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REVISTA NOSSA TRIBO Nº 5 - JULHO/AGOSTO 2013

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Um Ponto de Vista Cultural

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No territórioA noite de Cabo Frio oferece

boas opções com músicos e instrumentistas da cidade.

No centro, o Piano Gallery, na Major Belegard 280. E na

Avenida Teixeira e Souza, quase em frente ao Hortifru-

ti, a Adega Galiotto. Vale a pena acompanhar o que está

sendo apresentado por nossos artistas e pelos serviços gas-

tronômicos.

Carlos Scliar na webTelas, desenhos, escritos, xilogravuras, cartas e fotos do acervo de Carlos Scliar (1920-2001) poderão ser consultados no portal do Instituto Carlos Scliar (www.carlosscliar.com). 80% dos mais de 10 mil ítens já foram digitalizados. O Instituto fica em Cabo Frio.

Carlos Scliar em foto de Domingos Palmeira.

Prata da casa

“O problema do mundo de hoje é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas, enquanto os estúpidos estão cheios de certezas.Charles Bukowski

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Idéias voandoA entrevista com o coronel aviador reformado, Antonio Francisco Ferreira Novellino, na edição abril-maio, teve grande repercussão. O grupo que conhecia a história estava dividido entre os que sabiam que era verdade e os que duvidavam da veracidade. O grupo que desconhecia a história da passagem de um avião sob a ponte de Cabo Frio ficou positivamente surpreso. Uma matéria que mexeu com o amplo horizonte do passado, dos símbolos e da aventura humana.

Eduardo Pacheco

assu

ntos

Do livro “Cabo Frio”, 1950, de Eduardo Pacheco, poeta cabofriense.

7NOSSOS CLÁSSICOS: A VOCAÇÃO LITERÁRIA DE CÉLIO MENDES GUIMARÃES E SUA VEIA DE PESQUISADOR DE HISTÓRIA

9O BREVE PODER DO SAL: O HISTORIADOR JOÃO HENRIQUE PROCURA DESFAZER MITOS SOBRE A ECONOMIA DO SAL

MANOEL DIAS, O MAIS ANTIGO ALFAIATE EM ATIVIDADE EM CABO FRIO, ESTÁ PARA DEIXAR A PROFISSÃO6

11CONHEÇA HISTÓRIAS SABOROSAS DE JOSÉ LINS DO RÊGO QUANDO PASSOU POR CABO FRIO NOS ANOS DE 1930

4 ENTREVISTA: LENA TRINDADE, UMA FOTÓGRAFA ESPANTADA COM A DESFIGURAÇÃO DE CF

A RestingaAquilo? - São restos da nossa Restinga,outrora farmácia do povo da terra.Ali se encontrava também a fauna rica.Do corte de lenha só resta a caatingamirrada que vês, resistindo ainda à guerrade feros cipós e cruel tiririca.

A nossa Restinga dá frutos gostosos,que iguais não sei bem se no mundo haverá,que, embora silvestres, tão bons jamais vi.Pitangas variadas, cajus saborosos,camboim, murici, sopotó, cambucá,bapuana, guapeba, tucum, guriri,

guaquica, abricó, araçá, bajurue, no alto das dunas, à beira da praia,ao fresco bafejo das brisas do mar,melhor que o mais doce e macio caju,melhor, bem melhor que as pitangas obáia,nos dá guabiroba, de gôsto sem par.

Ainda hei de mostrar-te os restantes encantosda velha Restinga, chagada de claros,Aguardam-nos lá naturais aquarelas,lagoinhas mimosas, tranquilos recantos,as aves aquáticas, os pássaros rarose as flores dos brejos, cheirosas e belas.

Não fira dos brutos machados o gumejamais a Restinga os arbustos amáveise nela jamais se reacenda a coivara!Que o povo a tutele, lhe seja o bom Nume,pois ela é que filtra êstes ares saudáveis,- Que o povo conserve essa jóia tão rara!

CNPJ 17.924.249/0001-96

Circulação restrita aos membros da tribo.

NOSSA TRIBONOSSA TRIBOIdéia, Projeto Gráfico e Editoria: José CorreiaEndereço: [email protected] www.facebook.com/RevistaNossaTriboFechamento: Nômade Artes Gráficas, Cabo FrioImpressão: Grafline, Rio de JaneiroCapa e página 18: Arte de Júlia Quaresma.

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A expessão de choque e desapontamen-to é da renomada fotógrafa Lena Trindade [foto] que está na estrada desde os anos de 1970, com livros publicados de fotografias - o último, “Aves do Jardim Botânico do Rio de Janeiro”, foi lançado no ano passado - e expo-sições marcantes sobre figuras e costumes do povo brasileiro.

Lena Trindade diz que aprendeu a foto-grafar gastando muito filme. “A fotografia aconteceu por acaso. Mas considero o acaso importante na vida”, afirma.

Cabo Frio, cidade onde nasceu e foi criada, é sempre ponto de chegada e de partida. “Em Cabo Frio, eu gosto de tudo. Só fico penali-zada de ver como ficou desfigurada arquite- tônicamente”, afirma Lena Trindade nesta entrevista. (José Correia)

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“Meu Deus, por que deixarama cidade ficar tão desfigurada?”

Para fotografar, você per-corre um ambiente. Que locais de Cabo Frio e da Região você tem como lugares especiais, pela beleza e riqueza ambien-tal?

Lena Trindade - A Restin-ga de Cabo Frio no pedaço entre Cabo Frio e Arraial do Cabo é de uma beleza singular. Conheço bem, pois quem me apresentou foi o grande mateiro, poeta e artesão Antonio de Gastão, que conhecia cada pedaci-nho das restingas da região. Sabia o nome das plantas, das frutas, tomava água das bromélias (loucura que fiz

com ele!) e que deixou uma saudade imensa. A restinga é um ecossistema pouco valo-rizado (não tem a luxúria da Amazonia) e aí fica fácil para os grandes empreendimen-tos imobiliários devastar. Há uma riqueza imensa de frutas, flores, aves, insetos e uma luminosidade perfeita para um fotógrafo de Na-tureza. Eu adoro as salinas, os quadrados de sal, os moi-nhos girando com o vento, minha infancia gira junto... Os tipos humanos desse ofí-cio. Em Cabo Frio eu gosto de tudo ... Só fico penalizada de ver como ficou desfigura-

da arquitetonicamente. Meu Deus, porque deixaram a cidade ficar assim tão amon-toada, as construções cheias de basculantes. Demoliram a casa de Candinha Terra, a casa de Wolney... Triste.

Como cabofriense, você viveu uma parte de sua vida em um ambiente onde a idéia de espécies de aves ameaçadas de extinção não estava presente. O que você viu e hoje já não encontra ou tem dificuldade de encontrar em nossa fauna?

Lena Trindade - Quando menina via e ouvia o sabiá-da-praia. Cadê? Não há mais...

Quem me apresentou a Restinga foi o grande mateiro,poeta e artesão Antonio de Gastão. Lena Trindade.

Entrevista: Lena Trindade

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Lena Trindade gosta de acordar com o canto dos passarinhos e fotografá-los. Na foto, à esquerda, um Sabiá-da-Praia e, à direita, um Formigueiro-do-Litoral. (Fotos: Lena Trindade)

Via também o tiê-sangue que, como o nome diz, é de um vermelho espetacular.. Ainda tem, mas meio desconfiado... Nas areias da praia também via muito maria-farinha e tatuí; na Lagoa de Araruama via muito siri e tinha um mo-lusco que a garotada chamava de tintureiro (a gente cutuca-va ele e ele soltava uma tinta azul escura, era sua defesa).

Não vejo mais.

Há uma idéia difundida que para tudo se precisa de especialização. A fotografia ainda é um campo aberto para a liberdade do olhar?

Lena Trindade - Sem dú-vida. Pela fotografia você expressa sua alegria com o que vê ou sua tristeza, sua revolta, sua denúncia, sua

paixão...

Você lançou um livro de fotografias sobre aves. A nossa região daria, possibilidade de se produzir um livro com a mesma qualidade?

Lena Trindade - Seria lindo e adoraria estar nesse projeto. Aliás, há tempos, tenho um projeto pronto sobre as res-tingas brasileiras com ênfase

nas restingas da Região dos Lagos. O texto é da Dorothy Araujo, uma especialista no assunto. A parte histórica é do Mauro Trindade, outro ca-bofriense querido. O projeto está com a Holos Produtora, a mesma que editou meu livro “Guia das Aves”.

Que tipo de fotografia você mais gosta de fazer?

Lena Trindade - A fotogra-fia que mais gosto decorre do que mais gosto de fazer que é acordar com os passarinhos, no meio do mato, comer frutas tiradas do pé, respirar um vento fresco e conversar com pessoas desses locais que sempre têm muita his-tória pra contar. Por isso, sou fotógrafa naturalista, para estar junto com os artesãos, índios, pescadores, mateiros, pessoas que tiram seu susten-to da Natureza cuidando dela, sabendo da importancia da sua preservação.

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Dias, o mais antigo alfaiate de Cabo Frio, está se despedindo da profissão

Manoel Dias da Silva, o mais tradicio-nal alfaiate na ativa em Cabo Frio, desde 1956, ainda trabalha na Teixeira e Souza com a mesma alegria de sempre.

Um dia na vida

Há décadas, a costura do tempo cer-ziu todas as encomendas das alfaiatarias. Nos anos de 1960, Cabo Frio chegou a ter cinco alfaiatarias soando suas má-quinas para produzir ternos, camisas e calças para um mercado robusto. A indústria das confecções, no entanto, foi fechando uma a uma das alfaiatarias, tornando-as, enfim, uma atividade do passado.

Mas Manoel Dias da Silva, o mais an-tigo alfaiate de Cabo Frio em atividade, ficou indiferente ao império do tempo, à velocidade da indústria que não tinha ouvidos para as humanizadas máquinas de costura, e continuou a manusear sua arte meticulosamente, imprimindo sua assinatura no que produzia.

“Aprendi a ser alfaiate desde jovem na Paraíba. Era orfão. Fui para o Rio de Janeiro em busca de oportunidade. E, um dia, procurando o Sindicato dos Alfaiates para fazer uma reclamação, meu destino mudou em direção a Cabo Frio”, conta Manoel Dias, conhecido como Dias Alfaiate.

Dias tinha então 16 anos de idade, quando no sindicato soube que havia uma oferta de emprego para oficial de paletó em Cabo Frio.

“E aí, naquele mesmo dia, conheci Alberto da Cunha Andrade, que fazia a oferta de emprego. Ele me perguntou quanto ganhava no Rio de Janeiro. Eu disse. Aí, ele me ofereceu o dobro para ir para Cabo Frio. Eu aceitei na hora. Já era um profissional e arrumar oficial de paletó era difícil. Eu já vim para Cabo Frio recomendado”, explica Dias.

Em Cabo Frio, a partir de 1956, Dias foi se adaptando e gostando da cidade. Naquela época, as alfaiatarias é que forneciam para as lojas da cidade.

“Cabo Frio foi um celeiro de alfaiates. Recebíamos, por exemplo, de uma só vez encomendas de trinta calças. Otime dos Santos, sócio de José Benício, fazia mui-tas encomendas, como Jorge da Praiana

e Paulo Portoline. Aprendi muito com Alberto da Cunha. Ele era parceiro, mas exigente. Era meio português. Aprendi com ele o ritmo da vida. Fazíamos um terno por dia. Eu começava a trabalhar às 7h, e, garoto, enxergando bem, às 18h colocava o paletó no manequim. Fazer paletó é o mais difícil.”

Dias morou no Cortiço, na rua do Valente, chegou a ser presidente do União, e assumiu a alfaiataria de Alber-to da Cunha.

“Em 1964 mudou tudo. Alberto era comunista e teve de sair de Cabo Frio. Eu tomei conta da casa. Ele foi fugindo de um canto para outro. Muito mais tarde ele voltou a Cabo Frio e já me encon-

trou casado, completamente adaptado à cidade.”

Dias conheceu sua mulher em Cabo Frio, uma baiana, no Clube de Perynas, no que ele define de um dia de um belo carnaval. Com ela, teve dois filhos.

Ele sempre trabalhou na Teixeira e Souza, mais na esquina, mais no meio, e finalmente se instalou no número 312.

“Tenho uma clientela boa e antiga que recomenda o filho, o neto. Hoje faço poucos feitios. É mais reforma. Boto no jeito. E é até melhor porque a responsa-bilidade não é minha.”

Há 57 anos em atividade em Cabo Frio, Dias se convenceu de que já é tempo de concluir sua longa jornada de alfaiate. Vai deixar como herdeiro César, que trabalha com ele há vinte anos.

“Há um mês perdi minha mulher. Estou aposentado e desde garoto estou nesta profissão. Afinal, tenho 73 anos de idade e quase 60 anos de trabalho.”

Quando Dias deixar a profissão, poderemos dizer que o tempo concluiu finalmente uma época remanescente de alfaiates em Cabo Frio. (Texto e foto: José Correia)

Há 57 anos exercendo a profissão de alfaiate em Cabo Frio, Dias viveu o auge e ultrapassou o declínio da alfaiataria. Ele resistiu ao tempo e venceu. Mas entende que já está na hora de curtir a aposentadoria.

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“Trajetória da Sociedade Musical Santa Helena”, de Célio Mendes Guimarães.

NossosCLÁSSICOS

O escritor cabofriense Célio Mendes Guimarães [foto abaixo], com 83 anos de idade, continua em plena atividade e é o que mais publicou livros entre os escritores de Cabo Frio e certamente os do Estado do Rio de Janeiro, 95 livros. Seu primeiro livro é de 1978, “A importância de um ser”, quando tinha 48 anos de idade. Uma média de quase três livros por ano, nestes últimos 35 anos de produção. Livros de poesia, ficção, pensamentos, infanto juvenis, enfim, uma vida dedicada às letras, uma evidente confissão de que é este universo que lhe anima a existência e que é nele onde encontra terreno para conviver com seu tempo, acrescentando-lhe sua arte. E, como se sabe, o escritor do interior encontra enormes dificuldades para publicar sua obra, mas Célio Mendes tem ultrapassado venturosamente esses obstáculos.

Entre os livros de Célio Mendes Guimarães destaco “Trajetória da Sociedade Musical Santa Helena” (1996), resultado de pesquisa históri-ca que lhe consumiu cinco anos de trabalho, com entrevistas, consultas a livros e a jornais. Um livro de história que nasce de sua infância, da necessidade de preservar a iniciativa de seu pai, fundador, presidente e maestro da banda em que Célio também tocou pistão e também foi seu presidente, banda que venceu dificuldades e crises (como a mais aguda, a dissidência de músicos que formariam a Sociedade Musical 13 de Novembro) para se firmar ao longo destes quase 76 anos de so-pro. Um livro de natureza histórica, que se apóia em dados objetivos - destacando músicos vocacionados -, mas que tem como razão de ser a história pessoal de seu autor identificada com a magia da banda, preenchida por recordações, e que nelas se agiganta a memória de seu pai Clodomiro Guimarães de Oliveira.

Célio Mendes se lembra vivamente de quando era garoto entre os sete e oito anos de idade e ajudava seu pai duas vezes por semana a dispor as cadeiras no amplo salão da barbearia na Rua do Mercado 3-A (parte do que é hoje a praça Santo Antonio), depois das 19h, quando terminava então o expediente e seu pai iniciava as aulas de música dos primeiros alunos que formariam a banda da Sociedade Musical Santa Helena. “Eu e meu irmão mais velho, Clélio, levávamos o lanche que minha mãe preparava e lá ficávamos”, me contou Célio Mendes, que viu assim a banda nascer na barbearia de seu pai e ser fundada oficialmente no dia 13 de novembro de 1937. “Escrevi por insistência de minha filha. É um livro de responsabilidade. A dificuldade maior foi arrumar a composição dos elementos.”

Este importantíssimo livro de Célio Mendes conta competente e apaixonadamente a história da mais tradicional banda de Cabo Frio, em uma cidade rica em história de bandas, e que representa o esforço sonoro do povo cabofriense em criar e em manter uma instituição cultural.

Conversa solta na livraria

José Correia

Olhando assim ligeiramente a vida corrida, parece que ninguém tem tempo de falar sobre a nossa cidade, suas histórias e sua gente. Mas olhan-do mais detalhadamente não é isso que acontece. Todas as terças-feiras, a partir das 19h, um grupo de pessoas se encontra na Livraria do Boulevard para essa conversa solta, como José Roberto Rocha, Cacá Valentim, Estélio El Bainy, Paulinho Ferreira, Beto Nogueira, Zarinho Mureb, Octávio Perelló, Paulo Massa, entre outros. Victor Rocha, o Tuzinho, que comanda a livraria, garante que o encontro é aberto a todos que desejam participar.

“Aqui se conversa sobre o Cabo Frio antigo, sobre as pessoas que marcaram a nossa história. O grupo é receptivo a quem quer tratar da memória da cidade”, afirma Tuzinho.

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8|NOSSA TRIBO

As singularidades de CABO FRIO

Luiz Carlos da Cunha Silveira

... Existe uma cidade que constitui a gêmea histórica de Cabo Frio, a qual passou à frente desta última por apenas uma semana?

Ao longo de todo o período colonial, nos três séculos desde a Des-coberta até quase a Independência, os franceses jamais desistiram de arrebatar o Brasil aos portugueses, tendo estabelecido, neste sentido, dois projetos conjugados de colonização: ao sul a França Antártica, na Região dos Lagos polarizada entre o Rio de Janeiro e Cabo Frio, na qual fundaram, na Baía da Guanabara uma localidade clandestina sob o nome de Henriville, em homenagem ao então rei da França, Henri-que IV; ao norte a França Equinocial, no Maranhão, na qual também inauguraram em 08/09/1612, outra cidade também ilegal e também

homenageando um rei francês, Luís IX, o São Luís.No intuito de expulsar os invasores, o rei Filipe

III da Espanha e II de Portugal (entre 1580 e 1640 os dois países e seus impérios formaram a União Ibérica) lançou uma dupla ofensiva simultânea de reconquista em 1615 que foi bem sucedida tanto ao norte quanto ao sul, pelo que Cabo Frio e São Luís ficaram sendo cidades gêmeas históricas originadas na mesma época, pelo mesmo motivo e pelo mesmo pai, aquele rei espanhol. O sincro-nismo das operações foi tão perfeito que o desfile

da vitória em São Luís ocorreu em 06/11 – no mesmo dia no qual foi declarada cidade portuguesa, a quarta do Brasil após Salvador (1549), Rio de Janeiro (1565) e Filipéia de Nossa Senhora das Neves, hoje João Pessoa (1585) – enquanto que Cabo Frio foi considerada fundada por Constantino Menelau em 13/11 como a quinta das apenas doze cidades fundadas no Brasil durante o período colonial (além de 253 vilas). Ou seja, no “ranking” das cidades coloniais brasileiras, São Luís passou à frente de Cabo Frio por apenas uma semana.

Os maranhenses, contudo, preferiram comemorar o quarto cente-nário de São Luís em 08/09/2012, apenas pela vaidade de se conside-rarem uma cidade fundada pelos franceses e não pelos portugueses, o que equivale a considerarmos, como fundador do Rio de Janeiro, Villegagnon e sua “cidade” de Henriville dez anos antes de Estácio de Sá e como fundação de Cabo Frio a “Casa de Pedra” francesa e não Constantino Menelau.

A partir da esquerda, José Correia, Júnior Silgueiro e Ivo Barreto, responsável pelo Escritório Técnico do IPHAN na Região dos Lagos. “O Canal” inaugura o projeto de digitalização dos jornais locais. (Foto: Júlia Quaresma)

No dia 24 de junho, segunda-feira, o Escritório do Iphan em São Pedro da Aldeia recebeu a edição completa do jornal “O Canal”. Foram 68 números de um jornal mensal com conteúdo cultural e político editado em Cabo Frio de 1990 a 1998. O jornal inau-gura o projeto do IPHAN de digitalizar os jornais de Cabo Frio e da Região dos Lagos.

“O projeto Acervos de Memória da Região dos Lagos foi criado no final de 2012 em parceria com o Instituto Federal Fluminense, IFF, no âmbito da criação do Centro de Memória Audiovisual da Re-gião dos Lagos, do Iphan, com o objetivo de reunir e catalogar acervos diversos e disponibilizá-los ao público em geral. Em relação à imprensa local, vamos começar com o jornal ‘O Canal’”, explicou Ivo Barreto.

Na avaliação de José Correia, que editou o jornal, o projeto do Iphan é de largo alcance.

“Para a imprensa sempre foi um sonho a criação de um arquivo público que reunisse e que desse acesso ao público a história da imprensa local. E o projeto do Iphan, também em associação com a Biblioteca Nacional, de digitalizar os jornais locais, é a materialização desse projeto que não encontrava meios de se tornar realidade”, afirmou José Correia, editor da revista “Nossa Tribo”.

Iphan começaa digitalizar os jornais locais

NO ‘RANKING’ DAS C I DA D E S C O L O -NIAIS BRASILEIRAS, SÃO LUÍS PASSOU À FRENTE DE CABO FRIO POR APENAS UMA SEMANA.

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O breve poder do salQuando se remete à história de Cabo Frio, a impressão que se tem é que a atividade salineira é dominante desde o início do século XIX e que ela moldou a sociedade cabofriense. O historiador João Henrique de Oliveira Christovão defende que a economia do sal é forte apenas por um período do século XX, quando atinge seu apogeu nos anos de 1950. A partir daí, por diversos fatores, é a atividade do turismo que vai predominar.

O historiador e mestre em História Social, o cabofriense João Henrique Christovão, esco-lheu o tema de sua dissertação de mestrado “Do sal ao sol: a construção social da imagem do turismo em Cabo Frio” (2011), por uma identidade pessoal. “A sociedade cabofriense foi marcada pela produção do sal. A ativida-de salineira é uma grande característica da região”, afirma.

Na palestra que fez no final de maio no auditório da Universidade Estácio de Sá, com o título “(Des) Caminho do sal fluminen-se” - promovida pelo Escritório Técnico do IPHAN-RJ na Região dos Lagos em parceria com a Universidade, dando continuidade ao projeto “Oficina de estudos de preservação” -, João Henrique abordou o caminho que o sal percorreu em Cabo Frio e na Região dos Lagos até chegar ao ponto em que se encon-tra atualmente - inexpressivo como indústria salineira - e sua transição para o turismo.

Com o fim da economia do sal - cujo perí-odo de ascensão e declínio podería-se estabe-lecer entre final do século XIX até os anos de 1950, quando atinge seu auge, e 1970, início de seu declínio, momento em que o turismo se estabelece - a própria sociedade cabofriense revela ter uma sensação de perda. “É comum no discurso dos cabofrienses quase que um lamento por ter desaparecido essa época das salinas”, afirma o historiador.

João Henrique revela que o processo de construção de identidade regional ocupa boa parte de suas pesquisas, na medida em que ele busca compreender como os moradores de Cabo Frio percebem o processo de transição da economia local e como este processo é por eles representado.

“A decadência do sal anuncia pois, não apenas uma mudança no espaço urbano e na

paisagem local com o fim dos moinhos, das quadras e das pirâmides de sal; ela significa uma mudança nas identidades ali constituí-das. O fim do sal, na verdade, marca apenas o início de uma nova era”, afirma João Hen-rique em seu trabalho de mestrado.

O salPortugal, quando coloniza o Brasil, já pos-

suía tradição de muitos séculos na produção de sal. No Brasil, encontra dois locais que produziam o sal naturalmente: Rio Grande do Norte e Estado do Rio de Janeiro, na região da laguna de Araruama. Mas o monopólio comercial do sal, de 1631 a 1801, proibia o seu transporte interno, estimulando o tráfico ilegal, o que obrigou o poder imperial a tole-rar o consumo do sal nas regiões produtoras.

“A extração de sal como atividade econô-mica significativa só tem início em 1824 com a concessão de Sua Majestade – o Imperador D. Pedro I – a Luis Lindenberg ‘de meia légua de terra devoluta entre a lagoa de Araruama e a Restinga de Cabo Frio, a fim de estabelecer uma Salina’ e só no final do século XIX, na virada para o XX, o sal passa a ter uma maior expressão econômica”, afirma o historiador João Henrique.

Mas até 1896, a produção salineira não revelava que iria ter a futura expressão eco-nômica. João Henrique explica que isto pode ser observado na análise do imposto sobre Indústrias e Profissões, principal fonte de receitas de Cabo Frio na época. Dos 162 esta-belecimentos sujeitos a cobrança de impostos, apenas 9 eram salinas no distrito sede.

“Embora as salinas correspondessem a 5,5% dos estabelecimentos que geravam re-ceitas tributárias, elas já respondiam por 20% dos impostos cobrados.” Neste sentido, João

O historiador João Henri-que Christovão finalizou sua palestra exibindo um texto jornalí�stico publicado no jornal “O Fluminense”, de 19/02/1968, intitula-do “Socorro, há dor nas salinas”, que denuncia um outro lado da indústria salineira, como a falta de equipamentos de prote-ção aos trabalhadores das salinas.

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Henrique questiona a sensação que as pessoas têm de que o sal está enraizado na vida de Cabo Frio desde o século XIX.

“Não é desde sempre que o sal é muito forte na economia da cidade. É um processo gradativo ao longo do século XX. O cresci-mento do sal é sinuoso”.

A indústria do sal desde sua implantação com Luis Lindenberg, enfrentou problemas técnicos, como a infiltração de água no solo das salinas, levando o próprio Lindenberg a utilizar a argila, um tipo de tabatinga, para impermeabilizar o solo.

Só em 1937 é que se tem registro oficial do que já era então o poderio econômico das salinas na Região dos Lagos: 38 salinas em Cabo Frio produzindo 33.536.300 kg de sal, em São Pedro da Aldeia 20 salinas respon-dendo por 23.154.000 kg, e Araruama com o maior número de salinas, 50, produzindo 80.427.900 kg de sal.

“Chegar e sair de Cabo Frio era bastante complicado. Este isolamento relativo a que a cidade estava sujeita acabava por propi-ciar poucas rupturas às suas características sócio-culturais, favorecendo a cristalização de hábitos e costumes peculiares, típicos de lugares com pequena população. Grande parte dos moradores da cidade, por sua vez, era, em alguma medida, envolvida ou com a produção ou com a comercialização do sal e do pescado – principais atividades ali desenvolvidas. Era, pois, como salineiros e pescadores que estes moradores se viam e era desta forma que eram vistos. Cabo Frio era referida por aqueles que lá iam como ‘uma pequena vila de pescadores’, reconhecida pela monumentalidade de seus cataventos e imen-sas pirâmides de sal à beira de suas inúmeras salinas”, explica João Henrique.

Os censos registram o seguinte quadro populacional de Cabo Frio: 1900, 8.791 ha-bitantes; 1920, 16.475; 1940, 14.948, 1950, 16.176, 1960, 27.441, 1970, 44.379 e 1980, 70.955 habitantes.

Os salineiros também se organizavam - o Centro de Salineiros de Araruama foi regis-trado em 1916 e o Centro de Comércio do Sal Fluminense aparecia em 1935 - e o governo federal criava o Instituto Nacional do Sal em 1940 para o controle da produção nacional por cotas, uma intervenção reguladora de mercado que não encontrou consenso entre os salineiros.

“Há nesse momento uma feliz coincidên-cia: a existência na Região dos Lagos do calcá-rio, obtido por meio das conchas do fundo da Lagoa, o sal, a água fria do oceano Atlântico, um cenário que contribuiu para a criação da Álcalis em 1943 por decreto”, observa João Henrique. De 1948 a 1951 há uma sensação de abundância. 1951 é o ano de uma safra

excepcional de sal, 118.651.000 kg.Mas ao longo das décadas de 1960 e 1970

um outro personagem aparece nesta história: o turismo, que passou, como lembra José Henrique, a conviver com a produção de sal e a dividir o status de principal atividade em relação à economia do município.

O historiador observa que assim como a matriz rodoviária se impôs de forma avassa-ladora sobre a ferroviária, orientando uma série de mudanças no Brasil, de uma forma geral, e em Cabo Frio, de modo particular; também o turismo se impôs sobre a indústria salineira, com a população se adaptando à nova realidade.

Para João Henrique, o ano de 1974 esta-belece o momento crucial nesse processo de transição da economia salineira para a turística.

“A construção do Porto Ilha de Areia Branca/RN e a construção da Ponte Rio-Ni-terói assumem uma dimensão simbólica que faz com que o ano de 1974 seja o ponto de inflexão na transição que ali se processava. Uma série de fatores, por vezes concomitan-tes, concorreram para que o turismo, enfim, se consolidasse.”

Desta forma, surge uma nova Cabo Frio com as mudanças processadas na estrutura da cidade e na vida dos moradores.

“As possibilidades surgidas transforma-ram tanto salineiros e pescadores da antiga ‘vila’, como a elite que dirigia a cidade política e economicamente. Todos passaram a convi-ver com novas estruturas, novos personagens e novas idéias num período relativamente curto.”

A passagem do sal ao sol deu-se em pou-co mais que duas décadas. Na avaliação de João Henrique, sua dissertação de mestrado é uma pequena contribuição para entender essa transição.

“Cabo Frio tem somente tudo para ser pesquisado”, afirmou o historiador em sua palestra. (Texto e fotos: José Correia)

A professora de História, a cabofriense Rossana Maria Papini, também estudou a formação da indústria salineira em Cabo Frio do final do sé-culo XIX até seu apogeu em 1930, quando essa elite está completamente constituí�da e domina o aparelho polí�tico da cidade. Papini defende que a indústria salineira transformou a natureza e a vida economica, social e cultural de Cabo Frio. (Entrevistas ao jornal “O Canal”, de março e de abril de 1992).

“Sal: um outro tempero ao Império (1801-1850” é a dissertação de mes-trado de História na UFF de José Marcello Giffoni. O livro, lançado no ano 2000, trata da produ-ção do sal na primeira metade do século XIX e da apropriação territo-rial e do papel do Estado Imperial na consolida-ção dos interesses dos salineiros.

Desembarque de sal no Porto do Forno, Arraial do Cabo.

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O Cabo Frio de José Lins do Rêgo

Você poderia imaginar o escritor José Lins do Rêgo (1901-1957) passeando pela Praça Porto Ro-cha e caminhando depois em direção ao Portinho? José Lins do Rêgo circulando pela Passagem, con-templando o canal do Itajuru, atravessando a ponte Feliciano Sodré? Poderia imaginá-lo puxando con-versa com os cabofrienses? Pois isto aconteceu nos anos finais da década de 1930, quando o escritor paraibano vinha a Cabo Frio na função de fiscal de imposto do consumo. Já nesta altura, ele era conhecido como o autor de “Menino do engenho” (1932), “Doidinho” (1933), “O moleque Ricardo” (1935) e “Usina” (1936), o chamado ciclo da cana de açúcar (termo que mais tarde ele abandonaria), romances bem recebidos pela crítica nacional (Rosário Fusco foi uma exceção).

Cabo Frio foi importante para a criação literária de José Lins do Rêgo, pois acabou lhe servindo de cenário para o seu romance “Água-mãe” (1941), momento em que ele rompeu com a temática nordestina: a do desmoronamento de um mundo do patriarcado rural em torno da casa grande, da senzala, dos senhores de engenho. Mas a atração por Cabo Frio não ficou demonstrada apenas no romance, o que bastaria. Em 1938, escreveu dois ensaios sobre a relação homem, oceano e lagoa, publicados no livro “Gordos e magros” (1942) e no livro “Bota de sete léguas” (1951), onde deixou uma passagem sobre sua agradável lembrança da Lagoa de Araruama.

Na verdade, José Lins do Rêgo teria visto em Cabo Frio uma extensão do Nordeste: a doçura do clima, os cactos pelos rochedos, o vento agitando a natureza, o pescador entre o perigoso oceano e a mansa laguna, o aspecto de um mundo social estancado, quer dizer, uma paisagem humana e geográfica bem próximas ao ambiente em que já lhe era familiar.

É fato que Cabo Frio marcou José Lins, tanto que em 1943, numa conferência em Buenos Aires sobre as “Tendências do romance brasileiro”, ao se referir a Teixeira e Sousa (José Lins considerava “O

filho do pescador” uma novela e não um romance), critica o escritor cabofriense por suas histórias não terem “contato algum com a vida” e encaixava na palestra a natureza que o havia conquistado para sempre: “Teixeira e Souza nascera em terras que são as mais belas da província do Rio de Janeiro, criara-se à margem de uma lagoa que é como se fosse feita para cenário do Paraíso Terrestre. Mas o romancista não vê. A sua prosa é de um descolorido impressionante.”

Visto por cabofriensesQuando vinha a Cabo Frio, José Lins do Rêgo

costumava ficar no Hotel Paraíso (aonde está o Banco do Brasil) de propriedade de Carlos Massa. Ou então na casa grande que Mário Sales ocupava na Passagem como gerente de uma firma de sal, em frente a um antigo estaleiro.

Muitas vezes no Hotel Paraíso, que dava frente para a rua Major Belegard, José Lins sentava-se em uma cadeira na calçada, arregaçava as calças até o joelho para apanhar um pouco de sol. Carlinhos Massa então me contou que “certa vez me dirigi ao Zé Lins e lhe expliquei que o comerciante de pesca, o gringo Samuel Druch, estava muito preocupado porque sabia que ele iria multá-lo.”

Segundo Carlos Massa, José Lins refletiu e pediu a ele que comunicasse ao comerciante, que morava na Passagem, que lhe mandasse um carro cheio de gasolina.

Mais tarde, chegava ao hotel o carro que José Lins aguardava. O motorista, obedecendo ao comando do fiscal do imposto do consumo, atravessou a ponte em direção ao Porto do Carro.

“Já no Passageiro, José Lins avistou o gringo Samuel na porta de seu estabelecimento lhe aguar-dando. José Lins ordenou então ao motorista que tocasse para a frente, para o Rio de Janeiro, se espi-

José Lins do Rêgo viajando de ônibus.

José Correia

Há quase 75 anos José Lins andou por CaboFrio e fez amizade com Carlos Massa e Mario Sales, entre outros. De sua passagem por aqui resultou o romance “Água-mãe”, publicado em 1941, além de outros textos.José Lins também deixou algumas histórias saborosas contadas por quem o conheceu.

vida e literatura

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chou na janela do carro e passou em disparada pelo comerciante assustado lhe dando um largo adeus”, contava sorrindo Carlos Massa.

O poeta Cardoso da Fonseca me disse que foi apresentado a José Lins por Carlos Massa e lem-brava-se de um fato que o marcou muito. Cardoso da Fonseca vinha de Niterói numa jardineira e já perto de Araruama o motorista comentou em voz alta que havia se esquecido de deixar a encomenda de pão no leprosário de Rio Bonito.

“Vi então levantar-se um moço forte, de terno, puxar um documento identificando-se como fiscal federal e determinar ao motorista que retomasse o caminho de Rio Bonito para lá deixar os pães. Depois, vim a saber que aquele moço era José Lins do Rêgo.”

O advogado e cronista Waldemar Machado também me contou que conheceu José Lins do Rêgo, mas ligeiramente, como disse. “Lembro-me dele no bilhar do centro, que ficava de frente para a Praça Porto Rocha, fundos do Hotel Paraíso. Era uma pessoa simpática e irradiava um vivo interesse em manter uma conversa.”

O poeta e compositor Victorino Carriço guar-dava também uma boa lembrança de José Lins. Mas só foi conhecê-lo na década de 1950, no centro de Niterói, em uma festa de aniversário na casa do amigo em comum Tomás Soares da Silva, o famoso jogador de futebol, Zinho. “A recordação que guardo dele é a de um flamenguista roxo.”

O encanto pelo lugarOs ensaios sobre Cabo Frio e o romance “Água-

mãe” foram uma verdadeira demonstração de amor de José Lins do Rêgo por Cabo Frio. “Nunca vi povo mais calmo, mais manso de trato”, afirma em “Gordos e magros”.

O escritor cabofriense Antonio Terra observa-va que o cargo de fiscal do imposto de consumo era o melhor emprego do Brasil. E José Lins se deslocava para Cabo Frio não para multar ou fiscalizar o comércio, mas para ficar em contato com um mundo que lhe encantou e que acabou sendo reproduzido artisticamente em sua obra. A paixão por Cabo Frio ia a tal ponto que ele chegou a clamar num ensaio em 1938:

“Façam tudo. Façam estradas, draguem a barra, mas não estraguem a beleza de Cabo Frio. Deus lhes deu este patrimônio. E que não apareça homem bem intencionado, mas sem gosto, que ponha a obra de Deus a perder.”

A exortação de José Lins do Rego transformou-se em uma espécie de água-mãe nos quadros da história: um desejo residuário desfeito pelo ho-mem ao longo do tempo.

Publicado em 1941, “Água-mãe” (água resi-duária das salinas) é um romance de in-fortúnios, envolvendo três famílias: duas de Cabo Frio - a de Dona Mocinha, classe média, viúva destemida que dirige a salina Maravi-lha (atingida pela crise do sal) e a do pescador Cabo Candinho, homem de poucas palavras, representando a camada mais pobre da histó-ria - e uma do Rio de Janeiro - a rica família Mafra, que compra a mal assombrada Casa Azul (cer-cada de histórias de mistérios e desgraças), como residência de verão. Neste romance, há uma relação entre natureza e destino dos personagens.

Na história passam amores irrealizados, grandeza humana,

tragédias familiares, o amor proibido entre Lú-cia e Helena, a ascensão e queda do centro-avante Joca no Rio de Janeiro com um tumor no fígado e a morte de Luís e Marta na Laguna de Araruama.

No romance, José Lins do Rego faz alusões à vida cabofriense, a pessoas e a pontos da cidade, citando,

por exemplo, o Hotel Paraíso, o clube Tamoios (sic) de onde surgiu o jogador Joca, o Major Sales (“um homem sério, um homem daquele jeito, de posi-ção, prefeito da terra, dono de salina”), a péssima qualidade da água (“o que matava o Cabo era a qualidade da água”), uma visita ao Convento (“com o cheiro e o chiado dos morcegos”) e as ruínas do Forte (“parecia mais um ninho de gaivotas”).

“Água-mãe”: um romance que tem Cabo Frio como cenário

Para êles, o que matava o Cabo era a qualidade da água. Havia estudos, tinham aparecido engenheiros, mas aquilo continuava do mesmo jeito. Os ricos da terra viviam nas suas salinas, quando não davam as suas ordens aos administradores, mesmo do Rio. A cidade vivia de uma in-dústria que só dava para poucos. O mais era a miséria dos pescadores. Espantaram-se da esquisitice do ricaço, que pretendia transformar a Casa Azul. Aquilo lhes parecia uma loucura. Em todo o caso, havia gente para tudo. Os engenheiros falaram em sanear os pauis de perto da cidade. Os outros achavam impossível. Para eles, não seria obra para um particular. Só mesmo coisa de govêrno. Ali mais perto estava um rapaz do Rio que tinha gasto uma fortuna plantando coqueiros, num sítio à beira mar. Trouxera a família para passar ali uns tempos, e teve que sair às carreiras com os filhos doentes de febre. Por que não vinham construir uma casa mesmo na cidade? O Cabo precisava mesmo de gente de fora, já que os da terra não faziam nada.

Trecho do livro“

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Um filmaço sobre Folia de Reis“Um acontecimento de fé que me marcou muito

foi quando minha mãe estava doente e eu, ajoelhado, rezando, pedindo a Deus e aos três reis do oriente, ela foi curada e durou mais 20 anos”, disse Nilson Soares, 76 anos, durante depoimento ao filme “Reis do Sagrado”.

Surgida em Portugal no século XVI e de cunho essencialmente religioso, a tradição de Folia de Reis chegou ao Brasil no período colonial. Centenária, passou por berços de todo país e aportou nas cida-des de Cabo Frio e de Arraial do Cabo na década de 1960. As Folias de Reis são grupos organizados por devoção ou pagamento de promessa, cuja duração é de sete anos, no mínimo. Esses grupos são cons-tituídos, quase sempre, por núcleos familiares que buscam reviver a manifestação e preservá-la na sua comunidade.

Durante o último ano, de 2012, foi gravado de 6 de janeiro a 18 de dezembro nas cidades de Cabo Frio e de Arraial do Cabo o documentário “Reis do Sagrado”, que mostra de maneira inédita as três folias presentes nessas duas cidades.

“Essa é a primeira vez em 50 anos que é docu-mentado, num trabalho minucioso, a presença das Folias de Reis em Cabo Frio e em Arraial do Cabo: Estrela D’Alva (1965), São Cristóvão (1972) e Estrela do Oriente (1981), com, ainda, o ressurgimento de uma quarta neste ano: a Estrela da Guia. O filme ‘Reis do Sagrado’ mostra toda essa beleza, poesia e tradi-ção religiosa. É realmente emocionante”, antecipou Lucas Müller, diretor do documentário, realizador do projeto e fundador do grupo de Cinema “Os 13”.

“O Brasil é um país muito interessante na sua forma de conceber a religiosidade. Repara que essas festas católicas, elas tem um lado profano e um lado

sagrado. Mas esses lados, eles não colidem. Esses lados não se chocam. Por um lado, tem a música, tem o teatro, até coisas corporais. E, por outro, tem a missa, tem a romaria, tem a promessa”, explicou o especialista em Folclore Brasileiro pela UFRJ, Ricardo do Carmo.

O documentário de trinta e três minutos, roda agora os festivais do Brasil e festivais internacionais. Será exibido em Cabo Frio apenas em setembro, no Festival Curta Cabo Frio.

“O ‘Reis do Sagrado’ levanta a questão da conti-nuidade das folias: as folias presentes em Cabo Frio e Arraial do Cabo acabarão nos próximos anos ou há esperança dos herdeiros continuarem a tradição? Sem dúvida, esse é o nosso melhor trabalho em qua-tro anos de grupo de Cinema e temos esperança que vença algum prêmio importante”, destacou Lucas Müller, diretor do documentário.

Mais filmes sobre Cabo Frio podem ser vistos no site do Os 13: www.os13.com.br.

Estrela D’Alva da Praia do Siqueira, Folia de São Cristovão e Estrela do Oriente de Arraial do Cabo, em fotos de Marcelo Rimes e César Remedy.

ver para crer

Pela primeira vez é realizado um documentário sobre a Folia de Reis de Cabo Frio e de Arraial do Cabo. “Reis do Sagrado”, título do filme, dirigido por Lucas Müller, será apresentado no “Festival Curta Cabo Frio” deste ano.

Equipe do grupo de

cinema Os 13, gravando

para “Reis do Sagrado”

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Nossa brenhosaLÍNGUA

LAVA JATO, LAVA-JATO, LAVA A JATO OU LAVA À JATO?

Inicialmente já podemos descartar “lava à jato”, uma vez que não se usa crase antes de nomes masculinos.

Segundo o Dicionário Aurélio, conceitua-se jato como “a saída impetuosa de um líquido ou de um gás.”

A expressão “a jato “, trata-se de uma locução adverbial e, como afirmado anteriormente, não devemos usar a crase.

Porém, quando estivermos nos referindo ao estabelecimen-to próprio para lavar veículos, é correto nos expressarmos da seguinte forma: lava a jato.

Observe-se que há o emprego de hífen na composição “verbo + substantivo”, e, neste caso, quando há expressa refe-rência ao substantivo jato significando “avião “, sendo, então, correto o uso do hífen: lava-jato. Sendo assim, lava-jato seria o estabelecimento específico para lavar aviões.

Registre-se que existe omissão no próprio Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa em relação a tais vocábu-los, sendo questionada tal omissão nas redes sociais e entre os estudiosos e gramáticos, devendo ser atualizado de acordo com o Novo Acordo Ortográfico.

E, assim, caminhamos com nossa língua portuguesa tão brenhosa e mutante.

“Lava a jato”, serviço disseminado em Cabo Frio, se propõe a lavar carros, mas há também os “Lava jato” para aviões a jato.

Tereza Ramalho Faria

veja se localiza?As fotos abaixo são da década de 1980. Aonde foram tiradas? De qualquer forma, a constatação é que Cabo Frio mudou muito.

[1] Esta casa ficava em uma esquina do centro da cidade. Em seu lugar está um prédio. Sabe onde ficava a casa?

[2] Praia do Forte, verão, muitos ônibus. Hoje, por trás dos ônibus, só existem prédios. A referência é uma esquina.

[3] Que praça é esta no centro da cidade?

Resposta: 1- Francisco Mendes com Raul Veiga, atrás do Banco Itaú. 2- Nilo Peçanha com Avenida do Contorno. 3 - Praça Santo Antonio. (Fotos: José Correia)

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Livro trata da convivência libertadora e da felicidade

Paulo César D’Ávila [foto], estudioso da literatura esotérica, ocultista e filosófica, empresário no ramo imobiliário em Cabo Frio, lançou no ano passado, em agosto, o livro “Davar, um caminho de almas” na Bienal de São Paulo, seis meses antes da morte de sua mulher, Rô. O livro trata da liber-tação espiritual do personagem Caio que se encontrava preso ao mundo cotidiano, ajudado pela convivência emancipadora de sua mulher Davar.

Qual é o tema principal?Paulo César D’Ávila - A idéia é

passar uma vivência. A história do ser e do estar. A superação do temporal que aprisiona e impede a busca do ser, busca que nos revela que o projeto humano não pode ser apenas o plano objetivo, o secular, o dia a dia, que é o impermanente, o que não produz continuidade porque se esgota no imediatismo. Creio que somos eternos, independente de decisão doutrinária, de dogmas que possamos crer. Acredito também na busca de uma consciência maior que produz um encontro com memórias psíquicas. Creio na reminiscência da alma. O cotidiano é um incidente de curta duração.

O que motivou você a escrever este livro?

Paulo César D’Ávila - Já escrevi muito sobre temas que poderiam virar livros. E todos rasguei. Porque Rô, minha mulher, me fazia entender que não era o momento. Há quinze anos venho refletindo sobre este livro. E em três meses, o escrevi no alto da serra da Mantiqueira. Quando publico “Davar” era porque a história de meu ser o permitia. Foi um su-cesso na Bienal de São Paulo no ano passado. O livro se esgotou em seis meses. E fico feliz por ter publicado “Davar”.

1Quatro perGuntas

Neste relato de vivência, como aparece sua mulher?

Paulo César D’Ávila - O livro é um reconhecimento de estar e ser com Rô. Foram 28 anos que me fizeram perce-ber na convivência algo eterno. Ela me resgatou do personagem Caio para o caminho do encontro de Davar. A luz já existia em Caio, mas estava encouraça-da pelo plano secular de vida dele. Ela despertou o sujeito temporal, o homem animal, a persona, jogou com o desejo, o diferente, manipulou o desejo, o prazer, a organização psicológica, levando-o à faculdade espiritual, ao objetivo humano do reconhecimento da multiplicidade, que é eterna, e que nos leva à humildade. Caio tinha perdido a memória do eterno e do interno. A mulher resgatou o homem de sua fixação temporal. A companheira, que via nas relações a estrada do eterno, levou-o ao ser, a se esquecer do estar. Os dois então passaram a procurar o eterno.

4 Pretende lançar um novo trabalho?Paulo César D’Ávila - Se for útil. Existe algo que desconhecemos que movimenta

a vida. Algo que não temos domínio, que é a evolução. O erro é determinarmos conceitos para estabelecerem a vida. A vida simplesmente ocorre e podemos ser felizes. Sim, tenho outros livros, mas está faltando a Davar para me incentivar.

Trecho do livro“

Resposta do Grande Velho a uma indagação de Caio:- Se é real para você, é verdade, porém, saiba que quando uso o vocábulo ‘real’, refiro-me às realidades para a mente psíquica, esta que usamos neste diálogo, esta realidade que permanece, não exige confirmações da mente objetiva. Quando necessitamos dessas confirmações e temos poderes para demonstrar no mundo objetivo, pela percepção e raciocínio estratificamos a verdade e a tornamos axioma. Você, Caio, deve mostrar habilidade, maestria, na aplicação dos conheci-mentos obtidos da realidade que vivificou, pois, posso afirmar que não há nenhum valor nessas experiências, caso você não as aplique para o bem da humanidade. Você tem vivenciado leis e princípios eternos que não se alteram com o crer ou não dos que estão em corpo físico; contudo, você tem a obrigação de agir com proficiência, pois, por merecimento obteve revelação. Retorne ao seu corpo, pois Davar está apta nesta reencarnação a trocar com você conhecimento como reminiscência da alma.

Paulo César D’Á� vila em rara aparição.

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“A verdadeira filosofia é rea-prender a ver mundo.”Merleau-Ponty

{Sob nossa MIRA}

Aquarela * ATELIER GERSON TAVARES * apresentando a revista Nossa Tribo, você tem desconto

(22) 9911-3086

Filosofia de Gandhi13 de junho, no calor das manifes-

tações no Brasil - cujo estopim foi o protesto contra o aumento das tarifas do transporte público -, a “Salineira” ofereceu a convidados, em seu auditó-rio, a bela apresentação do monólogo “Gandhi, um líder servidor”, com o ator João Signorelli [foto]. O sr. Francisco Gavinho, proprietário da empresa, é uma pessoa aberta ao diá-logo e topa discussão. Ele certamente assinaria este pensamento de Gandhi: “A alegria está na luta, na tentativa, no sofrimento envolvido. Não na vitória propriamente dita.”

O amigo Milton Roberto esteve internado por complicações de saúde. Como na edição da “Nossa Tribo” de maio-junho focalizamos o sítio de Milton, que homenageia os amigos mortos plantando uma árvore, al-guém festejou o restabelecimento de Milton deixando escapar o pensamen-to de que por pouco os amigos-árvores não o levaram para a floresta.

Á� rvore sem copa

Há um registro sobre a provável data de composição do hino de Cabo Frio, de autoria de Victorino Carriço. Renata Ayres Mahaut, funcionária da Câmara de Cabo Frio, do Setor de Atas, informou à “Nossa Tribo” que no dia 7 de novembro de 1975 foi votado e aprovado o ante-projeto de autoria do vereador Antonio Corrêa de Souza, que ressarcia o compositor pela cria-ção do valoroso hino da cidade. Como se sabe, Victorino Carriço era uma pessoa modesta, e a remuneração da Câmara foi simplesmente simbólica. Mas importante para nos dar uma pista sobre o ano do hino.

Pista do hino

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força do verboProtesto nas ruas de Cabo FrioAs jornadas de protesto no Brasil tomaram o mês de junho. Cabo Frio marcou presença levando milhares de pessoas a defenderem posição por um novo Brasil. As fotos são do Flickr de Antenor Netto.

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A filosofiado pedaçosardinha

Com o tempo fui vendo que cada grupo de gato tinha predileção por um pedaço da sardinha repartida em três bocados. A totalidade alimentava a existência dos gatos pela autonomia realizada de suas partes.

José Correia

Já tive 19 gatos. Nem 20 nem 18. Um dia contei um a um e deu 19. Nem todos tinham nome, mas reconhecia e era reconhecido por cada um deles, que ficavam fora de casa. A não ser a Tará, que às vezes queria pular a parte superior da porta, aberta, e entrar. Nunca pretendi conhecer a vida dos gatos. Mas com o tempo fui vendo coisas intrigantes que me levam a escrever estas memórias.

Morava em frente ao Clube Tamoyo e um dia Tará estava dando à luz os seus gatinhos. Tará não era gata-mãe. Ao con-trário de Negra que estava estampado em seus olhos largos e negros, que ser mãe era sua vocação. Tará não conseguia expelir um de seus gatinhos e mantinha metade do corpo dele preso ao ventre. Como ajudar? Tentei delicadamente puxar o gatinho. Nada. Procurei então Pernambuco, tido como conhecedor da sabedoria popular, que administrava o bar do Tamoyo, e ele me disse que havia uma simpatia para esse caso que acon-tece nos partos dificultosos de alguns animais. “Corta o cós de uma cueca e depois amarra no pescoço da gata. Isso vai salvar o gatinho”.

Saí com a receita de Pernambuco e não tendo a cueca daquelas antigas peguei uma bermuda de dormir e cortei a parte superior. Amarrei ao pescoço da Tará e logo depois nascia por comple-to seu filho. Na verdade não era uma simpatia mas um recurso bem bolado, o de concentrar a atenção da gata para o pescoço atado que incomodava e o

relaxamento necessário para o parto.Antes da Tará consumar sua ninha-

da o que vi nem sei se serei acreditado. A Negra, parideira, já antecipava os apuros da Tará e literalmente massageava com as duas patas a barriga da amiga (a tese de Platão sobre a metempsicose, da alma humana encarnar em animais ou vegetais, não é de se jogar fora). Na hora também não entendi direito o que via, a Tará de barriga para cima e a Negra sobre ela. Mas os olhos negros da Negra e o seu empenho na tarefa do bom parto deixava óbvio que era isso mesmo: Tará estava sendo preparada para um parto que Negra sabia que seria trabalhoso.

Mas o fato que me despertou maior curiosidade foi o velho tema da forma e do conteúdo corporificado nas partes da

sardinha. Quando alimentava os gatos com sardinha era bem simples: com todos à minha volta, dava o alimento a eles cortando o peixe em três partes: cabeça, barriga e rabo. 19 gatos à minha volta, jogava para eles o suficiente para que cada um pegasse o seu quinhão. No início via o normal: eles avançavam no que podiam pegar. Mas com o tempo fui vendo que não era bem assim. E aí vai, caro leitor, outro aprendizado do mundo dos gatos: cada um tem a sua predileção por uma parte da sardinha que lhes é apresentada. Uns, só vão direto ao rabo, outros, à barriga com as tripas escan-galhadas, e outros tantos têm a cabeça como o melhor lastro.

Certamente cada fragmento apre-senta um detalhe no gosto, embora pertença ao conjunto sardinha. Creio que neste caso, a forma - rabo, barriga e cabeça - gerou uma curiosa identifi-cação por cada grupo de gato. Também pode-se tratar de que o que está em ques-tão não é o sabor apurado que cada gato descobre em sua fração. Mas que o gosto da sardinha nas três unidades foi reve-lado e mantido pela representação que cada gato fez da aparência escolhida, que levou afinal cada um à sua paixão alimentar por uma classificação do todo que é a sardinha, peixe que nunca lhes dei por completo, só partido. A filosofia do pedaço sardinha estabelece que a totalidade da sardinha alimenta a fome de existência dos gatos pelo universo autônomo de suas partes constitutivas.

Meu Diário

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Célio Mendes lança livros eAntonio Terra é homenageado

A Livraria do Boulevard marcou dois momentos literários importantes nos meses de maio e de junho. Primeiro, com o lançamento de dois livros de Célio Mendes Guimarães, e segundo, a home-nagem que foi feita em memória aos 100 anos de nascimento de Antonio Terra.Na primeira foto, Edilma, ao lado do marido Célio Mendes, Lindberg e Tuzinho. Na outra foto, Célio Mendes, Luiz Carlos, Júlia Quaresma, José Correia, Flávio Peixoto, Zita Bittencourt e Bárbara Pereira.

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