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Conselho EditorialAndréa de Moraes Barros
Carlos Andreassa do AmaralGuilherme G. D. Providello
João Conrado FabbriPriscila Sales
Rafael de Oliveira Rodrigues
Editor Responsável Rafael de Oliveira Rodrigues
Projeto Gráfico Carlos Andreassa do Amaral
Fotografias Pedro Zamacona GonzálezRicardo Abussafy de Souza
Colagens Ricardo Figueiredo Bagge
Ilustrações Carlos Andreassa do Amaral
Assessoria Técnica Fernando Zanetti
Wender Urias
Assessoria Contábil e Fiscal Rosana Ambrosim
Colaboradores desta Edição Andréa de Moraes Barros
Fernando ZanettiGuilherme G. D. Providello
Priscila Miraz de Freitas GreccoRafael de Oliveira Rodrigues
Ricardo Abussafy de SouzaRicardo Figueiredo Bagge
Roberto (CHU) Andreoni
Foto CapaRicardo Abussafy
Edição #01 Setembro 2014
Site da Revistahttp://issuu.com/circuscircuito/docs/circuito_n1
Tal qual a CIRCUS, a revista digital CIRCUITO está sendo pensada enquanto articulação, rede, conexões ressoando a própria estrutura organizacional da instituição e atuação junto a seus parceiros. Essa primeira edição da revista foi construída a partir da estratégia operacional da CIRCUS e sua inserção no circuito cultural ao longo dos últimos 11 anos, mostrando que está antenada com as últimas tendências tecnológicas e linguagens do contemporâneo. Informações nos levam a mais informação – em um clique nos transportamos para um lugar completamente diferente, uma outra dimensão em que o real-virtual mesclam-se e se interpõe um sobre o outro.
Os "temas" dessa primeira edição se entrecruzam e se afastam por várias vezes, mudan-do de direção diametralmente ao acaso, evidenciando conteúdos soltos não imediata-mente correlatos. Entretanto, tudo não passa do re�exo de um mundo em que a conexão se torna tão importante quanto o conteúdo. Assim, a CIRCUITO se estabelece enquanto uma estratégia que é produto da lógica contemporânea: o aparente caos re�ete uma rede de contatos (com pessoas, com assuntos, com artes e interesses) que se materializam e intercomunicam-se na revista, convidando os leitores à paragens variadas, desconhecidas ou próximas.
Enquanto os assuntos se espalham, tal qual componentes numa placa de silício, nos aproximamos de uma estética, uma movente organização, que nos remete a uma wiki walk - termo cunhado para dizer da aparente tendência de uma pesquisa online nos levar cada vez mais e mais longe - e para assuntos mais diversos do primeiramente procurado, a medida que novos temas e assuntos se interpelam enquanto questões para o pensamento.Uma pesquisa pela poesia de Paulo Leminski talvez nos leve a uma música de Itamar Assumpção, que por sua vez nos levará também ao teatro Lira Paulistana e a efervescên-cia cultural de determinada época em São Paulo, que nos levará então à outra eferves-cência, do Circo Voador no Rio de Janeiro, fechado pela ditadura militar, que nos faz lembrar de manifestações em 2013, fazendo então link com fotogra�as de protestos, educação, reciclagem, poesias, relatos atuais (ou não), fazendo links, links, hiperlinks, CIRCUITOS…Tudo pode parecer distante, ao mesmo tempo em que nos cerca de muito perto, mas necessariamente tudo está (ou pode ser) relacionado.
O mapa destas relações re�ete não só uma organização especí�ca que se evidencia na escolha de artigos, poesias, colagens, fotos, mas também a cultura em que ela se insere, as redes que ocupa, os detalhes de suas práticas. A CIRCUITO é assim: uma fotogra�a aérea de diversos assuntos que de�nem-se e misturam-se, mostrando ao mesmo tempo tanto e tão pouco de tantas coisas, mas que, via de regra, nos traz possibilidades de pensamentos interligados com diferentes impressões, marcas, texturas e linguagens. A CIRCUITO transita (d)entre links, elos, passeios sinápticos do pensamento numa teia (circuito) de possíveis re�exões e criações. Sejam todos bem vindos!
A CIRCUS - Circuito de Interação de Redes Sociais - através das tecno-logias e recursos das novas mídias - vem a público para oficializar o lançamento de mais uma ação cultural: a revista digital CIRCUITO.
Equipe editorial da CIRCUITO
Maiores informações através do nosso site: www.circus.org.br
Um ladrão é considerado um pouco mais perigoso que um artista ou porque fazer uma revista literáriaPriscila Miraz entrevista Pedro Zamacona
Fluxos da ObservaçãoAndréa de Moraes Barros
Fez do lixo seu plano de imanência para atuar no mundo.Ricardo Abussafy
Constelaciones de MarPedro Zamacona
Composição sobre a frase do �lhoPriscila Miraz
Collage, Metáfora estética da nossa era.Guilherme G. D. Providello
ColagensRicardo Bagge
II O novo reinado ou La Petit Madame Fernando Zanetti e Carlos Andreassa
AuroraFernando Zanetti e Carlos Andreassa
Poesia Esquiada Roberto Chu e Priscila Sales
Educação Contemporânea. Escola em crise?Rafael de Oliveira Rodrigues
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Andava pelas ruas movimentadíssimas da Cidade do México engolindo pelos
olhos tudo o que podia e muito do que não me cabia. A data marcada pra
voltar dava fome e ânsia ao mesmo tempo. Cinco meses são instantes no
espaço agigantado da cidade. Parecia impossível estruturar qualquer
cotidiano ali, onde tudo chama atenção, onde tudo te atrasa, te puxa pro que
você ainda não viu e está ali na sua frente, sabido de relance. E, no entanto,
era justamente isso o que fazia enquanto pensava sobre a cidade que estava
minha por cinco meses, balançando nos “peseros”, indo e vindo da escola do
meu �lho, nos metrôs, “metrobuses”, taxis. Entrando e saindo de bibliotecas,
universidades, congressos, casas de amigos velhos e novos, livrarias,
restaurantes, cafés, mercados. Das pequenas barraquinhas de �ores nas
calçadas. Os olhos explodindo diante de milhões de vidas acontecendo junto
da minha e eu sem conseguir dizer nada, esperando que talvez na volta,
dentro da casa de sofás amarelos, eu pudesse organizar tudo. Esse tudo
inde�nível. De todas as andanças sempre trazia coisas que acreditava, iriam
me ajudar a ver, a entender (o que?). Depois de voltar de uma viagem a
Puebla, tirei um jornal de uma sacola de compras deixada na semana anterior
sobre a mesa da sala. Na verdade não me apercebi de sua capa, que depois
voltei e olhei: uma árvore queima no deserto, bem em frente uma piscina
cheia de água cristalina que parece ferver. Azul, laranja, vermelho, ocre, cinza,
preto. Dentro, uma enorme página vermelha, um artigo sobre Rubem Fonseca
começava: “un ladrón es considerado un poco más peligroso que un artista”.
Procurei esse jornal porque em Puebla fui ver uma exposição de fotogra�as e
conheci o fotógrafo que expunha, Pedro Zamacona, que se apresentou como
editor de fotogra�a de uma revista cultural, Yaconic. Quando me deu dois
exemplares, um deles me pareceu familiar. Porque uma das belezas da
viagem é olhar outra vez o familiar. Volto ao editorial do número cinco:
“Muerte-Renacimiento del arte”: sobre a importância de re�etir sobre o
acontecer humano; sobre necessidade da morte do artista como ente
totalitário a quem o mercado diz o que fazer através de discursos teóricos
estéreis; sobre a experiência como arte; sobre a vida como experiência/arte.
Acho que por um pouco de tudo isso, quando soube que a CIRCUS pretendia
começar uma publicação cultural, me lembrei do Pedro e propus uma
pequena entrevista sobre o trabalho dele na Yaconic. Sobre isso que
chamamos arte e artista. Sobre sua pertinência. Conversamos e o que se
apresenta aqui são alguns poucos ponteios sobre o fazer ver/conhecer
expressões artísticas variadas, dispersas nesse lugar sem limites, de realidade
pujante e complexa, que de muitas formas tentamos entender.
Um
ladr
ão é
con
side
rado
um
pou
co m
ais
perig
oso
que
um
artis
ta o
u po
rque
faze
r um
a re
vist
a lit
erár
ia.
por Priscila Miraz
(Ciudad de México, 1985): Estudou fotogra�a no Centro de Especializa-ciones Fotográ�cas. Especializou-se em diversos ramos como fotogra�a de moda, editorial, jornalística, documental e cinematográ�ca. Estudou cinema na Arte 7, formaçãoção cinematográ�ca no Centro de Capacitación Cinematográ�ca (CCC) e comunicação na Facultad de Estudios Superiores Acatlán (UNAM). Trabalhou como fotógrafo para a Universidad Autónoma de Baja California, Centro Universitario Haller, Escuela Nacional de Antropología e Historia (ENAH), DEinternational de México, a Cámara Mexicano-Alemana de Comercio e Industria (CAMEXA), Sabotage Magazine, para as marcas Red Bull, Nike, Vans y Monster. Participou das exposições coletivas: Experi-encia de Trabajo de Campo ENAH, Rock 18-55mm, MujerArte, Movimiento Estudiantil del 71, Reciclarte e Madres Indígenas. Foi seleccionado no 2° Festival Universitario de Fotografía (Fotofestín) como expositor con a serie “Visiónes Intrinsecas” e na Primera Bienal de Fotografía Hector Garcia com o trabalho intitulado “Conciencia de lo justo”. Em 2013 participou do VII Encuentro Iberoamericano de Estudiantes de Historia realizado na Benemérita Universidad Autónoma de Puebla com a exposição individual “Una razón, un solo grito”. Atual-mente vive na Ciudad de México e trabalha como fotógrafo na agência intenacional Latinstock e como editor de fotogra�a da revista cultural Yaconic.
P.M.: Existe uma intenção de�nida com relação ao que querem quando fazem a revista? Como essa intenção está presente em Yaconic?
P.Z.: A intenção clara de Yaconic é “compar-tilhar”. Isso pra gente signi�ca dar a conhecer sem a intenção de emitir um juízo sobre se é bom ou ruim. Pensamos que em todos os lados existem excelentes formas de manifestação artística, e que muitas vezes nem tudo é difundido. É por isso que consideramos Yaconic como uma plataforma para essas expressões artísti-cas. Como exemplo posso dizer que nas páginas de Yaconic temos tido artigos de gente reconhecida internacionalmente como: Gao Brothers, Laurent Chehere, Fabiana Rodriguez, Antibalas, Daniela Edburg, Boca�oja, Trino Maldonado, Pedro Juan Gutierrez, SegoyOvbal; mas também publicamos gente que ainda não é muito conhecida mas está no meio cultural e tem muita qualidade, como: as fotógrafas Georgina Avila, Lizette Abraham, que saiu em nossa capa número 8. Outra intenção muito clara é criar algum tipo de consciên-cia nas pessoas que nos leem, já que todos os artistas que resenhamos tem uma mensagem profunda em suas obras. Isso também conseguimos nos aproximando diretamente do artista, seja por meios eletrônicos ou pessoalmente, para criar uma triangulação Yaconic-leitor-artista. Acreditamos que todas as pessoas tem algo a dizer.
PEDRO ZAMACONA GONZÁLEZ
Priscila Miraz: Pedro, você participa como editor de fotogra�a de uma revista cultural mensal e de distribuição gratuita na Cidade do México, chamada Yaconic, certo? Como surgiu a ideia da revista?
Pedro Zamacona: Sim, nesse momento trabalho como editor de foto na Yaconic. A ideia surgiu em conjunto com quatro amigos (Daniel Geyne, Pablo Anduaga, Abia Castillo y Adán Ramirez) com os quais já havia trabalha-do anteriormente em uma revista sobre música e também em alguns projetos inde-pendentes. A ideia era criar um meio onde pudéssemos apresentar diversos temas que nos interessava individualmente, mas que também eram de interesse comum aos cinco e para as pessoas que entrassem em contato com esse conteúdo. Depois de deixar a revisa de música, iniciamos uma página chamada AK-47, que tinha um viés político-cultural. Yaconic surgiu quando conseguimos um patrocínio para uma revista impressa e, a partir daí decidimos que a publicação seguiria uma linha cultural, sem chegar ao aborreci-mento, mostrando qualquer manifestação artística (conhecida ou que estivesse surgin-do) que tivesse um forte impacto para nós e para as pessoas. Foi assim que pensamos em fazer uma revista de arte e cultura mais simpática ao leitor no que se refere à diagramação, imagem e conteúdo.
P.M.: Como são selecionadas as matérias para Yaconic?
P.Z.: Todo material que entra para Yaconic é recomendação tanto da equipe editorial quanto de colaboradores ou gente de fora que nos manda propostas. Sempre procuramos algo de impacto, que atraia e que faça com que as pessoas queiram saber mais sobre o tema. Em nosso número impresso sempre tentamos apresentar um balanço sobre os temas a serem tratados, que tenha ressonância com as imagens; texto, proposta, etc. Em nosso endereço na web temos seções que nos permitem ampliar um pouco mais as propostas que queremos recomendar. Nessa dinâmica de seleção, todos participamos e damos nossa opinião para poder assim estar de acordo com o que apresentamos em Yaconic.
P.M.: E quais são as maiores di�culdades para a realização da revista?
P.Z.: Contatar os artistas e coordenar tudo para que possa sair a tempo; ter a qualidade de impressão com a qual estamos trabalhando requer muito trabalho e cuidado, já que Yaconic tem como base a imagem e o desen-ho, além de posicionar a revista como sendo uma publicação com uma nova proposta.
P.M.: Para você pessoalmente, como fotógrafo e editor de fotogra�a, o que é o melhor e pior de fazer a revista?
P.Z.: O melhor de estar em uma revista como Yaconic é conhecer novos artistas a cada dia. Isso é a base de estar buscando proje-tos, de seguir a recomendação das pessoas. E contar com um meio que você viu se posicionar pouco a pouco, e que agrada muita gente é uma satisfação muito grande. A única desvan-tagem (como todo projeto inicial) é que o tempo que te sobra pra realizar projetos pessoais é muito pouco. Mas isso é passage-iro, desde que faça o que goste, não tem porque reclamar. Estar na Yaconic me proporcionou diversas experiências e a oportuni-dade de crescer como fotógrafo. Realmente me considero muito afortunado por ser integrante dessa grande equipe, mais ainda trabalhando com fotogra�a.
P.M.: Como você entende a fotogra�a?
P.Z.: Como uma forma mais de poder me expressar, muito mutável, subjetiva, ciumenta e polêmica. Você nuca deixa de aprender em fotogra�a, seja teoria, novas tendências, novos equipamentos para realiza-la, etc. Torna-se um estilo de vida.
P.M.: O que é a arte?
P.Z.: A arte para mim é uma representação cultural da humanidade considerando sua sociedade, sua cultura, contexto social e político. É uma ferramenta pra comunicar “algo”.
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P.M.: Existe uma intenção de�nida com relação ao que querem quando fazem a revista? Como essa intenção está presente em Yaconic?
P.Z.: A intenção clara de Yaconic é “compar-tilhar”. Isso pra gente signi�ca dar a conhecer sem a intenção de emitir um juízo sobre se é bom ou ruim. Pensamos que em todos os lados existem excelentes formas de manifestação artística, e que muitas vezes nem tudo é difundido. É por isso que consideramos Yaconic como uma plataforma para essas expressões artísti-cas. Como exemplo posso dizer que nas páginas de Yaconic temos tido artigos de gente reconhecida internacionalmente como: Gao Brothers, Laurent Chehere, Fabiana Rodriguez, Antibalas, Daniela Edburg, Boca�oja, Trino Maldonado, Pedro Juan Gutierrez, SegoyOvbal; mas também publicamos gente que ainda não é muito conhecida mas está no meio cultural e tem muita qualidade, como: as fotógrafas Georgina Avila, Lizette Abraham, que saiu em nossa capa número 8. Outra intenção muito clara é criar algum tipo de consciên-cia nas pessoas que nos leem, já que todos os artistas que resenhamos tem uma mensagem profunda em suas obras. Isso também conseguimos nos aproximando diretamente do artista, seja por meios eletrônicos ou pessoalmente, para criar uma triangulação Yaconic-leitor-artista. Acreditamos que todas as pessoas tem algo a dizer.
Priscila Miraz: Pedro, você participa como editor de fotogra�a de uma revista cultural mensal e de distribuição gratuita na Cidade do México, chamada Yaconic, certo? Como surgiu a ideia da revista?
Pedro Zamacona: Sim, nesse momento trabalho como editor de foto na Yaconic. A ideia surgiu em conjunto com quatro amigos (Daniel Geyne, Pablo Anduaga, Abia Castillo y Adán Ramirez) com os quais já havia trabalha-do anteriormente em uma revista sobre música e também em alguns projetos inde-pendentes. A ideia era criar um meio onde pudéssemos apresentar diversos temas que nos interessava individualmente, mas que também eram de interesse comum aos cinco e para as pessoas que entrassem em contato com esse conteúdo. Depois de deixar a revisa de música, iniciamos uma página chamada AK-47, que tinha um viés político-cultural. Yaconic surgiu quando conseguimos um patrocínio para uma revista impressa e, a partir daí decidimos que a publicação seguiria uma linha cultural, sem chegar ao aborreci-mento, mostrando qualquer manifestação artística (conhecida ou que estivesse surgin-do) que tivesse um forte impacto para nós e para as pessoas. Foi assim que pensamos em fazer uma revista de arte e cultura mais simpática ao leitor no que se refere à diagramação, imagem e conteúdo.
P.M.: Como são selecionadas as matérias para Yaconic?
P.Z.: Todo material que entra para Yaconic é recomendação tanto da equipe editorial quanto de colaboradores ou gente de fora que nos manda propostas. Sempre procuramos algo de impacto, que atraia e que faça com que as pessoas queiram saber mais sobre o tema. Em nosso número impresso sempre tentamos apresentar um balanço sobre os temas a serem tratados, que tenha ressonância com as imagens; texto, proposta, etc. Em nosso endereço na web temos seções que nos permitem ampliar um pouco mais as propostas que queremos recomendar. Nessa dinâmica de seleção, todos participamos e damos nossa opinião para poder assim estar de acordo com o que apresentamos em Yaconic.
P.M.: E quais são as maiores di�culdades para a realização da revista?
P.Z.: Contatar os artistas e coordenar tudo para que possa sair a tempo; ter a qualidade de impressão com a qual estamos trabalhando requer muito trabalho e cuidado, já que Yaconic tem como base a imagem e o desen-ho, além de posicionar a revista como sendo uma publicação com uma nova proposta.
P.M.: Para você pessoalmente, como fotógrafo e editor de fotogra�a, o que é o melhor e pior de fazer a revista?
P.Z.: O melhor de estar em uma revista como Yaconic é conhecer novos artistas a cada dia. Isso é a base de estar buscando proje-tos, de seguir a recomendação das pessoas. E contar com um meio que você viu se posicionar pouco a pouco, e que agrada muita gente é uma satisfação muito grande. A única desvan-tagem (como todo projeto inicial) é que o tempo que te sobra pra realizar projetos pessoais é muito pouco. Mas isso é passage-iro, desde que faça o que goste, não tem porque reclamar. Estar na Yaconic me proporcionou diversas experiências e a oportuni-dade de crescer como fotógrafo. Realmente me considero muito afortunado por ser integrante dessa grande equipe, mais ainda trabalhando com fotogra�a.
P.M.: Como você entende a fotogra�a?
P.Z.: Como uma forma mais de poder me expressar, muito mutável, subjetiva, ciumenta e polêmica. Você nuca deixa de aprender em fotogra�a, seja teoria, novas tendências, novos equipamentos para realiza-la, etc. Torna-se um estilo de vida.
P.M.: O que é a arte?
P.Z.: A arte para mim é uma representação cultural da humanidade considerando sua sociedade, sua cultura, contexto social e político. É uma ferramenta pra comunicar “algo”.
P.M.: Existe uma intenção de�nida com relação ao que querem quando fazem a revista? Como essa intenção está presente em Yaconic?
P.Z.: A intenção clara de Yaconic é “compar-tilhar”. Isso pra gente signi�ca dar a conhecer sem a intenção de emitir um juízo sobre se é bom ou ruim. Pensamos que em todos os lados existem excelentes formas de manifestação artística, e que muitas vezes nem tudo é difundido. É por isso que consideramos Yaconic como uma plataforma para essas expressões artísti-cas. Como exemplo posso dizer que nas páginas de Yaconic temos tido artigos de gente reconhecida internacionalmente como: Gao Brothers, Laurent Chehere, Fabiana Rodriguez, Antibalas, Daniela Edburg, Boca�oja, Trino Maldonado, Pedro Juan Gutierrez, SegoyOvbal; mas também publicamos gente que ainda não é muito conhecida mas está no meio cultural e tem muita qualidade, como: as fotógrafas Georgina Avila, Lizette Abraham, que saiu em nossa capa número 8. Outra intenção muito clara é criar algum tipo de consciên-cia nas pessoas que nos leem, já que todos os artistas que resenhamos tem uma mensagem profunda em suas obras. Isso também conseguimos nos aproximando diretamente do artista, seja por meios eletrônicos ou pessoalmente, para criar uma triangulação Yaconic-leitor-artista. Acreditamos que todas as pessoas tem algo a dizer.
Priscila Miraz: Pedro, você participa como editor de fotogra�a de uma revista cultural mensal e de distribuição gratuita na Cidade do México, chamada Yaconic, certo? Como surgiu a ideia da revista?
Pedro Zamacona: Sim, nesse momento trabalho como editor de foto na Yaconic. A ideia surgiu em conjunto com quatro amigos (Daniel Geyne, Pablo Anduaga, Abia Castillo y Adán Ramirez) com os quais já havia trabalha-do anteriormente em uma revista sobre música e também em alguns projetos inde-pendentes. A ideia era criar um meio onde pudéssemos apresentar diversos temas que nos interessava individualmente, mas que também eram de interesse comum aos cinco e para as pessoas que entrassem em contato com esse conteúdo. Depois de deixar a revisa de música, iniciamos uma página chamada AK-47, que tinha um viés político-cultural. Yaconic surgiu quando conseguimos um patrocínio para uma revista impressa e, a partir daí decidimos que a publicação seguiria uma linha cultural, sem chegar ao aborreci-mento, mostrando qualquer manifestação artística (conhecida ou que estivesse surgin-do) que tivesse um forte impacto para nós e para as pessoas. Foi assim que pensamos em fazer uma revista de arte e cultura mais simpática ao leitor no que se refere à diagramação, imagem e conteúdo.
P.M.: Como são selecionadas as matérias para Yaconic?
P.Z.: Todo material que entra para Yaconic é recomendação tanto da equipe editorial quanto de colaboradores ou gente de fora que nos manda propostas. Sempre procuramos algo de impacto, que atraia e que faça com que as pessoas queiram saber mais sobre o tema. Em nosso número impresso sempre tentamos apresentar um balanço sobre os temas a serem tratados, que tenha ressonância com as imagens; texto, proposta, etc. Em nosso endereço na web temos seções que nos permitem ampliar um pouco mais as propostas que queremos recomendar. Nessa dinâmica de seleção, todos participamos e damos nossa opinião para poder assim estar de acordo com o que apresentamos em Yaconic.
P.M.: E quais são as maiores di�culdades para a realização da revista?
P.Z.: Contatar os artistas e coordenar tudo para que possa sair a tempo; ter a qualidade de impressão com a qual estamos trabalhando requer muito trabalho e cuidado, já que Yaconic tem como base a imagem e o desen-ho, além de posicionar a revista como sendo uma publicação com uma nova proposta.
P.M.: Para você pessoalmente, como fotógrafo e editor de fotogra�a, o que é o melhor e pior de fazer a revista?
P.Z.: O melhor de estar em uma revista como Yaconic é conhecer novos artistas a cada dia. Isso é a base de estar buscando proje-tos, de seguir a recomendação das pessoas. E contar com um meio que você viu se posicionar pouco a pouco, e que agrada muita gente é uma satisfação muito grande. A única desvan-tagem (como todo projeto inicial) é que o tempo que te sobra pra realizar projetos pessoais é muito pouco. Mas isso é passage-iro, desde que faça o que goste, não tem porque reclamar. Estar na Yaconic me proporcionou diversas experiências e a oportuni-dade de crescer como fotógrafo. Realmente me considero muito afortunado por ser integrante dessa grande equipe, mais ainda trabalhando com fotogra�a.
P.M.: Como você entende a fotogra�a?
P.Z.: Como uma forma mais de poder me expressar, muito mutável, subjetiva, ciumenta e polêmica. Você nuca deixa de aprender em fotogra�a, seja teoria, novas tendências, novos equipamentos para realiza-la, etc. Torna-se um estilo de vida.
P.M.: O que é a arte?
P.Z.: A arte para mim é uma representação cultural da humanidade considerando sua sociedade, sua cultura, contexto social e político. É uma ferramenta pra comunicar “algo”.
P.M.: Existe uma intenção de�nida com relação ao que querem quando fazem a revista? Como essa intenção está presente em Yaconic?
P.Z.: A intenção clara de Yaconic é “compar-tilhar”. Isso pra gente signi�ca dar a conhecer sem a intenção de emitir um juízo sobre se é bom ou ruim. Pensamos que em todos os lados existem excelentes formas de manifestação artística, e que muitas vezes nem tudo é difundido. É por isso que consideramos Yaconic como uma plataforma para essas expressões artísti-cas. Como exemplo posso dizer que nas páginas de Yaconic temos tido artigos de gente reconhecida internacionalmente como: Gao Brothers, Laurent Chehere, Fabiana Rodriguez, Antibalas, Daniela Edburg, Boca�oja, Trino Maldonado, Pedro Juan Gutierrez, SegoyOvbal; mas também publicamos gente que ainda não é muito conhecida mas está no meio cultural e tem muita qualidade, como: as fotógrafas Georgina Avila, Lizette Abraham, que saiu em nossa capa número 8. Outra intenção muito clara é criar algum tipo de consciên-cia nas pessoas que nos leem, já que todos os artistas que resenhamos tem uma mensagem profunda em suas obras. Isso também conseguimos nos aproximando diretamente do artista, seja por meios eletrônicos ou pessoalmente, para criar uma triangulação Yaconic-leitor-artista. Acreditamos que todas as pessoas tem algo a dizer.
Priscila Miraz: Pedro, você participa como editor de fotogra�a de uma revista cultural mensal e de distribuição gratuita na Cidade do México, chamada Yaconic, certo? Como surgiu a ideia da revista?
Pedro Zamacona: Sim, nesse momento trabalho como editor de foto na Yaconic. A ideia surgiu em conjunto com quatro amigos (Daniel Geyne, Pablo Anduaga, Abia Castillo y Adán Ramirez) com os quais já havia trabalha-do anteriormente em uma revista sobre música e também em alguns projetos inde-pendentes. A ideia era criar um meio onde pudéssemos apresentar diversos temas que nos interessava individualmente, mas que também eram de interesse comum aos cinco e para as pessoas que entrassem em contato com esse conteúdo. Depois de deixar a revisa de música, iniciamos uma página chamada AK-47, que tinha um viés político-cultural. Yaconic surgiu quando conseguimos um patrocínio para uma revista impressa e, a partir daí decidimos que a publicação seguiria uma linha cultural, sem chegar ao aborreci-mento, mostrando qualquer manifestação artística (conhecida ou que estivesse surgin-do) que tivesse um forte impacto para nós e para as pessoas. Foi assim que pensamos em fazer uma revista de arte e cultura mais simpática ao leitor no que se refere à diagramação, imagem e conteúdo.
P.M.: Como são selecionadas as matérias para Yaconic?
P.Z.: Todo material que entra para Yaconic é recomendação tanto da equipe editorial quanto de colaboradores ou gente de fora que nos manda propostas. Sempre procuramos algo de impacto, que atraia e que faça com que as pessoas queiram saber mais sobre o tema. Em nosso número impresso sempre tentamos apresentar um balanço sobre os temas a serem tratados, que tenha ressonância com as imagens; texto, proposta, etc. Em nosso endereço na web temos seções que nos permitem ampliar um pouco mais as propostas que queremos recomendar. Nessa dinâmica de seleção, todos participamos e damos nossa opinião para poder assim estar de acordo com o que apresentamos em Yaconic.
P.M.: E quais são as maiores di�culdades para a realização da revista?
P.Z.: Contatar os artistas e coordenar tudo para que possa sair a tempo; ter a qualidade de impressão com a qual estamos trabalhando requer muito trabalho e cuidado, já que Yaconic tem como base a imagem e o desen-ho, além de posicionar a revista como sendo uma publicação com uma nova proposta.
P.M.: Para você pessoalmente, como fotógrafo e editor de fotogra�a, o que é o melhor e pior de fazer a revista?
P.Z.: O melhor de estar em uma revista como Yaconic é conhecer novos artistas a cada dia. Isso é a base de estar buscando proje-tos, de seguir a recomendação das pessoas. E contar com um meio que você viu se posicionar pouco a pouco, e que agrada muita gente é uma satisfação muito grande. A única desvan-tagem (como todo projeto inicial) é que o tempo que te sobra pra realizar projetos pessoais é muito pouco. Mas isso é passage-iro, desde que faça o que goste, não tem porque reclamar. Estar na Yaconic me proporcionou diversas experiências e a oportuni-dade de crescer como fotógrafo. Realmente me considero muito afortunado por ser integrante dessa grande equipe, mais ainda trabalhando com fotogra�a.
P.M.: Como você entende a fotogra�a?
P.Z.: Como uma forma mais de poder me expressar, muito mutável, subjetiva, ciumenta e polêmica. Você nuca deixa de aprender em fotogra�a, seja teoria, novas tendências, novos equipamentos para realiza-la, etc. Torna-se um estilo de vida.
P.M.: O que é a arte?
P.Z.: A arte para mim é uma representação cultural da humanidade considerando sua sociedade, sua cultura, contexto social e político. É uma ferramenta pra comunicar “algo”.
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Este texto tem o objetivo de apresentar algumas consider-
ações sobre processos de pesquisa qualitativa a partir do
olhar de uma observadora “de primeira viagem”. Durante
um ano, de maio de 2011 até junho de 2012, desenvolvi
uma pesquisa na área das Ciências Sociais, que tratou de
acompanhar a forma de participação dos/as catadores/as
de materiais recicláveis no caso do encerramento do Lixão
de Jardim Gramacho, localizado no Estado Rio de Janeiro.
Apresento aqui também além de minha vivência em
campo, minha interação com a obra Sociedade de Esquina
do antropólogo estadunidense Willian Foote Whyte, que
nos anos 1930 passou 3 anos vivendo em uma comunidade
italiana de Boston, Estados Unidos.
Para que a observação participante? Uma boa explicação
da utilidade desse método nos oferecem os autores Bortz e
Döring (1995: 298)2 :
Guardando as devidas proporções em relação à situação de campo vivenciada por este antropólogo, principalmente, quanto ao tempo de duração da pesquisa e intensidade da permanência em campo, procuro evidenciar com esta passagem minha identi�cação com o universo cultural pesquisado.Ao mesmo tempo em que as viagens semanais ao Bairro Jardim Gramacho fossem cansativas, chegando durar 2 horas e meia de ônibus no trânsito do Rio de Janeiro e o mesmo tempo de volta, e o ambiente fosse de certa forma insalubre, uma vez que o território de Gramacho era marca-do pelo “vai e vem” das carretas de lixo que chegavam e saiam do aterro constantemente durante 24 horas do dia, empoeirando o ar e lavando de chorume as ruas da região, a permanência em campo, por outro lado, representava uma estimulante vivência. Isso se deve ao fato de que a construção das questões de pesquisa e o desenvolvimento de hipóteses não se davam de forma linear e sim, dialetica-mente, em avanços e retrocessos, na interação com a cultura local, tornando o ato de pesquisar uma experiência apaixonante.Desta forma, pude vivenciar o que já havia lido em Whyte (2005: 283):
se acalma... A sensação de instabilidade se transforma em
um processo de aprendizagem, não sem percalços, porém,
emocionante, mediado pela interação entre pesquisa-
dor/a, campo e sujeitos da e na pesquisa.
Na adaptação a este processo pude perceber que a escolha
do campo de pesquisa se relaciona à personalidade do/a
pesquisador/a. Desta forma a observação e análise passam
também pela esfera da percepção/conscientização de seus
próprios limites e interesses. Isso se mostra com muita
intensidade, porque a realização de uma pesquisa está
necessariamente vinculada a uma constante escolha de
caminhos e de�nições de conceitos, o que muitas vezes
podem acontecer de forma inusitada e/ou espontânea,
mas nunca sem vinculação com a visão de mundo e os
interesses do/a pesquisador/a.
No Anexo A da obra Sociedade de Esquina Willian Foote
Whyte (2005: 283)3 inicia o texto mencionando a racionali-
dade impressa nos estudos sobre método de pesquisa,
comentando, que os mesmos não levavam em conta a
humanidade inerente ao pesquisador, complementando:
“Foi um rio que passou em minha vida e meu coração se deixou levar”Paulinho da Viola
Da mesma forma, chegando as minhas “respostas”, apren-
dia a identi�car o momento de inquirir e aquele de
deixar-se levar pelo �uxo da vida em campo. Assim, fui
entendendo pouco a pouco os papéis que se desenhavam.
Esta percepção me levou a reestruturar por diversas vezes
a pesquisa durante o trabalho “com o campo”. Rede�nições
do problema de pesquisa foram acontecendo e sendo
permitidas a partir das novas con�gurações sociais e
políticas observadas e vivenciadas.
Em me “deixar levar pelo rio” da observação participante
tive que atentar para não absorver sem questionamento a
posição das pessoas que me introduziram ao campo –
modo comum de “acesso do/a pesquisador/a ao campo”,
ou mesmo de meus posteriores interlocutores, com quem
passei a conviver mais intensamente. A interação no
campo entre pesquisador/a e sujeitos de pesquisa gera
uma relação de con�ança, e por isso se deve ter um rigor
maior quanto aos dados gerados a partir dessa relação.
Nesse sentido Flick (1995:160)4 comenta:
por Andréa de Moraes Barros1
Suponho que ninguém vá viver numa área pobre e degradada durante três anos e meio se não estiver preocupado com os problemas enfrentados pelas pessoas do lugar.
Assim como seus informantes, o pesquisador é um animal social. Tem um papel a desempenhar, e as demandas de sua própria personalidade devem ser satisfeitas em alguma medida para que ele possa atuar com sucesso.
Durante o período anterior à pesquisa de campo havia
estudado sobre a pesquisa qualitativa e seus métodos de
coleta de dados, tendo me identi�cado a princípio, teorica-
mente, com a observação participante. Além disso, minha
opção por este método foi feita no que “os manuais me
disseram” sobre sua adequação ao caso a ser pesquisado.
No entanto, como bacharel em Direito, não havia sido
preparada para atuar em campo desta forma. Sendo assim,
não tinha a menor ideia no que estava me metendo até ir a
campo pela primeira vez! A princípio foi como tomar um
susto! O coração para durante um segundo. Mas aos poucos
“Do ponto de vista técnico a observação participante se orienta a responder questões relativas a processos. Em estudos de caso este método pode apreender a complexidade de uma situação de forma abrangente e detalhada através de uma pesquisa intensiva.”
Numa passagem mais à frente o autor volta ao tema e
a�rma:
Assim, como Whyte, se me permitem a honra da comparação, “observava, descrevia e analisava grupos à medida que avançavam e mudavam ao longo do tempo” (2005: 320). Poeticamente o autor explica sua forma de pesquisar: “Em outras palavras eu as �lmava, em vez de fotografá-las.” Percebi que há um movimento e que este pendula entre a participação na realidade observada e a formulação de conceitos teóricos, que não se podia observar esse processo do encerramento deste lixão, sem observar o viver naquela região.Ao “�lmar” a interação desses grupos em sua vida e na esfera das discussões sobre tema pesquisado, e ao mesmo tempo fazendo parte do �lme através de minha imersão em campo, foi possível “receber as respostas” para minhas questões. Como observou Whyte (2005:304) sobre seu processo de pesquisa:
Essa passagem pode se relacionar ao cuidado que o/a
pesquisador/a deve tomar para não perder sua perspecti-
va de “ser externo”, mesmo na imersão, por outro, no
entanto, somos levados muitas vezes a assumir papéis
relativos ao desenvolvimento do cotidiano do universo
cultural pesquisado, até mesmo porque considero que
devemos dar um “sentido” e uma contribuição à presença
deste “ser externo” no território investigado (Whyte, 2005:
301).
Acompanhando os encontros dos/as catadores/as de
materiais recicláveis no processo de negociações sobre o
encerramento do lixão de Jardim Gramacho assumi a
relatoria das reuniões. Ao surgir a questão da necessidade
de redação das atas destes encontros, pronti�quei-me
para a função, no ato um catador a�rmou: “Ah! Pode ser a
Andréa mesmo, ela já anota tudo mesmo!” Percebi que
minha presença em campo estava associada ao registro,
em função da manutenção do diário de campo5. Essa
posição me abriu mais espaço para pesquisar, tanto por
permitir uma participação mais ampla nas reuniões
institucionais entre governo do Estado do Rio de Janeiro e
os grupos de catadores/as, quanto pela proximidade e
intensidade na relação com os grupos de catadores/as.
Caso alguém questionasse minha presença em alguma
dessas reuniões institucionais, por exemplo, os/as catado-
res/as argumentavam: “A Andréa escreve nossas atas, ela
tem que estar na reunião”. Nesta época, minha presença em
campo começava a chamar a atenção de outros atores
sociais externos ao grupo, porém envolvidos diretamente
no processo de encerramento do lixão. Eu não “pertencia” a
um grupo social ou uma instituição relacionada o�cial-
mente ao caso.
A relação dos sujeitos de/na pesquisa pode revelar também
relações de poder, que chegam ao pesquisador de diversas
formas. Nesse contexto, a ocupação da função de relatoria
me trouxe também algumas di�culdades. Atores sociais
externos ao grupo de catadores/as confundiam os limites
do “ser pesquisador/a”, e diretamente me questionavam
sobre os encaminhamentos tomados pelos/as catadores/as
em suas reuniões. Além da ética na pesquisa, havia para
mim um compromisso ético com o grupo. Nenhuma
informação de encaminhamentos tomados naquele espaço
coletivo poderia ser revelada sem a autorização dos/as
catadores/as. Desta forma ao negar o �uxo de informações
passei a ocupar um lugar nesse processo, como se tivesse
escolhido “um lado” para atuar.
Inusitadamente “ao escolher o meu lado” tive acesso a um
determinada qualidade de dados no processo de pesquisa,
construídos a partir do ponto de vista da participação
dos/as catadores/as no processo de desativação deste
lixão. Isso foi possível devido à forma intensa de inserção
no universo pesquisado, o que foi impulsionado pela
função de relatoria assumida. Minha intenção fora de
contribuir concretamente e imediatamente com aquele
processo social e não apenas no âmbito da abordagem
cientí�ca, que no caso poderá trazer de certa forma uma
contribuição para a discussão sobre a humanização e
democratização de processos políticos. Sabemos, porém,
que esses resultados muitas vezes se restringem a círculos
acadêmicos. De fato os grupos de catadores/as tem em
mãos um registro histórico detalhado daquele processo de
discussão de encerramento do lixão de Jardim Gramacho.
Fica minha pequena contribuição.
Constatei a pertinência da observação participante como
instrumento de registro de processos sociais, cuja aplicação
intensi�ca a relação entre pesquisador/a, campo e sujeitos
na/da pesquisa, volto à questão do interesse pessoal do/a
pesquisador/a nas escolhas tomadas em campo. Nesse o
diretamente ligadas a minha visão de mundo, que não é
imparcial. Nesse sentido, arrisco-me a a�rmar que não há
como existir neutralidade na pesquisa. Isso não signi�ca
botar a perder o caráter cientí�co de minha observação.
Escolhemos metodologias e associamos teorias para explic-
ar o observado, como se fossem lentes, que podem nos
ajudam a enxergar melhor, ao mesmo tempo em que nos
impõem parâmetros e limites no olhar.
Com que lentes observamos a realidade? É com
essa questão que nos deparamos a todo momento no
processo de pesquisa e, através desse confronto, imprimi-
mos não somente o resultado da pesquisa, mas também
revemos nossos interesses e nossas aspirações no univer-
so social.
Este texto tem o objetivo de apresentar algumas consider-
ações sobre processos de pesquisa qualitativa a partir do
olhar de uma observadora “de primeira viagem”. Durante
um ano, de maio de 2011 até junho de 2012, desenvolvi
uma pesquisa na área das Ciências Sociais, que tratou de
acompanhar a forma de participação dos/as catadores/as
de materiais recicláveis no caso do encerramento do Lixão
de Jardim Gramacho, localizado no Estado Rio de Janeiro.
Apresento aqui também além de minha vivência em
campo, minha interação com a obra Sociedade de Esquina
do antropólogo estadunidense Willian Foote Whyte, que
nos anos 1930 passou 3 anos vivendo em uma comunidade
italiana de Boston, Estados Unidos.
Para que a observação participante? Uma boa explicação
da utilidade desse método nos oferecem os autores Bortz e
Döring (1995: 298)2 :
Guardando as devidas proporções em relação à situação de campo vivenciada por este antropólogo, principalmente, quanto ao tempo de duração da pesquisa e intensidade da permanência em campo, procuro evidenciar com esta passagem minha identi�cação com o universo cultural pesquisado.Ao mesmo tempo em que as viagens semanais ao Bairro Jardim Gramacho fossem cansativas, chegando durar 2 horas e meia de ônibus no trânsito do Rio de Janeiro e o mesmo tempo de volta, e o ambiente fosse de certa forma insalubre, uma vez que o território de Gramacho era marca-do pelo “vai e vem” das carretas de lixo que chegavam e saiam do aterro constantemente durante 24 horas do dia, empoeirando o ar e lavando de chorume as ruas da região, a permanência em campo, por outro lado, representava uma estimulante vivência. Isso se deve ao fato de que a construção das questões de pesquisa e o desenvolvimento de hipóteses não se davam de forma linear e sim, dialetica-mente, em avanços e retrocessos, na interação com a cultura local, tornando o ato de pesquisar uma experiência apaixonante.Desta forma, pude vivenciar o que já havia lido em Whyte (2005: 283):
se acalma... A sensação de instabilidade se transforma em
um processo de aprendizagem, não sem percalços, porém,
emocionante, mediado pela interação entre pesquisa-
dor/a, campo e sujeitos da e na pesquisa.
Na adaptação a este processo pude perceber que a escolha
do campo de pesquisa se relaciona à personalidade do/a
pesquisador/a. Desta forma a observação e análise passam
também pela esfera da percepção/conscientização de seus
próprios limites e interesses. Isso se mostra com muita
intensidade, porque a realização de uma pesquisa está
necessariamente vinculada a uma constante escolha de
caminhos e de�nições de conceitos, o que muitas vezes
podem acontecer de forma inusitada e/ou espontânea,
mas nunca sem vinculação com a visão de mundo e os
interesses do/a pesquisador/a.
No Anexo A da obra Sociedade de Esquina Willian Foote
Whyte (2005: 283)3 inicia o texto mencionando a racionali-
dade impressa nos estudos sobre método de pesquisa,
comentando, que os mesmos não levavam em conta a
humanidade inerente ao pesquisador, complementando:
Da mesma forma, chegando as minhas “respostas”, apren-
dia a identi�car o momento de inquirir e aquele de
deixar-se levar pelo �uxo da vida em campo. Assim, fui
entendendo pouco a pouco os papéis que se desenhavam.
Esta percepção me levou a reestruturar por diversas vezes
a pesquisa durante o trabalho “com o campo”. Rede�nições
do problema de pesquisa foram acontecendo e sendo
permitidas a partir das novas con�gurações sociais e
políticas observadas e vivenciadas.
Em me “deixar levar pelo rio” da observação participante
tive que atentar para não absorver sem questionamento a
posição das pessoas que me introduziram ao campo –
modo comum de “acesso do/a pesquisador/a ao campo”,
ou mesmo de meus posteriores interlocutores, com quem
passei a conviver mais intensamente. A interação no
campo entre pesquisador/a e sujeitos de pesquisa gera
uma relação de con�ança, e por isso se deve ter um rigor
maior quanto aos dados gerados a partir dessa relação.
Nesse sentido Flick (1995:160)4 comenta:
A evolução real das ideias na pesquisa não acontece de acordo com os relatos formais que lemos sobre os métodos de investigação. As ideias crescem, em parte, como resultado de nossa imersão nos dados e do processo total de viver.
A inserção no campo e na subcultura a ser pesquisada representa um problema, que oportunamente se reporta às pessoas-chave, as quais são apresentadas ao pesquisador ou por ele contatadas. (...) Por outro lado, o pesquisador não deve absorver informações tão somente destas pessoas, mas prestar atenção, em que dimensão ele absorve sem questionamento somente a visão destas pessoas-chave.
Sentando e ouvindo, soube as respostas às perguntas que nem mesmo teria tido a ideia de fazer se colhesse minhas informações apenas por entrevistas. Não abandonei de vez as perguntas, é claro. Simplesmente aprendi a julgar quão delicada era uma questão e a avaliar minha relação com a pessoa, de modo a só fazer uma pergunta delicada quando estivesse seguro da solidez de minha relação com ela.
Durante o período anterior à pesquisa de campo havia
estudado sobre a pesquisa qualitativa e seus métodos de
coleta de dados, tendo me identi�cado a princípio, teorica-
mente, com a observação participante. Além disso, minha
opção por este método foi feita no que “os manuais me
disseram” sobre sua adequação ao caso a ser pesquisado.
No entanto, como bacharel em Direito, não havia sido
preparada para atuar em campo desta forma. Sendo assim,
não tinha a menor ideia no que estava me metendo até ir a
campo pela primeira vez! A princípio foi como tomar um
susto! O coração para durante um segundo. Mas aos poucos
Assim, como Whyte, se me permitem a honra da comparação, “observava, descrevia e analisava grupos à medida que avançavam e mudavam ao longo do tempo” (2005: 320). Poeticamente o autor explica sua forma de pesquisar: “Em outras palavras eu as �lmava, em vez de fotografá-las.” Percebi que há um movimento e que este pendula entre a participação na realidade observada e a formulação de conceitos teóricos, que não se podia observar esse processo do encerramento deste lixão, sem observar o viver naquela região.Ao “�lmar” a interação desses grupos em sua vida e na esfera das discussões sobre tema pesquisado, e ao mesmo tempo fazendo parte do �lme através de minha imersão em campo, foi possível “receber as respostas” para minhas questões. Como observou Whyte (2005:304) sobre seu processo de pesquisa:
Essa passagem pode se relacionar ao cuidado que o/a
pesquisador/a deve tomar para não perder sua perspecti-
va de “ser externo”, mesmo na imersão, por outro, no
entanto, somos levados muitas vezes a assumir papéis
relativos ao desenvolvimento do cotidiano do universo
cultural pesquisado, até mesmo porque considero que
devemos dar um “sentido” e uma contribuição à presença
deste “ser externo” no território investigado (Whyte, 2005:
301).
Acompanhando os encontros dos/as catadores/as de
materiais recicláveis no processo de negociações sobre o
encerramento do lixão de Jardim Gramacho assumi a
relatoria das reuniões. Ao surgir a questão da necessidade
de redação das atas destes encontros, pronti�quei-me
para a função, no ato um catador a�rmou: “Ah! Pode ser a
Andréa mesmo, ela já anota tudo mesmo!” Percebi que
minha presença em campo estava associada ao registro,
em função da manutenção do diário de campo5. Essa
posição me abriu mais espaço para pesquisar, tanto por
permitir uma participação mais ampla nas reuniões
institucionais entre governo do Estado do Rio de Janeiro e
os grupos de catadores/as, quanto pela proximidade e
intensidade na relação com os grupos de catadores/as.
Caso alguém questionasse minha presença em alguma
dessas reuniões institucionais, por exemplo, os/as catado-
res/as argumentavam: “A Andréa escreve nossas atas, ela
tem que estar na reunião”. Nesta época, minha presença em
campo começava a chamar a atenção de outros atores
sociais externos ao grupo, porém envolvidos diretamente
no processo de encerramento do lixão. Eu não “pertencia” a
um grupo social ou uma instituição relacionada o�cial-
mente ao caso.
A relação dos sujeitos de/na pesquisa pode revelar também
relações de poder, que chegam ao pesquisador de diversas
formas. Nesse contexto, a ocupação da função de relatoria
me trouxe também algumas di�culdades. Atores sociais
externos ao grupo de catadores/as confundiam os limites
do “ser pesquisador/a”, e diretamente me questionavam
sobre os encaminhamentos tomados pelos/as catadores/as
em suas reuniões. Além da ética na pesquisa, havia para
mim um compromisso ético com o grupo. Nenhuma
informação de encaminhamentos tomados naquele espaço
coletivo poderia ser revelada sem a autorização dos/as
catadores/as. Desta forma ao negar o �uxo de informações
passei a ocupar um lugar nesse processo, como se tivesse
escolhido “um lado” para atuar.
Inusitadamente “ao escolher o meu lado” tive acesso a um
determinada qualidade de dados no processo de pesquisa,
construídos a partir do ponto de vista da participação
dos/as catadores/as no processo de desativação deste
lixão. Isso foi possível devido à forma intensa de inserção
no universo pesquisado, o que foi impulsionado pela
função de relatoria assumida. Minha intenção fora de
contribuir concretamente e imediatamente com aquele
processo social e não apenas no âmbito da abordagem
cientí�ca, que no caso poderá trazer de certa forma uma
contribuição para a discussão sobre a humanização e
democratização de processos políticos. Sabemos, porém,
que esses resultados muitas vezes se restringem a círculos
acadêmicos. De fato os grupos de catadores/as tem em
mãos um registro histórico detalhado daquele processo de
discussão de encerramento do lixão de Jardim Gramacho.
Fica minha pequena contribuição.
Constatei a pertinência da observação participante como
instrumento de registro de processos sociais, cuja aplicação
intensi�ca a relação entre pesquisador/a, campo e sujeitos
na/da pesquisa, volto à questão do interesse pessoal do/a
pesquisador/a nas escolhas tomadas em campo. Nesse o
diretamente ligadas a minha visão de mundo, que não é
imparcial. Nesse sentido, arrisco-me a a�rmar que não há
como existir neutralidade na pesquisa. Isso não signi�ca
botar a perder o caráter cientí�co de minha observação.
Escolhemos metodologias e associamos teorias para explic-
ar o observado, como se fossem lentes, que podem nos
ajudam a enxergar melhor, ao mesmo tempo em que nos
impõem parâmetros e limites no olhar.
Com que lentes observamos a realidade? É com
essa questão que nos deparamos a todo momento no
processo de pesquisa e, através desse confronto, imprimi-
mos não somente o resultado da pesquisa, mas também
revemos nossos interesses e nossas aspirações no univer-
so social.
Este texto tem o objetivo de apresentar algumas consider-
ações sobre processos de pesquisa qualitativa a partir do
olhar de uma observadora “de primeira viagem”. Durante
um ano, de maio de 2011 até junho de 2012, desenvolvi
uma pesquisa na área das Ciências Sociais, que tratou de
acompanhar a forma de participação dos catadores/as de
materiais recicláveis no caso do encerramento do Lixão de
Jardim Gramacho, localizado no Estado Rio de Janeiro.
Apresento aqui também além de minha vivência em
campo, minha interação com a obra Sociedade de Esquina
do antropólogo estadunidense Willian Foote Whyte, que
nos anos 1930 passou 3 anos vivendo em uma comunidade
italiana de Boston, Estados Unidos.
Para que a observação participante? Uma boa explicação
da utilidade desse método nos oferecem os autores Bortz e
Döring (1995: 298)2:
“Do ponto de vista técnico a observação participante se
orienta a responder questões relativas a processos. Em
estudos de caso este método pode apreender a complexi-
dade de uma situação de forma abrangente e detalhada
através de uma pesquisa intensiva.”
Durante o período anterior à pesquisa de campo havia
estudado sobre a pesquisa qualitativa e seus métodos de
coleta de dados, tendo me identi�cad o a princípio, teorica-
mente, com a observação participante. Além disso, minha
opção por este método foi feita no que “os manuais me
disseram” sobre sua adequação ao caso s ser pesquisado.
No entanto, como bacharel em Direito, não havia sido
preparada para atuar em campo desta forma. Sendo assim,
não tinha a menor ideia no que estava me metendo até ir a
campo pela primeira vez! A princípio foi como tomar um
susto! O coração para durante um segundo. Mas aos
Guardando as devidas proporções em relação à situação
de campo vivenciada por este antropólogo, principal-
mente, quanto ao tempo de duração da pesquisa e inten-
sidade da permanência em campo, procuro evidenciar com
esta passagem minha identi�cação com o universo cultural
pesquisado.
Ao mesmo tempo em que as viagens semanais ao Bairro
Jardim Gramacho fossem cansativas, chegando durar 2
horas e meia de ônibus no trânsito do Rio de Janeiro e o
mesmo tempo de volta, e o ambiente fosse de certa forma
insalubre, uma vez que o território de Gramacho era
marcado pelo “vai e vem” das carretas de lixo que chega-
vam e saiam do aterro constantemente durante 24 horas
do dia, empoeirando o ar e lavando de chorume as ruas da
região, a permanência em campo, por outro lado, repre-
sentava uma estimulante vivência. Isso se deve ao fato de
que a construção das questões de pesquisa e o desenvolvi-
mento de hipóteses não se davam de forma linear e sim,
dialeticamente, em avanços e retrocessos, na interação
com a cultura local, tornando o ato de pesquisar uma
experiência apaixonante.
Desta forma, pude vivenciar o que já havia lido em Whyte
(2005: 283):
Assim, como Whyte, se me permitem a honra da
comparação, “observava, descrevia e analisava grupos à
medida que avançavam e mudavam ao longo do tempo”
(2005: 320). Poeticamente o autor explica sua forma de
pesquisar: “Em outras palavras eu as �lmava, em vez de
fotografá-las.” Percebi que há um movimento e que este é
pendula entre a participação na realidade observada e a
formulação de conceitos teóricos, que não se podia
observar esse processo do encerramento deste lixão, sem
observar o viver naquela região.
Ao “�lmar” a interação desses grupos em sua vida e na
esfera das discussões sobre tema pesquisado, e ao mesmo
tempo fazendo parte do �lme através de minha imersão
em campo, foi possível “receber as respostas” para minhas
questões. Como observou Whyte (2005:304) sobre seu
processo de pesquisa:
poucos se acalma... A sensação de instabilidade se
transforma em um processo de aprendizagem, não sem
percalços, porém, emocionante, mediado pela interação
entre pesquisador/a, campo e sujeitos da/na pesquisa.
Na adaptação a este processo pude perceber que a escolha
do campo de pesquisa se relaciona à personalidade do/a
pesquisador/a. Desta forma a observação e análise passam
também pela esfera da percepção/conscientização de seus
próprios limites e interesses. Isso se mostra com muita
intensidade, porque a realização de uma pesquisa está
necessariamente vinculada a uma constante escolha de
caminhos e de�nições de conceitos, o que muitas vezes
podem acontecer de forma inusitada e/ou espontânea,
mas nunca sem vinculação com a visão de mundo e os
interesses do/a pesquisador/a.
No Anexo A da obra Sociedade de Esquina Willian Foote
Whyte (2005: 283)3 inicia o texto mencionando a racionali-
dade impressa nos estudos sobre método de pesquisa,
comentando, que os mesmos não levavam em conta a
humanidade inerente ao pesquisador, complementando:
Numa passagem mais à frente o autor volta ao tema e
a�rma:
Da mesma forma, chegando as minhas “respostas”, apren-
dia a identi�car o momento de inquirir e aquele de
deixar-se levar pelo �uxo da vida em campo. Assim, fui
entendendo pouco a pouco os papéis que se desenhavam.
Esta percepção me levou a reestruturar por diversas vezes
a pesquisa durante o trabalho “com campo”. Rede�nições
do problema de pesquisa foram acontecendo e sendo
permitidas a partir das novas con�gurações sociais e
políticas observadas e vivenciadas.
Em me “deixar levar pelo rio” da observação participante
tive que atentar para não absorver sem questionamento a
posição das pessoas que me introduziram ao campo –
modo comum de “acesso do/a pesquisador/a ao campo”,
ou mesmo de meus posteriores interlocutores, com quem
passei a conviver mais intensamente. A interação no
campo entre pesquisador/a e sujeitos de pesquisa gera
uma relação de con�ança, e por isso se deve ter um rigor
maior quanto aos dados gerados a partir dessa relação.
Nesse sentido Flick (1995:160)4 comenta:
“A inserção no campo e na subcultura a ser pesquisada
representa um problema, que oportunamente se reporta
às pessoas-chave, as quais são apresentadas ao pesquisa-
dor ou por ele contatadas. (...) Por outro lado, o pesquisa-
dor não deve absorver informações tão somente destas
pessoas, mas prestar atenção, em que dimensão ele
absorve sem questionamento somente a visão destas
pessoas-chave”.
Essa passagem pode se relacionar ao cuidado que o/a
pesquisador/a deve tomar para não perder sua perspecti-
va de “ser externo”, mesmo na imersão, por outro, no
entanto, somos levados muitas vezes a assumir papéis
relativos ao desenvolvimento do cotidiano do universo
cultural pesquisado, até mesmo porque considero que
devemos dar um “sentido” e uma contribuição à presença
deste “ser externo” no território investigado (Whyte, 2005:
301).
Acompanhando os encontros dos catadores/as de materi-
ais recicláveis no processo de negociações sobre o encerra-
mento do lixão de Jardim Gramacho assumi a relatoria das
reuniões. Ao surgir a questão da necessidade de redação
das atas destes encontros, pronti�quei-me para a função,
Foto de Ricardo Abussafy e Composição de Carlos Andreassa
Este texto tem o objetivo de apresentar algumas consider-
ações sobre processos de pesquisa qualitativa a partir do
olhar de uma observadora “de primeira viagem”. Durante
um ano, de maio de 2011 até junho de 2012, desenvolvi
uma pesquisa na área das Ciências Sociais, que tratou de
acompanhar a forma de participação dos/as catadores/as
de materiais recicláveis no caso do encerramento do Lixão
de Jardim Gramacho, localizado no Estado Rio de Janeiro.
Apresento aqui também além de minha vivência em
campo, minha interação com a obra Sociedade de Esquina
do antropólogo estadunidense Willian Foote Whyte, que
nos anos 1930 passou 3 anos vivendo em uma comunidade
italiana de Boston, Estados Unidos.
Para que a observação participante? Uma boa explicação
da utilidade desse método nos oferecem os autores Bortz e
Döring (1995: 298)2 :
Guardando as devidas proporções em relação à situação de campo vivenciada por este antropólogo, principalmente, quanto ao tempo de duração da pesquisa e intensidade da permanência em campo, procuro evidenciar com esta passagem minha identi�cação com o universo cultural pesquisado.Ao mesmo tempo em que as viagens semanais ao Bairro Jardim Gramacho fossem cansativas, chegando durar 2 horas e meia de ônibus no trânsito do Rio de Janeiro e o mesmo tempo de volta, e o ambiente fosse de certa forma insalubre, uma vez que o território de Gramacho era marca-do pelo “vai e vem” das carretas de lixo que chegavam e saiam do aterro constantemente durante 24 horas do dia, empoeirando o ar e lavando de chorume as ruas da região, a permanência em campo, por outro lado, representava uma estimulante vivência. Isso se deve ao fato de que a construção das questões de pesquisa e o desenvolvimento de hipóteses não se davam de forma linear e sim, dialetica-mente, em avanços e retrocessos, na interação com a cultura local, tornando o ato de pesquisar uma experiência apaixonante.Desta forma, pude vivenciar o que já havia lido em Whyte (2005: 283):
se acalma... A sensação de instabilidade se transforma em
um processo de aprendizagem, não sem percalços, porém,
emocionante, mediado pela interação entre pesquisa-
dor/a, campo e sujeitos da e na pesquisa.
Na adaptação a este processo pude perceber que a escolha
do campo de pesquisa se relaciona à personalidade do/a
pesquisador/a. Desta forma a observação e análise passam
também pela esfera da percepção/conscientização de seus
próprios limites e interesses. Isso se mostra com muita
intensidade, porque a realização de uma pesquisa está
necessariamente vinculada a uma constante escolha de
caminhos e de�nições de conceitos, o que muitas vezes
podem acontecer de forma inusitada e/ou espontânea,
mas nunca sem vinculação com a visão de mundo e os
interesses do/a pesquisador/a.
No Anexo A da obra Sociedade de Esquina Willian Foote
Whyte (2005: 283)3 inicia o texto mencionando a racionali-
dade impressa nos estudos sobre método de pesquisa,
comentando, que os mesmos não levavam em conta a
humanidade inerente ao pesquisador, complementando:
Da mesma forma, chegando as minhas “respostas”, apren-
dia a identi�car o momento de inquirir e aquele de
deixar-se levar pelo �uxo da vida em campo. Assim, fui
entendendo pouco a pouco os papéis que se desenhavam.
Esta percepção me levou a reestruturar por diversas vezes
a pesquisa durante o trabalho “com o campo”. Rede�nições
do problema de pesquisa foram acontecendo e sendo
permitidas a partir das novas con�gurações sociais e
políticas observadas e vivenciadas.
Em me “deixar levar pelo rio” da observação participante
tive que atentar para não absorver sem questionamento a
posição das pessoas que me introduziram ao campo –
modo comum de “acesso do/a pesquisador/a ao campo”,
ou mesmo de meus posteriores interlocutores, com quem
passei a conviver mais intensamente. A interação no
campo entre pesquisador/a e sujeitos de pesquisa gera
uma relação de con�ança, e por isso se deve ter um rigor
maior quanto aos dados gerados a partir dessa relação.
Nesse sentido Flick (1995:160)4 comenta:
A autora integra o Conselho Fiscal da CIRCUS e é doutoranda em Ciências Sociais na Universidade de Osnabrück, na Alemanha.
BORTZ/DÖRING (1995): Forschungsmethoden und Evalua-tion. Berlin: Springer-Verlag.
Whyte, Willian Foote (2005): Sociedade de Esquina: a estrutu-ra social de uma área urbana pobre e degradada. Rio Janeiro: Jorge Zahar Ed.
FLICK (1995): Qualitative Forschung – Theorie, Methoden, Anwendung in Psychologie und Sozialwissenschaften. Reinbek bei Hamburg: Rowohlt Verlag
Não pretendendo concluir análises nesse texto, porém apenas indicar que a ocupação da relatoria por um “agente externo” ao grupo pode indicar a dificuldade deste segmento social em registrar seus processos de organização, o que por outro lado, pode torna mais moroso o processos de gestão da organização, pois a a ausência de registro dos encaminhamentos tomados em encontros passados, pode impedir o desenvolvimento de uma análise histórica da evolução do grupo e o tratamento dado às questões levantadas pelo grupo como problemáticas. Vejo como fundamental e em primeira linha a organização política de catadores de materiais recicláveis vinculada necessaria-mente a processos de alfabetização.
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Durante o período anterior à pesquisa de campo havia
estudado sobre a pesquisa qualitativa e seus métodos de
coleta de dados, tendo me identi�cado a princípio, teorica-
mente, com a observação participante. Além disso, minha
opção por este método foi feita no que “os manuais me
disseram” sobre sua adequação ao caso a ser pesquisado.
No entanto, como bacharel em Direito, não havia sido
preparada para atuar em campo desta forma. Sendo assim,
não tinha a menor ideia no que estava me metendo até ir a
campo pela primeira vez! A princípio foi como tomar um
susto! O coração para durante um segundo. Mas aos poucos
Assim, como Whyte, se me permitem a honra da comparação, “observava, descrevia e analisava grupos à medida que avançavam e mudavam ao longo do tempo” (2005: 320). Poeticamente o autor explica sua forma de pesquisar: “Em outras palavras eu as �lmava, em vez de fotografá-las.” Percebi que há um movimento e que este pendula entre a participação na realidade observada e a formulação de conceitos teóricos, que não se podia observar esse processo do encerramento deste lixão, sem observar o viver naquela região.Ao “�lmar” a interação desses grupos em sua vida e na esfera das discussões sobre tema pesquisado, e ao mesmo tempo fazendo parte do �lme através de minha imersão em campo, foi possível “receber as respostas” para minhas questões. Como observou Whyte (2005:304) sobre seu processo de pesquisa:
Essa passagem pode se relacionar ao cuidado que o/a
pesquisador/a deve tomar para não perder sua perspecti-
va de “ser externo”, mesmo na imersão, por outro, no
entanto, somos levados muitas vezes a assumir papéis
relativos ao desenvolvimento do cotidiano do universo
cultural pesquisado, até mesmo porque considero que
devemos dar um “sentido” e uma contribuição à presença
deste “ser externo” no território investigado (Whyte, 2005:
301).
Acompanhando os encontros dos/as catadores/as de
materiais recicláveis no processo de negociações sobre o
encerramento do lixão de Jardim Gramacho assumi a
relatoria das reuniões. Ao surgir a questão da necessidade
de redação das atas destes encontros, pronti�quei-me
para a função, no ato um catador a�rmou: “Ah! Pode ser a
Andréa mesmo, ela já anota tudo mesmo!” Percebi que
minha presença em campo estava associada ao registro,
em função da manutenção do diário de campo5. Essa
posição me abriu mais espaço para pesquisar, tanto por
permitir uma participação mais ampla nas reuniões
institucionais entre governo do Estado do Rio de Janeiro e
os grupos de catadores/as, quanto pela proximidade e
intensidade na relação com os grupos de catadores/as.
Caso alguém questionasse minha presença em alguma
dessas reuniões institucionais, por exemplo, os/as catado-
res/as argumentavam: “A Andréa escreve nossas atas, ela
tem que estar na reunião”. Nesta época, minha presença em
campo começava a chamar a atenção de outros atores
sociais externos ao grupo, porém envolvidos diretamente
no processo de encerramento do lixão. Eu não “pertencia” a
um grupo social ou uma instituição relacionada o�cial-
mente ao caso.
A relação dos sujeitos de/na pesquisa pode revelar também
relações de poder, que chegam ao pesquisador de diversas
formas. Nesse contexto, a ocupação da função de relatoria
me trouxe também algumas di�culdades. Atores sociais
externos ao grupo de catadores/as confundiam os limites
do “ser pesquisador/a”, e diretamente me questionavam
sobre os encaminhamentos tomados pelos/as catadores/as
em suas reuniões. Além da ética na pesquisa, havia para
mim um compromisso ético com o grupo. Nenhuma
informação de encaminhamentos tomados naquele espaço
coletivo poderia ser revelada sem a autorização dos/as
catadores/as. Desta forma ao negar o �uxo de informações
passei a ocupar um lugar nesse processo, como se tivesse
escolhido “um lado” para atuar.
Inusitadamente “ao escolher o meu lado” tive acesso a um
determinada qualidade de dados no processo de pesquisa,
construídos a partir do ponto de vista da participação
dos/as catadores/as no processo de desativação deste
lixão. Isso foi possível devido à forma intensa de inserção
no universo pesquisado, o que foi impulsionado pela
função de relatoria assumida. Minha intenção fora de
contribuir concretamente e imediatamente com aquele
processo social e não apenas no âmbito da abordagem
cientí�ca, que no caso poderá trazer de certa forma uma
contribuição para a discussão sobre a humanização e
democratização de processos políticos. Sabemos, porém,
que esses resultados muitas vezes se restringem a círculos
acadêmicos. De fato os grupos de catadores/as tem em
mãos um registro histórico detalhado daquele processo de
discussão de encerramento do lixão de Jardim Gramacho.
Fica minha pequena contribuição.
Constatei a pertinência da observação participante como
instrumento de registro de processos sociais, cuja aplicação
intensi�ca a relação entre pesquisador/a, campo e sujeitos
na/da pesquisa, volto à questão do interesse pessoal do/a
pesquisador/a nas escolhas tomadas em campo. Nesse o
diretamente ligadas a minha visão de mundo, que não é
imparcial. Nesse sentido, arrisco-me a a�rmar que não há
como existir neutralidade na pesquisa. Isso não signi�ca
botar a perder o caráter cientí�co de minha observação.
Escolhemos metodologias e associamos teorias para explic-
ar o observado, como se fossem lentes, que podem nos
ajudam a enxergar melhor, ao mesmo tempo em que nos
impõem parâmetros e limites no olhar.
Com que lentes observamos a realidade? É com
essa questão que nos deparamos a todo momento no
processo de pesquisa e, através desse confronto, imprimi-
mos não somente o resultado da pesquisa, mas também
revemos nossos interesses e nossas aspirações no univer-
so social.
Fez do lixo seu plano de imanên-cia. Com a fotografia encontra a possibilidade de sensibilização do olhar para suas pesquisas e ações de apoio às organizações de cata-dores de materiais recicláveis. Busca, nestas cenas do cotidiano, o lúdico, o improviso e uma estéti-ca da precariedade; fissuras (ou frestas) perante as exigências sobre produtividade e eficiência, sob as quais estas atividades de catação estão circunscritas.
Ricardo Abussafy de Souza:
18
CONSTELACIONES DE MAR
por Pedro Zamacona
20
por Pedro Zamacona
quando escuto os seus péscolando e soltando em estalidosda madeira do chão(soluços descalços)quando abre a água do banhosendo a chuva da casa no meio da tardeforja o tempo preciso;contritoultrapasso o trópico do corredorchego ao canto da sala junto à mesaestendo o corpo no mosaico dos seus coloridospequenos pedaços da imaterialidade que é vocêsecreto te componho e me aposso:seu mundo faz festa comigo.
Composição
sobre a frase do filho
por Priscila Miraz
por Ricardo Abussafy
25
Android. O sistema operacional que hoje pauta, mais ainda que o agora aparentemente arcaico windows, as relações do homem com o mundo não poderia ter um nome mais adequado: andrói-de. Segundo o bom e velho Aurélio (versão hardware, papel) Andróide = Autômato de forma humana. Termo correlato do ciborgue, também automato, também de forma humana, mas que se refere á fusão entre maquina (Cybernetic) e homem (organism); este sim um personagem que se torna contemporâ-neo. A Ficção científica, de Asimov a Blade Runner ou Robocop, criou essa metáfora para o que viríamos a ser, ainda que quase tenham chego lá na previsão. Explico: ao contrário da androgenia robótica da ficção, hoje vivemos uma conexão intensa da nossa rede de significados (e não de nosso corpo) com "A" rede. Ora, se o psicanalista vienense disse com todas as letras que "o Homem tornou-se, por assim dizer, um deus com próteses: bastante magnífico quando coloca todos os seus artefatos", a "divindade" humana não viria da relação deste com suas máquinas? Penso que hoje, ainda mais que na época deste livro de Freud (mal-estar na civilização), esta realidade atuali-zou-se como real: ainda que não internamente como Clynes e Kline imaginaram em 1960 quando criaram o termo cyborg, hoje vivemos uma simbiose com nossos "gadgets". Em tempos de google glass e óculos de realidade virtual, poderíamos dizer que vivemos imersos na world wide web por meio de nossa "ciborgia" (ciber-orgia?). A internet se
torna cada vez mais uma película semi-opaca que sobrepõe a nossa visão. Aqui chego a um ponto deste texto: nosso contato com a rede na era da informação nos leva a outros sabores e dissabores. Se antes sofríamos com o Blackout, escuridão da falta de informação, hoje vivemos um Whiteout, ofuscação do excesso desta. A cultura se molda, entretanto à essas novas formatações: em tempos em que todo o corpo de conhecimento da espécie parece estar ao alcance de nossas telas de touch-scre-en, uma estética da cópia se torna evidente cada vez mais. Podemos por exemplo remeter à música, onde os samplers constroem a base das canções por meio da repetição de temas, melodias, retiradas de outras músicas. Música Eletrônica. Funk. Thelonius Monk sendo "citado" pelos Black Eyed Peas, tal qual a academia cita e recita-se numa espiral infinita... A cópia, segundo o filósofo francês Gilles Deleuze, é passível de ser percebida com duas idéias diferentes: repetição, quando visa a cópia pela cópia ou produção, por meio das "más" cópias, os simulacros platônicos, que no esforço por copiar, se diferenciam do original. "No mundo nada se cria, tudo se transforma" Lavoisier elaborou essa regra à alguns séculos, hoje podemos pensá-la com outros significados. Acredito que nada nos pode remeter mais à toda essa articulação dos "tempos modernos" do que a colagem, ou collage como batizou Picasso. A colagem nasceu junto ao papel lá por duzentos anos antes do inicio do calendário cristão, e se refere à criação de obras, em sua maioria visuais, pela união de partes de outras. Deleuze nos falava do bricollage, outra forma que se refere aqui: unir coisas para criar outras. A colagem se evidenciou enquanto possibilidade estética no surrealismo, ainda que poetas japoneses colassem pedaços de papel com texto em seus poemas. Max Ernst foi um dos primeiros expoen-tes dessa proposta que visa a articulação de elementos retirados de seus contextos para criar novos contextos. Recortes, deslocamentos tal qual a estética freudiana dos sonhos que os surrealista tanto se inspiraram, permitem que novas mensagem se formem a partir de imagens que vieram de outrem. Vejam, para sermos didáticos, podemos criar uma metáfora: é como a wikipedia (o aurélio versão software?), informações elaboradas por uma multidão de pessoas, contextos, lugares e culturas se articulam na criação de um novo contexto, uma nova obra feita de várias obras, recortadas. Ctrl+C, Ctrl+V, mas com imagens. A colagem em si é um trabalho de metáfora. Por meio dessa derivação das peças, significados se criam que não remetem aos originais. Tal qual conjugamos os verbos, que se alteram na operação, conjuga-se os significados quando se faz collage. Une-se um esforço consciente do artista em compor com um acaso que as figuras trazem, quase como se ambos, artista e figuras, estivessem se pensando mutuamente. Co-produção. Ou seja, a colagem é o trabalho de metáfora que pode ser pensado enquanto metáfora da nossa vivência, num mundo em que recorta e cola se tornou parte inerente de nossa forma de pensar, dialogar, exprimir e produzir, graças ao alcance de nossos novos corpos ciborgues no universo de informação que nos apresenta-se.PS: os comandos Ctrl+C e Ctrl+V foram utilizados 14 vezes durante a elaboração deste texto. O cerebro do escritor, entretanto, recortou e colou multidões de idéias inumeráveis.
COLLAGE,metáfora estética
de nossa era
por Guilherme G. D. Providello
Só sei construir janelas e jardins
Android. O sistema operacional que hoje pauta, mais ainda que o agora aparentemente arcaico windows, as relações do homem com o mundo não poderia ter um nome mais adequado: andrói-de. Segundo o bom e velho Aurélio (versão hardware, papel) Andróide = Autômato de forma humana. Termo correlato do ciborgue, também automato, também de forma humana, mas que se refere á fusão entre maquina (Cybernetic) e homem (organism); este sim um personagem que se torna contemporâ-neo. A Ficção científica, de Asimov a Blade Runner ou Robocop, criou essa metáfora para o que viríamos a ser, ainda que quase tenham chego lá na previsão. Explico: ao contrário da androgenia robótica da ficção, hoje vivemos uma conexão intensa da nossa rede de significados (e não de nosso corpo) com "A" rede. Ora, se o psicanalista vienense disse com todas as letras que "o Homem tornou-se, por assim dizer, um deus com próteses: bastante magnífico quando coloca todos os seus artefatos", a "divindade" humana não viria da relação deste com suas máquinas? Penso que hoje, ainda mais que na época deste livro de Freud (mal-estar na civilização), esta realidade atuali-zou-se como real: ainda que não internamente como Clynes e Kline imaginaram em 1960 quando criaram o termo cyborg, hoje vivemos uma simbiose com nossos "gadgets". Em tempos de google glass e óculos de realidade virtual, poderíamos dizer que vivemos imersos na world wide web por meio de nossa "ciborgia" (ciber-orgia?). A internet se
torna cada vez mais uma película semi-opaca que sobrepõe a nossa visão. Aqui chego a um ponto deste texto: nosso contato com a rede na era da informação nos leva a outros sabores e dissabores. Se antes sofríamos com o Blackout, escuridão da falta de informação, hoje vivemos um Whiteout, ofuscação do excesso desta. A cultura se molda, entretanto à essas novas formatações: em tempos em que todo o corpo de conhecimento da espécie parece estar ao alcance de nossas telas de touch-scre-en, uma estética da cópia se torna evidente cada vez mais. Podemos por exemplo remeter à música, onde os samplers constroem a base das canções por meio da repetição de temas, melodias, retiradas de outras músicas. Música Eletrônica. Funk. Thelonius Monk sendo "citado" pelos Black Eyed Peas, tal qual a academia cita e recita-se numa espiral infinita... A cópia, segundo o filósofo francês Gilles Deleuze, é passível de ser percebida com duas idéias diferentes: repetição, quando visa a cópia pela cópia ou produção, por meio das "más" cópias, os simulacros platônicos, que no esforço por copiar, se diferenciam do original. "No mundo nada se cria, tudo se transforma" Lavoisier elaborou essa regra à alguns séculos, hoje podemos pensá-la com outros significados. Acredito que nada nos pode remeter mais à toda essa articulação dos "tempos modernos" do que a colagem, ou collage como batizou Picasso. A colagem nasceu junto ao papel lá por duzentos anos antes do inicio do calendário cristão, e se refere à criação de obras, em sua maioria visuais, pela união de partes de outras. Deleuze nos falava do bricollage, outra forma que se refere aqui: unir coisas para criar outras. A colagem se evidenciou enquanto possibilidade estética no surrealismo, ainda que poetas japoneses colassem pedaços de papel com texto em seus poemas. Max Ernst foi um dos primeiros expoen-tes dessa proposta que visa a articulação de elementos retirados de seus contextos para criar novos contextos. Recortes, deslocamentos tal qual a estética freudiana dos sonhos que os surrealista tanto se inspiraram, permitem que novas mensagem se formem a partir de imagens que vieram de outrem. Vejam, para sermos didáticos, podemos criar uma metáfora: é como a wikipedia (o aurélio versão software?), informações elaboradas por uma multidão de pessoas, contextos, lugares e culturas se articulam na criação de um novo contexto, uma nova obra feita de várias obras, recortadas. Ctrl+C, Ctrl+V, mas com imagens. A colagem em si é um trabalho de metáfora. Por meio dessa derivação das peças, significados se criam que não remetem aos originais. Tal qual conjugamos os verbos, que se alteram na operação, conjuga-se os significados quando se faz collage. Une-se um esforço consciente do artista em compor com um acaso que as figuras trazem, quase como se ambos, artista e figuras, estivessem se pensando mutuamente. Co-produção. Ou seja, a colagem é o trabalho de metáfora que pode ser pensado enquanto metáfora da nossa vivência, num mundo em que recorta e cola se tornou parte inerente de nossa forma de pensar, dialogar, exprimir e produzir, graças ao alcance de nossos novos corpos ciborgues no universo de informação que nos apresenta-se.PS: os comandos Ctrl+C e Ctrl+V foram utilizados 14 vezes durante a elaboração deste texto. O cerebro do escritor, entretanto, recortou e colou multidões de idéias inumeráveis.
A moça que colecionava adeus necessários
Criatura
27
A incrível história da bisavó que virou um pau de cacauBalanço
28
COLAGENS por Ricardo Bagge
A incrível história da bisavó que virou um pau de cacau O pequeno quintal das crianças ladinas
Ilustração por Carlos Andreassa
Um pouco mais velho uma mundana me comeria
Sigo por um céu absurdo e um novo átomo me condensa - Em que posso servir-lhe Posso servir-me?Ainda que um retrato interfaça nosso segredoUm novo descaso nos alcança e podemos correr um pouco maisAté onde poderemos ir?Esse céu rizado nos alcança e acolhe bem pouco
Isso porque queroEssa Lua ainda é tuaChore um instante maisChore por mim e esse pé rizado que lhe cantaConheci uma pequena deusa voadora com lábios caninosE uma cabeleira esplendorosaNada ainda pôde ser criado sobre seu encantoE mais uma vez ela encanta E encanta
Doce vernáculo que me tomboEu de corpo inventivo E mágoa calada E ela sob a exatidão dessa cura absurda se congela e se parte Uma ainda minha Doce como a plumaEterna como o céu possívelMeu SolOutraGuerreira inigualável e atrozE que se tomba por mim.
por Fernando Zanetti
II O novo reinado ou La Petite Madame
31
Algo instantâneo desperdiça essa clara gentilezaRápido um pequeno assalto nos fariam juncadosAinda instantânea olhava esse infundíbulo lacaioEssa mesma pestilência Esse mesmo olhar E olhar novamente
Quando ainda sentia esse doce estranhamentoEle corria sob a bruma de verão E me tomava como filhoEu do cão inominado Inventivo de mãe tosquiadaEla minha SêmeleAriana RecobradaEssa nova intenção Esse novo dia Essa nova criadagem Mesquinha de luz cansativaPequena de olhos matinaEstrela da manhãPolar que jamais reconheçoEsse teu ensejoE tua vontade sempre retomadaMinha cadência latinaE me espanta um pouco maisE mais te sinto
O que é o tempo sob esse compêndio que me desabaEstou a menos de quatro instantesE uma voz rouca relaxa meu gritoEssa de uma deusa um tanto amada e um tanto loucaEssa que impende doce e me reconfortaEsse que ainda é meuE que te dou nomeE que lhe chamo mais uma vez
O céu rizado nos coraE insistimos existirUma vontade ainda possívelE seu gostoÚnico possível E único que tivemos.
por Fernando ZanettiAurora
32
Um pouco mais velho uma mundana me comeria
Sigo por um céu absurdo e um novo átomo me condensa - Em que posso servir-lhe Posso servir-me?Ainda que um retrato interfaça nosso segredoUm novo descaso nos alcança e podemos correr um pouco maisAté onde poderemos ir?Esse céu rizado nos alcança e acolhe bem pouco
Isso porque queroEssa Lua ainda é tuaChore um instante maisChore por mim e esse pé rizado que lhe cantaConheci uma pequena deusa voadora com lábios caninosE uma cabeleira esplendorosaNada ainda pôde ser criado sobre seu encantoE mais uma vez ela encanta E encanta
Doce vernáculo que me tomboEu de corpo inventivo E mágoa calada E ela sob a exatidão dessa cura absurda se congela e se parte Uma ainda minha Doce como a plumaEterna como o céu possívelMeu SolOutraGuerreira inigualável e atrozE que se tomba por mim.
Ilustração por Carlos Andreassa
*poema de Roberto Chu e ilustração de Priscila Sales
*Poesia esquiada
S e m e u Leme é esqui,
À memória de Paulo Leminski
Poesia esquiada
é sobre pági n a n e v e ,
d o c ume ao lume - até nume -,
que verto todos meus v e r s o s .
v o u fazendo um ziguezague,
caprichado e realx a d o ,
c o m o quem singra uma lâmina
no vazio de cada p á g i n a .
34
36
por Rafael de Oliveira Rodrigues
É lugar comum ouvir de pais, educadores e alunos:
“(...) a escola está em crise”; “(...) a Educação vai mal”.
Facilmente encontramos o discurso (especialmente propagado
pela mídia, e difundido pelo senso comum) de que a Educação
estaria em crise, e de que as escolas não são mais formadores de
cidadãos críticos. Tristemente constatamos que a Educação
(seja infantil ou voltado à juventude brasileira) estaria atraves-
sada pela violência (seja entre alunos-alunos, seja entre alunos-
-professores); pela falta de interesse das crianças e jovens em
adquirir mais conhecimentos sobre o mundo, sobre a vida; pela
baixa remuneração dos professores e sucateamento da infraes-
trutura escolar; bem como pela falta de clareza teórico-metodo-
lógica por grande parte dos docentes (especialmente os da rede
pública de ensino).
No entanto, nos deparamos com um cenário atual em
que um novo Plano Nacional de Educação (PNE) foi aprovado
- sem vetos pela presidenta Dilma Rousseff - e que delineia um
cenário diferente do pessimismo generalizado e amplamente
propagado: se a falta de investimento pintava um cenário
caótico e desigual (quando comparado aos investimentos
públicos para a Educação com os encontrados em escolas
privadas) o novo PNE destina 10% de todo o PIB nacional
(produto interno bruto) para a Educação pública. Com duração
de dez anos, o novo PNE é composto de 14 artigos com 20
metas e traz, entre suas diretrizes, a normativa para a erradica-
ção do analfabetismo e a universalização do atendimento
escolar. Para muitos, a aprovação do PNE é uma enorme
conquista para a Educação brasileira.
Nesse ínterim, constatamos que do descaso com que
a escola e a Educação no Brasil foram conduzidas nas últimas
décadas, há um esforço gritante do Governo Federal para, se
não sanar, ao menos reparar eventuais falhas históricas no
âmbito educativo com a aprovação do novo PNE.
No entanto, e revolvendo mais a fundo a questão, notamos que
na contemporaneidade – seja pela mesma sensação de descaso
que foi “mola” na aprovação do PNE; seja pela facilidade de
acesso – a Educação não está mais restrita à escola. Aprender
tornou-se algo mais volatizado, fluido, não-mediado e focado
na figura de um professor. Aprende-se ao ver um filme; ler-se
um livro. Aprende-se na internet e nas viagens de descanso.
No documentário brasileiro “Crianças: a Alma do
Negócio” nos deparamos com a noção - referindo-se a propa-
ganda empresarial veiculada na mídia e cujo público-alvo
racionalização da vida moderna (tecnicista ao estilo Elio Petri6
, dos “fast-foods” e comidas congeladas, do “american way of
life”) para outro, um estilo contemporâneo e da consequente
passagem dos mecanismos amortizadores da vida para a noção
de condução dos fluxos, sejam eles quais forem.
Estamos vivendo a passagem da escola, para a rua; do
confinamento, para a condução dos fluxos; do capitalismo
industrial, para seu novo e atual modelo, muito mais volatiliza-
do, financeiro e pensado segundo uma estrutura monetária
virtual; do homem disciplinado e explorado pelo patrão (capita-
lismo industrial) ao homem endividado7 , cujas bases recostam-
-se sobre a noção de empregabilidade, e não pela oferta de
pleno emprego. Estamos assistindo a passagem do modelo
fordista industrial para o jeito Google de trabalhar, mais imate-
rial8, mais cognitivo9.
A Educação - como, aliás, todas as esferas da vida
contemporânea - vive seu momento mais “liberal” das técnicas
disciplinares que a aprisionavam mesmo que, paradoxalmente,
grita aos quatro cantos sua eminente “falência” e/ou sucatea-
mento. Por tudo isso, a Educação não está mais restrita ao
ambiente escolar: está sendo liberada, repensada, readequada e
moldada segundo as novas tendências contemporâneas.
A escola, esta sim, encontra-se num momento
caótico, pulverizada das velhas certezas disciplinares e tentan-
do desesperadamente adequar-se à nova realidade social. Em
tempo de Google, Wikipédia e Youtube, a escola não pode mais
esconder-se por detrás de jargões que dizem que a escola é
formadora de cidadãos para a vida10 e que a inserção obrigató-
ria nas escolas é chave para compreender, decodificar e
construir o mundo social de forma crítica e promotora de
liberdades individuais e/ou coletivas.
Segundo nossa leitura, os números e as estatísticas
concernentes à evasão escolar, violência escolar, bullying e
sucateamento (institucional, infraestrutural, cognitivo, pedagó-
gico) são o reflexo da crise da racionalidade disciplinar; mas a
Educação enquanto aquisição de conhecimento e estratégias de
governamentalidade e biopolítica seria o ícone da atual
sociedade do conhecimento11 que estamos vivendo no contem-
porâneo. Compreender como se deu a passagem do confina-
mento (disciplina) ao governo das populações (governamentali-
dade e biopolítica) e pensar em formas de liberar a Educação
para àquilo que ela pode: eis o principal desafio contemporâneo
que convoca a todos a pensar soluções e estratégias viáveis de
implementação.
Se a escola está em crise, a Educação vai bem,
obrigado!
seriam as crianças - de que as empresas não fazem questão de
deixar de produzir propagandas, por exemplo, para a 3ª idade;
mas que de forma alguma deixariam de se focar nas propagan-
das comerciais para as crianças, pois elas ainda não foram
devidamente “educadas” para o consumo.
Aqui a questão complica-se: consumir é um ato de aprendizado,
ou apenas superação de necessidades, como fome, sono (e
outros)?
Com a questão que este documentário suscita vemos
delineada a noção de que a propaganda agiria “pedagogizando”
as crianças contemporâneas, colonizando-as e criando consu-
midores ávidos por mercadorias desde muito cedo, fazendo
girar a roda em que o atual capitalismo se encontra.
A conciliação dos discursos aparentemente contradi-
tórios (crianças>consumidores>Educação em crise) ocorre
quando notamos que o discurso pedagógico que se insere nas
bases do que chamamos “aculturação” (e por que não: cidada-
nia), migrou das escolas, da Educação “formal” - como proces-
so formativo de cidadãos - para as novas mídias (televisão,
rádio, internet).
Com esse canhestro delineamento, explicaríamos em
parte a crise na Educação escolar brasileira, uma vez que sua
função disciplinadora (apontada por pensadores como Michel
Foucault1 e Ivan Illich2 ) pode ter sua ênfase reduzida para a
sociedade contemporânea (chamada por Gilles Deleuze de
sociedade de controle3 ).
Com a chamada sociedade do controle em pleno
desenvolvimento, temos uma apropriação da conduta humana
de forma mais rentável, eficaz e sutil, desvinculada do caráter
disciplinador que a Educação historicamente construiu em seu
entorno quando utilizada estritamente no interior das escolas
modernas segundo as técnicas de disciplinarização que coloca-
va em funcionamento.
Estaríamos vivendo, segundo nossa leitura, uma crise
não da Educação brasileira em si, mas das formas da institucio-
nalização dessa Educação no interior de estabelecimentos de
confinamento, cujo alvo sempre foi a criação de comportamen-
tos dóceis e o adestramento progressivo dos sujeitos/alunos ali
inseridos.
Assim, o atual sistema capitalista – que outrora
visava este mesmo adestramento individual – agora já opera o
governo dos homens em meio aberto - segundo a noção de
população - que não necessita exclusivamente de uma inserção
em locais de confinamento para tornarem-se peças-chaves no
desenvolvimento econômico e financeiro dos dias atuais. Se a
Educação se libertou dos muros que a cerceavam (escolas), o
capitalismo se valeu dessa liberação para capturar cada vez mais
os sujeitos, e passou a agir “educando” consumidores.
Não há, entretanto, uma substituição da escola como
estratégia de disciplinamento: apenas um deslocamento na
ênfase que a conduta e o governo dos homens: de uma estratégia
eminentemente disciplinar; vemos surgir um modelo de gover-
no das condutas de uma dada população, segundo a nova
racionalização de governamentalidade4, cuja técnica é a
medição e comparação de dados estatísticos segundo aproxima-
ção e distanciamento da chamada “curva normal”.
Do corpo (adestramento disciplinar - escolas)
passamos ao seu coletivo, as populações (governo das popula-
ções - governamentalidade).
Diante desse novo e atual cenário, destacamos – com
o desenvolvimento de uma nova racionalização capitalista, mais
voltada ao mercado financeiro do que à antiga relação de
trabalho alienante e a tensão entre patrão e empregados - uma
ampliação do governo das condutas por meio de uma distribui-
ção das artes de governar não restritos aos espaços de confina-
mento educativo, como já destacamos.
Da biopolítica (assentada sobre a noção de um gover-
no dos homens através de expressões orgânicas, do humano
como espécie) já é possível controla-lo segundo uma ecopolíti-
ca5 (ou seja, o governo dos homens pode ser pensado como
inserido no Planeta Terra, cujos recursos naturais podem ser
escassos e finitos, colocando uma governamentalidade para
funcionar de modo a controla-lo não apenas como espécie: mas
como inserido num complexo ecossistema interligado global-
mente).
Do controle da masturbação e das formas de se
praticar e pensar-se o sexo e a sexualidade (biopolítica), somos
inclinados a mantermos uma alimentação com produtos
naturais, livre de agrotóxicos e sem traços de proteína animal
(alimentação/cultura vegana); do automóvel como mercadoria e
do problema de mobilidade urbana que o enorme acesso propor-
cionado pelo modo de produção em série implicou nos grandes
centros, organizamos passeatas para aumentarem-se o espaço
destinado às ciclovias (além da evidente substituição de um
estilo de vida sedentário por outro voltado à modulação da vida
segundo a inclusão de várias atividades físicas diárias, com a
defesa desse etilo pró-bikes, evitaríamos, entre outras coisas, o
despejamento constante na atmosfera terrestre de gases tóxicos
causadores, por exemplo, do efeito estufa).
Estamos assistindo de camarote à substituição da
Se a escola está em crise, a Educação vai bem, obrigado!
É lugar comum ouvir de pais, educadores e alunos:
“(...) a escola está em crise”; “(...) a Educação vai mal”.
Facilmente encontramos o discurso (especialmente propagado
pela mídia, e difundido pelo senso comum) de que a Educação
estaria em crise, e de que as escolas não são mais formadores de
cidadãos críticos. Tristemente constatamos que a Educação
(seja infantil ou voltado à juventude brasileira) estaria atraves-
sada pela violência (seja entre alunos-alunos, seja entre alunos-
-professores); pela falta de interesse das crianças e jovens em
adquirir mais conhecimentos sobre o mundo, sobre a vida; pela
baixa remuneração dos professores e sucateamento da infraes-
trutura escolar; bem como pela falta de clareza teórico-metodo-
lógica por grande parte dos docentes (especialmente os da rede
pública de ensino).
No entanto, nos deparamos com um cenário atual em
que um novo Plano Nacional de Educação (PNE) foi aprovado
- sem vetos pela presidenta Dilma Rousseff - e que delineia um
cenário diferente do pessimismo generalizado e amplamente
propagado: se a falta de investimento pintava um cenário
caótico e desigual (quando comparado aos investimentos
públicos para a Educação com os encontrados em escolas
privadas) o novo PNE destina 10% de todo o PIB nacional
(produto interno bruto) para a Educação pública. Com duração
de dez anos, o novo PNE é composto de 14 artigos com 20
metas e traz, entre suas diretrizes, a normativa para a erradica-
ção do analfabetismo e a universalização do atendimento
escolar. Para muitos, a aprovação do PNE é uma enorme
conquista para a Educação brasileira.
Nesse ínterim, constatamos que do descaso com que
a escola e a Educação no Brasil foram conduzidas nas últimas
décadas, há um esforço gritante do Governo Federal para, se
não sanar, ao menos reparar eventuais falhas históricas no
âmbito educativo com a aprovação do novo PNE.
No entanto, e revolvendo mais a fundo a questão, notamos que
na contemporaneidade – seja pela mesma sensação de descaso
que foi “mola” na aprovação do PNE; seja pela facilidade de
acesso – a Educação não está mais restrita à escola. Aprender
tornou-se algo mais volatizado, fluido, não-mediado e focado
na figura de um professor. Aprende-se ao ver um filme; ler-se
um livro. Aprende-se na internet e nas viagens de descanso.
No documentário brasileiro “Crianças: a Alma do
Negócio” nos deparamos com a noção - referindo-se a propa-
ganda empresarial veiculada na mídia e cujo público-alvo
racionalização da vida moderna (tecnicista ao estilo Elio Petri6
, dos “fast-foods” e comidas congeladas, do “american way of
life”) para outro, um estilo contemporâneo e da consequente
passagem dos mecanismos amortizadores da vida para a noção
de condução dos fluxos, sejam eles quais forem.
Estamos vivendo a passagem da escola, para a rua; do
confinamento, para a condução dos fluxos; do capitalismo
industrial, para seu novo e atual modelo, muito mais volatiliza-
do, financeiro e pensado segundo uma estrutura monetária
virtual; do homem disciplinado e explorado pelo patrão (capita-
lismo industrial) ao homem endividado7 , cujas bases recostam-
-se sobre a noção de empregabilidade, e não pela oferta de
pleno emprego. Estamos assistindo a passagem do modelo
fordista industrial para o jeito Google de trabalhar, mais imate-
rial8, mais cognitivo9.
A Educação - como, aliás, todas as esferas da vida
contemporânea - vive seu momento mais “liberal” das técnicas
disciplinares que a aprisionavam mesmo que, paradoxalmente,
grita aos quatro cantos sua eminente “falência” e/ou sucatea-
mento. Por tudo isso, a Educação não está mais restrita ao
ambiente escolar: está sendo liberada, repensada, readequada e
moldada segundo as novas tendências contemporâneas.
A escola, esta sim, encontra-se num momento
caótico, pulverizada das velhas certezas disciplinares e tentan-
do desesperadamente adequar-se à nova realidade social. Em
tempo de Google, Wikipédia e Youtube, a escola não pode mais
esconder-se por detrás de jargões que dizem que a escola é
formadora de cidadãos para a vida10 e que a inserção obrigató-
ria nas escolas é chave para compreender, decodificar e
construir o mundo social de forma crítica e promotora de
liberdades individuais e/ou coletivas.
Segundo nossa leitura, os números e as estatísticas
concernentes à evasão escolar, violência escolar, bullying e
sucateamento (institucional, infraestrutural, cognitivo, pedagó-
gico) são o reflexo da crise da racionalidade disciplinar; mas a
Educação enquanto aquisição de conhecimento e estratégias de
governamentalidade e biopolítica seria o ícone da atual
sociedade do conhecimento11 que estamos vivendo no contem-
porâneo. Compreender como se deu a passagem do confina-
mento (disciplina) ao governo das populações (governamentali-
dade e biopolítica) e pensar em formas de liberar a Educação
para àquilo que ela pode: eis o principal desafio contemporâneo
que convoca a todos a pensar soluções e estratégias viáveis de
implementação.
Se a escola está em crise, a Educação vai bem,
obrigado!
seriam as crianças - de que as empresas não fazem questão de
deixar de produzir propagandas, por exemplo, para a 3ª idade;
mas que de forma alguma deixariam de se focar nas propagan-
das comerciais para as crianças, pois elas ainda não foram
devidamente “educadas” para o consumo.
Aqui a questão complica-se: consumir é um ato de aprendizado,
ou apenas superação de necessidades, como fome, sono (e
outros)?
Com a questão que este documentário suscita vemos
delineada a noção de que a propaganda agiria “pedagogizando”
as crianças contemporâneas, colonizando-as e criando consu-
midores ávidos por mercadorias desde muito cedo, fazendo
girar a roda em que o atual capitalismo se encontra.
A conciliação dos discursos aparentemente contradi-
tórios (crianças>consumidores>Educação em crise) ocorre
quando notamos que o discurso pedagógico que se insere nas
bases do que chamamos “aculturação” (e por que não: cidada-
nia), migrou das escolas, da Educação “formal” - como proces-
so formativo de cidadãos - para as novas mídias (televisão,
rádio, internet).
Com esse canhestro delineamento, explicaríamos em
parte a crise na Educação escolar brasileira, uma vez que sua
função disciplinadora (apontada por pensadores como Michel
Foucault1 e Ivan Illich2 ) pode ter sua ênfase reduzida para a
sociedade contemporânea (chamada por Gilles Deleuze de
sociedade de controle3 ).
Com a chamada sociedade do controle em pleno
desenvolvimento, temos uma apropriação da conduta humana
de forma mais rentável, eficaz e sutil, desvinculada do caráter
disciplinador que a Educação historicamente construiu em seu
entorno quando utilizada estritamente no interior das escolas
modernas segundo as técnicas de disciplinarização que coloca-
va em funcionamento.
Estaríamos vivendo, segundo nossa leitura, uma crise
não da Educação brasileira em si, mas das formas da institucio-
nalização dessa Educação no interior de estabelecimentos de
confinamento, cujo alvo sempre foi a criação de comportamen-
tos dóceis e o adestramento progressivo dos sujeitos/alunos ali
inseridos.
Assim, o atual sistema capitalista – que outrora
visava este mesmo adestramento individual – agora já opera o
governo dos homens em meio aberto - segundo a noção de
população - que não necessita exclusivamente de uma inserção
em locais de confinamento para tornarem-se peças-chaves no
desenvolvimento econômico e financeiro dos dias atuais. Se a
Educação se libertou dos muros que a cerceavam (escolas), o
capitalismo se valeu dessa liberação para capturar cada vez mais
os sujeitos, e passou a agir “educando” consumidores.
Não há, entretanto, uma substituição da escola como
estratégia de disciplinamento: apenas um deslocamento na
ênfase que a conduta e o governo dos homens: de uma estratégia
eminentemente disciplinar; vemos surgir um modelo de gover-
no das condutas de uma dada população, segundo a nova
racionalização de governamentalidade4, cuja técnica é a
medição e comparação de dados estatísticos segundo aproxima-
ção e distanciamento da chamada “curva normal”.
Do corpo (adestramento disciplinar - escolas)
passamos ao seu coletivo, as populações (governo das popula-
ções - governamentalidade).
Diante desse novo e atual cenário, destacamos – com
o desenvolvimento de uma nova racionalização capitalista, mais
voltada ao mercado financeiro do que à antiga relação de
trabalho alienante e a tensão entre patrão e empregados - uma
ampliação do governo das condutas por meio de uma distribui-
ção das artes de governar não restritos aos espaços de confina-
mento educativo, como já destacamos.
Da biopolítica (assentada sobre a noção de um gover-
no dos homens através de expressões orgânicas, do humano
como espécie) já é possível controla-lo segundo uma ecopolíti-
ca5 (ou seja, o governo dos homens pode ser pensado como
inserido no Planeta Terra, cujos recursos naturais podem ser
escassos e finitos, colocando uma governamentalidade para
funcionar de modo a controla-lo não apenas como espécie: mas
como inserido num complexo ecossistema interligado global-
mente).
Do controle da masturbação e das formas de se
praticar e pensar-se o sexo e a sexualidade (biopolítica), somos
inclinados a mantermos uma alimentação com produtos
naturais, livre de agrotóxicos e sem traços de proteína animal
(alimentação/cultura vegana); do automóvel como mercadoria e
do problema de mobilidade urbana que o enorme acesso propor-
cionado pelo modo de produção em série implicou nos grandes
centros, organizamos passeatas para aumentarem-se o espaço
destinado às ciclovias (além da evidente substituição de um
estilo de vida sedentário por outro voltado à modulação da vida
segundo a inclusão de várias atividades físicas diárias, com a
defesa desse etilo pró-bikes, evitaríamos, entre outras coisas, o
despejamento constante na atmosfera terrestre de gases tóxicos
causadores, por exemplo, do efeito estufa).
Estamos assistindo de camarote à substituição da
É lugar comum ouvir de pais, educadores e alunos:
“(...) a escola está em crise”; “(...) a Educação vai mal”.
Facilmente encontramos o discurso (especialmente propagado
pela mídia, e difundido pelo senso comum) de que a Educação
estaria em crise, e de que as escolas não são mais formadores de
cidadãos críticos. Tristemente constatamos que a Educação
(seja infantil ou voltado à juventude brasileira) estaria atraves-
sada pela violência (seja entre alunos-alunos, seja entre alunos-
-professores); pela falta de interesse das crianças e jovens em
adquirir mais conhecimentos sobre o mundo, sobre a vida; pela
baixa remuneração dos professores e sucateamento da infraes-
trutura escolar; bem como pela falta de clareza teórico-metodo-
lógica por grande parte dos docentes (especialmente os da rede
pública de ensino).
No entanto, nos deparamos com um cenário atual em
que um novo Plano Nacional de Educação (PNE) foi aprovado
- sem vetos pela presidenta Dilma Rousseff - e que delineia um
cenário diferente do pessimismo generalizado e amplamente
propagado: se a falta de investimento pintava um cenário
caótico e desigual (quando comparado aos investimentos
públicos para a Educação com os encontrados em escolas
privadas) o novo PNE destina 10% de todo o PIB nacional
(produto interno bruto) para a Educação pública. Com duração
de dez anos, o novo PNE é composto de 14 artigos com 20
metas e traz, entre suas diretrizes, a normativa para a erradica-
ção do analfabetismo e a universalização do atendimento
escolar. Para muitos, a aprovação do PNE é uma enorme
conquista para a Educação brasileira.
Nesse ínterim, constatamos que do descaso com que
a escola e a Educação no Brasil foram conduzidas nas últimas
décadas, há um esforço gritante do Governo Federal para, se
não sanar, ao menos reparar eventuais falhas históricas no
âmbito educativo com a aprovação do novo PNE.
No entanto, e revolvendo mais a fundo a questão, notamos que
na contemporaneidade – seja pela mesma sensação de descaso
que foi “mola” na aprovação do PNE; seja pela facilidade de
acesso – a Educação não está mais restrita à escola. Aprender
tornou-se algo mais volatizado, fluido, não-mediado e focado
na figura de um professor. Aprende-se ao ver um filme; ler-se
um livro. Aprende-se na internet e nas viagens de descanso.
No documentário brasileiro “Crianças: a Alma do
Negócio” nos deparamos com a noção - referindo-se a propa-
ganda empresarial veiculada na mídia e cujo público-alvo
racionalização da vida moderna (tecnicista ao estilo Elio Petri6
, dos “fast-foods” e comidas congeladas, do “american way of
life”) para outro, um estilo contemporâneo e da consequente
passagem dos mecanismos amortizadores da vida para a noção
de condução dos fluxos, sejam eles quais forem.
Estamos vivendo a passagem da escola, para a rua; do
confinamento, para a condução dos fluxos; do capitalismo
industrial, para seu novo e atual modelo, muito mais volatiliza-
do, financeiro e pensado segundo uma estrutura monetária
virtual; do homem disciplinado e explorado pelo patrão (capita-
lismo industrial) ao homem endividado7 , cujas bases recostam-
-se sobre a noção de empregabilidade, e não pela oferta de
pleno emprego. Estamos assistindo a passagem do modelo
fordista industrial para o jeito Google de trabalhar, mais imate-
rial8, mais cognitivo9.
A Educação - como, aliás, todas as esferas da vida
contemporânea - vive seu momento mais “liberal” das técnicas
disciplinares que a aprisionavam mesmo que, paradoxalmente,
grita aos quatro cantos sua eminente “falência” e/ou sucatea-
mento. Por tudo isso, a Educação não está mais restrita ao
ambiente escolar: está sendo liberada, repensada, readequada e
moldada segundo as novas tendências contemporâneas.
A escola, esta sim, encontra-se num momento
caótico, pulverizada das velhas certezas disciplinares e tentan-
do desesperadamente adequar-se à nova realidade social. Em
tempo de Google, Wikipédia e Youtube, a escola não pode mais
esconder-se por detrás de jargões que dizem que a escola é
formadora de cidadãos para a vida10 e que a inserção obrigató-
ria nas escolas é chave para compreender, decodificar e
construir o mundo social de forma crítica e promotora de
liberdades individuais e/ou coletivas.
Segundo nossa leitura, os números e as estatísticas
concernentes à evasão escolar, violência escolar, bullying e
sucateamento (institucional, infraestrutural, cognitivo, pedagó-
gico) são o reflexo da crise da racionalidade disciplinar; mas a
Educação enquanto aquisição de conhecimento e estratégias de
governamentalidade e biopolítica seria o ícone da atual
sociedade do conhecimento11 que estamos vivendo no contem-
porâneo. Compreender como se deu a passagem do confina-
mento (disciplina) ao governo das populações (governamentali-
dade e biopolítica) e pensar em formas de liberar a Educação
para àquilo que ela pode: eis o principal desafio contemporâneo
que convoca a todos a pensar soluções e estratégias viáveis de
implementação.
Se a escola está em crise, a Educação vai bem,
obrigado!
Consultar: FOUCAULT, Michel – Vigiar e Punir: história da violência nas prisões – Petrópolis: Vozes, 1987.
Consultar: ILLICH, Ivan – Sociedade sem Escolas – Petrópolis: Vozes, 1971.
Consultar: DELEUZE, Gilles. Post-scriptum sobre as sociedades de controle. In: _. Conversações – Rio de Janeiro: Editora 34, 1992, p. 219-226.
Encontramos esse conceito em Michel Foucault desde 1978, no curso “Segurança, Território e População”, publicado pela Martins Fontes, 2008.
Essa noção foi criada e está em pleno desenvolvimento teórico com o prof. Dr. Edson Passeti e seu coletivo de pesquisadores vinculados à PUC-SP. C.f. http://www.pucsp.br/ecopolitica/.
Diretor de cinema italiano cujo �lme “A Classe Operária vai ao Paraíso” (1971) pode ser considerado ícone dessa geração fabril de trabalhadores alienados.
Este conceito foi cunhado pelo italiano Maurizio Lazzarato. C.f. https://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1108.
C.f. LAZZARATO, Maurizio. Trabalho Imaterial: formas de vida e produção de subjetividade – Rio de Janeiro: Lamparina, 2013 [2001].
COCCO, Giuseppe. GALVÃO, Alexander Patez. SILVA, Geraldo (orgs.). Capitalismo Cognitivo: trabalho, redes e inovação – Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
C.f. MACHADO, Maria Aparecida dos Santos. O Discurso da Educação em Frase Feita: que valores, crenças e representações o slogan de escolas evidencia? Monogra�a. Disponível em: http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/artigos_teses/LinguaPortuguesa/monogra�a/maria_analise.pdf. Acessado dia 09 de junho de 2014, 14h.
C.f. NOGUEIRA-RAMIREZ, Carlos Ernesto. Pedagogia e Governamentabilidade ou Da Modernidade Como uma Sociedade Educativa – Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011.
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Referências
seriam as crianças - de que as empresas não fazem questão de
deixar de produzir propagandas, por exemplo, para a 3ª idade;
mas que de forma alguma deixariam de se focar nas propagan-
das comerciais para as crianças, pois elas ainda não foram
devidamente “educadas” para o consumo.
Aqui a questão complica-se: consumir é um ato de aprendizado,
ou apenas superação de necessidades, como fome, sono (e
outros)?
Com a questão que este documentário suscita vemos
delineada a noção de que a propaganda agiria “pedagogizando”
as crianças contemporâneas, colonizando-as e criando consu-
midores ávidos por mercadorias desde muito cedo, fazendo
girar a roda em que o atual capitalismo se encontra.
A conciliação dos discursos aparentemente contradi-
tórios (crianças>consumidores>Educação em crise) ocorre
quando notamos que o discurso pedagógico que se insere nas
bases do que chamamos “aculturação” (e por que não: cidada-
nia), migrou das escolas, da Educação “formal” - como proces-
so formativo de cidadãos - para as novas mídias (televisão,
rádio, internet).
Com esse canhestro delineamento, explicaríamos em
parte a crise na Educação escolar brasileira, uma vez que sua
função disciplinadora (apontada por pensadores como Michel
Foucault1 e Ivan Illich2 ) pode ter sua ênfase reduzida para a
sociedade contemporânea (chamada por Gilles Deleuze de
sociedade de controle3 ).
Com a chamada sociedade do controle em pleno
desenvolvimento, temos uma apropriação da conduta humana
de forma mais rentável, eficaz e sutil, desvinculada do caráter
disciplinador que a Educação historicamente construiu em seu
entorno quando utilizada estritamente no interior das escolas
modernas segundo as técnicas de disciplinarização que coloca-
va em funcionamento.
Estaríamos vivendo, segundo nossa leitura, uma crise
não da Educação brasileira em si, mas das formas da institucio-
nalização dessa Educação no interior de estabelecimentos de
confinamento, cujo alvo sempre foi a criação de comportamen-
tos dóceis e o adestramento progressivo dos sujeitos/alunos ali
inseridos.
Assim, o atual sistema capitalista – que outrora
visava este mesmo adestramento individual – agora já opera o
governo dos homens em meio aberto - segundo a noção de
população - que não necessita exclusivamente de uma inserção
em locais de confinamento para tornarem-se peças-chaves no
desenvolvimento econômico e financeiro dos dias atuais. Se a
Educação se libertou dos muros que a cerceavam (escolas), o
capitalismo se valeu dessa liberação para capturar cada vez mais
os sujeitos, e passou a agir “educando” consumidores.
Não há, entretanto, uma substituição da escola como
estratégia de disciplinamento: apenas um deslocamento na
ênfase que a conduta e o governo dos homens: de uma estratégia
eminentemente disciplinar; vemos surgir um modelo de gover-
no das condutas de uma dada população, segundo a nova
racionalização de governamentalidade4, cuja técnica é a
medição e comparação de dados estatísticos segundo aproxima-
ção e distanciamento da chamada “curva normal”.
Do corpo (adestramento disciplinar - escolas)
passamos ao seu coletivo, as populações (governo das popula-
ções - governamentalidade).
Diante desse novo e atual cenário, destacamos – com
o desenvolvimento de uma nova racionalização capitalista, mais
voltada ao mercado financeiro do que à antiga relação de
trabalho alienante e a tensão entre patrão e empregados - uma
ampliação do governo das condutas por meio de uma distribui-
ção das artes de governar não restritos aos espaços de confina-
mento educativo, como já destacamos.
Da biopolítica (assentada sobre a noção de um gover-
no dos homens através de expressões orgânicas, do humano
como espécie) já é possível controla-lo segundo uma ecopolíti-
ca5 (ou seja, o governo dos homens pode ser pensado como
inserido no Planeta Terra, cujos recursos naturais podem ser
escassos e finitos, colocando uma governamentalidade para
funcionar de modo a controla-lo não apenas como espécie: mas
como inserido num complexo ecossistema interligado global-
mente).
Do controle da masturbação e das formas de se
praticar e pensar-se o sexo e a sexualidade (biopolítica), somos
inclinados a mantermos uma alimentação com produtos
naturais, livre de agrotóxicos e sem traços de proteína animal
(alimentação/cultura vegana); do automóvel como mercadoria e
do problema de mobilidade urbana que o enorme acesso propor-
cionado pelo modo de produção em série implicou nos grandes
centros, organizamos passeatas para aumentarem-se o espaço
destinado às ciclovias (além da evidente substituição de um
estilo de vida sedentário por outro voltado à modulação da vida
segundo a inclusão de várias atividades físicas diárias, com a
defesa desse etilo pró-bikes, evitaríamos, entre outras coisas, o
despejamento constante na atmosfera terrestre de gases tóxicos
causadores, por exemplo, do efeito estufa).
Estamos assistindo de camarote à substituição da
por Ricardo Bagge