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RENDERS Helmut. Educacao Metodista Forma
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1
Educação metodista: formação para a citadania global e a dignidade de vida, perspectivas teológicas1
Helmut Renders
Saúdo as autoridades aqui presentes,
as crianças, os adolescentes e os/as idosos/as;
as mulheres e os homens,
leigos/as, pastores/pastoras, e bispos/as;
professores/as, diretores/as e reitores/as.
Nosso tema durante os próximos 60 minutos é “Educação Metodista: educação para a
cidadania global e dignidade da vida, perspectivas teológicas”.
Nossa tarefa é, pois, de natureza doutrinária, profética e pastoral:
a) Em consulta à herança teológica metodista, nós devemos identificar e desafiar ou
desmistificar e desconstruir aqueles elementos – inclusive da própria teologia –
que dificultam, se não impedem, uma educação metodista no horizonte da cidada-
nia global e da dignidade da vida;
b) Em conversa com a herança teológica metodista, nós devemos identificar e/ou va-
lorizar aqueles aspectos – inclusive da própria teologia – que sustentam, se não
estimulam, uma educação metodista em prol da cidadania global e dignidade da
vida.
A tradição teológica metodista tem mostrado na história que ela tem estas três compe-
tências e que, em certos momentos, era capaz não somente de correr atrás dos aconteci-
mentos, mas indicar direções e mostrar pioneirismo. O que se escuta hoje muito – “Os
tempos são difíceis”; “Que tempo difícil para ser um metodista, uma metodista!”; “Que
tempo difícil de ser professor/a metodista!” – vale para todos os tempos nos quais os
1 Contexto: primeira fala de três: II - Educación metodista: formación ciudadana global y dignidad de vida,
perspectivas teológicas; III - Oportunidades, posibilidades y desafíos de la Educación Metodista en la
gestión de una la ciudadanía plena para el logro de la dignidad humana [I - Educação Metodista: educação
para a cidadania global e dignidade da vida, perspectivas teológicas / II - perspectivas pedagógicas; III -
Oportunidades, possibilidades e desafios da Educação Metodista na gestão de uma cidadania plena para
atingir a dignidade humana]; tempo: 1h15min.
2
metodistas se destacaram. Porque, se eu reparo bem, eram, são e serão justamente os
tempos desafiadores até difíceis os tempos de contribuições significativas dos/as meto-
distas para o mundo. Wesley não temeu tempos difíceis, mas os metodistas com cabeça
abaixadas e braços cruzados.
Diante dos desafios, Wesley procurava companheiros e companheiras com
Mentes abertos!
Corações abertos!
E Braços abertos!
Nos termos de John Wesley:
Metodistas são amigos/as de todos e inimigos/as de ninguém.
Em seguida, eu proponho desenvolver as solicitadas perspectivas teológicas cruzando
o tema dessa conferência com esta afirmação: Metodistas são amigos/as de todos e ini-
migos de ninguém. Por ela me parecer conter aqueles elementos de que se precisa para
poder imaginar, saber promover e, finalmente, querer realizar a cidadania global e a dig-
nidade da vida: um horizonte amplo, um compromisso claro e uma fundamentação forte.
Em A superação da inimizade pela amizade: do resgate de uma teologia da cruz wes-
leyana não mérito-sacrifical ou da acolhida incondicional, revisito a base soteriológica
da expressão Metodistas são amigos/as de todos e inimigos de ninguém e mostro o fato
esquecido de que se trata de uma opção soteriológica bíblico-teológica especialmente
prestigiada nas missões latino-americanas da Igreja Metodista Episcopal, Sul. Entendo eu
o resgate dessa perspectiva como fundamental para enfrentar lógicas mérito-sacrificais
de construir o mundo.
Em A ética do amor ao inimigo e a hospitalidade como amor para com o estrangeiro
(philoxenia): exemplos de uma ética não mérito-sacrificais e da acolhida incondicional,
lembro que este elemento novo da ética de Jesus, depois traduzido entre outros, para uma
atitude hospitaleira com o estrangeiro ou incondicionalmente aberto ao estranho, favorece
e sustenta a cidadania global como encontro aberto e corresponsável.
A superação da inimizade pela amizade: do resgate de uma teologia da cruz wes-
leyana não mérito-sacrifical ou da acolhida incondicional
Quem acha que a afirmação Metodistas são amigos/as de todos e inimigos de nin-
guém seja expressão de uma concepção idealista do ser humano, da história ou da vida,
ainda não assumiu uma perspectiva teológica. Em termos bíblico-teológicos, a expressão
pertence unicamente à doutrina da salvação, mais precisamente, como uma das teorias da
3
expiação à teologia da cruz. A expressão Metodistas são amigos/as de todos e inimigos
de ninguém leva-nos diretamente a um dos centros da teologia cristã. E isso será neces-
sário: porque quem procura promover a cidadania global e a dignidade da vida precisa de
uma âncora muito forte. Ou, eventualmente, até uma segunda âncora. Vou então percorrer
não o caminho comumente escolhido e construir o argumento a partir da antropologia
teológica, a afirmação do ser humano como imagem de Deus, fundado na graça proveni-
ente de Deus, dom gratuito de Deus para toda a humanidade. Isso seria a primeira âncora.
Temos algo ainda mais central e essencial, a teologia da cruz para construir nosso argu-
mento.
Por que em nenhum outro lugar se expressa de forma tão radical, universal, desinte-
resseira e comprometida a atitude do Deus Pai, mediante do Filho e através do Espírito,
em relação ao cosmo. Na cruz, em Cristo, Deus desafia qualquer inimizade humana que
exclua, classifique e desclassifique inclusive por uma meritocracia que transforma a vida
em sacríficios sem fim. Na cruz, em Cristo, Deus revela sua mente divina aberta, seu
coração divino aberto, seus braços divinos abertos.2
Este evento da morte de Cristo na cruz como evento que sinaliza, sedimenta e libera
toda esta dedicação e abertura divina, é também designado como expiação3 e já foi en-
tendido em diversas formas.4 Distinguem-se em sequência cronológica:
1. A expiação como conquista de méritos:
a. Por Cristo diante de Deus (Irêneo de Lyon / 130-202 d.C.);
b. Direitos do bem-estar e da prosperidade reclamáveis (Oral Roberts e
Benny Hinn, etc.),
2. A expiação como resgate:
2. Breytenbach, Cilliers. Versöhnung: Eine Studie zur paulinischen Soteriologie. Neukirchen-Vluyn: Neu-
kirchener Verlag, 1989. xv + 260p. [Coletânea WMANT60] (Tradução: Reconciliação: um estudo a res-
peito da soteriologia paulina). 3 Consultando dicionários teológicos contemporâneos o termo parece estar fora da moda. Cf. BORTO-
LLLETO FILHO, Fernando. Dicionário brasileiro de teologia. São Paulo: ASTE 2008 não contém o ver-
bete “expiação”, mas “salvação”, em que o tema é mencionado em relação ao tema da “maldição da cruz”.
O silêncio se estende às obras católicas, ecumênicas e pentecostais. Cf. BEREJUNG, Angelika; FREVEL,
Christian (rgs.). Dicionário de termos teológicos fundamentais do Antigo e do Novo Temstamento. Tradu-
ção: Monika Ottermann. São Paulo: Edições Loyola, 2011; LOSSKY, Nicholas. MÍGUEZ-BONINO, José;
POBEE, John S. et al. Dicionário do movimento ecumênico. Tradução: Jaime Clasen. Petrópolis, RJ: Edi-
tora Vozes, 2005; ARAUJO, Isael de. Dicionário de movimento pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007. 4 JENNINGS, JR, Theodore W. Transforming atonement: a political theology of the cross. Minneapolis:
Fortress, 2009. p. 217, lembra a tipologia proposta por Gustav Aulen e apresenta uma lista um pouco mais
concentrada: “The Greco-Lutheran ransom theory, the Western view associated with Anselm and Calvin
of substitutionary satisfaction, and the Abelardian and liberal perspective termed `moral influence´”.
4
a. Modelo do pagamento de um resgate para o diabo (Orígenes / 185-243
d.C.)
b. Modelo do Christus Victor como resgate dos tiranos do mundo (Gustaf
E. H. Aulén5 / 1879-1977).
3. A expiação com ato jurídico:
a. O apagar da ira de Deus pelo sacrifício humano (Anselmo de Cantuária
/ 1093-1109);
b. A morte de um substituto apaga os pecados do substituído (Calvino /
1515-1565 d.C.).
c. Junto a este grupo ainda Hugo Grotius (1583-1645), especialista em
negociação de contratos de paz internacionais, que afirmou que Cristo
não morreu em lugar do ser humano, mas a seu favor.
4. A expiação como declaração performativa do amor e da amizade divina:
a. A teoria da influência moral (Abelardo / 1079-1142 d.C.);
b. A teoria da declaração do amor (Albrecht Ritschl6 / 1822-1889);
c. A compreensão da superação da inimizade pela amizade7;
5. A expiação como martírio8:
a. Teologia da Libertação
b. Acidente da história (Albert Schweitzer)
Para nós é agora importante localizar nossa tradição. Falamos brevemente sobre John
Wesley, a partir do estudo contemporâneo que inicia com a obra de John Deschner em
1961 com reflexos em autores contemporâneos e muito lidos na América Latina como
Kenneth J. Collins, Theodore Jennings e Randy Maddox.9
5 AULÉN, Gustaf. A fé cristã. São Paulo: ASTE, 2002; AULÉN, Gustaf. Christus Victor: an historical
study of the three main types of the idea of the atonement London: S.P.C.K, 2003 [19311]. 6 RITSCHL, Albrecht. La doctrina cristiana de la justificación y de la reconciliación.. 3 vol. 1870-1874.
Edições em alemão e inglês. 77 Veja SALVATI, G. M. “Expiação”. In: Lexicon: dicionário teológico enciclopédico. Tradução: João
Paixão Netto; Alda de Anunciação Machado. São Paulo: Edições Loyola, 2003. p. 284: Ele destaca “A
dignidade incomensurável daquele que se ofereceu e o amor ilimitado que o sustentou conferem um valor
absoluto e definitivo à expiação de Cristo”. 8 Por exemplo na teologia católica. Veja SCHENKER, Adrian. “Expiação”. In: LACOSTE, Jean-Yves (su-
pervisão). Dicionário crítico de teologia. Tradução: Paulo Meneses et al. Edições Loyola, 2004. p. 709-
712, lemos: “A mediação de Cristo Jesus para reconciliar os homens com Deus funda-se em sua morte
como martírio, não sobre a expiação”; Assim também SALVATI, G. M. “Expiação”. In: p. 284-285: Ele
destaca “a paixão e morte de Jesus como sacrifício de expiação que obtém a salvação do mundo” (p. 284).
A igreja antiga [...] evoca em inúmeras ocasiões o sacrifício dos mártires como oferta que expia os pecados
da humanidade.” 9 Livros recentes sobre a doutrina Metodista não comentam a teologia cruz ou supostas preferências na
escolha da teoria da expiação. Cf. CAMPBELL, Ted A. Methodist Doctrine: the essentials. Nashville,
TN: Abingdon Press: 1999; CAMPBELL, Dennis M.; LAWRENCE, William B.; RICHEY, Russel
5
Deschner identificou três tendências em Wesley: a promoção da teoria da satisfação
da ira de Deus, a promoção da teoria da substituição penal e uma versão anterior à teoria
do Christus Victor.10 Kenneth J. Collins segue Deschner parcialmente e afirma que Wes-
ley teria interpretado a morte de Jesus como uma morte sacrificial nos termos de An-
selmo11 e como substituição penal nos termos de Calvino. Ele vai mais longe e afirma
que isso seria o consenso da pesquisa wesleyana contemporânea em geral,12 além de iden-
tificar ainda traços da posição de Orígines13. Em oposição a Dunning, que insiste que o
Novo Testamento não conhece uma teologia da punição de Jesus, mas do sofrimento de
Jesus, Collins afirma: “Nos, porém, vamos argumentar que a promulgação da intepretação
da teoria da substituição penal por Wesley não seja somente apropriada, mas, de fato
indicial para sua teologia em geral”.14 Outro caminho toma Theodore Jennings, que revi-
sita a teoria da expiação em busca de um paradigma transformador.15 Jennings procura
desenvolver uma teologia da cruz não cúmplice do antijudiasmo e capaz de responder
questionamentos da teologia feminista ou feminina. Ele levanta a seguinte pergunta: Deus
(eds.). Doctrines and disciplines. Nashville, TN: Abingdon Press, 1999 [Coletânea United Methodist and
American Culture, vol. 3]; MARSH, Clive; BECK, Brian; SHIER-JONES, Angela et al. Unmasking
Methodist Theology. New York / London: Continuum, 2004. 10 “Man´s sin is primarily an offense against God Himself. Not the victorious devil, not the damaged image
of God in man, not the unfulfilled law and man´s lost righteousness, not the word in bondage, but the wrath
of God puts alienated man under the sentence of death. […] … alongside the judicial scheme of thought,
there is also in Wesley a pervasive tendency to view Christ´s work […] in terms of the military metaphor:
Christ is a king who has won and wins victory for us over sin and evil.” DESCHNER, John. Wesley´s
Christology: an interpretation. With a new forward by the author. Grand Rapids, Michigan: Zondervasn
Publishing House, 1988. p. 68 e 116. 11 “Indeed, from the vantage point of the New Testament authors, the sacrificial death of Christ is so crucial
that much of the material of the Gospels is taken up with the last twenty-four hours of Jesus´ life”. COL-
LINS, Kenneth J. The theology of John Wesley: Holy love and the shape of grace. Nashville, TN; Abingdon
Press, 2007. p. 99. “It should be evident by now that Wesley´s thought in this context, as he cites the
Anglican material, is reminiscent of that of Anselm in his […] classic Cur Deus Homo.” COLLINS, Ken-
neth J. The theology of John Wesley: Holy love and the shape of grace. Nashville, TN; Abingdon Press,
2007. p. 101. 12 “… it is not surprising to learn that a broad agreement exists in the secondary literature that Wesley´s
satisfaction view of the atonement is best comprehended in terms of penal substitution. Langford, for ex-
ample, notes that from John Wesley to Richard Watson, the theme of Jesus’ substitutionary death as a
means of satisfying the justice of god was central in Methodist theology […].”COLLINS, Kenneth J. The
theology of John Wesley: Holy love and the shape of grace. Nashville, TN; Abingdon Press, 2007. p. 102. 13 COLLINS, Kenneth J. The theology of John Wesley: Holy love and the shape of grace. Nashville, TN:
Abingdon Press, 2007.p. 100. 14 “We, however, will make the case that Wesley’s promulgation of a penal substitutionary interpretation
of the atonement is not only appropriate but also is actually indexical to his overall theology”. COLLINS,
Kenneth J. The theology of John Wesley: Holy love and the shape of grace. Nashville, TN; Abingdon Press,
2007.p. 103. 15 JENNINGS, JR, Theodore W. Transforming atonement: a political theology of the cross. Minneapolis:
Fortress, 2009.
6
deseja ou quer intencionalmente a morte do filho?16 Ao longo do texto irá afirmar que eu
chamo em meu texto a necessidade da superação do paradigma mérito-sacrifical:
Não é por acaso que, enquanto esta morte é vista como segundo a von-
tade de Deus, que estruturas promotoras-da-morte legitimam-se pela re-
ferência a esse Deus. Um Deus que deseja a morte de seu “Filho” não
pode salvar-nos. Seria um Deus que mata o que ama, a fim de salvar a
si mesmo, a sua “justiça”, a sua glória, a sua reputação.17
Randy Maddox pensa de forma parecida, mas, formula com mais cautela.18 O que eu
gostaria de dizer com este pequeno parágrafo é que, a partir de Deschner, sedimentou-se
na pesquisa norte-americana do pós-guerra até contemporânea uma ênfase da interpreta-
ção da cruz que tem muito a ver com que eu também encontro como opinião geral entre
alunos e alunas de teologia no Brasil, e isso independente de sua confissão ou denomina-
ção: a dominância da chave hermenêutica católica ou calvinista na interpretação da cruz
de Cristo. O com as palavras de Jennings:
... ainda existem muitos protestantes, quase certamente a maioria, que
supõem que algo como a visão de satisfação substitutiva da expiação é
a ortodoxa ou visão tradicional, qualquer desvio que indica concessões
inaceitáveis para a incredulidade19
Já aquela soteriologia que corresponde à frase Metodistas são amigos/as de todos e
inimigos de ninguém, a teologia da reconciliação paulina como teologia da superação da
inimizade humana pela amizade divina parece estar em falta.
Pode ser que nos países da América Central, como no caso de México, contribuíram
para esta preferência provavelmente também aspectos das tradições pré-cristãs: O
... padrão de sacrifício e merecimento também fazia parte do relaciona-
mento entre a humanidade os deuses, cujos segredos eram conhecidos
pelos sacerdotes astecas. [...]. Se os deuses sacrificaram o seu sangue
pela recriação do mundo, então na reencenação dos atos divinos os seres
humanos também tinham de oferecer o seu sangue.20
16 JENNINGS, JR, Theodore W. Transforming atonement: a political theology of the cross. Minneapolis:
Fortress, 2009, p. 13. “Does God desire or intend the suffering and death of the Son? 17 “... It is not accidental that so long as this death is viewed as willed by God, then death-dealing structures
legitimate themselves by reference to this God. A God who will the death of his `Son´ cannot save us. That
is the God who kills what he loves in order to save himself, his ‘justice’, his glory, his reputuation.” Confere
JENNINGS, JR, Theodore W. Transforming atonement: a political theology of the cross. Minneapolis:
Fortress, 2009. p. 215. 18 MADDOX, Randy. Responsible Grace. John Wesley’s Practical Theology. Nashville, TN: Kingswood
Books, 1994. p. 109. 19 JENNINGS, JR, Theodore W. Transforming atonement: a political theology of the cross. Minneapolis:
Fortress, 2009. p. 218. Consta esta posição também entre os cristãos estadunidenses: “... there are still many
Protestants, almost certainly the majority, who suppose that something like the substitutionary satisfaction
view of atonement is the orthodox or traditional view, any deviation from which indicates unacceptable
concessions to unbelief”. 20 GONZÁLEZ, Ondina E.; GONZÁLEZ, Justo L. Cristianismo na América Latina: uma história. São
Paulo: Vida Nova, 2010.
7
Eu não nego que Anselmo ou Calvino aparecem em Wesley, especialmente no se-
gundo artigo da religião, e com eles as teorias que interpretam a cruz ou na base da teoria
da satisfação da ira de Deus ou na base da substituição penal21. E isso significa, com
certeza, que Metodistas precisam lidar no seu interior com teologias que seguem lógicas
sacrificais, isto quer dizer com teologias que insistem na morte de alguém para que pos-
sam imaginar a salvação e a sanidade. O que eu questiono que seja a única leitura aceita,
conforme proposto por Collins ou ortodoxa, segundo Deschner. Antes, porém, de mostrar
as razões para esta rejeição, precisamos abrir ainda mais uma segunda frente.
Identifico uma segunda teoria da expiação em nosso meio que se opõe à afirmação
Metodistas são amigos/as de todos e inimigos de ninguém. Ela apareceu somente a partir
da década 60 do século vinte e introduziu em nossas igrejas uma nova versão da teoria de
mérito em forma da teologia da prosperidade.22 De longe tematicamente vinculada com
a teologia de mérito de Irineu, trata-se de uma teologia bastante moderna enquanto se
refere a um direito humano conquistado pela cruz a ser reclamado diante de Deus. Se eu
tiver razão com a minha análise, enfrenta hoje a defesa da cidadania global e da dignidade
da vida um problema sério justamente por esta preferência soteriológica dupla no meto-
dismo: a ênfase no sacrifício ou a ênfase no mérito.
Eu parto da compreensão que teologias que focam sacrifícios e méritos não são so-
mente incapazes de articular algo como a cidadania global e a dignidade da vida, mas,
muitas vezes, elas vão posicionar-se contra a cidadania global e a dignidade da vida. Por-
que a lógico sacrifical não acredita em justiça ou misericórdia sem sacrifício, 23 e a lógica
meritocrática não acredita em justiça e misericórdia sem mérito. Ambos não acreditam na
graça universal ou no amor incondicional. As teologias sacrificiais e meritocratas promo-
vem, pela própria natureza, hierarquizações, diferenciações e exclusões de uma forma
21 Por exemplo na Igreja do Nazareno: “O que Jesus Cristo fêz em obediência aos preceitos da lei, e o que
êle sofreu em satisfação à penalidade dela, constituem a base do nosso perdão e da nossa justificação,
perante de Deus”. BINNEY, Amos R. Compéndio de teologia: contendo uma sinopse das evidências, dou-
trinas, moral, e instituições do cristianismo. Campinas, SP: Editora Nazarena, [s.a.]. p. 104. 22 Cf. PIOEDRA, Arturo. “Teologia da graça e teologia da prosperidade; a tentativa inacabada da concre-
tização da fé cristã.” In: BATISTA, Israel (rg.). Graça, cruz e esperança na América Latina. São Leo-
poldo, RS: Editora Sinodal, 2005. P. 12-154. 23 Cf. os importantes estudos de GIRARD, René. O Sacrifício. São Paulo: É Realizações, 2011 e HINKE-
LAMMERT, Franz. Sacrificios humanos y sociedad occidental. Lucifer y la bestia. San José: DEI 1998;
HINKELAMMERT, Franz. Hacia una economía para la vida. San José DEI, 2006; RUBIO, David San-
chez. “Sobre a racionalidade econômica eficiente e sacrifical, a barbárie mercantil e a exclusão dos seres
humanos concretos e a natureza” In: Estudos Juridicos Unesp, vol. 17, n. 26, p. 2-16 (2013). Disponível
em: < http://periodicos.franca.unesp.br/index.php/estudosjuridicosunesp/article/view/1267/1161 >. Acesso
em: 20 jul. 2015.
8
incorrigível.24 No caso de Anselmo de Cantuária, isso fica muito claro: ele é o teólogo
dos conquistadores normandos que trazem um novo sistema econômico: o feudalismo. A
sua teologia da honra ferida de Deus, que requer a morte como recompensa, é nada mais
nada menos do que uma tradução direta das relações feudais reais na esfera da relação
entre Deus e a humanidade: ferir a honra do senhor do feudo foi sempre pago pela morte.25
Agora precisa-se veementemente contestar que a teologia sacrifical ou a teologia do
mérito sejam as únicas teologias relevantes ou tradicionalmente presentes ou futuramente
desejáveis na teologia metodista norte-americana ou latino-americana. Temos raízes e
experiências no passado que representam nada menos do que verdadeiras revoluções con-
tra a matriz mérito-sacrifical que, atualmente, esquecemos ou não promovemos. Então, é
a tarefa da teologia resgatar essas perspectivas alternativas em busca de horizonte novos.
Eu encontrei estas perspectivas contestadoras da matriz mérito-sacrifical em textos do
passado e especialmente, talvez deverá surpreender alguns, em textos doutrinários ou ofi-
ciais das missões e igrejas metodistas da língua espanhola e da língua portuguesa, parci-
almente, em textos metodistas dos Estados Unidos.
Em relação ao Wesley, devemos mencionar seus comentários nas Notas do Novo Tes-
tamento. Seu comentário em relação a 2 Coríntios 5.18-19 que o mundo é reconciliado
com Deus, sendo ele “antes no estado de inimizade para com Deus”.26 A referência ao
sangue que desfaz a inimizade parece mais um eco da teologia de Anselmo,27 como é
claramente o caso do comentário de Lucas 19.38: “Paz no céu - Deus sendo reconciliado
com o ser humano”.28 Neste sentido As Notas mostram certa ambiguidade. Já seu comen-
tário de Colossenses 1.21 se refere somente ao ser humano como alienado e hostil.29
24 Confere: BOWLES, Samuel; DURLAUF, Steven N.; HOFF, Karla. Poverty Traps. Princeton, NJ: Prince-
ton University Press, 2006; BOWLES, Samuel; DURLAUF, Steven N.; HOFF, Karla. Meritocracy and
Economic Inequality. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2000. 25 Conferir as respectivas passagens em: RIEGER, Joerg. Christ & empire: from Paul to postcolonial times.
1st. ed. Minneapolis: Fortress Press, 2007. Versão em língua portuguesa: Cristo e Império: de Paulo aos
tempos pós-coloniais. São Paulo: Paulus, 2009; Cf. também o parágrafo “O céu feudal” em HINKELAM-
MERT, Franz. A maldição que pesa sobre a lei: as raízes do pensamento crítico em Paulo de Tarso. São
Paulo: Paulus, 2012. p. 179-180. 26 Notas relativas ao texto 2 Coríntios 5.18-19: “ all these new things are from God, considered under this
very notion, as reconciling us - The world, 2Co 5:19, to himself; Namely - The sum of which is, God - The
whole Godhead, but more eminently God the Father. Was in Christ, reconciling the world - Which was
before at enmity with God. To himself - So taking away that enmity, which could no otherwise be removed
than by the blood of the Son of God.” 27 “To himself - So taking away that enmity, which could no otherwise be removed than by the blood of the
Son of God”. 28 Lucas 19.38 - “Peace in heaven - God being reconciled to man”. 29 Colossenses 1,21 - “And you that were alienated, and enemies - Actual alienation of affection makes
habitual enmity. In your mind - Both your understanding and your affections. By wicked works - Which
continually feed and increase inward alienation from, and enmity to, God. He hath now reconciled - From
the moment ye believed”.
9
Como primeiro exemplo, apresento um texto de 1956, originalmente escrito em 1951.
Repare-se como neste manual de membresia para crianças ou adolescentes se refere aos
inimigos, ao pecado, ao sofrimento e ao amor:
Deus poderia ter salvo o Seu Filho, bem como fazer com que o plano
dos inimigos de Cristo falhasse. Deus, porém, não força os homens,
nem mesmo para salvar o seu Filho muito amado. Mostrou, porém, aos
homens, através da morte de Jesus, quão terrível é o pecado. / E, através
de Jesus, Deus mostrou aos homens o quanto ama os Seus filhos. En-
quanto Jesus sofria nas mãos de homens pecadores, até a morte de cruz,
Deus sofria também pelos seus filhos pecadores. Deus buscou-os com
amor a fim de ajudá-los, de chamá-los a si de salvá-los dos seus peca-
dos.30
O que nós encontramos aqui não é Anselmo nem Calvino, mas a teologia da reconci-
liação paulina, que destaca a superação da inimizade humana pela amizade divina ou pelo
amor de Deus. É esta a teologia da cruz que dá origem à frase Metodistas são amigos de
todos e inimigos de ninguém. É esta a teologia da cruz que garante a profunda radicali-
dade da afirmação Metodistas são amigos de todos e inimigos de ninguém. É esta a teo-
logia da cruz que representa a razão última do posicionamento Metodistas são amigos de
todos e inimigos de ninguém: a morte da cruz sinaliza o amor em sua maior radicalidade:
o amor para com o inimigo.
Em nenhum outro lugar fica a substituição da teologia sacrificial pela teologia paulina
da reconciliação mais evidente do que numa mudança do texto do segundo artigo da reli-
gião nas missões espanholas e portuguesas.31
30 JONES, Mary Alice. O que significa ser membro da Igreja Metodista? Guia para meninos e meninas
candidatos à profissão da fé. Tradução: Albertina Damasceno e Nilda Trindade. São Paulo: Junta Geral da
Educação Cristã, 1956. p. 22-23. [Original: Membership manual of the Methodist Church for boys and
girls. Nashville, TN: Methodist Publishing. House, 1951]. EU esperava algo também no famoso texto de
Camargo, mas ele não trata do tema. CAMARGO, Gonzalo Báez. Genio y Espiritu del Metodismo Wesle-
yano. Casa Unida de Publicaciones (Mexico), 2 ed., 1981. O texto reúne falas de 1951. 31 Apresentamos estas mudanças doutrinárias pela primeira vez em RENDERS, Helmut. “To Reconcile Us
to His Father”: A Unique Translation of the Second Article of Religion of the Methodist Church in Brazil
and Three Other Lusophone Countries”. In: Methodist Review, vol. 5, p. 25-51 (2013).
10
Quadro um: as edições em língua portuguesa
188832 [até 1898] 191033 até hoje
Quadro dois: As edições em língua espanhola
189134 192635
O comentário de dogmática Tilly Português indica essa teologia de reconstrução-
conciliação:
32 Igreja Methodista Episcopal do Sul, As doutrinas e disciplina da Igreja Methodista do Sul 1888: Edição
Portuguesa, eds. J. L. Kennedy, J. W. Wolling, and J. W. Tarbaux. Rio de Janeiro: Typ. Aldina de A. J.
Lamourreux & Co. 79, Rua de Sete de Setembro, 1888. p. 2. 33 Egreja Methodista Episcopal, Sul, Doutrinas e disciplina da Egreja Methodista, Sul, 1910: edição bra-
sileira. p. 2. 34 Iglesia Metodista Episcopal del Sur, Doctrinas y disciplina de la Iglesia Metodista Episcopal del Sur,
1891.Nashville, TN: Casa de Publicaciones de la Iglesia Metodista Episcopal del Sur, 1891. p. 8. 35 Iglesia Metodista Episcopal del Sur, Doctrinas y disciplina de la Iglesia Metodista Episcopal del Sur,
1926. Nashville, TN: Casa de Publicaciones de la Iglesia Metodista Episcopal del Sur, 1927. p. 16.
11
Deus [...] também deve ter os meios para conquistar o coração rebelde
do ser humano e transformar o ódio em amor. [...] O Evangelho tem a
sua origem no amor infinito. [...] Este amor Deus mostrou conosco pela
cruz e vem sobre nós como um impulso irresistível.36
Não podemos abordar muito mais fontes, mas, mencionamos ainda dois usos da
metáfora amigos de todos, inimigos de ninguém; uma da Inglaterra (foto) e uma da Aus-
trália37, em ambos casos, entre 1870 e 1908.
Wesleyan Methodists. Grimsby, Riverhead, Lin-
colnshire, Inglaterra [1870-1880]38
O que significa esta diferença? A afirmação de que Deus precisa ser reconciliado co-
nosco articula a ideia que o problema a ser superado seria a inimizade de Deus – no caso,
a sua honra ferida, e sua ira resultante disso. Isso representa a teoria da satisfação da ira
36 TILLY, E. Doutrinas cristãs: com Introdução pelo rev. Dr. John M. Kyle. Rio de Janeiro: Casa Publica-
dora Methodista, 1898. p. 67 e 86: “Deus [...] deve também possuir o meio de conquistar o coração revoltoso
do homem e de transformar seu ódio em amor”. “O Evangelho originou-se em amor infinito. […] Este amor
que Deus manifestou para comnosco na cruz vem sobre nós com um impulso irrestisível” (1898, p. 86). 37 Veja também uma notícia em The Mildura Cultivator 04/01/1908: “VISIT OF THE PRESIDENT OF
THE CONFERENCE. The Mildura Methodists have been visited this week by the Rev. J. G.Wheen […]
the President gave a very interesting address on `Some Watchwords oft Methodism´- particularly empha-
sising that they should be `friends of all, enemies of none´ that they had `nothing to do but to save souls´
(uplifting them socially, commercially, intellectually and religiously) and that they should `go to those who
needed them, not neglecting those who needed them most.” Disponível em: <
http://trove.nla.gov.au/ndp/del/article/74851365 >. Acesso em: 20 jul.2015. 38 Fonte: Disponível em: < http://www.rodcollins.com/wordpress/grimsby-the-friends-of-all-and-enemies-
of-none >. Acesso em: 20 jul. 2015.
12
de Deus de Anselmo de Cantuária. A afirmação que a humanidade precisa ser reconcili-
ada articula a compreensão que a cruz de Cristo foca na inimizade humana. Esta afirma-
ção clássica da teologia paulina não é sacrifical nem meritocrata e se tornou uma ênfase
das missões da Igreja Metodista Episcopal do Sul. Interessantemente, não há sequer um
artigo, comentário ou estudo sobre esta “anomalia” doutrinária, somente uma ampla do-
cumentação de uma discussão sobre o segundo artigo da religião e, finalmente, da nega-
ção da modificação desse artigo nos Estados Unidos, ou seja, nos Cânones em língua
inglesa.39
O que traz esta modificação ao nosso tema? A ideia da cidadania global e da promoção
da dignidade da vida em termos mais amplos requer a superação de lógicas e discursos
classificadores e exclusivistas no sentido da sacralização de sistemas políticos econômi-
cos ou sociais40. O Deus que sinaliza pela cruz e morte de Jesus, o Cristo, sua escolha de
enfrentar, desafiar e superar a inimizade mortal da humanidade pela vulnerabilidade e
autodoação, é um Deus que dá esperança, que mostra um amor incondicional e que cons-
trói as bases de uma fé diferentes.
A ética do amor ao inimigo e a hospitalidade como amor para com o estrangeiro
(philoxenia): exemplos de éticas não mérito-sacrificais e da acolhida incondicional
Até agora argumentamos que uma forma única e muito específica de se relacionar com
o mundo, a afirmação Metodistas são amigos/as de todos e inimigos/as de ninguém tem:
Primeiro, em sua origem, uma preocupação soteriológica diretamente vincu-
lada a uma interpretação distinta da teologia da cruz e,
Segundo, encontrou uma surpreendente valorização nas missões latino-ameri-
canas da Igreja Metodista Episcopal do Sul.
39 Em termos qualitativos, a rigorosa distinção entre os dois modelos deixou a existir em 1968 na criação
da Igreja Metodista pela inclusão dos textos doutrinários da Igrejas dos Irmãos que seguia também o modelo
paulino. 40 A teologia europeia tinha um outro inimigo número um – as ideologias e a sacralização de projetos
humanos. Cf. José Míguez Bonino que “Traditional Protestant theology – and much Roman Catholic post-
Vatican II thought, which follows a parallel line – is so concerned with the prevention of any “sacralizing
of human projects and ideologies that this to some of us result in emptying human action of all theological
meaning. […]” Uma ideologia que “justifies and sacralizes social relations in the capitalist bourgeois order”
[MÍGUEZ-BONINO, José. “Wesley´s doctrine of sanctification from a liberationist perspective.” In: RUN-
YON, Theodore (ed.). Sanctification and Liberation. Liberation theologies in the light of the Wesleyan
Tradition. Nashville, TN: Abingdon Press, 1981. pp. 49-63].
13
Entretanto, sabemos que há igualmente outro argumento bíblico-teológico significa-
tivo para entendermos o significado da afirmação Metodistas são amigos de todos e ini-
migos de ninguém. Este segundo argumento parte da tradição da chamada fonte Q pre-
servada pelos evangelhos de Mateus e de Lucas. Nela trata-se do mandamento do amor
ao inimigo. Veja como este trecho em Mateus 5 é enraizado na ideia da filiação e perfei-
ção divina:
44 Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos
maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltra-
tam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos
céus; [...] 48 Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus.
Antes de ir para Wesley, lembramos como Dietrich Bonhoeffer reconectou este texto com
a teologia da cruz:
Cada ofensa da parte do inimigo nos unirá ainda mais com Deus e com
o inimigo. Toda perseguição fará com que o inimigo se aproxime mais
da reconciliação com Deus, tornando o amor cada vez mais invencível.
Como se torna invencível o amor? Jamais perguntando pelo que o ini-
migo lhe contribui, mas, unicamente pelo que Jesus fez. O amor ao ini-
migo leva o discípulo ao caminho da cruz e à comunhão com o Cruci-
ficado. Com a certeza de ser levado a este caminho, cresce também a
certeza da invencibilidade do amor, a certeza de vencer o ódio do ini-
migo, pois não se trata do próprio amor. É unicamente o amor de Cristo
que foi à cruz por seus inimigos e que, na cruz, por eles ourou. Em face
da morte de Jesus Cristo na cruz, os discípulos reconhecem que também
eles contavam entre os inimigos vencidos pelo seu amor. Esse amor
abre os olhos ao discípulo, para que reconheça no inimigo o irmão, para
proceder com ele como procede com o irmão. Por quê? Por viver ex-
clusivamente do amor daquele que o tratou como irmão, aceitando-o
quando era seu inimigo e atraindo-o para dentro de sua comunhão como
a seu próximo. O amor abre ao discipulado a visão de tal maneira que
vê também o inimigo incluído no amor de Deus, que vê o inimigo sob
a cruz de Jesus Cristo. [...] O amor de Deus busca o inimigo, carente do
amor, que julga digno do amor.41
Todos sabemos que este texto, escrito originalmente em 1937 com o título Nachfolge,
o que significa literalmente Seguimento ou O seguir, foi produzido como manual espiri-
tual para os seminaristas de um Seminário Teológico luterano clandestino em um ambi-
ente altamente hostil a ideias como a cidadania global ou a dignidade da vida sem exce-
ção. Bonhoeffer traduz para mim o que John Wesley disse na sua época quando afirmou:
Metodistas são amigos/as de todos e inimigos/as de ninguém.
41 BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. 10ª ed. São Leopoldo, RS: Editora Sinodal, 2004. p. 90-91.
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Vamos então investigar como o tema aparece nos escritos de John Wesley.42 O aspecto
da corresponsabilidade para com um mundo, inclusive um mundo hostil habitado por
inimigos, é um aspecto marcante já na sua Coleção de orações modelo para cada dia da
semana de 1733.43 Neste guia de oração, aparece o tema da intercessão para os inimigos
sete vezes, inclusive nas duas orações da abertura e do fechamento da semana. Obvia-
mente trata-se de uma realidade que requer uma resposta dentro do espírito salvífico de-
fendido por John Wesley.
Envia o teu abençoado espírito para o coração dessa nação pecaminosa
e faça-nos um povo santo: desperta o coração do nosso soberano, da
família real, do clero, da nobreza [...] para que eles sejam felizes instru-
mentos em tuas mãos, promotores das tuas boas obras; sê generoso para
com as universidades, com a nobreza rural e a gente comum destas ter-
ras [...] conceda que as suas dificuldades na fé lhes proporcionem paci-
ência [...]. Muda os corações de meus inimigos e dá-me a graça de per-
doá-los, assim como tu nos perdoas pela obra de Cristo.44
42 Cf. parte do texto em seguida em RENDERS, Helmut. “O metodismo nascente como movimento: ele-
mentos, mentalidades e estruturas de um cristianismo militante. In: Caminhando, vol. 9, n. 1 [15], p. 121-
136 (jan. / jun. 2005). Disponível em: < https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/CA/is-
sue/view/92 >. Acesso em: 20 jul. 2015. 43 WESLEY,John. A collection of forms of prayer for ever y da y in the week, Bristol, 1733. 44 WESLEY, John. A collection of forms of prayers for every day of the week. Bristol, 1742, p. 8.
Oração de manhã Oração da noite
Domingo Gentios; nação; igreja estado; universida-
des; família; inimigos;
Criação; amigos; família; inimigos;
2ª-feira
Humanidade; nação; povo; igreja; gover-
nadores e hierarquia religiosa; família e
inimigos;
3ª-feira
Todos as nações; Igreja; clero; príncipes cristãos; rei; família
real; instituições de caridade; pobres (diver-
sos tipos);
4ª-feira Humanidade; príncipes cristãos; povo; uni-
versidades; família;
Povo; família real; pobres;
5ª-feira Toda a raça humana; gentios; Judeus;
Igreja Católica; nação; governador; clero;
instituições de ensino religioso; pobres;
prisioneiros; escrupulosos de mais; doen-
tes físicos e lunáticos; possessos; amigos e
inimigos;
Toda a humanidade; príncipes cristãos; rei;
família real; clero; parlamentos; universida-
des; familiares; amigos; sociedade; persegui-
dos pela fé; prisioneiros; inimigos;
6ª-feira Toda a humanidade; gentios; igreja cató-
lica; os inimigos do rei; família real; parla-
mentos; aristocracia rural; universidades;
instituições diaconais; doentes; família;
amigos;
Todo mundo; todos os cristãos; todos os go-
vernadores; nosso rei; clero; universidades;
doentes; aflitos;
Sábado Raça humana; Igreja Católica; clero; rei
George; família real; universidades; no-
breza; pai e mãe; aflitos (prisioneiros, do-
entes, oprimidos); inimigos.
Todos os seres humanos; igrejas; nação; rei
George; família real; conselheiros do rei; no-
breza; magistrados; universidades; aristocra-
cia rural; inimigos.
15
No cotidiano da pregação, o tema aparece da seguinte forma: “Chegamos em St. Ives
ao redor das duas de madrugada. Às cinco horas eu preguei sobre ‘Ame seus inimigos’ e,
em Gwennap, à noite, sobre ‘Todos os que praticam a vontade de Deus em Cristo Jesus
sofrerão perseguições’45. O motivo do amor para com o inimigo46 que persegue entrou
também na descrição do Caráter de um metodista (Parágrafo 9) e define – a perfeição
cristã – por representar a conformidade com Cristo47. Nos seus sermões, Wesley fala do
amor ao inimigo pela primeira vez no sermão 2, O quase-cristão:
És feliz em Deus? [...] Está escrito em teu coração este mandamento:
“O que ama a Deus, ame também a seu irmão?” Amas, pois, a teu pró-
ximo como a ti mesmo? Amas todos os seres humanos, mesmo a teus
inimigos, aos inimigos de Deus, como à tua própria alma, e como Cristo
te amou?48
A vontade e a capacidade de praticar o amor ao inimigo é aqui critério de ser cristão
ou a distinção do quase-cristão do cristão verdadeiro! A superação da inimizade pela ami-
zade, também como superação do mal pelo bem ou do mal pela benevolência, Wesley
articula em diversos momentos. Uma aplicação refere-se à relação entre as confissões.
Segundo Wesley, a benevolência leva ao respeito e à tolerância da diversidade cristã,
sendo que as “palavras do Jesus manso e benevolente” impedem o uso da palavra como
“veneno” “inflamando nos corações de cristãos um contra o outro”.49 A superação do
espírito de odeio ou da inimizade entre irmãos encontra Wesley em Paulo: “Mas, como
este espírito pode marcar um discípulo ou ainda um ministro do Jesus benevolente! O St.
Paulo obtinha um temperamento melhor, quando se alegrava sempre que Cristo era pre-
gado, mesmo por aqueles que eram seus inimigos pessoais.”50 A superação da inimizade
45 Diário de John WESLEY, 22 de junho de 1745. 46 Palavras do campo semântico inimigo encontram-se 446 vezes nas obras de Wesley. 47 WESLEY, John. Um breve relato da perfeição cristã. 1777, parágrafos 10,15 (5), e Q. 38 (1) [último
conselho]. 48 WJW, vol. 1, 1741, p. 141 – sermão 2, §III.9 [The almost Christian]: “Are you happy in God? Is he your
glory, your delight, your crown of rejoicing? And is this commandment written in your heart, ‘That he who
loveth God love his brother also?’ Do you then love your neighbour as yourself? Do you love every man,
even your enemies, even the enemies of God, as your own soul? As Christ loved you?” 49 WESLEY, John. Explanatory Notes upon the New Testament, 1754. p. 5 – Introdução, §9: “But my own
conscience acquits me […] having written one line with a purpose of inflaming the hearts of Christians
against each other. God forbid that I should make the words of the most gentle and benevolent Jesus a
vehicle to convey such poison.” 50 WESLEY, John. Explanatory Notes upon the New Testament, 1754. p. 119 – Mc 9 .38: “And we forbad
him, because he followeth not us – How often is the same temper found in us? How readily do we also lust
to envy? But how does that spirit become a disciple, much more a minister of the benevolent Jesus! St. Paul
had learnt a better temper, when he rejoiced that Christ was preached, even by those who were his personal
enemies. But to con fine religion to them that follow us, is a narrowness of spirit which we should avoid
and abhor.”
16
pela benevolência é sempre um ministério resultante do dom de Deus51, que alimenta a
perseverança e esperança quando não somos imediatamente capazes de desarmar a lógica
e as angústias daquele e daquela “...quem foi ensinado a preferir sacrifício em vez de
misericórdia”52. Para Wesley, transparece na capacidade de amar ao inimigo o cristão
verdadeiro e maduro:
Se vocês não amarem a Deus, e toda a humanidade, vocês não foram
renovados na imagem de Deus; vocês não foram santos como eu sou
santo. [...] Sua alma não é sedenta por coisa alguma na terra, a não ser
apenas pelas coisas de Deus, do Deus vivo. Ele tem muito amor para
com toda a humanidade, e está sempre pronto a dar sua vida por seus
inimigos. Apenas aquele que, neste espírito, faz o bem a todos os ho-
mens, deverá entrar no reino dos céus; e aquele que sendo por esse mo-
tivo menosprezado e rejeitado pelos homens, sendo odiado, reprovado,
e perseguido, regozija-se e está ̀ extremamente feliz´, sabendo em quem
ele tem crido.53
Na aplicação prática, o tema reaparece também nos discursos antibélicos: “Oh, amor
pelo dinheiro. A raiz de todo mal. [...] Ame a Deus, ame seu próximo. Ame seu ini-
migo.”54 Que Wesley traduziu este apelo em um ministério de cuidar prisioneiros da
guerra franceses é do conhecimento comum.
Amar o inimigo é o aspecto mais radical do princípio fundamental: amar a humani-
dade. Para nosso tema, a busca de uma perspectiva teológica wesleyana capaz de orientar
e sustentar a cidadania global e a dignidade da vida abre todas as portas necessárias. Se-
gundo John Wesley, Deus ama a humanidade, ou, na expressão tanto de John como de
51 WESLEY, John. Explanatory Notes upon the New Testament, 1754. p. 399 – Rm 13 .14: “But put ye on
the Lord Jesus Christ – Herein is contained the whole of our salvation. It is a strong and beautiful expression
for the most intimate union with him, and being clothed with all the graces which were in him. The apostle
does not say, Put on purity and sobriety, peacefulness and benevolence; but he says all this and a thousand
times more at once, in saying, Put on Christ.” 52 WESLEY, John. Explanatory Notes upon the New Testament, 1754, p. 225 – Jo 5.15: “Let us not wonder
then, if our good be evil spoken of: if even candour, benevolence, and usefulness, do not disarm the enmity
of those who have been taught to prefer sacrifice to mercy.” 53 1247 WJW, vol. 1, 1740, p. 691-692 – sermão 33, §I.5 e §II.1 [Upon the Lord’s sermon on the mount,
XIII]: “…ye were not lovers of God and of all mankind; ye were not renewed in the image of God. Ye were
not holy as I am holy. […] His soul is athirst for nothing on earth, but only for God, the living God. He has
bowels of love for all mankind, and is ready to lay down his life for his enemies. He loves the Lord his God
with all his heart, and with all his mind and soul and strength.32 He alone shall enter into the kingdom of
heaven who in this spirit doth good unto all men; and who, being for this cause despised and rejected of
men, being hated, rep roached, and persecuted, `rejoices and is exceeding glad ´, knowing in whom he hath
believed…” 54 WESLEY, JOHN. Arminian Magazine, vol. 5, p. 40, n. 1 (jan. 1782). The cause and cure of war: “O
love of money! Root of evil! […] Love God. Love your neighbours. Love your enemies.”
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Charles Wesley, Deus é, simplesmente, o “amigo das vidas”.55 Parte deste amor à huma-
nidade é também a capacidade de reconhecer virtude em pessoas de outra matriz religiosa
ou não religiosa, pessoas às quais Wesley se refere como “santos do mundo”.56
Uma forma de vivenciar o amor à humanidade potencialmente hostil era a hospitali-
dade. A palavra grega philoxénia é composta por philos, o amor fraternal, e xenos, o es-
trangeiro. A acolhida do estrangeiro na própria casa era um ato oposto à xenofobia, o
medo de estrangeiros ou o ódio aos estrangeiros. O termo aparece pela primeira vez na
lista de dons e ministérios de Paulo segundo Romanos 12.13 e 1 Coríntios 4.12, depois
em 1 Pedro 4.9, Tito 1.8; 3.2, Lucas 6.27 e Mateus 25.35, ou seja, em textos da “segunda
geração”, 80 d.C. adiante. Nessa época, a philoxenia é descrita como virtude essencial do
episcopado (Tt 1.8 e 3.2), como algo que deve ser preservado (Heb 13.2a). Finalmente,
apresenta-se o próprio Messias como um xenos rejeitado ou alimentado, vestido e visitado
(Mt 25.35). Em termos gerais, Wesley acolhe Mateus 25.35 na sua reinterpretação das
obras de misericórdia e obras de piedade, amplamente introduzida na teologia anglicana,
e transversal nas obras de Wesley.57 Raramente, Wesley substituiu “obras de misericór-
dia” por “obras de caridade” – talvez com base de William Law 58–, ou usa “obras de
necessidade”59 ou “obras de benevolência”60. Wesley transforma, então, de certo modo a
própria philoxenia em um elemento fundamental da piedade metodista mendiante das
Regras Gerais.
Nelas, as obras de misericórdia compõem sua primeira parte (deixar o mal, fazer o
bem)61 e as obras de piedade, a segunda (observar as ordenanças de Deus). Apesar disso,
Wesley nunca estabeleceu uma única ordem entre as obras de misericórdia e as obras de
55 Veja a expressão Lover of souls e lover of mankind nos sermões, nas cartas e nas canções e no seguinte
título: WESLEY, John. The desideratum: or electricity made plain and useful. By a lover of mankind and
of common sense. 1760 (6 edições até 1791). 56 WESLEY, John. Farther appeal to men of reason and religion, 1745. In: WESLEY, John. The Bicenten-
nial Edition of Works of John Wesley, vol. 11. [Appeals & Open letters]; Oxford: Clarendon, 1983, p. 316
(§ III.35). 57 Veja a lista em WJW, vol. 1, 24 abr. 1767, p. 343, rodapé 65 – sermão 14, §I.13 [The repentance of be-
lievers]. 58 William LAW. Serious Call, capítulo 2, “ For how is it possible for a man that intends to please God in
the use of his money, and intends it because he judges it to be his greatest happiness; how is it possible for
such a one, in such a stat e o f mind to bury his money in needless, impertinent finery , in covering himself
or his horses with gold, whilst there are any works of piety and charity to be done with it, or any ways of
spending it well?” (grifo deste autor). Em Wesley, veja WJW, vol. 2, 1760, p. 247 – sermão 48, §II.6 [Self
denial], traz a rara distinção entre obras de caridade e obras de piedade. Veja também WJW, vol. 1, 1748,
p. 573 – sermão 26, §2 [Upon our Lord’s sermon on the mount, VI], onde as expressões obras de caridade
e obras de misericórdia encontram-se lado a lado . 59 WJW, vol . 3, 1730 , p . 273-274 – sermão 139, § II.2 e §III.2.3 [On the sabath]. 60 WJW, vol . 3, 24 jun. 1741, p . 395 -396 – sermão 150, §I.5 [Hipocrasy in Oxford]. 61 Herança d a ética profética, veja Am 5.14-15 e 9 .4; Is 1.17 e 7.15-16; Jr 13 .23.
18
piedade; diferentemente, ele enfatiza sua vinculação: “O amor a Deus leva naturalmente
a obras de misericórdia; da mesma forma, o amor ao próximo leva a obras de piedade.”62
A falta de um dos dois impede a perfeição e o crescimento na graça.63Atrás de tudo isso,
aparece uma antiga tradição espiritual. O paralelo entre “obras de caridade” e “obras de
misericórdia”, ainda carrega em si a memória da antiga compreensão de que a virtude da
caritas deveria ser desdobrada pelas seis, mais tarde sete ou quatorze obras de misericór-
dia. Veja, por exemplo, a lista no sermão 26 de 1747:
... as obras de caridade, tudo quanto dermos, falarmos ou fizermos que
aproveite a nosso próximo e de que outros homens recebam qualquer
auxílio, seja em seu corpo, seja em sua alma. Alimentar os famintos,
vestir os nus, abrigar ou dar assistência aos peregrinos, visitar os enfer-
mos ou presos, confortar os aflitos, instruir os ignorantes, reprovar os
maus e exortar e animar os que fazem o bem...64
Nesta lista, Wesley não somente cita as seis obras de misericórdia segundo Mt 25.31-46,
mas também cita aquelas obras de misericórdia que se chamam as pastorais, nas quais
Wesley somente não menciona “aguentar e perdoar”. Tudo isso seria segundo Wesley
fazer bem ao xenos.
A distinção entre “obras de misericórdia” e “obras de piedade” seria, então, menos a
distinção entre um cuidado com o corpo e a “alma”, mas a distinção entre a responsabili-
dade da comunidade com as vidas dos outros na sua integralidade e a vida da comunidade
em relação ao Deus vivo, usando os meios da graça estabelecidos por ele. Há mais um
ponto importante que sustenta esta compreensão, quando, em suas Notas explanatórias
sobre o Novo Testamento, Wesley corrige as traduções bíblicas da sua época e comenta
no sermão Sobre a caridade as razões de forma detalhada. Wesley rejeita a tradução de
agape por caridade, introduzida, segundo ele, em 1649, ou seja, durante o governo puri-
tano de Cromwell, por reduzirem o ágape a “atividade externa com um significado pouco
além de dar esmolas”.65 Para Wesley, o capítulo 13 da Epístola aos Coríntios fala do
62 WJW, vol. 3, 11 set. 1775, p. 191 – sermão 84, §III.5 [The important question]: “…love of God natu-
rally leads to works of piety, so the love of our neighbour naturally leads all that feel it to works of mercy. 63 WJW, vol . 2, 1760 , p . 247-248 – sermão 48 , § II.6 [Selfdenial]. 64 1205 WJW, vol . 1, 1748 , p . 573 – sermão 26, §I.1 [Upon the Lord ´s sermon on the mount, VI].
65 WJW, vol. 3, 15 out. 1784, p . 294, sermão 91 , §I.1 [On charity]: “…the ill effects of it remain to this
day; and these may be observed not only among the poor and illiterate; not only thousands of common men
and women no more understand the word charity than they do the original Greek, but the same miserable
mistake has diffused itself among men of education and learning. Thousands of these also are misled
thereby, and imagine that the charity treated o f in this chapter refers chiefly, if not wholly, to outward
actions, and to mean little more than almsgiving. I have heard many sermons preached upon this chapter,
particularly before the University of Oxford. And I never heard more than one wherein the meaning of it
19
“amor da benevolência, de uma boa vontade carinhosa em favor de cada alma criada por
Deus”,66 ou seja, de uma atitude geral que estabelece relações.
O tema da amizade como forma de se relacionar com o mundo encontra-se também
em textos metodistas latino-americanos. Na citação em seguida, o tema parte de um livro
de Washington Gladden, pioneiro do Evangelho Social:67
IGME,S. Expositor Cristão, 1910.
Finalmente, deve-se falar da teologia da reconciliação no Credo Social e Plano para
a Vida e Missão da Igreja Metodista [no Brasil]. Segundo estes textos, a reconciliação em
Cristo – como superação da inimizade humana pela amizade divina cria “uma nova or-
dem de relações na História”68, “vence barreiras entre irmãos e destrói toda forma de
discriminação entre os homens”69, é “a fonte da justiça, da paz e da liberdade entre as
was not totally misrepresented .But had the old and proper word 'love' been retained, there would have been
no room for misrepresentation.” Podemos, porém, levantar a pergunta: Por que Wesley usou p ara o sermão
91 o título “ On charity” em vez de “On love”? Talvez seja pelos costumes d a época, mas não consideramos
esta resposta realmente satisfatória. 66 WJW, vol. 3, 15 out. 1784, p. 295 – sermão 91, §I.2 [On Charity]: “…a love of benevolence, of tender
goodwill to all the souls that God has made.” 67 GLADDEN, Washington. “A summa da religião”. In: Expositor Cristão [Redatores: A Cardoso de Fon-
seca e J. M. Landser], vol. 25, n. 6, p. 4 (10 fev. 1910). A citação é do livro GLADDEN, Washington.
Recollections. New York: Houghton Mifflin & Co, 1909. p. 429. 68 CS/II. 4: Cremos que o Deus único estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, criando uma nova
ordem de relações na História, perdoando os pecados dos homens e encarregando-nos do ministério da
reconciliação. 69 CS/III.5.a: Deus criou os povos para constituírem uma família universal. Seu amor reconciliador em
Jesus Cristo vence barreiras entre irmãos e destrói toda forma de discriminação entre os homens. A Igreja
é chamada a conduzir todos a se receberem e a se afirmarem uns aos outros como pessoas em todas as suas
20
nações”70 e que “todas as estruturas e poderes da sociedade são chamados a participar
dessa nova ordem”, especialmente “num tempo em que países desenvolvem armas nucle-
ares, químicas e biológicas, desviando recursos ponderáveis de fins construtivos e pondo
em risco a humanidade”.71 Além disso a reconciliação, a superação da inimizade pela
amizade, desafia também a falta de amor ao próximo72 e faz parte da sinalização do reino
de Deus73.
Precisamos ficar muito atentos a esta questão. As nossas teologias de expiação, en-
quanto destacam a importância do sacrífico ou do mérito, têm poucos recursos para arti-
cular a dignidade da vida sem distinção, porque ambas não conseguem dignificar toda a
vida com a radicalidade necessária.
Quem entende que Deus, na cruz em Jesus Cristo, se revela radicalmente aberto para
a humanidade, e o próprio Jesus, na cruz se revela como radialmente aberto para Deus,
terá uma base firme para proclamar a dignidade da vida sem restrição e do modo univer-
sal. Porque a reconciliação na Cruz é o anúncio da superação da inimizade do cosmo e de
cada criatura para com Deus, seja por atos, mera indiferença ou desconhecimento, pela
amizade radical do Emanuel, do Deus conosco.
Considerações finais
E ficaria muito feliz se as nossas escolas e universidades metodistas sabiam traduzir
a afirmação Metodistas são amigos/as de todos e inimigos/as de ninguém em clara dis-
tinção de propostas baseadas em lógicas não mérito-sacrificiais. Para chegarmos lá juntos
e juntas, as Igrejas Metodistas, como mantenedoras das Instituições Metodistas, devem
relações na família, na vizinhança, no trabalho, na educação, no lazer, na religião e no exercício dos direitos
políticos. 70 CS/III.5b: A reconciliação do mundo em Jesus Cristo é a fonte da justiça, da paz e da liberdade entre as
nações; todas as estruturas e poderes da sociedade são chamados a participar dessa nova ordem. A Igreja é
a comunidade que exemplifica essas relações novas do perdão, da justiça, e da liberdade, recomendando-
as aos governos e nações como caminho para uma política responsável de cooperação e paz. 71 CS/III.5c: A reconciliação das nações se torna especialmente urgente num tempo em que países desen-
volvem armas nucleares, químicas e biológicas, desviando recursos ponderáveis de fins construtivos e
pondo em risco a humanidade. 72 CS/III.5d: A reconciliação do homem em Jesus Cristo torna claro que a pobreza escravizadora em um
mundo de abundância é uma grave violação da ordem de Deus; a identificação de Jesus Cristo com o ne-
cessitado e com os oprimidos, a prioridade da justiça nas Escrituras, proclamam que a causa dos pobres do
mundo é a causa dos seus discípulos. 73 PVM/4: O propósito de Deus é reconciliar consigo mesmo o ser humano, libertando‐o de todas as coisas
que o escravizam, concedendo‐lhe uma nova vida à imagem de Jesus Cristo, através da ação e do poder do
Espírito Santo, a fim de que, corno Igreja, constitua neste mundo e neste momento histórico, sinais concre-
tos do reino de Deus.
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fazer a tarefa de casa, isto é, revisitar as próprias perspectivas teológicas e testar até que
ponto elas dão sustento à proposta de um povo Metodistas, amigo de todos e inimigo de
ninguém. Há uma discussão ampla na educação sobre a meritocracia que requer nossa
atenção.74
Finalmente, conseguimos somente articular a defesa incondicional da dignidade de
vida e da cidadania global como intercâmbio corresponsável e correspondente, se nós
sabemos sonhar, imaginar, vivenciar e ensinar até a superação da inimizade pela ami-
zade. Para que sejamos Metodistas, amigos/as de todos e inimigos de ninguém, capazes
de uma ética do amor ao inimigo e da hospitalidade como amor para com o estrangeiro.
74 YOUNG. M.. The Rise of the Meritocracy. New Jersey: Transaction, 1958; KARABEL, J.. The Chosen:
The Hidden History of Admission and Exclusion at Harvard, Yale, and Princeton. New York: Houghton
Mifflin. 200; KOZOL, J.. The Shame of the Nation: The Restoration of Apartheid Schooling in America.
New York: Broadway Books. 2005; McNAMEE, S. & MILLER, R.. The Meritocracy Myth. New York:
Rowman & Littlefield. Mill, J. S. 2009; GUINIER, Lani. The Tyranny of the Meritocracy: Democratizing
Higher Education in America. Beacon Press, 2015; AZEVEDO, Jose Clovis de Meritocracia: o novo nome
da exclusão. In: Consciência Crítica, vol. 1, p. 8-13 (out. 2010). Disponível em: < http://www.cpers15nu-
cleo.com.br/publicacoes/revista_edicao_outubro_2010%5B1%5D.PDF >. Acesso em: 20 jul. 2015.