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Resposta a “A Bíblia ou a Tradição?” de Catholic Answers [1] Por Catholic Answers Os reformadores protestantes diziam que a Bíblia era a única fonte das verdades da fé e que, para entender sua mensagem, dever-se-ia tão somente ler as palavras do texto. É o que se chama de "teoria protestante da sola scriptura" ou, em português, "somente a Bíblia" . Segundo esta teoria, nenhuma autoridade fora da Bíblia pode impor uma interpretação e nenhuma instituição extrabíblica - por exemplo, a Igreja - foi estabelecida por Jesus Cristo para fazer as vezes de árbitra em caso de conflitos de interpretação. Os apologistas católicos, por ignorância culposa ou dolosa, costumam caricaturar a doutrina de Sola Scriptura ao seu gosto. Eis aqui algumas amostras do que os Reformadores verdadeiramente afirmaram; podem ver-se muitas mais e m Philip Schaff, The Creeds of Christendom. With a history and critical notes. Vol. 3: The Evangelical Protestant Creeds, 6th Ed. Grand Rapids: Baker Books, 1983 (original 1931). Citação: Cremos, confessamos e ensinamos que a única regra e norma, de acordo com a qual todos os dogmas e todos os doutores devem ser estimados e julgados, não é outra senão os escritos proféticos e apostólicos tanto do Antigo como do Novo Testamento ... Mas outros escritos, seja dos padres ou dos modernos, com qualquer que seja o nome que se apresentem, não devem ser de modo algum igualados às Sagradas Escrituras, mas devem ser estimados como inferiores a elas, de forma que não sejam recebidos de outro modo senão na categoria de testemunhas, para mostrar que doutrina se ensinou também depois do tempo dos Apóstolos, e em que partes do mundo a mais íntegra doutrina dos Profetas e Apóstolos foi preservada. II. E na medida em que imediatamente depois do tempo dos Apóstolos, inclusive até enquanto eles ainda estavam vivos, surgiram falsos mestres e hereges, contra os quais na Igreja primitiva se compuseram símbolos, ou seja, confissões breves e exp lícita s, que con tin ham o consentiment o unânime da fé Católica Cristã , e a confissão da ortodoxa e verdadeira Igreja (como o são os Credos dos Apóstolos, Niceno e de Atanásio): publicamente professamos que os abraçamos, e rejeitamos todas as heresias e todos os dogmas que alguma vez se trouxeram à Igreja que sejam contrários às suas decisões. Fórmula da Concórdia, 1576, 1584 A Sagrada Escritura contém todas as coisas necessárias para a salvação: assim que qualquer coisa que aí não se leia, nem possa provar-se por ela, não deve ser exigido a nenhum homem que seja crido como um artigo de fé, ou considerado um requisito ou necessidade para a salvação. A Igreja tem poder para decretar ritos ou cerimónias, e autoridade nas controvérsias de fé; e não obstante não é lícito que a Igreja ordene alguma coisa

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Resposta a “A Bíblia ou a Tradição?” de CatholicAnswers [1] 

Por Catholic Answers

Os reformadores protestantes diziam que a Bíblia era a única fonte dasverdades da fé e que, para entender sua mensagem, dever-se-ia tãosomente ler as palavras do texto. É o que se chama de "teoria protestanteda sola scriptura" ou, em português, "somente a Bíblia" . Segundo estateoria, nenhuma autoridade fora da Bíblia pode impor uma interpretação enenhuma instituição extrabíblica - por exemplo, a Igreja - foi estabelecidapor Jesus Cristo para fazer as vezes de árbitra em caso de conflitos deinterpretação.

Os apologistas católicos, por ignorância culposa ou dolosa, costumam caricaturar adoutrina de Sola Scriptura ao seu gosto. Eis aqui algumas amostras do que osReformadores verdadeiramente afirmaram; podem ver-se muitas mais em PhilipSchaff, The Creeds of Christendom. With a history and critical notes. Vol. 3: TheEvangelical Protestant Creeds, 6th Ed. Grand Rapids: Baker Books, 1983 (original1931).

Citação:

Cremos, confessamos e ensinamos que a única regra e norma, de acordo com aqual todos os dogmas e todos os doutores devem ser estimados e julgados, não éoutra senão os escritos proféticos e apostólicos tanto do Antigo como do NovoTestamento ...

Mas outros escritos, seja dos padres ou dos modernos, com qualquer que seja onome que se apresentem, não devem ser de modo algum igualados às SagradasEscrituras, mas devem ser estimados como inferiores a elas, de forma que nãosejam recebidos de outro modo senão na categoria de testemunhas, para mostrarque doutrina se ensinou também depois do tempo dos Apóstolos, e em que partesdo mundo a mais íntegra doutrina dos Profetas e Apóstolos foi preservada.

II. E na medida em que imediatamente depois do tempo dos Apóstolos, inclusive atéenquanto eles ainda estavam vivos, surgiram falsos mestres e hereges, contra osquais na Igreja primitiva se compuseram símbolos, ou seja, confissões breves eexplícitas, que continham o consentimento unânime da fé Católica Cristã, e a

confissão da ortodoxa e verdadeira Igreja (como o são os Credos dos Apóstolos,Niceno e de Atanásio): publicamente professamos que os abraçamos, e rejeitamostodas as heresias e todos os dogmas que alguma vez se trouxeram à Igreja quesejam contrários às suas decisões.

Fórmula da Concórdia, 1576, 1584

A Sagrada Escritura contém todas as coisas necessárias para a salvação: assim quequalquer coisa que aí não se leia, nem possa provar-se por ela, não deve ser exigidoa nenhum homem que seja crido como um artigo de fé, ou considerado um requisitoou necessidade para a salvação.

A Igreja tem poder para decretar ritos ou cerimónias, e autoridade nascontrovérsias de fé; e não obstante não é lícito que a Igreja ordene alguma coisa

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suficiente nas questões de fé. A questão se resume em saber qual o motivoque faz um fundamentalista crer que a Bíblia seja um livro inspirado, jáque é óbvio que ela pode tornar-se regra de fé apenas no caso de secomprovar sua inspiração e, também, sua inerrância.

Sem dúvida que há pessoas que, ignorantes da história, não tomaram emconsideração o problema que aqui se expõe. Mas é mentiroso e descaradocaracterizá-los como "bons herdeiros dos reformadores".

Claro que essa questão não preocupa por demais a maioria dos cristãos e,certamente, são poucos os que tenham se atentado para isto alguma vez.Em geral, se crê na Bíblia porque é o livro aceito por todos os cristãos, cujaautoridade não se discute, eis que ainda vivemos em tempos em que osprincípios cristãos têm influência na cultura e no modo de vida da maioriadas pessoas.

Certamente isso pouco importa à maioria dos católicos, coisa que os autores nãoparecem valorizar adequadamente; parece que lhes encaixa na perfeição aparábola acerca do cisco no olho alheio...

Um cristão humilde, que não daria a mínima credibilidade para o Alcorão,pensaria duas vezes antes de falar mal da Bíblia, já que esta goza de certoprestígio, mesmo quando não pudesse explicá-la ou entendê-la bem.Poderia dizer-se que essa pessoa aceita a Bíblia como inspirada - qualquerque seja seu entendimento quanto à inspiração - por razões de tipocultural, razões que, sem dúvida, são de escasso ou nenhum valor, já quepelas mesmas razões o Alcorão é tido por inspirado em países de culturamuçulmana.

Com certeza que assim é tido o Alcorão nos citados países, e com força de lei.Quanto à Bíblia, é lamentável que muitos cristãos creiam na inspiração da Bíblia(no caso de entenderem o que é inspiração em sentido teológico em primeiro lugar)somente por razões culturais; como por outro lado outras pessoas rejeitam a Bíbliasem tê-la examinado apropriadamente por razões igualmente culturais.

"PARA MIM, É MOTIVO SUFICIENTE"

Diga-se o mesmo perante quem sustenta que a família pela qual veio aomundo sempre considerou a Bíblia como livro inspirado e "para mim, issobasta" . Seria um bom motivo somente para aquele que não pode fazer umtrabalho de reflexão sério (e não devemos nunca desprezar uma fé

simples, sustentada sobre fundamentos bem mais débeis). Porém, sejacomo for, o mero costume familiar ou local não pode estabelecer-se comobase para a crença na inspiração divina da Sagrada Escritura.

Bom, de acordo; do mesmo modo em que o "mero costume familiar ou local"também não pode estabelecer-se como base para a crença que uma determinadainstituição é a autêntica e legítima Igreja de Jesus Cristo. No entanto, isto éprecisamente o que faz a esmagadora maioria dos católicos.

Alguns sectários dizem que a Bíblia é um livro inspirado porque "é um livroque inspira" . Porém, a palavra "inspiração" é precisamente o que se querprovar e observemos que há muitos escritos religiosos antigos que

certamente são muito mais "inspirativos" ou "emotivos" do que muitostextos e até livros inteiros do Antigo Testamento. Não é falta de respeito

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afirmar que certas passagens dos escritos sagrados são tão secos quantoas estatísticas militares... e algumas partes da Bíblia (Antigo Testamento)são compostas realmente por isso: estatísticas militares!

Uma coisa chocante deste escrito é a vaguidade de muitas das suas afirmações."Alguns sectários"? Não poderia precisar um pouco mais? Eu nunca me encontreicom os tais.

Por isso, concluímos que não é suficiente crer na Sagrada Escritura pormotivos culturais ou de costume, nem tampouco por seus textos emotivosou sua beleza espiritual: há outros livros, alguns totalmente mundanos,que ultrapassam em beleza poética muitas passagens da Escritura.

A menos que estas declarações se baseiem em declarações do Magistério romanoque desconheço, me parece simplesmente fruto do sentido estético do autor, o queé completamente irrelevante na presente discussão.

QUE DIZ A BÍBLIA DE SI MESMA?

E que dizer do que a própria Bíblia ensina sobre sua inspiração? Notemosque são muito poucas as passagens onde a própria Bíblia ensina suainspiração - mesmo que de modo indireto - e a maioria dos livros do Antigoe do Novo Testamento não dizem absolutamente nada sobre sua particularinspiração. De fato, nenhum autor dos livros do Novo Testamento diz estar escrevendo sob o impulso do Espírito Santo, exceto São João, ao escrever oApocalipse.

Ao precisar "do Novo Testamento" o autor pretende salvaguardar a sua veracidade,mas mente por omissão, já que deve de saber que no Antigo Testamento são

inumeráveis as vezes, sobretudo nos profetas, em que o autor humano temconsciência de estar a falar da parte de Deus. No Novo Testamento este facto éensinado claramente em 1 Pedro 1:10-12 (ver também Actos 1:16; Hebreus 1: 1-3; 2 Pedro 1:21).

Mas, para sua desgraça, também falha por comissão. Vejamos as seguintespassagens:

Romanos 9:1-2Digo a verdade em Cristo, não minto, dando-me testemunho a minha consciênciano Espírito Santo, de que tenho grande tristeza e contínua dor no meu coração.

1 Coríntios 2:10-16No entanto, falamos sabedoria entre os que alcançaram maturidade; mas umasabedoria não deste século, nem dos governantes deste século, que vãodesaparecendo, mas falamos sabedoria de Deus em mistério, a sabedoria ocultaque, desde antes dos séculos, Deus predestinou para nossa glória; a sabedoria quenenhum dos governantes deste século entendeu, porque se a tivessem entendidonão teriam crucificado o Senhor da glória; mas como está escrito:COISAS QUE OLHO NÃO VIU, NEM OUVIDO OUVIU,NEM ENTRARAM NO CORAÇÃO DO HOMEM,SÃO AS COISAS QUE DEUS PREPAROU PARA OS QUE O AMAM.Mas Deus no-las revelou por meio do Espírito, porque o Espírito esquadrinha todasas coisas, mesmo as profundezas de Deus. Porque entre os homens, quem conhece

os pensamentos de um homem, senão o espírito do homem que está nele? Assimtambém, ninguém conhece os pensamentos de Deus, senão o Espírito de Deus. E 

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nós recebemos, não o espírito do mundo, mas o Espírito que vem de Deus, paraque conheçamos o que Deus nos deu gratuitamente, do qual também falamos, nãocom palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas com as ensinadas peloEspírito, combinando pensamentos espirituais com palavras espirituais. Mas ohomem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque para ele sãoloucura; e não as pode entender, porque se discernem espiritualmente. Porém, o

que é espiritual julga todas as coisas; mas ele não é julgado por ninguém. PorqueQUEM CONHECEU A MENTE DO SENHOR, PARA QUE O INSTRUA? Mas nós temos amente de Cristo.

1 Pedro 1:12 A eles foi revelado que não se serviam a si mesmos, mas a vós, nestas coisas queagora vos foram anunciadas mediante os que vos pregaram o evangelho peloEspírito Santo enviado do céu; coisas para as quais os anjos desejam atentar.

Os autores do Novo Testamento não tinham menos consciência de estar a falar daparte de Deus e mediante o seu Espírito que os do Antigo. Pensar o contrário éconceber a Revelação funcionando "em marcha atrás".

Ademais, ainda que cada livro da Bíblia começasse com a frase: "Este livroé inspirado por Deus" , semelhante frase não provaria nada: o Alcorão dizser inspirado, assim como o Livro do Mórmon e vários livros de algumasreligiões orientais. Mais: os livros de Mary Baker Eddy (a fundadora daCiência Cristã) e de Ellen G. White (fundadora do Adventismo do SétimoDia) se auto-proclamam inspirados. Pode-se concluir - com grande sensocomum - que o fato de um escrito atribuir a si qualidades de inspiraçãodivina não quer dizer que assim o seja na realidade.

Como terá podido perceber o leitor, que os autores sagrados tinham consciência defalar da parte de Deus não é uma suposição.

De resto, admito livremente como coisa óbvia e verdade de La Palice que nem todoo escrito que se declare a si mesmo inspirado o é na realidade.

Ao dizer estes argumentos, muitos fundamentalistas recuam e nosafirmam que "o Espírito Santo me diz claramente que a Bíblia é inspirada" ,uma noção bastante subjetiva - para se dizer o mínimo - muito semelhantecom aquela outra, tão comum entre os sectários, de que "o Espírito Santoos guia para interpretar as Escrituras" . É, assim, que o autor anônimo doartigo "Como posso compreender a Bíblia?" , um folheto distribuído pelaorganização evangélica "Radio Bible Class", apresenta doze regras para o

estudo da Bíblia. A primeira é: "Busca a ajuda do Espírito Santo. O EspíritoSanto foi dado para iluminar as Escrituras e fazê-las reviver para ti quandoa estudas; deixa Ele te guiar" .

Até que enfim uma citação mais ou menos precisa! É uma pena que o nossoentusiasta apologista tenha omitido as outras onze regras para compreender aBíblia.

Por outro lado, a primeira é a mais importante e é altamente estranho queconsidere digno de discussão. O próprio Senhor ensinou que o Espírito nos guiaria atoda a verdade, e a mesma coisa foi reiterada por Paulo (ver o texto de 1 Coríntios2 reproduzido acima), por João (1 João 2:20-28; 4:1-3, etc), por Judas (19-21).

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Além disso, a própria doutrina católica ensina exactamente o mesmo, embora orestrinja particularmente ao seu Magistério, o qual "por mandato divino e com aassistência do Espírito Santo, a ouve piamente, a guarda religiosamente e a expõefielmente" (Catecismo da Igreja Católica # 86, citando a Constituição Dei Verbumdo Concílio Vaticano II; e poderiam aduzir-se muitos outros documentos).

Se com esta regra se entende que qualquer pessoa que pedir a Deus para oguiar na interpretação da Bíblia receberá essa condução do alto - e nestesentido entendem a maioria dos fundamentalistas - então o imensonúmero de interpretações contrárias e contraditórias, mesmo entre ospróprios fundamentalistas, nos apresentaria a preocupante sensação deque o Espírito Santo não tem trabalhado direito...

De novo o recurso à vaguidade! Se os protestantes em conjunto cressem nacaricatura que aqui é apresentada, os livros protestantes de hermenêutica (Terry,Fairbairn, Berkhof, Ramm, Martínez e outros), como os Léxicos, Dicionários eEnciclopédias Bíblicas protestantes não teriam razão de existir. Mas existem e emgrande número.

Além disso, até o folheto que cita de passagem este católico tem outras onzeregras básicas que ele omite para poder sustentar a sua mal amanhada retórica.

NÃO COM SILOGISMOS

Grande parte dos fundamentalistas não dizem diretamente que o EspíritoSanto lhes falou, assegurando-lhes que a Bíblia é um livro inspirado. Aomenos, não falam desse modo. Melhor, agem assim: ao ler a Bíblia, oEspírito "os convence" que essa é a Palavra de Deus, recebem certasensação interior de que é uma palavra divina e ponto.

De qualquer modo que se veja, a postura fundamentalista não resiste a umraciocínio sério. Conta-se nos dedos de uma mão os fundamentalistas quenum primeiro momento se aproximaram da Bíblia como um livro "neutro"e, após sua leitura, a reconheceram como inspirado, segundo umraciocínio lógico. De fato, os fundamentalistas começam pressupondo ofato da inspiração - tal como recebem outras doutrinas das suas seitas -sem raciocinar sobre elas e, então, encontram partes da Sagrada Escrituraque parecem fundamentar a inspiração, caindo assim num círculo vicioso,confirmando com a Bíblia o que eles já acreditavam de antemão.

Sinceramente, não sei de ninguém (pelo menos nos tempos modernos) que possa

presumir estar livre de preconceitos ao aproximar-se da Bíblia. Certamente não ossupostos "Fundamentalistas" nem os católicos (em caso de lhes dar para ler aBíblia, coisa relativamente pouco frequente), e nem sequer os agnósticos.

O facto é que os cristãos de todos os tempos reconheceram algo que no seu zelopor desprestigiar os seus fantasmagóricos "fundamentalistas", o nosso autoresquece. E este algo é que a Revelação é sobrenatural e, embora não seja contráriaà razão, a ultrapassa amplamente. Em outras palavras, sem o testemunho doEspírito Santo ao nosso espírito, ninguém pode chamar cabalmente a Jesus"Senhor" nem reconhecer quem inspirou as Escrituras.

A pessoa que quer refletir seriamente sobre o tema se defraudará com a

posição fundamentalista da inspiração bíblica, percebendo que esta nãopossui uma base sólida para manter tal teoria.

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Se parte de uma base meramente racionalista, com muita probabilidade nãoencontrará base suficiente. É o que ocorre quando se quer medir o sobrenaturalcom um instrumento natural. Contra isto se expressou com bastante clareza omesmo Magistério ao qual supostamente o nosso autor adere; e no entanto é capazde contradizer os ensinamentos históricos da sua própria Igreja num esforço inútilpara provar supostos erros alheios.

A posição católica é a única que, no final, pode dar uma respostaintelectualmente satisfatória.

Isto ameaça pôr-se interessante.

A maneira católica de raciocinar, para demonstrar que a Bíblia é inspirada,é a seguinte: em um primeiro passo, consideramos a Bíblia como qualqueroutro livro histórico, sem presumir que seja inspirado. Estudando o textobíblico com os instrumentos da ciência moderna, chegamos à conclusão de

que se trata de uma obra confiável, de grande precisão histórica, sendoque referida precisão ultrapassa em muito a de qualquer outro textohistórico.

Não é verdade desde o ponto de vista histórico que esta seja "a maneira católica deraciocinar". O Concílio de Trento estabeleceu claramente que a Igreja reconhece ainspiração do Espírito Santo nas Escrituras canónicas. O fundamento histórico destereconhecimento é a autoridade que a própria Igreja de Roma se arroga comocustódia e intérprete das Escrituras.

Por outro lado, embora alguns apologistas católicos adoptem o enfoque que aqui éproclamado, na verdade não possuem a exclusividade, uma vez que os evangélicos

realizaram um trabalho notável ao compilar evidências históricas que nãodemonstram de maneira concludente a verdade da fé cristã mas demonstram queexistem sólidas evidências da fidelidade histórica das Escrituras; ver mais abaixo.

UM TEXTO PRECISO

Frederic Kenyon, em "A História da Bíblia", faz notar o seguinte: "Paratodas as obras da antigüidade clássica, nos vemos obrigados a nos

 socorrer de manuscritos redigidos muito depois do original. O autor queleva vantagem neste sentido é Virgílio, visto que o manuscrito mais antigoque dele possuímos foi escrito 350 anos depois da sua morte. Para todasas demais obras clássicas, o intervalo que existe entre a data do escrito

original e a do manuscrito mais antigo que dele se conserva é muito maior: para Lívio, é de uns 500 anos; para Horácio, 900; para a maioria das obrasde Platão, 1300; para Eurípedes, 1600" . Mesmo assim, ninguém podeseriamente duvidar de que realmente possuímos cópias fiéis das obrasdesses autores.

Não somente possuímos manuscritos bíblicos mais próximos aos originaisque os da antigüidade clássica, como também possuímos um número muitomaior que aqueles. Alguns destes manuscritos são livros inteiros; outrossão fragmentos; outros, tão somente algumas palavras; mas todos eles

 juntos somam milhares de manuscritos em hebraico, grego, latim, copta,siríaco e outras línguas. Tudo isso significa que possuímos um texto

rigorosamente fiel, que pode ser usado com toda confiança.

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Que alguém me corrija se estiver enganado, mas parece-me que Sir FredericKenyon (1863-1952), Director desde 1909 do Museu Britânico, pertencia à IgrejaAnglicana.

Outros autores não católicos que compilaram evidência são, por exemplo:

F.F. Bruce, Merece Confiança o Novo Testamento?George E. Wright, Arqueologia BíblicaE.W. Yamauchi, Las excavaciones y las EscriturasG. Báez-Camargo, Comentario arqueológico de la BibliaJosh McDowell, Evidência que exige um veredicto e A ready defensePaul Little, Know why you believeJ. Vardaman, La arqueología y la Palabra vivaPhilip W. Comfort (Ed.), The origin of the BibleWilliam Lane Craig, Reasonable faith

Portanto, difícilmente podem os católicos arrogar-se a liderança neste assunto.

TOMADO HISTORICAMENTE

Em um segundo momento, dirigimos nossa atenção para o que a Bíblia -considerada somente como um livro histórico - nos ensina, particularmenteno Novo Testamento e nos Evangelhos. Examinemos o relato da vida deJesus, sua morte e sua ressurreição.

Usando o que nos transmitem os Evangelhos, o que lemos em outrosescritos extrabíblicos dos primeiros séculos e o que nos ensina nossaprópria natureza - e o que de Deus podemos conhecer pela luz da razão -concluímos que Jesus ou era o que dizia ser (Deus) ou era louco. (Sabemos

que não pode ter sido apenas um bom homem e ao mesmo tempo não serDeus, já que nenhum bom homem poderia atribuir para si a divindade serealmente não fosse Deus).

Também podemos negar que era um louco, não apenas pelo que disse eensinou - nenhum louco jamais falou como ele, da mesma forma quenenhum homem sábio tampouco já tenha falado assim... - mas ainda peloque seus discípulos fizeram após a sua morte. Uma fraude (o túmulosupostamente vazio) poderia ter ocorrido, mas ninguém daria a vida poruma fraude, ao menos por uma fraude sem perspectiva de proveito. Logo,devemos afirmar que Jesus verdadeiramente ressuscitou e, portanto, eraDeus como dizia ser e cumpriu o que prometeu fazer.

É curioso que se use um argumento que se a memória não me falha provém deC.S. Lewis, outro anglicano. Também é desenvolvido por Josh McDowell emEvidência que exige um veredicto. De novo, estes argumentos não são "a posiçãocatólica", pelo menos não historicamente nem em exclusivo.

Outros autores que tratam acerca da natureza histórica de Jesus são:

I.Howard Marshall, I believe in the historical JesusLee Strobel, The case for ChristGary R. Habermas, The historical Jesus

Outra coisa que Ele disse que faria seria fundar a sua Igreja; e tanto aBíblia (ainda que tomada como simples livro histórico e não como livro

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inspirado por Deus) como outras fontes históricas antigas nos fazem saberque Cristo estabeleceu uma Igreja com as características que vemos hojena Igreja Católica: papado, hierarquia, sacerdócio, sacramentos,autoridade para ensinar e, como conseqüência desta última, infalibilidade.A Igreja de Cristo deveria gozar da infalibilidade de ensinamento se fossecumprir aquilo para o qual Cristo a fundou.

ah! ah! ah!

Ou seja, a Igreja de Roma em pleno... assim tal e qual de uma assentada. Porfavor!

Que a Igreja "deveria gozar da infalibilidade" é uma petição de princípio que supõedemonstrado precisamente o que se discute. É intelectualmente desonesto saltarda evidência histórica da fé cristã para a instituição vaticana sem escalas.

Tomando material meramente histórico, concluímos que existe uma Igreja

- a Igreja Católica - protegida pelo Espírito Santo para que possa ensinar,sem erro, até o fim dos tempos. Vejamos agora a última parte doargumento.

Essa Igreja nos diz que a Bíblia é inspirada e podemos confiar em seuensino porque se trata de um ensinamento autorizado, infalível. Só apóssermos ensinados por uma autoridade propriamente constituída por Deuspara nos transmitir as verdades necessárias para a nossa fé - tal como ainspiração da Bíblia - só então é que podemos usar as Escrituras como umlivro inspirado.

Mas, como indiquei antes, o católico deve aceitar a autoridade da Bíblia porque a

instituição a que pertence o afirma. Contudo, até o próprio Magistério romanoensina que a Igreja recebe as Escrituras porque foram inspiradas pelo EspíritoSanto, não porque as tenha submetido a escrutínio exaustivo.

UM ARGUMENTO EM ESPIRAL

Há que se notar que o nosso argumento não cai em um círculo vicioso: nãoestamos baseando a inspiração da Bíblia na infalibilidade da Igreja e ainfalibilidade da Igreja na palavra inspirada da Bíblia; isso seriaprecisamente um círculo vicioso. O que temos feito se chama "argumentoem espiral": por um lado, argumentamos sobre a confiabilidade da Bíbliacomo texto meramente histórico; dali sabemos que Jesus fundou uma

Igreja infalível e só então tomamos a palavra dessa Igreja infalível que nosensina que a Palavra transmitida pela Bíblia é uma Palavra inspirada,Palavra de Deus. Não se trata de um círculo vicioso, já que a conclusãofinal (a Bíblia é a Palavra de Deus) não é o enunciado do qual partimos (aBíblia é um livro historicamente confiável), e este enunciado inicial nãoestá baseado, em absoluto, na conclusão final. O que demonstramos é que,se excluirmos a Igreja, não teremos suficientes motivos para afirmar que aBíblia é a Palavra de Deus.

A Igreja dá testemunho das Escrituras; não lhes outorga, nem poderia outorgar-lhes, alguma autoridade que não possuam intrinsecamente.

É verdade que a Bíblia é um "livro" historicamente confiável. Também é verdadeque é inspirado por Deus. A primeira coisa pode avaliar-se mediante a razão, mas a

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segunda a excede. Em todo o caso, estas comprovações de modo algum avalizamas pretensões da instituição vaticana.

É certo que o que acabamos de discutir não é precisamente o raciocínioque a gente habitualmente faz ao se aproximar da Bíblia, mas é a únicamaneira razoável de fazê-lo na hora em que se nos perguntam por quecremos na Bíblia. Qualquer outro raciocínio é insuficiente; talvez hajaargumentos mais próximos da gente sob o ponto de vista psicológico,porém, são estritamente argumentos não convincentes. Na matemáticaaceitamos "por fé" (não no sentido teológico do termo, é claro) que doismais dois é igual a quatro. É uma verdade que nos parece evidente esatisfatória sem maiores argumentos, mas para quem quiser fazer umcurso de matemática, deverá estudar um semestre inteiro visando provaressa verdade tão "óbvia".

Nenhum argumento convencerá quem não quer crer. Uma pessoa pode inclusiveadmitir a exactidão histórica da Bíblia, sem por isso considerá-la inspirada. O nossopolémico autor insiste numa linha racionalista que foi censurada inclusive pelo seupróprio Magistério.

RAZÕES INADEQUADAS

A questão aqui é a seguinte: os fundamentalistas têm muita razão em crerque a Bíblia é um livro inspirado por Deus, no entanto, suas razões paracrer são inadequadas, insuficientes, já que a aceitação da inspiração divinadas Escrituras pode se basear satisfatoriamente apenas numa autoridadeestabelecida por Deus que nos assegure isso; e essa autoridade é a Igreja.

Asseveração falsa, como pode ver-se do que antecede. Se os argumentos históricos

provassem a inspiração da Bíblia, o testemunho da Igreja como comunidade de féseria desnecessário. Para além disso, repito que a Igreja não pode concederautoridade à Palavra de Deus; esta a tem por sua origem e natureza.

E precisamente aqui encontramos um problema mais sério: pode parecer aalguém que mesmo que eu creia na Bíblia como Palavra de Deus, poucoimporta o motivo dessa minha crença; o importante seria aceitar a Bíbliacomo a Palavra de Deus. Porém, o motivo pelo qual uma pessoa crê naBíblia afeta substancialmente a maneira de interpretar a Bíblia. O fielcatólico crê na Bíblia porque a Igreja assim o ensina e essa mesma Igrejatem a autoridade de interpretar o texto inspirado. Os fundamentalistas,por sua vez, crêem na Bíblia - mesmo baseados em argumentos pouco

convincentes - porém, não aceitam nenhuma outra autoridade parainterpretar o texto bíblico a não ser os seus próprios pontos de vista.

É claro que afecta a interpretação; o católico está obrigado a aceitar sem mais ainterpretação que lhe impõe o seu Magistério (nos escassos textos que foramobjecto de uma interpretação oficial), por mais que vá contra uma sã exegese.

Aqui é feito um enredo de argumentos, que sendo sério não é menos divertido.Começou por uma linha racionalista e a dado momento introduziu em bloco a Igrejade Roma. De novo, se a Bíblia é a Palavra de Deus, o é com o consentimento dainstituição vaticana e também sem ele.

O cardeal Newman expressava isso em 1884, da seguinte maneira:"Certamente que se as revelações e ensinamentos bíblicos do texto

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 sagrado se dirigem a nós de uma maneira pessoal e prática, se faz obrigatória a presença formal, no meio de nós, de um juiz e expositor autorizado dessas revelações e ensinamentos. É antecedentementeirracional supor que um livro tão complexo, tão pouco sistemático, em

 partes tão obscuro, fruto de várias mentes tão distintas, lugares e épocasdiferentes, fosse nos dado do alto sem uma autoridade interpretativa do

mesmo, já que não podemos esperar que interprete a si mesmo.

O nosso autor deveria esclarecer quem foi o Cardenal Newman e como abandonoua Igreja Anglicana para abraçar a doutrina romanista.

Se engana Newman ao dizer que não podemos esperar que a Bíblia se interprete asi mesma. Na verdade pode compreender-se muito dela partindo da analogia da fé:a Bíblia não se contradiz e as passagens mais claras fazem luz sobre as maisdifíceis. A profecia se compreende à luz do seu cumprimento, os tipos pelosrespectivos anti-tipos, etc.

Além disso, o argumento não se baseia nos textos escriturais, mas em suposiçõesacerca da clareza da Escritura seguidas de conjecturas acerca de como solucionar oassunto. Contudo, a própria Bíblia não sugere a conveniência, a possibilidade, nema necessidade, de algum intérprete infalível.

O fato de que seja um livro inspirado nos assegura a verdade do seuconteúdo, não a interpretação do mesmo. Como pode o simples leitor distinguir o que é didático e o que é histórico, o que é fato real e o que éuma visão, o que é alegórico e o que é literal, o que é um recursoidiomático e o que é gramatical, o que se enuncia formalmente e o queocorre de passagem, quais são as obrigações que vigoram sempre e quaisvigoram em certas circunstâncias? Os três últimos séculos têm provado,infelizmente, que em muitos países tem prevalecido a interpretação

 particular das Escrituras. O dom da inspiração divina das Escrituras requer como complemento obrigatório o dom da infalibilidade da suainterpretação" .

Bom, esta é a opinião de dom John Henry Newman, cardeal da Igreja de Roma.Pelo menos duas objecções surgem de imediato, além do facto de a própriaEscritura não prever intérpretes humanos infalíveis; a primeira é teórica e asegunda prática:

1. Mesmo se houvesse tal coisa, as explicações do suposto intérprete infalível nãosolucionam o problema, pois ditas explicações devem ser recebidas por fiéis

reconhecidamente falíveis, entre os quais não só se contam as pessoas simples,mas também os teólogos, professores, presbíteros e inclusive os bispos individuais.De modo que, longe de solucionar o problema, intercalar um "intérprete infalível"simplesmente o pospõe.

2. É um facto plenamente comprovável a partir da história do cristianismo que avasta maioria dos textos bíblicos não foram objecto de definições declaradas comoinfalíveis; de modo que para praticamente todo o texto bíblico a dificuldade quesegundo o Cardeal Newman a Igreja de Roma resolveu para sua inteira satisfação,está na realidade longe de ter recebido solução. A instituição vaticana teve tempode sobra para produzir e publicar uma explicação "infalível" de toda a Escritura. Emvez disso, deixou o grosso da tarefa em mãos de biblistas e teólogos

reconhecidamente falíveis.

8/8/2019 Resposta a “A Bíblia ou a Tradição?” de Catholic Answers

http://slidepdf.com/reader/full/resposta-a-a-biblia-ou-a-tradicao-de-catholic-answers 12/12

De modo que, em resumo, a pretensão romanista carece por completo defundamento histórico, teórico e prático.

As vantagens do raciocínio católico são duas: em primeiro lugar, ainspiração é estritamente demonstrada, não apenas "sentida". Segundo, ofato principal que pulsa atrás deste raciocínio - a existência de uma Igrejainfalível, que nos conduz pela mão a dar uma resposta à pergunda doeunuco etíope (Atos 8,31): como saber se as interpretações do texto sãomesmo as corretas? A mesma Igreja que autentica a Bíblia, que estabelecea sua inspiração, é a autoridade estabelecida por Jesus Cristo parainterpretar a Sua Palavra.

A única vantagem das elucubrações apresentadas pelo autor, que ele se comprazem chamar "raciocínio católico", é a de levar, mediante uns passos mágicos, águapara o moinho romanista. Se realmente deseja ser levado a sério, deverá esforçar-se por elaborar e fundamentar documentalmente as suas falibilíssimas opiniões.

[1] Este artigo encontra-se publicado entre outros em veritatis.com.br.