Upload
athenabastos
View
18
Download
2
Embed Size (px)
DESCRIPTION
Resenha Mitologias Juridicas Da Modernidade
Citation preview
Universidade Federal de Santa Catarina
Centro de Ciências Jurídicas
Curso de Graduação em Direito
Disciplina: Teoria Política DIR5116
Professor: Arno Dal Ri Júnior
Resenha de “Mitologias Jurídicas da Modernidade” (Paolo Grossi)
Assim como no livro Primeira Lição sobre direito, Paolo Grossi vem questionar o
atual modelo jurídico, comparando-o com o sistema da common law.
Consoante o autor, é necessário que os juristas abram suas mentes e saiam do
mundo simplista em que se encontram, dando início a uma nova era, sem as perdas culturais
que, segundo ele, sofremos ao vivenciar um regime onde a lei é máxima. Devem possuir uma
visão crítica dos fatos e seguir conforme sua consciência. Do contrário perde-se “a dimensão
sapiencial do direito” (Grossi, p.14).
Para que se obtenha um conhecimento histórico a respeito do direito, torna-se
importante o uso da comparação. Concordo com o autor ao ressaltar esse ponto, já que, como
ele mesmo diz, é uma forma de aguçar nosso senso crítico, conhecendo não somente um dos
lados da questão, além de desmitificar alguns conceitos.
I - Justiça como lei ou lei como justiça?
O homem comum desconfia do direito, por não conseguir enxergar nele a justiça
que deveria existir na sociedade. Tal desconfiança nada mais, segundo Grossi, que uma
consequência da confusão que se faz entre lei e direito, a qual nos leva a ver o direito como a
própria lei. Essa lei é apenas um ato de autoridade daqueles que se encontram acima, no
poder. São inflexíveis e, portanto, incapazes de se adequar às diferentes questões da
sociedade.
Tudo isso é recente. São escolhas políticas, muitas vezes feitas para a manutenção
do poder sobre os demais cidadãos; os quais, pensando estar longe do direito, por estarem
longe das leis, submetem-se temerosos e inconscientes.
Para uma modificação, é preciso uma visão histórica da sociedade, “porque retira
o caráter absoluto das certezas de hoje, relativiza-as pondo-as em fricção com certezas
diferentes ou opostas experimentadas no passado, desmitifica o presente, garante que essas
sejam analisadas de modo crítico, liberando os fermentos atuais da estática daquilo que é
vigente e estimulando o caminho para a construção do futuro” (Grossi, p. 25).
O autor compara, por exemplo, o direito moderno e o medieval. Ambas as
sociedades eram jurídicas, embora a presença do direito em cada uma se desse de maneira
extremamente diversa. Para a sociedade medieval, o direito era um fim em si, enquanto para a
moderna ele nada mais que é que um “instrumento nas mãos do poder político contingente”
(Grossi, p.27).
Na Idade Média, o direito caracterizava-se por ser mais social. Não era
necessariamente uma lei emanada por um poder político, já que esse nem se quer existia da
maneira como concebemos atualmente. O direito partia dos costumes e era intrínseco à
comunidade. Mais do que uma forma de controle e poder, era um costume. Apesar da
existência de algumas entidades dominadoras, elas não se utilizavam tanto do direito como
forma de subordinação. Este se encontrava em meio a uma comunidade, insegura e humilde,
como caracteriza Grossi.
A base de tudo isso é a razão. Por meio desta faz-se uma leitura da natureza
cósmica, da sociedade, resultando em direitos inerentes à comunidade. Desse direito vem a
definição de lex: “um ordenamento de razão voltado ao bem comum, proclamado por aquele
que possui o governo de uma comunidade” (Grossi, p.32). Fala-se na razoabilidade da lei, a
qual é pouco observada na atual concepção de direito.
E por ser tão intimamente ligada à sociedade, a ordem medieval acaba por
respeitar o pluralismo jurídico existente. Estando “fora das espirais do poder político” (Grossi,
p.34), torna-se mais fácil o respeito a um pluralismo, o que atualmente não acontece.
Com o tempo, emerge uma nova figura de príncipe; não mais um justiceiro da
sociedade e supremo juiz, mas um legislador, detentor de todo o poder sobre a sociedade.
Caberá a ele criar as leis que, segundo a sua vontade, regerão o povo. E é nessa condição, de
confusão entre lei geral e vontade soberana, que a sociedade moderna se encontrará. Será por
meio de “Mitologias jurídicas” que se dará uma justificação aos novos tempos, tempos esses e
que o pluralismo cede lugar ao monismo jurídico, encabeçado pelo príncipe. Este será
detentor do controle social e jurídico. Toda uma sociedade passa, então, a estar sob o domínio
indiscutível de um príncipe, soberano da mesma.
Alguns dos contratualistas são exemplos de escritores, os quais vêm justificar esse
poder soberano, um verdadeiro “leviatã”. Embora muitos defendam que o poder soberano
deve, na verdade, proteger e garantir o bem comum, preservar a vida de seus súditos; o que se
percebe na prática, é que inúmeros desses soberanos nada mais fizeram além de impor a sua
vontade aos demais, sem escrúpulos ou consciência da vontade geral. Eles utilizaram-se da
lei, que deveria ser destinada a todos de forma igualitária, para usurpar o poder de todos e
como forma de dominação.
Não se pode entender que o direito medieval deu-se por extinto, enquanto surgia
um novo direito. Nada no mundo surge e desaparece, sem deixar resquícios de sua existência.
Houve uma grande transformação do modelo jurídico, passa do plural medieval para o
monista moderno. Aí há, no entanto, uma passagem e não somente uma substituição. Esta não
ocorre de maneira rápida e fácil, como muitos tendem a pensar; porém, de maneira lenta. Há
um período de adaptação e compreensão do que se passa na sociedade.
Por muito tempo, o direito moderno não conseguiu unir-se nas formas de lei, nem
controlar todos os setores da sociedade. As relações entre privados permaneceram durante
muito tempo, por exemplo, regidas pelos costumes, antes de serem regidas pelas normas do
direito civil. Bodin fala de dois níveis – o das leis e o do direito –, um pertencendo a domínio
geral, e outro enraizado à sociedade.
As dificuldades devem ser enfrentadas por aqueles destinados a fazer o direito.
Acima de tudo, deve haver a compreensão de que o papel das leis é fazer o direito. E isso
somente será possível por meio de uma consciência crítica dos juristas.
II – Além das mitologias jurídicas da modernidade
Numa sociedade já liberta de inúmeros dogmas da Igreja, e regida pelo
cientificismo, torna-se fácil crer na verdade pura do sistema jurídico. Mas é preciso olhar
atentamente para esse plano simplista e analisá-lo criticamente. Por de trás dessa simplicidade
que parece envolver o sistema jurídico moderno, existe na verdade uma complexidade de
mitos existentes. Utiliza-se de uma história complexa e tumultuada para apresentar planos
simples da modernidade; quando, na verdade, o simplismo não é tão simples. São verdades
omitidas em figuras poderosas, que fazem com que a sociedade creia na lei como soberana e
detentora da vontade geral. Uma vontade geral definida por poucos e beneficiária de poucos.
“E para o historiador de direito, aparece ideologicamente carregada a verdade axiomática de
que a lei, e somente a lei, exprime a vontade geral e, assim sendo, produz e condiciona toda
manifestação da juridicidade; ou seja, tudo o que venha proposto como juridicidade mostra-
se, em um exame aprofundado, mais como uma pseudo-verdade substancialmente tuteladora
de interesse particulares detentores do poder” (Grossi, p.55).
É nessa mesma sociedade, cheia de mitos jurídicos, que o direito, antes
pertencente a todos, torna-se “propriedade” de poucos, os detentores do poder. Isso o tornou
estranho aos homens comum, a quem deveria ser inerente. Antes de uma norma do poder
soberano, o direito é algo intrínseco à sociedade; caso contrário, esta seria “um amontoado de
homens em perene rixa entre si” (Grossi, p.57). É importante ressaltar, também, a necessidade
de não se estagnar nas afirmações sobre a sociabilidade do direito, mas ir além delas,
pensando criticamente e vinculando sociedade e direito num emaranhado complexo.
Crer num direito como norma, é desvinculá-lo da sociedade como um todo e
interliga-lo ao poder. É tornar difícil a interpretação e aplicação das leis, pela inflexibilidade
das mesmas, e por acabar separando a produção delas da vida. As leis são fixas, enquanto a
sociedade é móvel. E como pode algo imóvel regular algo móvel?
No cenário da reflexão jurídica, o austríaco Hans Kelsen desataca-se por criar uma
teoria de direito que, segundo o autor, “tinha origem no nada e nada se fundamentava”. A sua
teoria consistia “no exorcismo contra o poder através da sua racionalização formal-normativa,
tendo escolhido a norma como pilar da ordem jurídica” (Grossi, p.62). De fato, essa teoria
mostra-se ineficaz, quando identificamos que esse poder continuou e continua a apoderar-se
das normas para o controle de toda uma sociedade.
A transformação de direito em normas pode chegar a restringir o desenvolvimento
de uma sociedade, sufocando-a por impedi-la em sua base. Impede que direitos diversos
dentro de uma mesma sociedade sejam manifestados, quando isso é impossível. E assim estes
se tornam ilegais. Mas é o direito como norma que é incapaz de compreender a sociedade ao
qual é destinado. Grossi fala, então, na busca pelo ordenamento jurídico. E não se deve
entender, pelo termo, mais normas jurídicas; porém, uma busca pela ordem numa sociedade
pluralista.
A ordem vem da própria sociedade, dos fatos históricos. Não torna a sociedade
simplicista; é complexa. “Ordenar significa submeter o real a uma renovação fictícia fazendo
‘de albo nigrum’, construindo uma sociedade desmentida pelos fatos subjacentes, mas
significa compor a unidade complexa e plural, fazendo com que as diversidades possam se
tornar força daquela unidade sem se aniquilarem” (Grossi, p.70). Segundo Tomás de Aquino,
“a ordem é a unidade que harmoniza, mas, ao mesmo tempo, respeita as diversidades”
(Grossi, p.70).
Ainda hoje, não foi possível, por questões culturais, que houvesse uma libertação
da tradição pós-iluminista. Ainda nos encontramos um tanto longe da amplitude da visão ideal
de normatividade e positividade. A solução seria integrar ao pensamento de norma como
produção um momento posterior de interpretação da mesma. Para isso, entretanto, seria
necessária uma mudança de concepção de mentalidade dos juristas e compreensão de que o
direto vem da sociedade como tal, e não de um poder dominador.
Apesar de tudo isso, já foi possível atualmente desmitificar boa parte das
mitologias jurídicas que nos envolviam. A ideia de legalidade por meio de leis rígidas e
inflexíveis começa a desfazer-se, e inicia-se a compreensão de um direito acima dessas leis
impostas por um grupo dominante.
III – Códigos: Algumas conclusões entre um milênio e outro
Os códigos são extremamente comuns na era do direito positivista e tendem a
“estabilizar o instável” (Grossi, p.87). São, entretanto, passíveis de confusões e equívocos e
por isso necessitam de certa atenção dos juristas. Esses códigos vêm com a intenção de
romper com passado, trazendo assim uma nova forma de construir o direito. Podem trazer
consigo, também, mitos e símbolos, que poderão tornar-se credo de muitos.
O príncipe passa a ser o único capaz de fazer uma leitura exata da natureza e
assim produzir leis para os seus súditos, reunindo-as na forma de código. O poder não está
mais nas mãos divinas, mas nas mãos de um homem dotado de poder supremo, o qual
aparenta estar “acima das paixões e das mesquinharias ligadas aos casos particulares e, por
isso, tem condições de fazer uma leitura serena e objetiva” (Grossi, p.95). E o autor chega a
comparar os códigos com o catecismo. Afinal o que são os códigos, quando vistos por esse
ângulo, senão uma doutrinação da vontade do soberano?
A ascensão da doutrina jusnaturalista, traz consigo a idealização de um príncipe e
de sua vontade. Crê-se na vontade do soberano como vontade geral; embora, como já foi dito,
seja possível perceber que não passa, muitas vezes, de uma vontade particular do mesmo. E a
divisão dos poderes, que deveria garantir a justiça das leis, nada mais é que uma justificativa e
ferramenta de controle do poder legislativo.
E o que caracteriza os códigos? “Efetivamente, tende a ser fonte unitária, espelho
e fundamento da unidade de um ente estatal; tende a ser uma fonte completa; tende a ser uma
fonte exclusiva” (Grossi, p.99). Mas tudo isso é uma aspiração de um código, pois ele integra,
na verdade, todo o ideal místico do monismo jurídico e o sistema onde as leis encontram-se
acima de tudo e todos. Os códigos são uma tradução da realidade jurídico, não se
diferenciando de sua época.
Depois de citar vários códigos importantes para a história jurídica, Grossi comenta
sobre a forma como a burguesia utiliza-se dos mesmos para expressar uma abstração e
igualdade formal que não se aplicam a todos na prática. Ou seja, grande parte daquilo que
defendem e pregam não passam de artimanhas para a sua permanência no poder. “Ela eleva,
sob o nome da igualdade, o império da riqueza” (Anatole France). Artimanhas que
permanecessem distantes daqueles a quem obrigam; fato que impede que a grande massa
popular compreenda o que acontece na realidade jurídica em que se encontram.
É interessante quando o autor questiona: “A ideia de Código ainda é atual? Ou se
trata, mesmo nesse caso, da maldição misoneísta dos juristas sempre apegados a modelos
passados e sempre tardios e avessos a superá-los?” (Grossi, p.114). Os juristas – aqueles que
deveriam saber se adequar ao contexto da sociedade para, enfim, aplicar o direito –
encontram-se ainda presos a resquícios do passado. E de que forma o direito poder moldar-se
à sociedade, sem que os juristas também o façam?
Quanto à pergunta, Grossi comenta sobre o fato de a sociedade contemporânea
modificar-se com extrema rapidez. Isso certamente constitui um entrave à adaptação dos
juristas, pois é difícil modificar as concepções e as normas nos mesmo ritmo que a sociedade.
Ainda deve-se levar em conta a complexidade da sociedade em que vivemos. Já não é uma
realidade tão simples quanto no passado. Embora, os códigos atuem na tentativa de
diminuição dessa complexidade, a sociedade desenvolveu-se de tal forma, que é árdua a tarefa
de compreensão e adaptação dessa grande complexidade. E os juristas são apenas seres
humanos encarregados da tarefa do direito. Por último, preocupa-se com a tensão voltada à
universalização.
Os códigos podem ter para alguns, como para Salvatore Tondo, a função de lex
mercatoria, ou seja, fazem parte de uma estratégia econômica e jurídica. Para outros, como o
próprio autor, os códigos são apenas molduras de uma sociedade que se modifica com
rapidez; e, se antes tinham o intuito de regulamentá-la, agora têm a necessidade de
acompanhá-la.
IV – As muitas vidas do jacobinismo jurídico
O jurista busca encontrar a ordem e assim produzir um direito. Ele deve, contudo,
estar atento ao fato de que o direito, como uma ciência ordenadora da natureza social, não é
imutável. Ele varia conforme o sujeito, o objeto, o tempo, o espaço, entre outros. Não é algo
estático; está em contínuo movimento. E, devido a isso, os juristas devem resistir à tentação
de tornar tudo absoluto.
A sociedade moderna é contraditória, do ponto de vista jurídico. Ao mesmo tempo
em que prega seu desenvolvimento por meio do afastamento da metafísica e da sua
caracterização pelo cientificismo e pela secularização, ela se apega a diversos mitos. Sem
fundações, as mitologias modernas foram a solução para perpetuidade de um controle social
ameaçado. E é o jacobinismo “a encarnação mais radical” (Grossi, p.126) desse fenômeno de
criação mitológica.
Para se compreender o que é o jacobinismo jurídico, é necessário pensar na ideia
de um Estado centralizador e forte, possuindo capacidade de unificar a sociedade que
governa; haver uma “desconfiança do ‘social’” e “a confiança e, consequentemente, completo
crédito ao ‘político’” (Grossi, p.128). É preciso compreender que há uma assembleia que age
em nome do povo e que, teoricamente, faz leis segundo a vontade geral. E esse povo possui
indivíduos considerados iguais, independente de suas situações. O Estado jacobino é portador
de crenças e verdades, princípios que devem ser seguidos sem uma análise crítica, e que se
manifestam na forma de leis.
O Estado passa, então, a ser o único produtor de direito, enquanto a lei torna-se a
única manifestação do mesmo. Há uma idealização do legislador, como já foi comentado, o
que mais tarde virá a ser discutido pela sociedade. E muitos são os que veem com alegria a
transformação de um modelo complexo em um modelo simplista, regido por leis fixas. Estes,
todavia, são aqueles que não percebem o esquecimento de que o direito é feito como uma
história viva, que não para no tempo.
O autor não quer, com essa discussão, elevar o antigo regime e rebaixar o
jacobinismo. Ele quer apenas que enxerguemos que, no antigo regime, as diferenças sociais
eram declaradas e algo ainda era feito pelos mais necessitados (na maior parte das vezes eram
insuficientes, mas algo era feito). O regime era caótico, mas não iludia tanto quanto o
jacobinismo, que escondia sob as faces de uma falsa liberdade, a sua dominação sobre os
demais.
Tudo isso resultará mais tarde nas “cartas dos direitos fundamentais da União
Europeia” ou “Carta de Nice”. A opção por uma carta reflete a desconfiança jacobina no
“social” e a confiança no “político”, pois só no âmbito deste é que o conteúdo da carta será
garantido. O documento de Nice foi “o último elo de uma plurissecular cadeia” (Grossi,
p.137). E por isso também é conhecida como “a última carta de direitos”.
Há, no ato, certo otimismo devido ao fato de se poder fixar o direito em simples
folhas de papel. Ao mesmo tempo, é praticamente impossível deixa-lo preso à elas, pois o
direito é “vivo”, tanto quanto a sociedade. Resta então a tarefa de poder modificar as normas
estabelecidas, segundo as mudanças sociais, e de formulá-las segundo normas aceitas pela
sociedade, protegendo-se do risco de haver duas constituições: uma formal e outra material.
A carta possui um teor altamente individualista, embora os indivíduos a que se
refira sejam todos anônimos. E não importa o valor de seu patrimônio – ponto muito
importante na sociedade burguesa, onde o ter é que determina e controla o homem –; todos
são incluídos na categoria de anônimos da carta. Esse anonimato é importante, pois demonstra
que não importa a quantidade de bens de um indivíduo para que ele faça parte dessa
sociedade, embora o seu reconhecimento nesta seja definido pelo que possui. E é essa
característica que leva a carta a ter um valor de ordem transnacional.
Os seres humanos mostram-se como seres insulares, ou seja, seres egocêntricos e
egoístas que colocam os seus desejos, o seu lucro, a sua liberdade, na frente dos demais
indivíduos. Mas, por estar nesse mundo insular, é que suas liberdades mostram-se insaciáveis.
A liberdade não pode ser vista fora do contexto coletivo, para o autor, pois isolados os
homens não possuem motivos para falar em liberdade. Na verdade essa concepção lembra um
pouco o pensamento de Hobbes. Apesar de possuírem inúmeras divergências, é Hobbes que
fala dos desejos humanos e de como eles entram em conflito com os desejos dos demais. Por
fim, “a autêntica liberdade consiste somente na relação harmônica e respeitosa entre a minha
liberdade e a do outro” (Grossi, p.144).
Para Grossi, a “Carta de Nice” é insuficiente, por apenas dar continuidade a um
sistema burguês dominador, e muitas vezes estimular ideais utópicos. Embora traga um
determinado avanço, muito ainda pode ser feito para o desenvolvimento jurídico da
sociedade, a qual continua coma redução de sua complexidade e com um sistema não
pluralista. É necessário, segundo ele, resgatar as sociedades intermediárias; tornar os
indivíduos em pessoas; e enxergar que o direito se faz na sociedade e não somente pelo
Estado. Além disso, a carta não deixa claros os deveres dos cidadãos.
Enfim, Grossi nos faz ver que não mudamos tanto quanto pensamos, que na
verdade não estamos tão longe do direito do início da Idade Contemporânea. “Na realidade, o
fio que nos liga às soluções mais radicais do grande evento revolucionário nunca se
interrompeu” (Grossi, p.153).