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a fon FONTEDADISCÓRDIA Tipo gráfico associado ao modernismo e à falta de criatividade, HELVETICA é tema de documentário cult que tem causado polêmica NO MUNDO TODO POR QUE NÃO UM FILME SOBRE A [FONTE] TIMES NEW ROMAN? POR QUE A HELVETICA SE IMPÕE A TAL PONTO? A Helvetica é uma questão que realmente pola- riza opiniões dentro da comunidade do design. As pessoas que gostam dela geralmente são pessoas interessadas no modernismo, e as que não gostam são pessoas que o rejeitam. Ela se tornou símbolo do design gráfico mo- dernista posterior e do chamado estilo suíço, o estilo internacional que ganhou imensa popularidade mundial nos anos 1960. Na década de 70, todo mundo que se re- belava contra isso odiava a Helvetica, porque ela simbolizava uma linguagem visual uniformizada, internacional, cor- porativa. Ainda existe uma divisão entre designers, mesmo os jovens: há os que gostam daquele estilo clean, minimalista, racional, e os que querem que as coisas sejam mais emocionais e expressivas. A Helvetica é a linha divisó- ria que separa esses dois lados. HUSTWIT COMO SE SENTE, PES- SOALMENTE, EM RELAÇÃO À QUESTÃO? Acho que provavelmente me situo entre os moder- nistas. Nos últimos 20 anos, venho gostando dos dois lados. Meu pano de fundo está no punk rock, então gosto daquele estilo visual anarquista, detonado, mas também gosto de elementos gráficos “clean”, inspirados na Bauhaus. Minha opinião não chega a ter muita importância no filme, que funciona como vitrine para todos esses diferen- tes designers gráficos e de fonte. Não gosto de documentários feitos na primei- ra pessoa. Não me interessam as opiniões do cineasta. O que me interessa é o tema das opiniões expressas no documentário. HUSTWIT Quando vai (e volta) de metrô para seu trabalho na Plexifilm, uma pro dutora de cinema e selo indepen- dente de DVDs com sede no Brooklyn [em Nova York], Gary Hustwit vê a mesma coisa por toda parte: a fonte Helvetica. O metrô, diz, “está cober- to de Helvetica. Eu quis entender o porquê disso”. E não é apenas o metrô. Os núme- ros dos táxis de Nova York também estão em Helvetica. A fonte está pre- sente nos formulários de Imposto de Renda, nas caixas do correio dos EUA e em caminhões da ConEd [empresa de energia]. A fonte “sans serif” criada há 50 anos [completos em 2007] é vista em inúmeras logomarcas: Sears, Fendi, Jeep, Toyota, Energizer, Oral-B, Nestlé. Quando você se dá conta de que a Helvetica está em toda parte, diz Hustwit, “não consegue deixar de pensar nisso”. Para descobrir a razão da onipre- sença dessa única fonte, Hustwit fez um documentário, seu primeiro como diretor (ele já tinha produzido cinco docu- mentários sobre temas relacionados à mú- sica). “Helvetica” estreou em março do ano passado no festival de cinema South by Southwest e, divulgado em grande parte por sites voltados ao design e pelo boca-a-boca, em pouco tempo se tornou sucesso cult internacional. O DVD foi lançado em novembro. Uma se- mana mais tarde, Hustwit foi indicado ao prêmio Independent Spirit na categoria “Mais Verdadeiro que a Ficção”. Uma fonte tipográfica parece um tema im- provável para um filme, mas o tema da Hel- vetica suscita reações fortes. Para alguns designers, a fonte representa um tipo de be- leza transparente, racional e moderna. Para outros, ela é tediosa, opressiva e empresa- rial demais. Hustwit usa a história da Helvetica para relatar a história do design gráfico no pós-guerra e demonstrar a eterna tensão estética entre o expressivo e o clássico. Abai- xo, ele explica seu projeto. 6 5 CINEMA Por Virginia Postrel

Revista HELHEKLEHLEHE

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Page 1: Revista HELHEKLEHLEHE

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Tipo gráfico associado ao

modernismo e à falta de criatividade,

helvetica é tema de documentário cult

que tem causado polêmica no mundo todo

Quando vai (e volta) de metrô para seu trabalho na Plexifilm,uma produ-

tora de cinema e selo independente de DVDs com sede no Brooklyn [em Nova

York], Gary Hustwit vê a mesma coisa por toda parte: a fonte Helvetica. O metrô, diz, “está coberto de Helvetica. Eu quis enten-der o porquê disso”.

Por que não um filme sobre a [fonte] times new roman? Por que a helvetica se imPõe a tal Ponto?

A Helvetica é uma questão que realmente pola-riza opiniões dentro da comunidade do design. As pessoas que gostam dela geralmente sãopessoas interessadas no modernismo, e as quenão gostam são pessoas que o rejeitam.Ela se tornou símbolo do design gráfico mo-dernista posterior e do chamado estilo suíço, o estilo internacional que ganhou imensa popularidade mundial nos anos 1960. Nadécada de 70, todo mundo que se re-belava contra isso odiava a Helvetica, porque ela simbolizava uma linguagem visual uniformizada, internacional, cor-porativa. Ainda existe uma divisãoentre designers, mesmo os jovens: há os que gostam daquele estilo clean, minimalista, racional, e osque querem que as coisas sejam mais emocionais e expressivas. A Helvetica é a linha divisó-ria que separa esses dois

lados.

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como se sente, Pes-soalmente, em relação

à questão?

Acho que provavelmente me situo entre os moder-

nistas. Nos últimos 20 anos, venho gostando dos dois

lados. Meu pano de fundo está no punk rock, então gosto

daquele estilo visual anarquista, detonado, mas também gosto

de elementos gráficos “clean”, inspirados na Bauhaus.

Minha opinião não chega a ter muitaimportância no filme, que funciona

como vitrine para todos esses diferen- tes designers gráficos e de fonte. Não

gosto de documentários feitos na primei-ra pessoa. Não me interessam as opiniões

do cineasta. O que me interessa é o tema das opiniões expressas no documentário.

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Quando vai (e volta) de metrô para seu trabalho na Plexifilm, uma produtora de cinema e selo indepen-dente de DVDs com sede no Brooklyn [em Nova York], Gary Hustwit vê amesma coisa por toda parte: a fonteHelvetica. O metrô, diz, “está cober-to de Helvetica. Eu quis entender o porquê disso”.E não é apenas o metrô. Os núme-ros dos táxis de Nova York também estão em Helvetica. A fonte está pre-sente nos formulários de Imposto de Renda, nas caixas do correio dos EUA e em caminhões da ConEd [empresa de energia].A fonte “sans serif” criada há 50anos [completos em 2007] é vista em inúmeras logomarcas: Sears, Fendi, Jeep, Toyota, Energizer, Oral-B, Nestlé.Quando você se dá conta de que a Helvetica está em toda parte, diz Hustwit, “não consegue deixar de pensar nisso”.Para descobrir a razão da onipre-sença dessa única fonte, Hustwit

fez um documentário, seu primeiro como diretor (ele já tinha produzido cinco docu-mentários sobre temas relacionados à mú- sica).“Helvetica” estreou em março do ano passado no festival de cinema South by Southwest e,divulgado em grande parte por sites voltados ao design e pelo boca-a-boca, em pouco tempo se tornou sucesso cult internacional. O DVD foi lançado em novembro. Uma se-mana mais tarde, Hustwit foi indicado ao prêmio Independent Spirit na categoria “Mais Verdadeiro que a Ficção”.Uma fonte tipográfica parece um tema im-provável para um filme, mas o tema da Hel-vetica suscita reações fortes. Para algunsdesigners, a fonte representa um tipo de be-leza transparente, racional e moderna. Para outros, ela é tediosa, opressiva e empresa-rial demais. Hustwit usa a história da Helvetica para relatar a história do design gráfico no pós-guerra e demonstrar a eterna tensãoestética entre o expressivo e o clássico. Abai-xo, ele explica seu projeto.

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Por Virginia Postrel

Page 2: Revista HELHEKLEHLEHE

Você mesmo desenhou algumas fontes um tanto quanto “grunge” no início dos anos 1990. O que se aprende quando se cria uma fonte?

Descobre-se que o trabalho dos designers de fontes é espantosa-mente complexo. O nível de detalheque entra em todas as decisões to-madas quando se cria uma fontetipográfica é simplesmente inacre-creditável. Que distância deve existir entre duas letras diferentes quando elas aparecem lado a lado,como, por exemplo, um tê em maiúscula e um ó em minúscula? Que distância aquele ó deve deslizar para baixo da trave horizontal do tê?É preciso tomar essas decisões para cada par de letras que poderia serformado. É uma coisa capaz deenlouquecer. Alguém como [o bri-tânico] Matthew Carter é mestre nes-se assunto. É uma daquelas formas de arte feitas por pessoas comple-tamente invisíveis.

É como se elas não quisessem que seu tra-balho fosse notado. Querem apenas que as pessoas leiam a mensagem e compreendam o que o texto diz, sem nenhum tipo de inter-ferência da fonte.Quando as pessoas notam a fonte, geralmen-te é porque há algo de errado com ela: édifícil de ler ou as letras estão próximas demaisuma da outra.

O cinema está passando por algo seme-lhante à transformação que atingiu a tipo-grafia no início dos anos 90, com ferra-mentas digitais barateando muito a pro-dução e distribuição. Existe algo que os cineastas possam aprender com o que aconteceu na área das fontes?

A democratização da tecnologia, seja ela a tecnologia do design gráfico ou a da cine-matografia, é uma faca de dois gumes. Elaabaixa as barreiras de entrada, de modo quemuitos designers ou cineastas novos podem se expressar.Ao mesmo tempo, enche a paisagem demuito lixo. Há algumas coisas interessantesque o YouTube levou à atenção de um pú-

blico maior, mas, se você pensar naporcentagem de coisas no YouTu-be que valem a pena em qualquersentido cultural, verá que ela é minús-cula.O trabalho envolvido na criação deum documentário é muito maior do que pensa a maioria das pessoas quando assistem a um programa de meia hora ou a um documentário de uma hora na TV. É preciso muitomais trabalho em termos da edição, do som, da fotografia e tudo o mais. Você foi a 90 sessões de seufilme em todo o mundo, algumas com públicos amplos e outras com platéias formadas por designers gráficos. Quão diferentes foram as reações? Quais eram as per-guntas que faziam?

“Por que fazer um filme sobre umafonte tipográfica?” é a pergunta maisfreqüente. O que acho da Helvetica,como escolhi os designers que tra-balham no filme: essas foram as

perguntas feitas com mais freqüência.Mesmo quando mostramos “Helvetica” emfestivais de cinema em que o público eraformado não por designers, mas por pes-soas que simplesmente gostam de documen-tários, a reação foi a mesma.Uma coisa que descobri foi que os estu-dantes de design gráfico são exatamenteiguais em todos os países -até sua aparên-cia é igual. Eles usam as mesmas roupas.É uma rede verdadeiramente global de de-signers. Eu me senti como se estivesse mos-trando o filme 90 vezes diferentes para o mesmo grupo de pessoas.

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O filme discute se a Helvetica pode con-tinuar a ser neutra, depois de ser tão usada.

É verdade que as fontes tipográficas vão a-cumulando bagagem em decorrência de co-mo são usadas. Quando olho para a Helvetica, penso em em American Airlines.Uma das coisas espantosas da Helvetica é que ela vem sendo usada há décadas, inclu-sive usada em excesso, mas, mesmo assim, ainda a vemos por toda parte. E alguns de-signers gráficos jovens, muito voltados ao fu-turo, ainda a usam da mesma maneira como ela era usada nos anos 1960.Não consigo explicar por que, com os milha-res de fontes das quais as pessoas dis-põem hoje, uma grande por-centagem delas ainda opta por usar a Helvetica.

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Como você financiou seufilme?

Foi financiado por meu pró-prio dinheiro, meus cartõesde crédito, meus amigos eminha família. Uma firma ca-nadense de design cha-mada Veer entrou como patrocinadora, quanto oprojeto já estava per-to de ser finali-zado.

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Nos últimos cinco a dez anos, per-cebe-se uma tendência nas pes-soas em acharem que um documen-tário precisa ser político para valer a pena.Para mim, isso é lamentável. Há esse outro lado do cinema documen-tal que analisa a criatividade e outras questões não ligadas à justiça social ou à guerra, que são igualmentemerecedoras de análise. É como senão pudéssemos ter literatura denão-ficção, como se nunca pudés-semos ter romances.

Teria custado muito mais fazer o filme 20 anos atrás?

Provavelmente. Rodamos 60 horasde filme. Se tivéssemos filmado compelícula de celulóide, o custo teria sido maior. E o processo de edição custa muito menos hoje. Dá parafazê-lo num sistema Mac sofisticado. A maior despesa ainda é a que setem com as pessoas -conseguir umbom diretor de fotografia, um bomeditor e bons técnicos de som. Issoé algo que não muda. Se você quer fazer um ótimo trabalho, precisa cha-mar ótimas pessoas.

Você já sabe qual será seu próximo projeto?

Os filmes de música com os quais trabalhei, e “Helvetica”, com toda certeza, tratam da criatividade -doprocesso criativo- e também da co-municação. Acho que esses doistemas vão reaparecer em meu pró-ximo filme.

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Uma das coisas divertidas dofilme é que ele mostra tantos usos diferentes da Helvetica. Qual é sua favorita?

No cartaz da Copa do Mundo deBerlim. Estávamos passando de car-ro, por acaso, olhamos para cimae vimos um sujeito suspenso decordas a 15 metros de altura,cos-turando as letras gigantes em Hel-vetica no cartaz da Copa do Mundo,que devia ter um quarteirão decomprimento. Quase todas asimagens de Helvetica que filma-mos em cidades foram encon-tradas aleatoriamente, por puro acaso.A meta era encontrar usos inte-ressantes da fonte ou pessoas interagindo com ela. A bandeira da Copa do Mundo foi um exem-plo perfeito disso. Eu também que-ria encontrar a Helvetica em letras grandes, e as do cartaz estão entre as maiores que

encontramos.