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Resenha do livro O Que é Linguística de Eni P. OlandiResenha do livro O Que é Linguística de Eni P. Olandi
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CENTRO DE HUMANIDADES
LETRAS PORTUGUES/LITERATURA
EMANUEL DIAS FÉLIX
RESENHA: O QUE É LINGUÍSTICA – ENI PULCINELLI ORLANDI
FORTALEZA
2015
Eni P. Olandi, em O que é Linguística, traça um panorama histórico de uma das formas que
o homem possui de ter domínio sobre o mundo: a linguagem, focando no desenvolvimento da
ciência linguística. Depois de definir o que, para esta ciência, faz parte da língua – a linguagem
verbal, oral e escrita – ela passa a expor o pensamento daqueles que se propuseram a refletir sobre a
questão. Expõe as continuidades e rupturas nas linhas de pensamento das diferentes épocas. Seu
objetivo é auxiliar o leitor para que ele possa seguir o seu próprio caminho dentro da linguística.
A autora inicia seu texto com a relação do homem com a linguagem. Esta é caracterizada
pelo desejo do ser humano de dominar o meio em que vive. Em seguida, lemos que o interesse pela
linguagem existe desde muito tempo. Dos filósofos gregos ao século XX, sempre se refletiu sobre
essa questão. Depois de definido o que a ciência linguística considera como linguagem, ela
prossegue introduzindo-nos a dois precursores da linguística: as gramáticas gerais do século XVII e
as gramáticas comparadas do século XIX. Enfim, faz uma breve reflexão sobre a necessidade de se
ter uma linguagem própria para a linguística, a metalinguagem desta ciência, e comenta sobre as
duas tendências psíquicas e sociologistas da linguística. Esta é a primeira parte.
A segunda parte consiste principalmente em uma exposição das diversas linhas de
pensamento ao longo da história, começando em Saussure e terminando na Análise do Discurso.
Além disso, Eni fala do seu não comprometimento com um método e afirma que “não há só uma
maneira de pensar a linguagem. Há várias.” (1986, p. 66). Por fim, relaciona as escolas linguísticas
de diversas épocas e, então, conclui com uma reflexão sobre a influência da linha formalista-
logicista e os limites do ideal da linguagem.
“O homem procura dominar o mundo em que vive”, diz Eni P. Orlandi (p. 7). E para
conseguir dominá-lo, ele usa o conhecimento. A explicação das coisas, uma busca constante do ser
humano, é tão somente desejo de poder. A língua é um dos instrumento de poder, de dominação.
Mas não somente isso. Ela é uma necessidade do homem, pois faz parte do mundo e das relações
sociais. Desta forma, segundo a autora, explicar a linguagem é um questionamento e uma
necessidade humana, ligada ao desejo de dominação.
A curiosidade pela linguagem sempre existiu. Várias áreas do conhecimento tentam explicar
a realidade da língua. Até mesmo lendas foram inventadas para explicar o surgimento dela, de tão
instigante que é este assunto para a humanidade. Na Grécia antiga, os filósofos perguntavam-se se
as palavras imitam as coisas ou são pura convenção; os antigos hindus ligavam religião e
linguagem; já na Idade Média, dividiu-se a linguagem em três modalidades: a de ser, a do
pensamento e a do significar – essendi, intelligendi e significandi. Porém, só no início do século
XX, a linguística ganha o status de ciência, com objeto e método próprios.
A tradição escolar atual, segundo a autora, criou uma falsa concepção de que a gramática
normativa identifica-se aos estudos da linguagem. Na verdade, a primeira dita regras; já para a
segunda, “tudo o que faz parte da língua interessa e é matéria de reflexão” (p. 10). Porém, a
linguística não trata de qualquer linguagem. Ela abrange a linguagem verbal, oral ou escrita,
focando principalmente nos signos verbais, aquilo que o homem produz para se comunicar e criar
uma cultura.
Há dois movimentos precursores na ciência da linguagem: as gramáticas gerais do século
XVII e as gramáticas comparadas do século XIX. O século XVII foi marcado pelo racionalismo e
isto influenciou as reflexões sobre a linguagem. Passou-se a valorizar a língua lógica, precisa e a
estabelecer métodos que validassem certo de tipo de gramática. A Gramática de Port Royal era
exemplar para os gramáticos deste século. Os linguistas deste período pensaram mais nas
generalidades da língua do que nas particularidades. Já no século XIX, o ideal universal é
substituído pela ideia de que as línguas se transformam com o tempo. F. Bopp é o nome mais
importante para essa linha de pensamento. Foi ele quem estudou as semelhanças entre o grego, o
latim e o sânscrito. Um movimento chamado de Neogramáticos chegou a formular lei para as
mudanças nas línguas.
A história nos apresenta, no que se refere ao pensamento linguístico, duas tendências
diferentes: uma que enfatiza a relação entre linguagem e pensamento, a tendência psíquica; e outra
que enfatiza a relação entre linguagem e sociedade, a tendência sociologística. Assim se configura
uma das principais características do movimento histórico da linguística – o conflito entre
formalistas e sociologistas.
A partir da página 20, Eni passa a discorrer sobre as diversas linhas de pensamento,
começando em Saussure e terminando na Análise do Discurso. Nesta presente resenha, o foco é
apresentar o conteúdo do livro que traz os principais objetivos de cada escola.
A autora começa por Ferdinand de Saussure. Segundo ela, “[sobre] o Curso da Linguística
Geral, [fruto das reflexões do linguista genebrino,]…se construiu todo o edifício da Linguística
moderna.” (p. 20). Com ele, a ciência da linguagem finalmente ganhou um objeto de análise. A
língua é este objeto. E língua entendida como “um sistema de signos, ou seja, um conjunto de
unidades que estão organizadas formando um todo” (p. 22). Para Saussure, a língua é uma
convenção imotivada e um sistema que se constitui em oposições. A este método denomina-se
estruturalismo.
Uma outra forma de estruturalismo é o funcionalismo. Ele considera primordialmente as
funções dos elementos linguísticos nos seguintes aspectos: fônicos, gramaticais e semânticos (p.
26). Nestes determinados aspectos, procura-se um traço distintivo dos elementos linguísticos.
Todavia, daí surge uma dificuldade: como tratar de traços distintivos na semântica? A falta de
descrições satisfatórias no âmbito dos significados é uma das dificuldades do estruturalismo.
O estruturalismo funcionalista não se resume só ao que foi dito acima. Há mais de um
funcionalismo. Um deles é o que foca nas funções constitutivas da linguagem. Essas funções dizem
respeito ao papel de cada elemento da comunicação que usamos quando falamos. Outra espécie de
funcionalismo busca estudar os “desvios” da linguagem – “erros, inovações, usos populares, gírias e
etc.” (p. 30).
Orlandi também nos apresenta o distribucionalismo. Esta outra teoria estrutural propõe uma
explicação behaviorista para a linguagem. O método distribucional consiste em reunir enunciados
produzidos por falantes em um determinado momento – o corpus – e procurar regularidades neste
apanhado. A regularidade só é constatada se, na análise, distribuir-se as unidades nos contextos
linguísticos em que aparecem (p. 33). A forma de se estudar a língua, nesta linha de pensamento, é
extremamente rigorosa e mecanizadora da descrição gramatical.
A autora cita também um importante movimento histórico para a linguística: os círculos
linguísticos. Estudiosos se reuniam em determinada região do mundo para discutir a linguagem.
Circulo de Moscou, de Praga, Copenhague, de Viena e muitos outros – essas reuniões tinham como
característica principal o anseio por uma língua lógica, precisa, asséptica. É nesse ambiente teórico
que surge um linguista extremamente importante, Noam Chomsky.
Chomsky propôs a Gramática Gerativa que consiste na ideia de que um número limitado de
regras pode gerar um número ilimitado de sequências que são frases. “A teoria da linguagem deixa,
segundo sua proposta, de ser apenas descritiva para ser explicativa e científica.” (p. 39). Há mais
alguns conceitos importantes elaborados por esse linguista: a tarefa do pesquisador da linguagem é,
para Chomsky, descrever a competência, isto é, a capacidade do falante de produzir todas as frases
da língua. Não interessa a performance, os usos concretos da língua, mas essa capacidade ideal que
o falante possui (p. 39). A linguagem é uma faculdade da mente humana. Ela é inata. Assim,
Chomsky elege a Gramática Transformacional para representar e responder melhor as necessidades
da estrutura da linguagem. Posteriormente, essa gramática gera uma dissidência entre os gerativistas
advinda da ênfase, da parte de Chomsky, na sintaxe e, da parte dos seguidores da semântica
gerativa, na unidade entre sintaxe e semântica. A partir disso, fez-se a divisão: de um lado está a
semântica interpretativa de Chomsky e, do outro, a semântica gerativa, representada principalmente
por G. Lakoff (p. 46).
A abordagem imanente da linguagem desconsidera voluntariamente fatores que fazem parte
da língua. Tanto Saussure quanto Chomsky excluíram de seus estudos a situação real, o uso, o
desempenho. Todavia, há tendências que olham para esses aspectos. A heterogeneidade e a
diversidade, o social, agora são privilegiados nos estudos linguísticos, na busca de sistematizar os
usos concretos (p. 49).
A ligação de língua e sociedade tem sido algo feito por muitos estudiosos. Aquilo que
faltava nos estudos estruturalistas, passa a ser valorizado: o social. Porém, não é fácil definir a
natureza dessa relação entre linguagem e sociedade. As controvérsias surgem da seguinte questão: a
linguagem é causa ou efeito da sociedade? A Sociolinguística diz que a linguagem é efeito da
sociedade. Esta escola visa analisar as variações das formas, a diferença de usos que podem ser
observadas. Em contrapartida, a Etnolinguística diz que a linguagem é causa da sociedade. É a
linguagem que organiza o mundo. Essa vertente linguística entende que “a linguagem interpenetra a
experiência, de tal forma, que as categorias mais profundas do pensamento são diferentes nas
diferentes culturas.” (p. 53). Estes estudos trabalham mais com o conceito de campos semânticos.
O estudo da significação finalmente emerge para o centro dos debates linguísticos. A teoria
Pragmática propõe este caminho. Esta consiste no estudo da relação entre os signos e seus usuários
(p. 55). Porém, como diz a Eni, “há diferentes maneiras de se considerar este usuário” (p. 55). Na
vertente lógica: a relação entre usuário e linguagem é necessária somente para se dizer o que é
verdadeiro e o que é falso sobre determinada fala. Na vertente behaviorista: o usuário aprende o
valor de um signo através do hábito. E a vertente que considera a comunicação é desenvolvida em
três direções: a pragmática conversacional que considera a intenção do interlocutor; a teoria dos
atos de linguagem, que entende que a linguagem serve para realizar-se vários tipos de ação; e a
teoria da enunciação que se interessa pela forma que o sujeito se marca no que diz (p. 59).
A última teoria exposta é a Análise de Discurso. Sua proposta resume-se na consideração do
vínculo entre linguagem e as condições de produção do discurso. Estas condições são construções
imaginárias, pois compõem-se da imagem que o falante tem de si mesmo e a que tem dos demais
envolvidos na comunicação (p. 61). Estes estudos se dividem em duas linhas: a americana e a
europeia. A primeira analisa o texto a partir da análise distribucional, e não considera o significado,
apenas as estruturas. Já a segunda considera essencial o estudo da significação e, para isso, se vale
de reflexões sociais. É importante destacar que a Análise do Discurso introduz conceitos
emprestados de outras ciências para a análise da linguagem, conceitos como ideologia, situação
social e histórica, relações sociais e poder.
No capítulo Uma Parada, a autora faz considerações pertinentes a respeito dos vários
caminhos que se pode seguir no campo da linguística. Ela não se compromete com nenhum método.
“Preferi ser leal às minhas questões sobre a linguagem, me deixando levar pelos seus meandros
sinuosos e pelos desníveis do traçado”, diz ela (p. 65). A linguagem escapa a inflexíveis grades
analíticas. E é interessantíssimo para mim, aluno primeiranista, aprender que não há só uma
maneira de se pensar a linguagem e que o caminho do conhecimento linguístico não se faz no
decidir em que linha de pensamento ficar, mas sim na reflexão das questões pertinentes, as mesmas
que levaram gregos e hindus, gramáticos e cientistas a se debruçarem sobre esta realidade tão
pertinente para o ser humano, que é a linguagem.
A linha formalista-logicista, segundo Eni, ainda é dominante na Linguística e isso coage
outros estudos que tentam meios diferentes de entender a linguagem. O ideal de uma língua lógica
chega ao despautério de querer delimitar a linguagem do homem, sendo que “nem tudo no homem
pode ser uno e transparente” (p. 68).