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REQUALIFICAÇÃO DA PRAÇA ERNESTO TOCHETTO: a consolidação do ambiente natural como mecanismo de percepção
da imagem urbana
DESTRI, LUCAS MÂNICA (1); GRANDO, DIONATAN G. (2); MELO, EVANISA FATIMA REGINATTO QUEVEDO (3); KRESSIN, MELINA SINCAS (4); SILVA,
LILIAN DE ALMEIDA (5)
1. Universidade de Passo Fundo. Faculdade de Engenharia e Arquitetura
Rua Orestes Destri, 171, Sarandi, RS. [email protected]
2. Universidade de Passo Fundo. Faculdade de Engenharia e Arquitetura
Travessa Marcílio, 236, Tapejara, RS. [email protected]
3. Universidade de Passo Fundo. Faculdade de Engenharia e Arquitetura
Rua Nascimento Vargas, 222, Passo Fundo, RS [email protected]
4. Universidade de Passo Fundo. Faculdade de Engenharia e Arquitetura
Rua Bento Gonçalves, 212, apto 702, Centro, Passo Fundo, RS. [email protected]
5. Universidade de Passo Fundo. Faculdade de Engenharia e Arquitetura
RESUMO
Áreas verdes urbanas podem exercer uma forte influência na vida dos cidadãos. É o caso da Praça Ernesto Tochetto, localizada na região central da cidade de Passo Fundo, às margens do principal eixo urbano da cidade, a Avenida Brasil, e conectada a eixos de distribuição bairro-centro, que exerce um pujante papel nos habitantes da cidade, bem como nas pessoas de cidades vizinhas que transitam pela cidade de Passo Fundo, já que esse ambiente oferece um importante ponto nodal para onde converge todo o tipo de fluxo urbano. Com isso, pode-se dizer que a Praça Ernesto Tochetto é efetiva para a formação da imagem da cidade, portanto, uma intervenção em tal ambiente pode exercer um forte impacto sobre essa área verde, bem como à vida de seus usuários. Apesar do interesse global do ambiente, o poder público o negligenciou por um longo período, como consequência, a praça era de difícil leitura. A vegetação distribuída de maneira fortuita encobria os encaminhamentos, bem como o monumento que trazia significado à praça – o monumento ao Professor Ernesto Tochetto. Com essa postura, a praça, como lugar, não exercia forte papel aos transeuntes, ou mesmo aos seus usuários, se não àqueles que ocupavam o espaço de forma específica, isto é: como espaço de lazer, na quadra de basquete; com interesse comercial, fazendo uso do espaço de comércio informal situado ao norte da praça; ou como ponto de ônibus ou taxi, ambos situados na porção sul do espaço. A requalificação
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desse ambiente procurou conferir legibilidade e segurança ao ambiente pré-existente, sem, contudo, alterar seu programa de necessidades inicial, interferindo no espaço de forma cautelosa, mas precisa. O presente artigo tem como objetivo analisar o papel exercido pelo ambiente natural urbano da Praça Tochetto na vida cotidiana da sociedade de Passo Fundo e região, bem como o impacto que a requalificação desse espaço teve na percepção da própria praça, como também, de maneira mais ampla, da cidade. Ainda, são analisados os usos atribuídos à praça antes e depois da requalificação, e o impacto desses usos na vizinhança imediata, por meio da observação in loco dos meios de ocupação desse ambiente pela população, e como a imagem do espaço é percebida por esta, através de recursos visuais do local, contrapondo antes e depois da requalificação do espaço. Dessa forma, observou-se que o diversificado programa de necessidades da praça foi reforçado com a requalificação, consolidando a imagem pré-estabelecida de marco urbano e ponto nodal marcante para a cidade de Passo Fundo. Apesar de não alterar o modo como a praça é percebida e a importância já antes estabelecida, a reabilitação do ambiente estimulou ainda mais o uso e a permanência no local, sem, contudo, modificar as atividades ali exercidas, isto é, os usos da praça permanecem os mesmos. Portanto, a requalificação reiterou a representatividade que a praça Ernesto Tochetto tem para as pessoas, contribuindo para a legibilidade do local, resultado esse amplificado para a percepção da cidade de Passo Fundo. Assim, constata-se que a requalificação, ainda que sutil, de uma área verde urbana contribui para a legibilidade de uma cidade.
Palavras-chave: Requalificação; Área Verde; Legibilidade; Imagem Urbana; Consolidação;
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A IMAGEM DA CIDADE
A formação da imagem da cidade diz respeito à forma como o ambiente urbano é
percebido pelos seus usuários. Lynch diz que a leitura de imagens diz respeito à
imageabilidade, isto é, objeto físico que lhe dá uma alta probabilidade de evocar uma imagem
forte em qualquer observador. Com relação à cidade, imageabilidade, refere-se à forma, cor
ou arranjo que facilitam a formação de imagens mentais do ambiente fortemente
indentificáveis, poderosamente estruturadas e altamente úteis. (LYNCH, 1999, p. 9) Esse
processo ajuda na percepção e na compreensão do espaço urbano, isto é, diz respeito à
capacidade de se achar no ambiente urbano, o que pode ser a forma mais eficaz de melhorar
a experiência do ambiente urbano. Em uma cidade com alta imageabilidade o pedestre acha
seu caminho na cidade baseado no seu senso intuitivo, e isso melhora sua relação com o
ambiente urbano (TOOREN, MEIER, 2015, p. 60).
Uma cidade altamente imageável (aparente, legível ou visível) nesse sentido peculiar pareceria bem formada, distinta, notável; ela convidaria o olho e o ouvido para mais atenção e participação. [...] Essa cidade seria aquela que poderia ser apreendia ao longo do tempo como um padrão de alta continuidade com muitas partes distintas claramente interligadas [LYNCH, 1999, p. 10].
Segundo Lynch, a imagem é construída a partir do resultado de um processo bilateral
entre observador e seu ambiente. A imagem pode transparecer de diversas maneiras,
proporcionando ao usuário adquirir identidade e organização através de uma familiaridade
com ele, proporcionando às pessoas se localizar no espaço com facilidade, diferente do que
seria para um observador desconhecido, que o ambiente pode ser percebido de forma
totalmente desordenada. O mundo tem se organizado de formas diferentes, mas que levam
seus usuários a se identificarem nos espaços tendo por referência um conjunto de pontos ou
fragmentos de cada região. Quando conseguimos aprofundar nossa percepção de um
ambiente desenvolvemos da forma biológica e cultural, a comunicação simbólica. (LYNCH,
1999).
Kevin Lynch, então, aponta elementos que contribuem para a legibilidade de uma
cidade. Primeiramente são apontados os caminhos, “canais ao longo dos quais o observador
costumeiramente, ocasionalmente, ou potencialmente se move” (1999, p. 49). Outro elemento
apontado pelo autor são os limites, elementos lineares que constituem bordas, quebras de
continuidade, que podem servir como barreiras ou como elementos de ligação (op. sit.).
Ainda, são definidos os elementos de bairros, agrupamentos urbanos que correspondem
entre si por uma característica em comum; pontos nodais, locais de encontro e convergência
de fluxos por onde o observador pode passar; e, por fim, os marcos, elementos singulares,
nos quais o observador não pode entrar, e que são utilizados como referenciais (LYNCH,
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1999). Esses elementos, quando bem distintos no ambiente urbano, auxiliam na formação da
imagem mental da cidade, e, portanto, na sua leitura. Contudo, o mesmo autor afirma que a
paisagem sempre carrega significados fortes e expressivos que podem acabar inibindo as
atividades práticas de uma região. Quando o espaço não possui sentimentos associados a
terra e ao espaço a exploração é feita de uma forma mais fácil (LYNCH, 1996, p. 11).
Para Gordon Cullen, a formação da imagem da cidade se dá pelos contrastes. Cullen
define paisagem urbana como um conceito que exprime a arte de tornar coerente e
organizado, visualmente, o emaranhado de edifícios, ruas e espaços que constituem o
ambiente urbano (CULLEN, 1996). Esse conceito influencia a criação de ambiência urbana e
é utilizada por arquitetos e urbanistas porque possibilita análises sequenciais e dinâmicas a
partir de premissas estáticas, quando a conformação da imagem urbana provoca impactos de
ordem emocional (ADAM, 2008, p. 63). Cullen afirma que a mente humana reage aos
contrastes, de modo que a contraposição de imagens urbanas faz a cidade ser visível em um
nível mais profundo, assim, não ocorrendo esse contraste, a cidade se torna inexpressiva e
inerte (1999, p. 11). Assim, pode-se dizer que a formação da imagem da cidade se dá pela
justaposição de ambientes construídos e espaços libres de edificação, sendo que é a
organização desses elementos que conferem caráter e qualificam a cidade (TANGARI, 2000).
Os ambientes urbanos com uma estrutura reconhecível facilitam a geração de uma visão de cima integrada. Porém quando tudo parece igual, construímos essencialmente um labirinto de cercas-vivas! Então, algumas coisas precisam ser diferentes. Intervenções de diferenciação promovem a facilidade de se achar o caminho intuitivamente. (TOORE, MEIER, 2015, p. 61)
Nesse cenário, as praças surgem como elemento contrastante à malha urbana
construída. As praças quebram a continuidade dos quarteirões edificados, introduzindo um
elemento surpresa diante da massa edificada (MELO, ROMANINI, 2008). Neufert diz que a
paisagem urbana é estabelecida por essa relação dialética entre as áreas construídas e não
construídas (2013, p. 436), de modo que a existência da paisagem urbana depende da
relação entre ambiente natural e ambiente construído.
A consequência desse contraste é formação de elementos de legibilidade urbana.
Lynch trata tais elementos como marcos, isto é, elementos pontuais que se destacam do
entorno (1996). Apesar de o autor definir um marco como um objeto em que o observador não
entra, as praças podem servir de marco pelo contraste que causam com relação ao entorno,
então, praças seriam marcos para a cidade quando servem de ponto de referência, como
elemento de passagem, não quando do uso efetivo da área de lazer urbana. Além disso,
também pelo elemento de contraste, as praças podem funcionar como pontos focais, conceito
de Gordon Cullen que caracteriza pontos focais como um símbolo de convergência, um
elemento de força isolado para o qual os fluxos se convergem (1996).
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As praças, um dos mais característicos exemplos de espaços livres, são unidades urbanísticas fundamentais para a vida urbana, configurando-se como locais para a prática de lazer passivo e ativo, além de servirem ao encontro e à convivência das pessoas e às atividades culturais e cívicas. Têm presença marcante na composição das cidades, levando-se em consideração sua diversidade e seu uso pela população, representando importantes elementos, tanto históricos como culturais. (SILVA, LOPES, et. al., 2001, p. 199)
Dessa forma, observa-se que as praças são elementos complexos dentro do tecido
urbano. Esse tipo de área verde supre as necessidades ecológicas do ambiente urbano, além
de prover áreas de lazer e de interação humana, e apaziguar o movimento caótico das
cidades crescentes, ele também tem um papel de destaque na leitura da cidade, isto porque
uma praça serve como referencial em muitos níveis.
Caracterização do Objeto de Estudo
A conformação da cidade de Passo Fundo, localizada ao Norte do estado do Rio
Grande do Sul, Brasil, é fundamentalmente linear. Essa tipologia se dá pela fundação da
cidade ser baseada no caminho de tropas, tendo essa característica reafirmada com a
passagem da ferrovia (citação), como resultado, a cidade se desenvolve a partir de um eixo
principal, a Avenida Brasil (Figura 1). É ao longo de tal avenida que se localiza a Praça
Ernesto Tochetto, situada a frente da Escola Estadual Protásio Alves, com o qual estabelece
forte ligação, uma vez que a praça foi fundada em homenagem ao educador emérito
Professor Ernesto Tochetto, a quem presta homenagem através de monumento, o qual
representa uma sala de aula, com carteiras dispostas no canteiro lateral que dão ao quadro
negro, na frente do qual está posicionado o busto do professor (NASCIMENTO, 2014).
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Figura 1 Localização da praça Ernesto Tochetto, cidade de Passo Fundo/RS
Além da questão histórica, outro aspecto da Praça Prof. Ernesto Tochetto é o uso
comercial. Na porção sul da praça está localizado o centro de comércio informal, o
camelódromo foi regularizado pela prefeitura, e está situado junto à rua Paul Harris. Segundo
O Núcleo Experimental de Jornalismo da FAU-UPF, a Praça Ernesto Tochetto tem essa
característica de trabalho bastante forte, devido à presença das bancas de camelôs (SILVA,
2012), além do camelódromo regular ao sul, figuram bancas de comércio informal também na
porção norte da praça, com duas bancas constantes, havendo, ainda, uma banca de chaveiro
junto á Rua Fagundes dos Reis, a oeste, e uma banca de lanches ao norte da praça, na
esquina da Rua Benjanin Constant com a Rua Paul Harris. Fica, pois, caracterizada a Praça
Ernesto Tochetto como de forte apelo comercial.
Contudo, as características dessa praça não se resumem a isso. Como praça que é,
ela apresenta forte característica de espaço de lazer urbano. Localizada entre grandes
escolas, a Praça recebe um alto fluxo de jovens, caracterizando-se como ponto de encontro e
como local de passagem para os que saem das escolas, por isso, também, há uma grande
confluência de esportes urbanos acontecendo na praça, que já conta com quadra de basquete
que se encontra, na maioria do tempo, ocupada por jovens praticantes do esporte. Esse
espaço, ainda, abrigou por muito tempo obstáculos para a prática de skate na modalidade
street, que dispensa obstáculos mais elaborados, como aqueles presentes em pistas de
skate. Essa característica faz atrair um público bastante específico para a praça, como jovens
e adolescentes, com predominância do gênero masculino. Somado a isso está o aspecto de
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contemplação, já que é possível observar pessoas sentadas nos bancos conversando e
interagindo.
Por fim, outro enfoque da praça é o transporte. Na porção sul da praça, estão
localizados pontos de táxi e de ônibus, que, por estarem à beira da Avenida Brasil, maior eixo
de distribuição do fluxo urbano, recebem um grande fluxo de passageiros. Importante
destacar que, devido à localização da praça, ela acaba por receber várias pessoas provindas
de cidades vizinhas. Quanto a isso, é importante destacar o papel que Passo Fundo tem para
as cidades vizinhas.
As relações horizontais que Passo Fundo estabelece com os municípios da região se estruturam a partir das necessidades de consumo consumptivo (comércio e serviços principalmente) dos moradores de cidades menores da região. As demandas regionais se materializam na cidade pela presença de grandes equipamentos comerciais e de serviços. (FERRETO, 2012)
As principais demandas apontadas por Ferreto são o comércio varejista, materializado
pela presença de shopping center, as atividades agrícolas, e o setor de serviços,
notoriamente, de ensino, através das universidades e faculdades instaladas na cidade, e de
saúde. Como consequência, a cidade recebe um grande fluxo de pessoas provenientes de
cidades vizinhas, que transitam por Passo Fundo de forma passageira. Localizada próximo a
colégios particulares de referência, bem como de cursinhos pré-vestibulares, a Praça Ernesto
Tochetto serve como parada principal de ônibus intermunicipais estudantis. Ainda, são muitas
as linhas de ônibus ditas “via centro”, que apanham passageiros ao longo da Avenida Brasil.
Sendo a Praça Tochetto um ponto bastante central, sua porção sul se torna um grande ponto
de ônibus, recebendo tanto as vias interurbanas como as intermunicipais, cujos passageiros
variam entre estudantes, idosos e trabalhadores.
Apesar do notável papel da Praça Ernesto Tochetto para a cidade de Passo Fundo, o
poder público negligenciou sua manutenção por anos (figura 2). A praça contava com baixo
investimento, sendo visível apenas sua manutenção, quando houve, em 2014, o projeto de
revitalização da Praça Tochetto, segundo o qual:
[...] objetiva melhorar a qualidade dos requisitos necessários ao potencial turístico na região e as condições de acessibilidade, uma vez que ocupa um quarteirão formado pelas Ruas: Benjamin Constant, Fagundes dos Reis e pela Avenida Brasil, com amplo espaço para ocupação daqueles que buscam a cidade como opção de turismo regional, possibilitando o uso da praça revitalizada para melhor atendimento aos turistas e como cartão postal do Município de Passo Fundo/RS [MINISTÉRIO DO TURISMO, 2014].
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Figura 2 Praça Ernesto Tochetto, em 2005, vista da Rua Benjamin Constant
Fonte: NASCIMENTO, 2014, p. 108
O resultado da revitalização foi sutil (Figura 3). Com relação à vegetação, pode ser
observada a elevação da copa, processo que consiste na retirada de ramos mais baixos do
tronco, para impedir que esses ramos atrapalhem transeuntes e veículos e permitir a entrada
de luz (MASCARÓ, 2005, p. 189). Outro procedimento observado foi a clarificação da
folhagem, também para o aumento da transmitância de luminosa (op. sit., 2005, p.189), e a
retirada completa de vegetação excessiva. Os encaminhamentos também foram
revitalizados: fora mantida a calçada externa à praça, que apresenta pavimentação aceitável,
tendo sido alterada a pavimentação do acesso leste ao interior do sítio, antes inexistente;
ainda, foi ampliada a área pavimentada, que deu espaço à skateplaza, espaço para a prática
de skate na modalidade street, tendo havido o cuidado de manter a vegetação de grande
porte ali presente, sendo mantida área de gola suficiente para as espécies de grande porte
pré-existentes.
Figura 3 Praça Ernesto Tochetto, em 2016, vista da Rua Benjamin Constant
Fonte: autor
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Quanto ao programa de necessidades original da praça, este foi estendido. Na área de
lazer, foi implantada a skateplaza, acima citada, além da implantação de um ponto de
empréstimos de bicicleta, como parte do sistema de empréstimos do programa municipal
Passo Fundo Vai de Bici; de uma parede de escalada e de playground exclusivo para crianças
de até cinco anos de idade. Todas as demais atividades já existentes na praça foram
mantidas.
Por fim, a revitalização atingiu a porção histórica da praça, tendo sido dada especial
atenção ao monumento ao professor Ernesto Tochetto. O monumento de grande porte
recebeu pavimentação com pisograma, de concreto intertravado, dando destaque aos blocos
de concreto que representam as carteiras da sala de aula. Além disso, atrás do busto do
professor Ernesto Tochetto, foi restaurado o quadro negro, hoje composto por placas de
granito na cor preta. O muro que dá suporte ao quadro negro foi estendido até o outro lado da
praça, criando um grande painel que separa a área de praça de lazer da área de comércio,
além de abrir espaço para painelismo e grafittis, para a parede de escalada, e para um quadro
negro para desenho com giz (Figuras 4 e 5).
Figura 4 Monumento ao Professor Ernesto Tochetto,
abril de 2015
Fonte: Jornal O Nacional
Figura 5 Monumento ao Professor Ernesto Tochetto,
julho 2015
Fonte: autor
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O Impacto da Revitalização na Formação da Imagem do Ambiente
Natural
A revitalização da praça foi perspicaz. Apesar de abranger quase todos os aspectos da
praça, não alterou o modo de ocupação desse espaço público, pelo contrário, reafirmou
muitos dos usos já consolidados, tendo interferido, além disso, no modo de leitura desse
ambiente.
Quanto ao aspecto vegetal, os procedimentos de retirada de vegetação não tiveram
impacto negativo ao patrimônio vegetal da praça. Pelo contrário, foram mantidos, por
exemplo, exemplares de grande relevância, como o Umbu, localizado na porção central da
praça, tem aparência marcadamente frondosa, que, por suas raízes elevadas, se caracteriza
como vegetação propícia para o interior de praças e parques. Outro exemplar mantido foi uma
sequóia, também localizado no interior da praça, foi mantida, mas com os ramos mais baixos
cortados. É notável apontar o quanto essa intervenção é importante para a melhor visibilidade
da praça, em 2005 Melo e Romanini enfatizavam que a presença de exemplares como a
Sequoia e a Manduirana dificultavam a leitura dos espaços internos e externos (2005, p. 64),
dessa forma, a retirada de galhada mais baixa contribui para a legibilidade do local enquanto
preserva o patrimônio vegetal. Outro exemplar de destaque é uma Tipuana, localizada na
região periférica da porção sul da praça, essa árvore possui uma galhada aberta, com
ramificação baixa, está escorada para a manutenção da galhada frondosa (Figura 6).
Figura 6 Interior da Praça após a revitalização, julho 2016
Fonte: [autor]
A Praça Ernesto Tochetto é essencialmente urbana. E como tal, recebe todos os
aspectos da vida em uma cidade de porte médio, como o alto fluxo de pessoas e mesmo o uso
inadequado de alguns de seus equipamentos. Antes da reforma, viam-se obstáculos de skate
sendo colocados dentro da quadra de basquete, dando a essa um uso inadequado, sem,
contudo causar prejuízo à praça, se não eventual concorrência de usos com os praticantes
dos esportes. Além disso, observa-se, que o comércio irregular é um uso intrínseco à praça,
no formato do camelódromo, situado na porção norte da praça. O comércio nesse local foi
regularizado pela prefeitura, mas mantém a característica de comércio popular. Ademais, as
bancas de comércio informal instaladas fora do camelódromo, na esquina da Av. Brasil com a
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Rua Fagundes dos Reis, permanecem montadas no mesmo local. Quanto a isso, Mendonça
aponta que:
É importante salientar que as apropriações, mesmo quando intuídas e adaptadas não implicam, necessariamente, em inadequação ou indícios de marginalidade. Podem, ao contrário, indicar criatividade, capacidade de melhor aproveitamento das infra-estruturas públicas e fornecer subsídios que alimentem o projeto e a construção futura de ambientes desta natureza [2007].
Daí, pode-se observar que apesar da utilização inadequadas, o espaço não sofreu
prejuízos, pelo contrário: o uso impróprio da praça de basquete se adequou quando da
instalação da skateplaza, vindo a suprir a demanda dos usuários. Quanto ao comércio
informal, Jaime Lerner, no livro Acupuntura Urbana, afirma nos benefícios desse tipo de
comércio, já que abrange um público de baixa renda, além de ocupar a rua com transações
comerciais [2005], que contribuem para trazer vida às ruas. Além do mais, toda a forma de
ocupação que não traz prejuízo aos demais usuários ou ao patrimônio é uma forma de
apropriação do espaço urbano, ou seja, uma forma de o usuário interagir com o ambiente e se
sentir parte dele.
A maior alteração, contudo, foi na formação de pontos focais na praça. Segundo
Malamut, pontos focais são objetos e elementos construtivos aos quais se deseja atribuir
destaque, mas que, por si só, não se destacam, portanto, sobre eles deve recair um esforço
de valorização para que então esses objetos possam garantir esse efeito “centralizador de
atenções” (2011,p.100). No conceito de Cullen, pontos focais são símbolos de convergência
(1996), um elemento de força que se materializa de forma isolada e por vezes marca pela
verticalidade (ADAM, 2008, p. 65). Na praça Tochetto, a criação de pontos focais criaram uma
diferenciação impactante no modo com que a praça é percebida, isso porque criou destaque
para um ambiente, antes homogêneo. O principal ponto focal da praça foi estabelecido no
monumento ao Professor Ernesto Tochetto, por meio da pavimentação diferenciada no local
que destaca as carteiras do restante da praça, reforçando, assim, a perspectiva criada pelo
monumento, de modo que o busto do professor se torna o ponto focal.
Junto a isso, outro recurso estilístico utilizado na praça foi a criação de hierarquia.
No desenho dos espaços, a organização da informação visual ao usuário para ser concebida passa por um processo de hierarquização dos elementos. [...] O trabalho deve definir o que se pretende que seja visto em primeira instância, o que deve chamar mais atenção, o que deve ficar mais escondido, paralelamente às sensações a transmitir. É preciso estabelecer quais espaços ou elementos devem se fazer ver, se impor aos demais, e quais devem se deixar ver, submetendo-se [MALAMUT, 2011, p. 123-124].
A requalificação pôs o monumento em destaque, mas trouxe continuidade pela
extensão do muro que abriga o quadro negro atrás do monumento. Este muro estabelece um
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limite visual, separando os usos de lazer e comercial, ao mesmo tempo em que implica
profundidade, uma vez que se destaca com relação à vegetação. Nesse mesmo muro fica
marcada a apropriação da praça. O muro branco abriga a arte de muralismo, cujo estilo se
relaciona aos usos urbanos da praça, uma vez que fazem parte da cultura street, além do que,
já é possível observar a presença de grafitti livre em meio às demais pinturas.
Outro recurso utilizado foi o que Knuijt chama de cenografia, segundo o qual,
“Espaço” deve ser tornado “lugar” pela criação de locais acolhedores para se ficar. As pessoas querem lugares para sentar, contemplar, debater, se exibir. Para contribuir com uma paisagem de rua, é importante que haja esses lugares para se ficar e desfrutar do espaço público. O equilíbrio entre “lugar” e “movimento” na cidade apela por direcionar o movimento e a possibilidade de mudar o uso do espaço (KNUIJT, 2015, p. 87)
Isso porque a requalificação trouxe novos ambientes de estar na praça, que antes
servia mais como local de passagem, ou de repouso enquanto se espera o ônibus. Após a
revitalização, o interior da praça passou a se tornar convidativo, uma vez que aprimorou a
visibilidade desse espaço interno com os procedimentos de manutenção da vegetação,
juntamente com o melhoramento da iluminação artificial, com a instalação de novas
luminárias.
Essas técnicas projetuais aplicadas na praça melhoraram sua leitura como elemento
isolado, mas também, é possível observar uma melhora na leitura global da cidade. Isso
porque a praça Ernesto Tochetto se caracteriza como um grande elemento de legibilidade
urbana. Como praça que é, se caracteriza como ponto nodal por natureza, com a
requalificação do espaço, essa característica foi reforçada, já que o trânsito por ela foi
facilitado com o uso de novos encaminhamentos. Junto a isto está o fato de que, requalificada,
a praça se torna um ponto de encontro mais ativo, já que convida os transeuntes a ali
permanecerem. Finalmente, a praça também se ratifica como marco ou mesmo ponto focal
para a cidade, uma vez que a requalificação do ambiente torna-o ainda mais distinto. Não só
um maciço de vegetação, o espaço se confirma como praça, com todos os seus usos.
Conclusão
Pode-se observar que as praças tem um forte papel na leitura da cidade, já que
funcionam como elementos de legibilidade urbana. Contudo, o papel de uma praça na
legibilidade urbana depende de seu projeto e manutenção, de modo que, se uma praça não
for convidativa ou mesmo visualmente relevante, ela tem um papel menos forte na
imageabilidade da cidade.
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Assim, áreas verdes bem projetadas, com alta imageabilidade ou facilidade de leitura
se consolidam como elementos positivos para a leitura da cidade. Praças com
encaminhamentos eficazes servem como ponto nodal para pedestres, permitindo o trânsito
eficaz ao mesmo tempo que cria um ponto de encontro, para onde direções convergem. Por
outro lado, as praças agem como marco urbano e como ponto focal quando se contrapõem à
malha urbana, de modo que mesmo aqueles que não estão utilizando o ambiente natural
ativamente, ainda podem o apontar como ponto de referência. Assim, as praças são
elementos chave para a legibilidade da cidade.
A praça Ernesto Tochetto já antes exercia um forte papel para a leitura da cidade.
Como marco, funcionava de referencial aos motoristas e transeuntes. Já como ponto nodal,
reunia modais de transporte em um mesmo ambiente, já que recebia o fluxo de passageiros
de ônibus e de táxi, além de pedestres. Desse modo, a requalificação do ambiente deveria
atentar para essas funções já estabelecidas na praça. O projeto foi além e assegurou usos
pelos quais os ocupantes do espaço urgiam, de modo a estabelecer uma relação de
pertencimento desses usuários ao ambiente urbano, em uma relação afetiva entre cidadão e
ambiente público.
Dessa forma, a requalificação superou o espaço e se refletiu na cidade. Além de
melhorar a leitura do próprio ambiente, também contribuiu para a imageabilidade da cidade de
Passo Fundo, já que delimitou o espaço da praça como lugar, por onde pode se passar e onde
se pode permanecer ou, até mesmo, pertencer, uma vez que o espaço, revitalizado,
contemplou as necessidades de todos os cidadãos.
Referências
ADAM, Roberto Sabatella. Analisando o conceito de paisagem urbana de Gordon Cullen. Curitiba: Da Vinci, v. 5, n. 1, p. 61-68. 2008.
CULLEN,Gordon. Paisagem urbana. Lisboa: Edições 70, 1996. 202 p
FERRETTO, Diego. Passo Fundo: estruturação urbana de uma cidade média gaúcha. 2012. 175 f. Dissertação (Mestrado: Planejamento Urbano e Regional) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2012.
KNUIJT, Martin. Os altos e baixos do espaço público. In. KARESBERG, Hans... et. al. (Ed.).A cidade ao nível dos olhos: lições para os plinth. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2015. p. 86-89.
LERNER, Jaime. Acupuntura urbana. Rio de Janeiro: Record, 2003.
LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1999. 194 p.
MALAMUT, Marcos. Paisagismo: projetando espaços livres. Lauro Freitas: Livro.com, 2011.
MASCARÓ, Lúcia; MASCARÓ, Juan. Vegetação Urbana. 2ª ed. Porto Alegre: Mais Quatro, 2005.
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
MELO, Evanisa Fatima Reginato Quevedo; ROMANINI, Anicoli. Praça Ernesto Tochetto: importância de sua preservação histórica e aspectos de sua arborização. Revista SBAU: Piracicaba, v. 3, n. 1, mar. 2008, p. 54-72.
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