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coLetiva entrevista repórteres vão às ruas na sexta-feira à noite entre um café e outro, Pellanda fala da cidade ED .#01 // E NS AIO : You’re not in pixels anymore, Dorothy // C RÔNICA : Seis e quinze

Revista Chuvisco Ed.1

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Lançamento da revista Chuvisco, confira o conteúdo.

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coLetiva

entrevista

repór teres vão às ruas na sexta- fe i ra à no i te

entre um café e outro, Pe l landa fa la da c idade

ED.#01 // ENSAIO : You’re not in pixels anymore, Dorothy // CRÔNICA : Seis e quinze

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O QUE TEMOS NESSA EDIÇÃO

CRÔNICAseis e quinze.

A PÁTRIA EM MINHA LEMBRANÇAa figura histórica do Barão

do Rio Branco e as histórias que deixam de ser contadas

COLETIVArepórteres da chuvisco

vão para a rua na sexta-feira à noite

DEAR FRIENDCartas de 20 anos atrás são

encontradas e relembradas pelos seus remetentes

VIVENDO COMO ESTÁTUAo que vai além das figuras

estáticas que pedempor moedas nas ruas

FAZENDO UM MUNDO MELHOR, UM SOFÁ DE CADA VEZ

como funciona sistema de hospedagem CouchSurf

A PEQUENA CIDADE DE FABIANOa Curitiba construída no

chão da cozinha

CHUVISCOENTREVISTA

LUÍS HENRIQUE PELLANDAconta sobre o cotidiano

da cidade em suas crônicas

ENSAIOYou’re not in pixels anymore, Dorothy

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REPÓRTERES

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PROJETO GRÁFICO

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CURITIBA É O LUGAR EM QUE NADA SE MANTÉM CONSTANTE. É A TERRA DAQUELE LINDO DIA DE SOL QUE TRAZ PEQUENAS GOTAS INCONVENIENTES, FA-ZENDO LEMBRAR DO GUARDA-CHUVA QUE FICOU LONGE, DESACREDITADO EM SER UTILIZADO. EM PEQUENAS DOSES E CONCENTRAÇÕES, DIFERENTES ELEMENTOS DO COTIDIANO SÃO ABSORVIDOS E CRIAM EXPERIÊNCIAS ÚNICAS, FRAGMENTADAS.

A REVISTA CHUVISCO BUSCA REUNIR ESSES FRAGMENTOS, SIMPLIFICADOS EM HISTÓRIAS, RELATOS E FATOS DE PERSONAGENS QUE CONSTITUEM A CIDADE. SÃO AS EXPERIÊNCIAS QUE CONFRONTAM UMA NOÇÃO DE LINEARIDADE REPRODUZIDA AOS QUATRO VENTOS. ESTAMOS AQUI PARA MOSTRAR O QUE VAI ALÉM DO SOL ENCOBERTO DE UMA TERÇA-FEIRA CINZENTA.

NESSA EDIÇÃO, A EQUIPE CHUVISCO APRESENTA O OLHAR À DISTÂNCIA QUE LUÍS HENRIQUE PELLANDA LANÇA SOBRE CURITIBA, INCENTIVANDO A OBSERVAÇÃO DA CAPITAL DE OUTRA FORMA. COM SUA EXPERIÊNCIA DE JORNALISTA, ESCRITOR, DRAMATURGO E MÚSICO, ELE VIVENCIA EM SUAS CRÔNICAS O COTIDIANO DA CIDADE. SUA TEMÁTICA É A VIDA URBANA LOCAL, A TRAJETÓRIA DE PESSOAS QUE PARTICI-PAM DE UMA REALIDADE MUITAS VEZES DESAPERCEBIDA.

ENQUANTO PELLANDA DISCUTE A REALIDADE, FABIANO FAUCZ A RECONSTRÓI EM MINIATURAS. COMO NUM EFEITO TILT-SHIFT, A CIDADE GANHA OUTRA REPRE-SENTAÇÃO, MUITAS VEZES AMPARADA NAS MEMÓRIAS PESSOAIS DE SEU AUTOR. MEMÓRIA QUE TAMBÉM ESTÁ NA MATÉRIA COM CARTAS ENVIADAS HÁ 20 ANOS, À ESPERA DE UMA RESPOSTA PARA ANÚNCIOS DE PEN FRIEND E PENPAL. EM CON-TRAPONTO, A FALTA DELA É TEMA PARA OUTRO TEXTO, O ESQUECIMENTO DE MAR-COS E HOMENAGENS HISTÓRICAS DA CIDADE. E ALÉM DAS ESTÁTUAS HISTÓRICAS, TEMOS AS TRADICIONAIS ESTÁTUAS HUMANAS, APRESENTADAS COMO PERSONAGENS QUE VÃO ALÉM DA TINTA PRATEADA.

E MESMO SENDO CONHECIDOS POR NÃO CONVIDAREM PESSOAS A IREM ÀS SUAS CASAS, OS CURITIBANOS SE SUPERARAM AO DEIXAR SEU SOFÁ VAGO PARA ESTRANGEIROS. É A IDEIA DO COUCHSURFING, UM SISTEMA DE HOSPEDAGEM DIFERENTE QUE JÁ REÚNE MAIS DE 3 MILHÕES DE PESSOAS. ENTRE ESSAS E OU-TRAS MATÉRIAS, A CHUVISCO EXPÕE AOS POUCOS OS RECORTES DE CURITIBA, UM ESTÍMULO PARA A OBSERVAÇÃO MAIS APURADA DO COTIDIANO.

BOA LEITURA, EQUIPE CHUVISCO.

EDITORIAL

REPÓRTERES

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PROJETO GRÁFICO

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CHUVISCOENTREVISTA

AS CRÔNICASDE LUÍS PELLANDA

por VoltA dAs deZ dA mAnhã cheGAmos À quAdrA dA ÉbAno pereirA que ficA entre A luis xAVier e A cÂndido lopes. Ao entrAr, Vemos que ele nos esperA, sentAdo e com umA xÍcArA nA mesA. ApÓs As sAudAçÕes, começAmos o bAte-pApo que durA pouco mAis de umA horA, com direito A dois cAfÉs, umA ÁGuA e um GrAVAdor sem pilhAs. luÍs henrique pellAndA É um homem multitArefA. tem trAbAlhos como escritor, drAmAturGo, JornAlistA e mÚsico, sÓ citAndo As principAis AtiVidAdes. seu mAis recente feito Atende pelo nome “nÓs pAssAremos em brAnco”, liVro com crÔnicAs inspirAdAs em curitibA. o resultAdo do bAte-pApo dele com A chuVisco É Apresen-tAdo nAs linhAs A seGuir.

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reVistA chuVisco (rc): o seu noVo liVro “nÓs pAssAremos em brAnco” fAlA muito sobre o cotidiAno curitibAno, sobretudo nA reGião centrAl dA cidAde. como surGiu A ideiA de fAZê-lo?

Luís Pellanda (LP): O livro em um primeiro momento não foi pensado como livro, mas sim como uma série de crônicas que eu publicava no Vida Breve, um site que tinha vários cola-boradores e eu mantinha junto com o Rogério (Rogério Pereira, editor-chefe do Jornal Rascunho e amigo pessoal). Eu fazia crônicas semanais, e sempre optei por esse estilo mais observador, que fala sobre a trajetória das pessoas, o seu dia-a-dia. Essa escolha veio em primeiro lugar pela minha necessidade de selecionar um tema para escrever e depois pela minha experiência como repórter de rua. E o fato de ter atu-ado como repórter de rua tem haver com a minha facilidade de interagir com as pessoas, conversar com elas e observá-las. O livro na verdade só surgiu graças ao convite da Arquipé-lago Editora. Eu selecionei 37 crônicas entre as mais de 100 que eu já havia feito e as caracterizei como um livro.

rc: o que te leVou A fAZer esse enfoque mAis locAl nos textos dA crÔnicA?

LP: Pesou muito o fato de eu ser um morador do Centro e também a questão de ser um pai recente. Pensei nessa questão do homem, visto com um dominador, que tem a atribuição

de criar uma família e administrá-la em meio a uma cidade cada vez mais cheia de gente, mais violenta e cheia de perigos. Também tratei a ideia da saudade, amigos e coisas que se vão. A escolha do Centro se deu por ser o lugar onde eu moro, onde convivo. Provavelmente se eu morasse na Zona Rural ou no centro de outra cidade,a temática teria sido diferente.

rc: Você AchA que A AtuAl rotinA dAs pessoAs mudou tAnto que essA obserVA-ção do cotidiAno no diA-A-diA foi deixAdA de lAdo?

LP: Hoje em dia falta uma tranquili-dade das pessoas sobre as pers-pectivas da nossa vida. É um pouco romântico falar sobre isso, mas a rea-lidade é cada vez mais estúpida. As pessoas correm atrás de um sucesso explicado através de um marketing estúpido, que transmite a ideia de uma vida sem fi m, ou com um fi m de vida feliz ou ainda que reduz a vida a carreira profi ssional. Busca-se a todo custo ser bem-sucedido, mas se esse sucesso não vier? E como podemos dizer que somos bem-sucedidos se estamos vivos? Não temos certeza de nada. Além disso, vivemos em um ritmo acelerado, fazemos mais coisas em menos tempo, mas ao in-vés de aproveitar esse tempo livre e investir em outras atividades, fazemos a mesma coisa o dia todo, em maior volume. E para que? Para ter um novo carro, trocá-lo a cada ano, ter luxo, ter

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uma televisão a cabo. rc: em meio A essA desmAteriAliZAção, desVinculAção com As coisAs, Você AchA que A mAneirA como As pessoAs percebem A cidAde e circulAm por elA foi modifi-cAdA?

LP: Certa vez me contaram que os alunos de arquitetura da UFPR (Uni-versidade Federal do Paraná) tem uma aula cujo objetivo é olhar a ci-dade. Não sei se ainda existe, mas eles andavam pela cidade, conheciam os pontos da cidade, marcos, praças e iam compreendendo sua história. Hoje as pessoas andam de carro da garagem do apartamento delas até a garagem do shopping. Não se anda mais na rua, o que ajudou a fazer com que as pessoas esqueçam o que é a cidade. Hoje, você sugere ir a algum lugar próximo, como um restaurante, a 5 ou 6 quadras e a pessoa diz que prefere ir de carro, pra não cansar. Mas essa mesma pessoa anda o Domingo inteiro dentro de um shopping e não acha ruim. Se as pessoas vivessem a cidade, conheceriam os problemas. Muitas vezes as pessoas sabem dos problemas sociais, como o vício em crack, ou a violência, mas não con-vivem isso, o que as impede de terem uma maior consciência sobre o tema. rc: como foi A produção do “nÓs pAssA-remos em brAnco”? Você tentou buscAr histÓriAs de VerdAde ou tAmbÉm recorreu À ficção?

“Vivemos em um

ritmo acelerado,

fazemos mais

coisas em menos

tempo, mas ao

invés de aproveitar

esse tempo livre e

investir em outras

atividades, fazemos

a mesma coisa o

dia todo, em maior

volume.”

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LP: São todas histórias de verdade, você pode não acreditar, mas são. Até porque não existe uma fi delidade ao fato. Hoje no jornalismo, por exemplo, você conta um relato, pois a verdade só é conhecida pelo narrador que en-carou o fato. São histórias que acon-teceram, mas tive uma liberdade ao escrevê-las, pois elas não se propõem a contar uma verdade plena. Eu posso fundir histórias, mudar certos aspec-tos, alterar personagens. A intenção é conversar com alguém, contar uma história e não fazer algo documental. É verdade, mas também não é.

rc: e como estÁ A diVulGAção do noVo liVro?

LP: Está sendo boa. O livro foi pu-blicado por uma editora de pequeno pra médio porte, o que trouxe al-gumas vantagens. Tenho um editor muito presente no projeto, o que é muito bom e nem sempre acontece nas grandes editoras. Ele atua como alguém que conhece literatura e o mercado e então dá sugestões, traz propostas. Posso discutir a fonte, a capa, o formato, entre outras coisas. Nas grandes editoras muitas vezes esse debate não acontece. Já fi zemos divulgação em Porto Alegre, Curitiba e São Paulo. Em breve vou divulgar o livro no Rio de Janeiro. Também vou participar em eventos junto com outros autores, como o Humberto Werneck e Ivan Angelo, onde faremos alguns de-

bates sobre o assunto. Pesou muito a experiência que tive nas outras duas obras, o “Macaco Ornamental” e“As melhores entrevistas do Rascunho”.

rc: sobre o VidA breVe, que foi um proJeto feito com VÁrios colAborAdores e teVe que ser descontinuAdo. quAl A rAZão dessA decisão?

LP: Foi sobretudo uma questão de tempo. Eu e o Rogério temos vários projetos, e estava fi cando difícil conci-liar tudo. Eram sete duplas produzindo conteúdo toda a semana e os textos tinham que ser editados, analisados, o conteúdo organizado, e isso deman-dava muito tempo. E além do trabalho, também existem as questões fami-liares, as outras atividades. Em meio a isso, começamos a fazer as coisas um pouco mais no piloto-automático, o que nos deixava um pouco mais de-satentos, com risco de deixar escapar algo errado. Chegou uma hora em que achamos parar, mas quem sabe no ano que vem podemos retomar.

rc: fAlAndo sobre A questão dAs liVrAriAs e As mudAnçAs nesse mercAdo. um exemplo É A fiGurA dos liVreiros, como o João GhiGnone, cuJA liVrAriA fechou recentemente. como Você AnAlisA essA mudAnçA? É preJudiciAl Aos leitores?

LP: Sim, pois sempre que há menos livrarias há uma perda. Mas o pro-blema é maior. Muitas vezes as pes-soas tem vergonha de entrar na livra-

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ria. No Brasil todos falam que leitura importante mas quase ninguém lê. E quando alguém resolve entrar numa livraria, muitas vezes não sabe o que fazer. Às vezes até mesmo os vende-dores não tem conhecimento, não sa-bem indicar uma leitura. Nas grandes livrarias, o objetivo é vender outros produtos, mais lucrativos que os livros. Isso faz com que se priorizem os best- sellers, ou aqueles que pagam pra ter os melhores lugares nas gôndolas. Os valores estão errados, atualmente as grandes lojas querem apenas lucrar. Nas livrarias de rua a cultura era outra, havia um livreiro que te conhecia e in-dicava as novidades, conseguia novos livros. Hoje o processo de venda é im-pessoal, incapaz de fi delizar alguém.

rc: e o que Você tem plAneJAdo pArA o futuro? continuAr A diVulGAção do liVro, desenVolVer proJetos em outrAs ÁreAs?

LP: Quero me manter escrevendo crônicas profi ssionalmente, em jor-nais, revistas e outros meios. E logo deve sair o booktrailer do “Nós Pas-saremos em Branco”. Também estou trabalhando no segundo volume das “Melhores Entrevistas do Rascunho”. Talvez saia no ano que vem uma peça, mas a discussão ainda está no começo. Tem ainda um roteiro que es-tou fazendo e fala sobre o neonazismo em Curitiba, deve fi car pronto logo. Hoje estou satisfeito em atuar como freelancer dentro da área em que gos-to e me sentindo bem com isso.

Ao tÉrmino dA entreVistA, Ao ouVir que o cAfÉ erA por nossA contA Veio o comen-tÁrio, ApÓs AceitAr A ofertA. “hÁ muito

tempo desisti de entrAr nessAs discussÕes sobre quem pAGA A contA, pois isso não leVA A nAdA. pAssei A dAr A respostA de

que o prÓximo ficA por minhA contA, o que siGnificA que eu pAGArei e que hAVerÁ outrA ocAsião, numA Atitude de simpAtiA”. ficAmos

esperAndo pelA prÓximA oportunidAde.

“Nas livrarias de

rua a cultura era

outra, havia um

livreiro que te

conhecia e indicava

as novidades, con-

seguia novos livros.

Hoje o processo de

venda é impessoal,

incapaz de fi delizar

alguém.”

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ritual próprio para cada indivíduo. Os que acordam cedo costumam sofrer mais, principalmente em manhãs com a descrita acima. Os mais criativos desenvolvem técnicas para atenuar as intempéries que ocorrem na hora de acordar. Muitas vezes há ainda uma pitada do imponderável, ajudando a criar casos muitas vezes pitorescos. Um dos meios mais recorrentes para se acordar é utilizar o alarme do celular. Apesar de não ter essa fun-ção como principal, o aparelho conta com um recurso especial, capaz de superar os melhores relógios de pulso

C hove lá fora. Está frio, beirando os 14 graus. Dentro do quarto silêncio e segurança. Cobertas e edredons são a proteção contra arrepios e tre-medeiras. Um ambiente confortável, agradável, a salvo do mundo. Mas a harmonia dura pouco. O relógio completa mais uma volta e o clima muda. Um ruído seco, repetitivo e alto faz estalar os tímpanos e perturba o sossego de outrora. Os olhos que se abrem logo enxergam algo frustrante. A conferida no relógio é implacável: 6h15. Triste, mas é hora de acordar. O despertar diário representa um

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ou corda: a função soneca. Sua tarefa é simples, e ela apenas institucionali-zou a tradicional desculpa de “só mais cinco minutinhos”. Os minutos pror-rogados muitas vezes são decisivos para saber se aquele dia será bom e se vale a pena sair da cama agora. Os mais preguiçosos programam o despertador para bem antes da hora necessária, só para ter o prazer de, inúmeras vezes, ativar a tão nobre função. Postergar a hora de levantar mui-tas vezes não é suficiente para tirar uma pessoa da cama. Nesses casos, outras técnicas são adotadas para conseguir dar êxito à missão. Muitos preferem deixar o despertador longe da cama, criando uma obrigação de levantar para desligar o referido aparelho e evitar os riscos de voltar a dormir. Já existem até gadgets cria-dos para atingir tal objetivo, como o relógio-foguete que conheci alguns meses atrás. Trata-se de um reló-gio convencional, mas que tem um foguete em sua base. Quando chega a hora de acordar - caso a pessoa não esboce reação - uma contagem re-gressiva vai se iniciar. Se a contagem não for interrompida, o foguete será lançado à distância e o alarme só vai poder ser desativado se o foguete for novamente inserido na base. Aos mais desesperados pode funcionar. Às vezes o destino também prega peças. Quando a insônia bate, horas revirando na cama até que quando o sono vem hora de levantar já está

próxima. Decepção carregada duran-te todo o dia. Se o cansaço é grande, não ouvir o alarme também é possível, causando desespero na hora em que se percebe estar atrasado. Surpresa maior é acordar e ver que se dormiu no lugar errado, como em frente à televisão ou com a cabeça sobre os livros. Isso quando não se está sob efeito do álcool. Mas engana-se quem pensa que despertar todos os dias é sempre algo trágico. Às vezes é possível obter cer-tos trunfos sobre o sono. É grande a emoção, por exemplo, de acordar sozinho, olhar no relógio e ver que ain-da falta uma hora para que o alarme toque. Ou ainda de ouvir o alarme to-car mas lembrar que hoje é Sábado, e então poder ignorá-lo. Mérito maior é abrir os olhos cinco minutos antes da hora e se ver livre do irritante barulho. Isso sem falar em pequenos prazeres, como o de ser acordado com café na cama ou com presentes e felicitações no dia do aniversário. Os mais natu-ralistas podem se motivar até mesmo com o cantar do galo, que substitui qualquer dispositivo eletrônico. Seja como for, importante é não perder a hora...

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O vendedor de autopeças por profi ssão e arquiteto de miniaturas, Fabiano Fausto Faucz, tem por hobby e talento natural, uma coleção de prê-mios que caíram de paraquedas nos seus braços através de uma brinca-deira iniciada pela curiosidade.

Sueli, sua mãe, lhe deu uma mi-niatura de presente há uns oito anos atrás, Fabiano, como bom curioso foi tentar desvendar os mistérios e apren-der como se faz. Muito observou, pro-curou na Internet e até fez contato com pessoas que já mexiam com isso há anos, mas sem pretensão. Foi as-sim que tudo começou.

Hoje o hobby tem até atelier – o chão da cozinha, o espaço de criação ofi cial ganha vida e tira o sossego da esposa do arquiteto de miniaturas. Não só arquiteto, mas também construtor. Massa plástica, esponja de aço, oré-gano, palitos de sorvete, fi os elétricos e carros em miniatura desgastados através de produtos químicos. Eis o material de construção utilizado. Tudo é feito e conferido milimetricamente.

Ele é detalhista ao extremo. Che-gou a fazer uma réplica de um recorte que viu na TV, da favela do Complexo do Alemão no Rio de Janeiro. Fez até um bêbado dormindo na calça-da. A parte que Sueli odeia, “acho desnecessário, por que colocar o po-bre homem ali? prefi ro pensar que não existe esse tipo de coisa”, lamenta a

doce senhora de 80 anos e maior fã do trabalho do fi lho, como não pode-ria de deixar de ser.

O hobby custa caro, não pelos materiais, que ele encontra em casa mesmo ou com muita facilidade, mas pelo tempo que gasta. Cada miniatura toma uns dois meses da sua dedica-ção. Ângela, sua esposa, não gosta. Gabriele, sua fi lha aprova, se diverte com o talento do pai. Para ela é como se ele estivesse brincando de casinha - o que não deixa de ser.

Igreja inspirada numa imagem de Ouro Branco, interior de Minas Gerais, com toque da catedral de Curitiba; trecho da Rota 66 (seu maior sonho é viajar para aquelas bandas uma vez na vida); cemitério, ofi cina mecânica; uma casa inspirada em uma foto an-tiga (a pedido de um amigo que que-ria presentear a sogra relembrando a nostalgia de quando morava com os pais); tudo isso e mais um pouco faz parte da coleção de Fabiano.

Apesar de arquiteto por conse-quência, construindo uma cidade imaginária aos poucos, vai dando for-ma e sincronia ao seu espaço urbano em miniatura. Onde não há violência, nem problemas de saúde, nem hipo-crisia. Fabiano constrói a sua Curitiba, mas com o encanto de quem adora a cidade e não a trocaria por qualquer outra que já existe.

MINIATURAS

A PEQUENA CIDADE DE FABIANO

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Em mundo de máquina digital, parece coisa de avô ainda com-prar fi lmes fotográfi cos. Quem dirá máquinas. Assim, pequenos grupos ainda conservam materiais antigos e se divertem em meio de apetrechos analógicos.

Liderado pela Lomografi a, movi-mento originado com as máquinas produzidas na URSS, o mundo da fotografi a alternativa analógica não está nem perto do seu fi m. Novas empresas começam a pesquisar antigas tecnologias e vender má-quinas, fi lmes e químicos. O efeito esperado nem sempre é o óbvio e entradas de luz podem ser bem-vindas.

A Lomografi a é uma homenagem à Lomo, fábrica de máquinas baratas da Rússia comunista de 1982. Com lentes de plástico, má-

quina com problemas de vedação e fi lmes de qualidade duvidosa, efeitos de cor e luz apareciam com frequência nas imagens produzi-das. Hoje, a Lomography é uma fábrica, uma loja e uma espécie de movimento que incentiva e divulga a fotografi a analógica. A intenção não é registrar com clareza os fatos e memórias, mas sim brin-car com luzes, cores e formatos. Quanto mais inesperado melhor.

Além da Lomografi a, outra que-ridinha é a Polaroid. Os fi lmes originais são raros, caros e muitas vezes com prazo de validade ven-cido. Os novos fi lmes produzidos pela Impossible ainda não tem a qualidade ideal, mas melhoram a cada nova versão feita em uma fá-brica antiga na Holanda.

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Quatro lentes que abrem em sequência ao longo de um segundo. Resultado? Quase uma história em quadrinhos. Ideal para movimentos – ou do objeto ou do fotógrafo.

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Oldschool! Para relembrar um pouco de como a fo-tografi a foi criada, uma máquina do-it-yourself com uma caixinha de fósforo, duas bobinas de fi lme e muita fi ta preta. Sem lente (e apenas um buraquinho feito com agulha como obturador), o tempo de exposição do fi lme fi ca totalmente a cargo do fotógrafo. Ela fi ca pelo menos 15 segundos aberta, mas, dependendo das condições de luz, são 30 minutos sem respirar.

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Imagine o mundo por baixo da água em olhos de peixe ou numa foto tirada pelo olho mágico - isso é uma grande angular levada ao extremo. Por causa do efeito da lente, as imagens são feitas com uma espécie de borda arrendondada, fazendo com que a foto pareça ser redonda. Essa é a única máquina com lente olho de peixe compacta produzida.

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Fisheye

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diana F+Duas câmeras de médio formato, a Diana F+ tem sempre lentes de plástico, enquantoa prima Holga é fabricada em modelos com lente de plástico ou vidro. Por serem máquinas de médio formato, possuem mais qualidade de imagem, permitindo ampliações maiores. Porém, os antigos fi lmes 120 mm nem sempre são tão fáceis de achar. Como parte do charme, a Diana F+ produz imagens quadradas. Só é preciso ter cuidado redobrado para invasões de luz não desejadas – mas que podem causar di-vertidos resultados.

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Super leve e gostosa de pegar, a pequena surpreende com seus con-trastes incríveis. A lente é grande angular, mas ainda não distorce signi-fi cativamente a imagem.

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Sempre cult, muitas pessoas entraram em estado de desespero quando a fábrica anunciou o fi m da produção de vários fi lmes. A pequena tragédia, porém, tem uma reviravolta. Um dos galpões com equipamentos antigos foi comprado por entusiastas e antigos funcionários e voltou à ativa. Os novos fi lmes produzidos ainda não atingiram a qualidade ideal, mas o futuro parece possível para a Impossible.

Acima, imagem de uma forografi a feita com a primeira edição do fi lme da Impossible. Ao lado, imagem da edição mais recente.

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A pátria em minha lembrança

CIDADE OCULTA

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Graças a ele, os estados do Acre e Amapá hoje se encontram dentro das fronteiras brasileiras.

Essa vida de conquistas mudou in-clusive a maneira como ele era chama-do. Ninguém iniciava contato com ele utilizando a titulação José, tampouco Júnior. Barão era a maneira correta, que se perdura até hoje. Para os mais cuidadosos, valia o título completo, Barão do Rio Branco. Nome que tam-bém contou com a infl uência do pai, o Visconde do Rio Branco.

Mesmo estando morto desde 1912, o Barão ainda pode ser visto no Centro de Curitiba. Encontra-se 24 horas por dia no mesmo lugar, man-tendo a mesma pose, congelado pelo tempo. Apoiado em uma escrivaninha cheia de livros, pode ser visto em sua estátua, na Praça Generoso Marques, próximo ao Paço da Liberdade. Mes-mo assim, quase ninguém lhe dispen-sa a devida atenção.

Aproximando-se é possível ver mais detalhes do monumento. A data

José é um homem solitário. Sen-tenciado pelo ostracismo, toda sua vida de conquistas e realizações foi esquecida. Nas ruas quase ninguém o reconhece e ele passa despercebido por quase todos os transeuntes que circulam por Curitiba. Nem mesmo seu biotipo de chamar atenção, com abdômen avantajado, bigodes impo-nentes e calvície acentuada é capaz de fazê-lo ser notado. Depois de 66 anos bem vividos esse esquecimento deve deixá-lo com uma ponta de frus-tração.

Além do nome herdado do pai, José Maria da Silva Paranhos Júnior também foi agraciado pela experiên-cia de vida do mesmo, fruto de inten-sa atividade política exercida durante toda sua vida. Seguir os passos pa-ternos foi inevitável. Júnior teve várias profi ssões, atuando como professor, político, jornalista, diplomata, historia-dor e biógrafo, para citar as principais carreiras. Sua atividade gerou efeitos, inclusive, sobre a geografi a do Brasil.

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aproveitando os raios de sol que batem naquela região, valiosos nos dias frios. Mas quase ninguém ousa sequer olhar para ele. Numa manhã de Terça-Feira, contudo, isso muda. Um grupo de pessoas se aproxima e começa a fazer apontamentos para a estátua. De repente, fotos, quatro ou cinco em sequência. Estão bem vestidos, usam crachás e todos são negros. Ouvido a distância, o sotaque denuncia, são estrangeiros. A única companhia recente do Barão teve que vir do exterior.

Mas Barão é apenas um dos soli-tários que habitam o Centro da ci-dade. Não muito longe dali, na Praça Tiradentes, estão Benjamin, Joaquim, Floriano e Getúlio. Todos figuras históricas, todos esquecidos. Nem mesmo Floriano e Getúlio, que foram presidentes, ganham alguns segundos de atenção por quem passa. Poucos sabem que Joaquim é o nome de ba-tismo daquele que dá nome à praça, e só costuma ser lembrado em seu ani-versário de morte, feriado nacional.

Ainda menor é o número de pes-soas que sabem do Instituto Benjamin Constant, referência no ensino para deficientes visuais e que foi dirigido pelo homem eternizado na praça junto com os demais.

gravada é o dia do nascimento do Barão, redigida em algarismos roma-nos: XX-IV-MDCCCXLV. Aos que não familiares a essa numeração, 20-04-1845. Há também uma expressão latina, “UBIQUE PATRIAE MEMOR”, que traduzida significa: “Em qualquer lugar, terei sempre a Pátria em minha lembrança”. A sentença foi extraída da ex libris dele – expressão latina que designa posse de determinada obra bibliográfica.

A base na qual está colocada a estátua é quadrangular e em cada face há um nome: Amapá, Lagoa Mirim, Missões e Acre. As menções dizem respeito aos acordos diplomáti-cos feitos por ele, fundamentais para a definição das fronteiras nacionais. Isso também explica o diferenciado mapa brasileiro que faz parte do mo-numento, com Goyaz grafado deste modo e sem a presença de Tocantins, além do estado de Mato Grosso com tamanho gigantesco e Santa Catarina reduzida e encolhida, fruto da questão do Contestado e as disputas com a Argentina. Nem mesmo isso chama a atenção dos pedestres.

Cercado por flores, posicionado bem acima dos pedestres, ele passa boa parte do tempo sozinho. Mui-tas pessoas ficam próximas dele,

“Um grupo de pessoas se aproxima e começa a fazer apontamentos para a estátua.

De repente, fotos, quatro ou cinco em sequência.”

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não sÓ os mortAis - O esquecimento não é exclusivo de personalidades históricas, mas também de marcos e homenagens. Logo na frente da praça Tiradentes há um antigo relógio. Mesmo relegado

por novas ferramentas analógicas, digitais ou móveis, ele ainda marca pontualmente o horário, das 7 da manhã às 6 da noite. Colocado no alto, acima das lojas popu-lares e dos pontos de ônibus, pode ser visto de longe. Mas quase ninguém o conhece.

A Farmácia Stellfeld, chamada no passado de Botica, foi a primeira de Curitiba e abriu suas portas em 1857, lo-cada na Santa Casa de Misericórdia. Em 1866 a sede foi transferida para a Praça Tiraden-tes, ocupando um prédio de arquitetura inovadora e vistosa.

O maior destaque é o relógio solar presente na fachada, que até hoje fun-ciona precisamente, salvo na época do horário de verão.

Quase ninguém ousa ver as horas nesse artefato, tampouco se preo-cupa em preservá-lo. Prova disso é o desgaste da fachada do prédio, cas-tigado pelo tempo e em processo de degradação, pois parte de sua estru-tura, na qual o ano 1857 estava gra-fado, já não se encontra mais lá. Mais um legado posto de lado.

Outros marcos espalhados pela cidade já não recebem atenção, como a pintura comemorativa aos 300 anos da capital e 100 anos da Catedral da Nossa Senhora da Luz, localizada na Avenida Marechal Floriano e cada dia mais desbotada. Ou ainda a homena-gem a Força Expedicionária Brasileira, que esteve na Segunda Guerra Mun-dial. O espaço hoje virou referência para uma área habitada pelos men-digos. Apenas alguns, dentre muitos outros marcos, só na região central.

Nesse cenário alguns conceitos são esquecidos. Primeiro o de es-tátua, defi nida como aquilo “que re-presenta um acontecimento, um ente coletivo ou um ente moral”. Também o de marco, postulado como “qualquer peça que assinala um acontecimen-to”. O propósito de fazer lembrar es-tas pessoas e peças acaba tomando um efeito contrário, que as faz serem ainda mais desvalorizadas e esqueci-das. Memória posta de lado e história que deixa de ser contada.

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Vive

ndo

como

está

tua

QUEM NUNCA BRINCOU DE ESTÁTUA?

EU COM CERTEZA NÃO LEVANTARIA A

MÃO DIANTE DESSA PERGUNTA, MAS

TAMBÉM NUNCA FIZ ISSO VOLUNTARIAMENTE

SEM SER POR BRINCADEIRA JUNTO COM OS

COLEGUINHAS DA INFÂNCIA. EM UMA DAS

MINHAS ANDANÇAS PELA CIDADE ME DEPARO

COM UMA, ANDANDO BEM ALI NA MINHA FRENTE.

É, ANDANDO.

NA RUA

Autor 01

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José Fábio Godoy veio de Palmei-ra dos Índios em Pernambuco, mas já rodou o Brasil após a morte da mãe, há uns oito anos. Esteve em Curitiba, interior, interior de São Paulo e por aí vai. Minha atenção foi desviada quan-do pegava um ônibus, tanto que de-sisti e saltei logo após o embarque.

Impossível não se deixar abalar com um homem prateado andando cansado por um terminal de ônibus. É como se fosse um brinquedo es-perando ser guardado. Fábio com 24 anos é uma estátua, esperando o movimento da cidade para entrar em ação e parar o transito – ou seria após o transito parar? Enfim.

Ele indica seu cansaço físico e me pede para conversarmos no dia seguinte às 7h da manhã. Confirmo o encontro e o deixo seguir para o seu tão desejado descanso. No dia seguinte, um domingo de sol – sorte minha e dele – lá estou eu no ponto indicado, mas nada de Fábio. Surge outro rosto num ponto próximo.

Avisto de longe se banhando em purpurina prata. Alex Ferreira com um sorriso nos olhos se prepara para mais uma labuta. Os dentes escondi-dos atrás de carnuda boca de dentes tímidos, que se escondem, não dei-xam que os lábios os revelem. Ape-sar da balada pega na noite anterior, numa casa noturna que toca música eletrônica, o menino de quase duas décadas de idade, no auge de seus 19 anos, não há desânimo.

“É bom pra tirar uns troco, quando

“Um hobby que rende lucro, mas mesmo

assim, apenas um hobby.

Jamais deixaria a vida de

trabalhador formal para se pintar de

prateado todo dia.”

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o dia dá bom chega a duzentos reais”, diz Alex, confi rmando sua disposição em juntar dinheiro para realizar seu sonho: ter um casinha e construir uma família junto com a moça que o fez vir dos confi ns do interior, lá pelas ban-das de Porto União.

Alex tá sozinho neste domingo. Seus outros colegas de bairro não aguentaram a canseira da balada. São em seis meninos, tão jovens quanto ou pouco mais velhos que ele. Todos, ele afi rma, tem emprego, ser estátua viva é hobby. Um hobby que rende lucro, mas mesmo assim, apenas um hobby. Jamais deixaria a vida de trabalhador formal para se pintar de prateado todo dia. A purpurina é pas-sada pela pele e por tudo mais onde toca. Tudo fi ca prata. Até a cobradora do ônibus entra na dança “o dinheiro fi ca sujo, não pela origem, acho muito honesto, mas pelo aspecto mesmo”,

releva Madalena, a cobradora do tubo próximo ao local de trabalho-hobby das estátuas vivas.

Permaneço por 2h acompanhando as buzinas soarem para elogiar o que Alex está fazendo, bem como acenos agressivos e palavrões proferidos ao menino prateado. Ele é inofensivo, ofende apenas quando o sol bate na pele pintada, ofuscando a visão.

Após esse tempo, me despeço e sigo ao centro, onde encontro outra obra de arte esculpida por Deus. Esse ser sem nome, que não falou comigo, apenas gesticulou se destaca pela cor – é um fantasma-estátua (assim nomeado por mim). O ponto de refe-rência é o Largo da Ordem, o paraíso para turistas no domingo de manhã em Curitiba. O fantasma-estátua é ce-lebridade, muitos fotografam, porém, poucos contribuem com a caixinha aos seus pés.

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Ter amigos espalhados por 180 países diferentes, trocar experiências de vida e cultural, conhecer pessoas e lugares diferentes, poder viajar e ter dicas preciosas de nativos ou de pes-soas que entendam tanto quanto na-tivos e ainda se tiver sorte conseguir fi car na casa deles sem gastar com hotel parece um sonho para muitos aventureiros que amam viajar. E por que não transformar esse sonho em realidade?

Foi o que isso que Casey Felton fez em 1999 criando o projeto Couch-Surfi ng. A idéia surgiu logo depois que Felton encontrou um vôo promocional de Boston para a Islândia. Na mesma hora ele enviou um email para 1500 estudantes da Universidade da Islân-dia questionando se ele poderia fi car na casa deles e para a sua surpresa recebeu o convite de mais de 50 alu-

nos de volta. Desde então Felton pas-sou a desenvolver o site com o apoio de mais 3 amigos.

O site entrou no ar em 2004 e em 2011 registrou a marca de 3 milhões de usuários em todo o mundo. Atual-mente ele é considerado o maior site de acomodações gratuitas. Funciona como um site de rede social de in-tercâmbio cultura e ainda oferece a oportunidade de hospedagem por pessoas que tenham o mesmo inte-resse em comum.

William Sussumu criou o perfi l no site para entender a sua curiosidade de como uma rede social baseada na confi ança de pessoas que nunca se vi-ram poderia funcionar. “Criamos laços de amizades, saindo com pessoas de outros lugares e praticamos outras línguas também. É incrível como exis-tem pessoas hospitaleiras no mundo

COUCHSURF: FAZENDO UM MUNDO MELHOR,

UM SOFÁ DE CADA VEZ

DE FORA

Autor 01

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e gente legal em toda parte. Acredito que o site realmente aproxima as pes-soas e as culturas, criando experiên-cias únicas”, declara. Ele completa dizendo que o site proporciona a oportunidade de conhecer diferentes culturas sem sair de casa.

Em dois anos de CouchSurf, Willi-am hospedou 56 pessoas e foi hos-pedado por 17. Ele conta que até o momento não passou por nenhuma experiência ruim e que conseguiu conquistar amigos que levará para o resto da vida. “O Cs para mim significa uma família de desconhecidos, que fazem um mundo melhor, ajudando as pessoas a realizarem um sonho de viajar dentro ou fora de casa. É como próprio lema do Cs diz: são pessoas que fazem um mundo melhor, com um sofá de cada vez”.

De acordo com o William, os usuá-rios acabam criando alguns sistemas de segurança, já que se trata de um espaço na qual grande porcentagem dos usuários se conhecem apenas pelo meio virtual. Esse sistema pode ser identificado através de referências, verificação e voto:

referênciAs: as pessoas se base-iam nas referências para ver quem é confiável ou não dentro do site. Ex-periências positivas, negativas e neu-tras podem ser dadas para qualquer membro do CouchSurfing. Melhor do que você diz sobre você no seu perfil é o que os outros dizem.

VerificAção: você pode se tornar um usuário verificado. Isso ocorre

quando você faz uma doação para o site através de um cartão de crédito internacional e tem que ser no seu nome e a fatura tem que ser do seu endereço residencial. O site confirma o seu nome real e endereço, provando assim que você existe e mora no lugar que diz morar.

Vouched (Voto de confiAnçA): os primeiros couchsurfers criaram um sistema de voto de confiança que foi passado para os membros em que eles realmente confiavam, quando um membro recebe três votos de confi-ança, ele pode começar a dar o voto para todas pessoas que ele achar confiáveis de verdade (esse é um sím-bolo de quatro braços ligados que aparecem em alguns perfis).

William declara que “ao entrar no site, descobri a magia de conhecer pessoas com algo em comum, em tantos outros lugares. Conhecer as cidades com o olhar da pessoa que mora lá. Ir aos bares do dia-a-dia, aqueles restaurantes com um sabor sensacional e super baratos, sair na balada que parece que foi criada para você, me virar com ônibus e metrôs em cidades desconhecidas. Enfim, cada pessoa que me hospedou, me mostrou o seu ponto de vista em relação a sua cidade e seus lugares favor i tos”, diz.

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Há 20 anos, Andrei de Souza es-crevia esta carta para um estranho. Era a tentativa de conhecer pessoas, aprimorar o idioma que estava apren-dendo e quem sabe com muita sorte, conquistar até mesmo uma amizade. “Como eu estava aprendendo inglês, eu sempre comprava uma revista e nas páginas fi nais havia alguns en-dereços de pessoas interessadas em trocar correspondências”, conta. Em um primeiro momento, Andrei enviou 6 cartas para diferentes anúncios para PenPal ou Pen Friend, termo conheci-do como correspondente ou uma pes-soa que troca postais e cartas com os amigos, mas não teve respostas. “A segunda tentativa deu certo, enviei 3 cartas e uma pessoa de São Paulo me respondeu, trocamos algumas corre-spondências, acho que deve ter tro-cado umas 5 cartas durante um ano inteiro, mas depois acabamos per-dendo o contato”, conta. Andrei conta que na época, ele achava o máximo receber cartas em inglês de outros es-tados brasileiros, “eu só tinha 15 anos, então, foi uma ótima oportunidade de treinar o que eu estava aprendendo”,

relata com um sorriso.Para outras pessoas, a oportu-

nidade de participar de um club de troca de correspondência passa da experiência de apenas enviar e rece-ber algumas cartas, como no caso de Joína Almeida que cultiva as ami-zades conquistadas através desse método há mais de 20 anos. Ela conta que tudo começou quando viu um anúncio do International Pen Friends e achou a oportunidade muito boa para se inscrever, “eu achei maravilho-so conhecer outras culturas, treinar meu inglês e fazer boas amizades, comecei com uma correspondente na Suécia quando eu era adolescente, mas até hoje eu mantenho contato com algumas pessoas. Teve um ami-go que já faleceu, mas continuo em contato com a esposa dele”, relata. O avanço da tecnologia nesses 20 anos fez que muitas pessoas trocas-sem a carta convencional pelo email, com os adeptos aos clubes de troca de cartas a mudança também infl u-enciou a maneira de fazer novas am-izades, muitas pessoas pararam de enviar as cartas, porém alguns ainda

Hello, my name is Andrei de Souza Matos, and I would like to know if you want to exchange some letters with me. I'm 15 years old and I'm from Porto Alegre. I found your address on speak up club. I really want to be your friend. I hope you can write me back. Regards.

DEAR FRIEND

POSTAIS

Autor 01

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não abriram mão do gostinho de re-ceber as correspondências em casa. “Quando surgiu a Internet eu pensei que o International Pen Friend fosse acabar, mas nunca aconteceu, pois muita gente ainda sente uma emoção na chegada do carteiro com as car-tas”, relata Joína.

Nesses 20 anos de trocas de cor-respondências, Joína já presenciou e viu muita coisa acontecer. Che-gou a visitar 8 amigos que conheceu através desse sistema na Europa que moravam em países diferentes, já viu pessoas se casarem e hoje ela é a representante do International Pen Friend no Brasil. Ela é a responsável que conecta os brasileiros interessa-dos em fazer amizades com pessoas de mais de 190 países. Entre os fatos mais curiosos, está um caso que ao mesmo tempo é trágico e interessante, uma senhora de Fortaleza que queria encontrar um marido através do IPF. “Eu cansei de explicar que não somos uma agência de casamento, mas sim um clube de amizade através das car-tas. Ela era tão ansiosa que me ligava toda semana. Quando a lista dela che-gou, ela ligou para todos os da lista, nem esperou mandar cartas. Logo en-controu um senhor advogado do Peru que mandou uma foto dele 25 anos mais jovem. Quando foram esperá-lo no aeroporto em Fortaleza não con-seguiam encontrar a pessoa porque era um senhor idoso, ou seja, 25 anos mais velho. Ela ficou super decepcio-nada e queria que eu falasse com ele para retornar ao Peru. Eu disse que não poderia fazer isto. Foi um sufoco para o homem retornar”, conta.

Joína acredita que não teria vivia

todas as experiências que viveu se não fosse através do IPF, e muito me-nos se a experiência de trocas de cor-respondências fossem online desde o começo, “não, acredito que não teria a coragem de visitar meus cor-respondentes. Fiquei na casa deles por 3 dias, no máximo uma semana”, completa. Entre as histórias, Joína também coleciona muitas visitas de seus correspondentes em território brasileiro, “primeiro recebi um jornalis-ta sueco e sua filha. Eles ficaram 20 dias aqui e levei eles até Foz do Igua-çu. Depois um casal da Bélgica que levei até Salvador. E também um casal da Inglaterra que até hoje são muito amigos. Toda vez que vou lá, tenho que vê-los”, conta. Joína também fala da troca dos meios de comunicação, “hoje pela praticidade, troco email com muito deles, não também não abandonei as cartas”, revela.

Para realizar esta entrevista, foram enviadas 37 cartas para pessoas que participavam de Pen Pal Clubs no ano de 1991 e mais 20 emails para os filiados com datas mais recentes. Das cartas apenas o Andrei respon-deu para um email que havia dentro da correspondência. “Na verdade eu só respondi porque eu achei bem cu-rioso quando eu vi esta carta na minha casa. No começo fiquei mesmo as-sustado, mas quando eu vi a cópia do meu nome com o meu endereço, eu lembrei que tinha mesmo participado disso, eu nunca iria imaginar que al-guém iria achar o meu endereço e iria me procurar quase 20 anos depois para fazer uma entrevista”, relata. Dos emails, 5 pessoas responderam, porém 3 recusando a entrevista.32

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MATÉRIA DE SEXTACinco lugares são frequentados numa sexta-feira chuvosa e fria.

Veja o que acontece sob a tradicional temperatura

curitibana na saideira da semana.

folloW the White rAbbit

Não importa quem começou to-cando, a noite era mesmo de Judy Sky. Mas era também de várias pes-soas que estavam ali, só esperando ela assumir as pick-ups, e tocar aquela música. Sabe, a minha música, aquela que a Madonna fez só para mim.

Para Nádia era Sexyback, do Jus-tin, pedido especial que faz para Judy só para garantir. Normalmente vem com todo o pessoal, mas hoje pare-cia que era só ela. Não tem problema, conhecia todos os garçons e dançava com eles, mesmo com o balcão no meio. O seu pedido também já era conhecido, e para isso bastava ape-nas um sorriso que a Heineken já es-tava na mão.

No começo estava sentada do balcão do bar, um pouco deslocada até com seus alguns anos a mais. Sua roupa branca refl etia todas as luzes do VU. Se lamentava para o Marcelo, gar-çom velho da casa, que as meninas

iriam trabalhar no dia seguinte e não vinham agora de noite. Enquanto isso, bebia sua cerveja com calma, não queria beber muito. Conversava com calma e uma certa melancolia típica do começo de balada, quanto o sono ainda é maior que a empolgação. O ponto de virada? Don’t get me wrong, da eterna Cindy Lauper.

Nádia se jogou no meio da pista, sem medo de ser sozinha. Aquele era apenas o começo da noite. Estava se sentindo uma diva, exatamente onde queria: num porão perdido no São Francisco, quase começo dos Mer-cês. Uma porta sem nome, uma esca-da escura, esquema denunciado ape-nas pela nova lei do fumo, que fazia com que sempre tivesse um grupinho aglomerado perto da porta. O VU, que de velvet não tinha nada, tinha muito do underground só achava o lugar quem era iniciado.

Um problema grande para marcar aniversários. Passado o endereço, passado o número, passado detalhes

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COLETIVA

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e descrições: “É uma portinha, mas presta atenção, tem um segurança na frente”. Não, a pessoa jamais acha-ria. Talvez uma ligação pudesse fazer do aniversariante um coelho branco, deixando tudo mais fácil.

Ainda descendo as escadas, a primeira coisa que dá alguma iden-tificação – uma grande foto averme-lhado da Twiggy. Quase musa do lu-gar, ofuscando até Andy Warhol, mais imagens suas se espalham dentro do bar, com pôsteres de filmes de Sophia Coppola ou Tarantino.O ainda frio da escada se contrasta quando se abre a porta, principalmente se o horário já está avançado – um calor se amontoa num mar de não mais de 130 pessoas com braços para cima, em um movi-mento quase pendular entre a pista de dança e o bar (separados por apenas dois metros).

Para entender um pouco de quem bate ponto por ali uma visita rápida ao banheiro basta. Ambos pequenos e individuais (na teoria, não necessari-amente na prática), o masculino tem apenas mictórios. Para necessidades, uma visita ao banheiro feminino é per-mitida. Visita que pode ser feita em mais de uma pessoa inclusive, per-mitindo tudo que for possível em um metro quadrado, que, quando usado por dois ou três simultaneamente, fica com uma densidade demográfica bem semelhante a dos seus menos de 100 metros quadrados de tamanho.

por Autor 01

VU BarAv. Manoel Ribas, 146

Mercês - Curitiba(41) 3323-1021

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prA esquentAr no sAmbA

Numa noite fria da cidade famosa pelas atitudes parecidas com o clima, o calor humano é reunido nas baladas. Generalizar não dá, mas posso afirmar com conhecimento do causa que no Austin Bar tem sim. Cheguei tarde, por volta de meia-noite e que gelo na rua, o termômetro do carro marcava 7º C. Imagine fora dele. Meu destino era o samba e pagode oferecido pela casa nas noites de sexta, mas na verdade em grande parte dessa noite tocou sertanejo! Sim, sertanejo. E a galera não mostrou cara feia não. “Ah! O im-portante é descontrair”, disse Larissa, uma mulata alta e de maquiagem leve, que vestia calça jeans e blusa com decote.

Minutos após minha chegada, já tendo me ambientado com o lugar, fui dar uma volta pelo salão e parei no meio de umas pessoas dançando, na intenção de atrapalhar mesmo, para chamar atenção e fazer com que al-guém puxasse assunto. Não arranjei briga, mas fui arrancada de lá pela simpatia de Marlize que não estava dançando, mas que me vendo so-zinha no meio do salão chegou até mim dizendo “quer deixar sua blusa na nossa mesa?” Na mesa com várias bebidas, como cerveja, vodka e ener-gético, deixei a blusa e fiquei encan-tada com a energia de Mariza, irmã de Marlize. A mulher de 55 anos tinha um gingado maior do que as outras 8 mulheres da família ali presentes.

Austin BarRua Chile, 1877

Rebouças - Curitiba (41) 3538 6919

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Mariza além de sambar muito bem também tinha um sorriso que mal ca-bia no rosto. Conversamos um pouco, tentei arriscar dançar também, mas dançar de casal, sem chances. Falta ginga, acho sinceramente que a enfer-meira cinquentona roubou a que seria distribuída para mais uma centena de pessoas, dentre elas – eu.

No banheiro, a grande aventura. Banheiro de balada é uma diversão só. “A bebida entra a verdade sai”, declara uma moça loira e alta, com vestido preto. Entre um riso e outro, ela e outra amiga – morena e baixi-nha também vestida com roupa pre-ta – contam uma história sobre “um professor de educação física gos-tosão que tem o maior talento pra ser negão, só falta a cor”. Eu me meto na conversa e pergunto o porquê do “ta-lento pra ser negão”. As duas sorriem mais um tanto e respondem “minha filha, se você visse o bofe; ele samba que é uma coisa, só dançando já dá pra sentir a pegada”. A terceira moça do grupo sorri pouco e eu estranho, já que o riso das outras duas é es-cancarado. A moça vira pra mim e diz sem eu perguntar “elas estão falando do meu namorado”. É, parece que a frase faz sentido. A moça estava mais sóbria que as amigas. Quem sabe se ela e eu tivéssemos bebido mais tería-mos achado mais graça também?!

Volto pra mesa de Marlize e família e descubro que ela faz aniversário. Um bolo lindo é colocado na mesa “é na-politano” ela me conta. O gosto deixa

o bolo ainda mais lindo. A câmera não funciona, infelizmente, sem registros do parabéns, mas o momento rendeu até um samba pra Marlize, que não quis sair de perto da mesa e dançar no meio do salão. Pergunto pra Mariza qual o segredo pra tanta energia. Ela conta que nem sempre foi assim, e seu olhar entristece. Fico sem graça de perguntar e após uns minutos de silêncio constrangedor ela conta “eu era até mais feliz até dezembro do ano passado, quando eu ainda tinha meu querido filho perto de mim”. O ra-paz tinha 24 anos quando morreu de um mal súbito. “Ele tinha uma saúde muito sensível, ele era especial”.

A cereja do bolo fui eu quem ga-nhou. Roubei de Marlize e das outras companhias que tive por lá. Confesso que cheguei com uma idéia fixa na cabeça - achar alguém para quebrar o estereótipo de que só tem negão no samba. Procurei, procurei. Sim, me frustrei. Mas ter conhecido Marlize e Mariza me fez entender que cada qual freqüenta o lugar onde tem mais afini-dade. Estereótipos são quebrados, claro. Acabei percebendo por fim, que naquela mesa encontrei um caso sem perceber. O frio do curitibano não ex-istia ali. O carinho com que me aco-lheram não faz juízo à fama dos nas-cidos nessa terra. E acredite, eles são curitibanos sim.

por Autor 02

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no som dA ViolA

Na contagiante alegria típica das sexta-feiras, por volta das 18h o ce-lular toca e é feito o primeiro contato entre dois senhores, que visto de fora aparenta ser sigiloso. “E então, bora pro VV?”

“Certeza, que horas?”“Não sei, vai rolar esquenta antes,

chegue lá também.”“No lugar de sempre?”

“Sim, lá pelas 9, vamos nos juntar lá pra chegar todo mundo junto. Daí

podemos partir lá pelas 11”“Tu já imprimiu?”

“Ainda não, você já?”“Não, mas você podia imprimir

pra mim aí, né?”“Fechou. Abraço.”

“É nóis, abraço!”

O diálogo, que aparenta não ter sentido, na verdade já definiu os con-tornos do que será a noitada de sexta. O “esquenta” antecipado vai reunir to-dos e dar um alívio no bolso. Juntar todos na casa do amigo que mora sozinho evita problemas com os pais, organiza as caronas e já começa a afi-nar os ouvidos para o som da viola. Balada sertaneja é assim, tem todo um ritual.

Explicados os termos e horários, falta esclarecer o que imprimir e qual a relação disso com o sertanejo. Di-nheiro, para variar. Imprimir o bônus e apresentar na entrada sai mais barato, pois não se paga entrada, apenas uma

Victoria VillaAvenida Victor

Ferreira do Amaral, 2291Tarumã - Curitiba

(41) 3365-5050

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consumação de 35 reais para os ho-mens e 20 para as damas. Faz muita diferença, considerando que ainda tem o estacionamento e os comes e bebes do esquenta, que mesmo na divisão encarecem em 10 ou 15 reais a saída.

A hora de partida nunca é certa, pois sempre há um atrasado. E mes-mo quem já chegou não deixa de dar uma conferida no espelho. Uma ajeitada no cabelo, uma borrifada de perfume a mais. Quando não é culpa do mocinho, é a necessidade de es-perar a mocinha terminar de se arru-mar. Essa sim encara uma verdadeira seção. Salto alto, vestido, cabelo, creme, perfume, cinto, pulseira, brin-co, colar maquiagem e por aí vai. Tudo isso para ficar diferente das outras, que ou estão de saia, calça, bota ou, em alguns casos raros, chapéu.

Todos reunidos e é feita a divisão dos carros, geralmente baseada nos que serão deixados em casa depois. Quem mora perto de quem, quem vai dormir na casa de quem. Dentro do carro, conversas, risadas e o som tocando algum modão que virou hit, para todo mundo ficar afinado na hora do refrão. E ver o Pinheirão logo adiante denuncia, estamos perto. A certeza vem com a placa “Victoria Villa”. Chegamos.

O estacionamento cheio dá indí-cios de que a noite vai ser boa. Alguns ainda estão do lado de fora, fazendo o esquenta por lá mesmo, para facili-tar. Nós que já chegamos preparados

caminhamos rumo à entrada. Hoje com sorte, pois o frio não está tão intenso então o sofrimento é menor. Levar casacos não costuma valer a pena, pois lá dentro é abafado e a fila da chapelaria nem sempre é peque-na.

Na fila para entrar é comum en-contrar algum conhecido. Alguma moça conhecida em outra noite, um ou outro colega ou mesmo o segu-rança da porta de entrada, que re-conhece certos rostos. Nesse ramo a clientela costuma ser fiel e sempre presente. Porta adentro, já é possível ver a iluminação ficar menos intensa e ouvir o som ambiente tocando o ser-tanejo do momento.

A atividade lá dentro não costuma variar muito. Ou se está dançando, ou caminhando em direção ao bar ou indo atrás de algum amigo. Geralmente o aperto próximo do palco é grande, então criam-se fluxos de pessoas. Um lado vai e outro vem, desviando sem-pre de quem está pelo meio. Nesse vai e vem muitas vezes acontece uma parada, seja para uma cantada ou para convidar alguém para dançar. O ritmo das duplas que estão tocando ao vivo deixa todo mundo animado.

Quem é convidado para dançar não se ofende, mas não pode faltar habilidade, sob pena de ser convidado a parar. Quando a intenção é xavecar esse costuma ser o caminho mais fá-cil. Se não rolar, tudo bem, sem trau-mas para ninguém e a vida continua. Os entendidos dizem que em outros

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lugares a dificuldade é maior. A noite segue nesse estilo.

Pelas altas horas da noite (ou da manhã) já não há mais duplas no palco. No setlist tocado pelas caixas de som algumas músicas começam a se repetir. Os menos dispostos se sentem cansados, os menos caute-losos estão passando mal. Já não há tantas pessoas, então a hora de ir em-bora se aproxima. No caminho de vol-ta discutem-se os acontecimentos da noite e pensa-se nas atividades do dia seguinte. Mais uma noite de balada se passou, vida que segue.

por Autor 03

nos embAlos de sextA A noite

“Então me abraça forte e diz mais uma vez que já estamos distantes de tudo... Temos nosso próprio tempo, temos nosso próprio tempo...”, foi com este refrão do Renato Russo que a noite começou no Empório São Francisco. A música escolhida pela Banda Syd Vinícius para abrir a casa, fez com que as poucas pessoas pre-sentes acompanhassem a letra em coro, com os olhos fechados e mer-gulhados em nostalgia. A casa não estava completamente cheia quando a primeira banda começou, por volta da meia noite.

Um grupo bastante empolgado se aproxima do balcão do bar e um dos integrantes, de aproximadamente 28 anos vira para os amigos e questiona “cerveja para abrir a noite?”, “Só para

Empório São FranciscoRua Presidente Carlos

Cavalcanti, 1138 - Alto São Francisco - Curitiba

(41) 3222-0301

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abrir, só para abrir, depois eu vou de vodka”, responde o amigo. Enquanto o pedido não chegava, o assunto pre-dominante do grupo era a noite ante-rior, “tenho que pegar leve hoje... on-tem eu já bebi demais! Ainda to meio zonzo!”, comenta um rapaz, “Eu não, hoje eu preciso beber para desestres-sar!” responde o mesmo homem que havia pedido a cerveja no bar.

Passando da meia noite e meia, uma pequena fila com 30 pessoas começa a se formar em frente ao número 1138, da Rua Presidente Car-los Cavalcanti, no Bairro São Francis-co. 3 casais espalhados na fila se a-braçam para se esquentar da noite fria curitibana. “Quem tem cartão tem que ficar na mesma fila?”, pergunta um ra-paz de aproximadamente 23 anos. De volta ao ambiente interno, a pista que dá direto para o palco começa a ficar cheia. O bar possui dois andares, a pista principal e a pista superior.

De Beatles a Queen, a decoração do ambiente é composta por inúme-ros quadros e fotos de ícones do rock internacional pendurados em paredes cor de sangue. As pessoas se vestem de forma simplificada, sem luxo. Al-guns saltos entre as mulheres e tênis, quase unanimidade, entre os homens. Augusto de Paula Farias, 27 anos afir-ma que demorou exatos 15 minutos para se arrumar, “saí do banho, colo-quei a minha calça, camiseta, tênis, peguei um casaco e estou aqui!”, responde com bom humor. Já a Ca-mille Fernanda Araújo, 23, alega que

demorou 45 minutos para ficar pronta, com o tempo do banho, detalhe fri-sado pela jovem.

Augusto e Camille não se con-hecem, porém ambos frenquentam o Empório sempre quando podem. O principal motivo que levam os dois ao mesmo lugar é a presença dos ami-gos, garantem. O preço é outro mo-tivo atraente, “até curto a Batel, mas acho um absurdo os preços de lá, não vale tudo isso que eles cobram, não vale mesmo!”, comenta Augusto. “Eu não ligo muito para o preço, mas acho que as pessoas que freqüentam esse lugar tem o nariz menos empinado”, alega Camille com um largo sorriso no rosto, segurando o seu copo de vodka com schweepps.

“O Empório é lugar de gente fe-liz”, afima Fernanda Batistela que se diverte com as amigas no banheiro. Animadas elas até desenvolvem um método para secar os pés molhados, “é sempre um problema quando ve-nho de sandália, daí uma outra pessoa tem que me levantar até que os meus pés alcancem o secador de mãos”, explica Fernanda em meio a gargalha-das. Ela finaliza dizendo que é eclética em relação ao estilo musical e que o local é o que menos importa na hora de se divertir. “Independente do lugar, seja aqui no Empório ou em qualquer outro ambiente o que conta mesmo é a companhia e só isso que importa”, comenta.

por Autor 04

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do outro lAdo dA ruA

Um intervalo de dez minutos já faz muita diferença até mesmo na sexta-feira. Exatos sessenta e seis passos separam a faculdade e o bar, mochila nas costas em um caminho rápido para quem pretende ou pretendia voltar para a aula. Old News, o bar em frente à UTFPR, é a cantina mais próxima com liberdade alcoólica para os estudantes.

A comanda que é entregue na entrada rapidamente é amassada e colocada no bolso. “É rápido, quero pegar a chamada”, fez-se um anún-cio entre as mesas de plástico. Nas cadeiras estão mochilas empilhadas, agrupadas por cursos da faculdade. Enquanto toca Red Hot Chili Peppers, garçons vêm em vão com pequenos copos de vidro e garrafas de cerveja, uma competição entre aqueles que erguem as mãos chamando a atenção para fazer o pedido.

Os funcionários são cumprimenta-dos e se estendem em longas conver-sas com os estudantes. Um garçom se aproxima, “oi, bebida?”. Após traz-er as cervejas, conversa explicando que é dono do bar, respondendwo “red hot” quando perguntam o que está tocando. Márcio Slobdgiam co-menta que comprou o bar há poucos meses, enquanto é interrompido por apertos de mão de vários clientes que deixam o lugar. “Fui lutador de wres-tling e muay thai antes de trabalhar em bar, só não fui lutar profissionalmente

Old NewsRua Desembargador

Westphalen 782Centro - Curitiba

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na Califórnia por causa da minha es-posa”, conta ao relatar quando teve que parar de lutar por sequelas de um assalto anos atrás. Aos 29 anos tem um terreiro de umbanda e edita uma revista online da religião. “Venha dar uma olhada quando estiver saindo”, aponta para o notebook perto do caixa.

Entre a música e os barulhos de copos alguns temas são recorrentes entre as mesas. Reclamações sobre professores e aulas se assemelham às risadas que são interrompidas por idas ao banheiro em passos entrela-çados. Um dos garçons, que também faz stand-up comedy em outro bar, in-terrompe as conversas aleatoriamente para fazer considerações ou contar piadas. O movimento de entrada e saída de estudantes é constante, al-guns já estiveram no bar mais de uma vez no mesmo dia.

O bar abriu já pela manhã. Já serviu almoços. Dez e meia da noite começa a recolher os resquícios do dia, sob os bocejos da mulher do caixa. Estudantes que encerraram a noite ali levantam-se erguendo as mochilas separando o dinheiro para repartir a conta. “Espera, deixa eu pe-gar o troco para o ônibus”, lembra um deles.

por Autor 05

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43você nunca mais vai andar de ônibus do mesmo jeito.em breve, da chuvisco.

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