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Revista Digital Carta Maior - Os Brics contra o parlamentarismo de mercado

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Editorial - BRICS e o parlamentarismo de mercado •Pág. 4

Brics: um novo fundo monetário e um novo banco de desenvolvimento •Pág. 8

Dos BRICS à bricolagem chinesa no mundo ocidental •Pág. 12

Quem tem medo do dragão chinês? •Pág. 15

ÍNDICE

Page 3: Revista Digital Carta Maior - Os Brics contra o parlamentarismo de mercado

China, Banco do BRICS e a infraestrutura brasileira •Pág. 18

Os 18 motivos da mudança de postura dos EUA em relação a Cuba •Pág. 20

O desafio da China diante do FMI: incorporar o yuan ao sistema SDR •Pág 24

Decisão da China viabiliza retomada do Brasil pela indústria básica •Pág. 28

PETIÇÃO: Estados Unidos e Europa devem se juntar aos BRICS •Pág. 31

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levantes nacionais são arrancadas com as conse-quências sabidas.

É como se uma gigantesca engrenagem cui-dasse de tomar de volta tudo aquilo que transgre-diu os limites da democracia política formal em direção a uma verdadeira democracia econômica e social.

Instala-se nesse oco um outro paradigma de eficiência feito de desigualdade ascendente.

A expansão estrutural do capital financeiro, cuja supremacia e crescente mobilidade determi-nam a desregulação em série dos mercados im-pondo constrangimentos à soberania democrática das nações, desbrava e legitima esse processo.

Não há economicismo nessa constatação.

A devastação do mundo do trabalho pelo de-semprego e a supressão de direitos é a tôni-ca do nosso tempo.

Ela se dissemina globalmente como a contra-partida social mais perversa da era de livre mobili-dade dos capitais.

Sob o impulso desse arrastão capitalista, in-vade o metabolismo das economias pelo canal do comércio exterior; internaliza padrões de competi-tividade derivados das novas cadeias de produção mundial; flexibiliza custos e dissolve garantias; ins-tala a precariedade na existência assalariada.

Uma a uma as tábuas de chão firme dura-mente impostas ao capitalismo por sucessivas gerações de lutas operárias, governos populares e

Editorial: BRICS e o parlamentarismo de mercadoJoaquim Palhares - Diretor de Redação de Carta Maior

Os BRICS, construindo um novo polo de liderança mundial, podem reverter a destruição do mundo do trabalho hoje operada pelo parlamentarismo de mercado.

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Políticas de corte salarial puro e simples, ou o seu congelamento associado à ampliação da jor-nada de trabalho, são implantadas sob a guarda do euro, em nome de uma bizarrice, ‘a contração expansiva’ que promete empregos e crescimento ao que sobrar da sociedade.

Estoques épicos de desemprego atingem 50% da juventude europeia nesse revival da auro-ra selvagem do capitalismo.

No total, 24% da população do continente não tem renda para sustentar suas necessidades básicas, entre as quais, alimentar-se.

Nos EUA, 47,5 milhões vivem com menos de 2 dólares por dia. O salário mínimo hoje é inferior ao vigente sob o governo ultraconservador de Ronald Reagan.

Símbolo do way of life anticomunista dos anos 50/60, a classe média americana amarga 15 anos sem aumento real de salários.

Explica-se a hesitação do Fed em subir a taxa de juro em meio a ‘uma recuperação’ de recheio social tão díspar.

Não é preciso ir mais longe para sentir o so-pro gelado da regressão conservadora.

Há 72 anos, no 1º de Maio de 1943, Getúlio Vargas promulgava uma Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, que agora o parlamentarismo de mercado, liderado pelo business man, Eduardo Cunha, cuida de desmontar.

Aproveita-se a ausência de uma agenda po-sitiva de governo, para desengavetar uma agenda espoliativa da Nação.

Sob Vargas, a CLT consagrou a obrigatorie-dade do registro em carteira para o trabalhador, limitou a jornada a oito horas, garantiu a estabili-dade após dez anos na mesma empresa e oficia-lizou o salário mínimo, instituído em 1936. Esta semana, a treva mencionada por Conceição ins-talou-se no Congresso Nacional para fazer aquilo que FHC tentou e não conseguiu em 2001: enfiar o punhal nas costas da CLT, introduzindo no merca-do brasileiro a terceirização em massa do trabalho, em todos os setores e em qualquer função, pavi-mentando demissões, arrocho e precarização das relações laborais em pleno retrocesso econômico.

A inevitabilidade da solução conservadora é martelada diuturnamente pelo aparato emissor.

O Brasil precisa, dizem os editoriais em festa, desmantelar a couraça do ‘atraso lulopetista’ ma-terializada no quase pleno emprego, nos ganhos reais de salário, no seguro desemprego e demais interditos ao exercício da exploração nua e crua

A política contribuiu de maneira inestimável para o modo como essa lógica se impôs.

Erros e derrotas acumulados pela esquerda mundial desde os anos 70, sobretudo a coloniza-ção de seu arcabouço programático pelos valores e interditos neoliberais, alargaram os vertedouros de uma desregulação financeira cuja dominância se tornou ubíqua e impera em todas as esferas da vida humana.

A queda do Muro de Berlim, em 1989, con-sagraria aquilo que os mais apressados se atreve-riam a denominar de ‘fim da historia’.

Não era. Mas os sinais vitais nunca se mostraram tão

frágeis para inaugurar o passo seguinte da huma-nidade.

Não por acaso, o colapso neoliberal em 2008 configurou-se, ineditamente, como uma ruptura capitalista desprovida de força social capaz de transformá-la em mudança de época.

O que se paga hoje em perdas e danos so-ciais é a fatura desse vazio.

Dito de outra forma, a desordem econômica neoliberal continua sendo administrada pela or-dem política neoliberal.

‘Isso é a treva!’, resumiu em uma entrevista a Carta Maior a economista Maria da Conceição Tavares.

Não se trata apenas da metáfora dos nossos dias.

A mais-valia absoluta, na verdade, está de volta a uma Europa que agoniza sob os escombros daquele que já foi o Estado do Bem Estar Social mais avançado da história.

“Erros e derrotas acumulados pela esquerda mundial desde os anos 70,

sobretudo a colonização de seu arcabouço programático pelos valores e interditos neoliberais, alargaram os vertedouros de uma desregulação financeira cuja dominância se tornou ubíqua e impera em todas as esferas da vida humana.”

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bais não deprecia a urgência da autocrítica petis-ta, nem autoriza a protelação dos enfrentamentos que cobram da esquerda brasileira o desassombro de uma frente ampla progressista para terem via-bilidade. É imperioso, porém, interligar essa resis-tência a de outros povos e nações para que ela seja viável e o mantra mercadista não nos ensurdeça.

Faz parte da travessia a sedimentação de instituições cooperativas que devolvam aos Esta-dos e nações o poder de frear a mobilidade extor-siva dos capitais, resgatando a margem de mano-bra sobre variáveis cruciais do desenvolvimento, como as políticas monetária, a fiscal, a cambial e a trabalhista.

É disso que trata o especial de Carta Maior deste fim de semana.

O longo amanhecer de uma nova ordem mundial passa pelo desdobramento dos Brics em novos organismos de cooperação que preencham a lacuna criada com a destruição dos acordos de Bretton Woods, nos anos 70.

A libertação dos demônios reprimidos em 1944, impôs à luta pelo desenvolvimento uma ca-misa de força de indiferenciação regressiva entre a hegemonia dos mercados financeiros, o sistema político, a ordem jurídica e a gestão econômica.

É na esteira desse arrastão capitalista, repi-ta-se, que se viola a urna, a democracia e a sobe-rania indissociável da luta pelo desenvolvimento.

do trabalho pelo capital. Quando todos os ‘insumos’ são livremente

negociados e fatiados em escala global, não tem sentido manter a rigidez das relações de trabalho, diz o jornal da família Frias.

Trata-se, em síntese, de regredir a família as-salariada à condição exclusiva de ‘insumo’, como aliás Marx antecipou.

Ajuda nesse sentido trazer a crise para den-tro do país e, com ela, os ajustes retardados desde 2008 pelo intervencionismo estatal do lulopetis-mo.

É o que está sendo feito agora sob aplausos das federações empresariais ao seu CEO no Con-gresso.

Um governo desguarnecido em duas frentes estratégicas – a da comunicação e a da politiza-ção da luta pelo desenvolvimento-- ademais de acuado por escândalos meticulosamente midiati-zados, e engessado pelo esgotamento de recursos contracíclicos, rende-se assim às prescrições do mercado.

Antes que a descrença transforme o cam-po progressista em um cemitério de prostração e autoflagelo é preciso enfatizar as determinações globais dessa encruzilhada para que se possa vis-lumbrar a luz do longo amanhecer pós-neoliberal.

O que se sublinha como determinações glo-

Roberto Stuckert Filho/PR

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tempo, que se desloca de Estados isolados para um núcleo de economias afins, capaz de reunir a escala financeira e geopolítica adequada à regula-ção de um espaço econômico que permita plane-jar o desenvolvimento no século XXI.

Sem isso fenece a busca do pleno emprego, torna-se errático o investimento de longo prazo e impossível a coordenação entre as moedas –com ajustes cambiais periódicos-- para evitar crises de balanço de pagamentos e guerras protecionistas.

É no escopo dessa armadura que será pos-sível reverter, de fato, a destruição do mundo do trabalho hoje operada com notável desembaraço pelo parlamentarismo de mercado, sob a batuta de um personagem clássico destes tempos, o ova-cionado Eduardo Cunha.

Essa é a importância dos instrumentos de co-operação financeira oficializados na VI Cúpula de Chefes de Estado e de Governos do BRICS, que se estendeu entre Fortaleza e Brasília, em julho do ano passado.

O fundo de reservas contingente – para acu-dir nações sob o assalto especulativo das fugas de capitais, por exemplo-- terá valor inicial de US$ 100 bilhões (US$ 41 bilhões da China; Brasil, Rússia e Índia, com US$ 18 bilhões cada; e a África do Sul, com US$ 5 bilhões).

O Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) começa com um fundo de US$ 50 bilhões, subs-crito em partes iguais pelos cinco integrantes dos BRICS. A ideia é que possa operar globalmente financiando projetos de infraestrutura em todo o mundo pobre e em desenvolvimento. Seria, assim, a principal ferramenta de influência geopolítica dos BRICS na construção de um novo polo de li-derança mundial.

Se o fundo de reservas guarda semelhanças com a função original do FMI imaginada em 1944, o NBD seria a contraface progressista do Banco Mundial.

Bretton Woods foi uma tentativa de erigir uma institucionalidade global, erguendo amorte-cedores que diluíssem a repetição das causas das duas guerras mundiais --entre elas, a desordem espoliativa das nações pelos mercados desregu-lados.

As sementes criadas agora pelos Brics tem a firme determinação de avançar nesse caminho e ir além dele.

Trata-se de promover um aggiornamento necessário da fronteira da soberania em nosso Ri

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“Bretton Woods foi uma tentativa de erigir uma institucionalidade global,

erguendo amortecedores que diluíssem a repetição das causas das duas guerras mundiais --entre elas, a desordem espoliativa das nações pelos mercados desregulados. As sementes criadas agora pelos Brics tem a firme determinação de avançar nesse caminho e ir além dele.”

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mecanismos independentes de financiamento e estabilização. Refiro-me ao Arranjo Contingente de Reservas (Contingent Reserve Arrangement – CRA) e ao Novo Banco de Desenvolvimento (New Development Bank – NDB). O primeiro será um fundo de estabilização entre os cinco países; o se-gundo, um banco para financiamento de projetos de investimento nos Brics e outros países em de-senvolvimento.

O Brasil tem atribuído, desde o governo Lula, grande importância à atuação no âmbito dos Brics. No governo Dilma, a atuação conjunta com os de-mais Brics tornou-se uma das principais vertentes da política externa brasileira. Isso se tornou mais claro na cúpula dos Brics em Fortaleza, em julho de 2014, quando foram assinados os acordos que estabelecem o CRA e o NDB. Esses dois mecanis-mos são complementares às instituições multila-terais de Washington e podem inclusive cooperar

A escassez de recursos para financiar o de-senvolvimento e os surtos recorrentes de instabilidade nos mercados internacionais,

com efeitos mais intensos nas economias emer-gentes, conferem importância crucial à criação de mecanismos de autodefesa e financiamento. As instituições multilaterais sediadas em Washington – o FMI e o Banco Mundial – mostram grande di-ficuldade de evoluir e se adaptar à nova realidade internacional, marcada pelo peso crescente das economias emergentes. O G20 está semiparalisa-do desde 2011. Diante disso, os emergentes vêm tomando, há algum tempo, as suas próprias provi-dências em âmbito nacional e reforçando alianças entre si.

Os Brics – Brasil, Rússia, China, Índia e Áfri-ca do Sul – têm se destacado nesse campo. Des-de 2012, esses países vêm negociando cuidado-samente, passo a passo, o estabelecimento de

Brics: um novo fundo monetário e um novo banco de desenvolvimentoPaulo Nogueira Batista Jr.*

Cabe aos Brics mostrar, em especial aos países em desenvolvimento, por que e para que queremos mais influência e poder decisório.

Roberto Stuckert Filho/PR

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países pode ser concedido por meio de um instru-mento de liquidez imediata ou de um instrumento precaucionário, este último para o caso de pres-sões potenciais de balanço de pagamentos.

O CRA tem um sistema de governança em dois níveis. As decisões mais importantes serão tomadas pelo Conselho de Governadores (Gover-ning Council), com os assuntos de nível executivo e operacional ficando a cargo de um Comitê Per-manente (Standing Committee). O consenso é a regra para quase todas as decisões. Somente as decisões do Comitê Permanente relacionadas a pedidos de apoio e de renovação de apoio serão tomadas por maioria simples de votos ponderados pelo tamanho relativo das contribuições individu-ais.

Cada país pode obter a qualquer tempo até 30% do seu limite de acesso, desde que observe os procedimentos e salvaguardas do Tratado. Um acesso acima desse percentual está condicionado à existência de um acordo com o FMI.

As condições para aprovação de um pedido de apoio incluem: (i) não ter dívidas em atraso com os outros Brics ou suas instituições financeiras públicas nem com as instituições financeiras mul-tilaterais; (ii) cumprir as obrigações com o FMI re-ferentes ao Artigo IV (supervisão) e ao Artigo VIII (provisão de informações) do Convênio Constitu-tivo do Fundo; e (iii) assegurar que as obrigações assumidas pelo país que requisita apoio sejam não subordinadas, sendo classificadas, quanto ao direito de pagamento, ao menos pari passu com todas as outras obrigações externas. Novo Banco de Desenvolvimento O NDB financiará projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável não só nos Brics como também em outros países em desenvolvimento. Há uma grande carência de re-

com elas. Mas foram concebidos para serem auto-administrados e atuar de forma independente.

Enquanto diretor executivo do Brasil no FMI, participei dessas negociações desde o início, em 2012. Este artigo é um breve depoimento sobre o que foi alcançado nesses anos e a tarefa pendente de implementação do fundo e do banco dos Brics.

Alternativa potencial às instituições de Bret-ton Woods

As instituições de Bretton Woods, o FMI e o Banco Mundial, existem há 70 anos. Em todo esse período, nada surgiu no campo multilateral ou plu-rilateral que possa ser caracterizado como alter-nativa a essas instituições, dominadas pelas po-tências tradicionais – os EUA e a União Europeia.

O CRA e o NDB, ainda embrionários, consti-tuem a primeira alternativa potencial. A Iniciativa de Chiang Mai – na qual o CRA se inspira em parte – não desempenha esse papel, uma vez que a pre-sença do Japão e da Coreia do Sul – aliados pró-ximos dos EUA – funciona na prática como uma trava para o desenvolvimento independente da iniciativa. O Mecanismo de Estabilidade Europeu (European Stability Mechanism – ESM) tampouco representa uma alternativa ao FMI, uma vez que coopera estreitamente com o Fundo e chega a dominá-lo, no âmbito da chamada troika, na for-mulação, financiamento e acompanhamento dos programas de ajuste e reforma para países da área do euro. A super-representação da Europa no FMI facilita a adaptação da instituição à estratégia tra-çada em Berlim, Bruxelas e Frankfurt.

Arranjo Contingente de Reservas

O valor inicial do CRA é US$ 100 bilhões. A China entra com US$ 41 bilhões; Brasil, Rússia e Índia com US$ 18 bilhões cada; e a África do Sul com US$ 5 bilhões. Trata-se de um “pool” virtu-al de reservas, em que os cinco participantes se comprometem a proporcionar apoio mútuo em caso de pressões de balanço de pagamentos. O termo “contingente” reflete o fato de que, no mo-delo adotado, os recursos comprometidos pelos cinco países continuarão nas suas reservas inter-nacionais, só sendo acionados se algum deles pre-cisar de apoio de balanço de pagamentos.

Os limites de acesso de cada país aos recur-sos do CRA são determinados por suas contribui-ções individuais vezes um multiplicador. A China tem um multiplicador de 0,5; o Brasil, a Índia e a Rússia, de 1; e a África do Sul, de 2. O apoio aos

“As instituições de Bretton Woods, o FMI e o Banco Mundial, existem há 70

anos. Em todo esse período, nada surgiu no campo multilateral ou plu-rilateral que possa ser caracterizado como alternativa a essas instituições, dominadas pelas potências tradicio-nais – os EUA e a União Europeia.”

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empréstimos ou realizar outras operações com o banco em condições que serão especificadas pelo Conselho de Governadores.

Percalços do processo de negociação em 2012-2014

O processo de negociação do CRA e do NDB desde 2012 enfrentou alguns percalços do lado brasileiro. Vale a pena recapitulá-los brevemente, uma vez que podem se repetir na fase de imple-mentação das duas iniciativas. No caso do CRA, cuja coordenação esteve desde o início sob res-ponsabilidade brasileira, o principal problema foi a relutância do Banco Central do Brasil, que temia comprometer reservas brasileiras em operações potencialmente arriscadas e atuou para retardar e esvaziar a iniciativa. Talvez a sua relutância tenha diminuído ao longo do tempo, em face da determi-nação da presidente da República de levar adiante a iniciativa e da consolidação do CRA como arran-jo acompanhado de uma série de salvaguardas, in-clusive vinculação com o FMI, como mencionado acima.

Apesar dos percalços, o Tratado que cons-titui o CRA é abrangente e detalhado, incluindo detalhes de natureza operacional. A Diretoria Exe-cutiva do Brasil no FMI, com apoio do Ministério da Fazenda, assumiu a tarefa de preparar as diferen-tes minutas do Tratado, representar as posições brasileiras, orientar e secretariar a negociação e fazer as simulações para definir os parâmetros do arranjo. Para esse trabalho nos valemos da nossa experiência no próprio FMI, dos acordos bilaterais de swap existentes e da experiência da Iniciativa de Chiang Mai.

No caso do NDB, o problema foi de outra na-tureza: a insuficiência da equipe negociadora bra-sileira que se resumiu a alguns poucos integrantes da assessoria internacional da Fazenda, com pou-ca experiência na área. O Brasil acabou não sendo adequadamente contemplado em definições bá-sicas e na distribuição de cargos-chave do NDB. A China ficou com a sede; a Índia com a primeira presidência do banco; a Rússia com a primeira pre-sidência do Conselho de Governadores e o Brasil apenas com a primeira presidência da Diretoria ou Conselho de Administração. Corre-se o risco de que o NDB venha a ser um banco essencialmente asiático, dominado pela China e pela Índia, com os demais Brics desempenhando papel caudatário.

O Brasil não chegou sequer a pleitear a sede do NDB, ficando sem fichas na negociação de al-guns temas básicos. A Índia insistiu até o fim em sediar o banco e acabou levando a primeira pre-

cursos para financiar o desenvolvimento da infra-estrutura no mundo. O Banco Mundial e os bancos regionais de desenvolvimento não têm capital su-ficiente e continuam dominados pelas potências tradicionais. Os EUA e outros países desenvolvi-dos relutam em aumentar o capital e a capacidade de emprestar do Banco Mundial, mas querem ao mesmo tempo preservar o controle da instituição.

É para ajudar a cobrir esta lacuna que os Brics resolveram criar o seu próprio banco de desenvol-vimento. O novo banco terá um capital subscrito de US$ 50 bilhões e um capital autorizado de US$ 100 bilhões. O capital subscrito será distribuído em parcelas iguais de US$ 10 bilhões entre os cinco membros fundadores, que terão assim o mesmo poder de voto. A sede será em Xangai. O primeiro escritório regional será em Johanesburgo e haverá também um escritório regional no Brasil.

O banco estará aberto à participação de ou-tros países. Os países desenvolvidos poderão ser sócios, porém não tomadores de empréstimos. Já os países em desenvolvimento poderão ser sócios e captar recursos. Os Brics preservarão sempre pelo menos 55% do poder de voto total. Os países desenvolvidos terão no máximo 20% do poder de voto. Fora os Brics, nenhum país deterá mais do que 7% dos votos.

Mesmo que não se tornem sócios do ban-co, países em desenvolvimento poderão tomar

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cerá na Rússia em julho de 2015. Para o CRA, estabeleceu-se que o grupo

negociador conclua as regras e procedimentos operacionais do Conselho de Governadores e do Comitê Permanente. Os bancos centrais ficaram encarregados de completar o detalhamento das operações de swap de moedas por meio das quais ocorrerá o aporte de recursos em caso de pres-sões de balanço de pagamentos.

Para o NDB, decidiu-se que o Presidente e os Vice-presidentes serão designados bem antes da cúpula da Rússia. Decidiu-se também designar um Conselho de Administração provisório incumbido de conduzir o estabelecimento do banco.

Significado dessas iniciativas Qual o signifi-cado dessas iniciativas? Se tivesse que resumir em uma frase, diria que estamos dando um passo sig-nificativo na direção de um mundo mais multipolar. Há traços comuns entre os cinco Brics, para além de todas as diferenças econômicas, políticas e históricas: são países de economia emergente, de grande porte econômico, territorial e populacional, que têm condições de atuar com autonomia. Esse não é caso da grande maioria dos demais países de economia emergente ou em desenvolvimento.

Os Brics não estão conformados com a atual governança internacional, que tem origem na es-trutura de poder que emergiu depois da Segunda Guerra Mundial e consagra representação e pa-pel exagerados para as potências tradicionais. O mundo está mudando rapidamente. É crescente o peso dos países de economia emergente e em desenvolvimento. Mas as organizações internacio-nais continuam a refletir uma realidade política e econômica do século XX.

Cabe aos Brics, entretanto, na prática do dia--a-dia no nosso trabalho no FMI, no Banco Mundial, no G20 e nas instituições que estamos em vias de criar, mostrar aos demais países, particularmente aos outros países em desenvolvimento, por que e para que queremos mais influência e poder deci-sório. Que diferença faz para os países menores, mais frágeis ou de menor renda, que poder deci-sório seja transferido das potências tradicionais para os Brics? Se não o fizermos, nossa atuação conjunta será vista pelos demais como mera dis-puta de poder.

*Paulo Nogueira Batista Jr. é economista e

diretor executivo pelo Brasil e mais dez países no Fundo Monetário Internacional, mas expres-sa os seus pontos de vista em caráter pessoal.

sidência. Não devemos cometer o mesmo erro na de-

finição da sede do CRA. Cabe entrar na disputa com cidade competitiva e atraente – quem sabe o Rio de Janeiro? – e travar essa disputa desde o início da discussão. A China deseja sediar o CRA também em Xangai. Se prevalecer essa propos-ta, Xangai se transformaria na nova Washington – sede do banco e do fundo monetário dos Brics. O Brasil e os outros Brics apareceriam como mera linha auxiliar em duas iniciativas comandadas pela China. O desafio da implementação

A assinatura em Fortaleza dos acordos que criaram um banco e um fundo monetário dos Bri-cs alçou a cooperação entre os cinco países a um novo patamar. Agora, o grande desafio é a imple-mentação das duas instituições. Essa fase de im-plementação vai definir o sucesso ou insucesso do CRA e do NDB, a sua maior ou menor importância prática e, em última análise, o êxito do próprio pro-cesso Brics.

Há que cuidar para que as duas instituições se estabeleçam de maneira sólida e não venham a ser deformadas ou enfraquecidas ao longo do pro-cesso de sua concretização. Há que atentar tam-bém para que elas entrem em funcionamento num futuro não muito distante, se possível no primeiro semestre de 2016. Demoras excessivas podem le-var a que elas sejam ultrapassadas pelos aconteci-mentos e os Brics percam credibilidade.

Nesse sentido, foi importante a reunião dos líderes dos Brics na Austrália em novembro de 2014, presidida pela presidente Dilma Rousseff. Na ocasião, os líderes resolveram fixar metas para a implementação do CRA e do NDB, a serem alcan-çadas até a próxima cúpula dos Brics, que aconte-

“Os Brics não estão conformados com a atual governança

internacional, que tem origem na estrutura de poder que emergiu depois da Segunda Guerra Mundial e consagra representação e papel exagerados para as potências tradicionais. E é crescente o peso dos países de economia emergente e em desenvolvimento.

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gem emperrada do FMI que ainda não consentiu o aumento da participação dos 5 países em seu capital. Enquanto os EUA detém 17% do poder de voto na instituição, Japão 6%, Alemanha, França e Reino Unido 14%, e os BRICS com somente 11% e a China 3,8%. A governança financeira mundial não conta há tempos com uma posição melhor dos BRICS no FMI.

Num primeiro momento US$ 100 bilhões, denominados Arranjo Contingente de Reservas, estarão à disposição dos membros do grupo, para servir de fundo destinado a ser acionado e a so-correr os membros que sofram riscos de calote e problemas com seus balanços de pagamentos. Num segundo momento, a ideia é usar o fundo para também adquirir participação nos empreen-dimentos (“equities”), dar garantias, liberar crédito de longo prazo e não simplesmente empréstimos bancários em resgate parcelado. As atuais orga-nizações multilaterais, como o BID e a CAF (Co-missão Andina de Fomento), não têm tido recur-sos suficientes, tampouco reformulam e atualizam seus sistemas.

Em inglês, “brics” significa tijolos, enquanto, em francês, “bricolage” ou, em português, “bricolagem”, significa unir vários elemen-

tos para formação de um conjunto único. Assim, uma interpretação livre, reunindo as duas palavras, seria tijolos colocados acima e ao lado de outros para montagem, a bricolagem, de uma arquitetura única e comum a partir de uma engenharia con-certada a uma ou várias mãos.

Esta arquitetura e engenharia vem sendo feita por um grupo de países tendo como membro mais significativo a China. De início, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, os BRICS, com uma propos-ta de trabalho e operação comum e um acordo em fase de aprovação final. Posteriormente, um país aqui, outro ali, e a China vai arrebanhando aliados para uma nova e ousada concertação nas décadas vindouras. Sinais nesta direção foram dados pela Venezuela e Argentina.

Com os BRICS nasce um banco de desen-volvimento, acoplado a um forte fundo de finan-ciamento a projetos de infraestrutura em países emergentes. Vem a ser uma resposta à engrena-

Dos BRICS à bricolagem chinesa no mundo ocidentalJosé Carlos Peliano*

A China sustenta e apoia negócios que, além de serem de seu próprio proveito, contribuem seguramente para o desenvolvimento mundial. Se

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(BCE) e Comissão Europeia (CE). O Brasil já este-ve nas cordas por conta do FMI em anos passados quando este ditava as regras para controle da eco-nomia e liberação dos recursos de empréstimos reparatórios. Hoje, felizmente o país está fora das cordas e no meio do ringue graças à política eco-nômica dos três últimos governos federais.

Surgem temores de que a hegemonia ameri-cana através do Banco Mundial e do FMI será subs-tituída pela chinesa através do banco dos BRICS. Ocorre que até agora os chineses não têm agido da mesma maneira que americanos e europeus ao não condicionarem termos restritivos aos seus empréstimos, por exemplo, como se dá na África. Ademais, a China não tem o modus operandi neo-liberal, sendo o Estado o dono da maior parte de seu sistema financeiro, ao contrário dos demais países capitalistas ocidentais onde as grandes companhias dominam o sistema e o Estado.

O banco dos BRICS vem a ser igualmente um primeiro teste em direção à diminuição da dolari-zação do sistema econômico mundial, o qual está ao fim e ao cabo nas mãos de seis bancos ameri-canos que controlam praticamente 2/3 de todos os ativos bancários mundiais (JP Morgan, Bank of America, Citigroup, Wells Fargo, Goldman Sachs, Morgan Stanley). O que significa que as turbulên-cias e as crises financeiras internacionais acabam governadas ou desgovernadas por esses seis ban-cos. Os EUA se tornam na realidade o banqueiro

O banco dos BRICS vem a ser uma alternativa promissora ao FMI e ao Banco Mundial para aces-so a crédito disponível em condições mais vanta-josas, prazos mais longos e juros mais baixos. Além do que o novo banco deverá diminuir a influência internacional dos Estados Unidos e da União Eu-ropeia tanto nos negócios de grande vulto, quanto na influência nos fluxos de capitais e dinheiro.

Desde a Conferência de Bretton Woods, em 1944, quando foram lançadas as bases do sistema financeiro internacional, incluindo a criação do FMI e do Banco Mundial, o controle efetivo das transa-ções está nas mãos dos EUA e parceiros aliados. Os países emergentes, entre eles os BRICS, não têm tido vez nem voz.

De fato, ou os países se submetem ao es-tado de coisas, ou o estado de coisas submetem os países. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Os termos dos empréstimos e socorros aos balanços de pagamentos são ditados pelo Banco Mundial e FMI, assim como os distúrbios financei-ros internacionais, que derrubam as moedas dos países emergentes, os mais pobres e fracos em reservas e volume de comércio, são manipulados pelas transações das nações mais ricas e fortes.

Grécia, Portugal, Espanha, Itália e Irlanda são exemplos de anos recentes. Foram empurrados pelo rolo financeiro em conluio com desgovernos de suas autoridades monetárias e agora sofrem o arrocho da Troika - FMI, Banco Central Europeu

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oficiais de instalação do banco dos BRICS. Reu-nidos recentemente na Confederação Nacional da Indústria (CNI) pediram agilidade na liberação dos recursos para projetos públicos e privados de infraestrutura e desenvolvimento sustentável. Os pleitos serão levados à reunião dos representan-tes dos BRICS na Rússia. As limitações financeiras nacionais e internacionais estão pesando no anda-mento dos portfólios de investimentos industriais.

A China tomou a frente e deu início à libera-ção de recursos, se não sob a égide do banco, pelo menos em sua direção ao se comprometer com a Petrobras no financiamento de US$ 3,5 bilhões através do Banco de Desenvolvimento chinês. O documento é o primeiro de um acordo de coope-ração que será levado a efeito de 2015 a 2016. Sob o espírito da cooperação entre países do grupo dos BRICS, a iniciativa mostra que a Petrobras, apesar das denúncias de corrupção, é uma em-presa sólida e recebe a confiança de credor inter-nacional fora do âmbito dos bancos americanos e europeus.

A confiança da China no acordo de coope-ração da Petrobras não só mostra ao mundo sua disposição em garantir condições de expansão da maior empresa brasileira, como também aprova a condução de seus negócios na área do petróleo. Ao contrário de grupos da opinião pública nacional que querem desabonar e desqualificar a empresa mesmo sabendo de sua vitalidade, resultados e capacidade de tecnologia e produção.

Se o banco dos BRICS mostra sua força e poder de influir positivamente no cenário financei-ro internacional, a China sozinha com sua bricola-gem econômica e financeira sustenta e apoia ne-gócios que, além de serem de seu próprio proveito, contribuem seguramente para o desenvolvimento mundial.

*Economista, colaborador da Carta Maior

internacional. Em contraposição à hegemonia americana, a

importância do novo banco pode ser avaliada pela soma do PIB dos 5 países membros em torno de US$ 16 trilhões. Esta cifra supera a soma dos pro-dutos de todos os países que fazem parte da Zona do Euro e atinge 14% do produto bruto mundial. Ademais, os 5 países detém 35% do total das re-servas internacionais em moeda.

A presidência rotativa do banco dos BRICS foi recém assumida pela Rússia, o que certamente deverá refletir em movimentos políticos e diplomá-ticos para fazerem frente à hegemonia americana. Arranjos diferenciados para o desenvolvimento e a segurança poderão ser implementados que re-dundem em iniciativas promissoras nas áreas co-mercial, econômica e diplomática para o grupo de países.

A Rússia, em particular, se beneficia face ao embargo que sofre dos EUA e aliados europeus, funcionando os 4 países restantes do grupo como sua janela temporária de oportunidade comercial e econômica. A próxima reunião do grupo em julho na Rússia deverá consolidar as medidas tomadas até agora bem como expandir e detalhar novas ações e atividades.

Antes disso, no entanto, o empresariado bra-sileiro já se mobiliza para apressar as definições

november-13 / Flickr

“A confiança da China no acordo de cooperação da Petrobras não só mostra

ao mundo sua disposição em garantir condições de expansão da maior empresa brasileira, como também aprova a condução de seus negócios na área do petróleo.”

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nos para quebrar a ordem institucional, através de novos tipos de golpe. Golpes econômicos, golpes institucionais ou a renúncia antecipada dos gover-nantes.

Observando a realidade regional em perspec-tiva, chega-se à conclusão de que, pela primeira vez neste século, as nações mais importantes en-frentaram ameaças simultâneas à sua ordem ins-titucional.

É verdade que houve movimentos golpistas prévios, no Paraguai (2012, com sucesso), Equa-dor (2010) e Bolívia (2008), mas dessa vez contra governos progressistas de menor importância ge-opolítica, e não foram simultâneos, como os que ocorrem nestes momentos no Brasil, na Argentina e na Venezuela.

O longo braço de WashingtonA propósito, qualquer analista rigoroso, seja

de direita ou de esquerda, afirmaria que Washin-gton não é alheio às mobilizações contra Dilma, Cristina e Maduro, assim como não o foi nos mo-vimentos contra o ex-presidente paraguaio Fer-nando Lugo e seus colegas Rafael Correa e Evo Morales, que puderam reverter suas crises e con-tinuar no poder.

Os Estados Unidos jamais censurou as insur-gências no Paraguai, no Equador e na Bolívia, as-

Um fantasma sobrevoa a América do Sul. Bra-sil, Argentina e Venezuela, principais potên-cias sul-americanas, enfrentamprocessos

desestabilizadores encabeçados por personagens que repudiam a nova política externa de Dilma Rousseff, Cristina Kirchner e Nicolás Maduro, ao mesmo tempo que recomendam restabelecer uma relação preferencial com Washington.

O desgaste político do governo brasileiro de-vido à guerra política alimentada pelos defensores do impeachment é comparável à situação obser-vada em Buenos Aires, embora não sejam pano-ramas idênticos, pois na Argentina a direita evita falar em golpe, apesar de tentar incendiar o país até as eleições de outubro.

No cenário portenho, a guerra política foi forçada pela morte de um promotor que recebia ordens de Washington, algo diferente da também grave situação política bservada em Caracas, ameaçada por grupos de choque e milícias políti-cas de direita.

Apesar dessas diferenças parciais, o impor-tante é que os três governos são vítimas de pla-

Quem tem medo do dragão chinês?

Dario Pignotti, de Buenos Aires

Tanto a China como os governos progressistas da América Latina apostam na consolidação de uma ordem mundial multipolar, sem protagonismo dos EUA.

Zara Gonzalez / Flickr

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poder fáticos norte americanos estimulam, com maior ou menor dissimulação, as forças conserva-doras locais (banqueiros, mídia privada e partidos de direita), em sua conspiração contra as experi-ências progressistas.

Contudo, o acosso estadunidense contra o Brasil, primeira economia latino-americana, e seus sócios argentinos e venezuelanos, também é mo-tivada pela aproximação deles com a China, um gi-gante que começa a ameaçar a hegemonia ianque na América do Sul.

A China vem exercendo uma estratégia na região sustentada numa diplomacia aberta ao di-

álogo e principalmente nas relações econômicas – Pequim já ultrapassou Washington em termos de comércio com Brasil e Argentina.

Dragão herbívoro?China e Estados Unidos travam uma batalha

na América do Sul, que pode ser comparada, ape-sar das diferenças, com a que já mantêm na Áfri-ca, outro continente rico em alimentos, minerais e petróleo.

Sendo, como são, as duas maiores potências mundiais, ambos os países dão prioridade às suas estratégias expansionistas.

sim como, na atualidade, não dissimula sua distân-cia diplomática com Brasil, Venezuela e Argentina.

Basta observa a hostilidade do Departamen-to de Estado contra Venezuela, aplicando severas sanções, por considerar o país uma ameaça à sua segurança nacional. Ou o permanente assédio di-plomático contra Cristina Kirchner, que se viu obri-gada a publicar nota oficial solicitando ao governo de Barack Obama que “termine com a ingerência nos assuntos internos da política argentina.

No caso do Brasil, por um lado, Washington e Brasília mantêm um diálogo formal, mas as re-lações estão praticamente congeladas desde se-tembro de 2013, quando a presidenta suspendeu uma visita de Estado em reposta à espionagem da NSA contra ela e a Petrobras. Até hoje, apesar das queixas apresentadas formalmente pela presi-denta, a NSA ainda não a excluiu da lista de líderes investigados.

Em resumo: os Estados Unidos esfriaram e até suas relações com os três governos progressistas mais longevos do continente: o do Partido dos Tra-balhadores, o do peronismo de centro-esquerda e o do movimento bolivariano.

Paralelamente, o governo e os grupos de

“Contudo, o acosso estadunidense contra o Brasil, primeira economia

latino-americana, e seus sócios argentinos e venezuelanos, também é motivada pela aproximação deles com a China, um gigante que começa a ameaçar a hegemonia ianque na América do Sul.

“Nos primeiros três meses de 2015, enquanto se tornaram mais agressivos

os ataques desestabilizadores contra Brasil, Argentina e Venezuela, o presidente chinês Xi Jinping demostrou seu respaldo à continuidade dos respectivos governos.

John Chandler / Flickr

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com Cristina Kirchner, com quem chegou a um acordo para a construção de represas hidroelé-tricas na Patagônia argentina e um de bilhões de yuans. O dinheiro chinês ajuda a recuperar as re-servas portenhas, e representa um balde de água fria nos especuladores que preparavam um ataque contra o peso argentino.

Finalmente, na semana passada, o Banco de Desenvolvimento da China liberou um crédito de 3,5 bilhões de dólares para a Petrobras, com o qual o Brasil poderá conter a pressão contra a petrolei-ra, impulsada especialmente pelos acionistas nor-te-americanos.

Esses acionistas operam como os “abutres” econômicos, buscam sangrar a empresa e apro-veitar o que sobra dela. Contam com o apoio de lobistas interessados em enterrar a legislação pe-troleira que concede prioridade à Petrobrás na ex-ploração dos campos do Pré-Sal.

Exemplos que apenas ilustram a estratégia chinesa, interessada na estabilidade regional e se situando como antítese dos Estados Unidos, que através da diplomacia formal e dos grupos de in-teresse privados, tenta manter contra as cordas autoridades democraticamente eleitas.

É preciso analisar o dragão chinês – que não é herbívoro, mas sim absolutamente pragmático –como uma potencial ameaça imperial, mas que no curto ou médio prazo pode despontar como um aliado imprescindível.

Isso porque a China vem demostrando, atra-vés de iniciativas concretas, seu compromisso com uma América do Sul com independente dos Estados Unidos.

Tanto a China como os governos progressis-tas da região apostam na consolidação de uma ordem mundial multipolar, na que as potências emergentes devem ganhar mais peso, como o Brasil e os blocos de diversa magnitude, desde a Unasul até o cada vez mais robusto BRICS.

Ninguém supõe que a China é um dragão herbívoro que desembarca no Brasil, Argentina, Venezuela, Bolívia, Equador e Chile para favorecer esses países sem pedir nada em troca. São rela-ções de poder objetivas, marcadas por processos históricos.

É nesse ponto que a China se destaca, ofere-cendo um fator importante de estabilidade e apoio à continuidade dos governos de esquerda, com os quais reforçou as relações comerciais, financeiras e também diplomáticas.

Nos primeiros três meses de 2015, enquanto se tornaram mais agressivos os ataques desesta-

bilizadores contra Brasil, Argentina e Venezuela, o presidente chinês Xi Jinping demostrou seu respal-do à continuidade dos respectivos governos.

Mais que isso, o fez com gestos políticos e iniciativas concretas. Em janeiro, enquanto os gru-pos desestabilizadores venezuelanos, financiados pelos Estados Unidos, redobraram sua ofensiva (liderados pela extremista María Corina Machado, amiga de Aécio Neves), Jinping se encontrou com o presidente Nicolás Maduro e assinou com ele al-guns acordos importantes.

Dois meses depois, o líder chinês se reuniu

“É preciso analisar o dragão chinês – que não é herbívoro, mas sim

absolutamente pragmático –como uma potencial ameaça imperial, mas que no curto ou médio prazo pode despontar como um aliado imprescindível.

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outras nações que não façam parte do BRICS.O fundo dos BRICS terá US$ 100 bilhões. A

China ficará responsável por US$ 41 bilhões des-te total. Brasil, Índia e Rússia, por US$ 18 bilhões cada, e África do Sul, por US$ 5 bilhões.

Esses fatos mostram como foi importante para o Brasil participar dos BRICS, para ter um contraponto adequado à força do FMI e suas po-líticas neoliberais. Até o governo alemão já de-monstrou interesse em participar desse NBD!

A infraestrutura brasileira ainda é insuficien-te em várias áreas. Não é para menos! A partir de 2002, a corrente de comércio exterior quase quin-tuplicou, passando de cerca de US$ 100 bilhões em 2002 para cerca de US$ 480 bilhões em 2011. A partir daí, o ritmo diminuiu mas continua cres-cente.

Os principais gargalos são as ferrovias para o transporte de grãos, além de eclusas hidroviárias

No início deste mês (1/4), a Petrobras fechou com o Banco de Desenvolvimento da China um empréstimo de US$ 3,5 bilhões, para re-

forçar o caixa da companhia.No dia 27/3, A Secretaria de Imprensa da Pre-

sidência da República informou que “O governo brasileiro aceitou o convite da República Popular da China para participar como membro-fundador do Asian Infrastructure Investiment Bank (AIIB), que tem como objetivo garantir financiamento para projetos de infraestrutura na região da Ásia”.

No ano passado, os países do bloco dos BRI-CS (Brasil, Russia, India, China e África do Sul) anunciaram a criação de um banco voltado para o financiamento de projetos de infraestrutura em países emergentes.

O Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) foi criado com capital inicial de US$ 50 bilhões – com autorização para chegar até US$ 100 bilhões – e financiará projetos de infraestrutura também em

China, Banco do BRICS e a infraestrutura brasileiraJosé Augusto Valente

Ao participar do Banco dos Brics, o Brasil se contrapõe à força neoliberal do FMI, tendo a possibilidade de investir mais em infraestrutura.

Roberto Stuckert Filho/PR

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exigirá um volume significativo de recursos, sen-do que na área de portos todos provenientes das empresas com contrato de arrendamento e con-cessão.

Em relação a ferrovias, haverá aporte de re-cursos do tesouro, devido à mudança no marco regulatório. Neste caso, a Valec compra a capa-cidade das ferrovias dos concessionários que construirão e/ou operarão as respectivas malhas ferroviárias e vende o direito de passagem aos operadores logísticos que quiserem utilizá-la.

Assim, o Novo Banco de Desenvolvimento po-derá emprestar ao governo brasileiro os recursos necessários para pagar a construção e operação das novas ferrovias, em condições mais favoráveis, especialmente em termos de juros e períodos de amortização.

No passado, o governo utilizava prioritaria-mente recursos do Banco Mundial para investi-mentos em infraestrutura de transportes. Com o advento do Novo Banco do BRICS, abre-se uma possibilidade que poderá ser mais adequada para as atuais e futuras necessidades de investimento em infraestrutura logística, com peso menos signi-ficativo para o tesouro.

Finalmente, no âmbito da Petrobras, além dos empréstimos, a China poderá auxiliar na acelera-ção da produção de navios-sonda, em seus esta-leiros.

Como se vê, são muitas as possibilidades decorrentes desse alinhamento do Brasil com os grandes economias de países emergentes.

nas regiões Norte e Centro-Oeste. É preciso redu-zir a presença dos caminhões ao papel no qual ele é mais eficiente. O de alimentação do sistema fer-roviário, hidroviário e marítimo.

Em relação às Ferrovias, o 11o Balan-ço do PAC2 (Dez/14) mostrou que, no período 2011/2014, foram concluídos 1.088 km, entrando em operac%u027a%u003o 855 km da Ferrovia Norte-Sul (FNS), de Palmas/ TO a Ana%u001po-lis/GO, e a extensa%u003o de 247 km da Fer-ronorte, entre Alto Araguaia/MT e Rondono%u-001polis/MT. Estavam em andamento mais 2.677 km, como a Extensa%u003o Sul da Ferrovia Nor-te-Sul, de Ouro Verde/GO a Estrela d’Oeste/ SP, com 77% realizados, e o trecho da Ferrovia de Integrac%u027a%u003o Oeste-Leste, de Caeti-te%u001/BA a Ana%u001polis/GO, com 61% re-alizados. Além desses, foram realizados 945 km da Ferrovia Nova Transnordestina.

Estão em projeto as ligações Lucas do Rio Verde (MT)/Vilhena (RO), o prolongamento da Ferrovia Norte-Sul de Açailândia (MA)/Barcarena (PA), as conexões Nova Transnordestina/Norte--Sul em Estreito (MA) e Integração Leste-Oeste, de Barreiras (BA) à Figueirópolis, na Norte-Sul.

Há também necessidade de eclusas na hidro-via Teles Pires-Tapajós, especialmente.

Na área de portos, ainda neste ano, deverão ser licitadas 159 áreas para arrendamento dentro do porto organizado. Aguarda-se apenas a libera-ção do TCU.

Pois bem, esse conjunto de necessidades

Roberto Stuckert Filho/ PR

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“Não podemos continuar fazendo a mesma coisa e esperar um resultado diferente”. Este é o argumento oficial do Presidente para justificar a nova política. Trata-se, portanto, de mudar as tá-ticas para conseguir o mesmo objetivo, que é pro-vocar a mudança no sistema político cubano a fa-vor de seus interesses, desta vez mediante o uso do poder brando: relações políticas, econômicas, sociais e culturais para “conquistar o castelo de dentro”. Desde a queda da URSS até pouco tempo atrás, Washington já não podia tratar Cuba como uma ameaça à sua segurança nacional.

As coisas mudam quando a Rússia e a China reencontram os velhos companheiros cubanos e começam a ampliar seus laços em todos os níveis, e diante do olhar atento do Conjunto de Opera-ções Especiais do Pentágono, com sede na Flóri-

Ninguém estava pressionando um Barack Obama debilitado e exausto para que rom-pesse o tabu de restabelecer relações diplo-

máticas com Cuba, lançando-se para os falcões belicosos. Neste mercado da política e da realpo-litik, no qual reina a lógica do custo-benefício, o pequeno tamanho do mercado cubano e seus in-significantes recursos naturais não explicam essa histórica decisão de Obama. Que sejam bem-vin-das essas nove reuniões em 18 meses com repre-sentantes de Cuba, e logo a confissão da derrota, do triunfo do povo cubano e de todas as forças progressistas do mundo que denunciavam o meio século de cruéis e inúteis sanções, atentados, sa-botagens, e outros atos de guerra contra a ilha so-cialista, que se negou a se transformar em outro “estado falido”.

Os 18 motivos da mudança de postura dos EUA em relação a CubaNazanín Armanian

As coisas mudaram quando a Rússia e a China reencontraram os velhos companheiros cubanos e começaram a ampliar seus laços em todos os níveis.

Foto- Pete Souza / Offi

cial White H

ouse

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4. Os EUA pretendem estar presente em Ha-vana quando houver a mudança geracional de seus líderes para poder influir sobre eles de dentro.

5. Para a opinião pública norte-americana, esse gesto em relação ao vizinho cubano é mais importante que os desastres deixados por Obama no Iraque, Afeganistão, Paquistão, Iêmen, Ucrânia ou Síria. Além disso, alivia a decepção dos elei-tores democratas pelo descumprimento de suas promessas eleitorais na política exterior.

B. No contexto da política regional:1. Após o fracasso da estratégia de “Regresso

à Ásia” para conter a China, de ter sido arrastado às guerras do Oriente Próximo, e do surgimento de governos de esquerda em vários países da região, Obama decidiu “Regressar à América” para re-cuperar a influência debilitada sobre os centenas de milhões de almas da América. Vai desenterrar a Doutrina Monroe para aplicá-la à sua maneira, apesar de que John Kerry ter dito no ano passado que essa doutrina havia morrido (mas também dis-

da. O fato de não impor a Cuba qualquer condição para dar esse passo (ao contrário das exigências feiras a Irã ou Rússia para retirar sanções) se deve a essa preocupação e também ao fato de que Ha-vana não morria de vontade e de necessidade para se ver obrigada a aceitá-lo, ainda que a impren-sa democrática – com a finalidade de acalmar as críticas – afirme que haja um compromisso dos cubanos para restaurar o capitalismo, como o pre-ço a pagar pelo fim do bloqueio.

Os três níveis das razões “não oficiais”A. No contexto da política interna dos EUA, os

seguintes fatores contaram na tomada de decisão por Obama:

1. O fato de o próprio presidente pertencer à corrente de políticos que admite a decadência do império e a existência de uma nova ordem multi-polar, opondo-se aos falcões vestidos de arma-dura e presos à ficção de se ver como a única e todo-poderosa superpotência. Já em 2004, como senador, ele criticou o embargo.

2. O fato de ter feito isso a pouco tempo de deixar seu cargo, e não durante os seis primeiros anos de mandato, é porque não tem nada a perder: entrará para a história sem pagar qualquer custo político.

3. A impossibilidade de encontrar ou criar um líder carismático entre os opositores exilados capaz de provocar um levante em Cuba: pois as rebeliões populares surgem e triunfam sobre fun-damentos objetivos e não pela eloquência de sal-vadores de todo tipo. Além disso, as sanções in-crementavam os sentimentos anti-EUA do povo cubano, e também quanto à legitimidade de seu governo. As medidas tomadas por Washington es-tão sendo apoiadas inclusive pela maioria dos exi-lados cubanos, que assim poderiam ampliar seus laços com a ilha.

“Trata-se, portanto, de mudar as táticas para conseguir o mesmo

objetivo, que é provocar a mudança no sistema político cubano a favor de seus interesses, desta vez mediante o uso do poder brando: relações políticas, econômicas, sociais e culturais para ‘conquistar o castelo de dentro’.”

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C. No contexto internacional:1. Cuba em troca da Crimeia? Ainda que não

tenham nada a ver, essa iniciativa foi, sem dúvida, a jogada mais magistral de Obama contra a China e a Rússia, que se atreveram a entrar de cheio no quintal dos EUA. Passou despercebida a Resolu-ção 758, aprovada em dezembro pelo Congresso dos EUA, e que insta o governo e os países aliados não só a armar a Ucrânia, mas a tomar medidas militares contra a Rússia.

Moscou, que se sente acurralada, em mano-bras sem precedentes, exibiu no dia 31 de outubro o voo de seus quatro aviões Tu-95 (equivalente aos B-52 americanos) no céu da OTAN, desde o Báltico até Portugal.

2. Não é motivo de preocupação para os EUA que a China, o principal inimigo do império para Obama, tenha se transformado no segundo sócio comercial de Cuba (e de outros países latinos) de-pois de ninguém menos que a Venezuela?

3. O temor de que o aumento das relações de China e Rússia com a região inclua também sua presença militar. Por isso, resgatam a memória da crise dos mísseis de 1962 para justificar a difu-são do medo. A imprensa do dia 12 de novembro

seram “saímos do Iraque, do Afeganistão, e fecha-remos Guantánamo”).

2. As fortes e contínuas pressões dos países latino-americanos sobre Washington deram fru-tos: por fim, conseguiram que Cuba estivesse pre-sente na Cúpula das Américas.

3. A necessidade de recuperar a projeção he-gemônica em uma região no auge econômico, e fazer isso com o controle dos grandes projetos de infraestrutura, como o da ampliação do Canal do Panamá e das explorações petrolíferas no Golfo do México.

4. Recuperar a Venezuela, e não apenas me-diante o “dumping” dos preços do petróleo (pla-nejado com a cumplicidade da Arábia Saudita) ou com provocações internas; mas sobretudo geran-do distanciamento entre Havana e Caracas. Cuba continua representando a resistência diante do imperialismo, e há quem, inclusive na esquerda, chame de “vacilo” a acertada política de Havana.

5. Trazer o Brasil para perto de si e tirá-lo dos Brics. Para os estrategistas da Casa Branca, é inadmissível que se desfaça do dólar em suas transações e, além disso, equipe seu exército com bilhões de dólares de armas russas.

Franck Vervial

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peração na produção de produtos farmacêuticos, agrícolas, de transporte, mineração e turismo. Mas agora que a Rússia (assim como a Venezuela) foi tocada pela queda dos preços do petróleo e pelas sanções econômicas (e dificilmente possa cumprir os acordos), Mr. Marshall pensa em chegar com seus milhões ao país que empobreceu previamen-te.

7. Para os russos, Cuba é mais do que uma questão geopolítica ou de reputação. É uma ques-tão sentimental. E acreditam que arranha a ima-gem russa o fato de que agora os norte-america-nos queiram ocupar seu lugar na Ilha.

Moscou e Pequim opinamDmitry Rogozin, vice-primeiro-ministro russo,

considera que a tática calculada do novo enfoque da Casa Branca, mesmo sendo positivo para os cubanos, não é mais do que um “abraço de urso” para estrangular Cuba.

A China elogia Obama por demonstrar que é um estadista que soube transformar “um jogo de nenhum ganhador em um no qual todos ganham”, e o vê como o “legado mais memorável de sua pre-sidência”.

Os EUA não aprendem com seus errosReconhecer que o bloqueio econômico, co-

mercial e financeiro contra Cuba não provocou um levante popular contra o governo socialista não significa que Washington vá deixar de utilizar essa tática – que, segundo o direito internacional, é uma declaração ilegal de guerra contra uma na-ção. Nem sequer funcionou contra o governo im-popular de Saddam Husein no Iraque, e é imprová-vel que provoque mudanças nas políticas de Putin.

Cuba, que se beneficia com a entrada de tec-nologia e capital norte-americanos – agora que a Rússia e a Venezuela estão sofrendo com a sa-botagem petrolífera –, não poderia nem deveria perder essa oportunidade com o governo Obama: afinal, os mais belicosos ameaçam ocupar o Salão Oval em 2016. Para além de toda a especulação sobre o futuro de Cuba, hoje, vendo as nações in-teiras que ardem no fogo das guerras, o primor-dial é a defesa da diplomacia nos conflitos entre os estados. A paz é a condição prévia para qualquer ação democrática.

É possível que o presidente Obama, com esse “pequeno” passo que deu com Cuba, esteja dando um passo gigante para conseguir o grande prêmio de sua política externa: Irã (e este é o 18º motivo). Ele conseguirá?

ressaltou que o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, organizou patrulhas nas águas do Golfo do México, ainda que tenha desmentido que a Rússia fosse reativar as instalações de espionagem ele-trônica de Lourdes (Cuba), o mais potente centro de escutas da URSS no exterior para monitorar as comunicações dos EUA. Lourdes foi fechada em 2001 por problemas financeiros e também pela pressão de Washington.

4. Os EUA, que agora dedicam poucos recur-sos na defesa de suas fronteiras (enquanto investe quantidades absurdas para desestabilizar as fron-teiras dos demais, recorrendo à excepcionalidade dos EUA), se verão forçados a investir dinheiro nis-so e aumentar a militarização da região. Este é um fator contraproducente para atrair a confiança de estados que ele pretende iludir.

5. Obviamente, o peso do temor de perder a América Latina é muito maior que o de fazer negó-cio com um pequeno e pobre país como Cuba (não se trata de um Irã, de 80 milhões de consumidores e suas imensas reservas de petróleo). Foi casual o fato de, um dia antes de anunciar a boa notícia, Obama ameaçar Moscou com novas sanções?

6. Há cinco meses, quando houve a queda do avião malaio sobre a Ucrânia, passou despercebi-da a notícia da visita de Vladimir Putin na América Latina; poucos perceberam que Moscou havia per-doado 90% dos 26 bilhões de euros da dívida que Cuba havia contraído com a União Soviética. Putin também assinou com Cuba importantes contratos de investimento na indústria petrolífera da ilha, a construção do novo aeroporto da capital, a cria-ção de uma empresa aérea russo-cubana, e a coo-

“Os EUA, que agora dedicam poucos recursos na defesa de suas

fronteiras (enquanto investe quantidades absurdas para desestabilizar as fronteiras dos demais, recorrendo à excepcionalidade dos EUA), se verão forçados a investir dinheiro nisso e aumentar a militarização da região. Este é um fator contraproducente para atrair a confiança de estados que ele pretende iludir.

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Sob essa mesma perspectiva, a agência de notícias Xinhua lançou um polêmico editorial, em outubro de 2013, sobre a desamericanização do mundo: o endividamento irresponsável por par-te do governo de Barack Obama aumentava os ‘desequilíbrios estruturais’ e com isso, revelava a urgente necessidade de diminuir o poder e a in-fluência dos Estados Unidos[1]. Agora, em março de 2015, Li Keqiang, primeiro-ministro da China, solicitou diante do Fundo Monetário Internacional (FMI), discutir a incorporação do yuan ao sistema de Direitos Especiais de Saque (ou SDR, em sua sigla em inglês, em referência a Special Drawing Rights).

Os SDR são ativos de reserva internacional, criados pelo FMI, em 1969, para complementar as reservas dos bancos centrais e apoiar o sistema de paridade fixa estabelecido em 1944. No começo,

Apesar da oposição dos Estados Unidos, a ascensão global do yuan se tornou inevitá-vel. Agora, o governo chinês, nas próximas

reuniões do FMI, buscará a inclusão do yuan no sistema de Direitos Especiais de Saque (SDR), um passo decisivo para convertê -lo em moeda de re-serva mundial.

A China está pronta para avançar com a ideia de fazer o yuan ser um rival do dólar e colocar em xeque sua dominação no Sistema Monetário Inter-nacional. Em 2009, Zhou Xiaochuan, o governador do Banco Popular de China, fez um apelo para que se reformasse o sistema mundial de reservas, pois as violentas flutuações do dólar exigiam da econo-mia mundial um maior esforço para garantir mais estabilidade e confiança. Em definitivo, a China se opôs a ter que arcar com os custos da crise que havia se iniciado na Bolsa de Nova York.

O desafio da China diante do FMI: incorporar o yuan ao sistema SDRAriel Noyola Rodríguez*

A China está pronta para avançar com a ideia de fazer o yuan ser um rival do dólar e colocar em xeque sua dominação no Sistema Monetário Internacional.

Jason Wesley U

pton / Flickr

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sujeito a controles de capital. Adicionalmente, en-fatizaram que somente alguns poucos países re-alizavam transações sob sua denominação. Final-mente, afirmaram que o Banco Popular da China mantinha subavaliado o tipo de câmbio, e com isso forçava a supremacia industrial do gigante asiáti-co no mercado As autoridades do FMI não podem conceber que, em diferença com outros países emergentes, a China decida determinar os tempos de sua política de abertura. As experiências de cri-ses financeiras na América Latina e no continente asiático, durante as décadas de 80 e 90 respecti-vamente, colocaram em evidência perante o mun-do as terríveis consequências de adotar os prin-cípios do chamado Consenso de Washington sem qualquer tipo de restrição.

A China, porém, aprendeu bem as lições da história econômica. Teve sucesso ao evitar cair nas provocações do Departamento de Tesouro e do Sistema de Reserva Federal, as instituições que, usando o presidente do FMI como seu porta-voz global, acusam o país de manipular a cotação da sua moeda, e que, consequentemente, insistem na abertura indiscriminada de sua conta de capital como requisito para maior integração do yuan.

Não há dúvidas de que, em meio à preca-riedade econômica a partir da crise hipotecária (subprime), é mais cômodo para o governo dos Estados Unidos utilizar bodes expiatórios no lugar de assumir suas próprias responsabilidades.

Contudo, os chineses concentram seus esfor-ços em olhar suas próprias necessidades e levar adiante, gradual e pacientemente, o processo de abertura ao sistema financeiro. Por um lado, au-mentarão os incentivos para participar no Pro-grama Chinês de Investidores Institucionais Es-trangeiros Qualificados (RQFII, por sua sigla em

os SDR se definiram a partir de um valor equiva-lente a 0.888 gramas de ouro. Contudo, uma vez que Richard Nixon, quando era presidente dos Es-tados Unidos, colocou fim aos acordos de Bretton Woods, em 1971, os SDR se definiram com base numa espécie de cesta básica de moedas.

Na prática, os países membros do FMI com-pram moedas do sistema SDR para cumprir com suas obrigações. Em outros casos, os vendem para ajustar a composição de suas reservas internacio-nais. Nesse contexto, o FMI atua na qualidade de intermediário entre seus membros e os detentores autorizados de moedas do SDR, para garantir os câmbios em moedas de ‘uso livre’.

Há cada cinco anos, a revisão do SDR por par-te do FMI examina a importância das suas divisas nos sistemas financeiros e comerciais mundiais. Por outro lado, e apesar do crescente protagonis-mo dos países emergentes na economia mundial, a composição do SDR se manteve inalterada du-rante décadas.

Atualmente, o dólar norte americano con-serva 42% das reservas, seguido pelo euro (com 37.4%), a libra esterlina (11.3%) e o yen japonês (9.4%). Como é possível que a queda do dólar na composição das reservas dos bancos centrais dos últimos 15 anos, de 70% a 60%, isso não tenha gerado a mais mínima modificação nas cotas de poder dos Estados Unidos no FMI? Evidentemen-te, tamanha desproporção causou inconformismo entre os líderes do Partido Comunista chinês, que tentam promover a liderança da China na econo-mia mundial, e acham que para isso necessitam ter maior peso nas decisões tomadas pelo FMI, o que só poderia acontecer a partir da integração do yuan ao SDR.

Existem dois critérios básicos para conside-rar a inclusão de uma moeda no sistema SDR. O primeiro é o de que ela deve estar atrelada a uma economia com elevada participação nas exporta-ções mundiais, requisito facilmente cumprido pela China. O segundo é que a moeda deve ser plena-mente conversível, ou seja, o país emissor debe manter aberta a conta de capital (que inclui os créditos e os investimentos da reserva) de forma que os investidores do resto do mundo possam comprar e vender ativos financeiros denominados nessa mesma moeda, para que sejam as “forças livres do mercado” as que determinem. No caso de China, esse segundo aspecto é o mais controver-so. Em 2010, durante o XLI aniversário do sistema SDR, os funcionários do FMI rejeitaram a incorpo-ração do yuan com o argumento de que estava

“Existem dois critérios básicos para considerar a inclusão de uma moeda no

sistema SDR. O primeiro é o de que ela deve estar atrelada a uma economia com elevada participação nas exportações mundiais, requisito facilmente cumprido pela China. O segundo é que a moeda deve ser plenamente conversível.”

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paração com a divisa norte americana, o músculo econômico de China se fortaleceu. A muralha geo-política dos mares do Sudeste asiático, construída pelo Pentágono e pelo Departamento de Estado, fracassou como estratégia de contenção: a China aumenta seus fluxos de comércio e investimento na América Latina e no Caribe, nos países do Nor-te da África, do Oriente Médio, da Europa, etc.

Até mesmo com os Estados Unidos a China incrementou seus vínculos comerciais. Entre 2007 e 2014, o governo chinês duplicou a quantidade de suas importações de 62 a 124 bilhões de dólares, de acordo com a Secretaria de Censo dos Esta-dos Unidos. Quais são, portanto, as terríveis con-sequências para empresas norte americanas do ‘comércio desleal’ e da ‘manipulação cambiária’ provocadas pelos chineses?

Enquanto os Estados Unidos atuam unilate-ralmente nos âmbitos das finanças e da geopolí-tica, a China abre seu próprio caminho através do aumento exorbitante de seu comércio exterior, que constitui, aliás, a força mais importante para a internacionalização do yuan. Em 2007, quando a China se transformou na primeira potência ex-portadora mundial, superando os Estados Unidos, seus intercâmbios comerciais começaram a ado-tar o yuan, substituindo o dólar. De acordo com as projeções elaboradas pelo HSBC, a proporção do comércio da China em yuans passará de 25% a 50% nos próximos cinco anos[2].

Em outubro de 2013, o yuan já superou o euro como a segunda moeda mais utilizada nas opera-

inglês). Ao mesmo tempo, impulsionarão o projeto Stock Connect, o mecanismo piloto que, desde no-vembro de 2014, permite comprar e vender ações empresariais da China continental através de uma plataforma financeira de Hong Kong.

Embora isso resulte numa maior gravitação dos bancos privados nos circuitos de crédito, o governo chinês equilibrou a medida, colocando máxima prioridade na administração de riscos: a tendência deflacionária (queda de preços) amea-ça soterrar o crescimento econômico e a estabi-lidade financeira. A China implementará um siste-ma de seguros de depósito nos próximos meses. Desta maneira, os bancos pagarão apólices de seguro e um organismo central se encarregará de administrar o dinheiro. Em situações de insolvên-cia, se pagará uma compensação máxima de 500 mil yuans (81,5 mil dólares) por depósito. A medida é uma das condições necessárias para liberalizar as taxas de depósito, e posteriormente as taxas de juros. O objetivo é dar maior amplitude ao yuan.

Por outro lado, deve -se recordar que, em 2005, o yuan deixou de ancorar -se no dólar (8.28 yuans por dólar) e passou a flutuar numa variação em torno a 0,3%. A partir de então, os limites de flutuação da moeda foram incrementados em três ocasiões, a ampliação mais recente foi levada a cabo em março de 2014, quando esses patamares se estabeleceu em 2%.

Nos últimos 5 anos, embora o yuan se tenha aumentado seu valor em mais de 10% em com-

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empresas chinesas mar afora. Finalmente, uma vez instalada no sistema SDR, a moeda chinesa reverteria as desvantagens que tem hoje no mer-cado internacional com relação ao yen japonês e a libra esterlina[7].

Sem sombra de dúvidas, o crescimento do yuan se tornou irreversível. Segundo as estima-tivas de Massimiliano Castelli, diretor de estraté-gia das instituições soberanas do banco UBS, até 2020 os bancos centrais de todo o mundo aumen-tarão em 500 bilhões de dólares as suas reservas na chamada “moeda do povo” (renminbi, apelido usado pelos chineses para se referir ao yuan)[8].

Os debates sobre a incorporação do yuan ao sistema SDR serão mais intensos a partir de maio. Em novembro, poderia acontecer, finalmente, a votação da iniciativa apresentada pela China, que, se for aprovada, se tornaria efetiva em janeiro de 2016. Os Estados Unidos e seus aliados terão po-der para convencer a maioria dos membros do FMI contra da internacionalização do yuan?

* Ariel Noyola Rodríguez é economista forma-do pela Universidade Nacional Autônoma do Mé-xico.

[1] «Commentary: U.S. fiscal failure warrants a de Americanized world», Xinhua, 13 de outubro de 2013.

[2] «Half of China’s total trade to be settled in yuan by 2020 HSBC CEO», Michelle Chen, Reu-ters, 26 de março de 2015.

[3] «RMB now 2nd most used currency in tra-de finance, overtaking the Euro», SWIFT, novem-bro de 2013.

[4] «RMB strengthens its position as the se-cond most used currency for documentary credit transactions», SWIFT, fevereiro de 2015.

[5] «RMB breaks into the top five as a world payments currency», SWIFT, janeiro de

[6] «IMF’s Lagarde says inclusion of China’s yuan in SDR basket question of when», Reuters, 20 de março de 2015.

[7] «Guest post: IMF decision could propel renminbi past sterling and yen», Jukka Pihlman, The Financial Times, 15 de dezembro de 2014.

[8] «Yuan reserves set to rise by $500 billion over 5 years: banks», Patrick Graham e John Ged-die, Reuters, 25 de fevereiro de 2015.

Fonte: Russia Today.Tradução de Victor Farinelli

ções de financiamento comercial[3]. Através da China continental, tendo Hong Kong e Cingapura como principais centros de emissão, os créditos comerciais em yuans registraram uma participa-ção de 9.43% no começo de 2015, um aumento de 30% em comparação com 2013[4].

Em janeiro de 2015, de forma inédita, o yuan se tornou quinta moeda mais utilizada nas transa-ções globais, ultrapassando o dólar canadense e o australiano, segundo reporte da Sociedade para as Comunicações Interbancárias e Financeiras In-ternacionais (SWIFT, por sua sigla em inglês)[5]. Há apenas quatro anos, um pequeno grupo de 900 instituições bancárias realizavam operações em yuans. No final de 2014, já havia mais de 10 mil entidades nessa lista.

De acordo com a economista francesa Chris-tine Lagarde, presidente do FMI, a inclusão do yuan no SDR é questão de tempo. Entretanto, ela se nega a precisar quando isso será definitivo[6]. Como sempre acontece, e tal qual se observa com respeito à reforma do sistema de representação do FMI, os Estados Unidos se opõem a qualquer tipo de mudança que possa debilitar a supremacia do dólar.

Porém, em contraste com outras decisões, que necessitam obrigatoriamente de 85% de aprovação entre os membros do FMI, a votação para incorporar uma divisa nova ao SDR requer apenas 70% dos votos favoráveis, fazendo com que o poder de veto de Washington (17.69%) não seja decisivo. Que mudanças o yuan trará ao mun-do das finanças internacionais quando consiga sua adesão ao sistema SDR? As reservas acumuladas em yuans seriam reconhecidas finalmente pelo FMI; a emissão de bonos e a abertura de contas bancárias em yuans aumentariam de maneira sig-nificativa. Consequentemente, a diminuição dos custos por transação alavancaria a expansão das

“Sem sombra de dúvidas, o crescimento do yuan se tornou irreversível.

Segundo as estimativas de Massimiliano Castelli, até 2020 os bancos centrais de todo o mundo aumentarão em 500 bilhões de dólares as suas reservas na chamada “moeda do povo”

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América do Sul e o Brasil em particular ressentem--se da queda tendencial das taxas de crescimen-to econômico que, no caso brasileiro, refletiram o esgotamento de um ciclo de consumo que afetou seriamente a demanda agregada e o investimen-to. Com a redução de preços e quantidades ex-portadas de commodities minerais e agrícolas, as posições anteriormente superavitárias na balança comercial diminuíram drasticamente e em muitos casos transformaram-se em déficit, o que agravou sensivelmente os déficits em conta corrente com o exterior, reduzindo o espaço de manobra da po-lítica macroeconômica.

Nossa alternativa é intensificar o esforço ex-portador. Contudo, estamos limitados, do lado das commodities minerais e agrícolas, pelo cenário

Em decisão que pode ajudar a viabilizar no Brasil o maior programa de investimentos em indústrias básicas desde o II Plano Nacional

de Desenvolvimento, o Conselho de Estado da China anunciou política de apoio a investimentos diretos no exterior por parte das indústrias side-rúrgica e de metais não ferrosos, além de constru-ção e transporte. É a deixa chinesa para o Projeto Transul, de siderurgia e metalurgia, que um grupo de especialistas em torno da Coppe/UFRJ, do ins-tituto Intersul e do Clube de Engenharia vem pro-pondo desde o ano passado em conversas com empresários do setor e funcionários do Governo.

O Projeto Transul surgiu no âmbito da Confe-rência BRICS no Século XXI, em maio do ano pas-sado, no Rio, a partir da constatação de que a A

Decisão da China viabiliza retomada do Brasil pela indústria básicaJ. Carlos de Assis*

A construção com apoio chinês de um colar de siderúrgicas e metalúrgicas representaria a oportunidade para a retomada da economia brasileira a altas taxas.

Loic.Hofstedt / Flickr

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trial brasileiro aos programas de exportação e de controle ambiental chineses. Seu objetivo espe-cífico consiste em propor à China o outsourcing parcial dos metais, de forma a que o aumento do consumo chinês de metais, no futuro, tendo em vista inclusive a construção anunciada de 30 me-galópoles até 2030, seja atendido por produção desses metais no Brasil por empresas brasileiras, ou sino-brasileiras. O Conselho de Estado, como visto, abriu essa possibilidade.

As vantagens para a China em termos de con-trole de poluição e de economia no consumo de água seriam evidentes. A perda em emprego seria irrelevante, tendo em vista que a produção no Bra-sil (ou na América do Sul) substituiria apenas um elo na produção e uso do aço e de outros metais, ficando a cadeia superior de manufatura intocada, e virtualmente livre de atividade poluidora. O Bra-sil, a seu turno, se beneficiaria da geração de em-prego, da agregação de valor às matérias primas (inclusive petróleo), e, sobretudo, da contribuição da produção e exportação de metais para a esta-

internacional de recessão ou baixo crescimento em todos os países industrializados avançados. A China tem sido a exceção, mas ela própria sente os efeitos da desaceleração da economia. A pro-dução e exportação de manufaturas pelo país es-barra, a seu turno, na concorrência chinesa e na situação de deflação na Europa e no Japão. Com isso, só resta ao Brasil intensificar a exploração e industrialização de recursos naturais e agrícolas, em base autossustentável, de forma a alavancar o seu desenvolvimento.

A China consegue manter um ritmo invejá-vel de crescimento econômico, contribuindo des-sa forma para aliviar a crise econômica mundial. Entretanto, com base em fontes chinesas confiá-veis, sabemos que o país se defronta com sérios problemas de poluição, especialmente em suas metrópoles, e de aguda escassez de água. A pre-ocupação do Governo chinês com essa situação está espelhada num programa de recuperação e preservação ambiental de mais de 600 bilhões de dólares em cinco anos. O recente acordo com os EUA também denota o sentido de responsabili-dade que a liderança chinesa tem em relação às questões ambientais.

Nossa única dúvida inicial em relação ao Pro-jeto era a reação chinesa a uma eventual propos-ta brasileira para sua viabilização. Essa dúvida foi dissipada agora pelo Conselho de Estado abrindo caminho para negociações concretas que espe-ro sejam imediatamente propostas pelo Governo brasileiro. Na essência, o Projeto Transul se propõe a articular uma aliança estratégica entre o Brasil e a China, a ser oportunamente estendida a outros países da América do Sul e dos BRICS, no sentido de vincular a retomada do desenvolvimento indus-

ana campos / Flickr

A China consegue manter um ritmo invejável de crescimento econômico,

contribuindo dessa forma para aliviar a crise econômica mundial. Entretanto, com base em fontes chinesas confiáveis, sabemos que o país se defronta com sérios problemas de poluição, especialmente em suas metrópoles, e de aguda escassez de água.

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do programa, exceto se a China reduzir drastica-mente seu crescimento, o que não é provável. Ao contrário, a decisão do Conselho de Estado é no sentido de ampliar a produção no exterior.

A construção com apoio chinês de um colar de siderúrgicas e metalúrgicas, especialmente na Região Norte e Centro-Oeste onde não falta água e o suprimento de energia pode ser facilmente via-bilizado, representaria a oportunidade para a re-tomada da economia brasileira a altas taxas. No-te-se que seriam empreendimentos com demanda garantida, ou seja, sem risco de mercado. A parte principal dos financiamentos seria proveniente da própria China, passando-se ao largo de nossas agruras fiscais. Ao contrário, na medida da entra-da dos financiamentos haveria um efeito positivo permanente no balanço de pagamentos, inicial-mente pela via dos recursos financeiros, e logo em seguida pela receita de exportações, contribuindo a médio prazo para redução significativa do déficit em conta corrente – nosso maior gargalo econô-mico.

*Economista, doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, professor de Eco-nomia Internacional da UEPB.

bilização do balanço de pagamentos.O investimento produtivo no Brasil poderia

ser arquitetado na base de Project finance, isto é, seria contratada com a China venda futura a longo prazo dos metais a serem produzidos por cada uma das empresas, exclusivamente para exportação, sendo que esses contratos seriam utilizados como garantia do financiamento por bancos chineses ou pelo futuro Banco dos BRICS. Brasil e China se comprometeriam a garantir tecnologia de controle ambiental no estado da arte para as empresas a serem construídas, assim como a promover as me-lhores políticas sociais vinculadas ao Projeto. E ao Brasil competiria assegurar a infraestrutura logís-tica do sistema com garantia dos financiamentos, por exemplo, pela CIDE combustíveis.

Se o programa chinês de controle e preserva-ção ambiental contemplar a desativação de side-rúrgicas e outras metalúrgicas tecnologicamente obsoletas, poderia se estabelecer um mecanismo compensatório pelo qual à desativação de uma usina na China corresponderia a construção de usina com capacidade produtiva equivalente, não poluidora, no Brasil. Em consequência, o balan-ço ambiental seria altamente positivo em termos mundiais. O fato de que o mercado de aço, atu-almente, esteja super-ofertado não afeta a lógica

ana campos

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os Estados Unidos participem do programa de de-senvolvimento chinês New Silk Road (Nova estra-da da Seda), e abandone as políticas de confronto, particularmente com a Rússia e a China.

Os EUA e a Europa devem ter coragem de re-jeitar a Geopolítica e colaborar com o BRICS

Esta petição é de autoria do Schiller Institute e está sendo divulgada internacionalmente.

Na atual era nuclear de hoje, a consequência de uma geopolítica de confronto com a Rússia e a China só pode ser a extinção termonuclear da raça humana. Por isso, todos os esforços devem ser fei-tos pela resolução cooperada das muitas crises enfrentadas pela humanidade.

As nações BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) se uniram para desenvolver uma

À medida que os maiores países europeus incluem seus nomes na lista dos membros fundadores do Banco Asiático de Investi-

mento em Infraestrutura, (AIIB), de iniciativa chi-nesa, cresce a oportuna e urgente campanha in-ternacional para que os Estados Unidos sigam o exemplo e integrem os BRICS, como solicita uma petição do Instituto Schiller.

Totalizando mais de 300 nomes, a lista de assi-naturas inclui políticos proeminentes, empresário, acadêmicos, cientistas e artistas de mais de vinte países, que endossaram publicamente esta reso-lução pedindo aos EUA e à Europa que colaborem com as nações do BRICS no interesse da paz e do desenvolvimento econômico. A resolução, patro-cinada pelo Instituto Schiller, foi uma resposta à oferta do presidente da China, Xi Jinping, para que

PETIÇÃO: Estados Unidos e Europa devem se juntar aos BRICSlarouchepac.com

Exortamos os EUA e a Europa a abandonar as políticas suicidas geopolíticas do passado, que levaram a duas guerras mundiais e estão levando a uma terceira.

Chad J. M

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política de desenvolvimento econômico não ape-nas para estes países, mas para o benefício das pessoas de todas as nações. Para isso, criaram um Novo Banco de Desenvolvimento, que pretende investir bilhões em projetos de desenvolvimento necessários.

A China criou recentemente o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB), ao qual mais de 20 nações asiáticas aderiram enquanto membros fundadores, e estabeleceu ainda o Fun-do de Desenvolvimento Silk Road.

Na conferência da APEC, em Pequim, o pre-sidente chinês, Xi Jinping convidou o presidente Obama a se juntar aos esforços da China e outros países asiáticos, incluindo a Rússia, no desenvolvi-mento da New Silk Road.

Tais iniciativas não são de natureza geopolíti-ca. Ao contrário da Parceria Trans-Pacífico (TPP), defendida por Obama, que exclui a Rússia e a Chi-na, as iniciativas relacionadas aos BRICS, como a proposta chinesa da Área de Livre Comércio do Pacífico Asiático (FTAAP), são inclusivas. Baseiam--se na ideia defendida pelo Papa Paulo VI de que o “novo nome da paz é desenvolvimento”. Dessa forma, na recente reunião do G-20, na Austrália, tanto Xi Jinping como o primeiro-ministro indiano Modi trataram o alcance da paz global e o fim da pobreza através do desenvolvimento econômico como objetivos interdependentes.

Não há nenhum problema no mundo que não possa ser resolvido com esta abordagem e, inver-samente, nenhum problema poderá ser resolvido sem ela.

É necessária, por exemplo, a cooperação en-tre os EUA, Rússia, China, África do Sul e Índia, entre outras nações, para derrotar a pandemia de Ebola na África.

O terrorismo do Estado Islâmico e da Al-Qae-da ameaça tanto a Rússia, China e Índia, quanto os EUA e a Europa. E só pode ser derrotado através de uma nova arquitetura de segurança baseada na G

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“A condução das “revoluções coloridas”, sob o pretexto de promoção da

democracia, representa uma política de guerra, mesmo que o termo não seja usado, porque o objetivo é derrubar governos com a ajuda de dinheiro estrangeiro.”

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cooperação.A condução das “revoluções coloridas”, sob o

pretexto de promoção da democracia, representa uma política de guerra, mesmo que o termo não seja usado, porque o objetivo é derrubar governos com a ajuda de dinheiro estrangeiro. É preciso dar um fim a isto. A campanha pela imposição de san-ções à Rússia por sua oposição às “revoluções co-loridas” e a um golpe nazista na Ucrânia só agrava a crise global. Só uma abordagem baseada na co-operação mútua em nome dos objetivos comuns da humanidade em toda a Eurásia (e muito além) poderia criar as bases para a paz global.

Enquanto os EUA abandonaram o programa espacial Kennedy, os chineses estão comprometi-dos com um programa lunar focado na exploração de hélio-3 com a finalidade de gerar energia de fusão ilimitada. Com a colaboração entre os EUA, Europa, Rússia, China e Índia, entre outras nações, o homem poderia finalmente realizar o sonho de Johannes Kepler de utilizar as leis do sistema solar em benefício do homem.

Só tal abordagem iria restaurar a finalidade original dos Estados Unidos e da Europa, como ex-presso durante o Renascimento europeu e a Revo-lução Americana, propósitos dos quais os EUA e a Europa têm se afastado cada vez mais. Enquan-to estes propósitos são paulatinamente adotados pelo resto do mundo, agora são os próprios países que foram os berços de convicções humanistas que precisam ser incitados a readotá-las.

Por isso, exortamos os EUA e a Europa a abandonar as políticas suicidas geopolíticas do passado, que levaram a duas guerras mundiais e estão levando a uma terceira. Em vez disso, pode-mos construir um futuro para toda a humanidade retomando o princípio do Tratado de Westfália, que foi capaz de encerrar a Guerra dos Trinta Anos na Europa, e criar políticas externas cuja prerroga-tiva seja o “benefício do outro”, além de reforçar o conceito de John Quincy Adams de nos tornarmos uma “comunidade de princípios formada por Esta-dos-nações soberanos”.

Este é o único caminho coerente com a ver-dadeira natureza do homem, a única espécie cria-tiva. Qualquer outra direção baseia-se no conceito de homem como um animal, e se levará à extinção. Enquanto patriotas de nossas nações e cidadãos do mundo, exortamos nossos concidadãos e os lí-deres de nossas nações a ter a coragem de romper o atual ciclo de bestialidade crescente e aceitar a oferta generosa de colaborar com os BRICS.

Pete Souza

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co Mundial e do BID juntos. Por isso, o Uruguai tenta se colocar como uma praça financeira que funcione como plataforma regional para os ban-cos chineses (autoridades públicas estão tentan-do que el Banco de Desenvolvimento incremente sua presença no país).

Ao longo de 2014, os bancos chineses en-tregaram créditos por um total de 22,1 bilhões de dólares à América Latina. Quase todos os emprés-timos emitidos corresponderam ao Banco de De-senvolvimento e ao Banco de Exportações e Im-portações, embora também haja participação do ICBC e do Banco da China. A cifra oficial significa um aumento de 70% em comparação com os 12,9 bilhões emprestados em 2013.

Para consolidar a internacionalização do

MONTEVIDEU República Popular da China se posicionou como o principal sócio co-mercial uruguaio nos últimos dois anos.

Algo que não chega a ser uma novidade a nível re-gional: a China também se tornou principal parcei-ro de Brasil, Peru e Chile, e está entre os principais parceiros para os demais países latino-americanos com os que mantêm relações. O comércio com a China acompanha um aumento substantivo dos empréstimos bancários e dos investimentos es-trangeiros diretos (IED) na região da América La-tina.

Através do Banco de Desenvolvimento e do Banco de Exportações e Importações, a China já emprestou para nossa região mais de 100 bilhões de dólares, superando os financiamentos do Ban-

Uruguai quer ser a capital do yuan no Cone SulAram Aharonian

O Uruguai espera receber investimentos chineses em setores de maior valor agregado, como o de infraestrutura e o de energias renováveis.

Presidência do Uruguai

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em favor da indústria têxtil, apesar da decisão da empresa chinesa Texhong de não concretizar uma aposta milionária que faria em uma empresa em San José, devido à diferença cambiária com o Bra-sil.

LiuGong, a décima maior empresa do mundo em fabricação de veículos para construção, líder global em vendas de escavadeiras, anunciou a ins-talação de um centro logístico de peças de reposi-ção no Parque Industrial Zonamérica, periferia de Montevidéu, de onde pretende distribuir material para as 20 filiais da marca na América Latina. A empresa já havia instalado no Uruguai um centro menor de distribuição de peças, terceirizando seu funcionamento com uma empresa local. A base de 25% de faturamento prevista para a marca fora da China corresponde ao mercado latino-americano, esperando que o fluxo de entrada e saída de peças de reposição seja cada vez maior.

No setor de energias renováveis, o interesse se enfoca especialmente em plantas eólicas e so-lares. A instalação de cinco empresas com capitais chineses no Parque Industrial da cidade de Pay-sandú chegou junto com um investimento de qua-se 20 milhões de dólares, além da criação de 180 postos de trabalho: um parque solar fotovoltaico, um laboratório de ensaio e controle de qualidade de painéis solares fotovoltaicos, uma produtora de estruturas e peças metálicas; uma fábrica de painéis solares e uma construtora de produtos de concreto pré-fabricados.

Enquanto isso, as empresas chinesas vem de-mostrando interesse em reabilitar a rede ferroviá-ria uruguaia, além de projetos de reconstrução e o de um porto de águas profundas.

A consolidação das exportações de carne uruguaia e de produtos agrícolas para a China gera um interesse das empresas chinesas em in-vestir mais nesses setores, buscando assegurar

yuan, o governo chinês vem promovendo um pla-no baseado em três ingredientes básicos: a assi-natura de swaps cambiários bilaterais, a instala-ção de centros de liquidação direta fora da Ásia e, finalmente, a implementação de um programa de investimentos para abrir progressivamente o mer-cado de capitais. Tudo isso constitui um objetivo a longo prazo, mas que inspiram Montevidéu a ten-tar ser na América Latina o que Londres, Frankfurt e Paris brigam por ser na Europa: a primeira capital da “moeda do povo” (renminbi, apelido usado na China para se referir ao yuan) no Cone Sul.

Durante a VIII Cúpula China – América Latina e Caribe, na cidade de Changsha, o então ministro da Economia e Finanças do Uruguai, Mario Berga-ra, manifestou seu interesse de transformar Mon-tevidéu na primeira capital latino-americana espe-cializada no comércio em yuans. Para chegar a ser a capital do yuan na América Latina, Montevidéu deverá acelerar as instâncias para aprofundar sua cooperação bilateral com a China em matéria fi-nanceira, seja mediante assinatura de um swap cambiário bilateral, o começo dos trâmites cor-respondentes para emitir bonos denominados em yuans (os famosos bonos “Dim Sum”), seja com a realização de investimentos transfronteiriços atra-vés do programa RQFII, ou se convertendo num centro de liquidação direta, tal como já fizeram vá-rias cidades europeias e asiáticas.

Em resumo, embora o yuan ainda precise tri-lhar um longo caminho para se tornar uma moeda de reserva, ele avança nesse caminho de forma acelerada, e a América Latina poderia exercer, através do Uruguai, um papel de protagonismo para esse esforço.

Em termos de investimento estrangeiro direto (IED), a partir do ano 2000, as iniciativas chinesas se concentraram principalmente no setor de re-cursos naturais, energia e mineração. Por um lado, o Uruguai não se colocou no primeiro grupo entre os destinos da dos investimentos chineses na re-gião, mas por outro o país conta com de desenvol-vimento da megamineração e de extração petro-lífera em plataformas continentais, o que poderia alterar esse panorama.

O Uruguai espera receber investimentos chi-neses em setores de maior valor agregado, tec-nologia e desenvolvimento, que ajudem a desen-volver novas indústrias, como a automotora, têxtil, de energias renováveis, infraestrutura, frigoríficos e agronegócios. Na área automotora, o Uruguai já garantiu investimentos das principais empresas chinesas do setor, e agora espera novas iniciativas

“O Uruguai espera receber investimentos chineses em setores de maior valor

agregado, tecnologia e desenvolvimento, que ajudem a desenvolver novas indústrias, como a automotora, têxtil, de energias renováveis, infraestrutura, frigoríficos e agronegócios.”

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argentinas como a Marfrig Alimentos (com cinco plantas), JBS Friboi (com uma) e Minerva (com duas), já concentram mais de 40% da carne pro-duzida no país. Um novo jogador nesse tabuleiro poderia inclinar definitivamente a balança para o lado da estrangeirização.

Para alguns grupos investidores chineses, também é interessante apostar no negócio do gado ovino, já que o mercado uruguaio está habi-litado para cortes com ossos e miúdos. Sebastián Blanco, presidente da Associação de Consignatá-rios de Gado considerou que “pessoalmente, acho que seria muito positivo que um grupo chinês ve-nha a investir na indústria frigorífica uruguaia”.

Cabe recordar que o mesmo fenômeno que se vê hoje no Uruguai, com grupos empresariais chineses que apostam na carne, já aconteceu na Argentina, onde um grupo econômico do país asi-ático comprou uma planta na província de Entre Ríos, próxima à localidade de Colón. É evidente que a China olha cada vez mais para o Mercosul, um polo produtor de alimentos por excelência. A aposta clara é na carne natural, visando ser prove-dor do mercado na região com presença própria, além de buscar uma estrutura onde possa produzir

maiores provisões. Tal intenção esbarra em limi-tações do país com respeito ao setor imobiliário, especialmente a Lei No. 18.092, que impõe restri-ções à posse de imóveis rurais e estabelecimentos agropecuários.

O Uruguai tem um tratado bilateral de investi-mento (BIT por sua sigla em inglês) em vigor com a China desde 1997. Ainda assim, o pequeno país apresenta um pacote de vantagens para atrair mais iniciativas chinesas: as poucas restrições ao investimento estrangeiro e a repatriação de capi-tais, a liberdade cambiária, a solidez econômica, a abertura comercial, a localização estratégica, a infraestrutura moderna, o clima favorável para fe-char novos negócios e o ambiente político de pou-co risco. Por outro lado, parte do empresariado lo-cal adverte os recém-chegados chineses sobre as desvantagens, como os altos custos trabalhistas e o poder de sindicatos fortalecidos.

Dois grupos chineses estão perto de fechar a compra de plantas frigoríficas no Uruguai (frigo-rífico Las Moras, uma das principais empresas do país no ramo, seria uma delas), o que poderia levar a que mais de 50% da produção de carne bovi-na do país fique em mãos estrangeiras. Empresas

Presidência do Uruguai

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abril 2015 | Revista Digital Carta Maior | 37

dicadas a operações de soja e celulose.No mesmo ano, as exportações para a China

cresceriam 7% em comparação com o ano ante-rior (cifras não definitivas), o que pode ser consi-derado um bom desempenho, tendo em conta o crescimento total das exportações (que se manti-veram estáveis), os registros de Argentina e Brasil no comércio com os chineses, o ritmo mais lento de crescimento econômico da China e a baixa no preço internacional da soja.

Por sua parte, as importações uruguaias vin-das do país asiático saltaram para 2,1 bilhões de dólares, mostrando um crescimento de 10% com relação ao ano de 2013, também uma variação bastante superior à apresentada nos casos argen-tino e brasileiro, assim como em comparação com as importações do Uruguai de forma geral, que di-minuíram 1%.

Contudo, na comparação com Brasil e Argen-tina, deve-se considerar que as duas nações apli-cam com a China políticas restritivas ao comércio exterior, especialmente em termos de importa-ções, com o objetivo de proteger sua indústria na-cional, o que no caso argentino chegou a afetar até mesmo a fabricação, por empresas locais, de pro-dutos que possuem uma porcentagem importante de insumos trazidos do exterior, e particularmente os de origem chinesa, além de ativar reclamações na Organização Mundial de Comércio (OMC).

Considerando as exportações, a partir e atra-vés das zonas francas uruguaias, o país registrou em 2014 um saldo comercial favorável com a Chi-na. Por outra parte, o contexto é o mesmo que desafia toda a política regional, já que alguns paí-ses-membros do Mercosul, como Uruguai e Para-guai, e também os reunidos na Aliança do Pacífico, aplicam uma política comercial aberta e pouco de-fensiva com a China. Efetivamente, de acordo com dados da OMC, Argentina e Brasil são os países sul-americanos que aplicam maior número de res-trições comerciais e salvaguardas contra o gigan-te asiático.

No que diz respeito ao saldo comercial, o de-ficit de 2014 teria aumentado a um total próximo dos 590 milhões de dólares. Porém, computando as diferenças nos registros entregues pela China sobre suas importações de soja e celulose, pode--se chegar a um saldo comercial positivo de mais de 100 milhões de dólares para o Uruguai, o que também é uma diferença com outros países da América Latina, que possuem deficits comerciais crescentes com a China.

carne livre de hormônios — no Uruguai o uso de hormônios e antibióticos no processo de engorda está proibido por lei— e com certificações sanitá-rias seguras.

As empresas chinesas

Antes de deixar o cargo, Roberto Kreimer-man, ministro da Indústria durante o governo de José Pepe Mujica, enfatizou que as exportações entre os dois países aumentaram em 680% no pe-ríodo de 2005 até 2012, alcançando uma cifra de 4,4 bilhões de dólares. O ex-ministro afirmou que o fluxo de investimentos da China no Uruguai tem sido intenso, e que por sua vez muitas empresas locais procuram o país asiático em busca de inves-timentos e negócios. Zhou Zixue, que comandava a mesma pasta no governo chinês até 2014, apon-tou que as três principais empresas automobilís-ticas chinesas estão no Uruguai, e também duas gigantes do setor de telecomunicações.

Algumas das empresas chinesas instaladas no Uruguai são:– CCCC Shanghai Dredginmg Corp.: construção e engenharia– Chery Mercosul SA: automotores e autopeças– Cosco Uruguai: transporte marítimo– Huawei Technologies Uru-guay: telecomunicações– Wanli Stone: metais e mineração– Primatur Uruguai (Yutong Group): ma-quinaria industrial– ZTE Corporation Uruguai: tele-comunicações– Geely International Uruguai: auto-motores e autopeças– BBCA Uruguai Biochemical SA: alimentos, bebidas e tabaco– Bridas Uruguai (Cnooc Ltd): energia– Hisud SA (BIPC): indústria têxtil– Lifan Group: automotores e autopeças

Comércio exterior de bens uruguaios com a China

Em 2014, as exportações uruguaias para a China chegaram a 1,5 bilhão de dólares, sem con-tar as realizadas a partir ou através das zonas fran-cas instaladas no Uruguai, particularmente as de-

“Na comparação com Brasil e Argentina, deve-se considerar que as duas

nações aplicam com a China políticas restritivas ao comércio exterior, especialmente em termos de importações, com o objetivo de proteger sua indústria nacional.”

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