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25 Bahia Agríc., v.8, n. 2, nov. 2008 SOCIOECONOMIA Socioeconomia Possibilidades para o leite na Bahia Eduardo Aguiar de Almeida* Principal berço da pecuária brasileira, a Bahia não tem mostrado muita com- petência para produzir leite. O Estado é franco importador de produtos lácteos do Sudeste, Centro-Oeste, Sul e do pró- prio Nordeste. Enquanto isso, há uma autêntica revolução em marcha no país em termos de produção de leite. O Bra- sil passa de importador a exportador de lácteos; mas a Bahia vem se mostrando praticamente à margem deste processo. Haveria algum fator físico ou ambien- tal limitando o potencial da Bahia para a produção de leite? Obviamente que não. Ao contrário, o Estado, pela área que tem, solos, climas e biomassa, além de infra- estrutura e fabuloso contingente de pe- quenos e médios agricultores – a maior população do Brasil nesse quesito – de- veria figurar entre os centros exportado- res de leite e derivados. A “revolução branca” que flui pelo país se notabiliza pela quebra, ainda que tar- dia, de um velho tabu colonial. Dizia-se a largo no meio tecnocrático – e por aqui ainda se ouve – que as regiões de clima quente não tinham vocação para pro- dução de leite. Tanto pelo suposto fato de que somente as pastagens e outras fontes de alimentos de regiões de clima temperado ou “ameno” tinham condições para gerar leite a custo baixo, como pela falácia de que apenas as vacas de raças européias, especializadas na produção leiteira através de seleção antiga, são as únicas “máquinas” talhadas para encher os baldes, mesmo nos Trópicos. Tudo imposição cultural-tecnológica para be- neficiar financeiramente os países ricos e uma agropecuária capitalizada e sofisti- cada. O velho colonialismo dando as car- tas e promovendo a exclusão opressiva. Desde os anos 60, o eminente zoo- tecnista inglês T. R. Preston, trabalhando em zonas tropicais da Ásia e Oceania, defendeu que a capacidade inigualável dos Trópicos em termos de biodiversi- dade e produção de verde (biomassa) *Criador, Jornalista, Indigenista, Membro do Conselho Técnico-Administrativo do CTZL, ex-Presidente do Centro Brasileiro de Melhoramento do Guzerá, ex-Presidente do Núcleo Bahia-Sergipe de Criadores de Guzerá e ex-Diretor da Associação de Criadores de Guzerá do Brasil, Consultor Seagri / Protocolo Seagri-IDES, Salvador-BA; e-mail: [email protected] Foto: Silvio Ávila - Editora Gazeta Santa Cruz TABUS E PRECONCEITOS EM BAIXA

Revista Bahia Agricola 2008 PADRAO ATUAL OK · 28 Bahia Agríc., v.8, n. 2, nov. 2008 SOCIOECONOMIA dente e competitiva do leite no Estado, fomentar com prioridade segmentos da industrialização

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Socioeconomia

Possibilidades para o leite na Bahia

Eduardo Aguiar de Almeida*

Principal berço da pecuária brasileira, a Bahia não tem mostrado muita com-petência para produzir leite. O Estado é franco importador de produtos lácteos do Sudeste, Centro-Oeste, Sul e do pró-prio Nordeste. Enquanto isso, há uma autêntica revolução em marcha no país em termos de produção de leite. O Bra-sil passa de importador a exportador de lácteos; mas a Bahia vem se mostrando praticamente à margem deste processo.

Haveria algum fator físico ou ambien-tal limitando o potencial da Bahia para a produção de leite? Obviamente que não. Ao contrário, o Estado, pela área que tem, solos, climas e biomassa, além de infra-estrutura e fabuloso contingente de pe-

quenos e médios agricultores – a maior população do Brasil nesse quesito – de-veria fi gurar entre os centros exportado-res de leite e derivados.

A “revolução branca” que fl ui pelo país se notabiliza pela quebra, ainda que tar-dia, de um velho tabu colonial. Dizia-se a largo no meio tecnocrático – e por aqui ainda se ouve – que as regiões de clima quente não tinham vocação para pro-dução de leite. Tanto pelo suposto fato de que somente as pastagens e outras fontes de alimentos de regiões de clima temperado ou “ameno” tinham condições

para gerar leite a custo baixo, como pela falácia de que apenas as vacas de raças européias, especializadas na produção leiteira através de seleção antiga, são as únicas “máquinas” talhadas para encher os baldes, mesmo nos Trópicos. Tudo imposição cultural-tecnológica para be-nefi ciar fi nanceiramente os países ricos e uma agropecuária capitalizada e sofi sti-cada. O velho colonialismo dando as car-tas e promovendo a exclusão opressiva.

Desde os anos 60, o eminente zoo-tecnista inglês T. R. Preston, trabalhando em zonas tropicais da Ásia e Oceania, defendeu que a capacidade inigualável dos Trópicos em termos de biodiversi-dade e produção de verde (biomassa)

*Criador, Jornalista, Indigenista, Membro do Conselho Técnico-Administrativo do CTZL, ex-Presidente do Centro Brasileiro de Melhoramento do Guzerá, ex-Presidente do Núcleo Bahia-Sergipe de Criadores de Guzerá e ex-Diretor da Associação de Criadores de Guzerá do Brasil, Consultor Seagri / Protocolo Seagri-IDES, Salvador-BA; e-mail: [email protected]

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compensa com folgas quaisquer outras vantagens que as pastagens temperadas e rações protéicas caras poderiam apre-sentar. Sustentava que tudo dependia de desenvolvimento tecnológico e siste-mas de produção adequados.

Concomitantemente, no Brasil, na Ín-dia e em outros países, grupos vanguar-distas de técnicos e criadores começa-vam a apostar no potencial inegável de bovinos tropicais – leia-se raças zebuínas, Bos indicus – e búfalos em produzir lei-te. Se entusiasmavam com as respostas positivas do gado tropical a processos de seleção e melhoramento. Tudo seria uma questão de tempo e persistência.

A Bahia se destacou na defl agração deste movimento, graças ao saudoso zootecnista, professor e criador José Ma-ria Couto Sampaio. Fã confesso de Pres-ton e um convicto entusiasta do zebu e do búfalo, José Maria formou o rebanho Guzerá Leiteiro do IPEAL, em Cruz das Almas, que deságua em linha direta hoje em um dos grandes plantéis dessa raça no mundo, que é o Guzerá de Alagoi-nha, da Empresa Estadual de Pesquisas Agropecuárias da Paraíba - EMEPA. Além disso, como criador, ainda na década de 60, José Maria iniciava, na Bahia, seus tra-balhos pessoais de seleção de alto nível de Guzerá e de búfalos Murrah.

Nos anos 90, o brutal desperdício de recursos com genética, instalações, rações sofi sticadas, medicamentos, car-rapaticidas e mosquicidas perigosos che-gou a nível tal de desgaste, que atingiu a cabeça de técnicos, burocratas, políticos, criadores e setores informados da opi-nião pública. Até porque o personagem central do chamado, pomposo, “agrone-gócio do leite” era um grande chorão e um frustrado, porque não conseguia fa-zer com que o leite “C” brasileiro pudesse competir com o argentino, o uruguaio, o neozelandês ou mesmo o (subsidiado) da União Européia e da América do Norte.

O Mercosul deslanchado ajudou a enterrar o longo pesadelo. A consciência ambiental e de saúde do consumidor

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deu mais um empurrãozinho. O verti-ginoso crescimento do zebu leiteiro no Brasil, sobretudo das raças Gir e Guzerá, mas também da raça Sindi, está jogando a “pá de cal”. Por algum motivo, entretan-to, o Estado da Bahia pouco vê, pouco ouve e pouco se pronuncia.

Desde a década passada, a produção de leite no Brasil migra celeremente para o norte quente. Desceu as montanhas amenas de Minas Gerais. Para produzir leite lucrativamente no Brasil, agora é preciso calor. Sim, calor. Os sertanejos da Bahia já sabiam disso há muito tem-po. Mas, poucos técnicos e políticos lhes davam atenção. Agora, na Bahia, há uma grande expectativa de que essas coisas mudem.

Goiás passou a rivalizar com Minas, o norte e os cerrados de Minas começaram a aparecer no mapa do leite. Recente-mente, estados como Pará, Maranhão, Rondônia e Tocantins vêm dando espe-táculo de crescimento do leite, se auto-abastecendo e até vendendo para outras praças. No Nordeste, extra-Maranhão, mais afetado pelas estiagens, o fenôme-no mostra-se tardio. Mas, ainda assim, a Bahia se apresenta muito mal na foto.

Os dados do IBGE mostram que a Bahia aumentou apenas 22% sua produ-ção de leite, entre 1990 e 2006, enquan-to no País o crescimento foi de 75%. As estatísticas – e é verdade que estatísticas de leite no Brasil fora do Sul Maravilha são

TRIUNFO DO LEITE NO TRÓPICO

Raça Gir na Bahia

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um tanto precárias – do Nordeste, mos-tram avanços surpreendentes de estados como Maranhão (+169%), Rio Grande do Norte (+120%), Pernambuco (+101%) e Sergipe (+143%), no mesmo período. Chama a atenção o caso potiguar, já que o Estado é amplamente dominado pelo semi-árido. Sabemos que os anos 90 foram de crise para a pecuária baiana e nordestina, com drástica redução na população bovina, devido a um acentu-ado ciclo de seca. Consta que o rebanho leiteiro, “por ser mais frágil”, segundo as análises técnicas, foi o mais afetado. A explicação é boa. A confi ssão implícita, melhor ainda.

Claro, o gado leiteiro com mais san-gue de raças européias, de fato, apresen-ta grande fragilidade, baixa rusticidade e alta inadequação ao nosso clima quente e ambiente de parasitoses tropicais. O fato é que, com toda a década (anos 90) desfavorável, quatro estados nordesti-nos tiveram crescimentos expressivos na produção de leite, bem acima da média nacional.

CENÁRIO POSSÍVEL: A BAHIA EXPORTANDO LÁCTEOS

Agora, é olhar pra frente. O potencial da Bahia permite pensar o Estado como um dos maiores produtores e exporta-dores de leite do país em prazo não tão extenso. Basta adotar mentalidades, ati-

tudes e políticas adequadas, descartar os maus exemplos e experiências, assimilar e adaptar boas práticas, ativar mecanismos práticos efi cientes. Algumas medidas – mas, evidentemente, não as únicas – se mostram vitais e urgentes, a nosso ver:

1. fomentar massivamente uma pro-dução forrageira intensa baseada em recursos locais e adaptados, integração pecuária-agricultura (desperdício zero), aproveitamento racional de subprodutos das pequenas ou grandes agroindústrias e adoção de práticas agropastoris am-bientalmente conscientes e equilibradas (agroecologia); a idéia é leite primordial-mente a pasto e forragens baratas produ-zidas localmente e sempre a baixo custo de produção;

2. perseguir níveis elevados de reci-clagem de nutrientes e balanços energé-ticos vantajosos a nível de propriedades/comunidades, a partir de pesquisa e ex-tensão devidamente orientados e quali-fi cados;

3. fomentar e desenvolver, especial-mente com foco na agricultura familiar organizada, a zebuinocultura leiteira – além da bubalinocultura - no Estado, a partir do incremento dos excelentes re-banhos guzerá, gir e bubalino da EBDA; no caso dos búfalos, trabalhar também com plantel puro da raça murrah;

4. instalar também na Bahia (EBDA) um rebanho de pesquisa e desenvolvi-

mento da raça Sindi para atender espe-cialmente o semi-árido;

5. explorar as possibilidades de coo-peração e intercâmbio internacional, do tipo Sul-Sul e com agências multilaterais, com vistas a desenvolver zootecnia e agronomia leiteiras tropicais;

6. incentivar e fomentar pequenas e médias cooperativas e empresas benefi -ciadoras de leite e produção de lácteos e estimular a ampliação de horizontes e “choques de gestão” nos laticínios atuais em crise. Em outras palavras, fortalecer e fomentar a cadeia produtiva endógena do leite no Estado, eliminar a malversa-ção e o “calote” ao produtor. Isto não sig-nifi ca desprezar o papel importante de grandes empresas; investir com força em gestão cooperativa;

7. trabalhar intensamente, em con-junto com produtores organizados e setor de benefi ciamento, canais de co-mercialização e marketing de lácteos baianos, inclusive produtos tradicionais, a exemplo de coalhadas, queijo coalho, requeijão e manteiga de garrafa. Visar o mercado do turismo. Assegurar merca-dos institucionais para esses produtos, preferencialmente de agricultura familiar, tais como merenda escolar, programas sociais, Conab, Cesta do Povo, etc. Asse-gurar adequação dos produtos a normas de inspeção e exigências do mercado quanto à qualidade. Não esquecer as perspectivas de adentrar mercados ex-ternos; por que não?

8. priorizar programas modelares nos Territórios com vontade manifesta em desenvolver a produção familiar organizada de leite e derivados e ar-ranjos produtivos locais vocacionados ao desenvolvimento da atividade, com participação dos poderes municipais, inclusive através de consórcios, e de um leque de parcerias para apoios técnicos, mercadológicos, gerenciais, políticos e fi -nanceiros inovadores. A Superintendên-cia da Agricultura Familiar - SUAF/Seagri teria, com certeza, um papel importante a cumprir nesse aspecto.

9. num momento seqüencial, assim que demonstrada a capacidade ascen-

Rústico, de alta adaptabilidade e longevidade

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dente e competitiva do leite no Estado, fomentar com prioridade segmentos da industrialização mais voltados para pro-dutos de maior durabilidade e mais ade-quados à estocagem e exportação, como leite em pó e leite condensado.

AFIANDO FERRAMENTAS

O fomento e desenvolvimento da zebuinocultura de leite na Bahia não sig-nifi ca desprezar a contribuição de raças não-zebuínas especializadas. O impor-tante é que um programa estadual in-corpore uma noção básica fundamental: a de que o leite nos trópicos deve ser produzido primordialmente por genética animal tropical, ou seja, no caso de bovi-nos, zebu. Um princípio ambiental. Inclu-sive a meio-sangue zebu-europeu, vaca “F-1” verdadeira, através de inseminação artifi cial e multiplicadas por embriões, seria não só admissível como indispen-sável, e mestiças com mais sangue zebu que europeu. A grande ilusão teimosa, a nosso ver, é passar de meio-sangue eu-ropeu. Em regiões mais remotas e secas de Minas, me lembra a Dra. Vânia Penna, conhecida melhorista da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, usa-se com sucesso mestiças ¾ guzerá em re-gime de uma única ordenha. No mais, a estratégia aconselhável, com base em acervo indiscutível de premissas científi -cas e tecnológicas consagradas, é a op-ção clara e defi nitiva pelo zebu, além do búfalo.

Vacas rústicas capazes de produzir, no pico, de 8 a 14 kg/dia de leite a pas-to, essas são uma das peças-chave da estratégia. Ou 14 a 20 kg/dia com suple-mentação de baixíssimo custo, a base de subprodutos “quase gratuitos” de agroin-dústria. Não há necessidade de mais que isso, a menos que a competitividade do leite se sustente. O fundamental é que esse leite seja sempre competitivo e fran-camente remunerador para os criadores, mesmo nas épocas de safra. Uma pro-dução média em torno de 1.600 kg/vaca/ano, perfeitamente possível nos nossos trópicos a pasto com zebu e azebuadas, já signifi ca uma revolução extraordinária,

que acabará tirando do mercado muito concorrente “sofi sticado”, como, aliás, já vem ocorrendo pelo país afora. A mé-dia atual da Bahia está em torno de 550 litros/vaca/ano.

Evidentemente, um programa de fo-mento leiteiro desse tipo, com forte apoio na agricultura familiar, exige que Estado, prefeituras e sociedade civil cuidem bem do escoamento, da comercialização, das estradas, inclusive as vicinais, além de eletrifi cação rural de qualidade. Em con-trapartida, leite e lácteos certamente pro-moverão consistentes desenvolvimento econômico e social local e regional, com conseqüente aumento de arrecadação fi scal, além de melhorias mais que prová-veis nos nossos vergonhosos índices de desenvolvimento humano - IDHs. Sem falar na contribuição capital em termos de seguranças alimentar e nutricional.

Um programa específi co, prático e objetivo, voltado para a melhoria genéti-ca do rebanho leiteiro da Bahia, inspirado no “Pró Genética”, criado pelo Governo de Minas Gerais em parceria com a As-socxiação Brasileira de Criadores de Zebu - ABCZ, deveria ser desenhado de forma aperfeiçoada e em conformidade com nossas realidades específi cas e adotado, com apoio parceiro de instituições como ABCZ, MDA e bancos, de modo a induzir maior oferta de genética leiteira tropical superior. É necessário facilitar, demo-

cratizar, o acesso a pequenos e médios criadores de tourinhos puros ou sêmen com certifi cação ofi cial de desempenho zootécnico e/ou avaliação genética po-sitiva do próprio animal, a partir de sua progênie ou de seus pai e mãe, irmãs completas, etc. Créditos desse programa a cooperativas ou associações de pro-dutores familiares e pequenos-médios teriam rebates especiais, em esquemas sempre casados com um assessoramen-to técnico e capacitação, inclusive quan-to à gestão, apropriados.

Fomento específi co, gradual, cuida-doso, ao uso de inseminação artifi cial (IA) no âmbito da produção leiteira “familiar” organizada não pode ser esquecido. Na Índia e em outros países que resolveram promover “revoluções brancas”, há esque-mas muito bem sucedidos de IA em nú-cleos cooperados de micro-produtores que tem média de duas a três vacas por família. Não há grande difi culdade em fazer funcionar de modo sustentado um tal esquema entre nós, desde que logre-mos consolidar capacidades e estruturas de organização e coesão dos produtores. Adequação e melhoramento de reba-nhos via IA representa um grande avanço em relação à monta natural.

Em complemento e reforço a este propósito, a EBDA teria seus valiosos plantéis Guzerá, Gir e de bubalinos incre-mentados e intensivamente trabalhados

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em termos de melhoramento genético. Sugere-se, como assinalado acima, im-plantar um trabalho também com a raça Sindi. Isso signifi ca nos dias atuais, entre outras coisas, usar regularmente recursos como fertilização in vitro (FIV) e transfe-rência de embriões (TE) para multiplicar as matrizes de maior potencial e desem-penho, além de ampliar o plantel para uma escala condizente com o trabalho de melhoramento continuado. Um projeto nesse sentido certamente atrairia apoio de parceiros como a Embrapa, através de seu novo Centro de Transferência de Tecnologias para o Zebu de Aptidão Lei-teira – CTZL, no Distrito Federal. A EBDA seria benefi ciária, como fornecedora, de um “Pró Genética baiano”, tendo assim condições de estabelecer mecanismos de apoio à sustentabilidade econômica de seu próprio projeto de melhoramen-to. Hoje, melhoramento genético passou a ser um processo veloz e relativamente barato. Todos fazem, o Nordeste e a Bahia podem fazer também. Não podem é fi -car de fora, assistindo passivamente os outros fazerem.

A EBDA já dispõe de um moderno la-boratório para FIV e TE, operado por con-cessionária de capacidade comprovada. Além de alavancar o fomento do zebu leiteiro no Estado, a EBDA tem condições técnicas e instrumentais de potencializar esquemas de produção em razoável es-cala de matrizes F-1 (verdadeiras, puro x puro) leiteiras zebu-euro capazes de pro-duzir impacto na produção em prazos mais curtos, através de FIV e TE.

Mas, evidentemente, no plano da produção, a estratégia tem dois pés: não adianta só ter o gado certo, produtivo, resistente, ambientalmente adequado. É indispensável ter forragem farta, fácil, de boa qualidade e de custos baixos, baixíssimos. Genética só não faz milagre. A Bahia precisa, como primeiro passo, va-lorizar primordialmente os inúmeros re-cursos forrageiros de que dispõe confor-me cada realidade local, cada clima, cada disponibilidade de chuva ou recursos hí-dricos adequados a eventuais irrigações racionais de baixo custo, cada solo, cada tradição ou vocação agrícola, etc.

SUSTENTABILIDADE LEVADA A SÉRIO

Acrescente-se a isso tudo o cuidado com efi ciência máxima no aproveitamen-to e reciclagem de nutrientes e com o balanço energético. Se falamos em sus-tentabilidade, temos que levar essas coi-sas a sério. É necessário criar uma “mania” nacional em relação à compostagem e controle e aproveitamento do potencial de biogás a nível das propriedades, so-bretudo tendo em vista que o sistema de produção proposto tende a modelos de relativa intensifi cação de manejo e carga animal por área. Ir a países sul-asiáticos (Índia e outros) ver modelos de alta reci-clagem e biogás funcionando de micro a médias propriedades pode ser uma boa estratégia para conscientizar lideranças e quadros dos produtores. Hoje há técnicas desenvolvidas de produção de biogás/bioadubo a baixíssimos investimento e custo, e manejo simples.

É preciso acabar de uma vez por todas com os processos predatórios insanos de fogo na agropecuária e de menos-prezo pelos recursos locais e adaptados em troca de jogar dinheiro fora forçando em larga escala gramíneas, leguminosas e outras plantas forrageiras exóticas não-adaptadas. O fogo e outros sistemas pre-datórios absurdos economizam no curto prazo e arruínam no longo prazo. Uma ênfase em sistemas agrosilvipastoris, em variadas versões e funções parece essen-cial também na busca de sustentabilida-de, recuperação de pastagens degrada-das e baixo custo de produção.

Um Estado que é grande produtor de mandioca não poderia ser importador de leite. Porque usa tão pouco a parte aérea e a raspa da raiz na alimentação de va-cas ou búfalas? Vastas áreas do Estado apresentam potencial para produção de forrageiras de elevada produção de massa verde a baixo custo, como cana-de-açúcar, capim elefante, leucena, gliricídia e muitas outras. A riqueza de leguminosas nativas – herbáceas, arbus-tivas e arbóreas – ou adaptadas, inclusive no semi-árido, de diferentes regiões da Bahia, permite apostar alto no Estado como grande e competitivo produtor

de lácteos. Além disso, há várias outras plantas com potencial forrageiro, se não in natura, na forma de feno ou silagem. Há necessidade de mais pesquisa, valo-rização e desenvolvimento do potencial desses recursos.

Conservação de forragens, por sinal, é outro aspecto de suma importância, com vistas a reduzir a sazonalidade e assegurar performances melhores nos rebanhos. Mas é importante priorizar técnicas de sentido prático, viáveis, ainda que sempre a consciência, informação, capacitação técnica e gerencial dos pro-dutores e suas organizações solidárias se-jam trabalhadas. Há muita tecnologia co-nhecida, inclusive “tecnologia matuta”, e outras por desenvolver, bastando EBDA, Embrapa, Universidades e os próprios produtores (sociedade civil), organiza-damente, se conscientizarem e jogarem foco e um mínimo de investimentos nes-sas questões.

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