo nos

momentos decisivos! Se Marat e Robespierre não combatessem alguns milhares de

aristocratas e não as centenas de milhares de camponeses vendados, nunca se teria recorrido

ao Terror!

b) o aparelho de estado burguês não é neutro; está ligado por mil laços (veja-se Pinochet que

os reformistas chilenos apresentavam com «um militar profissional respeitador das leis») à

classe dominante e que iria defende-la com tanto mais facilidade que só teve de chamar o

contingente nos exércitos) as partes «civilizadas» da burguesa fascizam-se muito rapidamente

em períodos de crise; no Chile o democrata-cristão Eduardo Frei tornou-se rapidamente um

apoiante de Pinochet antes de afastar-se dele quando a ditadura militar se tornou embaraçosa

devido à sua imagem internacional terrível; ora, todos vêm bem hoje que a UMP se fasciza,

se lepeniza a olho nu, a começar pelo seu presidente, o mini-bonaparte Sarkozy; quanto à

social-democracia, mesmo que nunca se deva cometer o erro de rejeitar os seus militantes em

massa, segue espontaneamente o movimento de fascização (Royal rivaliza com Sarkozy em

todos os temas de seguranças, policiais, anti-juventude, anti-sindicato, etc.; a SD não se torna

antifascista se o movimento popular não a obrigar;

d) a estrutura económica dos grandes países capitalistas é extremamente deformada

pela desindustrialização e pela subida em flecha do parasitismo financeiro; já Lenine mostrava

no «imperialismo estado superior do capitalismo» (1915) que o capitalismo monopolista, cuja

actividade central é a exportação de capitais e a acumulação do superavit imperialista, significa

a exportação de actividades produtivas e a subida em flecha do parasitismo: sector financeiro e

serviços não produtivos socialmente entregues às classes privilegiadas; incluindo entre os

assalariados, uma boa parte dos «frágeis» (publicitários, financeiros,

comunicadores, mediocratas, etc.) está objectivamente dependente do grande capital, embora

uma grande parte dos quadros superiores e a parte mais elevada dos «quadros médios»

capitaliza e tem acções, o que a liga financeira e ideologicamente ao grande capital: vê-se bem

numa sala de profs!

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e) quer se queira quer não, toda a revolução, por mais democrática que seja, traz perturbações,

problemas de aprovisionamento, rupturas de hábitos, modificações do «estatuto» social dos

indivíduos, etc.; pois não se pode passar de maneira totalmente ordenada e previsível de uma

estrutura a outra (ou a revolução é trans-estruturação); fatalmente pessoas, incluindo pessoas

pequenas são «perturbadas» pela revolução e aspiram à ordem.

f) é ainda mais verdadeiro na nossa época em que muitas pessoas, incluindo as de baixo são

alienadas, embotadas pelo consumo mais desvairado, a gadgetização da vida»,

o infantilismo débil do «capitalismo da sedução» como afirma S. Clouscard;

g) é preciso aguardar uma intervenção coordenada da Europa capitalista contra os

assalariados em greve, incluindo até a utilização do exército europeu, se um dia a França for

bloqueada pelos trabalhadores dos transportes; a França é um corredor de estradas,

de ferrovias, de rotas marítimas, a greve geral num país que não tem enormes usinas (de aço,

minas, têxteis….) passa pela união dos camionistas, dos ferroviários, dos assalariados da

estrada, dos assalariados dos aeroportos, das docas, os marinheiros, etc.; seria preciso sermos

ingénuos para acreditar que os Blair, Seillère (UNICE),Merkel, etc. o permitiriam! Já

sob Jospin, Blair tinha ameaçado a França se o frete de rodovias não fosse «liberado»! Ao

mesmo tempo, a contra-violência poderia ter o apoio do orgulho nacional; fora o exército de

ocupação de Merkel e Blair!

Por todas estas razões, num grande país imperialista como a França, (declinando no cenário

internacional e numa crise grave a nível nacional) não devemos esperar que a via do

socialismo esteja atapetada de rosas; não é portanto necessário afastarmo-nos receosamente

do socialismo pois o que nos é proposto não é estagiar num capitalismo tipo «trinta gloriosos»

ou correr a aventura da revolução: é de lutar pela revolução, com uma possibilidade de ganhar

e no mínimo guardar ou alargar as nossas aquisições (as reformas são uma queda da luta

revolucionária, Lenine) ou de correr a aventura degradante da «ruptura» thatcheriana, as suas

humilhações para os assalariados, a sua violência destrutiva do quotidiano, de todas as

maneiras, surtos de violência contra-revolucionária e surtos de contra-violência desesperados

abertos, tipo «Novembro de 2005».

Retorno à experiência de lutas

Concretamente, como se coloca o problema da violência em França se partirmos da

experiência política e social dos dez últimos anos?

O coração da FRAP, é «todos juntos» trabalhadores assalariados e a juventude, é a construção

da greve geral e esta é impensável sem a generalização de bloqueios de estrada, piquetes de

greves, de «zonagem» como é praticada pelos sindicalistas belgas (veja-se o bloqueio de

camiões, como o transporte rodoviário constitui um sector nevrálgico da produção capitalista

europeia de fluxo tenso, onde a França é um corredor incontornável. Não é à volta de

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comandos grupusculares de tipo de «acção directa» que poderá construir-se a contra-violência

revolucionária pois a violência, para os comunistas, não pode ser o substituto da luta

democrática de massas (não somos blanquistas, partidários das minorias de acção mas um

meio de relançar o movimento de massas, de o defender, de lhe dar confiança, de desarticular

as forças adversas semeando a dúvida sobre a sua invencibilidade. O problema é

então construir serviços de ordem disciplinados, dissociativos o mais possível, para fazer subir

o nível qualificativo de manifestações de trabalhadores (que devem cada vez menos ser

passeios festivos e mais ou menos infantis: é debilitante ver quadragenários tocar os tambores

em ar de rumba enquanto se manifestam para salvar a Segurança, o direito a uma reforma

decente! É preciso que os revolucionários reaprendam a escandir slogans defensivos, a

interpelar as pessoas que passam, etc.; não digo mais.

A questão politica é de pôr na ordem os AG soberanos, coordenados entre si inter-

profissionalmente, por zona de actividade, cidade, departamento, nação e mesmo se possível

internacionalmente e fazer respeitar na empresa, o voto maioritário: «não passam!» Não só

isso dissolverá o papel das organizações politicas e sindicais de classe, mas é nesse contexto

que os sindicalistas de classe, cada vez mais combatidos pelas grandes confederações

nacionais e internacionais (CES, CIS) têm oportunidade de se fazer ouvir e de conseguir

influenciar para dirigir.

A questão é assim que os «fortes» os sectores mais combativos, ajudam os «fracos» a

começar a greve, a ocupar a fábrica, o campo, o troço de auto-estrada. O problema é mandatar

direcções de greve, o mais «inter-pro» possível. E se as coisas se generalizarem, o problema é

ripostar ofensivamente, segundo principio da resposta graduada e sem aventureirismo, velando

sempre para que a contra-violência revolucionaria seja um factor politico de mobilização e não

um substituto da mobilização ou um factor de desmobilização. Isso exige também um trabalho

de junção política e «militar» entre as empresas (assalariados activos) os liceus

e facs (assalariados futuros) e os bairros populares (assalariados no desemprego, jovens

desclassificados que não se devem abandonar a fascistas, aos traficantes e aos fanáticos

religiosos). O que afirmo, não o invento, é a experiência dos movimentos combativos de massa

dos últimos anos.

Bem evidentemente, tudo isso reclama também um trabalho discreto, ou não segundo os

momentos em direcção das forças de repressão onde há também ao lado de elementos

irremediavelmente fascistas, carreiristas e primitivos, filhos de proletários e progressistas que

procuram sair da miséria entrando na polícia, pessoas sensíveis aos valores republicanos, etc.

Mas, para já é preciso militar para que o serviço militar universal volte a ser a lei em

França com grandes direitos democráticos para os chamados pois enquanto o exército for

inteiramente composto por mercenários, a eficácia do trabalho para os engajados será

extremamente limitada.

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Para já, do lado das organizações revolucionárias, a perspectiva da violência e da contra-

violência reclama medidas preventivas de securização face à fascização e às ameaças de

interdição fascista e euro-macartista, veja-se o exemplo checo (interdição da JC) prova-nos que

não há nenhuma paranóia nesse tipo de preocupação.

Conclusões provisórias

De modo geral, é preciso aguardar que os choques de classes no futuro combinem e/ou

alternem fases violentas e fases não violentas de revolução e contra-revolução. Mesmo que, no

seu todo, toda a revolução como toda a dominação de classe, é essencialmente violenta. O

problema decisivo é sempre político e não militar: é o da consciência popular é a partir daí que

se decide o uso ou não da violência de massas; nas condições dadas, ajude ela ou não a

aumentar a consciência de classe, a guardar ou a retomar a iniciativa politica, é preciso que as

massas entendam ou possam a pouco e pouco entender, pois por vezes é necessário partir

sem as massas: como no golpe do coronel Fabien no metro de Charonne, ou do mineiro

FTP Charles Debarge em Pont Cesarine de Lens que deram o sinal da luta comunista armada

contra os nazis) que esta ou aquela forma de violência seja legitima, que ela releve da

autodefesa do movimento popular, ou seja da sua legitima defesa… até que os trabalhadores

digam na sua massa e experiência que a melhor defesa é o ataque9 (10) é precisar regularizar

o problema da dominação de classe de uma vez por todas, e que «quando o governo viola os

direitos do povo, a insurreição é para o povo e para cada fracção do povo, o mais inviolável

dos direitos e o mais imperioso dos deveres.»

(Constituição da Republica Francesa, Ano II)

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1 É o artigo Linblad votado pela Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa em Junho de 2005, e também posto

em causa na Albânia por medidas diversas de interdição e de criminalização das organizações e ideias comunistas.

2 Assim como a via «pacífica» de destruição do socialismo também teve um fim sangrento. Foi também o caso na

Roménia e na Jugoslávia. Estudei a experiência histórica da contra-revolução provando que ela passava ao contrário o

filme da revolução confirmando como na paragem (mas claro invertendo-o) as leis da revolução estudadas por Lenine.

A contra revolução a leste, por mais pacífica que parecesse (falou-se no caso da Checoslováquia de «contra-revolução»

de veludo».) Foi possível pela enorme pressão militar dos Estados Unidos e pela segunda guerra-fria dirigida

por Reagan, que preparou abertamente uma guerra nuclear contra a URSS; e ela acabou com milhares de mortos,

deputados russos abatidos no Soviete de Moscovo, milhares de mortos na «revolução» da Roménia, guerras civis

contra revolucionárias do Cáucaso e da guerra da Jugoslávia. Nem falemos do que se prepara militarmente contra a

República de Cuba e contra a República popular da Coreia.

3 Veja-se no meu livro de 1997 «Mundialização capitalista» o capítulo intitulado O estado e a contra revolução onde

demonstro que a contra-revolução soviética, longe de seguir as leis da revolução analisadas por Lenine, as activou ao

contrário.

4 Examinei o problema da herança comunista do comunismo num número especial de Etincelles intitulado «a nossa

herança não foi precedida de qualquer testamento» (fórmula de René Char).

5 O legado mais negativo das práticas estalinistas foi o abafamento da contradição no partido, a recusa do livre debate

interno, característica da época leninista, o seguidismo em relação à direcção confundida com o partido: pois é sobre

tudo isso que os liquidadores gorbatchovianos e os seus homólogos de outros países se apoiam para liquidar o

Movimento comunista e os países socialistas. Não existe salvador supremo, o partido não tem de cultivar a imagem de

um chefe mas ensinar aos comunistas e por seu intermédio, às massas, a orientarem-se de modo justo por si próprias.

Sem isso as coisas avançam se o chefe for comunista mas tudo rui se o chefe se tornar …anticomunista. Eu mesmo

conheci um militante do SED (Alemanha do Leste) que por espírito de partido» votou a autodissolução do SED quando

a direcção desse partido a propôs! E era uma maioria!

6 Ver a admirável teoria e política de Michel Verret, que analisa de modo materialista o «culto da personalidade»

7 Em «Mundialização capitalista e projecto comunista, o tempo das cerejas», parte III, «para uma análise revolucionária

da contra-revolução». Ver também o meu artigo em Outubro «1917, causas, impacto, prolongamentos», caderno de

Espaços Marx.

8 Não penso aqui na questão puramente filosófica da legitimidade da violência em certas condições e certos limites

dados. Tratei então outras coisas deste assunto em «Materialismo e exterminismo», um longo manuscrito que nunca foi

editado.

9 Para convencer os trabalhadores da necessidade da insurreição seria pelo menos necessário a tentativa

de putsch contra-revolucionário de Kornilov, coloca em falso pelos bolcheviques. Os operários viram então que a

escolha não estava entre o statu quo e uma insurreição aleatória, mas entre uma insurreição bem preparada e a certeza

de uma contra-revolução branca sangrenta e vingativa.

*Georges Gastaud é secretário nacional do Pôle de renaissance communiste en France (PRCF)

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Tradução: Manuela Antunes