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Construção Nacional e Cidadania - estudos de nossa ordem social Resenha do texto: BENDIX, Reinhard. (1996). Construção Nacional e Cidadania – estudos de nossa ordem social em mudança. São Paulo, EdUsp. Por: Sabrina Evangelista Medeiros Filho do intelectual Ludwig Bendix, Reinhard Bendix, foi criado na Alemanha e, assim, marcado pela história daquele país nos anos pré II Guerra, quando, enfim, inicia sua vida acadêmica em Chicago, fugido do nazismo. Como sociólogo, Bendix teve uma ativa vida acadêmica, tendo sido, inclusive, presidente da American Sociological Association – período em que escreve Construção Nacional e Cidadania (Nation-Building and Citizenship), originalmente de 1964, considerada uma das suas mais importantes obras. A obra Construção Nacional e Cidadania – em questão nesta resenha – trata de recuperar conceitos que, como nas obras de Weber, são típico-ideais, através do que caracteriza como processos históricos singulares, em especial, a respeito da construção nacional na Europa. Na contramão de algumas interpretações que encaram o processo de construção da nação e seus cidadãos como evolutivo, Bendix intercala o estudo de alguns fatores históricos com interpretações sociológicas profundas que o permitem fazer uma conjunção entre tradição e modernidade para explicar o processo em questão, sem colocá-los, com isso, de maneira dicotômica – como nos mostra o prefácio da edição brasileira, de Elisa Reis. Mas, apesar de estudadas como tipos ideais, modernidade e tradição não podem ser generalizações descuidadas. Bendix acredita que as mudanças sociais são contínuas, embora haja eventos que dividem a história em eras. Além disso, desafia a visão de que modernização é uma fenômeno estritamente interno a uma sociedade. Bendix, assim, traz-nos uma alternativa à Durkheim e Marx, por exemplo, que tendem a ver a transição da tradição para modernidade como súbita e propõem que a modernidade seja vista em contraste totalmente à tradição. Influenciado sobretudo por Weber, Bendix faz um trabalho comparativo que, através dos processos históricos, distancia-se “tanto dos trabalhos marxistas quanto das tradições funcionalistas e sistêmicas dominantes do período”. Os processos de modernização de que fala, apesar de singulares, congregam uma série de valores e conceitos presentes na primeira parte desta obra, e utilizados na segunda parte, caso a caso. Em relação à cidadania, trata-se da expansão gradual de um modelo de modernidade que legitimou, concomitantemente, a autoridade pública e inventou a cidadania. Reunidos, estes elementos demonstram como a liberdade, a igualdade e outros valores sociais poderiam ser maximizados de acordo com a modernidade. Elisa Reis nos chama a atenção, em contrapartida, para uma falta de atualidade conjuntural na obra dado que a era de maximização de direitos tal como fala o autor está em declínio, segundo os atuais teóricos do período, comumente chamado de pós-modernidade. A perspectiva esclarecedora da ciência, por outro lado, nos teria permitido a construção de nações tal como conhecemos; e disso difere-se Bendix também de alguns dos teóricos atuais, que acreditam num esgotamento da modernidade de que refere-se o autor. Mas esta também é a proposta de Bendix. Com determinado grau de continuidade, busca dar ao estudo do processo de modernização e construção nacional um grau de legitimidade, através, fundamentalmente, de uma tentativa de resposta a uma pergunta que considera o impulso inicial de seu trabalho: de onde viemos e para onde estamos indo? O traçado histórico-sociológico que propõe Bendix parte das relações de autoridade pública e privada nas sociedades medievais européias para a construção da autoridade nacional moderna centrada no Estado Absolutista, até chegar às Democracias de classe mais recentes. Essas transformações, para Bendix, acabaram por produzir um sistema intencionalmente, segundo ele, mais igualitário, baseando-se no modelo de Democracia defendido por Alexis de Toqueville. Nesse sentido, as relações de autoridade teriam evoluído em direção a uma sociedade mais democrática, conforme Marx o teria aspirado. A condição dos indivíduos, na qualidade de sujeitos de seus amos na Idade Média, teria sido modificada progressivamente, tendo seu ponto de equilíbrio na ampliação dos direitos individuais e da cidadania, de maneira universal. Desta forma, o Estado-Nação que se construía, engendrava-se com um eficiente sistema-burocrático que, atendendo aos grupos de confiança que geravam o projeto modernizador, evoluiu até sua forma mais recente de bem- estar. Bendix observa, por exemplo, que na economia tradicional há elevada integração dentro das unidades domésticas e das comunidades, e baixa integração entre elas – e, durante a modernização, observa-se uma tendência à inversão desse padrão, com crescente interdependência entre unidades produtivas diversas, entre a família e o mercado, etc. A comparação com a sociedade russa, japonesa e indiana, neste caso, acaba por completar a análise de Bendix, que traça um paralelo entre os projetos ocidental e oriental, avaliando os graus de execução real da autoridade pública e da cidadania nesses lugares. Particularmente importante neste ponto do trabalho de Bendix é ampliação da sua teoria para o caso japonês, assim como o fez sobre o prussiano, sobre o indiano e sobre o russo, estudando como ocorreram cada um dos processos de centralização em questão, anteriormente à industrialização destes mesmos casos. Os diversos significados teóricos que são fornecidos por Bendix são iniciados através do que o autor chama de estudo da mudança social ocidental – para ele, estudo que o permite aplicar conceitos familiares mais universalizantes. Por isso, Bendix acredita que o estudo das transformações sociais mais significativas pode ser o bojo da descoberta de variações importantes na sociedade contemporânea, e ainda, contribuir para o entendimento, comparativo, de realidades bastante diferentes historicamente mas que, em sua síntese, têm elementos de forte congruência com os elementos aqui descritos – fundamentalmente em relação à modernização, autoridade, industrialização e desenvolvimento. Neste caso, interessa-o particularmente elementos como as estruturas e atitudes sociais que “persistem muito tempo depois que as condições que as originaram desaparecem” (p.43). Isso demonstra-nos que, até mesmo na Inglaterra, há importação de modelos, estruturas e instituições de desenvolvimento que vão de encontro, continuamente, com elementos tradicionais, arcaicos e, até mesmo, feudais, em seu processo. Esses elementos, contrapostos, tempopresente.org http://www.tempopresente.org _PDF_POWERED _PDF_GENERATED 15 September, 2009, 10:23

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  • Construo Nacional e Cidadania - estudos de nossa ordem social

    Resenha do texto: BENDIX, Reinhard. (1996). Construo Nacional e Cidadania estudos de nossa ordem socialem mudana. So Paulo, EdUsp. Por: Sabrina Evangelista Medeiros

    Filho do intelectual Ludwig Bendix, Reinhard Bendix, foi criado na Alemanha e, assim, marcado pela histria daquele pasnos anos pr II Guerra, quando, enfim, inicia sua vida acadmica em Chicago, fugido do nazismo. Como socilogo,Bendix teve uma ativa vida acadmica, tendo sido, inclusive, presidente da American Sociological Association perodo em que escreve Construo Nacional e Cidadania (Nation-Building and Citizenship), originalmente de 1964,considerada uma das suas mais importantes obras. A obra Construo Nacional e Cidadania em questo nestaresenha trata de recuperar conceitos que, como nas obras de Weber, so tpico-ideais, atravs do quecaracteriza como processos histricos singulares, em especial, a respeito da construo nacional na Europa. Na contramode algumas interpretaes que encaram o processo de construo da nao e seus cidados como evolutivo, Bendixintercala o estudo de alguns fatores histricos com interpretaes sociolgicas profundas que o permitem fazer umaconjuno entre tradio e modernidade para explicar o processo em questo, sem coloc-los, com isso, de maneiradicotmica como nos mostra o prefcio da edio brasileira, de Elisa Reis. Mas, apesar de estudadas como tipos ideais, modernidade e tradio no podem ser generalizaes descuidadas. Bendixacredita que as mudanas sociais so contnuas, embora haja eventos que dividem a histria em eras. Alm disso, desafiaa viso de que modernizao uma fenmeno estritamente interno a uma sociedade. Bendix, assim, traz-nos umaalternativa Durkheim e Marx, por exemplo, que tendem a ver a transio da tradio para modernidade como sbita epropem que a modernidade seja vista em contraste totalmente tradio. Influenciado sobretudo por Weber, Bendix fazum trabalho comparativo que, atravs dos processos histricos, distancia-se tanto dos trabalhos marxistasquanto das tradies funcionalistas e sistmicas dominantes do perodo. Os processos de modernizao de que fala, apesar de singulares, congregam uma srie de valores e conceitospresentes na primeira parte desta obra, e utilizados na segunda parte, caso a caso. Em relao cidadania, trata-se daexpanso gradual de um modelo de modernidade que legitimou, concomitantemente, a autoridade pblica e inventou acidadania. Reunidos, estes elementos demonstram como a liberdade, a igualdade e outros valores sociais poderiam sermaximizados de acordo com a modernidade. Elisa Reis nos chama a ateno, em contrapartida, para uma falta deatualidade conjuntural na obra dado que a era de maximizao de direitos tal como fala o autor est em declnio,segundo os atuais tericos do perodo, comumente chamado de ps-modernidade. A perspectiva esclarecedora da cincia, por outro lado, nos teria permitido a construo de naes tal como conhecemos;e disso difere-se Bendix tambm de alguns dos tericos atuais, que acreditam num esgotamento da modernidade de querefere-se o autor. Mas esta tambm a proposta de Bendix. Com determinado grau de continuidade, busca dar aoestudo do processo de modernizao e construo nacional um grau de legitimidade, atravs, fundamentalmente, de umatentativa de resposta a uma pergunta que considera o impulso inicial de seu trabalho: de onde viemos e para ondeestamos indo? O traado histrico-sociolgico que prope Bendix parte das relaes de autoridade pblica e privada nas sociedadesmedievais europias para a construo da autoridade nacional moderna centrada no Estado Absolutista, at chegar sDemocracias de classe mais recentes. Essas transformaes, para Bendix, acabaram por produzir um sistemaintencionalmente, segundo ele, mais igualitrio, baseando-se no modelo de Democracia defendido por Alexis deToqueville. Nesse sentido, as relaes de autoridade teriam evoludo em direo a uma sociedade mais democrtica, conforme Marxo teria aspirado. A condio dos indivduos, na qualidade de sujeitos de seus amos na Idade Mdia, teria sido modificadaprogressivamente, tendo seu ponto de equilbrio na ampliao dos direitos individuais e da cidadania, de maneirauniversal. Desta forma, o Estado-Nao que se construa, engendrava-se com um eficiente sistema-burocrtico que,atendendo aos grupos de confiana que geravam o projeto modernizador, evoluiu at sua forma mais recente de bem-estar. Bendix observa, por exemplo, que na economia tradicional h elevada integrao dentro das unidades domsticas edas comunidades, e baixa integrao entre elas e, durante a modernizao, observa-se uma tendncia inversodesse padro, com crescente interdependncia entre unidades produtivas diversas, entre a famlia e o mercado, etc. A comparao com a sociedade russa, japonesa e indiana, neste caso, acaba por completar a anlise de Bendix, quetraa um paralelo entre os projetos ocidental e oriental, avaliando os graus de execuo real da autoridade pblica e dacidadania nesses lugares. Particularmente importante neste ponto do trabalho de Bendix ampliao da sua teoria parao caso japons, assim como o fez sobre o prussiano, sobre o indiano e sobre o russo, estudando como ocorreram cadaum dos processos de centralizao em questo, anteriormente industrializao destes mesmos casos. Os diversos significados tericos que so fornecidos por Bendix so iniciados atravs do que o autor chama de estudoda mudana social ocidental para ele, estudo que o permite aplicar conceitos familiares mais universalizantes.Por isso, Bendix acredita que o estudo das transformaes sociais mais significativas pode ser o bojo da descoberta devariaes importantes na sociedade contempornea, e ainda, contribuir para o entendimento, comparativo, de realidadesbastante diferentes historicamente mas que, em sua sntese, tm elementos de forte congruncia com os elementosaqui descritos fundamentalmente em relao modernizao, autoridade, industrializao e desenvolvimento. Neste caso, interessa-o particularmente elementos como as estruturas e atitudes sociais que persistem muitotempo depois que as condies que as originaram desaparecem (p.43). Isso demonstra-nos que, at mesmo naInglaterra, h importao de modelos, estruturas e instituies de desenvolvimento que vo de encontro, continuamente,com elementos tradicionais, arcaicos e, at mesmo, feudais, em seu processo. Esses elementos, contrapostos,

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  • constituem tanto as sociedades ocidentais que conhecemos, quanto modelos mais distantes, tratados nos captulossubsequentes do livro, como o japons, indiano e russo. Para tal, Bendix considera necessria uma apropriao de conceitos j anteriormente elaborados por Weber,permitindo-se assim uma abstrao coerente que possa abrigar seu estudo comparativo. Dentre estes conceitos, Bendixfaz uma apreciao especial sobre o poder formalmente instaurado com relaes de comando e obedinciacriteriosamente estabelecidos - e sobre as associaes esta ltima especialmente mais informal ouestabelecidas voluntariamente e costumeiramente. Alm disso, ao social, que um conceito especfico weberiano, quedemanda tanto a considerao da existncia de relaes sociais quanto da legitimao de uma autoridade e de umaestrutura de governana, em conseqncia. Este consenso tem efeitos importantes sobre os grupos de interesse e a esfera social, assim como estes ltimosdeterminam as estruturas e a autoridade em vigncia. Nesse sentido, s h legitimidade nesta estrutura porque ambosos participantes, autoridades e sociedade, compartilham de um acordo para o funcionamento dela. Esta caractersticacontratual entre as partes interessadas de uma estrutura social que, enfim, d legitimidade a esta estrutura e geraseu aperfeioamento contnuo. Para contrastar com estes elementos da ordem social, Bendix nos lembra da Anarquia,como paralelo oposto e possvel de ser compreendido, uma vez que no haja o contrato e a legitimidade da autoridadede que fala. Estes conceitos sociolgicos esto embebidos, ainda, de profundos laos morais, como a humanidade concedida aosmembros de determinada comunidade ou, pelo contrrio, no concedida politicamente, a outros membros (emsociedades movidas pelo preconceito). A eficincia administrativa, portanto, est tambm determinada por motivaesde tipo moral que podem, ou no, fazer com que os membros da sociedade compactuem. Sem isso, no haveriapossibilidade de existncia dos Estados-Naes, baseados na legitimidade da ordem poltica pblica. Bendix trata o problema sob perspectivas histricas que baseiam-se na estrutura social europia desde o sculo XVIII,quando das Revolues Industriais. Comparado com a estrutura medieval, o perodo congrega a regressiva relao deconsanginidade no poder pblico, a progressiva impessoalidade nas leis e contratos sociais, a extenso do direito devoto, todos, elementos que teriam garantido, a longo prazo, um maior grau de liberdade em relao a constelaesde interesses originados na sociedade. (p.57). Caso a caso, Bendix recupera principalmente as interpretaes de Weber e, ainda, Toqueville, para dar entendimentoaos processos de transformao mais significativos. De Toqueville, ressalta a interpretao de naes aristocrticas e naesdemocrticas, apesar de que Toqueville no via to positivamente a formao de uma sociedade igualitria e menostirnica no futuro. De Weber, destaca os conceitos de patrimonialismo e feudalismo para caracterizar as sociedadesocidentais at o marco das Revolues. Neste caso, o patrimonilismo refere-se delegao de poder, centrado no rei, paraseus sditos, que estendera-se na medida em que tambm seus domnios estendiam-se. O rei adquiria, assim, uma posio secular e religiosa, capaz de faz-lo congregar a autoridade de maneira que suadominao pode ser caracterizada como tradicional. A hereditariedade, as condies da nobreza, a autoridade em nome deDeus, congregam elementos de fortalecimento progressivo do poder real que, at a Idade Mdia, estava fragilizadopelas relaes intra-comunidade, baseadas nas relaes feudais. O feudalismo aparece, por conseguinte, como condioanterior ao patrimonialismo dos sculos seguintes. Os grupos que dividem, nesse sentido, a esfera de poder pblico,geram condies de jurisdio legitimadas por esta ordem feudal e patrimonial, que abrigava uma poltica de vassalagens,alianas e rivalidades determinante. Mas as estruturas medievais foram privadas de suas instncias de administrao e jurisdio pela criao do Antigo Regimee pela concentrao do poder nas mos do rei, segundo Toqueville. Por outro lado, a concentrao do poder acaba por noser destruda por completo durante as Revolues do sculo XVIII, dado que a liberdade ultrapassa a nsia pela igualdadee cria condies para o individualismo acentuado dos anos subsequentes. Ou seja, acentua Bendix que, na viso deToqueville, as sociedades medievais tinham distribudas funes que no pretendiam a igualdade, mas que eramigualmente garantidas pelas instituies medievais e pela legitimidade da autoridade. Nestas circunstncias, o aumento dadistncia entre servos e amos teria sido ocasionado pela divulgao de ideais igualitrios que degradaram, aos poucos, alegitimidade desse tipo de autoridade tradicional. Do contrrio, a Revoluo Francesa no teria conseguido garantir a igualdade abstrata que divulgou e pretendeu e, aomesmo tempo, elevou a determinados graus a liberdade, que pode ser ela mesma responsvel pela corroso dosdireitos do homem. Com isso, as implicaes do discursos de Toqueville so grandes, principalmente no apelo estruturasmais coesas onde se pudesse aliar religio e ordem a liberdade e igualdade. (p.85). O contraste ao sistema europeupromovido pela Revoluo Francesa seria o sistema americano, segundo Toqueville, baseado em um associativismoprivado responsvel pela descentralizao do poder do governo nacional. Por isso, considera que as idias igualitriaseram muito mais coesas no sculo XIX na Amrica do que o eram na Frana no mesmo perodo. De qualquer maneira, no estudo das mudanas sociais, segundo Bendix, a apropriao de conceitos universais sempreperigosa, fundamentalmente no que tange a transio da estrutura administrativa patrimonialista para a estruturaburocrtica moderna. Isto posto, Bendix contrasta uma e outra a partir de caractersticas funcionais de cada uma delas:enquanto na estrutura patrimonialista a tenso reside na arbitrariedade do senhor e na obedincia do servo, igualmentereconhecidos segundo suas respectivas funes sociais, na burocracia moderna, o desejo pela igualdade cria outro tipode tenso, caracterstica da criao de leis universalizantes. Esta jurisdio de mbito universal, particularmente, nacional, ao mesmo tempo em que cria o diferencial dos Estados-Nacionais a partir das revolues do sculo XVIII, no faz destes ltimos instituies objetivamente configuradas. OsEstados-Naes, segundo Bendix, fazem parte de um Estado emergente, progressivamente implementado que, naquelaaltura, estava distante de congregar os princpios de igualdade que o motivaram. Como contrapartida criao de umacidadania mais extensiva, a burocracia ocidental teria se ampliado e, com ela, as funes de servidores pblicos, que

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  • estavam distantes da neutralidade poltica de que fala o autor. Isso demonstra mudanas mpares na burocracia quedestacam mudanas na relao desta com a sociedade, em especial, pelo crescimento de interessesorganizados. Mas tambm estes interesses organizados fizeram parte da realidade japonesa em seu projeto de construo nacional.A Era Meiji trouxe consigo uma srie de modificaes econmicas e institucionais que propiciaram ao Japo a insero naeconomia de larga escala, mundial. Mesmo assim, a elite dirigente ora alavancava, ora interrompia o processo demodernizao do Japo afim de poder mensurar seus resultados, sem que pudesse perder o controle da autoridadedaquele pas. Naquela ocasio, to importante quanto a estratgia dos Meiji o fora a adaptao e aceitao da populao,ratificando o projeto poltico em execuo, legitimando-o . Por outro lado, a adequao da populao ao modelo demodernizao proposto deu-se em funo de uma fora poltica coesa capaz de faz-lo imediatamente, importando padrese tecnologia e os aplicando em escala acelerada - assim como o fez a Alemanha, tambm tardiamente. Isso quer dizerque, no Japo, o projeto de modernizao e a legitimidade da autoridade s foi possvel porque foram adaptados traos datradio japonesa e incorporados como elementos de coeso nacional. Apesar de, no caso Prussiano, a unificao ter sido feita pela ascendncia de uma dinastia e pela decadnciaprogressiva de algumas cidades e ducados, a unificao Alem tambm contou com importante grau de autoridade emseu projeto modernizador. O potencial de tradio incorporado neste caso diz respeito, fundamentalmente, aos laosdinsticos que propiciaram a implementao de um slido poder, alm da subordinao de outros ducados pelos laos decasamento, pelas origens comerciais da Liga Hansetica, ou pela Guerra dos Trinta Anos, que trouxeram, juntos, umnovo equilbrio de poder interno para a Prssia. Como resultado, assim como aconteceu na Rssia, os monarcas autocrticos seriam levados pela burocraciaascendente e novas classes emergentes em cada um desses lugares, ao mesmo tempo em que sua autoridade eramodificada segundo as expectativas e a instabilidade de normas. Na Rssia, ou melhor, na Unio Sovitica, o ponto deculminncia disto seria a existncia de um governo totalitrio baseado numa extensa burocracia, que substitura, noincio do sculo XX, o centralismo monrquico pela ampliao do aparelho administrativo, em nome da industrializao eda modernizao. Por ltimo, no caso indiano, a evoluo modernizadora poderia somente agora ocorrer, desde que a luta deindependncia contra os ingleses havia ocorrido e, desde que o primeiro-ministro Nehru havia morrido e um nmeroimportante de projetos polticos vieram tona. A partir de ento, a construo de uma nao indiana seria to complicadaquanto a construo de todas as naes recm envolvidas com lutas de libertao. A modernizao, neste caso, aplica-se aum conjunto de modificaes bastante diferentes daquelas envolvidas com a causa russa ou japonesa. O mais importante disto o fato de que a construo das Naes europias deu margem construo, ainda que tardia, sobo mesmo modelo, de Estados e instituies no Oriente, na ndia. Neste caso, a eliminao de uma estrutura quase tribal,de estruturas corrompidas pela corrupo, a absoro de etnias diversificadas, seriam tarefas a serem cumpridas noprocesso de construo desta nao. Esta srie de fatores a serem executados trazem-nos a noo de equilbrio conjunturalna construo nacional, que a essncia da discusso de Bendix. Na ndia, isto no elimina, apesar disto, a noo develho e novo, de uma estrutura centrada em repblicas rurais fechadas (pelos panchayats, a elite local), e outra, dapoltica de poder ascendente e modernizante (que obrigou as elites locais a aderirem a um novo projeto poltico). As principais decises envolvidas com uma poltica diferenciada esto ligadas aos estmulos feitos ao setor industrial, deenergia e de transportes, alm da Reforma Agrria que ganhou, no entanto, menos impacto do que seesperava. O panorama de prioridades, assim, se modificava e era igualmente distribudo em relao economia rural e suaimportncia geral. As prioridades sociais, por assim dizer, j haviam tido uma modificao significativa na passagem dosculo XIX para o XX, quando os padres de insero nas elites locais mais aproximavam-se da anlise do nveleducacional (segundo o ocidental). Essa mudana de padres acabou acontecendo de forma extensiva quando tambmo voto se estendeu. Reinhard Bendix talvez tenha sido um dos mais influentes dos intrpretes de Weber, alm de ter contribudo demaneira importante para uma reavaliao mais comedida do alcance dos conceitos de tradio e modernidade a partir dofinal dos anos 60, mediante uma alentada crtica de certos abusos e distores do recurso modernizao, que certamenteter contribudo de maneira importante, ainda que no intencionalmente, para o progressivo abandono da referncia aoconceito nos anos que se seguiram ao seu ataque, publicado pela primeira vez em 1967. Bendix, invariavelmente, confere histria (e histria estruturada em processos de desenvolvimento) lugarinequivocamente proeminente, patentemente identificvel naquele que , talvez, seu principal trabalho. Ilustra esteponto, na obra em que tratamos, o fato de que seu ataque aos conceitos de tradio e modernidade jamais visou ao seuabandono, mas apenas sua reavaliao. Contra certa trivializao reificada dos conceitos, pode-se dizer que Bendixcontraps com elevada sensibilidade metodolgica a necessidade de lhes recuperar a densidadehistrica. Pois, se por um lado sempre real o perigo contra o qual nos alertava Weber de seconfundirem com a realidade os tipos ideais a que recorremos profissionalmente, por outro lado Bendix no deixar dereiterar o grande valor heurstico da construo de seqncias de desenvolvimento. O discurso de Bendix , sobretudo, de cautela metodolgica, mais do que de rejeio frontal do recurso modernizaopara a reflexo sobre a sociedade e a poltica. Assim, ele nos adverte que a tradio e a modernidade no so mutuamenteexcludentes, e persistem invariavelmente elementos tradicionais em sociedades modernas, assim como elementosmodernos so identificveis muito antes da era moderna; alm disso, o fato de que em quase todos os casos amodernizao mistura fatores endgenos e exgenos, com forte ao governamental o que denota um processo noto espontneo quanto eventualmente somos levados a acreditar; e, finalmente, a observao de que a industrializao noparece ter efeitos internacionalmente to uniformes quanto desejariam os modernizadores mais otimistas. Em poucas palavras, ele nos alerta para a possibilidade de que a modernizao apesar de ser quase

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  • universalmente observvel jamais venha a alcanar uma modernidade a priori definida. Mas, aomesmo tempo, insiste em que no possvel refletir sobre a mudana social sem remisso a estruturas de compreensoapoiadas em mecanismos do tipo antes-e-depois. Bendix reafirma explicitamente o contraste entretradio e modernidade, apoiado em traos cannicos, como o processo de progressiva diferenciao estrutural na crescentediviso do trabalho e na emergncia de estruturas sociais sempre mais especializadas funcionalmente, bem como ainterao complexa entre essa diferenciao (potencialmente desintegradora) e a emergncia de novas formas deintegrao. Sendo assim, Bendix constri uma sociologia, sobretudo, nova porque invariavelmente limtrofe. Suas discussespermanecem no meio do caminho, pela construo de uma teoria que no descarte a relevncia da empiria, uma formulaonem puramente terica nem, tampouco, puramente metodolgica. MEDEIROS, Sabrina Evangelista. Resenha do texto:BENDIX, Reinhard. (1996). Construo Nacional e Cidadania estudos de nossa ordem social em mudana. SoPaulo, EdUsp. Rio de Janeiro: Revista Eletrnica Boletim do TEMPO, ano 2, n. 24, 2007. [ISSN 1981-3384]

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