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Preparação de qualidade para concursos? http://www.ebeji.com.br 1 09 de Janeiro de 2013 GEAGU Subjetiva Rodada 2012.52 GEAGU Subjetiva http://www.ebeji.com.br Prezado Participante Você está recebendo a publicação das melhores respostas da rodada. Trata-se de material extremamente valioso, pois reúne informações provenientes das mais variadas doutrinas e pensamentos, decorrente de várias formas de pensar o Direito, permitindo, com isso, a construção de uma visão ampla, altamente necessária para uma preparação com excelência. As opiniões manifestadas neste fórum de debates não refletem, necessariamente, o posicionamento dos mediadores e colaboradores do GEAGU A transcrição das respostas se dá na íntegra, da forma como repassada pelos autores. Equipe GEAGU "Tudo o que um sonho precisa para ser realizado é alguém que acredite que ele possa ser realizado." Roberto Shinyashiki Questão 01 (elaborada pelo Procurador da Fazenda Nacional Dr. João Paulo Carregal) O Sistema Constitucional Brasileiro admite a desconstitucionalização tácita? Aborde a questão enfrentando o conceito de desconstitucionalização e se há posição do STF sobre a matéria. NOTA GEAGU: O candidato deverá abordar a questão sob a ótica da sucessão de Constituições no tempo, implicando na revogação global de uma Constituição em face do advento de outra, dotada de uma mesma pretensão válida e no mesmo âmbito territorial. Se posicionar sobre a possibilidade de que norma existente na Constituição passada, que não seja incompatível com a nova ordem constitucional, continue vigorando em um patamar inferior, como lei infraconstitucional.

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09 de Janeiro de 2013

GEAGU Subjetiva

Objetiva

Rodada 2012.52

GEAGU Subjetiva http://www.ebeji.com.br

Prezado Participante Você está recebendo a publicação

das melhores respostas da rodada. Trata-se de material

extremamente valioso, pois reúne informações provenientes das mais variadas doutrinas e pensamentos, decorrente de várias formas de pensar o Direito, permitindo, com isso, a construção de uma visão ampla, altamente necessária para uma preparação com excelência.

As opiniões manifestadas neste fórum de debates não refletem, necessariamente, o posicionamento dos mediadores e colaboradores do GEAGU

A transcrição das respostas se dá

na íntegra, da forma como repassada pelos autores.

Equipe GEAGU "Tudo o que um sonho precisa

para ser realizado é alguém que acredite que ele possa ser realizado."

Roberto Shinyashiki

Questão 01 (elaborada pelo Procurador da Fazenda Nacional Dr. João Paulo Carregal) O Sistema Constitucional Brasileiro admite a desconstitucionalização tácita? Aborde a questão enfrentando o conceito de desconstitucionalização e se há posição do STF sobre a matéria.

NOTA GEAGU: O candidato deverá abordar a questão sob a ótica da sucessão de Constituições no tempo, implicando na revogação global de uma Constituição em face do advento de outra, dotada de uma mesma pretensão válida e no mesmo âmbito territorial.

Se posicionar sobre a possibilidade de que norma existente na Constituição passada, que não seja incompatível com a nova ordem constitucional, continue vigorando em um patamar inferior, como lei infraconstitucional.

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Apontar o predomínio, no Brasil, da tese que não se admite a desconstitucionalização tácita, presumindo que uma nova Constituição revoga a anterior globalmente, ressalvada a existência de previsão expressa em sentido contrário.

Indicar o posicionamento do STF, nos Emb.Decl.no AgReg no Emb.Div.nos

Emb. Decl. no AgReg no Ag.Inst. nº 386.820-1/RS, Min. Celso de Mello. DJ, 04 fev. 2005, onde foi explicitado o entendimento pela revogação total da Constituição anterior pelo advento da posterior, adotando a tese da impossibilidade de desconstitucionalização tácita.

Manoel Francisco do Nascimento Júnior (Recife/PE) respondeu:

A desconstitucionalização é um fenômeno de direito intertemporal que

consiste na recepção de dispositivos da constituição pretérita pela nova constituição, desta vez com o status de norma infraconstitucional. Tácita, aí, seria a desconstitucionalização automática, ou seja, a que se opera independentemente de qualquer previsão nesse sentido.

Doutrina minoritária sustenta ser possível a desconstitucionalização tácita.

Parte dela, entretanto, somente a admite no que diz respeito às regras formalmente constitucionais, vale dizer, aquelas que não tratam de assunto típico de uma constituição.

A tese da desconstitucionalização tácita não é aceita pela maior parte da

doutrina e pela jurisprudência do STF, para quem o advento de uma nova constituição acarreta revogação global da anterior. Nada impede, contudo, que o novo texto constitucional faça ressalvas nesse sentido, ao dispor expressa e inequivocamente sobre a recepção de regra(s) do texto passado, ainda que temporariamente. Admite-se, assim, a desconstitucionalização expressa, em razão do caráter autônomo e ilimitado do Poder Constituinte Originário, o que, no caso brasileiro, pode ser vislumbrado no art. 34, “caput”, do ADCT.

Thalita Lopes Motta (Manaus/AM) respondeu:

A desconstitucionalização consiste em instituto pelo qual as normas da

Constituição anterior permanecem em vigor com a natureza de norma infraconstitucional, desde que compatíveis com o novo texto constitucional. José Afonso da Silva considera a possibilidade de sobrevivência de alguns dispositivos do diploma revogado na qualidade de normas ordinárias.

Em regra, não se verifica o fenômeno da desconstitucionalização no

ordenamento jurídico brasileiro. A doutrina ressalva, entretanto, ser possível a ocorrência da recepção de dispositivos por meio de tal instituto mediante previsão

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expressa, na nova Constituição, visto tendo em vista o fato de o Poder Constituinte Originário ser autônomo e ilimitado e lhe ser facultado que o faça, desde que de forma inequívoca. Assim sendo, não se admite a transformação de normas constitucionais em infraconstitucionais do texto constitucional anterior de maneira tácita.

A Constituição Federal de 1988 não adotou a desconstitucionalização em

quaisquer de suas previsões, nem de forma genérica ou mesmo tácita. Um dos exemplos em que se visualizou tal fenômeno se deu em dispositivo da Constituição Estadual de São Paulo de 1967, quando estatuiu que se considerariam vigentes, com a natureza de lei ordinária, os dispositivos recepcionados do diploma constitucional antecedente.

O Supremo Tribunal Federal enfrentou a questão em comento em apenas

uma única oportunidade e assentou que a simples retirada de uma disposição de um texto constitucional não admite que se autorize a sua admissão por lei ordinária, interpretação esta a qual enseja o repúdio à desconstitucionalização tácita.

Questão 02 (elaborada pelo Procurador da Fazenda Nacional Dr. Tiago Melo) Em que consiste a abstração, característica inerente aos títulos de crédito? Explique.

NOTA GEAGU: O título de crédito representa, documentalmente, uma obrigação de cunho pecuniário. É, assim, um documento designativo de dívida líquida e certa.

Uma das características fundamentais dos títulos de crédito é a abstração,

alçada pela doutrina à categoria de princípio, segundo o qual os direitos consubstanciados no título são desvinculados da obrigação que o originou. Ou seja, desde que criado e colocado em circulação o título, o crédito ali inserido desprende-se do negócio jurídico originário, valendo por si só.

Importante ressaltar que a abstração é do crédito que o título representa,

e não do título em si, que é, como visto, um documento formal.

Patricia Bergamaschi de Araujo (Porto Velho/RO) respondeu: A abstração decorre do princípio da autonomia, segundo o qual entende-

se que as obrigações representadas por um mesmo título de crédito não independentes entre si. Assim, ainda que uma das obrigações padeça de algum vício que possa resultar na sua nulidade ou anulação, tal fato não comprometerá a validade e eficácia das demais obrigações representadas pelo mesmo título de crédito.

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No que se refere ao princípio da abstração, torna-se desnecessária a verificação do negócio jurídico que o originou o título, já que este é a representação pecuniária de uma obrigação. Todavia, há que se distinguir autonomia e abstração. Enquanto a autonomia torna as obrigações assumidas no título independentes entre si, a abstração tem relevância entre o título de crédito e a relação jurídica que deu origem à obrigação que está assumida no título, ou seja, os direitos representados nos títulos são abstratos, não guardando vínculo com a causa concreta que os originou.

Decorre daí que, havendo a transferência do título a terceiro de boa-fé,

ocorre o desligamento da causa que lhe deu origem, não podendo o devedor, objetivando exonerar-se da obrigação que lhe incumbe, alegar irregularidades, vícios ou a inexistência da relação jurídica originária.

Fernando Mizerski (Campo Bom/RS) respondeu:

A abstração, juntamente com a inoponibilidade das exceções pessoais ao

terceiro de boa-fé, é subprincípio decorrente do princípio da autonomia, haja vista que não traz nenhuma ideia nova em relação à autonomia; apenas uma outra forma de se encarar este princípio.

A abstração significa a completa desvinculação do título em relação à

causa que originou sua emissão. Quando o título circula, há o rompimento total da sua ligação com a operação que lhe deu origem.

Esta é justamente a ideia dos títulos de crédito, que são os documentos

necessários ao exercício do direito literal e autônomo neles mencionados. Ou seja, o título nasce para circular; caso contrário, não teria razão de existir. E para cumprir a sua função (circulação de riqueza), precisa se tornar independente da operação que lhe deu causa.

A título de exemplo, se num contrato de compra e venda, o comprador se

compromete a pagar o vendedor assinando uma nota promissória, o vendedor pode endossar este título e transmiti-lo a terceiro. A partir desse momento, o comprador terá de pagar o valor a quem lhe apresente o título de crédito, não podendo alegar a este qualquer problema com o objeto comprado.

Tiago Allam Cecilio (Rio de Janeiro/RJ) respondeu:

O título de crédito, na tradicional conceituação dada por Cesare Vivante,

adotada pelo art. 887 do CC, é o documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido. Tal conceito remete aos três princípios característicos desse instituto do direito comercial, quais sejam, a cartularidade, a literalidade e a autonomia. Esse último, considerado o mais importante, pode ainda ser dividido em dois outros

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princípios, sendo a abstração, ao lado da inoponibilidade de exceções pessoais, justamente um deles.

É graças à abstração que, uma vez posto em circulação, o título de crédito

deixa de estar vinculado à relação que lhe deu origem. Passará, com efeito, a vincular outras pessoas, que não participaram da relação originária e que, por isso, assumem obrigações e direitos tão somente em função do título, representado pela cártula.

Exemplificando, Tício compra um carro de Mévio, sendo a operação

instrumentalizada por meio da emissão de uma nota promissória no valor de R$15.000,00 (quinze mil reais). Tendo Mévio, por sua vez, uma dívida perante Caio no valor aproximado de R$15.000,00 (quinze mil reais), decide quitá-la utilizando a nota promissória dada por Tício, endossando-a para Caio, que se torna seu titular, podendo cobrar seu respectivo valor de Tício na data do vencimento. Nessa situação hipotética, quando Mévio endossou o título para Caio, fazendo-o circular, houve a desvinculação do documento cambiário da operação originária de compra e venda do carro.

A consequência da abstração é objeto do outro princípio em que se divide

a autonomia, a inoponibilidade de exceções pessoais ao terceiro de boa-fé, segundo a qual o portador do título não pode ser atingido por defesas relativas a negócio de que não participou (art. 916 do CC). Significa, no caso descrito acima, que, ao ser acionado por Caio para promover o pagamento na data do vencimento constante da promissória, Tício não poderá valer-se da alegação de eventuais vícios ocorridos na compra e venda do automóvel, que seriam oponíveis a Mévio, para eximir-se do pagamento.

Thalita Lopes Motta (Manaus/AM) respondeu:

Os títulos de créditos se revestem de autonomia, princípio este segundo o

qual configuram documentos constitutivos de relação jurídica nova, autônoma, originária e desvinculada dos fatos os quais a originaram.

Para alguns autores, da autonomia decorre o subprincípio da abstração,

segundo o qual, quando o título circula, não mais se vincula com o negócio originário do qual emanou. A circulação faz com que se torne desnecessária a verificação de qualquer aspecto referente ao contrato desencadeador da obrigação cambial. Os indivíduos os quais venham a receber o título posteriormente guardam relação com ele apenas em relação à cártula.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já ressaltou em várias

oportunidades, entretanto, que a abstração do título de crédito desaparece quando ocorre a prescrição do mesmo. Não se opera apenas a perda da sua executividade, mas também o seu caráter cambial. Assim sendo, deve o credor discutir, quando da cobrança do documento prescrito, fatos como a origem da dívida ou o enriquecimento ilícito do devedor.

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Questão 03 (elaborada pelo Procurador da Fazenda Nacional Dr. Tiago Melo)

É aplicável o princípio da insignificância no que concerne a delitos fiscais? Explique.

NOTA GEAGU: O princípio da insignificância ou bagatela configura causa excludente de tipicidade material, sob o fundamento da ausência de lesão efetiva ao bem jurídico tutelado pela norma incriminadora.

Consoante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, para a aplicação

do referido princípio é necessária a observância dos seguintes requisitos: i) mínima ofensividade da conduta formalmente definida como crime; ii) nenhuma periculosidade social da ação; iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento delituoso; iv) inexpressividade de lesão jurídica.

Nessa senda, os Tribunais pátrios têm reconhecido a aplicação da

insignificância penal em crimes tributários, utilizando como critério para tal o valor mínimo estabelecido para o ajuizamento da ação de execução fiscal.

O STF, em diversas ocasiões acatou o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais)

como limite do princípio da insignificância, com esteio no artigo 21 da Lei 11.033/2004, que fixou esse parâmetro para o ajuizamento das execuções fiscais.

O fundamento de referidas decisões judiciais reside no fato de que se o

valor de R$ 10.000,00 é irrelevante para justificar o ajuizamento de ação fiscal executória, com muito mais razão não possui relevância no âmbito criminal. Nesse sentido, STF, HC 92.438-PR, relator Ministro Joaquim Barbosa; e STF, HC 95.479-8-PR, relator Ministro Eros Grau.

Em 22 de março de 2012, a Portaria nº: 75, do Ministério da Fazenda,

alterou para R$ 20.000,00 (vinte mil reais) o valor mínimo para o ajuizamento de execuções fiscais, o que leva a concluir que, mantida a atual orientação da jurisprudência, este numerário servirá, doravante, de parâmetro ao reconhecimento da insignificância em matéria de delitos fiscais.

Luciana (Santo André/SP) respondeu:

Atualmente, os tribunais superiores admitem de forma ampla a aplicação

do princípio da insignificância aos delitos fiscais. Também conhecido como “princípio da bagatela”, trata-se de causa de atipicidade material do crime, haja vista a conduta minimamente ofensiva, a inexistência de periculosidade do agente, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a lesão jurídica inexpressiva.

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No tocante aos delitos fiscais, o parâmetro para se identificar a presença

dos referidos requisitos que ensejam a aplicação do princípio em comento é pautado pelo valor mínimo fixado para o ajuizamento das execuções fiscais. Ao longo dos anos, este valor foi sendo modificado, tendo a última alteração legislativa ocorrido em 2002. A Lei nº 10522 estabelece, em seu art. 20, o limite de R$ 10.000,00 (dez mil) reais como quantia sobre a qual não há interesse da Fazenda Nacional em se perquirir judicialmente o seu pagamento.

Importante salientar a edição da Portaria 75, do Ministério da Fazenda,

editada em 22.03.2012, que prevê em seu art. 1º, inciso II, o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais). A referida portaria sinaliza a possibilidade de alteração no valor utilizado como parâmetro para o reconhecimento do princípio da insignificância pela jurisprudência pátria.

Ana Cristina Casara (Curitiba/PR) respondeu:

Doutrina e jurisprudência divergem com relação à aplicação do princípio

da insignificância a delitos fiscais. Delitos fiscais são infrações cometidas contra entidade de direito público, atingindo a coletividade como um todo, tendo um alto grau de reprovabilidade da conduta do agente, fator este que impediria a aplicação do princípio da insignificância.

Entretanto, o STF, entende que o princípio da insignificância opera como

vetor interpretativo do tipo penal, que tem o objetivo de excluir da abrangência do Direito Criminal condutas provocadoras de ínfima lesão ao bem jurídico por ele tutelado. Tal forma de interpretação assume contornos de uma válida medida de política criminal, visando, para além de uma desnecessária carcerização, ao descongestionamento de uma Justiça Penal que deve ocupar-se apenas das infrações tão lesivas a bens jurídicos dessa ou daquela pessoa, quanto aos interesses societários em geral. Ressalta-se a existência da Lei 10.522/2002 (objeto de conversão da Medida Provisória 2.176-79) que determina o arquivamento das execuções fiscais cujo valor consolidado for igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). Sendo certo que os autos de execução serão reativados somente quando os valores dos débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ultrapassarem esse valor.

A incidência do princípio da insignificância penal, segundo o qual, para que

haja a incidência da norma incriminadora, não basta a mera adequação formal do fato empírico ao tipo. Necessário que esse fato empírico se contraponha, em substância, à conduta normativamente tipificada. É preciso que o agente passivo experimente efetivo desfalque em seu patrimônio, ora maior, ora menor, ora pequeno, mas sempre um real prejuízo material. Não, a supressão de um tributo cujo reduzido valor pecuniário nem

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sequer justifica a obrigatória cobrança judicial. Entendimento diverso implicaria a desnecessária mobilização de uma máquina custosa, delicada e ao mesmo tempo complexa como é o aparato de poder em que o Judiciário consiste. Poder que não é de ser acionado para, afinal, não ter o que substancialmente tutelar. Assim, não há sentido lógico permitir que alguém seja processado, criminalmente, pela falta de recolhimento de um tributo que nem sequer se tem a certeza de que será cobrado no âmbito administrativo-tributário do Estado. Estado julgador que só é de lançar mão do direito penal para a tutela de bens jurídicos de cuja relevância não se tenha dúvida (HC 104407/DF, DJe 5/12/2011).

Para a aplicação do princípio da insignificância é necessário a incidência de

quatro vetores: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

A atual jurisprudência das Cortes Superiores utiliza o art. 20 da Lei n.º

10.522/02 como parâmetro para aferir a inexpressividade penal da conduta de descaminho, que se refere ao arquivamento, sem baixa na distribuição, das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). No entanto, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de que a habitualidade criminosa impede a aplicação do princípio da bagatela.

Para o STF a pertinência do princípio da insignificância deve ser avaliada

considerando-se todos os aspectos relevantes da conduta imputada. Para crimes de descaminho, a jurisprudência predominante da Suprema Corte tem considerado para a avaliação da insignificância o patamar de R$ 10.000,00, o mesmo previsto no art. 20 da Lei n.º 10.522/2002, que determina o arquivamento de execuções fiscais de valor igual ou inferior a este patamar. A existência de registros criminais pretéritos contra o paciente obsta o reconhecimento do princípio da insignificância, consoante jurisprudência consolidada da Primeira Turma desta Suprema Corte (HC 114548/DF, DJe 27/11/2012).

Manoel Francisco do Nascimento Júnior (Recife/PE) respondeu:

O princípio da insignificância é causa supralegal de exclusão da tipicidade

material de condutas que, a despeito de sua adequação formal ao tipo, não causam lesão ou expõem a um perigo concreto de lesão o bem jurídico tutelado pela norma. É manifestação do princípio da fragmentariedade, segundo o qual o direito penal deve se preocupar apenas com as ações que causem uma séria perturbação à convivência do homem em sociedade.

A aplicação desse princípio é amplamente acolhida pela jurisprudência em

relação a todos os delitos que com ele sejam compatíveis, desde que não tenha havido

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violência ou grave ameaça. Além disso, o STF tem apontado requisitos objetivos para o seu reconhecimento, quais sejam: a) nenhuma periculosidade social da ação; b) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; c) mínima ofensividade da conduta; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. No âmbito do STJ, a análise desses pressupostos têm sido conjugada com os seguintes fatores, tidos como requisitos subjetivos: a) importância do objeto material para vítima, levando-se em conta a capacidade econômica desta e o valor sentimental atribuído ao bem; e b) as circunstâncias e o resultado do crime.

No que condiz aos delitos fiscais, a jurisprudência tem considerado

insignificante a hipótese em que o valor do tributo sonegado ou reduzido não supere R$ 10 mil, valendo-se da previsão do art. 20 da Lei 10.522/2002. Contudo, como bem já esclareceu o STJ, esse entendimento se restringe a hipóteses de tributos federais, já que a regra em questão versa sobre o arquivamento de execuções fiscais promovidas pela Procuradoria da Fazenda Nacional. Visto que os Estados, o DF e os Municípios são dotados de competência para legislar sobre direito tributário (art. 24, inc. I, CF), e à míngua de previsão semelhante, não é possível, em relação a eles, reputar inexpressiva uma lesão dessa magnitude.

Por fim, em caso de condutas reiteradas, não há que se aplicar o princípio

da insignificância. Não é possível proceder ao fracionamento dos fatos para, enfim, reputar insignificante a conduta que, isoladamente considerada, implicar sonegação ou supressão de tributo inferior a R$ 10 mil.

Parecer (elaborado pela Advogada da União Dra. Camilla Japiassu) Os artigos 20 e 21 da Lei Federal nº 10.406/02 (Código Civil) estabelecem que “salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais” e “a vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”. Com base nessas diretrizes constitucionais, a Consultoria-Geral da União foi instada a elaborar parecer sobre a possibilidade de edição de biografias não autorizadas pelos biografados ou por pessoas retratadas como coadjuvantes (ou se seus familiares, em caso de pessoas falecidas) e a compatibilidade entre os referidos artigos do Código Civil e o sistema constitucional da liberdade de expressão, conformado pelo artigo 5º, incisos IV e IX, da Carta da República, bem como o direito à informação, previsto no artigo 5º, inciso XIV, da Carta. Na condição de Advogado da União, elabore o parecer solicitado.

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NOTA GEAGU: Inicialmente, cumpre ressaltar que a liberdade de expressão pode ser compreendida sob duas vertentes, isto é, a liberdade de opinião e a liberdade de comunicação. Um dos aspectos que destacam a relevância da liberdade de expressão decorre do fato de o seu exercício constituir instrumento de controle da atividade governamental e do exercício do poder.

Nesse contexto, ao prever e garantir, expressamente, alguns direitos

fundamentais, a Constituição Federal pressupõe forma de exercício de controle dos órgãos estatais, a permitir a afirmativa de que esses direitos representam condição para a existência do Estado Democrático de Direito.

Segundo os ensinamentos de Pinto Ferreira, a liberdade de opinião

constitui garantia fundamental do Estado Democrático de Direito, na medida em que:

“(...) o Estado democrático defende o conteúdo essencial da manifestação da liberdade, que é assegurado tanto sob o aspecto positivo, ou seja, proteção da exteriorização da opinião, como sob aspecto negativo, referente à proibição da censura.”

Nesse sentido, José Afonso da Silva sintetiza a amplitude da liberdade de

opinião englobando o pensamento íntimo, bem como a liberdade de convicção, a liberdade de crença religiosa, filosófica, científica ou política, nos seguintes termos:

“De certo modo esta se resume a própria liberdade de pensamento em suas várias formas de expressão. Por isso é que a doutrina a chama de liberdade primária e ponto de partida das outras. Trata-se da liberdade de o indivíduo adotar a atitude intelectual de sua escolha: quer um pensamento íntimo, quer seja a tomada de posição pública, liberdade de pensar e dizer o que se crê verdadeiro.”

Com a edição de uma biografia, o autor informa à sociedade os resultados

de sua pesquisa sobre a personagem descrita, bem como as suas impressões, opiniões e ideias sobre os eventos que relata no decorrer de seu livro. Isso envolve a liberdade de comunicação e o direito à informação.

Na espécie, o exame da suposta ofensa ao sistema constitucional de

liberdade de expressão e o direito à informação insere-se no contexto da necessidade de autorização do biografado ou de seus familiares, assim como de pessoas retratadas de passagem, para a veiculação de obras biográficas de pessoas notórias.

Registre-se que o texto constitucional assegura ao autor da biografia o

direito de manifestar e difundir livremente os fatos obtidos em sua pesquisa, assim como os seus sentimentos e opiniões pessoais sobre o biografado, desde que não

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obscurecido pelo manto do anonimato. Por outro lado, o cidadão tem o direito de tomar conhecimento sobre os fatos da vida de personagens públicas em virtude de sua importância para a história e cultura da sociedade da qual faz parte.

Não obstante restarem resguardados, na edição de obras biográficas, os

direitos de informação e à liberdade de expressão, tais conceitos não devem ser concebidos de forma absoluta, podendo sofrer o influxo dos limites necessários à preservação do ideal democrático, princípio fundamental igualmente consagrado pela Carta Magna.

De fato, ao se analisar com mais cautela a Constituição Federal, verifica-se

que esse direito fundamental não pode ser desenvolvido de modo lesivo a outros direitos de igual hierarquia. Não há, como se adverte em vários setores da doutrina constitucionalista , supremacia a priori de um direito sobre o outro quando ambos foram qualificados como fundamentais. Em verdade, as tensões entre direitos dessa natureza devem ser superadas a partir dos elementos do caso concreto, mediante a aplicação de princípios da nova hermenêutica constitucional como a razoabilidade e a ponderação de bens.

Por força do preceito fundamental da dignidade da pessoa humana (artigo

1º, inciso III, da Constituição Federal ), assegura-se a cada indivíduo o direito à autodeterminação e ao livre desenvolvimento de sua personalidade. Com efeito, a liberdade de expressão, em sua vertente liberdade de comunicação, e o direito à informação encontram limite no direito à privacidade, assegurado pelo artigo 5º, inciso X, da Lei Maior. A construção da existência digna do ser humano passa necessariamente pela prerrogativa de reservar para si uma esfera intangível pelos seus semelhantes.

Em outras palavras, o preceito fundamental da dignidade da pessoa

humana exige o reconhecimento da inviolabilidade da intimidade e da vida privada como prerrogativa de qualquer cidadão, independentemente da natureza de sua atuação política ou profissional.

Por oportuno, insta ressaltar que dificilmente um ensaio biográfico deixa

de tratar da privacidade da personagem que constitui seu objeto. Não raras vezes, os pequenos detalhes íntimos da vida do biografado geram comoção ou curiosidade na opinião pública, com algum retorno financeiro para o seu autor.

Dessa forma, a confissão ou divulgação de fatos pertinentes à intimidade e

à vida privada cabe apenas ao titular do direito. A imagem do ser humano somente pode ser explorada se este aceita o emprego que se quer lhe dar. Se lhe é imputado alguma conduta inverídica ou ofensa que o desabone na sociedade, cabe a ele decidir se solicitará ou não as providências jurisdicionais cabíveis.

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Quanto ao interesse público, este deve ser distinto do interesse do público. A informação de interesse público é aquela cujo conhecimento é necessário para que o indivíduo tenha concreta participação na vida coletiva de determinada sociedade. Já o interesse do público pertence ao universo dos indivíduos e está relacionado às razões emocionais e/ou objetivas das pessoas e a sua curiosidade e indiscrição.

“A atuação livre e sem peias da imprensa, a difusão excessiva e irreprimível de informações pouco afeitas ao interesse público inequívoco e mais voltadas à satisfação da curiosidade pegajosa de alguns e insolente de outros renega a missão primacial da comunicação de massa e rompe, mais e cada dia um pouco mais, o isolamento fundamental da pessoa. O recato é exigência da vida. O ser humano não vive despreocupado com sua honra e privacidade. Justamente por isso tantos as agregam, tanto as confundem. Porque se a honra é um dos bens jurídicos mais estimados da personalidade humana, considerada como a primeira e mais importante projeção do grupo de matizes morais dessa personalidade, como referiu José Castan Tobenas, a privacidade é principal complemento à satisfação dos bens espirituais. A informação deve acrescentar, educar, desvendar, elucidar e esclarecer, e não ferir, ofender, vulgarizar, saciar a indiscrição alheia ou o desejo sovina de tantos.” (Jabur, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e direito à vida privada: conflitos entre direitos da personalidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.189). “Não se deve exaltar a liberdade de informação a ponto de se consentir que o direito à própria imagem seja postergado, pois a sua exposição deve condicionar-se à existência de evidente interesse jornalístico que, por sua vez, tem como referencial o interesse público, a ser satisfeito, de receber informações.” (STJ, REsp. 58.101, Rei. Min. Cesar Asfor Rocha, 4ª Turma, DJ 09/03/98).

Por derradeiro, registre-se que esse Supremo Tribunal Federal, no

julgamento da Ação Originária nº 1390, ressaltou que a liberdade de expressão deve ser limitada pelos direitos à honra, à intimidade e à imagem. Confira-se:

“Ação originária. Fatos incontroversos. Dispensável a instrução probatória. Liberdade de expressão limitada pelos direitos à honra, à intimidade e à imagem, cuja violação gera dano moral. Pessoas públicas. Sujeição a críticas no desempenho das funções. Limites. Fixação do dano moral. Grau de reprovabilidade da conduta. Fixação dos honorários. Art. 20, § 3º, do CPC. 1. É dispensável a

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audiência de instrução quando os fatos são incontroversos, uma vez que esses independem de prova (art. 334, III, do CPC). 2. Embora seja livre a manifestação do pensamento, tal direito não é absoluto. Ao contrário, encontra limites em outros direitos também essenciais para a concretização da dignidade da pessoa humana: a honra, a intimidade, a privacidade e o direito à imagem. 3. As pessoas públicas estão sujeitas a críticas no desempenho de suas funções. Todavia, essas não podem ser infundadas e devem observar determinados limites. Se as acusações destinadas são graves e não são apresentadas provas de sua veracidade, configurado está o dano moral. 4. A fixação do quantum indenizatório deve observar o grau de reprovabilidade da conduta. 5. A conduta do réu, embora reprovável, destinou-se a pessoa pública, que está sujeita a críticas relacionadas com a sua função, o que atenua o grau de reprovabilidade da conduta. 6. A extensão do dano é média, pois apesar de haver publicações das acusações feitas pelo réu, foi igualmente publicada, e com destaque (capa do jornal), matéria que inocenta o autor, o que minimizou o impacto das ofensas perante a sociedade. 7. O quantum fixado pela sentença (R$ 6.000,00) é razoável e adequado. 8. O valor dos honorários, de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, está em conformidade com os critérios estabelecidos pelo art. 20, § 3º, do CPC. 9. O valor dos honorários fixados na reconvenção também é adequado, representando a totalidade do valor dado à causa. 10. Agravo retido e apelações não providos”. (AO nº 1390, Relator: Ministro Dias Toffoli, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Julgamento em 12/05/2011, Publicação em 30/08/2011).

Tiago Allam Cecilio (Rio de Janeiro/RJ) respondeu:

PARECER N.º___ INTERESSADO: ___ ASSUNTO: Edição de biografias não autorizadas à luz da colisão entre as

garantias constitucionais de liberdade de expressão/direito à informação e proteção à intimidade.

EMENTA: Constitucional. Liberdade de expressão e direito à informação.

Inexistência de direitos fundamentais absolutos. Necessidade de compatibilização com a proteção à intimidade, garantia igualmente prevista na Constituição Federal de 1988. Validade dos arts. 20 e 21 do CC/02, que se limitam a regulamentar o art. 5º, X, da CRFB/88. Impossibilidade de publicação de biografia não autorizada pelo biografado.

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Ponderação no caso concreto. Preponderância da intimidade sobre a liberdade de expressão e o direito à informação.

I- RELATÓRIO Cuida-se de consulta formulada a esta Consultoria-Geral da União por___,

objetivando seja esclarecido se é possível a edição de biografias não autorizadas pelos biografados ou por pessoas retratadas como coadjuvantes (ou seus familiares, em caso de pessoas falecidas), bem como se os arts. 20 e 21 do CC/02 são compatíveis com o sistema constitucional da liberdade de expressão (art. 5º, IV e IX, da CRFB/88) e do direito à informação (art. 5º, XIV, da CRFB/88).

É o breve relato do necessário. Passo à manifestação. II- FUNDAMENTAÇÃO O Estado Democrático de Direito surge com o ideário de que não basta a

submissão estrita e cega à legalidade, vez que não impede que se proliferem anseios e condutas perniciosas ao bem-estar de qualquer coletividade. Não se pode esquecer que todas as ações por que se pautou a social-democracia alemã na metade do século passado, motivo de espanto e de mal-estar até os dias de hoje, sempre foram defendidas nos discursos mais inflamados como soluções concretizadas sem que se sacrificasse uma determinação legal que fosse.

Fazia-se necessário algo a mais do que a mera disposição em leis abstratas

de uma igualdade formal pós Revolução Francesa. Era preciso que o Estado se transmutasse no próprio defensor e garantidor das liberdades individuais, o que não se satisfaria mediante o típico absenteísmo, o non facere de outrora, em que os indivíduos eram relegados à própria sorte, cenário perfeito para que alguns mais abastados fizessem impor suas vontades em prejuízo da dos demais. Urgia que os direitos fundamentais fossem considerados tão ou mais importantes que as matérias tradicionalmente consagradas nos textos constitucionais.

Na experiência brasileira, em particular, era preciso que a democracia

fosse revestida de garantias que impedissem novos levantes autoritários como os enfrentados durante o período da ditadura militar, no qual os indivíduos se viram privados de suas liberdades mais elementares, como a de ir e vir e a de exprimir de forma livre seu pensamento.

É nesse terreno fértil de ideias que, em 05 de outubro de 1988, é

promulgada uma nova Constituição no Brasil, merecedora do título de “Constituição Cidadã”, em razão do maior enfoque dado aos direitos e garantias individuais e coletivas dos indivíduos que, independente do motivo, se encontram sob a jurisdição brasileira. Com efeito, o Texto Magno já sinaliza em seu art. 1º, III, que o vetor interpretativo

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máximo da nova ordem é a dignidade da pessoa humana, dispondo o art. 5º, em rol elaborado às minúcias, acerca das mais variadas liberdades, tão caras à recém restabelecida democracia.

Em um período pós ditadura, é natural que se busque o resguardo da

liberdade de expressão e do direito à informação, sendo exatamente o que o Constituinte de 1988 tratou de fazer ao estabelecer as normas constantes dos incisos IV, IX e XIV do art. 5º. De acordo com esses dispositivos, “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (inciso IV); “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” (inciso IX); e “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional” (inciso XIV).

É basilar, entretanto, que um sistema em que não há liberdades é tão

pernicioso quanto aquele em que seu exercício pode se dar de forma ilimitada, porquanto permite que surjam arbítrios a partir das ações de determinados indivíduos que tendem a julgar-se detentores de direitos mais nobres do que o restante da coletividade. É justamente por essa razão que nenhum direito é absoluto, pois todo absolutismo pressupõe a hierarquia de direitos, o que é incompatível com a igualdade e, em última análise, com a democracia. Assim, todo direito deve ser exercido com temperamentos.

Atenta a essa realidade, a Assembleia Constituinte de 1988 assegurou,

com o mesmo peso e relevância conferidos à livre expressão e informação, a proteção à intimidade, tal como se observa no inciso X do art. 5º, in verbis: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. São, pois, limites necessários às supracitadas liberdades, como forma de evitar o arbítrio dos que desejam informar.

Essas normas constitucionais, como várias outras que tratam de direitos

fundamentais, revelam-se, a um primeiro olhar, incompatíveis, inconciliáveis. Na realidade, tal antinomia não resiste a uma análise mais detida, sobretudo quando se tem em conta que ambas são frutos do labor do mesmo Poder Constituinte Originário. Com efeito, atuam como limitadoras recíprocas, com vistas a permitir que haja estabilidade no sistema constitucional. Será o caso concreto, a partir de um juízo de ponderação, conforme lecionam Alexy e Dworkin, quem ditará qual prevalecerá em dada situação, o que, de forma alguma, implica a invalidade da outra. É dessa forma que se evitam os famigerados abusos de direito que sustentaram os regimes de exceção do passado.

Dessa feita, é possível concluir que os arts. 20 e 21 do CC/02 nada mais são

do que regulamentações do que a própria Constituição já estabeleceu em seu art. 5º, inciso X, sendo normas voltadas ao resguardo da intimidade. Pela leitura de seu teor,

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percebe-se que houve o cuidado do legislador em salientar que não se está diante de uma prerrogativa absoluta, podendo dar lugar à informação caso essa se revele preponderante em determinadas situações concretas, sem que signifique a invalidade de uma ou de outra garantia.

Há, dessarte, perfeita sintonia entre os mencionados dispositivos legais e o

sistema constitucional vigente, atuando como importantes contrapesos a impedir o desproporcional exercício da liberdade de expressão e do direito à informação.

Diante dessa indissociável dicotomia entre privacidade e liberdade de

expressão, vem à tona a indagação acerca da possibilidade de serem publicadas biografias não autorizadas pelos biografados ou por pessoas retratadas como coadjuvantes (ou seus familiares, em caso de pessoas falecidas). Por tudo o que ora se tem desenvolvido, não resta dúvidas de que a resposta a esse questionamento passará por um necessário juízo prévio de ponderação, a partir do qual será determinado o direito prevalente no caso concreto.

Naturalmente, o interesse em publicar biografias surge quando o

biografado é uma pessoa cuja vida está longe de pertencer ao anonimato. Deveras, não faria sentido retratar as experiências pessoais de alguém que é desconhecido pelo grande público. O fato é que, mesmo nesse caso, ainda que se reconheça que a área de abrangência da intimidade é menor quando em comparação com uma pessoa anônima, é certo que há algum espaço de proteção a ser resguardado. Afinal, não é porque a figura é pública que sua vida deve ser objeto de plena e irrestrita sindicabilidade por parte de terceiros. O princípio da dignidade da pessoa humana determina que haja proteção à sua intimidade, ainda que de espectro mais reduzido.

Por conseguinte, se não houve autorização por parte da pessoa retratada

na biografia, não merece a guarida protetiva da ordem constitucional vigente, cedendo lugar a liberdade de expressão e o direito de informação à proteção da intimidade. Não há, reitere-se, qualquer ilogicidade nesse entendimento, não ocorrendo qualquer prejuízo à vigência daquelas garantias.

Noutro diapasão, como bem observa o Ministro Gilmar Mendes na

maestria de seus ensinamentos, é preciso diferenciar “interesse público” de “interesse do público” no juízo de ponderação entre esses princípios albergados pela Lei Fundamental. Nem tudo aquilo que o público tem interesse em saber é imprescindível à vida em sociedade. É preciso diferenciar o que é uma informação prestada para sanar uma curiosidade daquela que tem a pretensão de permitir que a cidadania seja exercida de forma mais responsável e consciente.

III- CONCLUSÃO

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Ante o exposto, opina este órgão consultivo pela impossibilidade de publicação de biografia não autorizada por aquele que é nela retratado, quer como personagem principal ou como coadjuvante da obra, em vista da prevalência da proteção à intimidade sobre a liberdade de expressão e o direito de informação. Opina, outrossim, pelo reconhecimento da compatibilidade entre os arts. 20 e 21 do CC/02 com a Constituição Federal de 1988, haja vista ser a intimidade um direito também agasalhado pela Lei Fundamental, em seu art. 5º, inciso X.

À consideração superior. Local, data. Advogado da União.