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Relatório final de pesquisa desenvolvido no Programa de Iniciação Científica da Universidade Estadual de Maringá, no período de agosto de 2005 a julho de 2006, sob orientação do Prof. Dr. Renilson José Menegassi.
A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO AFRO-DESCENDENTE NO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA MATERNA
Giselle Rodrigues Ribeiro (PIC-UEM) Renilson José Menegassi (UEM)
RESUMO: Esta pesquisa, que tem por tema a identificação da representação social do afro-descendente em livros didáticos de língua materna de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental, assim como a observação da influência e do condicionamento de comportamentos e de conhecimentos lingüístico-discursivos sobre os alunos, justifica-se na medida em que nossas crianças têm se defrontado, ao longo dos anos, com livros didáticos omissos no tratamento da enorme diversidade étnico-cultural brasileira e, especificamente, na representação dos diferentes grupos étnicos que compõem a multifacetada população nacional. Deste modo, subsidiado pela teoria de Bakhtin, pelos Parâmetros Curriculares Nacionais e por estudos a respeito do racismo na educação e da representação de grupos minoritários em livros didáticos, esta pesquisa objetiva refletir sobre como a representação social do afro-descendente se apresenta no livro didático de língua portuguesa e, ainda, no modo como os efeitos desta representação podem se manifestar em alunos que estão na idade de formação de valores. Para tanto, o diagnóstico no livro didático será conseguido mediante a identificação do modo como a representação social do afro-descendente se dá, neste material escolar, em termos da forma como a imagem deste grupo étnico é exposta, bem como da maneira que os costumes, a roupa, a música, a comida, o léxico e a religião dos afro-descendentes, por exemplo, são retratados neste material. Itens como a apresentação do texto não verbal, o nome, a função, o cargo e a posição social conferidos aos afro-descendentes são considerados nesta análise; em seguida, identifica-se como a imagem do afro-descendente é construída a partir da perspectiva bakhtiniana do “outro”. Por fim, percebe-se que a representação afro-descendente pode ser considerada em termos de a) inclusão positiva; b) pseudo-inclusão; c) inclusão negativa; d) inclusão da realidade. Palavras-chave: afro-descendente, representação social, livro-didático, diversidade étnico-
cultural.
INTRODUÇÃO
Ao longo dos últimos anos, nossas crianças e jovens têm-se defrontado com livros
didáticos omissos no tratamento da enorme diversidade étnico-cultural brasileira e,
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especificamente, na representação dos diferentes grupos étnicos que compõem a
multifacetada população nacional. Quando não há omissão, podemos dizer, igual e
infelizmente, que tais materiais são responsáveis por uma veiculação de imagens ou de
características de certos grupos étnicos que são incoerentes com o observado no meio social
que integramos, difundindo o preconceito e, intencionalmente ou não, estimulando atitudes
discriminatórias entre indivíduos que estão na idade de formação de valores ou mesmo
entre os demais componentes da sociedade escolar. Isto pode ser depreendido e
comprovado, por exemplo, a partir das palavras de Ana Célia da Silva, da Universidade
Estadual da Bahia (UNEB) e militante do Movimento Negro Unificado, sobre a população
negra. Segundo a autora, “sua presença nesses livros [ livros didáticos] foi marcada pela
estereotipia e caricatura, identificadas pelas pesquisas nas duas últimas décadas” (SILVA,
2005, p.23).
Tal situação tem como resultado a formação de crianças que, quando integrantes do
grupo étnico omitido ou depreciado, passam a contar com uma identidade frágil e
desajustada, com baixa auto-estima e tendentes a rejeitar os valores culturais de seu povo,
como inclusive a seu assemelhado étnico. Quando, por outro lado, esta criança faz parte da
classe média branca, grupo predominantemente representado nos livros didáticos, segundo
Rosemberg (1985, p.77, apud SILVA, 2005, p.21), para quem “o homem branco adulto
proveniente dos estratos médios e superiores da população é o representante da espécie
mais freqüente nas estórias, aquele que recebe um nome próprio, aquele que se reveste da
condição de normal” , essa criança simplesmente pode achar natural o discurso racista
direcionado a seu colega de sala de aula, tendo introjetado, através das caricaturas e
estereótipos com que tem contato, no livro didático, por exemplo, idéias de incompetência,
de feiúra, de sujeira, de maldade e de pobreza com relação à criança negra.
Diante destas graves conseqüências e consciente da importância de um tratamento
adequado da diversidade étnico-cultural brasileira tanto pelo professor, como pelo livro
didático de que ele se utiliza, que é, nos dias atuais, segundo Silva (2005, p.22), “um dos
materiais pedagógicos mais utilizados pelos professores, principalmente nas escolas
públicas, onde, na maioria das vezes, esse livro constitui-se na única fonte de leitura para os
alunos oriundos das classes populares”, este projeto de pesquisa, vinculado ao projeto
maior “A escrita e o professor: interações no ensino e aprendizagem de línguas” (Processo
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0408/04-UEM) e ao Grupo de Pesquisa Interação e escrita no ensino e aprendizagem
(UEM/CNPq-www.escrita.uem.br), ambos sob a coordenação do Prof. Dr. Renilson José
Menegassi (DLE), tem como tema a identificação da representação social do afro-
descendente nos livros didáticos de língua materna de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental,
observando-se a influência e o condicionamento de comportamentos e conhecimentos
lingüísticos-discursivos sobre os alunos.
O objetivo é refletir sobre o modo como a representação social do afro-descendente
se apresenta nas ilustrações do livro didático de língua materna, especialmente, sobre as
provocações que estas podem ter nos alunos que entrarem em contato com este material,
visando-se com isso uma contribuição para um melhor tratamento das diversidades étnico-
culturais. Assim, analisando livros didáticos de língua portuguesa atuais, empregados na
região de Maringá-PR, propomo-nos a identificar como se dá a representação social do
afro-descendente em termos do modo como sua imagem é exposta, do nome, da função, do
cargo e da posição social que lhe são conferidos, como da maneira que seus costumes, sua
roupa, sua música, sua comida, seu léxico e sua religião, por exemplo, são retratados neste
material; propomo-nos, ainda, identificar como a imagem do afro-descendente é construída,
a partir da perspectiva bakhtiniana do “outro” .
Para alcançar esses objetivos e contribuir para um ensino de língua materna
imiscuído da atenção para com um tratamento consciente e maduro das diferenças étnicas,
bem como da pluralidade cultural, conforme prescrito pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais, nos Temas Transversais, escolheu-se, para análise, as coleções de livros
didáticos Português: uma proposta para o letramento, elaborada por Soares (2002), e
Vivência e construção: Língua Portuguesa, das autoras Miranda, Lopes e Rodrigues (2004),
coleções que além de serem utilizadas na região de Maringá-PR, foram avaliadas pelo
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Ademais, deve-se dizer que o intuito de
simplificar a descrição destes volumes no processo analítico levou-nos a chamar os
exemplares da coleção da autora Soares de exemplares da coleção 1; assim como os de
Miranda, Lopes e Rodrigues de livros da coleção 2. Vale, ainda, destacar que esta
classificação não tem qualquer outro significado que não o de simplesmente ordenar as
coleções pelos respectivos anos de edição.
Por fim, quanto à composição deste relatório, tem-se, primeiramente, a fundamentação
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teórica do trabalho, que se pauta por uma perspectiva sócio-histórica de ensino e
aprendizagem, estando dividida em quatro seções: Racismo e Educação; A Pluralidade
Cultural nos Parâmetros Curriculares Nacionais; A Representação, nos livros didáticos, de
grupos considerados minoritários e O enunciado e o outro. Em seguida, passa-se à análise
da representação social do afro-descendente nas ilustrações dos livros didáticos, que é
realizada sob a perspectiva de Bakhtin e dividida em cinco seções: as capas dos livros
didáticos: inclusão; a inclusão das personagens afro-descendentes; a pseudo-inclusão das
personagens afro-descendentes; a inclusão negativa de personagens afro-descendentes; a
inclusão da realidade dos afro-descendentes. As seções de análise estão demarcadas por
exemplos de aspecto distinto do que foi observado e depreendido a partir do exame do
material didático; finalmente, a estas sucede a conclusão levantada.
1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1.1 RACISMO E EDUCAÇÃO
Nesta seção, objetiva-se apresentar as idéias de diferentes autores no que se refere
ao racismo na área educacional. Para tanto, são apreciados textos que abordam a questão
sob diversos enfoques, considerando-se, visões relativas à questão das raças nas leis
educacionais, como reflexões sobre a prática de se negar o preconceito no âmbito escolar e
uma tentativa de compreensão de como as relações raciais são construídas na escola, por
exemplo.
Em seu artigo Quantos passos já foram dados? A questão de raça nas leis
educacionais. Da LDB de 1961 a Lei 10.639, Lucimar Rosa Dias (2004) almeja, por meio
de uma investigação da questão da raça nas leis educacionais, tentar compreender como a
tensão racial vivida por negros e brancos, no cotidiano escolar, é refletida pelo sistema
legislativo educacional. Para tanto, o autor adota como modelo para sua pesquisa a
coletânea de leis brasileiras – federais, estaduais e municipais – em que Hédio Silva Junior
verifica o tratamento jurídico dispensado à questão da igualdade de raças.
Dias (2004), para quem o racismo é estruturante das relações de trabalho, sociais
e escolares, sendo, por isso, a raça um problema a ser discutido, faz uma revisão histórica
que começa no tempo da Primeira República para, assim, detalhar os resultados de sua
incursão pelas leis educacionais, demonstrando como estas sempre explicitaram uma
tentativa de embranquecimento da sociedade ao longo da história do país. Segundo o autor,
que pretende, então, demonstrar que as leis educacionais refletem as tensões existentes no
meio social, a questão racial serviu como um recurso argumentativo para a aprovação do
projeto de Lei 4.024/611 por parte dos educadores da época – estes recorriam ao tema “para
fortalecerem seus discursos de escola para todos” frente aos que defendiam o investimento
público em escolas confessionais e privadas. Isto, contudo, tendo em vista os obstáculos
que a defesa de uma sociedade racialmente igualitária precisa enfrentar no Brasil, não deve
fazer que a importância dada à questão racial na lei, conforme o autor, seja minimizada,
1 Lei de Diretrizes e Bases n° 4.024, decretada em 1961.
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ainda porque, mesmo de forma secundária, ela coloca como um de seus fins “a condenação
a quaisquer preconceitos de classe e de raça”.
Com relação à lei 9.394/962, Dias (2004) afirma haver um retrocesso na abordagem
da questão racial em comparação com o texto da lei 4.024/64, uma vez que, estando a
centralidade da lei 9.394/96 na questão de classe, o item que condena o preconceito de raça
simplesmente desaparece, mencionando-se apenas um “respeito à liberdade e apreço à
tolerância” em um momento em que a própria Constituição de 1988 já tratava o racismo
como crime a ser punido com pena de prisão. Para o autor, tal compleição da lei é danosa
na medida em que deixa de facilitar os “mecanismos de intervenção estatais” ou as
“reivindicações dos setores interessados nestas intervenções” como acontece quando a lei é
explícita. Ademais, segundo o autor, referências à questão racial são feitas na lei n°
9.394/96 somente quando se assegura às comunidades indígenas o uso de suas línguas
maternas e de processos particulares de aprendizagem – comunidades que, conforme o
autor, não contam com um discurso racializado em seu tratamento, como acontece com os
negros - e ao se explicitar as raças, as culturas e etnias que contribuíram para a formação do
povo brasileiro, devendo, por isso, serem consideradas pelo ensino de História do Brasil.
Diante deste panorama, todavia, o autor destaca que a lei não ignora a discussão sobre a
questão racial, existindo, não obstante, a ausência de um tratamento das especificidades da
população afro-descendente, como também uma diferença no modo como grupos indígenas
e negros são tratados.
Descrevendo, ainda, os Parâmetros Curriculares Nacionais, que inclui em um de
seus volumes uma proposta de abordagem da pluralidade cultural no meio escolar, e a lei nº
10.639/03 - incisiva e clara, para o autor - que torna obrigatória a inclusão da temática
História e Cultura Afro-brasileira no currículo oficial do ensino brasileiro, como produtos
da mobilização de intelectuais negros e não-negros e de movimentos provocados por estes,
Dias (2004) esclarece, por fim, sua crença: para melhorar os indicadores da educação
nacional que envolvem a questão racial são necessários sempre dois passos: a existência de
leis e, então, o “estabelecimento de políticas públicas que as efetivem” . O autor pontua,
igualmente, as leis de ensino n° 5.540/68 e n° 5692/71.
2 Lei de Diretrizes e Bases n° 9.394, decretada em 1996.
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Hédio Silva Junior (2002), em seu texto Discriminação Racial nas Escolas: entre a
lei e as práticas sociais, traz uma compilação de estudos qualitativos e quantitativos sobre
os aspectos principais das “relações raciais no sistema de ensino” , faz um inventário acerca
legislação federal referente ao tema, como também propõe políticas educacionais voltadas
para a igualdade de oportunidades e de tratamento dos indivíduos no sistema de ensino,
tendo como interesse que a efetividade dos instrumentos legais de sanção civil ou penal da
discriminação seja assegurada, como também o seja a adoção de medidas que contribuam
para a eqüidade de tratamento entre as pessoas dentro do sistema educacional, bem como
para que estas tenham oportunidades iguais.
De acordo com Silva Jr. (2002, p.14), para quem a escola “é, concretamente, um
preditor de destinos profissionais, ocupacionais e de trajetórias de vida, segundo a raça-cor
do alunado, (...) podendo ser um desencadeador ou um entrave ao seu pleno
desenvolvimento”, ao considerarmos os estudos que ponderam acerca da discriminação e
da exclusão étnico-racial no sistema escolar, percebemos que são poucos aqueles que
buscam a resposta para esta problemática dentro da própria escola, examinando “as
interações e relações entre professor-aluno e aluno-aluno” , como também “a relação
alunos-agentes educativos (diretores, coordenadores, inspetores de aluno, equipe
operacional)” , que é muitas vezes marcada por “autoritarismos e visões estereotipadas”.
Conforme o autor (2002), existe também, no que concerne à questão do preconceito e de
discriminação no meio social, uma lacuna muito clara entre os “enunciados legais” e o que
se observa na realidade com relação ao cumprimento dos direitos referentes à questão da
igualdade racial-étnica entre as pessoas. Perante isto, considerando o ambiente escolar,
Silva Jr (2002, p.34) propõe à escola um trabalho dos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs) em conexão com a Lei de Diretrizes e Bases – para que as instituições escolares
não tenham a possibilidade de considerar como “alternativos” temas como a pluralidade
cultural, que parecem se apresentar mais como uma sugestão dos PCNs, tendo em vista o
caráter de não-obrigatoriedade de seguimento deste documento revelado já no nome
“parâmetros” – e a nós, uma interrogação com relação à responsabilidade da escola “na
perpetuação das desigualdades” , pois, para o autor, a negação sistemática de uma imagem
justa para o outro e, logo, a negação e a visão estereotipada sobre os negros representa “um
dos mecanismos mais violentos vividos na escola”, bem como “um dos fatores que mais
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concorrem para a eliminação da criança negra” diante da indiferença e do silêncio às
“diversidades presentes no espaço escolar” .
Em seu artigo O preconceito racial e suas repercussões na instituição escola,
Waléria Menezes (2002) procura compreender como se constroem as relações raciais na
escola – um dos espaços da superestrutura social do Brasil para a autora – e como estas
contribuem para a formação da identidade das crianças negras. A autora coloca o
preconceito como o “desencontro da alteridade” e expõe o modo como ele se tornou fruto
de uma redução de aspectos culturais a critérios biológicos, os quais corroboraram para o
denegrir grupos minoritários, no caso, os indivíduos negros.
Para a autora, que trata também da representação da escola, do existente preconceito
racial nesta instituição e traz notas introdutórias sobre o lugar do negro no domínio escolar,
embora a escola seja um espaço de contradição – já que se põe a função social de ser um
lugar de preservação da diversidade cultural, “responsável pela promoção da eqüidade”, ao
mesmo tempo em que colabora para a desvalorização do grupo étnico a que a criança negra
pertence e para a destruição de sua identidade – ela pode proporcionar discussões
aprofundadas a respeito das diferenças presentes em seu meio, favorecendo o
reconhecimento e a valorização do grupo étnico negro, a partir do momento em que for
reconhecida como o espaço de reprodução de diferenças étnicas que é.
Rosemberg, Bazilli & Silva (2003), no artigo Racismo em livros didáticos
brasileiros e seu combate: uma revisão da literatura, propõem-se a fazer uma revisão da
produção existente no Brasil sobre “expressões de racismo nos livros didáticos”. Para tanto,
os autores fazem seu estudo considerando um percurso histórico, baseiam-se em um
levantamento bibliográfico sistemático e de produções publicadas nas últimas cinco
décadas, para, dessa forma, analisar a literatura nacional pertinente sob dois ângulos:
“publicações que enunciam o racismo em livros didáticos”; e publicações que fazem
referência ao combate ao racismo neste tipo de material.
Segundo os autores, embora a questão do racismo nos livros didáticos nacionais seja
apontada como um dos “primeiros exemplos de desigualdade racial na educação”,
apresenta-se diminuta e “ incipiente” , no Brasil, a produção de pesquisas sobre livros
didáticos em geral e, especialmente, sobre o racismo neste tipo de material escolar. Além
disso, conforme os autores, os estudos existentes não fazem referências a árabes, ciganos,
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judeus ou japoneses, aludindo, exclusivamente, a negros e a indígenas; apenas livros
didáticos para o Ensino Fundamental são preferencialmente focalizados, privilegiando-se os
de História e os de Língua Portuguesa e a circulação do livro didático ou o modo de sua
recepção por parte dos alunos ou dos professores raramente são o foco das análises, as
quais recaem, principalmente, sobre os textos e as ilustrações desta produção; fatores que,
agregados, configuram, de acordo com os autores, o conjunto da referida produção como
“frágil” , teórica e metodologicamente fragmentado e “ inconstante”.
Rosemberg, Bazilli & Silva (2003) abordam também, no artigo em questão, como
foram feitas as pesquisas sobre a questão racial no país desde a década de 50 e o modo
como estas adentraram o campo da educação; consideram que esses estudos ainda não se
preocuparam com expressões de racismo no processo de produção do livro didático ou
mesmo com a forma como brancos e negros se situam, nos “postos de trabalho”
relacionados à “distribuição e avaliação de livros didáticos incluídos no PNLD” com
relação às desigualdades raciais. Afirmam que as expressões de racismo no material
didático representam um dos modos de se produzir e sustentar o racismo no cotidiano
brasileiro e concluem examinando as ações principais que o movimento negro e os órgãos
oficiais vêm desenvolvendo para combater o racismo nos livros didáticos: o Programa
Nacional do Livro Didático e a Lei nº 10.639/03, que torna obrigatório o ensino da cultura e
história afro-brasileira no ensino fundamental e médio. Para os autores (2003, p. 18), que
temem que o “debate sobre relações raciais no Brasil [seja] focalizado exclusivamente nos
negros, retardando, ainda mais, o questionamento da construção da identidade racial
branca”, esta lei provoca uma certa apreensão no que se refere à sua aplicação e a suas
conseqüências para a produção do livro didático, tendo em vista os professores serem
formados inadequadamente para lecionar as disciplinas requeridas pela lei, como também
ser reduzida a “retaguarda de material didático de qualidade para uso de alunos e
professores”.
Tânia Maria Baibich (2002), em seu artigo Os “ Flinstones” e o preconceito na
escola, objetiva, através de um passeio pelos conceitos de alteridade e de preconceito,
conduzir o leitor à reflexão sobre a prática de se negar o preconceito no âmbito escolar e
sobre as conseqüências desse processo para a manutenção do mesmo tecido social. Para
ilustrar as reflexões acerca do encobertamento do preconceito, o que classifica como
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técnica Fred Flinstone* ou processo de “varredura para debaixo do tapete”. A autora
entrevistou professores de uma escola pública do Estado do Paraná, marcada por um maior
envolvimento político e com uma proposta de “sociedade mais igualitária no que se refere a
direitos e deveres de cidadania”, a fim de diagnosticar o comportamento da escola e do
corpo docente no que concerne à atitude de reconhecer a existência do preconceito e à sua
profilaxia.
Para Baibich (2002), vivemos em um país que, ao se defrontar com dados
estatísticos reveladores da discriminação existente contra indivíduos negros na sociedade,
prefere considerar-se livre de preconceito e ocultar um problema real. Parceira dessa
situação há, ainda, um sistema educacional que, além de enfrentar inocuamente conflitos e
processos de dominação de variados matizes, acredita, de acordo com a autora, no mito da
mestiçagem, funcionando, assim, “como estufa para o crescimento e a manutenção do
processo de exclusão dos diferentes” (p.03), sem que contribua para a escola almejada por
todos: capaz de alicerçar uma sociedade que não permita a prática de atos bárbaros contra
indivíduos discriminados como os ocorridos em Auschwitz contra os judeus. Apesar de
suas análises revelarem que mesmo uma escola que se pretende voltada para o convívio
com a diversidade toma medidas paliativas, mais no sentido de apaziguar do que de
modificar conflitos que envolvem preconceito e discriminação contra indivíduos,
enfrentando uma barreira grande e aparentemente intransponível de negação da situação,
“que, deliberadamente ou não, promove a manutenção do estado de preconceito bem como
da geração de indivíduos preconceituosos” (p.17), Baibich (2002) acredita em atitudes mais
efetivas para a questão, atitudes que sejam “agressivamente positivas” , para que se olhe o
problema nos olhos e, assim, possa-se combatê-lo. A autora (2002) pensa inclusive que, de
forma bastante geral, tendo a escola reconhecido, no nível do discurso, “a importância do
significado do pensar sobre si, sobre sua ação e sobre o outro, para poder transformar”
(p.12), tem igualmente um papel fundamental nesse processo de transformação das próprias
atitudes e do comportamento social.
Maria Elena Viana Souza (2001), em seu artigo Preconceito racial e discriminação
no cotidiano escolar, tenta identificar nas manifestações de alunos de sexta série (com
* Nome inspirado no desenho animado Os Flinstones, cujo personagem principal, Fred Flinstone, costuma esconder a sujeira debaixo do tapete quando instado por sua mulher, Wilma, a varrer a casa.
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idades que variam entre 11 e 18 anos) de uma escola municipal e pública do Rio de Janeiro
“atitudes, palavras, preferências e reações que possam conter significados preconceituosos
com relação às características raciais dos indivíduos” (p.02). Para tanto, a autora analisou,
primeiramente, as respostas e justificativas dos alunos com relação a suas preferências
estéticas diante de fotos de pessoas de raças distintas (um rapaz e uma garota negros; e um
rapaz e uma garota brancos); e, num segundo momento, suas respostas referentes a duas
situações: terem os alunos já presenciado alguma forma de discriminação e terem eles
observado alguma atitude discriminatória na escola (os estudantes deveriam contar como
estas se teriam passado em ambos os casos).
Em sua análise, Souza (2001) observou a escolha da garota branca, do rapaz negro,
da garota negra e do rapaz branco, respectivamente, como os preferidos, esteticamente,
pelos alunos em questão, como também constatou que os alunos negros ou afro-
descendentes que participaram da pesquisa, contribuindo com suas respostas, perceberam
mais formas de discriminação – tanto na escola, como fora dela – do que os estudantes
brancos também participantes. A autora aborda os fatores que teriam motivado a
preferência estética dos alunos na situação de pesquisa, informando-nos do predomínio da
consideração de aspectos físicos por parte dos alunos ao apreciarem as fotos; conceitua e
discorre sobre preconceito e discriminação; considera a percebida valorização do cabelo
liso na escolha feita pelos estudantes, para, então, abordar a questão do cabelo crespo no
imaginário do negro e, também, expõe que a resposta dos alunos quanto à preferência
estética é percebida no discurso feito do dia-a-dia escolar, “em cada atividade executada,
em cada relação que se estabelece entre alunos, professores, funcionários e direção” (p.07),
tendo em vista a escola ser um lugar de representações de culturas e de produção de
símbolos, de significados e de representações variados. Para Souza (2001), que considera a
discriminação contra indivíduos negros uma questão cultural e não uma questão de classe, a
escola tem importante papel a cumprir na desconstrução dos estereótipos criados pela
sociedade, pois é a ausência do preconceito racial contra a população negra e afro-
descendente como tema de discussões e de trabalhos no espaço escolar que contribui,
segundo a autora, para o estabelecimento sutil desse tipo de preconceito e para seu reforço
por meio do silenciamento que acaba por se estabelecer.
12
Marília Pinto de Carvalho (2004), em seu artigo Quem são os meninos que
fracassam na escola?, almejou conhecer as formas de produção do fracasso escolar que,
cotidianamente, é mais saliente entre meninos que cursam as sérias iniciais do Ensino
Fundamental. Com tal fim, a autora busca, por meio de um estudo que realizou com
crianças e professoras de 1ª a 4ª séries de uma escola pública de São Paulo entre 2002 e
2003,
compreender os processos que têm conduzido um maior número de meninos do que meninas, e, dentre eles, uma maioria de meninos negros e/ou provenientes de famílias de baixa renda, a obter conceitos negativos e a ser indicados para atividades de recuperação (p.01).
Seu estudo considerou as indicações das professoras sobre 203 crianças com relação aos
estudantes que foram indicados para o reforço em alguma etapa do ano letivo de 2002; que
causaram “problemas de disciplina” e que mereceriam o elogio de bom/boa aluno/a, como
também aquelas não citadas em nenhuma das situações.
Para Carvalho (2004), as distinções de desempenho na escola entre meninas e
meninos são impossíveis de serem investigadas sem que se considere as desigualdades de
classe e, especialmente, as distinções de raça, posto a maior parte dos garotos que
apresentam dificuldades escolares serem pertencentes a “minorias raciais e étnicas” e
provirem de famílias que possuem baixa renda. Tal conclusão foi possível uma vez que sua
análise revelou, com relação à questão racial na escola considerada, que todas professoras
afirmavam que esta temática não era “objeto de discussão na equipe escolar” ; que as
docentes “tenderam a classificar um número muito maior de alunos como brancos do que
eles mesmos o fizeram na auto-atribuição de cor” (p.15) realizada na pesquisa e que as
professoras tendem a avaliar “negativamente ou com maior rigor o desempenho” do
estudante se o perceberem como negro.
Ademais, foi igualmente perceptível dados como: 1) entre os alunos não citados há
uma alta proporção de estudantes “com renda familiar até dez salários mínimos e que se
classificam como negros”, ao mesmo tempo em que é forte a presença de “alunos de renda
alta, autoclassificados como brancos, no grupo elogiado” (p.18); 2) a proporção de
estudantes percebidos como brancos entre os elogiados foi significativamente maior e 3)
no caso do desempenho de meninos percebidos como negros, raça atribuída e sexo combinam-se de forma perversa e, embora numericamente sejam poucos, eles estão em proporção especialmente alta entre os alunos com dificuldades de aprendizagem (p.16).
13
É por constatações como estas, então, que Carvalho (2004) aponta a necessidade de não
apenas “desmontar os estereótipos de mau aluno que estigmatizam os meninos negros e
pobres, considerando-os a priori como fracassados, rebeldes, machistas, violentos etc”
(p.03), mas ainda de se discutir a
cultura escolar como fonte importante na construção das identidades de meninos e meninas, seja na reprodução de estereótipos e discriminações de gênero, raça e classe, seja na construção de relações mais igualitárias (p.24).
O que se depreende, em suma, a partir dos textos considerados, é a necessidade
constante de luta dos indivíduos de etnias consideradas minoritárias, como é o caso da afro-
descendente, tendo em vista que mesmo as leis educacionais dificilmente consideraram as
especificidades da população negra, contribuindo sobremaneira, na verdade, para as
tentativas de branqueamento da sociedade ao longo da história brasileira.
Diante disto, no plano legal, faz-se verdadeiramente importante a definição de leis
que promovam a eqüidade de tratamento entre as pessoas no sistema educacional e no meio
social, considerando e coibindo o racismo que infelizmente ainda estrutura as relações
sociais, profissionais e escolares dos indivíduos, como também o estabelecimento de
políticas públicas que efetivem os instrumentos legais existentes contra as práticas
preconceituosas e discriminatórias. Com relação à cultura escolar, sua discussão, por sua
vez, faz-se igual e extremamente fundamental, posto que pode ser a medida necessária para
as diversas instâncias sociais e as pessoas propriamente ditas começarem interrogar-se a
respeito da responsabilidade da escola no processo de perpetuação de desigualdades: a
escola que hoje, por exemplo, como se observa pelas experiências apresentadas, prediz
destinos e trajetórias dos alunos segundo suas cores, eliminando sistematicamente a criança
negra que se confronta na escola, em via de regra, com a indiferença da instituição diante
da diversidade, com o silêncio perante a discriminação que sofre e com a formação de
colegas preconceituosos ou que se auto-rejeitam devido a introjeção de visões
estereotipadas contra a própria etnia que é promovida pela escola com auxílio, muitas
vezes, do livro didático, pode vir a ser uma escola comprometida com a diversidade étnica
e cultural, contribuindo para a formação da identidade das crianças negras, como também
para a construção da identidade racial do próprio branco, deixando, portanto, de se
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constituir com um entrave ao pleno desenvolvimento das crianças e adolescentes que
constroem a diversidade dentro do ambiente escolar.
1.2 A PLURALIDADE CULTURAL NOS PARÂMETROS CURRICULARES
NACIONAIS
A partir da leitura dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), o objetivo desta
seção é apresentar o conceito de pluralidade cultural, a forma como ela se manifesta na
sociedade e no meio escolar, como também a proposta de trabalho na/para a escola sugerida
pelos PCNs sobre o tema. Para tanto, é interessante destacar, previamente, que a abordagem
feita encontra-se no volume denominado Temas Transversais (PCNs - TT), cujo propósito
é o de refletir como levar alunos de 5ª a 8ª séries a terem as capacidades de “eleger critérios
de ação pautados na justiça, detectando e rejeitando a injustiça quando ela se fizer
presente”, e de “criar formas não violentas de atuação nas diferentes situações da vida”
(BRASIL, 1988, p. 35).
De acordo com os PCNs - TT (1998, p. 121), o tema da pluralidade cultural
diz respeito ao conhecimento e à valorização de características étnicas e culturais de diferentes grupos sociais que convivem no território nacional, às desigualdades socioeconômicas e à crítica às relações sociais discriminatórias e excludentes que permeiam a sociedade brasileira, oferecendo ao aluno a possibilidade de conhecer o Brasil como um país complexo, multifacetado e algumas vezes paradoxal.
Pensar deste modo a pluralidade de culturas existente no país, é considerar a
relevância do fato de se viver em uma sociedade plural de que compartilham diferentes
grupos e tradições. É saber que não apenas distintas etnias compõem a multifacetada
população nacional, mas que imigrantes de diferentes países também vieram para o Brasil.
É formar um sentido consciente de Brasil, para que se possa, então, valorizar as diferenças
étnicas e culturais complementares que se evidenciam e, desta maneira, partir para uma
(con)vivência democrática, marcada, portanto, pelo respeito garantido aos outros e a si.
A pluralidade cultural faz referência às desigualdades socioeconômicas, porque as
relações de poder que condicionam as últimas, também constituem e marcam as produções
culturais. Além disso, faz-se impossível compreender a discriminação existente no país sem
15
a recorrência ao contexto socioeconômico em que ela ocorre, como também à “estrutura
autoritária que marca a sociedade” (BRASIL, 1988, p. 121).
Inclui-se, da mesma forma, “a crítica às relações sociais discriminatórias e
excludentes que permeiam a sociedade brasileira” no que concerne à temática da
pluralidade cultural, tendo em vista que o conhecimento da diversidade cultural da nação
possibilitar a percepção não só da discriminação que engendra, freqüentemente, uma injusta
e étnica divisão de classe social no país, mas, também, de que a valorização do dito
“diferente”, a qual pode ir de encontro à motivação dessa estratificação, não é a adesão a
costumes e ideais do outro, mas é o respeito, conforme os PCNs (1998, p. 121), à expressão
da diversidade.
Segundo os PCNs (op. cit, p. 137), o tema da pluralidade cultural oferece ainda aos
estudantes
oportunidades de conhecimento de suas origens como brasileiros e como participantes de grupos culturais específicos. Ao valorizar as diversas culturas presentes no Brasil, propicia ao aluno a compreensão de seu próprio valor, promovendo sua auto-estima como ser humano pleno de dignidade, cooperando na formação de autodefesas a expectativas indevidas que lhe poderiam ser prejudiciais.
A consciência de que todos os cidadãos brasileiros somos pluriétnicos promove a
motivação para que os indivíduos trilhem as próprias árvores genealógicas, quando não,
fazendo descobertas a respeito das mesmas. Os alunos terão chance de perceber, assim, que
a carência cultural atribuída a certos grupos por algumas doutrinas pedagógicas não tão
antigas não se fundamenta, conferindo-se, então, valor. Ademais, segundo o PCN (1998, p.
137), a auto-estima das pessoas, torna-se fortalecida por esta autopercepção mais elaborada,
de modo que não apenas o caminho para “o diálogo com o Outro” se abre, mas a
democracia também possa se enrijecer pelo “adensamento do tecido social que se dá, pelo
fortalecimento das culturas e pelo entrelaçamento das diversas formas de organização
social de diferentes grupos” (p. 137).
É por essa razão que o documento afirma a relevância da vivência, do ensinamento
e da aprendizagem da pluralidade cultural como meio de construção da cidadania em uma
sociedade pluriétnica e pluricultural como a brasileira. Vivê-la, porque a pluralidade nos é
intrínseca e faz-se tempo admiti-la e absorvê-la; aprendê-la, porque nem sempre se está
desperto para o que nos constitui real e já naturalmente; ensiná-la, para a disseminação da
16
consciência dessa pluralidade e para que se note, segundo esses parâmetros, que o espaço
público permite a “coexistência, em igualdade, dos diferentes” (p. 117).
Com relação à pluralidade cultural em nosso meio social, os PCNs (1998, p. 125)
afirmam:
A diversidade marca a vida social brasileira. Diferentes características regionais e manifestações de cosmologias ordenam de maneiras diferenciadas a apreensão do mundo, a organização social nos grupos e regiões, os modos de relação com a natureza, a vivência do sagrado e sua relação com o profano.
Isso se confirma à medida que se (re)conhece a existência, no território nacional, de
mais duzentas etnias indígenas, de uma enorme população integrada por pessoas
descendentes dos povos africanos, como também de um conjunto numeroso de pessoas
imigrantes ou destes descendentes que apresentam tradição religiosa e cultural peculiares
(1998, p. 125).
Todavia, de acordo com os PCNs (1998, p. 120-1), embora o Brasil construa
experiências de convívio, reelaborando culturas de origem, de modo a formar o que permite
a cada um reconhecer-se brasileiro, “a brasilidade” ; paradoxalmente, o desconhecimento
dos indivíduos sobre a heterogeneidade de seu país faz com que este seja, ao mesmo tempo,
marcado pela discriminação, pelo preconceito e pela injustiça.
Para os PCNs (1998. p. 122), registra-se, historicamente, “dificuldade para se lidar
com a temática do preconceito e da discriminação racial/étnica”. Tal informação leva-nos,
por sua vez, não apenas ao mito da democracia racial formado no país, graças ao qual as
“discriminações praticadas com base em diferenças ficam ocultas sob o manto de uma
igualdade que não se efetiva, empurrando para uma zona de sombra a vivência do
sofrimento e da exclusão” (BRASIL, 1998, p. 126), mas principalmente ao papel que a
escola tem nesta situação.
De acordo com os PCNs (1998, p. 125), no meio escolar, “onde a diversidade está
presente diretamente naqueles que constituem sua comunidade” , a existência da
pluriculturalidade da sociedade brasileira está sendo “ ignorada, silenciada ou minimizada”.
Isso significa dizer que o lócus promotor da cidadania que a escola deveria ser está, na
verdade, desconhecendo, omitindo ou desconsiderando toda essa complexidade e
multifacetação que constituem os cidadãos do Brasil.
17
Conforme os PCNs (1998, p. 126), a idéia de “um Brasil sem diferenças, formado
originalmente pelas três raças – o índio, o branco e o negro – que se dissolveram dando
origem ao brasileiro” , veiculada na escola e agora inclusive nos livros didáticos, neutraliza
distinções culturais e, às vezes, subordina uma cultura à outra. “Divulgou-se, então, uma
concepção de cultura uniforme, depreciando as diversas contribuições que compuseram e
compõem a identidade nacional” . Em outras palavras, isso representa que em lugar de
promover a consciência da diversidade como parte inalienável da identidade nacional, a
escola tem colaborado para a compreensão sobre um Brasil unívoco que não existe.
Como resultado desta situação, tem-se na escola, de acordo com os PCNs (1998, p.
122-6), um ambiente marcado, ainda que inconscientemente, por manifestações de racismo
e por discriminação racial/étnica entre educadores, alunos e funcionários administrativos.
Esses acontecimentos, além de moldar um quadro perverso pelo que geram de expectativas
preconceituosas em relação ao desempenho do aluno na situação de sala de aula,
representam, da mesma forma, uma transgressão aos diretos dos indivíduos envolvidos,
“trazendo consigo obstáculos ao processo educacional pelo sofrimento e constrangimento a
que essas pessoas se vêem expostas”.
Cientes das práticas cultural e historicamente arraigadas da escola, os PCNs
consideram, todavia, que o meio escolar tem um papel fundamental a desempenhar no
reconhecimento da complexidade que envolve a problemática étnica, cultural e social do
país (1998, p. 123).
Em primeiro lugar, porque é um espaço em que pode se dar a convivência entre estudantes de diferentes origens, com costumes e dogmas religiosos diferentes daqueles que cada um conhece, com visões de mundo diversas daquela que compartilha em família. (...) Em segundo , porque é um dos lugares onde são ensinadas as regras do espaço público para o convívio democrático com a diferença. Em terceiro lugar, porque a escola apresenta à criança conhecimentos sistematizados sobre o país e o mundo, e aí a realidade plural de um país como o Brasil fornece subsídios para debates e discussões em torno de questões sociais.
Percebe-se que esse desempenho da escola faz-se possível, para os PCNs, através do
trabalho com a pluralidade cultural. O fato de na realidade escolar, conforme os PCNs
(1998, p. 127), ser preciso a referência à fontes diversas que nutrem as identidades dos
alunos, faz com que o recurso ao outro, ou seja, “a valorização da alteridade como elemento
constitutivo do Eu, com a qual experimentamos melhor quem somos e quem podemos ser” ,
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seja algo imprescindível. Isso porque a percepção de cada um, de forma individual, elabora-
se com maior precisão devido ao outro, “que se coloca como limite e possibilidade”.
Assim, de acordo com os PCNs (1998, p. 123), para que informações mais precisas
sejam fornecidas a questões que, quando não ignoradas, vem sendo respondidas
indevidamente pelo senso comum, há necessidade de a escola se instrumentalizar. A
formação de docentes, no tema da pluralidade cultural, torna-se, portanto, para os PCNs,
mais do que uma imperiosa necessidade, um “exercício de cidadania”. Isto porque, assim,
teremos um professor conscientizado para o trabalho com a diversidade e com
conhecimento e sensibilidade suficientes para ter, na pluralidade cultural, uma aliada de sua
prática pedagógica nas diversas disciplinas inerentes ao sistema escolar, como também para
perceber que o discernimento é indispensável no tratamento das questões de discriminação
que no momento venham a persistir no cotidiano escolar.
Segundo os PCNs (1998, p. 129), a reflexão norteadora da atuação na escola deve
ter “um cunho eminentemente pedagógico”, balizando-se, entretanto, no entendimento de
preceitos jurídicos, em uma fundamentação ética, em conhecimentos acumulados em
Geografia e História, em conceitos e noções oriundas da Lingüística, da Antropologia, da
Psicologia, da Sociologia, em aspectos relativos a Estudos Populacionais, como inclusive
no saber “produzido no âmbito de movimentos sociais e de suas organizações
comunitárias” . Isto acontece, por sua vez, pelo fato de o campo de estudos teóricos da
pluralidade cultural ter um caráter interdisciplinar, mesmo porque os desafios e conquistas
do povo brasileiro, no processo histórico, não devem ter um tratamento pautado no senso
comum.
O que se percebe, enfim, na proposta de trabalho dos PCNs, é um interesse em
conteúdos voltados para o conhecimento da realidade brasileira através da potencialização
máxima da prática de transdiciplinaridade na escola. Isso se justifica na medida em que a
oferta de informações de áreas diversas e relacionadas às experiências dos indivíduos
permite um conhecimento mútuo dos alunos entre si e a respeito de seus concidadãos,
pessoas de origens socioculturais diferentes. Para os PCNs (1988, p. 135),
trata-se também de recuperar, de forma não depreciativa, conhecimentos dos grupos étnicos e sociais, permitindo, ainda, que se evidencie o saber emergente, aquele que está em elaboração como parte do processo social de conscientização e afirmação de identidades e singularidades.
19
A transversalização é vista pelos PCNs, em suma, como portadora da capacidade de
proporcionar ao aluno uma consciência para que construam juntos, escola e estudantes, um
ambiente de aceitação, calcado no respeito; de apoio à expressão estudantil, caracterizado
pelo interesse; e de incorporação das contribuições que possam ocorrer por parte da
comunidade escolar, marcado pela valorização à diversidade. Tem-se, assim, uma
percepção de manifestações de preconceito e de injustiça, como também a construção de
uma escola democrática alicerçada na cidadania.
1.3 A REPRESENTAÇÃO, NOS LIVROS DIDÁTICOS, DE GRUPOS
CONSIDERADOS MINORITÁRIOS
Esta seção tem por objetivo apresentar as visões de diferentes pesquisadores sobre a
representação do negro, do índio e da mulher no livro didático, representantes de grupos
naturalmente excluídos e marginalizados da sociedade brasileira. Esta visão restringe-se a
esses três grupos, em específico, não apenas por causa do objetivo que apresenta este
trabalho, mas, também, devido à escassez existente de textos abordando a representação de
outros grupos considerados minoritários no material didático, como é o caso dos judeus,
dos árabes e dos ciganos.
Em seu artigo Representações de gênero em ilustrações de livros didáticos, Pires
(2004) objetiva identificar de que forma o feminino e o masculino são representados nos
livros didáticos por meio de imagens, como se legitimam e reforçam identidades a partir
disso e quais são as transformações e regularidades ocorridas nesse corpus, nas últimas
duas décadas, tendo em vista as mudanças culturais e sociais observadas no campo do
gênero. Para tanto, a autora fez uso de livros didáticos de Língua Portuguesa indicados para
a 4ª série do Ensino Fundamental, utilizados tanto no início da década de 80 como em dias
mais próximos - 1998/2002, tendo sido os primeiros (no total de nove livros) encontrados
em bibliotecas de escolas da rede pública de Porto Alegre e os últimos (em número de
oito), livros inscritos e avaliados no PNLD.
Examinado os manuais didáticos dos dois momentos, Pires constata que a similitude
e a estereotipação são duas características que permeiam as ilustrações de forma abrangente
– a primeira faz referência à semelhança na representação de homens e mulheres, já que
20
descontados os estilos de ilustração, substancialmente “poderia se dizer que havia uma
espécie de livro único”; a segunda alude a reprodução de um modelo de masculino e de
feminino, de forma a se apresentar “ ‘ tipos’” . A autora observa também a existência, nas
ilustrações, de traços infantilizadores nas figuras de ambos os sexos, e que, em sua maior
parte, esses materiais dão maior visibilidade - tanto em textos como nas ilustrações - ao
gênero masculino, colaborando, de certo modo, para reforçar as desigualdades de gênero.
Ademais, há, conforme Pires, o fato de os meninos serem sempre colocados de forma ativa,
“o mesmo não ocorrendo com a mesma freqüência em relação à menina” , o que demonstra
que estas não recebem o mesmo tipo de tratamento nas ilustrações e evidencia as visões
estereotipadas que são veiculadas por esse material.
Com essa análise, além de perceber que os livros didáticos podem reforçar
identidades como se estas fossem de todo um grupo social, Pires ressalta que as imagens
trazidas por esses manuais “representam práticas sociais muitas vezes exigidas como
comportamentos adequados e esperados em meninos e meninas”. Além disso, a autora nos
afirma que são as práticas sociais masculinizantes e feminizantes, em consonância com as
concepções de cada sociedade, que constroem o masculino e o feminino, sendo, ademais, as
ilustrações “persuasivas e simbólicas” e portadoras de “características masculinas e
femininas que, de certa forma, parecem imutáveis ou intransponíveis, produzindo a
impressão de que existe uma única forma de ser mulher e de ser homem”.
Em seu artigo Identidades étnicas: a produção de seus significados no livro
didático de geografia, Tonini (2005), a partir de uma análise de livros didáticos de
geografia, de 7ª e 8ª séries, existentes no mercado editorial, no momento em que escreve,
procura expressar que os discursos inscritos nesses materiais, como resultado da
colonização da questão étnica pela geografia, “dão visibilidade e tornam dizíveis
hierarquias étnicas entre os povos”. Desse modo, a autora visa a dar prosseguimento a uma
desnaturalização do conceito de etnia formado pelos respectivos livros, os quais, segundo
ela, deslocaram os sentidos da questão étnica.
A autora evidencia a questão da etnia como um sinal para marcar as diferenças entre
as pessoas, distinções as quais são demarcadas por um grupo de poder, o conjunto daqueles
que carregam o olhar branco ocidental. Tenta “mostrar como as questões étnicas são
construídas como objetos discursivos na geografia e, ao mesmo tempo, mostrar como elas
21
foram adquirindo sentidos, significações” , isso tudo por meio da análise da produção étnica
através de dois focos, a nacionalidade e o gênero, e distanciando-se de uma noção de etnia
cristalizada.
Com sua análise, Tonini constata a presença constante sempre das mesmas etnias,
escolhidas por um critério hegemônico (devido a relações de poder), grupos os quais
demonstram ter alguma importância política ou econômica, de um modo ou de outro, por
suas presenças estarem sempre credenciadas a algo. Além disso, percebe que, embora a
maioria dos livros didáticos atualmente inove ao apresentar um maior número de imagens
das etnias minoritárias, eles continuam sem contextualizar esses grupos, pois lhes faltam
audácia política para fazê-lo, e que os mais recentes discursos geográficos dos livros
didáticos se fazem contraditórios, posto afirmarem adotar uma perspectiva humanista, que
respeita as diferenças e o modo de vida de cada grupo étnico, ao mesmo tempo em que
ainda revelam um discurso cristalizado, que traz a divisão entre etnias superiores
(européias/estadunidenses) e etnias inferiores (asiáticas/africanas/latinas), produto de “um
projeto capitalista/modernista que fomentou o apagamento de determinadas etnias” .
O artigo Livros didáticos e fontes de informações sobre as sociedades indígenas no
Brasil, de Grupioni (2005), empreende uma crítica a livros didáticos em uso, apontando
suas deficiências mais recorrentes no que se refere à visão que ajudam a formar – a qual é,
conforme o autor, “equivocada e distorcida” – a respeito de grupos indígenas.
Grupioni, além de destacar que a produção e acumulação de conhecimentos sobre as
sociedades indígenas brasileiras não ultrapassaram os círculos acadêmicos, sendo ignorado
muito disso nos programas curriculares, quando não mal trabalhado, aponta, tecendo
críticas, como o índio é exposto no livro didático – estereotipado, com imagens genéricas e,
muitas vezes, contraditórias, enfocados, ao lado dos negros, no passado, e de forma
secundária, ou seja, “em função do colonizador” . Ademais, assinala como o índio está
representado na história do Brasil, abordando pontos como o descaso com a menção da
questão da origem desses povos e os perfis que lhes são atribuídos ao longo da história.
Grupioni indica também como se pode chegar a uma redução do preconceito existente com
relação a esse grupo étnico. Através da veiculação de informações corretas e
contextualizadas e, para tanto, de um reposicionamento quanto à questão das entidades
envolvidas, como os professores, os antropólogos, os autores dos manuais didáticos, as
22
editoras, o Governo Federal e os próprios índios, poder-se-ia, conforme ele, visar-se a um
tratamento melhor da diversidade étnica e cultural existente no Brasil. O autor traz,
inclusive, inúmeras dicas/referências a fontes de informações sobre as sociedades indígenas
no país.
Freire (2002), em seu artigo A imagem do índio e o mito da escola, lança reflexões e
discute tanto a imagem do índio construída pela escola, como a representação da escola
elaborada pelos índios. A primeira, única, “enganadora e equivocada”, apresenta o índio
como um ser “ inferior” , sendo, portanto, preconceituosa e baseada em pressupostos
ultrapassados, colaborando para apagar a participação dos diferentes povos indígenas na
formação cultural brasileira. A segunda traz discursos que evidenciam a visão tida pelos
índios da escola como “ ‘devoradora’ não apenas da identidade étnica, mas da própria
identidade nacional” .
Freire expõe também alguns equívocos sobre os índios, mais “profundamente
enraizados na consciência da sociedade e dos professores que dela fazem parte”, afirma que
se torna impossível compreender o Brasil atual com essas idéias equivocadas difundidas
pelo meio escolar e, através das palavras do professor guarani Algemiro Poty, ressalta a
importância de termos todo um sistema nacional de educação que seja intercultural, uma
escola que deixe de ser monocultural e etnocêntrica e que seja diferenciada, considerando o
multiculturalismo existente entre os indivíduos.
No artigo A visão do negro no livro didático de português, Menegassi & Souza
(2005) tem por objetivo analisar o modo como o grupo étnico negro é representado no livro
didático de Língua Portuguesa. Para isso, os autores fizeram uso de duas coleções de
livros, de 5ª a 8ª séries, a saber, A palavra é português, das autoras Graça Proença e Regina
Horta, e Leitura do mundo, das autoras Norma Discini e Lúcia Teixeira, utilizadas na
região de Umuarama-PR, em escolas da rede pública, e aprovadas pelo Ministério de
Educação e Cultura. Nelas se examinaram os textos e as ilustrações, a fim de se verificar
como a pluralidade cultural vem sendo trabalhada, no ambiente escolar, por meio desse
material.
Como resultado desse trabalho, Menegassi & Souza observaram a presença de
marcas racistas e de formas de discriminação que corroboram a manutenção de uma visão
preconceituosa, como também para a baixa auto-estima das crianças e adolescentes negros
23
que venham a utilizar esse material sem que o mesmo tenha tido um tratamento crítico
adequado. Diante desse quadro, os autores destacam a necessidade de aspectos de
pluralidade cultural serem abordados mais cuidadosamente tanto pelos produtores de livros,
como pelos professores, que devem mediar a interação dos alunos com os textos em
questão, além a importância de se atentar aos livros didáticos recebidos pela escola e à
formação do professor, para que se possa prover, então, um ensino que compreenda a
“necessidade de aprender a conviver com as diferenças” e, assim, uma educação que se
comprometa a dar valor ao ser humano.
Ao pesquisar sobre a representação da criança não-branca em textos e ilustrações
de livros da coleção ALP, análise, linguagem e pensamento: um trabalho de linguagem
numa proposta socioconstrutivista, de língua portuguesa e literatura, pela mesma ter sido a
“classificada como a mais adotada na rede pública de ensino da cidade de Maringá, no
período compreendido de maio de 1998 a junho de 1999”, momento da execução de seu
trabalho, Oliveira (2004), em seu artigo O silenciamento do livro didático sobre a questão
étnico-cultural na primeira etapa do Ensino Fundamental, constata, na escola, um
ambiente degenerador da auto-estima das crianças não-brancas, pelo fato de as mesmas não
se virem positivamente representadas no material didático de que se utilizam.
Para Oliveira, o livro didático participa da velada política do branqueamento
existente na sociedade nacional ao preconizar e difundir exclusivamente a estética e os
valores da cultura branco-ocidental e, como conseqüência, silenciar sobre a presença dos
diferentes, entre os quais se situam os afro-descendentes, no material didático. O autor
identifica essa prática como uma censura “às referências étnico-culturais” desses indivíduos
que contribui para a sedimentação da exclusão social de um grupo étnico significativo da
população brasileira, uma vez que as crianças não-brancas não possuem, desse modo,
parâmetros para se verem positivamente inseridas no meio social. Além disso, Oliveira
destaca uma grande preocupação com o fato de a presença do negro, quando observada, ser
focalizada em termos de exotismo e folclore, omitindo a participação atuante do negro na
sociedade atual, devido ao fato de os livros em questão serem indicados para séries de
alunos que estão na idade de formação de valores, podendo os conceitos assimilados
“moldar as suas personalidades, construindo suas identidades e reforçando padrões de
comportamento”.
24
Menegassi (2004), em seu artigo A representação do negro no livro didático
brasileiro de língua materna, enfoca o modo como os livros didáticos de língua materna
contribuem para a difusão de preconceitos e práticas racistas na medida em que nestes se
encontram “ leituras de textos e exercícios que constroem uma inaptidão à criticidade do
aluno, levando-o à passividade” . Para isso, o autor parte de uma análise de como a
representação do negro está sendo construída nas escolas brasileiras, sobretudo entre os
alunos de 5ª a 8ª séries, dentro do livro didático brasileiro de língua materna.
Menegassi utiliza como exemplo de uma sociedade escolar que não possui massa
crítica o suficiente para questionar as visões de marginalidade que imperam nos materiais
didáticos e que aumenta o seu número de leituras, sem que esta cresça também em
qualidade e criticidade, a forma como é apresentada a letra da música O meu guri, de Chico
Buarque, no livro didático Português: leitura e expressão (Márcia Leite e Cristina Bassi, 7ª
série, São Paulo, Editora Atual). O autor apresenta uma análise de como a música é
exposta, apontando essa exposição como fruto de uma “ leitura superficial e unilateral”
construída pelas autoras do material. Chama-nos igualmente a atenção para a inaptidão de
leitura de professores e alunos, para o fato de que “são perfeitamente possíveis outras
leituras, a partir do material lingüístico apresentado” (além desta, que demonstra uma
“visão burguesa e preconceituosa”), para as necessidades cruciais de o professor ter uma
visão ampla sobre o processo de leitura, destacando a questão da formação do leitor, “que
necessariamente deve estar ligada às noções de cidadão e eleitor” , e para o imperativo de se
alterar o material didático, o qual se apresenta inadequado para o tratamento correto das
diversidades étnicas.
Silva (2005), em seu texto A representação social do negro no livro didático: o que
mudou?, investigou a existência de transformações na representação social do negro no
livro didático, como também os fatores que, nos anos 90, promoveram essas mudanças. Tal
escrito motiva-se, também, pelo fato de a autora já ter realizado trabalhos prévios que
constataram a presença de preconceitos e estereotipia contra o negro nesse material escolar.
A autora baseou a parte empírica de seu trabalho no exame de cinco livros de Comunicação
e Expressão, de séries iniciais, editados pela editora FTD, na década de 90, que
apresentaram transformações significativas na representação do negro, além de na análise
de depoimentos de autores e ilustradores. Silva pode refletir sobre os determinantes dessa
25
transformação, uma vez que foram verificadas mudanças positivas na representação social
do negro nesse material, chegando à conclusão de que a convivência, os valores afro-
descendentes, a discriminação racial, o cotidiano e a realidade vivida, a identidade étnico-
racial dos entrevistados, as leis e as normas, a mídia, a família, os papéis e funções
desempenhados pelo ilustrador do livro e o Movimento Negro formam os itens
determinantes das mudanças observadas.
No artigo Representações sobre o negro e um novo senso comum, Praxedes &
Praxedes (2004) elencam um exemplo de representação dos indivíduos de etnia negra ainda
em vigência em nosso imaginário, o qual corrobora a visão depreciativa e preconceituosa
existente sobre esse grupo, como também o trecho bíblico em que tal fábula encontrou sua
“ formulação canônica”, para, desse modo, discutir a representação que os afro-
descendentes apresentam hoje.
Os autores destacam a importância que vêem na figuração de um trabalho
continuado de criação de novas representações sobre o negro, destacando também a
possibilidade de se estudar de forma crítica essas representações, a fim de se entender como
as mesmas se formam, o que evidenciam, ocultam e o modo como exercem influência nas
ações cotidianas dos indivíduos representados. Além disso, alertam para a necessidade de
se prosseguir com o trabalho de desconstrução das representações dominantes a esse
respeito, que quase sempre associam os negros a situações de seu “passado colonial” .
Praxedes & Praxedes indicam também que a crítica cultural pode contribuir em muito para
a superação das representações que controlam as identificações negras e para a “construção
de um novo senso comum sobre os negros brasileiros”, apesar de ser este, conforme
afirmam, um país em que os afro-descendentes não obtiveram uma visibilidade à altura de
sua “participação no conjunto da população brasileira e da contribuição que a população
negra trouxe para esta sociedade”.
É importante dizer que o texto de Freire (2002) e o de Praxedes & Praxedes (2004)
foram também considerados neste texto, apesar de ambos não se referirem explicitamente a
livros didáticos em específico, tendo em vista as abordagens sobre a representação do
indígena e do negro feitas por eles, respectivamente, serem pertinentes ao que aqui se
ambiciona expor.
26
De uma forma geral, percebe-se que não só o propósito dos referidos autores se
assemelhou ao se proporem, cada qual, a investigar a representação ora do índio, ora do
negro, ora da mulher nos livros didáticos principalmente, mas como também, foram em
alguns aspectos, similares as suas descobertas com relação à existência de representações
por vezes equivocadas dos grupos que analisaram, as quais revelaram-se, várias vezes,
deveras afastada do que se observa na sociedade atual, no caso dos índios e dos negros, ou
aproximada do que se tem por ideal de conduta social, no caso da representação de gêneros.
Pode-se perceber, ademais, uma preocupação, na maior parte dos autores, em sugerir
soluções que estes consideram viáveis para a diminuição deste tipo de representação
freqüentemente incondizente com o que se presencia na realidade, como também, da parte
de alguns, a sugestão de um tratamento crítico para o material existente, visando-se, desse
modo, a uma abordagem adequada das diversidades culturais no meio escolar e à formação
de alunos mais cientes do que estudam, do material que possuem para aprender, como,
inclusive, do que podem corroborar ao ignorarem as deficiências desse instrumento de
ensino/aprendizagem.
1.4 O ENUNCIADO E O OUTRO
Esta seção tem por objetivo trazer as características do outro, evidenciando seu
papel dentro do enunciado, como considera Bakhtin (1997). Dessa forma, este texto tem
por alicerce o capítulo “O enunciado, unidade da comunicação verbal” , do livro Estética da
criação verbal, do autor mencionado.
Haja vista o propósito de se considerar o papel do outro dentro do enunciado, torna-
se, então, de primordial importância ter em mente, primeiramente e pelo menos
sumariamente, o que Bakhtin (1997) expõe sobre o próprio enunciado. Deste modo, de
acordo com sua visão, podemos dizer que o enunciado é uma “unidade real da
comunicação verbal” e que cada unidade deste tipo acaba por se constituir um elo de “uma
cadeia muito complexa de outros enunciados” (p.291 e 293).
Isto acontece porque, segundo Bakhtin (1997, p. 302), não é por palavras ou orações
que nos comunicamos em uma situação de enunciação. Mas sim através de enunciados, que
27
estão delimitados e enquadrados pela alternância de sujeitos (ou locutores) e que são
reflexos da realidade transverbal, isto é, inserem-se em um contexto que os explica e
condiciona. Além disso, considera-se uma cadeia complexa de enunciados, porque tudo o
que expressamos através destes ancora-se no que já foi dito por outrem. Isto porque,
conforme Bakhtin (1997, p. 291), o próprio locutor é um “respondente” , pois “não é o
primeiro locutor, que rompe pela primeira vez o eterno silêncio de um mundo mudo”,
pressupondo não apenas a existência do sistema lingüístico que utiliza, mas também “a
existência dos enunciados anteriores – emanantes dele mesmo ou do outro – aos quais o seu
próprio enunciado está vinculado por algum tipo de relação (fundamenta-se neles, polemiza
com eles)” (BAKHTIN, 1997, p.291). Isto, por sua vez, aponta-nos as tonalidades
dialógicas citadas por Bakhtin (1997, p. 316-7), uma vez que nosso próprio pensamento
“nasce e forma-se em interação e em luta com o pensamento alheio” , não sendo os
enunciados, portanto, “ indiferentes uns aos outros” e, tampouco, “auto-suficientes”. Eles
“conhecem-se uns aos outros, refletem-se mutuamente” e têm, precisamente, estes
“reflexos recíprocos” determinando-lhes o caráter, fazendo com que sejam considerados,
acima de tudo, como respostas a enunciados anteriores dentro de uma dada esfera da
comunicação verbal (BAKHTIN, 1997, p. 316).
Além disso, os enunciados estão ligados também aos elos que lhes sucedem na
cadeia da comunicação verbal apesar de estes ainda não existirem no momento de sua
elaboração segundo Bakhtin (1997, p.320). Isto acontece porque os enunciados constroem-
se, desde o princípio, “em função de uma eventual reação-resposta, a qual é o objetivo
preciso de sua elaboração”, fato que nos conduz ao papel do outro dentro do enunciado e
também à necessidade de se esclarecer que todo enunciado possui “uma capacidade de
suscitar a atitude responsiva do outro locutor, ou seja, de determinar uma resposta” , ainda
que esta advenha de uma compreensão responsiva retardada (BAKHTIN, 1997, p. 297).
A partir disso, podemos nos direcionar especificamente ao que propõe Bakhtin
sobre a questão do outro dentro do enunciado. Para Bakhtin (1997, p.290), os parceiros de
uma comunicação verbal são em via de regra locutores e não, limitadamente, um locutor e
seu ouvinte como até então vinha sendo considerado pela lingüística da época do autor.
Bakhtin (1997, p.290-1) refuta esta visão pelo fato de o locutor ser considerado o
sujeito ativo no processo de comunicação, enquanto que ao ouvinte está reservada sempre e
28
apenas uma atuação passiva que se reduz à percepção e à compreensão da fala do locutor,
esquemas que, para o autor, não são de todo incorretos, mas que tampouco representam “o
todo real da comunicação verbal” .
Para Bakhtin (1997, p.290),
o ouvinte que recebe e compreende a significação (lingüística) de um discurso adota simultaneamente, para com este discurso, uma atitude responsiva ativa: ele concorda ou discorda, (total ou parcialmente), completa, adapta, apronta-se para executar, etc., e esta atitude do ouvinte está em elaboração constante durante todo o processo de audição e de compreensão desde o início do discurso, às vezes já nas primeiras palavras emitidas pelo locutor.
Conscientes desta visão, podemos perceber que, para Bakhtin, o ouvinte ou o outro
na comunicação verbal tem um papel tão importante e ativo quanto o do locutor dentro da
atividade enunciativa. Ele não simplesmente recebe uma informação, aquiescendo
passivamente, mas, assim como seu parceiro, responde de forma ativa ao que lhe foi
dirigido, mesmo que de forma retardada ou até com uma resposta que não seja igual quanto
à forma ao enunciado que a suscitou (a resposta a um enunciado fônico pode ser, por
exemplo, através de um ato, de uma ação propriamente dita e não, exclusivamente, por
meio de uma resposta fônica) tornando-se, desse modo, “ locutor” , segundo Bakhtin (1997,
p.290), e fazendo com que realmente se possa pressupor uma resposta a cada enunciado.
Com relação à palavra do outro, podemos dizer que, para Bakhtin (1997, p. 313-14),
ela “preenche o eco dos enunciados alheios” , marcando o que seria a alteridade em nosso
próprio enunciado. Isto pode ser dito tendo em vista que nem sempre retiramos a palavra de
que precisamos “do sistema da neutralidade lexicográfica” (p.311), quando elegemos uma
no processo de elaboração de nosso próprio enunciado. Conforme o autor, (1997, p.311-2),
“costumamos tirá-la de outros enunciados, e, acima de tudo, de enunciados que são
aparentados ao nosso pelo gênero, isto é, pelo tema, composição e estilo” . É por meio deste
processo, que Bakhtin (1997, p. 314) chama de “assimilação, mais ou menos criativo, das
palavras do outro (e não das palavras da língua)” e que surge da interação contínua e
permanente de nossa atividade verbal com os enunciados do outro, que construímos
enunciados “repletos de palavras dos outros” , demarcando nossa produção, em maior ou
menor grau, com a alteridade, já que estas palavras alheias trazem uma expressividade
própria, a qual “assimilamos, reestruturamos, modificamos” (BAKHTIN, 1997, p. 314).
29
Quanto ao discurso do outro, de acordo com Bakhtin (1997, p. 320), pode-se dizer
que este é uma expressão verbal constituída por uma “visão de mundo”, por uma
“tendência” , por um “ponto de vista”, por “uma opinião”, elementos que não deixam de
repercutir em nossos próprios enunciados, uma vez que, como foi dito, o enunciado volta-se
não apenas para o seu objeto, mas também para o discurso que o outro elabora a respeito
desse objeto. Ademais, este discurso possui, para Bakhtin (1997, p. 318), uma expressão
dupla, ou seja, conta com sua própria expressão – que é a do outro – como ainda apresenta
a expressão do enunciado “que o acolhe” . Isto é o que podemos observar, por exemplo, em
um enunciado em que utilizamos a palavra do outro de forma clara e nitidamente separada
(entre aspas): assim, a alternância entre os sujeitos falantes (neste caso, eu e o outro) como
também a inter-relação dialógica entre eles (nós) fica abertamente explicitada e refletida.
Considerados, então, o dialogismo e a alteridade existentes nos enunciados, como
também a palavra e o discurso do outro, faz-se pertinente retomarmos um aspecto aqui já
mencionado e que de maneira alguma pode passar despercebido, tendo em vista sua
importância para a constituição do enunciado: o outro enquanto sujeito que responde ao
enunciado, seu papel na comunicação verbal como destinatário desta unidade de
comunicação verbal.
Para Bakhtin (1997, p. 320), “o papel dos outros, para os quais o enunciado se
elabora” é muito importante. Desse modo, uma vez que o enunciado se constrói em função
de uma reação-resposta, que é seu objetivo, o outro se torna indispensável, pois tanto será o
respondente do enunciado, isto é, aquele que o responde, como também aquele que o molda
e influencia, porque toda a estrutura enunciativa se pautará na sua constituição como
destinatário, de modo a formar-se indo ao encontro da resposta que inerentemente
pressupõe. O destinatário, para Bakhtin (1997, p.325), é uma “particularidade constitutiva
do enunciado”, sem a qual este não existe e tampouco poderia existir.
Este outro, conforme Bakhtin (1997, p.316 e 321), que tanto pode ser pressuposto
explicitamente como, de forma absolutamente indeterminada, pode ser “o outro não
concretizado” determina tanto o gênero quanto o estilo de um discurso, pois estes ficam na
dependência de como o locutor “percebe e compreende seu destinatário, e do modo que ele
presume uma compreensão responsiva ativa”. Segundo Bakhtin (1997, p.321), enquanto
elaboro meu enunciado, tendo a determinar a resposta que presumo de modo ativo; “por
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outro lado, tendo a presumi-la, e essa resposta presumida, por sua vez, influi no meu
enunciado (precavenho-me das objeções que estou prevendo, assinalo restrições, etc.)” .
Bakhtin (1997, p. 321) diz ainda que
enquanto falo, sempre levo em conta o fundo aperceptivo sobre o qual a minha fala será recebida pelo destinatário: o grau de informação que ele tem da situação, seus conhecimentos especializados na área de determinada comunicação cultural, suas opiniões e suas convicções, seus preconceitos (de meu ponto de vista), suas simpatias e antipatias, etc.; pois é isso que condicionará sua compreensão responsiva de meu enunciado.
Assim, pensar a constituição do destinatário para produzir meu enunciado é, conforme,
Bakhtin (1997, p. 312), ter consciência sobre com quem estou me comunicando, pois é a
partir disso que determinarei o gênero e o estilo do meu enunciado e seus procedimentos
composicionais. O destinatário ou o outro, em suma, repercute na comunicação verbal de
um modo todo especial como podemos depreender das idéias de Bakhtin e como este
próprio o afirma.
Diante do exposto, podemos concluir o papel fundamental que o outro tem para o
enunciado e, portanto, dentro da comunicação verbal. Pressupomo-lo para tudo:
inspiramos-nos em seus enunciados para a construção dos nossos próprios, embebendo-nos
em alteridade e dialogismo, e falamos para ele, o outro, – a quem condicionamos nosso
discurso de forma total ou segundo o que conjeturamos a seu respeito mediante a
consideração de seu fundo aperceptivo – sempre que o temos como parceiro ativo na
comunicação verbal, ou, simplesmente, ao respondermos suas palavras que ecoam de uma
antiga ou meramente anterior situação transverbal.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 AS CAPAS DOS LIVROS DIDÁTICOS: INCLUSÃO:
Ao considerarmos as capas dos quatro livros da coleção 1, percebemos a presença de
personagens afro-descendentes em três delas. No volume 2, encontramos um menino
deitado em sua cama, escondendo-se, nas cobertas, de um morcego que avista pela janela.
Seus olhos revelam o medo que sente do animal; seu cabelo é liso e sua figura volta a
aparecer no índice do livro (p.5) e na folha de apresentação da unidade 3 (p.107), que se
intitula “Medo? Todo mundo tem!!!” .
A partir do título dado à unidade, percebemos que a ilustração do garoto negro é
condizente com o tema proposto para discussão; afinal, como o próprio nome dado à
unidade esclarece, ter medo não é prerrogativa de nenhum grupo étnico específico, fato que
nos deve impelir a perceber com naturalidade a demonstração de temor de qualquer pessoa,
árabe, japonesa, brasileira ou marroquina, por exemplo, independentemente, inclusive, da
causa geradora desta reação, peculiar a cada indivíduo.
Entretanto, não obstante a pertinente opção pelo menino negro para figurar na situação
em questão, na capa do livro didático, percebemos que a integridade da escolha se dilui
quando consideramos a cor com que o garoto foi pintado. Ao ser retratado praticamente na
mesma tonalidade de sua cama, da janela, através da qual observa o morcego, do telhado de
uma casinha de cachorro, colocada logo ao lado e pouco abaixo da cama onde está deitado
e, sobretudo, com a mesma coloração da capa do livro didático, ao que acresce o fato de
apenas uma pequena parte de seu corpo estar à mostra, o garoto acaba desaparecendo no
meio do desenho, de modo a tornar-se praticamente indistinguível no meio de tudo o que o
cerca. Com isto, percebemos a falta de importância que, mesmo inconscientemente, o
ilustrador conferiu ao garoto, pois, deste modo, paradoxalmente, todo o destaque que o
garoto teria por apresentar-se na capa do livro didático, anulou-se com a inadequada opção
de cor realizada pelo ilustrador, o que configura, na realidade, uma pseudo-inclusão da
personagem afro-descendente.
Prosseguindo, além do garoto negro, notamos, na capa do livro 2, um menino e uma
menina brancos e alguns animais. As crianças, que também ilustram o índice do livro (p.4)
32
e a folha de apresentação da unidade 1 do volume (p.7), chamada “Brinquedos e
brincadeiras", estão juntas, portanto, de alguns brinquedos. É assim que divisamos na mão
da garota loira uma boneca negra, brinquedo feito de pano e olhado com muita atenção pela
menina.
Esta boneca artesanal, acompanhada também de um aviãozinho, de um skate e de uma
bola, brinquedos estes do menino, merece atenção especial. Isto, porque, bonecas como esta
agora observada na capa do livro 2, constituíram-se, durante muito tempo, a única maneira
através da qual meninas afro-descendentes puderam contar com uma boneca que partilhasse
da mesma cor delas próprias, posto bonecas negras industrializadas terem sido produzidas
apenas muito, muito tempo depois de este desejo infantil surgir pela primeira vez em solo
brasileiro.
Além disso, o fato de encontrarmos uma garota branca brincando com a boneca negra
também merece melhor apreciação. Isto, porque evidencia uma evolução se consideramos a
visão do afro-descendente difundida em livros didáticos mais antigos, em que descendentes
de africanos foram normalmente privados de aparecer em situações positivas e, muitas
vezes, de dividir um espaço com uma personagem branca, sobretudo se para interagir com
esta em uma situação marcada pela eqüidade. É assim que esta ocorrência, da menina
branca com a boneca negra, embora única nas duas coleções, leva-nos a constatar uma
alteração na visão tida sobre negros e pardos neste tipo de material escolar. As duas etnias
branca e negra, aparecem aqui desenvolvendo uma relação harmônica, uma vez que se
assim não fosse, no caso de haver algum tipo de ojeriza por parte da menina branca em
relação à personagem negra, a primeira simplesmente teria optado ou apareceria com outro
brinquedo, mesmo que fosse com uma boneca branca, por exemplo (Vale dizer que
mencionamos aqui a personagem branca, em específico, somente pelo fato de, na situação
considerada, ser ela a única a poder demonstrar sua voluntariedade e uma opção, tendo em
vista a boneca com que brinca ser uma personagem inanimada. Assim, de forma alguma
queremos apontar que a depreciação étnica pode advir de indivíduos brancos apenas, pois
sabemos que, em um outro contexto, em que ambos os personagens tenham arbítrio, a
ojeriza pode vir a se manifestar tanto da parte do personagem de um grupo étnico como de
outro.).
Ao considerarmos, agora, a capa do livro 3, notamos um menino negro entre cinco
33
crianças brancas (esta ilustração aparece também no índice do livro (p.4) e na folha de
apresentação da unidade 1 do volume (p.7)). Ao considerá-lo, verificamos que seu cabelo é
liso, que carrega uma mochila azul nas costas, que veste uma camiseta amarela e que está
apontando para uma menina loira. Esta garota, por sua vez, também carrega uma mochila e
aponta para o menino negro. Vemos igualmente que da cabeça das duas crianças sai um
balão (como os vistos em histórias em quadrinhos) cheio de letras, às quais uma
interrogação se superpõe. Tal situação deve-se provavelmente ao fato de os dois ilustrarem
uma unidade chamada “Qual é o seu nome?” , unidade que propõe uma discussão sobre
como os nomes das pessoas são escolhidos. A partir disto, podemos deduzir que o
conhecimento do nome do colega é uma incógnita para as duas crianças, fato pelo qual eles
partilhariam, então, o balão com a interrogação.
Ainda do exame da ilustração do menino negro com sua colega branca, podemos dizer
que o menino ocupa uma posição de destaque na capa do livro didático, por figurar no
centro das ilustrações existentes, tendo, assim, a figura dos demais colegas em sua órbita.
Entretanto, podemos perceber, também, que, de todas as crianças, o garoto negro foi o
único a ser retratado gordo e com braços curtos - seus colegas, ao contrário, são todos
magros e com braços de tamanho apropriado – o que nos faz perceber novamente que o
destaque conferido à personagem negra foi de alguma forma atenuado por uma
característica negativa.
Opostamente à capa do livro 1, em que não encontramos personagens afro-
descendentes, na capa do volume 4 a presença negra se faz concreta. Das quatro
personagens da capa em questão, duas representam crianças afro-descendentes, sendo um
menino e uma menina.
A ilustração do menino, situada
ao lado da de uma garota branca na
parte superior da capa, volta a ser
encontrada tanto no índice do volume
(p.4), quanto na folha de apresentação
da unidade 2 do livro (p.55), chamada
“Papéis que vencem distâncias” . O
garoto, que parece escrever uma carta
34
bem extensa, tendo em vista o tamanho do papel que se estende na mesa posta diante de seu
corpo, mesa em que também há uma caneta, traz uma expressão de surpresa e medo,
embora não percebamos uma razão que a justifique. Percebemos que seus olhos são de
tamanho diferentes e que suas orelhas são grandes, características também observadas em
personagens brancas; quanto a seu cabelo, não obstante ele pareça apresentar, na parte de
trás, um penteado de estilo africano (trançado), o desenho não é consistente na expressão
deste detalhe, de forma que o cabelo do garoto parece ser liso, sobretudo na parte de cima
da cabeça.
O menino é magro, veste uma camiseta grande, larga e verde-clara, um shorts de tom
verde mais escuro, usa um boné azul, sapatos amarelos e brancos e, na mão que aproxima
da boca, parte do rosto que também contribui para formar sua expressão amedrontada,
percebemos que existem apenas quatro dedos, sendo todos grossos, dos quais três são
curtos e um bem maior. Estes últimos detalhes são muito sobressalentes e bem perceptíveis,
tendo em vista o modo como destoam da outra mão do garoto pousada sobre a mesa, mão
em que notamos cinco dedos uniformes; todavia, vale dizer que, ao longo da coleção,
também observamos personagens brancos com menos de cinco dedos nas mãos.
apresentação da unidade 4 do volume (p.165), que se intitula “Isto pode ser aquilo: há
muitos jeitos de ver!” . Trata-se de uma ilustração muito interessante, posto que o sapo
deve bem ser um príncipe transformado, como sugere o título da unidade, e tendo em vista
que percebemos uma menina negra ocupando um lugar majoritariamente conferido a
princesas brancas, normalmente loiras. Tal situação, assim configurada, demonstra-nos,
então, que, a forma como a posição do outro, o afro-descendente, é percebida na sociedade
está sendo paulatinamente modificada. Isto, porque se começa a reconhecer social e
publicamente a ocupação por descendentes de africanos de estratos que eles sempre
ocuparam na realidade ou, então, em que sempre que mereceram figurar. São mudanças
Com relação à menina também presente na capa do livro 4,
trata-se de uma criança de cabelos lisos e volumosos que sorri e
carrega em uma das mãos um sapo sorridente com uma coroa na
cabeça. Usa uma camiseta amarela com detalhes vermelhos e, na
mão que traz livre, divisamos apenas quatro dedos. Seu desenho
aparece novamente no índice do livro (p.5) e na folha de
35
como estas, no social, que tem a possibilidade de figurar, então, no livro didático, posto
que, como afirma Bakhtin (1997), as idéias que temos hoje introjetadas, assim se
apresentam por as termos reorganizado a partir da internalização dos valores sociais,
valores estes que uma vez modificados, passam a ser difundidos pelos bens culturais, como
é o caso do livro didático, de modo que possam ser, então, reorganizadamente apreendidos
pelos indivíduos ou, em primeira instancia, pelas crianças que terão contato, por exemplo,
nesta situação, com a ilustração da menina negra com o sapinho-príncipe na capa do livro
didático.
Quanto às capas dos quatro livros da coleção 2, percebemos a existência de um único
personagem em cada uma delas, sendo que são afro-descendentes os personagens que
decoram a capa do livro 1 e do livro 3.
que os forma parece ter sido previamente desenhado em placas emborrachadas de
diferentes cores, peças que foram, em seguida, recortadas e juntadas de modo a construir os
personagens que ilustram cada um dos construir os personagens que ilustram cada um dos
livros – provavelmente deve-se a isto, então, o fato de o braço dos personagens afro-
descendentes e da menina branca (da capa do livro 4) terem uma aparência flácida, como se
não tivessem ossos ou articulações, afinal são feitos de borracha.
No livro 3, por sua vez, a presença afro-descendente se dá através de uma menina
negra que usa um vestido laranja e azul e um chinelo rosa e vermelho decorados com flores
de cores diversas. Em uma das mãos a garota segura uma carta que está pondo em uma
No volume 1, a presença negra se dá através
de um menino de cabelos lisos, camiseta
amarela, calça roxa listrada de verde e
sapatos laranjas. Ele canta com um
microfone que traz em uma das mãos. Seu
cabelo é especialmente estranho por parecer
uma peruca e todas as partes de seu corpo,
assim como o próprio microfone (não apenas
em seu caso, mas também nos personagens
das outras capas, brancos ou negros), são
feitos de placas de borracha. Ou seja, tudo
36
caixa de correio; seu cabelo é liso e preto, assim como o do garoto do livro 1. No caso da
menina, podemos dizer que sua ilustração está, de certo modo, relacionado à unidade 3 do
livro, “Trocando mensagens”, em que o professor é orientado logo no princípio a conversar
com os alunos sobre os “diferentes tipos de mensagens que podemos enviar e receber, os
suportes, o material usado e a linguagem própria para escrever uma carta, um cartão
postal...” (p.54). No entanto, no caso do menino, sua ilustração parece não estar atrelada à
nenhuma unidade em específico do livro em que aparece, pois, a unidade chamada “Vida
de artista” , única unidade que aborda um tema mais relacionado à ação do garoto (cantar),
trata apenas dos artistas de circo, sem considerar a categoria do cantores, em que pode ser
enquadrado o menino.
Nesta seção, almejamos explicitar como se deu a presença afro-descendente na capa dos
livros didáticos escolhidos para a análise. Quanto a isto, percebemos esta presença étnica na
maior parte das capas dos volumes da coleção 1 e em metade das capas dos livros da
coleção 2. Notamos também que o fato de a descrição dos personagens existentes nas
capas dos exemplares coleção 1 ter sido mais ampla deve-se primordialmente ao fato de os
livros da coleção 1 trazerem muito mais ilustrações em suas capas, e, neste caso, mais
representantes negros e pardos incluídos também, do que a coleção 2, que ilustrou cada
uma de suas capas com apenas um personagem.
Na coleção 2, percebemos que a presença negra se deu exclusivamente através da
ilustração de crianças. Na coleção 1, por sua vez, esta presença pode ser vista também por
meio do desenho de uma boneca de pano negra, brinquedo de uma garota loira. Além disso,
notamos que independentemente da coleção analisada, as crianças das capas apresentaram
sempre cabelos lisos, certas deturpações físicas em algumas situações (também comum a
personagens brancas) e, no caso da coleção 1, mostraram-se sempre relacionadas com uma
unidade temática do livro didático em questão.
2.2 A INCLUSÃO DAS PERSONAGENS AFRO-DESCENDENTES:
Na coleção 1, livro 1, p.8, encontramos, ilustrando um texto chamado A escola, poema
de José de Nicola, uma figura em que sete crianças, duas negras e cinco brancas aparecem
37
nos arredores de um estabelecimento escolar. Duas destas crianças, um menino branco e
uma menina negra, parecem flutuar em direção ao colégio. Percebemos que tanto os dois,
como outras três crianças que se direcionam à porta da escola, estão vestidas com uniforme.
Entretanto, notamos que o uniforme das crianças que flutuam são de cores distintas em
relação ao que vestem as crianças mais próximas do colégio e que, diferentemente das duas
garotas brancas, a menina negra não traz consigo nenhuma mochila.
Ao considerarmos que a ida para estudo em unidades escolares é algo rotineiramente
praticado por crianças dos mais variados grupos étnicos em nossa sociedade, como ainda a
presença tanto de personagens brancos como negros dirigindo-se à escola na ilustração,
notamos, ao mesmo tempo, a representação de uma ação comum a muitas de nossas
crianças, como também a inclusão do personagem negro em um contexto de que este se viu
alijado por muito tempo, não só simbolicamente, quando da sua ausência no material
escolar, mas, inclusive, quando de sua participação na realidade da escola como estudante.
É por esta razão que consideramos, então, a presença da menina negra uniformizada,
embora sem mochila, como uma evidência da inclusão da personagem afro-descendente
realizada nesta ilustração do livro didático.
Ao prosseguirmos na análise da mesma ilustração, voltando, todavia, nossos olhos para
um menino negro que também está presente na figura, percebemos, por sua vez, o
posicionamento do menino atrás de uma árvore existente no terreno que cerca a escola,
apenas com a cabeça à mostra, observando um garoto branco jogando bola, que pode ou
não ser um estudante. O garoto negro está à parte de toda situação que se desenvolve e não
usa uniforme escolar. Este dados, como também o fato de ele não estar virado para escola e
de estar observando tudo sozinho e afastado das outra crianças, nos faz perceber que a ele
foi conferido apenas o papel de expectador, ou, mais ainda, nos faz acreditar que sua
presença não tem realmente propósito algum, apresentando-se ali pela simples necessidade
da inclusão personagens afro-descendentes nos livros didáticos, como uma forma de se
adotar – neste caso, descompromissadamente – orientações nacionais e oficiais como os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs).
Tal situação leva-nos a considerar a presença do menino negro, nesta ilustração, como
uma pseudo-inclusão, pois, como pode ser observado no desenho, sua aparição é totalmente
descontextualizada e sem um significado verdadeiro em eticidade, destoando e diferindo,
38
por exemplo, do que acontece com o desenho da menina negra mencionada, que apresenta
uma personagem muito mais incluída na atividade social que é o ato de ser estudante e,
portanto, integrada no meio escolar representado, como indica o uniforme de que faz uso.
Ao considerarmos agora a p.86, do livro 3, na coleção 1, podemos observar a
ilustração de um exercício que propõe aos alunos a encenação de um texto exposto na
unidade. Quatro desenhos indicam os procedimentos que devem ser seguidos por cada
grupo de alunos (a turma deve ser dividida em equipes pelo professor para a execução da
atividade), sendo que notamos a presença de uma mesma criança afro-descendente em duas
destas ilustrações.
No primeiro desenho, a criança em questão, um menino, está acompanhada por mais
cinco personagens, todos brancos. Estão todos sentados em cadeiras que formam um
círculo, sendo que do menino afro-descendente conseguimos visualizar apenas de seu
pescoço para cima, diferentemente do que ocorre com duas das personagens brancas, por
exemplo, que estão com a maior porção do corpo à mostra, uma delas com o corpo inteiro.
Na segunda ilustração em que o menino negro também aparece, ele está posicionado ao
fundo do desenho, agora com o corpo todo em evidência e segurando um papel, enquanto
três de seus colegas conversam adiante.
As etapas das atividades que seguem o enunciado deste exercício e que são
ilustradas pelos quatro desenhos mencionados indicam que o menino negro foi o eleito para
ser o diretor da peça a ser encenada, estando por isso afastado na segunda ilustração.
Devemos notar aqui o paradoxal afastamento do garoto, que ao contrário de indicar seu
alheamento do grupo, aponta sua inclusão em uma posição importante dentro da atividade
representada.
Não obstante, apesar do papel de comando que é atribuído ao garoto, deve-se
considerar com atenção seus traços na primeira situação representada. O menino, que é o
único afro-descendente do grupo, foi desenhado com os olhos de tamanhos bem irregulares
(um maior do que o outro) e o traço que representa sua boca é tremido, assim como aqueles
utilizados na representação de personagens idosas em desenhos, a fim indicar muita idade.
Embora a irregularidade no tamanho do olho do menino negro possa ser vista em
outras circunstâncias também em personagens brancas, notamos que este traço, como
inclusive o referente a sua boca, não são observados nesta proporção em nenhuma das
39
outras crianças. Apesar disso, a posição em que o menino é representado, maneira em que
também figura outro menino negro no livro 2, p.164, em contexto bem semelhante, não
deixa de configurar uma inclusão da personagem negra em atividades escolares realizadas
por crianças. Vale acrescentar que, na ilustração do livro 2, são duas as personagens negras.
Além do menino que orienta o ensaio dos colegas-atores junto com uma aluna branca,
notamos a presença, no grupo, de uma garotinha negra, responsável, assim como um
menino loiro, pela confecção da publicidade da peça teatral, isto é, pela produção de um
cartaz que anuncie a apresentação da turma, como também de convites para aqueles a quem
se representará a peça.
mencionada no texto, o que nos faz, então, reconhecer a inclusão da população afro-
descendente em um contexto familiar dentro do livro didático, como também o fato deste
espaço ser compartilhado na unidade não apenas por negros, mas igualmente por crianças
brancas e orientais.
Nas páginas 144 e 145 do livro 3, coleção 1, observamos a presença tanto de
personagens brancas como de negras em atitudes que denotam superstição, o que nos leva a
perceber o caráter inclusivo quanto à presença afro-descendente nas ilustrações em
detrimento do caráter polivalente que uma ilustração poderia apresentar se expusesse
somente descendentes de africanos em atitudes supersticiosas.
No livro 3, p.67 (coleção 1), encontramos
um desenho bem destacado de duas
crianças afro-descendentes que ilustram
uma poesia de Pedro Bandeira, chamada
Irmão menor. O destaque da figura se
configura na medida que o desenho
ocupa porção considerável da página,
perfilando-se ao lado de quase toda a
extensão do texto. Além disso, é de
importância destacar que em momento
algum a etnia das crianças referidas no
poema – um irmão maior e o menor – é
40
Isto pode ser dito haja vista o forte costume social de relacionar a população negra e
parda, em específico, a misticismos e superstições, como uma forma de atribuir-lhe atraso e
como se esta característica fosse prerrogativa do grupo afro-descendente, não disseminada
entre ou incomum a povos de outras etnias e culturas distintas. Assim, uma ilustração com
o caráter polivalente que mencionamos é aquela que, conforme o contexto em se insere,
pode ser vista tanto como evidência da inclusão de traços culturais dos povos afro-
descedentes no livro didático, como é o caso das figuras em consideração da p.144 e 145 do
livro 3 (coleção 1), como ser interpretada, preconceituosamente, como sinal de
anacronismo deste grupo étnico, o que não representaria, portanto, um modo de inclusão de
negros e pardos, mas de sua depreciação.
Todavia, embora se considere o caráter inclusivo das duas ilustrações de personagens
afro-descendentes existentes nas páginas referidas, é válido que se considere a ilustração da
personagem masculina negra, especificamente, a fim de se considerar a posição
contraditória em que a figura se apresenta. No desenho em questão, observamos um menino
negro muito mal vestido se comparado com a personagem branca que o vem visitar. O
menino coloca, com uma das mãos, uma vassoura com o cabo para baixo, atrás da porta de
entrada, como recurso supersticioso para que a visita indesejável vá embora logo; não
obstante, o que depreendemos do gesto de sua outra mão, à mostra para a personagem
branca, é a expressão festiva de quem está contente em receber uma visita.
Assim, diferentemente das outras situações, em que a atividade supersticiosa envolve
apenas a própria pessoa – por exemplo: homem branco dando o primeiro passo do dia com
o pé direito (p.144); mulher negra que pendurou uma ferradura trás da porta (p.144),
mulher branca procurando um trevo de quatro folhas (p.145), todos estes buscando atrair
sorte – , na situação do menino negro percebemos uma medida que envolve o bem estar de
um indivíduo em troca da ausência de outro, o que implica considerar a escolha feita de
uma personagem afro-descendente para o papel da pessoa cínica que recebe alguém
querendo vê-lo pelas costas. Por que a escolha da personagem negra para o papel da pessoa
que, antes somente supersticiosa, acaba sendo mal educada? Em uma sociedade como a
nossa, em que o preconceito racial precisa ser dia a dia enfrentado e desconstruído, torna-se
difícil supor que a escolha tenha sido meramente aleatória. Isto, a seu modo, nos faz
considerar que, não obstante tenha havido a inclusão de personagens brancas e negras na
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mesma áurea de crendices, e, portanto, uma forma de integração dos dois grupos étnicos, o
valor da representação de brancos e negros não é equivalente: o indivíduo afro-descendente
é o escolhido para desempenhar o papel mais feio e, portanto, o menos nobre da situação.
Na coleção 1, livro 1, p.18, encontramos uma tira do Menino Maluquinho em que
Lúcio, um personagem afro-descendente, é o personagem principal da historinha. Na tira
em questão, a professora do garoto destaca sua inteligência e lhe pergunta se teria interesse
em se mudar para uma turma mais adiantada. O garoto, que não tem interesse em ficar em
uma sala em que não é o melhor, afirma que não deseja a mudança por não querer se
separar dos amigos.
Na mesma coleção, livro 2, páginas 176 e 177, observamos quadrinhos e tirinhas de
Suriá, uma garota de circo, personagem do quadrinista Laerte. Suriá, menina afro-
descendente, é questionada por uma amiga que lhe observa um álbum de figurinhas de
animais (tira da p.177). A garota contesta a veracidade de uma figurinha do álbum, quando
Suriá lhe diz que este está completo, chamando-a de mentirosa e a acusando de ter
inventado um “bicho”, o Bléuco, para poder completar o álbum. Súriá, por sua vez, que
enxerga o bicho atrás da amiga, sai correndo, porque lhe nota a aproximação; ao mesmo
tempo, a menina, que desconhece a movimentação da criatura, fica parada, perguntando à
Suriá de que teria cara para tentarem enganá-la. “ ... de comida de Bléuco!” , eis a resposta
de Suriá.
Com estes dois exemplos, queremos demonstrar a inclusão no livro didático de
personagens afro-descedendentes em tiras infantis. Ao lado de personagem consagrados e
brancos como o Menino Maluquinho (em uma tira na p.38, do livro 1, coleção 1, por
exemplo) e aqueles da Turma da Mônica (em tiras nas p.80 e 176 do livro 1, coleção 1, por
exemplo), encontramos personagens como Lúcio e Suriá, personagens principais nas tiras
em questão e em cujas pessoas destacam-se a inteligência e a criatividade respectivamente.
No caso de Lúcio, em específico, percebemos com realismo, através de suas palavras, o
peso que o preconceito racial existente na sociedade confere a pessoas pertencentes a seu
grupo étnico: para Lúcio, estudante negro, ser bom não é suficiente: Lúcio, como muitos
outros do Brasil real, precisa ser o melhor de todos para que socialmente a cobrança quanto
sua capacidade não seja tão intensa.
Na coleção 2, livro 1, p.33 e 34 e p.58 e 59, encontramos dois poemas, um chamado
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Carolina, de Bartolomeu Queirós, e outro chamado Infância, de Sonia Miranda, que são
ilustrados por diversas crianças. Dentre as crianças, brinca-se com bola, com balança, em
gangorra, de ciranda, de patinete etc, todas se divertem. E percebendo-se de algumas o
pertencimento à etnia branca e de outras, a descendência africana, notamos tanto que os
grupos étnicos interagem em um mesmo espaço unidos, como a inclusão dos indivíduos
negros e pardos através da representação das crianças afro-descendentes que possuem uma
infância em que podem brincar e se divertir com os colegas, situação esta que foge à
imagem midiática da criança negra-moleque de rua, como se todos os infantes afro-
descendentes tivessem a mesma sina da pobreza infeliz3. Haja vista a inclusão de
personagens afro-descendentes neste contexto, deve-se ressalvar, todavia, a cor com que as
crianças descendentes de africanos foram aqui representadas. Tal cor, embora marrom, é
tênue e desbotada, o que nos leva considerar que, não obstante tenha havido a inclusão
étnica, a qual merece ser destacada, esta não se deu de forma enfática e bem definida, fato
que tende a esmorecer o caráter inclusivo do desenho e que pode ser observado ainda em
outras situações no mesmo livro didático, como na p.60 e 65, em que encontramos outras
crianças brincando, “negras” e brancas.
Nas p. 68 e 69, livro 1, coleção 2, encontramos crianças afro-descendentes e brancas
abraçadas como símbolo de sua amizade. Na p.68, o desenho de duas meninas amigas que
se abraçam, cada uma de um dos grupos étnicos, ilustra exercícios que propõem aos alunos
a confecção de um cartão com uma mensagem para um amigo. Na p.69, por outro lado, o
que observamos é a ilustração de um poema chamado Amizade, de Ricardo Azevedo, figura
em que um garoto branco e um negro aparecem abraçados, sentados em um banco,
próximos a duas outras crianças brancas.
Tais desenhos, que expressam a amizade inter-étnica, são figuras encontradas em uma
unidade chamada “Entre amigos” e, mais do que isso, exemplos de imagens guiadas pela
3 Fotos que, como estas ilustrações, evidenciam grupos de crianças afro-descendentes e brancas brincando também podem ser encontradas na p.228, do livro 4, coleção 2 – nesta situação pessoas adultas de ambas etnias também são vistas, descontraidamente, na água do mar e em piscina –; na p.82, do livro 2, mesma coleção, e em desenho no mesmo livro, p.104, por exemplo. Já no livro 4 da coleção, na p. 89, a personagem afro-descendente se apresenta inserida no ambiente escolar, envolvida no desenvolvimento de uma tarefa de sala de aula. Citamos esta ilustração porque, assim como as das crianças em brincadeiras, consegue quebrar a imagem difundida pela imprensa nacional de que a criança negra está sempre na rua a mendigar e a vadiar, como se, por seu pertencimento étnico, não pudesse ter uma vida de direitos respeitados, ou como se sequer existissem crianças negras e pardas que vivem, como toda criança merece viver, independentemente da pertença étnica, felizes e com a escola e estudo sempre integrados em suas realidades.
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ética e pelo respeito à pluralidade cultural e marcadas pela adesão de valores que são
defendidos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais. Esta característica é louvável e
adequada para ilustrações de livros didáticos, porém, nesta situação, devemos ainda nos
atentar à cor tênue com que foram novamente representadas as crianças afro-descendentes.
O tom de marrom suave, mais do que uma opção, pode ser revelador do medo e da
insegurança que a inserção total dos afro-descendentes ainda desperta naqueles
inconscientes da grandeza da diversidade e da inconsistência dos preconceitos. Assim, com
representações de personagens negras e pardas mais claras é como se se tentasse evitar o
que pode simbolizar uma forma de inclusão ou de inserção plena deste grupo étnico em
produções sociais, que é, muitas vezes, identitariamente definido apenas através de sua cor.
No livro 1 (coleção 2), p.76, observamos um desenho em que aparecem três crianças
ocupadas com a organização de alguns livros: duas crianças brancas ocupam-se da
disposição do material em uma estante; uma menina negra volta-se para uma mesa em que
estão colocados cinco livros infantis. Esta situação ilustra um exercício em que é proposta
aos estudantes a ordenação alfabética dos cinco livros infantis mencionados. Em posse
destas informações e considerando o desenho em questão, reparamos o relevo conferido à
garota afro-descendente e, logo, sua inclusão, posto ser ela a personagem virada para o que
é realmente o foco da atividade proposta. Isto é, enquanto as duas crianças brancas
trabalham em cima dos livros que estão no pano de fundo da ilustração, a garota negra é
representada preocupando-se com os livros da mesa, exatamente dos quais se espera a
ordenação alfabética conforme o enunciado do exercício.
Na p. 91 e 92, do livro 1, coleção 2, encontramos cinco figuras ilustrativas de crianças
brincando de pique-esconde, sendo que cada desenho representa um momento da
brincadeira do mesmo grupo infantil. As crianças também são em número de cinco, três
meninos e duas meninas, dentre os quais um casal é afro-descendente e as outras três
crianças de etnia branca. Nesta situação, percebemos nitidamente a materialização da
interação entre crianças de grupos étnicos distintos defendida pelos PCNs e a mesma
diversão infantil integrada, como já considerado quando da menção do grupo de crianças
encontrado neste mesmo volume, nas p.33-4 e p.58-9. Diferentemente destas situações
todavia, há o mérito da cor dos personagem afro-descendentes, aqui bem definida.
Na coleção 2, livro 1, p.224 e 225, encontramos um poema chamado Se as coisas
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fossem mães, de Sylvia Orthof, ilustrado por vários dos itens mencionados no texto. É
assim que observamos uma fada afro-descendente representando a “mãe da alegria”, uma
sereia como a “mãe dos peixinhos” , uma bruxa representando uma “mãe gozada” e outros
personagens, brancos e negros, como mãe e filho(a) e pai e filha.
Desta situação cabe-nos destacar a representatividade com que contou as famílias
formadas por integrantes do grupo étnico negro, tendo em vista três mães afro-descendentes
figurarem no desenho em questão. Não obstante, a representação dos afro-descendentes no
livro didático deve ser apreciada com atenção para não cairmos na tentação de chamar de
inclusão o que não passa de uma representação étnica manipulada, para que se atenda as
diretrizes sobre pluralidade cultural observadas nos PCNs. Isto é o que ocorre, por exemplo,
com a representação de uma fada negra. Posto fadas serem uma criação da cultura literária
branca ocidental, são estas personagens inerentemente brancas, frise-se que nunca afro-
descendentes, como o livro didático apresentou sem critério algum. Tal situação mostra não
apenas a falta de juízo crítico dos ilustradores do livro didático, mas a necessidade de
atenção de todos aqueles que resolverem virar seus olhos para a apreciação dos textos não-
verbais encontrados neste tipo de material.
Nas p. 48 e 124 temos o exemplo de duas folhas de apresentação de unidades do livro 1
(coleção 2) através das quais percebemos a inclusão de personagens afro-descendentes no
material. Na p.48, em que é apresentada uma unidade chamada “Entre amigos”,
observamos quatro fotos com crianças. Enquanto em uma delas percebemos dois meninos
negros, felizes e sorridentes, é-nos oferecido, igualmente, a fotografia de três meninos
brancos, divertindo-se a fazer caretas e brejeirices para a pose da fotografia. Na p. 124, por
sua vez, introdutora de uma unidade chamada “Que abraço gostoso”, encontramos uma
grande foto de dois meninos afro-descendentes se abraçando diante de um bolo de
aniversário.
Tais imagens nos trazem a presença de personagens negros onde a aparição de
personagens brancas foi, durante muito tempo, a presença considerada natural e a
concebível pelo meio social. Mas, talvez tão importante quanto considerar a inclusão negra
nestas situações, seja perceber, de forma mesmo incipiente, ocorrências dos grupos étnicos
negro e branco compartilhando o mesmo espaço, sem que um ou outro tenha que ser
segregado. É o que podemos perceber tanto nas fotos mencionadas da p.48, como na p.108,
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do livro 3, da coleção 2, em que várias mãos de crianças brancas e negras aparecem unidas
para a apresentação de uma unidade em que se pretende tratar da pluralidade do povo
brasileiro. Tudo isto nos leva a perceber, portanto, que a consciência social começou a
modificar-se quanto à admissão do espaço justamente ocupado pelas etnias ditas
minoritárias na sociedade brasileira, como também que a consciência individual dos alunos
usuários destes livros didáticos pode, igualmente, alterar-se em prol de uma percepção mais
coerente da posição destas etnias no meio social, sobretudo se auxiliados nesta leitura pelo
professor.
Da página 225 a 227 do livro 2, coleção 2, observamos a edição de um suplemento
infantil do jornal Folha de São Paulo, que tem como propósito apresentar aos alunos o
artesanato brasileiro especialmente destinado às crianças. Deste modo, encontramos, por
exemplo, ao alcance do conhecimento dos estudantes, bonecas de vários tipos: boneca de
palha, a boneca Abayomi, o Mamulengo, a Pituxa e uma boneca de milho. Destes, vale
destacar a primeira e a última, assim como a boneca Abayomi e a Pituxa.
A boneca de palha retrata uma moça branca com uma cesta aos braços e vestindo um
longo e grande vestido como aqueles usados em anos passados pelo público feminino,
parece uma camponesa (p.24). A boneca Abayomi trata-se de uma boneca negra, com lenço
à cabeça e também usando vestido; seu nome, assim como o da cooperativa que a produz a
partir de lixo reaproveitável da industria têxtil, é um termo da língua iorubá que significa “o
meu presente” (p.25). A boneca de milho, por sua vez, “é típica de lugares rurais onde
houve presença de escravos durante a colonização do Brasil, dos séculos XVI ao XIX”,
tendo sido produzida pelos negros, que, por não contarem com acesso a outros tipos de
materiais, “usavam vegetais, como espiga de milho e caroço de manga, para transformar em
brinquedo” (p.227). Por fim, Pituxa é uma boneca branca produzida artesanalmente por
uma senhora conhecida em Poços de Caldas (MG), sendo que foi criada a pedido do
escritor Ziraldo, tendo por base uma história do autor (p.226).
Por meio destes brinquedos, percebemos a representação de indivíduos tanto brancos
como negros no material didático. E, tão importante quanto isto é, também, a exposição da
cultura destes dois grupos étnicos a partir das feições das bonecas e da história que trazem
em si. A boneca de milho, por exemplo, é uma manifestação da necessária engenhosidade
dos escravos negros africanos como meio de trazer o onírico e o fantasioso para uma longa
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vida de labuta, maltrato e depreciação. Pituxa, por sua vez, é contemporânea das crianças
de hoje, sendo parte do que forma a cultura lúdica infantil atual e representante do universo
branco.
Aproveitando, então, a integração harmônica de caracteres representativos da cultura
afro-descendente e afro-brasileira no livro didático, em detrimento da presença consolidada
de apenas personagens brancos ou da inclusão dos descendentes de africanos com a
simultânea exclusão dos primeiros, extremos que não devem ser almejados, porque
desnecessários, consideramos importante a citação da ilustração de um exercício
encontrado na p.49, do livro 3 (coleção 2).
O exercício em questão é ilustrado por três quadrinhos diferentes, sendo que em cada
um deles existe, demarcada em um balão, uma fala de uma personagem através da qual a
atividade em questão pretende trabalhar os tempos verbais. No quadrinho central,
encontramos pessoas dentro de um carro: um homem dirigindo e, na parte traseira do
veículo, uma mulher com um bebê no colo. Pelos acessórios da criança, que usa um
chapeuzinho colorido, está sem camiseta e usa uma bóia como aquelas utilizadas por
crianças para boiar e poder brincar em águas de piscinas, bem como pelos trajes do homem,
que usa um boné azul e uma camiseta regata verde, a figura nos dá a entender que se trata
de uma família indo à praia. Esta idéia é ainda fortalecida pelo balão que revela a fala do
locutor do rádio do carro, que garante aos três personagens que “amanhã choverá forte no
litoral” , como também pela expressão apreensiva que se estampa no rosto do pai e da mãe e
até no da criancinha.
Tendo em vista encontrarmos, no primeiro quadrinho, a representação de um pai e de
sua filha, ambos brancos, e, no terceiro quadrinho, duas personagens afro-descendentes,
talvez mãe e filho, torna-se interessante notar como a pluralidade étnica é bem representada
neste exercício. Isto porque as três ilustrações conseguem representar a diversidade na
constituição das famílias brasileiras, sendo que a família formada tanto por afro-
descendentes e por brancos é sensatamente considerada, a despeito do preconceito social
existente que, muitas vezes, manifesta-se através de reações contrárias à união entre
pessoas das duas etnias em questão. Tal exemplo, deste modo, não é apenas uma evidência
da abordagem séria e cidadã, comtempladora de povos que ajudaram a constituir nossa
nação, oferecendo ao Brasil uma face heterogênea e rica, que deve ser realizada pelos livros
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didáticos, quando da idealização dos personagens de suas ilustrações conforme preconiza
os PCNs. Mas é uma mostra, inclusive, da ética que devemos ter no trato dos diferentes
grupos étnicos, em específico, e das pessoas, de uma forma geral, independentemente, ética
que também citada nos temas transversais do documento – PCNs.
Na p.242 do livro 2 (coleção 2), tem início uma unidade denominada “O jeito de cada
um” . Acreditamos que merece atenção especial o texto 2, chamado Ninguém é igual a
ninguém, de Regina Otero e Regina Rennó, texto em que encontramos a opinião do
personagem Danilo quanto à diversidade que marca os seres humanos expressa, em
específico, através dos exemplos que constituem seus vizinhos e um amigo.
Danilo cita Paulinho, um garoto gorducho que “chora e chora” quando é maldosamente
apelidado por uns meninos que lhe consideram apenas a aparência física; aponta Joana,
uma garota negra insatisfeita – diz sempre que gostaria de ser branca; cita Davi, menino
ruivo que se enfurece quando o chamam de “cabeça de fogo” ; indica um “amigo que quer
ser o mais inteligente de todos”, ficando nervoso quando alguém tira notas melhores que a
dele; e ele próprio, Danilo, magrelo que não liga mais para os apelidos que lhe colocam,
por serem falsos e porque é “bom das pernas” e não perde nenhuma corrida.
Para Danilo, que enxerga o valor do que é plural e do que é diverso, “cada um tem a
nota que tem, a casa que tem, a cor que tem”, difícil seria se todos fossem iguais, pois,
deste modo, “as pessoas teriam de andar com o nome escrito na testa para não serem
confundidas com outras” (p.251). Todavia, a partir deste mesmo fragmento de texto,
notamos crianças como as que apelidam Paulinho e Davi, que não percebem o significado
das diferenças entre as pessoas de forma lúcida e positiva assim como Danilo. Percebemos
também Joana, que talvez por ser vítima de discriminação racial ou, então, por não ter tido
um referencial positivo para a constituição de sua própria identidade, como pessoa afro-
descendente, rejeita a cor que possui.
Neste contexto, embora nos possa parecer negativo a representação de uma pessoa afro-
descendente que se auto rejeita, devemos considerar a importância de tal aspecto ter vindo
figurar no livro didático, propiciando, então, a discussão do assunto e do levantamento das
causas que podem conduzir um indivíduo afro-descendente a esta posição no país em que
vivemos. Discussões como estas são capazes não apenas de levantar as condições de vida
da população afro-brasileira, mas também de questionar como a população branca tem
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contribuído e atuado para a manutenção do contexto de vida destas pessoas, seja este
contexto bom ou ruim; essas discussões podem, ainda, auxiliar na constituição da
identidade dos dois grupos étnicos.
Cabe-nos agora considerar a ilustração do texto em questão. Todas as crianças são bem
representadas e Joana é retratada como uma garota muito bonita: com cabelos crespos,
decorados e parcialmente trançados, usando batom cor de rosa, que é da mesma cor de sua
camiseta, e usando uma calça azul acompanhada de sapatos pretos. Mas a menina, apesar
de toda a meiguice que apresenta no desenho, traz os braços cruzados sobre o corpo como
sinal da insatisfação que tem com relação a sua cor, descontentamento já referido no texto.
Ao voltarmos agora nossa atenção para o conjunto formado pelo texto e sua ilustração,
percebemos que o primeiro se repete, com a supressão de dois parágrafos, no livro 4, p.65,
coleção 2; que, nesta situação, apenas uma das autoras do texto é citada, Regina Otero; e
que o texto é o último texto de uma unidade que se chama “Ser criança” .
Com relação à ilustração deste “novo” texto, por sua vez, notamos não apenas um
desenho modificado, mas outro muito diferente. Neste, Davi (o menino ruivo) e o amigo de
Danilo (que quer sempre ser o melhor do que os outros em nota) não são representados
ainda que apenas o primeiro tenha sido omitido do conhecimento dos alunos quando da
supressão de dois parágrafos. Ao considerarmos a ilustração de um modo mais amplo,
percebemos também que o capricho existente na representação dos personagens no livro 2
se perdeu. Joana, Danilo e Paulinho, os personagens observados na ilustração do livro 4 são
retratados de forma caricatural e Joana pouco traz da beleza que demonstrava no outro
volume da coleção.
Levantados estes pontos, podemos perceber que, embora o texto Ninguém é igual a
ninguém tenha o mérito de trazer um tema que há pouco tempo não era sequer discutido,
percebemos que a forma como é apresentado pode influir muito no modo como a discussão
que suscita se desenvolverá. Isto, porque sua simples localização na unidade muitas vezes
determina o tratamento que o professor resolve dar o texto – Ninguém é igual a ninguém é
o texto número 2 no livro 2 e o último da unidade no livro 4. Ademais, cada uma das
ilustrações – por serem tão díspares - tem o poder de suscitar concepções diferentes, sendo,
por exemplo, profundamente distintas as idéias despertadas da análise de uma personagem
gorda desenhada de forma natural e da mesma personagem retratada de forma caricatural;
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como também muito desigual é a consideração de uma personagem negra que é muito
bonita com relação a de uma outra personagem negra, que tampouco gosta da cor que tem,
mas que não se apresenta esteticamente bela, tendo em vista a caricaturação que sofreu.
Em uma sociedade como a nossa, rigidamente guiada por inatingíveis padrões de
beleza, é como se a caricatura tivesse o poder de tirar da personagem o que é seu de direito,
seu poder de mobilização, de reivindicação ou de atenção. Ou seja, é muito mais provável
que os alunos se sensibilizem com o drama de Paulinho e de Joana pelo fato de eles serem
pessoas apresentáveis, apenas com seus respectivos “problemas”, do que com personagens
caricaturados e sem beleza que, por assim serem, parecem ficar menos humanos e dignos
de complacência ou de atenção sincera aos olhos da sociedade que se pauta pela aparência.
Deste modo, se considerarmos que a ilustração sempre chama a atenção do leitor antes
mesmo de ele se debruçar sobre o texto, como também o poder que isto confere à imagem,
perceberemos que as discussões surgidas de um texto em que os personagens são
representados de forma natural terão muito mais chance de serem lúcidas e produtivas,
aproximando-se mais intimamente do âmago da questão social (discriminação, construção
da identidade etc, como no caso de Joana). Isto ocorre, sobretudo, pelo fato de estarem os
leitores e os alunos, em específico neste caso do livro didático, mais incólumes, ao véu
pernicioso e preconceituoso que a sociedade joga sobre os olhos das pessoas a quem
consegue conduzir pelo viés da aparência.
Por fim, podemos dizer que se depreende deste exemplo tanto o poder de persuasão ou
de indução que uma ilustração carrega consigo mediante o procedimento com que foi feita,
como a relevância do posicionamento, dentro da unidade, de um texto capaz de
proporcionar discussões produtivas. Isto, porque, no caso deste último ponto,
especificamente, podemos encontrar nele o fator determinante para a “vida” ou para
“morte” do texto (e de sua discussão), posto nem todos os professores terem o
comprometimento de estudar e avaliar previamente o material didático com que trabalha,
quiçá na execução de um plano de aula, para, assim, ponderar sobre o que pode trazer
discussões mais profícuas para o contexto de sua aula e dos seus alunos.
Na p. 109 e na p.156, encontramos dois exemplos de pinturas que retratam personagens
de etnia negra, um quadro de Cândido Portinari, chamado Menina sentada, e a imagem de
uma tela do artista plástico Sebastião Vitorino Nunes, no livro didático apresentada em um
50
postal. No quadro de Portinari, que é o texto 1 da unidade, visualizamos uma menina negra
sentada sobre um chão marrom, que se confunde com suas pernas, posto serem ambos da
mesma tonalidade. A menina tem cabelos crespos, o qual está enfeitado com um laço
amarelado com pequenas nódoas escuras, que parece ser do mesmo tecido do vestido que
usa. A rosto da criança também não é muito distinguível, tendo em vista a sombra que
incide sobre ele, uma vez que a garota parece ter sido retratada ao anoitecer.
Embora esta imagem seja o primeiro texto de uma unidade que pretende abordar a
pluralidade do povo brasileiro, nada é sugerido ao professor em específico sobre o texto4
que não a proposta de desafio aos alunos que devem fazer uma descrição detalhada do
quadro, pautada em uma observação minuciosa de seus elementos, antes de partir para as
atividades escritas. Tais atividades, por sua vez, são formadas por questões que exigem
apenas a decodificação da imagem por parte do aluno, sem que ele precise sinceramente
refletir sobre o que vê. Na verdade, encabeça o quadro a pergunta “O que será que o pintor
quis comunicar pintando essa tela?” e se principia as questões escritas acerca do texto com
a questão “Escreva no espaço abaixo palavras, frases, idéias que transmitam os seus
sentimentos, as suas impressões ao observar o quadro”. Isto, na verdade, é o que de mais
forte “ instiga” a reflexão nos alunos quanto ao significado da personagem ou quanto a sua
representatividade étnica na época em que foi pintada ou no contexto social a que
pertencem os estudantes.
Ao considerarmos a imagem do artista plástico Sebastião Vitorino Nunes (p.156), por
sua vez, que introduz uma unidade chamada “Meu Brasil brasileiro” , verificaremos que esta
é muito colorida e que traz, em fileiras uma sobre a outra, algumas dezenas de pessoas
negras, homens e mulheres, com roupas bem carnavalescas e sem o rosto demarcado. Em
contraposição ao colorido dos trajes e ao fundo da tela, percebemos, ainda, que o rosto
totalmente preto e de expressão inexistente das personagens serve tanto para universalizá- 4 Deve-se ressaltar que aqui se pretende destacar a falta de uma instrução ao professor que o auxilie a dar um tratamento mais crítico ou reflexivo ao quadro de Portinari especificamente. Isto, porque, antes deste, quando consideramos a foto de abertura da unidade, imagem em que observamos a mão de crianças de etnia branca e negra unidas (ilustração já referida) o professor é alertado para conversar com a turma sobre a pluralidade do povo brasileiro, levando os estudantes a “observar as diferenças de etnia nas mãos fotografadas, evidenciando a singularidade de cada pessoa e reforçando a importância da ética e do respeito pelo outro.” (p.108). O que se pretende destacar, então, é que a discussão de forte matiz cidadão e ético que se propôs e que poderia frutificar com o advento do primeiro texto, em que percebemos a representante de um grupo étnico ainda socialmente marginalizado, acaba sendo sufocada por exercícios que clamam apenas por decodificação, sobretudo se o professor não tem consciência das questões que podem ser levantadas a partir da imagem que se apresenta.
51
los, como para demarcar sua negritude.
Diferentemente do que ocorre no início da unidade 5, em que o professor é orientado a
conversar com os alunos sobre as singularidades étnicas de cada um, a orientação
observada ao lado da tela-cartão-postal de Nunes preocupa-se apenas com a questão do
gênero textual configurado pela imagem no cartão-postal. Não há, em momento algum,
alusão ao sentido do que é veiculado pela tela, não obstante o aluno seja indagado sobre
isto na primeira pergunta de uma atividade de pré-leitura da unidade para que a ilustração é
pretexto.
Embora se tenha questionado o modo como os exercícios a respeito destas imagens se
apresentaram, como também o subsídio oferecido ao professor para que ele se veja
instrumentalizado para mediar os alunos em uma discussão que contemple as questões
sócio-etnico-culturais suscitadas a partir de uma reflexão sobre o que é presente nos dois
quadros, pretende-se aqui destacar a inserção de bem culturais, no livro didático, que
contemplem o público afro-descendente. Tal situação é de grande valor, tendo em vista,
sobretudo, a naturalização existente na opção pela edição de imagens que evidenciam o
grupo étnico branco, assim como se percebe na p.82, em que o estar em família é
representado, em um quadro de Fernando Botero, apenas por uma família branca, que
introduz a unidade chamada “Em família” . Percebe-se, em suma, que apesar de serem
deficientes as propostas de abordagem das telas em que personagens negros são
protagonistas, materiais como estas ilustrações começam a aparecer mais no livro didático,
dividindo um espaço outrora predominantemente ocupado por obras representativas da
cultura branca.
Na p.113 do livro 3, coleção 2, observamos a capa do livro infanto-juvenil de Ana
Maria Machado Menina bonita do laço de fita, que segue um fragmento do livro em
questão. No livro didático, o texto aparece ilustrado, propõe-se que seja comparado à tela
da menina negra pintada por Portinari e é seguido por seções de exercícios voltados,
sobretudo, à necessidade assumida de diferenciar para os alunos narração de descrição.
Da mesma forma que consideramos as tiras em que apareceram Suriá e Lúcio,
personagens afro-descendentes, percebemos igualmente aqui a inclusão da personagem
negra através da exposição de um livro destinado a um público que está na idade de
formação de valores e, portanto, apto a participar de uma discussão saudável sobre a beleza
52
da etnia negra, conforme evidenciada na história da autora. O trabalho com temas que
abordem a cultura de matriz africana é tão importante e este livro de Machado, do mesmo
modo pertinente a uma abordagem como esta, que a publicação divulgada no livro didático
foi até mesmo incluída na Bibliografia Afro-brasileira, lançada pela Secretaria Municipal
de Educação de São Paulo, por meio do Projeto Vida, para a rede municipal de Ensino,
visando-se ao cumprimento do Programa de Governo de Políticas de Ação Afirmativa.
(<http://portal.prefeitura.sp.gov.br/noticias/sec/educacao/2004/10/0013>).
“E fiquei radiante de alegria Quando cheguei na Bahia Bahia de Castro Alves, do acarajé, Das noites de magia do candomblé.”
(MIRANDA, c.; LOPES, A.C.; RODRIGUES, V.L. Língua portuguesa. 2.ed. vol.3. São Paulo: Ática, 2004, p.161.)
É importante que se diga, ao considerarmos este exercício, que nos cabe lhe dar especial
atenção, uma vez que a foto da mulher baiana e afro-descendente, como também o
fragmento do samba enredo mencionado são evidências do momento em que a cultura, a
roupa, a comida e a religião afro-descendentes são expostos da maneira mais explícita se
apreciamos todas as aparições de personagens pertencente ao grupo étnico negro e pardo e
também suas particularidades neste e nos demais volumes das duas coleções de livros
didáticos. Além disso, compete a nós a percepção de que o destaque oferecido à fotografia
da baiana é atribuído, igualmente, a outras fotos representantes de itens próprios ao Brasil,
de modo que o livro didático aponta não apenas a riqueza da cultura afro-brasileira, que
merece certamente apreciação, mas valoriza, também, a cultura e o espaço nacionais, que
são ricos justamente pelo sincretismo que os formam, pela agregação de valores e de
No livro 3, coleção 2, Observamos uma foto de uma
senhora baiana, vestida com trajes brancos e típicos, a
demonstrar o acarajé que está preparando (p.161). Tal
ilustração deve ser relacionada, pelos alunos, com um
trecho de um samba enredo da escola de samba Império
Serrano, do Rio de Janeiro, chamado Aquarela brasileira
e exposto por inteiro previamente, em que é dito o
seguinte:
53
tradições dos muitos povos distintos (entre os quais estão os afro-descendentes) que
ajudaram a dar uma feição ao povo brasileiro e a sua própria e multifacetada memória. É
isto, portanto, que possibilitou, na música, a exaltação também das “cercanias do
Amazonas” , onde há vastos seringais; da “I lha de Marajó” , no Pará; dos “ lindos coquerais”
do Ceará, “ terra de Irapuã, de Iracema e Tupã”, e da “ festa do frevo e do maracatu”, em
Pernambuco, por exemplo.
2.3 A PSEUDO-INCLUSÃO DAS PERSONAGENS AFRO-DESCENDENTES:
que
presença afro-descendente nos dois primeiros jogos.
No primeiro desenho, que é teoricamente representativo da brincadeira queimada, tendo
em vista o nome do jogo sob a ilustração, percebemos a presença de quatro crianças: duas
meninas e um menino brancos e um menino negro. Esta personagem, que é a mais baixa se
comparada com as três crianças brancas, é, além disso, vesga e gorda e usa uma espécie de
chinelo/sandália, no que também difere de seus colegas, que calçam sapatos e que não
trazem “desvios” físicos, com exceção do menino que usa óculos.
Ainda podemos perceber, na ilustração, que as crianças estão, em sua maioria, em uma
Na coleção 1, livro 1,
p.11, observamos um
exercício em que quatro
desenhos representam
algumas brincadeiras
infantis citadas no poema de
José de Nicola, A escola,
que é trabalhado no começo
desta unidade, a primeira do
livro didático. As
brincadeiras retratadas são
queimada, pega-pega,
esconde-esconde e ciranda,
sendo que percebemos a
presen
54
formação circular, formação que, na verdade, aparece corrompida quando da representação
do garoto afro-descedente, pois este é retratado não neste contorno, mas mais para o centro,
ficando alheio, portanto, do espaço principal em que se deve atuar na brincadeira, como
também da bola, que está sendo arremessado por sobre sua cabeça para o garoto branco que
está posicionado atrás dele, na formação do círculo.
Diante deste posicionamento das personagens – e da injustificável posição do garoto
negro fora da formação circular –, do modo como a brincadeira está sendo desenvolvida –
sem a integração do mesmo garoto na partida – e também das características físicas
atribuídas ao personagem afro-descendente, que parecem servir para lhe indicar a falta de
agilidade e presteza requeridas pela brincadeira, fica-nos a sugestão, primeiramente, da
incoerência do nome do jogo realizado pelas crianças, o qual, não obstante seja aludido
como queimada, manifesta-se muito mais como outra brincadeira infantil, chamada
“bobinho” , em que uma criança é eleita para ficar no centro do círculo, ocupando, portanto,
a posição do bobo, pois deve conseguir agarrar a bola, que é arremessada de um
participante a outro da roda, os quais devem fazer o possível para enganar o participante do
centro com seus arremessos, a fim de que não lhe venham ocupar o lugar, caso este consiga
alcançar a bola por alguma falha dos jogadores da roda.
Munidos desta percepção, percebemos então que o bobo eleito para a situação foi o
menino afro-descendente, e que embora se trate da representação de uma personagem do
grupo étnico negro, esta inclusão de forma alguma pode ser enaltecida em seu caráter
inclusivo. Isto porque evidencia o preconceito social existente contra a etnia dos afro-
descendentes. Este preconceito produz a discriminação de negros e pardos ao apontá-los
como indivíduos inferiores e recai, inclusive, na ilustração do livro didático, de modo a
contribuir para a internalização, por crianças da primeira série, a quem se destina tal
produção, de valores antiéticos, imorais e sem fundamentação científica, que sustentam a
ideologia da supremacia racial dos indivíduos brancos.
Outro exemplo válido de pseudo-representação do afro-descendente, uma vez que esta
personagem não é representada visando-se a promoção da igualdade étnica entre os
indivíduos, pode ser encontrado na mesma p.11, do livro 1 (coleção 1), quando
consideramos a ilustração que representa a brincadeira chamada pega-pega, presente logo
ao lado do desenho que retrata a partida de queimada-“bobinho” acima descrita. Nesta,
55
observamos três crianças: um menino afro-descendente e um menino e uma menina
brancos.
No jogo de que participam, o garoto afro-descendente é aquele que deve pegar os
demais participantes da brincadeira, passando, então, da posição de “pegador” para a de
quem deve fugir, a fim de evitar ser pego, intuito do jogo. Embora o garoto afro-
descendente precise ter agilidade e confiança para pegar os colegas, o que percebemos é a
representação de uma criança vesga e com expressão inferiorizada, de esforço e de dúvida
quanto ao atingimento de seu alvo. Ao mesmo tempo e em oposição, do menino branco,
que foge com a colega, percebemos sua desenvoltura ao correr, como também sua língua
desdenhosamente para fora, como que a desconsiderar a capacidade do menino negro de
apanhá-los.
Ao compararmos tal ilustração com a seguinte, representante da brincadeira infantil
chamada esconde-esconde, em que existem três personagens brancas e uma oriental,
percebemos que a capacidade do menino branco responsável por achar os colegas, que se
posicionam longe de seu campo de visão, de forma alguma é posta em questão. Ao
contrário do que ocorre na ilustração que acabamos de citar, não há desdém, não há
desconsideração: o garoto é apenas divisado com curiosidade, graça e expectativa, por
aqueles que, escondidos, esperam não ser encontrados tão cedo.
Na p. 47, do livro 1 , coleção 1, deparamo-nos com uma fotografia da Rua do Barão do
Ouro Branco, da cidade de Ouro Preto, em que se percebe, em primeiro plano, uma senhora
afro-descendente subindo a ladeira com alguns itens nas mãos. Tal personagem usa um
lenço na cabeça, trajes simples, aparece na parte ensolarada da foto e está próxima a um
chafariz. Ao fundo da fotografia, por sua vez, podemos reparar em algumas outras pessoas
– à janela de uma casa, sentada na calçada e andando na rua – das quais poucos detalhes
são distinguíveis devido à distancia em relação ao ponto de onde a foto foi tirada.
Precedendo as questões que são realizadas sobre a fotografia, que é o texto 1 da
unidade, encontramos um comentário da autora, destinado ao professor, em que se afirma
que o objetivo das atividades é “desenvolver nos alunos as habilidades de ‘ leitura’ de
imagens, de textos não-verbais, e dos elementos verbais que acompanham esses textos, no
caso, a legenda indicadora da foto)” .
Entretanto, ao considerarmos a pergunta 3 e a resposta para a questão sugerida pela
56
autora, percebemos o teor do preconceito étnico existente no ideal de correção oferecido
pela resposta do livro didático. Isto porque, embora a senhora afro-descendente seja a
personagem em maior evidência na fotografia, ela é a última a ser apontada na resposta da
autora, a qual começa sua indicação das personagens pelo plano mediano da fotografia,
estendendo-se até as que estão mais distantes da percepção do leitor, recaindo, por fim, na
personagem negra, que está, em suma, no primeiro plano da imagem.
Esta constatação pode ser feita com base na análise da pergunta e da resposta
mencionadas, que são as seguintes:
“Observe as pessoas que estão na rua: o que elas estão fazendo? Você acha que elas são felizes? Por quê?
[Resposta:] Há uma pessoa à janela, outra sentada na calçada, ao fundo algumas na rua, á frente uma mulher subindo a rua carregando roupas, embrulhos... A resposta à segunda parte da questão é pessoal.”.
(SOARES, Magda. Português: uma proposta para o letramento: ensino fundamental. vol.1. São Paulo: Moderna, 2002, p.47.)
Textos a partir dos quais percebe-se o desrespeito e o desprestígio direcionado à
personagem negra, uma vez que o fato de sua presença ter sido relegada a um plano
secundário, enquanto é a que mais se destaca, configura sua pseudo-inclusão no material
didático.
Encontramos na p.13, do livro 2, coleção 1, alguns exercícios que expõem brinquedos
utilizados por crianças em anos passados, brinquedos como o diabolô e o bilboquê, citados
por um vovô ao seu neto, personagens estas do primeiro texto que é considerado na unidade
“Brinquedos e brincadeira” do livro didático.
Ao considerarmos o exercício em que o brinquedo exposto é o bilboquê, o qual,
segundo definição encontrada no livro didático, é “uma bola de madeira com um furo,
amarrada por um cordel a um bastonete pontudo”, que deve ser impulsionada pelo jogador,
para que venha a se encaixar no bastonete” (p.13), observamos que este é representado
como o brinquedo de um menino afro-descendente. Sobre esta personagem, podemos dizer
que se trata de um menino vesgo, vestido com uma blusa amarela e que brinca sozinho,
diferentemente do que se observa na representação do diabolô, jogo que aparece manejado
por duas crianças brancas na exercício precedente a este, as quais, além de não
apresentarem nenhuma forma de depreciação física, aparecem retratadas tanto se divertindo
juntas, como, também, exibindo suas habilidades com o brinquedo separadamente. Além
57
disso, pode-se destacar, também, a falta de humanidade atribuída à personagem afro-
descendente com o bilboquê, pois, muito menos do que um menino, esta parece representar
uma marionete, uma peça estática e sem vida.
São por estas razões, então, que entendemos a ilustração da p.13 como uma forma de
pseudo-inclusão daqueles que são descendentes de africanos. Isto porque, além de
observarmos a exposição de uma personagem a quem a integração com outra criança foi
negada, percebemos-lhe a falta de espontaneidade e dinamismo infantis que são bem
distinguíveis quando da representação das crianças brancas que brincam com o diabolô.
Na p.45, do livro 2 (coleção 1), podemos observar uma ilustração em que o tema ainda
são as brincadeiras de antigamente. Nesta reparamos uma menina brincando de amarelinha,
outra com um bambolê, garotos a se divertirem com um pião, um ioiô e um bilboquê e um
grupo misto de crianças brincando de roda.
Ao considerarmos o grupo étnico das nove crianças que estão bem distinguíveis no
desenho, percebemos que apenas uma é afro-descendente, uma menina, sendo todos os
demais brancos. A garota afro-descendente, por sua vez, aparece no grupo das crianças que
brincam de roda e que estão no fundo da ilustração, sendo pouco evidente no contexto da
figura, mesmo porque conta com um rosto pouco nítido. Além desta falta de nitidez,
percebemos, também, a representação da personagem afro-descendente com os cabelos
lisos.
A partir destas características, podemos perceber que este é o tipo de representação que
busca cumprir as diretrizes existentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais – Temas
Transversais - enquanto evidencia a preocupação em incluir, no texto não-verbal do livro
didático, personagens que não pertencentes exclusivamente à etnia branca, mas também
outra(s), integrante(s) de grupos étnicos presentes na constituição do povo brasileiro, como
é o caso de negros e pardos.
Entretanto, ao analisarmos esta ilustração com um pouco mais de atenção, percebemos
o modo como tal recomendação é atendida de maneira frívola e sem qualquer
comprometimento para com a pluralidade étnica e cultural existente no Brasil. Isto porque
justamente a personagem afro-descendente é, das personagens em evidência, aquela menos
distinguível. É a que conta com uma expressão que sequer tem nítidez, tendo em vista a
distância em que foi representada, como também com a característica embranquecedora
58
verificada no cabelo liso. ‘Coloquemos o negro sim, mas embranquecido, isto é, diminuído
em sua autêntica beleza étnica, em prol de uma política do branqueamento; e, também, ao
fundo, para que, desse modo, ele não seja percebido e não possa concorrer em um espaço
em que se pretende hegemonicamente branco’ : esta parece ser a mensagem difundida pela
imagem do livro didático, o que nos faz, então, enquadrá-la como um exemplo da pseudo-
inclusão dos indivíduos afro-descendentes neste tipo de material.
Na p.144, do livro 2, coleção 1, observamos uma ilustração em que figuram três
personagens: um fantasma, um menino branco e um menino negro. Ao lermos o fragmento
de texto a que o desenho faz referência, percebemos que o menino da história, que foi
desafiado por um amigo a entrar no cemitério à noite, acabou desmaiando quando ficou
com a manga da camisa presa no portão do cemitério. O garoto foi ajudado, no fim, por um
médico-fantasma que o acorda e o manda para casa, com o amigo, visto já ser hora de
dormir. Notamos, também, mediante a leitura do texto, que não há especificação alguma da
etnia dos dois meninos, embora seja mencionado que o idoso médico-fantasma era “quase
transparente”.
Deste modo, ao verificarmos a representação do garoto desmaiado como uma criança
negra, ao mesmo tempo em que o menino que resiste desperto à presença do fantasma é
retratado branco, notamos o afastamento desta ilustração com relação a comportamentos
brasileiros mais comuns. Ao considerarmos que são os afro-descendentes aqueles que
inerentemente estabelecem um contato mais próximo com entidades sobrenaturais através
dos cultos religiosos de matriz africana, seria mais natural que a criança representada
desmaiada fosse a de etnia branca, e não o menino negro como foi exposto na situação.
A inferiorização do afro-descendente em situações em que pessoas deste grupo étnico
podem e normalmente demonstram maior desenvoltura pode ser observada na coleção 2
também. Na p.74 do livro 2, deparamo-nos com a ilustração de um campo esportivo sob o
enunciado do exercício 2. Neste campo, vários homens jogam uma partida de futebol,
enquanto outros tantos torcem de uma arquibancada lateral. Além disso, percebe-se tanto na
torcida, como no espaço onde a bola corre, várias palavras escritas, termos que devem ser
encontrados pelos alunos conforme a proposta do exercício ilustrado.
Ao examinarmos o grupo étnico dos personagens em questão, encontramos
dificuldade em apontar a etnia predominante entre os jogadores em campo, tendo em vista
59
não haver uniformidade ou lógica nas cores empregadas nas personagens: um jogador
acinzentado, dois alaranjados, um marrom e um rosado, um cor de creme-claro e vários
outros mais escuros que este, mas que não podem ser indubitavelmente classificados como
afro-descendentes, tendo em vista a cor selecionada para a representação de negros e pardos
ter sido bem demarcada e ser mais escura do que a em questão, são os personagens que
encontramos atuando no jogo. Por outro lado, ao examinarmos os torcedores na
arquibancada do campo esportivo, percebemos que estes se dividem em dois grupos
específicos: um, de vinte integrantes, que representa os indivíduos de etnia branca, e outro,
de treze integrantes, representante das pessoas afro-descendentes.
Averiguada as cores dos personagens encontrados na ilustração, percebemos que,
embora tenha sido dada atenção para dois grupos étnicos específicos no grupo dos
indivíduos torcedores, que são brancos ou afro-descendentes, caracterizando parte da nossa
diversidade étnico-cultural, as cores dos jogadores em campo, por sua vez, afastam-se do
que observamos na realidade dos times de futebol brasileiros, fato que se dá não pela
inverosimilhança no tom de alguns atletas, mas pelo fato de negros e pardos serem
representados por apenas um indivíduo no contingente de esportistas. Haja vista os clubes
nacionais deverem muito de seu êxito ao potencial de esportistas de descendência africana,
os quais constituem parte bastante significativa dos esportistas dos times existentes,
consideramos, portanto, a sub-representação dos afro-descendentes atuando na partida uma
forma de pseudo-inclusão dos indivíduos deste grupo étnico no material escolar.
Inseridas nas p.96 e 100 da unidade chamada “Papéis que vencem distâncias” – livro
didático 4, da coleção 1– existem fotografias de dois carteiros, ambos afro-descendentes. É
interessante constatar, embora a profissão seja descrita de forma elogiosa em alguns dos
textos presentes na unidade, e seja também observada a representação, em desenho, de um
carteiro branco na p.39 do livro, a opção pela representação da categoria através de
indivíduos pertencentes à etnia negra e parda em páginas tão próximas, ou seja, de forma
tão reiterada.
Haja vista o fato de não ser observado, ao longo do livro didático, afro-descendentes
desempenhando atividades consideradas prestigiadas pela sociedade, ao mesmo tempo em
que encontramos representantes brancos nas posições de escritor (p.71) e de biólogo
(p.190), que são vistas de forma diferenciadas pelo meio social, posto requererem, em via
60
de regra, formação superior para serem exercidas, fica-nos a impressão de que o livro
didático tenta cristalizar, a partir das seguidas fotografias de carteiros afro-descendentes, a
atuação, para pessoas de etnia negra e parda, em profissões em que a necessidade de
resistência física é básica e explícita. Cristalizar, em suma, a idéia da aptidão destes
indivíduos para cargos em que o estudo não é necessariamente requisito eliminatório, bem
como se deu na escravidão, de modo que a revelação da resistência física, que sempre foi
alardeada como destaque de negros e pardos, é o que se espera destes indivíduos, de quem
muitas vezes pouco se admite a possibilidade de contar com grande nível instrucional.
Tal visão, pelo que transmite de danoso à subjetividade da criança afro-descendente em
posse deste material, que se vê privada de referências profissionais prestigiadas pela
sociedade, como também pelo que carrega em si de preconceituoso, leva-nos a considerar
as fotografias dos carteiros afro-descendentes – fotos que são retratos de uma realidade
concreta, registros, em oposição a um desenho (desenho do carteiro branco), representação
de um real que pode tanto ser factível quanto imaginário – como evidências da pseudo-
inclusão a que negros e pardos estão, desta forma, submetidos.
Na unidade “Isto pode ser aquilo: há muito jeitos de ver” do livro 4, coleção 1,
encontramos dois textos sobre um sapo e uma princesa. No primeiro texto, um príncipe foi
transformado por uma bruxa em sapo; ele assim transformado pede o auxilio da princesa
que avista, conseguindo com seu beijo reverter o feitiço que a ele foi lançado. No segundo
texto, há um sapo que age de má fé. Sendo verdadeiramente um sapo, ao aproximar-se uma
princesa do lago em que vive, diz a ela ser um príncipe “transformado pelo feitiço de uma
bruxa malvada” (p.175), pedindo-lhe, então, um beijo para que a magia seja quebrada. A
princesa, piedosa, beija o sapo, percebendo, depois, ter caído em um engodo: o sapo em
nada se modifica, admite ter-lhe feito uma brincadeira, a ela restando apenas a baba do
animal nos belos lábios.
É deste modo, então, que, na p.177 do livro, observamos um exercício que propõe o
julgamento do sapo trapaceiro pelos alunos. Ao considerarmos a ilustração da atividade,
por sua vez, percebemos a presença de 14 pessoas divididas nas ocupações de juiz, de
testemunha de acusação, de acusação e de defesa, de réu e de júri, sendo que uma, apenas, é
retratada por um estudante afro-descendente, personagem exposto com cabelo liso e
posicionado com outros dois companheiros no banco de defesa do réu; quanto às demais
61
personagens que participam do julgamento verifica-se que são brancas.
Ao levarmos em consideração a distribuição étnica dos participantes do julgamento –
13 participantes brancos e 1 negro – fica-nos clara a supremacia branca estabelecida para a
atuação na atividade. Tendo em vista que, no Brasil atual, pessoas afro-descendentes
podem ser encontradas desempenhando atividades nos mais diversos segmentos da
sociedade, embora, conforme o estrato profissional, em proporção consideravelmente
desigual em relação a indivíduos de etnia branca, seria de se esperar a presença de um
número maior de personagens afro-descendentes na ilustração. Tal situação, todavia, deve-
se dizer não priva de veracidade, uma vez que identificamos, no país, a carreira jurídica
como uma carreira de brancos, uma situação que a política de ações afirmativas de cotas
raciais, implantada em algumas universidades, tende a amenizar.
Não obstante, ao recuperarmos um exemplo já citado – a ilustração da p.86, livro 3,
coleção 1, em que observamos seis estudantes, 5 brancos e 1 negro – verificamos,
novamente, como os indivíduos afro-descendentes, embora incluídos no livro didático,
aparecem freqüentemente em menor proporção do que os indivíduos brancos, e em
proporção que não corresponde à participação que possuem em diversas atividades na
sociedade ou mesmo à parcela que constituem da população brasileira. O último aspecto,
em específico, pode ser facilmente esclarecido a partir de alguns dados encontrados no site
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE - <www.ibge.com>) quanto à
percentagem de indivíduos brancos e afro-descendentes característica de nosso meio social.
Segundo números do Censo Demográfico 2000 (Resultados do Universo) do Instituto, a
população total do Brasil no ano de 2000 era de 169.872.856 milhões de pessoas. Destas,
91.298.042 (53,8 %) declararam-se brancas, ao mesmo tempo em que 75.872.428 (45,3 %)
afirmaram-se negras ou pardas. Deste modo, quando nos defrontamos com ilustrações
como as demonstradas – em que apenas uma entre quatorze e seis pessoas,
respectivamente, são afro-descendentes – verificamos que existem circunstâncias, no livro
didático, em que a representação da população negra e parda nacional está muito aquém de
sua presença real na sociedade brasileira. Isto, por sua vez, é o que nos faz considerar que a
pseudo-inclusão de negros e pardos tem muitas facetas, podendo ser evidenciada, por
exemplo, quando consideramos um aspecto quantitativo da representação étnica dos
indivíduos.
62
Na p.41 do livro 1, coleção 2, encontramos um fragmento do livro Nascer sabendo, de
Ronaldo Simões Coelho, que trata sobre uma menininha que enxerga o valor da
aprendizagem na vida, em detrimento da possiblidade de já “nascer sabendo” tudo. Nas
p.192-4, por sua vez, observamos um fragmento da produção de Débora Kovacs, A história
da Fada dos dentes, texto que fala sobre um menino que está perdendo seus dentes de leite
e que, por isso, é visitado pela Fada dos dentes, personagem que coleta os dentes infantis
caídos para transformá-los em estrelas.
Em comum, nos dois textos, surge a constatação de que, embora suas personagens
principais sejam brancas, como pode ser verificado pelo desenho das capas dos dois livros,
reproduzidas sob os fragmentos dos textos, a ilustração das personagens, no livro didático,
é realizada com o uso de personagens infantis afro-descendentes. Tal demonstração, antes
evidenciadora do interesse pela inserção de negros e de pardos no material escolar, é, em
suma, evidência da representação manipulada que sofreram as pessoas pertencentes a este
grupo étnico no material. Esta afirmação pode ser feita, tendo em vista que a importância
do entendimento e da vivência da pluralidade étnico-cultural, sobretudo no meio escolar,
divulgada pelos PCNs, deixou de ser compreendida em sua essência. Isso, por sua vez,
pode ser percebido na medida em que se força a presença da personagem negra em
contextos em que o turno não é seu, gerando a inadequação da ilustração no livro didático e
a pseudo-inclusão dos afro-descendentes.
Nas p.76-8 do livro 4 (coleção 2), encontramos o fragmento do texto de Ruth Rocha
Faca sem ponta, galinha sem pé, que trata sobre dois irmãos, Pedro e Joana. Ao
considerarmos, a ilustração do texto, todavia, verificamos o desenho de quatro personagens,
pois além dos dois jovens afro-descendentes, verifica-se, igualmente, a presença de Setúbal,
o pai, também descendente de africanos, e de Brites, a mãe, personagem branca, o que
configura uma família em que a diversidade étnica é demarcada.
Não obstante a positiva caracterização da harmonia entre etnias diferentes determinada
pela constituição de uma família multi-étnica nesta ilustração, dois pontos que se chocam
com esta visão positiva diante do desenho devem ser considerados. Em primeiro lugar, da
mesma forma que verificado nas ilustrações dos textos Nascer sabendo, de Ronaldo Simões
Coelho, na p.41 do livro 1 (coleção 2), e A história da Fada dos dentes, de Débora Kovacs,
nas p.192-4 (mesmo livro), aqui também contamos com uma representação manipulada da
63
personagem afro-descendente, uma vez a reprodução da capa do texto de Ruth Rocha,
existente na p.79 do livro didático, nos revela que Pedro e Joana são, na verdade,
personagens brancas e não afro-descedentes como o material didático tentou simular. Além
disso, há que se considerar o embranquecimento a que Pedro, Joana e Setúbal foram
submetidos a partir de suas representações com cabelos extremamente lisos. Tal
procedimento de se retratar personagens de descendência africana com atributos peculiares
aos indivíduos de etnia branca revela uma adoção à política do branqueamento, a qual vê,
na miscigenação entre os indivíduos, a solução para promover um embranquecimento da
população e, portanto, a anulação das características negras. A estes dois fatores, devemos,
então, a decisão de classificar a ilustração em questão como uma forma de pseudo-inclusão
da etnia negra e parda, sem que esta opção, todavia, nos faça deixar de reconhecer, de
forma alguma, a importância da representação de famílias pluriétnicas no livro didático, o
qual é, exatamente, o ponto positivo visualizado na ilustração.
história, que saindo de São Paulo, onde moram, dirigem-se para a praia de Santos. Vale
considerar que, através da leitura do texto, é nos informado a relação estabelecida entre
todos os personagens e Zeca, que é o garoto que narra a história: a mãe, o pai, a vizinha, o
avô, os irmãos, a empregada, o tio e o amigo do irmão, em um total de 11 pessoas, são seus
acompanhantes na viagem; ademais, nada é dito, no texto, a respeito da etnia dos
personagens.
Ao consideramos a ilustração, todavia, percebemos que houve uma determinação
arbitrária do grupo étnico dos indivíduos por parte do ilustrador. No desenho do carro, em
que observamos dez pessoas e não 11, notamos que quatro delas são afro-descendentes;
uma tem o rosto dividido em duas cores, metade retratada do tom em que foram pintadas as
Nas p.236-9 do livro 4, coleção
2, encontramos um fragmento
do texto de Flávio de Souza,
Domingão jóia, de cujas
ilustrações convém destacar a
em que se observa um carro
freando bruscamente. Neste
veículo estão as personagens da
64
personagens descendentes de africanos e a outra parte, da cor utilizada para pintar os outros
cinco personagens, que foram determinados como sendo da etnia branca.
Diante desta determinação étnica, principalmente, cabe-nos considerar o
posicionamento conferido às personagens. Ao observarmos o desenho, percebemos que
todas os afro-descendentes foram colocadas na parte traseira do carro. Considerando-se o
desenho no sentido vertical, a personagem híbrida é vista embaixo de uma personagem
afro-descendente, tendo, por outro lado, sua face branca voltada para o lado de uma
personagem deste mesmo grupo étnico, que está ao seu lado em um eixo horizontal. As
personagens brancas, por sua vez, encontram-se na parte frontal do carro, sendo que uma
delas, que é o pai do menino, segundo se constata pelo texto, dirige o carro.
Levantado o posicionamento das persoangens, cabe-nos considerar o porquê da
determinação dos indivíduos afro-descendentes no fundo do carro, enquanto as personagens
brancas se encontram todas na região posterior do veículo, inclusive em posse do comando
do carro. Independentemente da inexistência de atribuição étnica às personagens no texto
de Flávio de Souza, podemos inferir que esta determinação de posições é resultado da
consciência racista identificada no ilustrador, que representa, em seu desenho
segregacionista, a mesma divisão de espaços existentes, antigamente, nos ônibus que
circulavam nos Estados Unidos da América, em que negros e brancos deviam ficar
separados, os primeiros ao fundo, como a escória, os últimos, à frente, superiores e
detentores do poder conforme se julgavam, analogamente à posição do motorista branco
presente no desenho da história. É assim que esta representação injustificável das
personagens afro-descendentes, que foram apartadas e postas em posição inferiorizada,
configura, então, mais uma evidência da pseudo-inclusão das personagens negras e pardas
no livro didático.
2.4 A INCLUSÃO NEGATIVA DE PERSONAGENS AFRO-DESCENDENTES:
Nas p.18 e 21 do livro didático 1, da coleção 1, observamos duas tiras do cartunista
Ziraldo que embora levem o nome de um famoso personagem do desenhista – o Menino
Maluquinho – tem como personagem principal um colega deste, Lúcio, um garoto afro-
65
descendente. Lúcio tem o cabelo crespo e veste uma camiseta quadriculada amarela e preta.
O garoto é identificado como um aluno realmente inteligente, na primeira tira, sendo,
portanto, questionado pela professora que lhe oferece uma transferência para uma turma
mais adiantada. O menino, que, no primeiro instante, se mostra reticente, afirma para a
professora, no quadrinho seguinte, que não deseja ser separado dos amigos. Descobrimos,
todavia, pela exposição do pensamento de Lúcio, no próximo quadrinho, que se alia a esta
vontade o desejo do garoto de continuar a ser o melhor da turma, o que o faz, então, evitar
uma mudança de sala – esta tira já foi citada na seção a inclusão das personagens afro-
descendentes.
Além de ser possível a verificação do fato de que crianças adoram estar em destaque
entre os coleginhas, podemos visualizar, a partir do posicionamento de Lúcio, parte da
pressão social a que são submetidas as pessoas descendentes de africanos no Brasil. Em um
país cuja mentalidade ainda é permeada por desconfiança em relação àqueles cujos corpos
dos antepassados deixaram sangue e suor nas fazendas dos senhores escravocratas, exige-se
de negros e de pardos habilidades e superações que, às vezes, sequer são manifestadas pelos
brancos que carregam esta “expectativa” em relação ao indivíduo do outro grupo étnico.
Deste modo, um país que relegou negros e pardos à condição de animais sem nenhuma
valia lhes devolve, agora, outra moeda de matiz semelhante, uma vez que espera dos afro-
descendentes um desempenho antes sempre negado como possível àqueles que começaram
a história negra no Brasil, os africanos escravizados. Isto é, com esta constatação histórica,
pretendo ressaltar a necessidade imposta aos descendentes de africanos de se revelarem
sempre soberbos no que realizam, como forma de negarem a nulidade a que foram
rebaixados, como um modo de demonstrarem que não são a escória, mas pessoas que
conseguem fazer algo e que condicionam-se a fazer o melhor como medida para serem
socialmente bem aceitos.
Portanto, manterem-se os melhores acaba sendo o escudo que descendentes de africanos
podem usar para tentar se imunizar às manifestações preconceituosas existentes contra as
pessoas de seu grupo étnico na sociedade brasileira; um escudo, paradoxalmente, oferecido
por aquele que sempre lhe diminuiu e que agora lhe dá a oportunidade de não ser
discriminado se conseguir provar sua superioridade, não sua igualdade. Este é o recurso,
por conseguinte, de que Lúcio faz uso ao decidir não mudar de sala, personagem esta que,
66
deste modo, representa um pouco de todos aqueles descendentes de africanos que lutam por
um lugar ao sol tanto pela realização própria, mas também como necessidade de se afirmar
perante os brancos, driblando, deste modo, o preconceito que ainda paira como uma névoa
no imaginário de muitas pessoas.
É na segunda tira que Lúcio protagoniza, não obstante, que a inclusão negativa da
personagem afro-descendente se configura ainda mais concretamente. Observa-se no
primeiro quadrinho desta, os colegas de Lúcio enaltecerem a inteligência do menino,
enchendo-o de comentários elogiosos. Em um segundo momento, contudo, um dos colegas
de Lúcio percebe a nota nove e meio tirada pelo garoto em um exercício, apontando-o e
anunciando a descoberta para a turma toda, que, no quadrinho final, aproveita, deste modo,
para escarnecê-lo, havendo, inclusive, quem o chame de burro (um colega não nomeado) e
quem aponte seu resultado como vergonhoso (Menino Maluquinho). Assim, Lúcio, que
começa a história parecendo estar muito sossegado e bem satisfeito consigo mesmo, acaba
por trazer uma expressão acuada no quadrinho seguinte, a qual se transforma em
manifestação de grande aborrecimento, no quadrinho final, diante dos comentários dos
colegas.
Diante desta situação, cabe-nos considerar as expressões atribuídas ao desempenho de
Lúcio e a sua pessoa: “Ai, que burro!” , “ Imagine!” , “Que vergonha!” , ao que o garoto
responde “Saco...” . Seria um aluno branco que tirasse o mesmo nove e meio, na prova,
“acariciado” com os mesmos epítetos? Seria ele ostensivamente menosprezado pelos
colegas pelo simples fato de ter tirado uma nota meio ponto inferior à nota máxima e ao
que de costume consegue obter?
Para considerar a resposta a estas questões, penso, primeiramente, que devemos
considerar a nota obtida por Lúcio em seu exercício: nove meio. É perceptível,
independentemente da etnia daquele que evidencia tal desempenho, o grande mérito em se
conseguir 95% de aproveitamento em qualquer atividade que realizamos, mesmo que nos
seja latente, igualmente, a capacidade de ter êxito completo nestes tipos de atribuições.
Porém, haja vista o fato de Lúcio ser afro-descendente, a cobrança social que lhe recai às
costas, como já exposto, é muito maior. Ao ter um desempenho inferior, Lúcio dá ensejo
para ser discriminado, pois é como se validasse o monstruoso discurso preconceituoso e
racista que propiciou a escravidão no Brasil, discurso que acusava os negros de serem
67
inferiores e, portanto, indignos de tratamento humano, animais para trabalho que eram,
segundo se preferia pensar. Lúcio é, deste modo, depreciado como conseqüência desta
cobrança histórica que foi impingida às pessoas de sua etnia. Uma vez que deixa de ser o
melhor, deve estar pronto para as despropositadas desconfianças em relação à sua
capacidade e para todo o preconceito que anos recentes ainda não conseguiram apagar,
mesmo sendo tão competente como muitos brancos e mais do que alguns.
Por outro lado, haja vista pessoas de etnia branca terem normalmente ocupado posições
privilegiadas ao longo da história, talvez seja excessivo dizer que um aluno branco, na
posição de Lúcio, dificilmente teria ouvido os mesmos comentários dos colegas: a ele sim,
é conferido, indiscriminadamente, a possibilidade de ser bom ou ruim, restando-lhe o
confronto com conseqüências que podem ser negativas, quando da escolha da segunda
opção, mas em que não pesarão um discurso racializado, como aqueles a que são
submetidos os afro-descendentes, segundo aponta Lucimar Rosa Dias (2004), em seu artigo
Quantos passos já foram dados? A questão de raça nas leis educacionais. Da LDB de 1961
a Lei 10.639.
Na unidade Brinquedos e brincadeiras, do livro 2, coleção 1, observamos seis textos
que falam sobre a pipa – brinquedo normalmente feito com papel, varetas, cola e linha –
sendo que em um deles se destaca o perigo que o uso de cerol representa para o bem-estar
das próprias crianças e dos jovens que se divertem com o artefato, como para os
motoqueiros que acidentalmente se defrontem com um brinquedo confeccionado com o
elemento cortante. Segundo o texto, o uso inconseqüente de cerol nas linhas dos papagaios
pode provocar, nos “empinadores”, a perda de parte dos dedos, e em motociclistas, feridas
graves no pescoço que podem ser fatais.
É assim que na p.36 deste livro, verificamos a presença de um exercício em que se
questiona “por que os motoqueiros é que são, em geral, as vítimas das linhas com cerol?”.
Esta atividade, por sua vez, é acompanhada de uma ilustração em que observamos dois
personagens: um menino afro-descendente, que está empinando pipa na beira de uma
calçada, e um motociclista branco em movimento, que se aproxima, sem saber do perigo,
da linha do papagaio que contém o cerol.
68
passagem dos transeuntes. Nesta figura, por exemplo, a personagem criminosa, posto que
faz uso de um recurso que causará dano à integridade física da outra com quem compartilha
o espaço, é justamente parda, personagem que é exposta como réu, mas em cujo semblante,
paradoxalmente, está explícita a falta de intenção de ferir o motoqueiro ou quem quer outra
pessoa. Com relação ao motoqueiro, por sua vez, percebemos a negligência do livro para
com o fato de ele estar utilizando um veículo que provavelmente não está em condições de
uso, haja vista a grande e densa fumaça, que sugere alto nível de poluentes, liberada pelo
escapamento da moto em questão.
Através destes elementos, percebemos a atitude incriminatória do livro didático, ao
eleger a personagem afro-descendente para desempenhar o papel cruel de quem tende a
vitimar alguém, neste caso uma personagem branca. Ao mesmo tempo, a falta de
consideração para com o desprezo da personagem branca em relação à qualidade ambiental,
que, em síntese, é tão criminoso quanto a atitude do garoto que utiliza cerol na linha de sua
pipa, torna evidente, no livro didático, a discriminação de quem acredita na superioridade
da etnia branca, a ponto de eximi-la de seus erros, atribuindo a negros e pardos, por outro
lado, um complexo de vícios e baixezas.
Ao
considerarmos a
ilustração, torna-se
interessante verificar
como esta inclusão
do descendente de
africano revela a
visão midiática
segundo a qual são
garotos afro-
descendentes aqueles
que ficam brincando
à toa nas ruas, aptos
a atrapalhar a
69
No livro 2 da coleção 2, verifica-se uma unidade temática chamada Nomes e
sobrenomes. Nesta, além de serem observadas, por exemplo, uma poesia que enfatiza o fato
de pessoas terem sobrenomes e outra que brinca com os nomes de algumas pessoas
famosas, podemos notar que a personagem mais destacada é Pelé. Na p.64 do livro,
encontramos uma foto e um texto em prosa biográfico do jogador, que são encimados pelo
seguinte enunciado:
“O Brasil tem muita gente famosa e importante. Existe um brasileiro mundialmente reconhecido por seu futebol genial. Leia esta biografia e conheça um pouco mais sobre a vida do ‘ rei do futebol.’” . (MIRANDA, C.; LOPES, A.C.; RODRIGUES, V.L..Língua portuguesa. 2.ed. São Paulo: Ática, 2004, p.64).
pode ser verificado pelo uso da expressão “ futebol genial” , em detrimento da alternativa
“Pelé genial” para uso no enunciado da seção do livro.
Embora Pelé seja predominantemente reconhecido por seu desempenho corporal em
campo, consideramos perniciosa a opção por uma foto em que é sobrelevada sua presença
com o suor de depois da prática esportiva, em detrimento da aparição do jogador em outra
situação, como em uma coletiva de imprensa, por exemplo, em que o atleta estivesse
socialmente mais apresentável. O prejuízo de uma representação como esta, por sua vez,
está, ao nosso ver, na possibilidade de reforçamento da idéia de aptidão dos afro-
descendentes para atividades físicas apenas, ou seja, atividades que requeiram, sobretudo,
Ao considerarmos a foto do jogador, que é em preto
e branco, percebemos que Pelé é retratado na
adolescência, sorridente e todo suado. A foto antiga
do esportista se justifica na medida em que é
destacado o fato de Pelé ter sido convocado para a
Copa Mundial de futebol com apenas dezessete
anos, tendo inclusive marcado um gol. A escolha por
estampar o jogador todo suado, por sua vez, nos leva
a considerar a atitude revelada pelo livro didático de
atrelar a genialidade do jogador a seu esforço e
capacidade físicos somente. Tal comportamento
70
resistência física. Este posicionamento e o que entendemos como sua conseqüência já
foram expostos quando consideramos as fotos de dois carteiro reproduzidas seguidamente
no livro didático 4, da coleção 1, p.96 e 100. Aqui, todavia, existe a atenuante desta visão
estar sendo reiterada justamente por uma personagem negra famosa, a qual poderia (e
deveria), por outro lado, ser utilizada como um referencial positivo, para a contribuição na
construção da identidade étnica das crianças afro-descendentes que fazem uso deste livro
didático, haja vista Pelé poder ser considerado, em muitos aspectos, um vencedor. Isto é o
que nos leva, portanto, a considerar a fotografia de Pelé, selecionada pelo livro didático,
não mais como uma pseudo-inclusão da personagem afro-descendente, como ocorrido no
caso dos carteiros, mas como uma inclusão negativa desta, tendo em vista a idéia
preconceituosa a que dá ensejo e que pode ser reforçada pelo desempenho de uma pessoa
famosa.
A seguir, na mesma unidade Nomes e sobrenomes do livro didático 2 da coleção 2,
utiliza-se como texto 3 a letra de uma música que, segundo o material didático, foi feita em
homenagem ao jogador Pelé. A letra da canção, que leva o nome do esportista, toma três
páginas do livro (p.67 a 69), sendo todas ilustradas por um desenho que tenta representar o
jogador.
Ao consideramos as figuras, encontramos, na p.67, um desenho de Pelé segurando
no alto, com os braços estendidos, uma bola em que está colocada uma coroa de rei. Na
p.68, a ilustração do jogador tem muito destaque, tomando toda a altura da página. Nesta, o
jogador, segura sob um braço, o globo terrestre, simbolizador do prestígio de quem foi para
uma Copa Mundial, por ter demonstrado muito talento com tão pouca idade. Na p.69,
observamos um terceiro desenho, de tamanho intermediário, em que Pelé aparece sentado
sobre uma grande bola de futebol, abraçando os joelhos.
Em todas estas ilustrações, Pelé aparece vestindo o uniforme da seleção brasileira.
Da mesma forma, não obstante, o jogador aparece caricaturizado nas três situações. Na
primeira delas, embora Pelé esteja na posição de quem ergue vitorioso o instrumento de
trabalho e de reconhecimento de seu potencial, a bola e a coroa, respectivamente, seus
olhos carregam uma expressão sonsa e o jogador é desenhado com um nariz enorme. Na
segunda ilustração, a boca do jogador é exagerada, desproporcional são o tamanho e a
espessura de seu pescoço – muito grande e muito fino –, para um corpo que foi desenhado
71
grande e sem aparência atlética. Ademais, o braço do jogador, nesta situação, é igualmente
bizarro: molenga, comprido e terminado em uma mão de três dedos apenas. A terceira
ilustração não fica atrás das primeiras. Nesta, o pescoço de Pelé é ainda grande, mas um
pouco mais grosso e adequado. Os traços de seu rosto – olhos, nariz e boca – são todos
caricaturais também e portadores da mesma expressão sonsa vista no desenho 1.
Deste modo, haja vista Pelé ser uma personalidade mundialmente conhecida por um
futebol que lhe rendeu o título de rei, brasileiro importante, como indica o livro didático na
p.64, o que justificaria sua presença predominantemente caricaturizado em livros didáticos
destinados a crianças de 2ª série do Ensino Fundamental? A resposta a que conseguimos
chegar alude a falta de carinho e, principalmente, de respeito no trato das ilustrações de
personagens afro-descendentes, sejam elas de personagens famosas ou não. Isto pode ser
deduzido uma vez que observamos, no mesmo livro didático, a presença de duas outras
personalidades brasileiras reconhecidas mundialmente, em maior ou menor grau, Ayrton
Senna da Silva (p.81) e Monteiro Lobato (p.266 e 283), duas pessoas brancas e em que não
foi percebido traço algum de caricatura. Esta situação, que evidencia procedimentos tão
distintos para personagens que possuem todas imenso valor profissional, mas que se
distinguem, não obstante, quando consideramos o grupo étnico de que fazem parte, nos
permite confirmar, igualmente, a falta de um preparo consolidado para o tratamento
apropriado, no livro didático, da pluralidade étnico-cultural que caracteriza o país. E, em
um aspecto mais pedagógico, este é um fator que muito macula o aprendizado e
desenvolvimento psíquico que nossas crianças afro-descendentes, brancas e orientais
possam ter.
Na p. 48 e 49 do livro 4, coleção 2, observamos a reprodução de duas páginas da
Revista Recreio, de abril de 2002, em que é abordada a questão dos direitos infantis
segundo a Declaração dos Direitos das crianças, temática apresentada em meio a muitas
ilustrações que representam crianças de diversas partes do mundo. Todavia, mais do que
observar a junção de crianças representantes de diferentes culturas, notamos, ainda, a
imaturidade de muitos ilustradores quando do tratamento/representação das peculiaridades
de cada povo ou, especificamente, da pluralidade étnico-cultural que marca a maior parte
das pessoas no mundo todo. Tal afirmação pode ser feita, haja vista as características
particulares de certos povos e de várias crianças – neste caso independentemente de
72
representarem um país específico – terem sido retratadas na base do exagero, acentuando-se
o tamanho do nariz ou da cabeça de um, dos óculos ou dos dentes de outro, e assim por
diante. Deste modo, notamos que isto acontece, por exemplo, quando da representação da
criança russa e da mulçumana, como também com as crianças afro-descendentes.
Ao considerarmos as crianças de ascendência africana é impossível não notar que a
exageração de alguns traços físicos que são considerados demarcadores do grupo étnico
negro levou à plena estereotipação das personagens retratadas. Na p.48, por exemplo,
encontramos um menino afro-descendente, que parece representar a população negra e
parda da América Central, em especial da Jamaica, haja vista seu traje colorido e seu
chapéu quadrangular de tons vibrantes, lembrados mundialmente como característicos desta
nação. Pois ao considerarmos o desenho desta criança, percebemos que o garoto foi
retratado com uma cabeça que é maior do que seu próprio corpo. A boca e o nariz do
menino são, por sua vez, tão imensos que, juntos, tomam-lhe toda a extensão da face, sendo
que a primeira até mesmo ultrapassa a porção inferior do rosto infantil. Além disso, nota-se
que os olhos do garoto estão fechados, e suas orelhas são irrisórias para alguém que foi
retratado com um tamanho de cabeça tão inadequado.
Outros dois meninos afro-descendentes aparecem ilustrando a continuação do texto
extraído da Revista Recreio na p.49 do livro didático. Um deles, por estar machucado, é
carregado em um carrinho-de-mão por dois garotos brancos e, embora sorria, traz
estampado no rosto um inequívoco olhar de dor. O outro garoto, este batendo corda com
um menino branco para que uma menina possa pular, traz apenas três dedos na mão que é
ilustrada aberta, enquanto sua cabeça é somente um pouco menor do que todo seu corpo.
Nestes dois casos, podemos observar bocas e narizes que são sobremaneira
exagerados e desproporcionais às constituições infantis. No caso do menino que está
batendo corda, especificamente, sua boca é representada tão gigantemente a ponto de
perder a característica humana, assemelhando-se mais às forjadas bocas de palhaços.
Muitas idéias podem ser levantadas sobres estas ilustrações. De nossa parte, porém,
julgamos conveniente destacar o modo como representações semelhantes a essas permitem
que ganhe corpo a visão preconceituosa que relaciona negros e pardos a macacos, animais
escuros e cuja proporção do corpo em nada lembra a harmonia corporal conquistada
evolutivamente por todos os homens, independentemente da origem étnica.
73
Esta imagem, produzida por um meio social inconsciente do valor das
peculiaridades étnicas dos indivíduos, propaga a ideologia racista do meio em que foi
produzida e é internalizada pelas individualidades, conforme mecanismo exposto por
Bakhtin (1997). Infelizmente, isto evidencia, inclusive, que a introjeção das idéias e valores
sociais se realiza independentemente do respaldo ou embasamento científico que possam
ter, o que provoca, por exemplo, em primeira instância, representações equivocadas por
parte dos ilustradores que não possuem um conhecimento apurado sobre a grandeza da
pluralidade étnico-cultural que marca os indivíduos, e, conseqüentemente, a internalização,
por parte de indivíduos que estão na idade de formação de valores – as ilustrações
consideradas estão em um livro indicado para as crianças de 4ª série – de “crenças” que não
são em nada benéficas para a constituição de suas identidades e personalidades, visto
disseminarem valores que revelam a apologia à etnia branca, em detrimento de todas as
demais, consideradas, muitas vezes, prioritariamente para serem rebaixadas.
2.5 A INCLUSÃO DA REALIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES:
Decidimos montar esta seção com a apreciação de algumas fotografias, encontradas
nos livros didáticos, que julgamos representativas da vida de muitos afro-descendentes
brasileiros. Não obstante, dois pontos devem ser esclarecidos: 1) fotos já citadas, como a de
Pelé e a da baiana com seu acarajé, e mesmo alguns desenhos podem igualmente retratar
situações do cotidiano do grupo étnico negro e pardo; 2) as fotografias aqui consideradas
não são ilustrativas da vida de todos os afro-descendentes do país, mas de uma parcela
considerável deles.
No livro 2, coleção 1, observamos, na p.103, a foto de uma família de afro-
descendentes que, por não ter lugar para morar, passou a se abrigar embaixo de um viaduto.
Tendo ganhado vários caixotes de madeira, cada membro da família contribui, com
ferramentas em punho, para a construção de pequenos barracos, cujas paredes, algumas já
levantadas, demonstram a forma que terão os abrigos. Ao percebermos que esta fotografia
está em uma unidade chamada “Casas de gente e casas de bicho” , percebemos quão
complexo e doloroso é ver joões-de-barro e joões-graveto terem suas casas apresentadas e
74
até homenageadas em um poema (p.77), como é o caso do primeiro, enquanto que a família
de descendentes de africanos, sem um lar, tem a dura realidade de sua acomodação na rua
para ser retratada.
É interessante ressaltar, por outro lado, a atenção do livro didático ao retratar o
problema de moradia como uma questão nacional e não exatamente exclusiva do grupo
étnico negro e pardo. Isto pode ser evidenciado pela consideração da ilustração do poema
de Roseana Murray, Sem casa, em que observamos um menininho branco dormindo na rua
e sonhando estar dormindo aconchegado em uma cama, como também no próprio poema de
Murray, para quem “gente tem que ter / onde morar, / um canto, um quarto, / uma cama /
para no fim do dia / guardar o corpo cansado, / com carinho, com cuidado, / que o corpo é a
casa / dos pensamentos”.
juntamente com o irmão Bismarck, de 10 anos, pois a mãe dos pequenos é diarista e sai
cedo de casa, retornando ao lar apenas à noite.
Estas e outras informações, como o fato de as crianças dividirem as tarefas
domésticas e estudarem à tarde, indo para a escola caminhando e sozinhos, como também
de terem o pai morando no Pará – a mãe e as crianças vivem em São Caetano do Sul/SP –
podem ser descobertas na p.100 do livro didático, em que foi reproduzida a reportagem do
suplemento infantil do jornal Folha de São Paulo. Nesta página, existe, ainda, outra
Na p.99 do livro 3, coleção 1,
observamos a fotografia de três irmãs:
Karen, Karina e Kátia, de 8 anos. As
trigêmeas afro-descendentes foram clicadas
segurando materiais de limpeza para uma
reportagem publicada na Folhinha, de maio
de 1999, que descreve as meninas pela
sentença “Elas fazem papel de mãe”.
Verificamos que esta situação foi motivada
pelo fato de as meninas precisarem cuidar
uma das outras e da casa todos os dias,
75
fotografia, através da qual conhecemos Bismarck, que foi fotografado junto com as irmãs
em um processo de arrumação de um quarto.
A partir das fotografias e do texto da Folhinha, cuja manchete é “Eles são os donos
da casa”, entramos em contato com a realidade de milhões de famílias em que o convívio
entre filhos e pais se torna mais restrito, haja vista a necessidade de os responsáveis pelas
crianças se ausentarem para ir trabalhar, conseguindo, deste modo o sustento família.
Embora o contexto em questão tenha sido representado por uma família de pardos,
devemos considerar que a situação não é exclusiva deste grupo étnico, sendo, não obstante,
de grande valor representativo para a consideração do cotidiano de muitas famílias de
descendentes de africanos.
Na p.149 do livro didático 2, coleção 2, tem início uma reportagem do suplemento
infantil do jornal Folha de São Paulo, o Folhinha, cuja manchete é “A terra está doente”.
Neste texto, fala-se sobre o uso desregulado de recursos naturais pelos homens e são citadas
as conseqüências que um comportamento descomprometido, como o revelado, causarão
sobre o planeta e sobre a vida das pessoas.
Um dos problemas citados na reportagem é o da escassez de água. Esta é a questão
que nos leva a considerar a fotografia pilar deste exemplo, em que verificamos quatro
mulheres nordestinas carregando, sobre suas cabeças, latões com água, que são
transportados pelas mulheres para a região em que vivem, posto não contarem com sistema
de abastecimento hídrico. A história nos conta que a população nordestina apresenta grande
proporção de afro-descendentes em sua constituição; da mesma forma, é de conhecimento
do senso comum as dificuldades históricas que o povo do Nordeste enfrenta, como a falta
de água para suprir necessidades básicas e a conseqüente precisão de grandes
deslocamentos para a obtenção de água através de carros-pipas ou de poços alheios. Como
nos exemplos passados, é importante considerar que miséria e problemas de saneamento
básico não são prerrogativas de nordestinos ou de afro-descendentes. Todavia, é esta uma
problemática que vem toldando o modo de vida destas pessoas, haja vista os obstáculos que
representam, o que nos leva a considerar uma fotografia como a considerada uma evidência
da inclusão da realidade de descendentes de africanos no livro didático.
Nas p.106 e 107 do livro didático 4, coleção 2, encontramos a foto de cinco garotos
em uma olaria, local em que trabalham, carregando peso durante o dia todo, debaixo de sol
76
ou de chuva, mesmo sem estarem preparados física ou psiquicamente para o mundo do
trabalho. A foto é dramática e revela, nos olhares e expressões infantis, o sacrifício
realizado pelos garotos afro-descendentes a cada dia de serviço. O despreparo dos meninos
para a tarefa pesada, haja vista suas idades, assim como a inadequação da atividade
realizada por um outro menino, que aparece quebrando pedra, em uma fotografia na p.107,
correndo riscos sérios de “receber uma lasca no olho ou o pó das pedras nos pulmões” é
expresso pelas informações prestadas pela médica sanitarista Celeste Cristina de Azevedo
Consenza em uma entrevista que concedeu sobre o trabalho infantil, cujo trecho foi
reproduzido pelo livro didático.
Algumas páginas adiante – p.112 – em que encontramos um texto adaptado do site
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que traz dados sobre a questão do
trabalho infantil, é informado que as regiões nordeste e sul continuaram apresentando, em
2001, “percentuais mais elevados de crianças e de adolescentes ocupados” . Os dados sobre
estas crianças ajudam a confirmar a condição de carência em que vivem os nordestinos
brasileiros (já revelada no exemplo anterior), situação que obriga, freqüentemente, as
crianças a irem trabalhar para poder auxiliar os pais no sustento doméstico. Segundo o texto
em questão, crianças e adolescentes nesta situação, deveriam estar estudando, em vez de
aparecerem no mercado de trabalho. Esta informação, por sua vez, refere-se a todos aqueles
jovens brasileiros, independentemente da etnia, pois, como bem esclarece a ilustração do
77
texto, há situações em que crianças, brancas ou negras, por exemplo, trabalham lado a lado,
padecendo o mesmo sofrimento, que é, entretanto, tão comum entre famílias afro-
descendentes que legaram a desventura dos antepassados escravos que mesmo depois de
libertos não tiveram oportunidade de se estabelecer na vida, haja vista o preconceito racial
da sociedade que integraram.
Por fim, na unidade “Nomes e sobrenomes”, em que Pelé é a personalidade
destacada, encontramos, também, duas pequenas fotografias, de Jorge Benjor e de Caetano
Veloso, em um exercício da p.61, uma cruzadinha, que deve ser respondida com o nome
destas personalidades, conforme eles foram citados na letra de música de Toquinho e Elifas
Andreato, Gente tem sobrenome, reproduzida na p. 59 do livro didático. Tanto Benjor,
como Caetano Veloso, são referências musicais do Brasil, e, portanto, referências positivas
da cultura afro-brasileira e para a população afro-descendente nacional.
CONCLUSÃO
Esta pesquisa teve como tema identificação da representação social do afro-
descendente nos livros didáticos de língua materna de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental,
observando-se a influência e o condicionamento de comportamentos e de conhecimentos
lingüísticos-discursivos sobre os alunos. Vale citar a premência de um tema como este, uma
vez que muitos livros didáticos manifestam-se imaturos ainda para desenvolver um
tratamento consciente da diversidade étnica peculiar a nosso país, bem como da pluralidade
cultural inerente à formação do povo brasileiro.
A pesquisa teve como objetivos específicos identificar como se dá a representação
social do afro-descendente, no livro-didático, em termos do modo como a imagem deste
grupo étnico é exposta, considerando-se, para tanto, o nome, a função, o cargo e a posição
social que são conferidos aos brasileiros descendentes de africanos. Considerou-se, ainda, a
maneira como os costumes, a roupa, a música, a comida, o léxico e a religião, por exemplo,
dos afro-descendentes são retratados neste material. Ademais, desejou-se identificar como a
imagem dos afro-brasileiros é construída, a partir da perspectiva bakhtiniana do “outro”.
Quanto a estes objetivos, verificou-se que a representação social do afro-
descendente se dá em termos positivos, negativos, realísticos – ou seja, em consonância
com a realidade destes indivíduos no país – bem como que acontece uma pseudo-
representação deste grupo étnico no livro didático.
Ao nos referirmos a uma inclusão positiva, aludimos a ilustrações em que o
conjunto dos traços dos afro-descendentes, mais o contexto em que estas personagens estão
inseridas são representativos do tratamento que se pretende ideal para a pluralidade étnico-
cultural em nosso país. Ou seja, estas personagens aparecem sem deturpação/estereotipação
física, muitas vezes em convivência salutar e igualitária com pessoas de etnia branca e, às
vezes, desempenhando papéis prestigiados. A inclusão negativa refere-se a situações em
que o afro-descendente foi depreciado, sendo diminuído em seu valor por valores que são
injustificáveis.
Quanto à pseudo-inclusão, aludimos a uma representação desinteressada e insincera
dos afro-descendentes, pois não é propósito que eles apareçam ou que se apresentem em
uma posição positiva. A presença dos descendentes de africanos, nestas situações, se dá
79
apenas para que se atenda prescrições governamentais proponentes da abordagem da
pluralidade étnica e cultural dos brasileiros no material escolar, tentando ser politicamente
correta, mas sendo falsa na essência da propagação da convivência cidadã, harmoniosa e
esclarecida entre pessoas de nacionalidades comuns, mas com origens genealógicas
diferentes. Por fim, consideramos inclusão da realidade dos afro-descendentes tanto
fotografias que representam a vida miserável daqueles que não tem onde morar e das
crianças que trabalham de sol a sol, por exemplo, como a presença de personagens afro-
descendentes identificadas socialmente como de sucesso, portanto, prestigiadas. É o caso de
Caetano Veloso e Jorge Benjor.
Com relação ao objetivo geral da pesquisa, que se trata de refletir sobre como a
representação dos afro-descendentes se apresenta no livro didático de língua portuguesa,
especialmente, sobre as provocações que este pode ter nos alunos de 1ª a 4ª séries do
Ensino Fundamental, para que se contribua para um melhor tratamento das diversidades
étnico-culturais, acreditamos que, a partir da sistematização das ilustrações, ele foi pode ser
alcançado. Isto pode ser dito, uma vez que uma pesquisa como esta serve como um norte,
para os elaboradores de material didático, indicador do muito que ainda precisa ser feito
para que os afro-descendentes deixem de serem injusta, quando não impunemente
discriminados. Indicador também de que não basta representar, mas deve-se estar convicto
da proposta de disseminar a conscientização sobre a importância de se assumir o sangue
negro que se move pelas veias de nosso país, para que não se caia na falsidade hipócrita de
camuflar a presença afro-descendente, expondo-o sem intenção de mostrá-lo.
A pesquisa se faz importante também por sinalizar que mudanças já começaram a
ocorrer, apontando modificações que sugerem um tratamento, embora às vezes incipiente,
mais consciente de que não deve haver lugar para o preconceito no livro didático, e de que,
tampouco, os descendentes de africano devem ser relegados a um passado histórico, pois,
de fato, constituem, praticamente, metade da população nacional. Por fim, podemos dizer,
inclusive, que esta pesquisa contribui para o ensino de língua materna, tendo em vista poder
orientar o professor de português sobre um dos vieses da representação dos afro-
descendentes em nossa sociedade, conseguindo, deste modo, motivar com/entre seus alunos
várias discussões que contemplem o mundo social partilhado por todos, mas, ainda, a
experiência étnica e cultural de cada estudante, de modo que o debate leve à reflexão e ao
80
amadurecimento de idéias acerca da identidade do país e de seu próprio povo. O contato
com o livro didático muitas vezes é comum, queremos fomentar agora a discussão de
elementos dele que nos diz respeito. Eis o caso da identidade étnica de todos nós, uma vez
que o outro, seja ele branco ou afro-brasileiro, nos serve e sempre servirá como
possibilidade e limite.
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REFERÊNCIAS
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