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REVISTA NOSSA TRIBO Nº 4 - MAIO/JUNHO 2013

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Um Ponto de Vista Cultural

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No territórioEventos na Livraria do Boulevard

Na foto ao lado, noite de lançamento da revis-ta Nossa Tribo, no dia 21 de março. Dezenas de amigos lá estavam. Na foto, Tuzinho, José Correia, jornalista Paulo Roberto Araújo, Regina Coeli, Marqui-nho Mendes e Ernesto Galiotto, fotos que podem ser vistas no site região dos lagos.com.br. Nesta outra foto, de Lourdinha Calainha, alunos do Curso de História da Estácio de Sá participam de mais uma edição do Café com História, quando assistiram, no dia 30 de abril, à palestra do professor Paulo Cotias sobre o sociólogo ale-mão Max Weber.

Cabo Frio:aberto edital da culturaAs inscrições para o programa municipal de editais de fomento e difusão cultural de Cabo Frio, Proedi, vão até o dia 28 de junho. A Secretaria de Cultura disponibiliza R$ 500 mil para finan-ciamento de projetos culturais. O edital está disponível no portal da Prefeitura e qualquer pedido de escla-recimento pode ser feito pelo endereço cultura@ cabofrio.rj.gov.br. A Se-cretaria dá continuidade a um projeto público de cultura.

Em São Pedro, arte e músicaOs artistas plásticos aldeenses Flávio Rangel, Edson Paz e Diangelo expõem até final de junho seus quadros na Casa de Cultura (de 2a. a 6a. das 8h às 17h), cujo tema é o patrimônio histórico da cidade.E na Praça da Ma-triz, Música na Praça toda a sexta-feira e sábado, a partir das 21h, com músicos aldeenses interpre-tando MPB.Os eventos são aber-tos ao público.

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Assim somosQuanto mais conhecemos, mais amamos. Este é um pensamento universal, resultado de uma larga experiência que nos ensina a valorizar o que produzimos, porque é sempre resultado de esforço e criatividade. Nossa Tribo tem como linha edito-rial destacar matérias de conteúdo - do passado e do presente - a fim de estimular a, cada vez mais, amarmos o lugar em que vivemos.

Com o pé na estrada

Oração sincera em duas vozesMeu Santo:Hoje, que esta tarde está tão linda e amena,Com fervor de crente e ardor eu vim rezarU’ma préce boa, uma oração serena,Pois um favorzinho eu venho lhe implorar ...

Eu quero pedir uma cousa pequena,Não é impossível, você pode dar ...(Que linda menina, que bela morenaAjoelhou-se em frente do fronteiro altar!

Que pórte bonito! Que gésto de olhar!Há pouco sorriu-me, inda agora fitou-me ...Com esta menina, não posso rezar!)

Eu quero bem pouco ... Meu Santo, - perdão! -Não quero mais nada! (A morena acenou-me)Não sei onde estava na minha oração!

WaldemirTerra Cardoso(1912-1936)

assu

ntos

Waldemir Terra Cardoso, poeta cabofriense, autor do livro “Zé-tarrafeiro e Outros poemas” (1935), in “Anuário de Cabo Frio, 2012”, Secretaria de Cultura.

7NOSSOS CLÁSSICOS: ANTONIO TERRA E OS ESCRITORES QUE SÃO OS FUNDADORES DA LITERATURA CABOFRIENSE

9AS PÉROLAS DE CABO FRIO: COMO AS DUAS BANDAS TRADICIONAIS DA CIDADE DRIBLAM AS DIFICULDADES

DE PAI PARA FILHO, O JULINHO DO CHURRASQUINHO HÁ MAIS DE 30 ANOS ATRAI UMA LEGIÃO DE CLIENTES FIÉIS 6

17EM 10 ANOS, A POPULAÇÃO ACIMA DE 60 ANOS AUMENTOU EM 100% EM CF: QUE NOVA REALIDADE É ESTA?

4ENTREVISTA: ANTONIO FRANCISCO NOVELLINO, O PILOTO QUE PASSOU DE AVIÃO SOB A PONTE

CNPJ 17.924.249/0001-96

Circulação restrita aos membros da tribo.

NOSSA TRIBONOSSA TRIBOIdéia, Projeto Gráfico e Editoria: José CorreiaEndereço: [email protected] www.facebook.com/RevistaNossaTriboFechamento: Nômade Artes Gráficas, Cabo FrioImpressão: Grafline, Rio de JaneiroCapa: Fotomontagem de Filipe Guia sobrefoto de Wolney Teixeira.Página 17: Arte de Júlia Quaresma.

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Antonio Francisco Ferreira Novellino é cabofriense, coronel aviador reformado. Com 17 anos já pilotava sozinho avião na Esco-la da Aeronáutica, no Campo dos Afonsos, Rio de Janeiro. Participou de missões do Correio Aéreo Nacional – CAN nas décadas de 1950 e 1960, levando assistência a populações carentes do inteiror do país. Testemunhou e vivenciou o notável desenvolvimento tecnológico da aviação.

Sua proeza em passar de avião, um Fairchild PT-19, por debaixo da ponte de Cabo Frio no dia 27 de maio de 1951, há 62 anos, mar-cou sua história na cidade. “Eu era um jovem de 21 anos de idade e a aviação naquela época era romântica”, é como Antônio Francisco justifica aquela façanha. (Entrevista: José Correia)

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Entrevista: Antonio Francisco Novellino

O piloto cabofrienseque passou de aviãopor debaixo da ponte

Passar sob a ponte, pilotan-do um avião, era uma idéia que entusias-mava pilotos de minha geração. E eu não seria uma exceção. Antonio Francisco Ferreira Novellino.

“O que o levou a decidir

passar de avião por debai-xo da ponte de Cabo Frio?

Cumpria uma missão de adestramento e treina-mento de navegação. Parti de São Paulo, Base Aérea de Cumbica, no dia 26 de maio de 1951, pilotando o avião Fairchild PT-19, prefixo 0251, com destino a Vitória e escala no Rio de Janeiro, em Campos dos Afonsos. Retornando de Vitória per-noitei em Cabo Frio, tendo utilizado o campo de pouso de Perynas. Como fazia em outras oportunidades, sobrevoei a cidade a baixa altura para avisar a minha família e acionar um taxi. Nicanor Couto, no entanto, gentilmente me ofereceu uma carona em seu carro.

Conduzia um pequeno monomotor de treinamen-to, projeto americano, fabri-cado no Brasil. Tratava-se de um avião leve, pouco veloz, com capacidade para duas pessoas, de aproxima-damente oito metros de envergadura. Passar sob a ponte de Cabo Frio, pilo-tando um avião, era uma idéia que entusiasmava pilotos da minha geração. E eu não seria uma exceção.

E como foi esse dia?Foi no dia que parti de

retorno para São Paulo. A decolagem ocorreu no início da tarde do dia 27 de Maio de 1951, com pernoite previsto no Rio de Janeiro. Sobrevoei a cidade para ava-liar as condições de realiza-

ção da manobra. O cenário era favorável: trajeto livre e vento calmo, estimulan-do-me a aceitar o “desafio”. Assim, iniciei um vôo ra-sante sobre a Lagoa, no eixo Portinho-Centro, cru-zando o arco da ponte e em seguida ganhando altura de segurança. O problema todo é se o piloto na hora da passagem se arrepende e quer subir. Ele tem que partir e prosseguir. Foi o que fiz. Quando fiz o vôo estava decidido a não voltar atrás. Vim em uma altura baixa, passei por debaixo da ponte e antes do cais dei uma subi-da. Se tivesse uma máquina fotográfica teria fotogra-fado. Em minha avaliação foi uma manobra tran-quila e sem sobressaltos.

Antonio Francisco Ferreira Novellino, piloto da Força Aérea Brasileira que deu um vôo rasante sob a ponte Feliciano So-dré quando tinha 21 anos de idade. Foi o primeiro e único a realizar tal proeza, pro-tagonizando uma história que se ouve até hoje quando se conversa sobre Cabo Frio.

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Antonio Francisco Ferreira Novellino, fotografado no Fairchild PT-19 no campo de pouso de Perynas, avião que pilotou para passar sob a ponte de Cabo Frio.

Avisou a família?Não, para evitar preocu-

pações. No início dos anos de 1940 houve uma tenta-tiva frustrada de manobra semelhante envolvendo um teco-teco. O piloto desistiu momentos antes de cruzar a ponte, ganhou altura, mas o trem de pouso atingiu um cabo telefônico, partindo-o. O avião prosseguiu o vôo. Porém, o cabo atingiu um transeunte ferindo-o. Não presenciei a ocorrência, mas fui ao local pouco tempo depois. Na época, eu era um garoto de apenas 13 anos de idade.

E como avalia esse vôo?O episódio ocorreu em

um contexto em que a avia-ção era cercada de muito romantismo, época dos ases, acrobacias e vôos rasantes, inspirada principalmente nas exibições na década de 1930 do tenente aviador Francisco de Assis Corrêa de Melo, o Melo Maluco, como era conhecido em todo o país. O Melo veio a atingir a mais alta patente da Força Aérea, Tenente-Brigadeiro, chegando a exercer o cargo de ministro da Aeronáutica na década de 1950, no gover-no de Juscelino Kubitschek.

O meu vôo sob a ponte ocorreu em um contexto em que a aviação era cercada de muito roman-tismo, época de ases, acrobacias e vôos rasantes, inspirada principalmente nas exibições do aviador Melo Maluco. Antonio Francisco Ferreira Novellino.

“Nos dias atuais, entre-

tanto, os pilotos que se destacam são aqueles que têm competência e habili-dade para conduzir o vôo em segurança, mesmo em condições atmosféricas des-favoráveis.

Os vôos de demonstra-ção passaram a ser exclu-sividade da “Esquadrilha da Fumaça”, de renome nacional e internacional. Para concluir esta entrevis-ta, desaconselharia os mais jovens a tentativa de repe-tição da façanha de 1951, diante da atual realidade da aviação.

Em 1949, em sua formatura na Escola da Aeronáutica em Campo dos Afonsos como oficial, Antonio Francisco Ferreira Novellino está cercado de familiares e amigos, como sua mãe Olivia, o tio Julinho, a irmã Maria Rosa e o primo Luiz Gonzaga Marques.

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O tradicionalchurrasquinhodo Julinho: depai para filho

No cruzamento das ruas José Paes de Abreu com Getúlio Vargas, Júlio Cesar dos Santos Rodrigues, o Julinho, 43 anos de idade, não tem certeza de há quanto tempo está ali instalado com o seu churrasquinho, já tradicional na cidade. Talvez há 37 anos. Pede então a seu filho que vá até sua tia - “ela sabe de tudo que é data” -, e o mais certo é que seja em torno de 33 anos.

“O churrasquinho começou com meu pai João. Eu era garoto, ainda estudava, e ajudava meu pai com meus 17 para 18 anos. Só aos 25 anos é que assumi o negócio”, explica Julinho.

A todo o momento, Julinho lembra de seu pai que morreu há 18 anos, com 76 anos de idade, e da história da criação do chur-rasquinho.

“Meu pai era carroceiro. Aqui no Caiçara ainda tinha muito mato. Começaram a sumir os cavalos de papai e ele passou a ficar de noite na esquina da rua tomando conta. As pessoas passa-vam e cumprimentavam ele. Aí então papai teve a idéia de criar o churrasquinho. Falou com Lulu e Fernando, donos do prédio da Casa Nova, de quem era amigo, e eles autorizaram meu pai a botar o churrasquinho na calçada da es-quina. No início foi difícil. Tinha noite que ele não vendia nada. Mas papai perseverou. Até que ele se cansou, não queria mais, e pediu para que eu assumisse. Eu era solteiro e peguei o chur-rasquinho. Fui gostando e vi que era rentável.”

Julinho trabalha com a mul-her Andréa e parte da família, duas irmãs, um sobrinho e dois garotos. Tem hora para abrir, a partir das 19h, de segunda a sába-do, mas não tem hora para fechar.

“Já começo a preparar o chur-rasquinho a partir das 9h. Paro para o almoço e continuo a trabalhar. Eu picoto tudo. É um churrasquinho artesanal. Só o salsichão e a linguiça é que compramos prontos. Por isso, é até difícil termos vida social.

Em termos de churrasquinho em bairro, o do Julinho (foto), no Jardim Caiçara, é certamente o mais tradi-cional de Cabo Frio, frequentado por todas as faixas etárias e sociais. Uma unanimidade. A história começa com o pai de Julinho, João, há mais de 30 anos, e hoje reúne a família.

Para casamento ninguém mais convida a gente. Só deixamos de trabalhar no sábado em caso excepcional. Só não funcionamos na sexta-feira da Paixão. E tem cliente que reclama.”

Embora trabalhe com a família e a mulher, os clientes querem é Julinho no comando da churrasqueira. Assim, ele iden-tifica cada cliente, seus hábitos, preferências e até a maneira de ser. Diz que poderia escrever um livro de histórias.

A mulher de Julinho, Andréa, conta o caso de um professor de uma universidade da cidade, o advogado Pedro Paulo, de Niterói, que sentava, fazia o pedido, mas que tinha como desejo ficar viran-do no braseiro seu churrasquinho. Até que conseguiu fazer amizade com eles, sentiu-se à vontade para tomar conta do próprio espeto, acabou tazendo a família e a esposa, Renata, que se tornou madrinha de uma filha de Julinho e Andréa.

O churrasquinho do Julinho consegue ter clientes de todas as faixas etárias e sociais, além daqueles que não moram em Cabo Frio, mas que quando vêm à cidade frequentam o ponto. Enfim, é um reconhecimento público.

“Gosto de dizer que o meu cliente ilustre são todos”, afirma Julinho.

O cliente que começou com seu pai e está com ele até hoje é o médico José Luiz Borges.

“Esse é o mais antigo. Mas o sr. Lenilson eletricista diz que foi o primeiro a comer o chur-ras-quinho de papai. Também tem pessoas da antiga, como a dona Joelma Fidalgo. Os filhos dela ajudaram papai.”

Julinho é cabofriense como era seu pai. Mora a duas quadras do ponto do churrasquinho.

“Tenho o churrasquinho graças a Deus e graças a meu pai. Meu pai sofreu muito. Pegou muita chuva. Tenho que enaltecer papai que começou tudo.” (Texto e foto: José Correia)

Julinho no comando do churrasquinho, que começou com seu pai João (no detalhe).

Um dia na vida

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“Crônicas”, de Antonio Terra.

NossosCLÁSSICOS

Ao longo destes mais de 30 anos em que milito na imprensa cabo-friense, desde o primeiro momento insisto, como colunista cultural e editor, na importância do estudo e divulgação da vida e obra de Anto-nio Gonçalves Teixeira e Sousa (1812-1861), Waldemir Terra Cardoso (1912-1936), Pedro Guedes Alcoforado (1892-1964) e Antonio Terra (1913-1995), porque entendo que eles são, como criadores, os marcos fundadores da literatura cabofriense. Sem referências não há como estabelecer os fundamentos de nossa literatura.

T. S. Eliot, no clássico ensaio “Tradição e talento pessoal” lembra o seguinte: “nenhum poeta, nenhum artista, tem a sua significação completa sozinho; seu significado e a apreciação que dele fazemos constituem a apreciação de sua relação com os poetas e os artistas mortos; não se pode estimá-lo em si; é preciso situá-lo, para contraste e comparação, entre os mortos; entendo isso como um princípio de estética, não apenas histórica, mas no sentido crítico.” Mais: “(o artista) deve estar absolutamente atento para o óbvio fato de que em arte nunca se aperfeiçoa, mas de que o material da arte jamais é inteiramente o mesmo.”

Teixeira e Sousa e Pedro Guedes se expressaram em diversos gene-ros, mas Waldemir Terra Cardoso se identificou com a poesia e Antonio Terra com a crônica. Em comum, tiveram as ideias no lugar, estavam antenados com o Brasil real, com o meio em que viviam, encararam a contingência, o ser localizado na história, no reino da objetividade, mas dela tiram o partido transcendente da subjetividade, da arte.

Teixeira e Sousa enxergou o negro como sujeito universal e não como mero instrumento de trabalho que a realidade do regime es-cravista apresentava. Viu, sem cores românticas, a ascensão social favorecida pela criminalidade. Pedro Guedes procurou entender seu tempo e a dividida sociedade cabofriense, reacionária o suficiente para interferir no princípio da escolha pessoal amorosa. Waldemir enxergou no pescador a beleza simples da vida e na chegada do forasteiro, ao se integrar à sociedade local, forma de superação do provincianismo.

Antonio Terra é o cronista do fim daquela sociedade cabofriense cujas raízes se prolongavam até o século XIX. Possivelmente, filho da mais tradicional família de Cabo Frio, Antonio Terra relata o de-saparecimento de uma época em que os valores giravam em torno das amizades e da alegria desinteressadas, do brilho individual em qualquer atividade, das histórias familiares e dos destinos, notada-mente do destino dos fracassados (onde Antonio Terra, ele mesmo se situava). Mas o nosso maior cronista era um saudosista sem ilusões. Para ele, o passado, com seu fascínio único, guardava um sabor digno de ser recriado. Isto lhe dava justificativa para escrever. Antonio Terra estava dentro mas sentia-se fora da sociedade. Este seu sentimento de deslocamento deu ao seu belo texto narrativo um caráter precioso e único em nossas letras.

Sem espaços e eventos, bandas têm vida curta

Para Davi Baeta, há poucos espaços em Cabo Frio para que os talentos na música autoral possam se apresentar.

“Temos uma matriz criativa forte, mas poucos espaços para dar vazão à música autoral de Cabo Frio”. A avaliação é do produtor cultural e músico Davi Baeta que há nove anos mantém um estúdio no centro da cidade.

Conhecedor do cenário musical de Cabo Frio e da Região dos Lagos, Davi Baeta observa que o modelo regional é dos mega eventos, em que os músicos locais ficam à margem, ou os alternati-vos, muito pequenos, produzidos pelos próprios músicos e pequenos produtores, como Matheus, Alan e Lucas.

“Há um verdadeiro abismo. Falta o espaço médio onde as bandas locais possam se apresentar. Isso é um problema da Região dos Lagos.”

Segundo Davi Baeta, o Rock Humanitário, gran-de evento musical produzido pelo professor Chicão, é uma exceção que confirma a regra. “As bandas locais tocam no show, mas muitas ficam de fora. Deveríamos ter mais shows desse tipo durante o ano porque tem uma molecada que depende dessa perspectiva.”

Para Davi Baeta, se Cabo Frio criasse através dos grandes shows, normalmente patrocionados pela Prefeitura, uma identidade musical, por exemplo, com o rock, ajudaria enormemente o desenvolvi-mento da música autoral da cidade.

“Rio das Ostras é um exemplo. Os shows inter-nacionais de jazz incentivaram os músicos locais. Temos em Cabo Frio gente talentosíssima que, no quadro atual, não tem muito por onde crescer. Uma característica de Cabo Frio é banda de jovens que tem vida curta, uma média de dois anos. A molecada quer participar de alguma coisa. Tem um potencial tremendo. Precisamos de uma gestão cultural que não direcione para o que está em voga, mas para a diversidade e ver o que se desenvolve mais.”

José Correia

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As singularidades de CABO FRIO

A primeira obra literária a citar nominalmente Cabo Frio (e sua feitoria) foi o livro “As Singularidades da França Antártica” de André Thevet (1502 – 1592), francês que visitou a Região dos Lagos durante a vigência deste projeto de colonização (capítulos XXII e XXIV). Aliás, Cabo Frio continua sendo, até o presente, um reposi-tório de inúmeras singularidades, das quais cito algumas nesta e nas próximas edições de Nossa Tribo. Assim sendo: você sabia que?...

A cidade de Cabo Frio foi fundada numa sexta-feira treze e na mesma data de fundação da feitoria?

De fato, Cabo Frio foi fundada por Constantino Menelau em 13/11/1615, que caiu numa sexta (talvez Menelau tivesse escolhido este dia da semana para poder emendar o fim de semana em Cabo Frio). Data agourenta, portanto, ainda mais por ter ocorrido em lua minguante. Aliás, a extinção da capitania de Cabo Frio e sua reincorporação à do Rio de Janeiro também ocorreu durante a lua minguante de um “halloween” (30/10/1749, um domingo), data igualmente sinistra.

Por outro lado, a feitoria de Américo Vespúcio foi inaugurada na mesmíssima data, por incrível coincidência, 112 anos antes, segundo as informações em seu livro, onde declara ter regressado a Lisboa, vindo de Cabo Frio, em 28/06/1504, após viagem de exa-tamente 11 semanas (isto é, 77 dias), tendo portanto partido em 13/04/1504. Adicionalmente, afirma ter permanecido na feitoria durante exatos cinco meses a partir de sua fundação, que portanto ocorreu em 13/11/1503, desta vez uma segunda feira. Na verdade, a probabilidade de ocorrer uma coincidência de datas como esta é maior do que se supõe à primeira vista, pois demonstra-se estatisti-camente que, por exemplo, se reunirmos ao acaso apenas cinquenta pessoas, a probabilidade de que duas delas aniversariem na mesma data é de 97 em 100 (três desvios padrões da média), ou seja, quase certeza absoluta.

O litoral da Região dos Lagos vem a ser um dos mais perigosos à navegação no mundo?

De fato, a costa da Região dos Lagos é do tipo “a bela e a fera” pois, a par de sua deslumbrante beleza cênica, apresenta, segundo os registros da Marinha de Guerra do Brasil, a frequência de um naufrágio a cada quatro anos e meio durante 272 anos, desde o “Rainha dos Anjos” em 1722 até o “Tunamar” em 1994 ao largo do Arraial do Cabo, no total de 58 sinistros, sendo 2 em Búzios, 6 na Massambaba, 5 em Ponta Negra, 9 em Cabo Frio e 36 (!) no Arraial, isto é, neste último caso, ao redor do cabo propriamente dito.

Luiz Carlos da Cunha Silveira

Porque decidi viver aqui!

Foi demais para o meu coração

Corria o ano de 1975, ano de minha formatura. Em junho, fui convidado a dar um plantão de final de semana no serviço de anestesia no Hospital Santa Isabel, por Dr. Mello, o chefe deste serviço à época, preci-sava viajar.

No sábado, o mo-vimento cirúrgico era nenhum e pude então, na hora do almoço, dar “um pulinho” na altura do Malibu para distrair-me.

O mar azul, a areia tão macia, a brisa da tarde, a vista que dali se descortinava, eram um verdadeiro refri-gério para o espírito. Que natureza fantástica! Quanta beleza! Como diria o poeta: “foi demais para o meu coração”! Voltei outros finais de semana, ainda a trabalho.

No Rio de Janeiro, onde residia, fazia parte dos serviços de anestesiologia do Hospital Central da Marinha e do Hospital Universitário Antonio Pedro, em Niterói. Cabo Frio não saía de minha cabeça, quase uma monoidéia.

Qual não foi a minha surpresa, quando uma noite, Dona Odaléia, esposa do saudoso Dr. Mello, telefonou-me convidando-me a trabalhar rotineiramente em Cabo Frio, mais precisamente no Hospital Santa Isabel. Caí das nuvens! Mandei-me de mala e cuia.

Esta foi a melhor das decisões que tomei em minha vida. Estou há 38 anos nesta cidade que, para mim, é o Éden.

Cabo Frio, tu me fizeste um privilegiado!

Dr. Mellinho

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As pérolas de Cabo FrioNascidas de feridas antigas, as duas bandas civis da cidade - Sociedade

Musical Santa Helena e Sociedade Musical 13 de Novembro - não têm seu valor reconhecido, mas seguem perpetuando sua história e música.

Quem gosta de uma boa história sabe que as duas primeiras bandas de Cabo Frio, conhe-cidas informalmente como Liras e Jagunços, não se davam. Houve caso de morte, inclu-sive. Apesar da violência, eram as duas que agitavam as comemorações na cidadezinha de antigamente, ainda na época do Império. Tanto nas festas sacras quanto nas de Carnaval e Ano Novo, lá estavam elas. Metais reluzentes, aperfeiçoadas embocaduras, punhos hábeis fazendo a marcação: tudo isso tornou-se pou-co para sustentar o encantamento percebido quando costumavam.

Quem continua a história são as bandas Sociedade Musical Santa Helena e Sociedade Musical 13 de Novembro. Os metais ainda es-quentam nos ensaios, as peles dos tambores ainda vibram. No entanto, algo mudou muito nesses anos. Agora já não são chamadas com frequência e recebem quando dá na telha do contratante. Sem palco ou cachê, como é que essas bandas continuam ativas?

Inversão de valores “Havia interesse tanto nas bandas civis

quanto nas marciais de Cabo Frio”, lembra o maestro Jorge Tardelli, que fundou as bandas da Escola Sagrado Coração de Jesus (1971), da qual ficou à frente por 33 anos, e a do Colégio Municipal Professor Edilson Duarte (1977). Ele conta que havia muitas bandas na cidade, como as das escolas particulares Santa Rosa

e Santa Rita, além das municipais Professor Edilson Duarte, 31 de Março, Luís Lindenberg, Rui Barbosa e a do Colégio Estadual Miguel Couto, fundada nos idos de 1969 e que, segun-do o mestre, “era um colosso”. Foi nessa banda que outro maestro começou seus estudos musicais na percussão. Aos 18 anos entrou na Santa Helena e começou no trombone e, hoje, Jessé Correa, filho do falecido maestro Jessé Correa de Menezes, já rege a banda há 15 anos.

Com o total de doze bandas (nove esco-lares, mais duas bandas locais e a da Guarda Municipal) se fazia um desfile colossal no aniversário da cidade. “O povo gostava, ficava entusiasmado, mas foi tudo se acabando, per-dendo espaço. Há alguns anos já não tem mais desfile. Uma tremenda inversão de valores foi mudando tudo gradativamente”, lembra Tardelli, com desprazer.

Antes, os políticos contratavam as bandas para realizar as funções (apresentações das bandas civis, retretas) e pagavam. Os festeiros das igrejas faziam o mesmo, e isso movimen-tava toda a engrenagem. Hoje a preferência é por músicos que estão na mídia, gravam CDs e DVDs e têm gravadora. Quando são contratadas, as bandas têm que cobrar um cachê baixíssimo (principalmente quando comparado ao das tais atrações famosas), deixando claro que ter utilidade pública e ser formada por músicos da terra não conta. Mas elas não desistem.

1840> Sociedade Musical Lira Luso-Brasileira (Partido Conservador), a Lira dos Conspiradores> Sociedade Musical Euter-pe Cabo-friense (Partido Liberal), os Jagunços

1907-1931Anos após o episódio do 1º de janeiro de 1907, quando morreu um Jagunço no meio da briga entre as duas bandas, foi formado o Grupo União Musical, com alguns membros das extintas Lira e Euterpe. Per-maneceu como sí�mbolo da paz e da concórdia, graças a hábeis dirigentes, até 1931, quando teve fim.

1937Fundação da Sociedade Mu-sical Santa Helena, compos-ta pelos alunos do maestro Clodomiro Guimarães de Oliveira.

1971Músicos dissidentes da Sociedade Musical Santa Helena formam a Sociedade Musical 13 de Novembro.

Marcela Maiques

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Nem só de dobrados vive a retreta Mesmo dispondo de um repertório moder-

no que passa longe das marchinhas antigas, as bandas não encontram espaço para tocá-lo. “Geralmente somos contratados para festas religiosas, então o povo só nos ouve tocando música sacra, mas não somos só isso”, defende Reginaldo dos Santos Mendonça, 29, que toca, dá aula e é presidente da 13 de Novembro, “tudo no amor”, segundo ele.

A banda Santa Helena não ficou para trás. Jessé conta que começou a aumentar o arqui-vo musical graças à internet. “A propagação da web melhorou muita coisa, pois a dificuldade das bandas do interior era ter músicas popu-lares, de compositores famosos para tocar. Há cerca de 14 anos comecei a fazer um apanha-do. Muita gente disponibilizou arquivos de partitura e comprei muitos arranjos em CD pela internet. Com isso melhoramos nosso repertório”, conta o maestro.

No entanto, há limites. “Aquele sistema an-tigo de banda não funciona mais, mas temos que manter as raízes”, afirma Tardelli, convic-to. “Temos um repertório de música popular bem atual, sem desprezar os dobrados, afinal, é pela execução deles que se identifica uma banda”, aponta o mestre, que hoje é maestro da 13 de Novembro. Ele dá o exemplo da banda macaense Nova Aurora, que tocava dobrado clássico, sinfônico, popular e militar.

“Agora eles se modernizaram e não to-cam mais dobrado algum. É uma banda boa, já virou uma espécie de orquestra, tem até violino. Quando tocam o repertório clássico usam uma indumentária que parece fraque. Estamos tentando seguir modernos sem desprezar as raízes. A Santa Helena também. Ainda toca um dobrado ou outro, o que é importante”, finaliza.

Preço defasado e descaso Se no tempo dos Liras e Jagunços era a

posição partidária do festeiro que definia qual banda seria contratada para tocar, atualmente já existe um acordo de cavalheiros entre as duas guerreiras – que nem sempre é respeita-do, o que causa rebuliço, mas logo se acalma. Se hoje as bandas quisessem alfinetar uma a outra tocando “Cara de gato” de um lado, tendo resposta certa de “Cara de cão” do outro, só seria possível uma única vez ao ano, na Festa da Nossa Senhora da Assunção, e olhe lá.

Ambas as bandas cobram R$ 2 mil por função, o que dá em média R$ 80 por músico e 10% para o caixa da banda. Jessé Correa afirma que o valor não é reajustado há cerca de seis anos.

“Todo ano colocamos a orquestra de Cho-ro fazendo a abertura da Semana Teixeira e Sousa e depois toca a banda de música. Olhei o contrato desse ano e pagariam mil reais para

dividir entre 18 músicos. Disse que o mínimo era de R$ 2 mil, mas ficamos em R$ 1.500. Era isso ou não tocar. Depois de acertar o valor, vi que não havia data para o pagamento ser efe-tuado. Aí reclamei novamente, mas ficamos sem resolver. Depois, por acaso, descobri que todo mundo recebeu na hora, menos as ban-das. É muito descaso”, lamenta Jessé.

Reginaldo enfrentou problema parecido com a 13 de Novembro. “Já ofereceram R$ 1.500 dizendo que era valorização da prata da casa. Temos medo de falar em aumento e todo mundo desistir de contratar”, conta. A banda já realizou três funções esse ano, mas ainda não conseguiu receber por nenhuma delas.

Nada é de graça nessa vida Qualquer um que vá interessar-se por um

instrumento de sopro, por exemplo, há de desembolsar uns bons R$ 700, sem dó. E se tiver de trocar o bocal por questão de adapta-ção, digamos, vão aí mais uns R$ 140. Pense em toda a banda, todas as correias, bocais, baquetas, uniformes, transporte, pagamento aos músicos, ao maestro, as contas de luz e água, documentos, inscrições em concurso, manutenção e outros gastos que certamente existem. De onde vem o sustento de tudo isso? No caso da Sociedade Musical Santa Helena e da Sociedade Musical 13 de Novembro a pergunta mais adequada é: o que os move?

“É por amor que a gente vem. O dinheiro passa longe”, conta Reginaldo. A 13 de No-vembro já completou 41 anos de fundação e passa por uma das épocas mais difíceis de sua história.

“Conseguimos nos manter até hoje com o que sobrou do aluguel da creche que fun-cionava no andar de baixo, até o fim do ano passado. Foi o que segurou até agora. Já tenta-mos alugar para excursão e fazer o gramado da frente de estacionamento para conseguir pagar as contas”, revela Reginaldo.

Banda da Sociedade Musical Santa Helena, sob a regên-cia do Maestro Jessé Correa, que em 2012 completou 75 anos de existência.

“Meu pai era o maestro e eu o contra-mestre da Santa Helena. Quando ficou doente eu fui aju-dando e, aos poucos, me inserindo como maestro. Ele faleceu às vésperas de uma apresentação num concurso estadual e tive que assumir, tomando muita cachaça com mel para conseguir enfrentar (risos). Poucos dias depois veio o Sete de Setembro e tive que participar de tudo.” Jessé Correa

O maestro Tardelli, ma-caense, regeu a banda da Sociedade Musical Nova Aurora, em sua cidade natal. Em 5 de junho de 1981 se tornou maestro da 13 de Novembro, mas já regia a banda há algum tempo. Em maio de 2001 desentendeu-se com a diretoria e voltou a Macaé, para a Nova Aurora. Em 2004 foi convidado a tocar trompete na Banda Santa Helena, onde toca até hoje. O tempo passou e a dire-toria da 13 de Novembro foi renovada, solicitando o retorno do maestro. Ele aceitou e está lá desde março de 2010.

A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu/ A lua cheia que vivia escondida surgiu/ Minha cidade toda se enfeitou/ Pra ver a banda passar cantando coisas de amor.

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Quando o instrumento precisa de algum reparo o presidente tira da “caixinha”, mas ela só vai esvaziando. “Na hora em que acabar vai ser mais difícil, e fechar a 13 de Novembro vai ser pior. As contas vão continuar chegando”, reflete Reginaldo, ainda sem saber como conseguirá o sustento da banda nos próximos meses.

Mais antiga, já com 75 anos de fundação, a Sociedade Musical Santa Helena conta com infraestrutura de fazer inveja, mas não é o suficiente. Seu amplo salão de baile, com o suporte do pátio, banheiros e um bar, dão dinheiro quando alugados, mas para por aí. Conseguir realizar um evento da banda é mais difícil e o dinheiro não entra. “Falta apoio. Fazer um evento custa em torno de R$ 5 mil e não temos como fazer isso por nossa conta”, explica o presidente da Sociedade Musical Santa Helena, José Vieira dos Santos Filho. No cargo há 21 anos, ele fala do seu amor pela banda e sua dedicação altruísta. “Nasci na Santa Helena e ela vive diariamente no meu coração. Seguimos com muito sacrifício, sem apoio de ninguém. Não nos dão o merecido valor”, desabafa. Vieira também toca na banda e dá aula de sax tenor, sax alto e clarinete, de graça.

À procura de motivação O leitor já deve ter percebido que a lógica

das bandas funciona assim: os músicos prepa-rados se apresentam e, com isso, atraem novos alunos para a escola de música e são chamados para tocar em outras oportunidades. Enquanto isso, os alunos da escola evoluem almejan-do tocar na banda, podendo se apresentar também, e o ciclo recomeça. A motivação vem da oportunidade de apresentar o que foi ensaiado durante meses, e antigamente isso funcionava bem.

“Em 1968, quando cheguei aqui, vindo de Santo Aleixo (em Magé, onde regia duas bandas), a Festa da Padroeira tinha três bandas de música, cada uma em um coreto. Havia o leilão de prendas e quando terminava um lance, a banda tocava. Valsas e dobrados animavam tudo”, lembra o maestro Tardelli. Isso acabou. Segundo o mestre, naquela época havia uma profusão de alunos querendo ser músicos. Agora, sem ter onde tocar, as bandas não despertam interesse nos jovens. “Quando tocamos é geralmente música sacra em uma procissão rápida, e isso não tem apelo. A ten-dência é acabar porque ninguém mais quer aprender e os músicos antigos vão morrendo. A 13 e a Santa Helena estão assim, com poucos músicos e sem ter lugar para tocar. Não há incentivo”, lamenta Tardelli.

Se para Jessé já é difícil fazer a parte jovem da banda acordar cedo aos domingos para

ensaiar, sem ter apresentação marcada fica tudo muito pior.

“Uma parte trabalha, outra não acorda. Se não tiver função, eles pensam ‘ah, vou ensaiar para quê?’, e começam a faltar. Aí tenho que ser rígido, pois se eles não tocam, perdem qualidade individual. Aí a banda perde como um todo, e isso não pode”, explica o maestro.

Se os novatos estão bambeando, os vete-ranos não têm dado o exemplo. “A gente nota que os músicos antigos quase não ensaiam. Temos que, praticamente, implorar para virem ensaiar. E não tiramos a razão deles, mas é difícil”, comenta Tardelli.

Esperança nos jovens O último suspiro de ambas as bandas es-

tará longe enquanto houver alunos em suas escolas de música. Aulas de teoria musical, solfejo e dinâmica de grupo são lecionadas gratuitamente e os instrumentos são cedidos pelas sociedades musicais.

“Os pais trazem os filhos para ter aulas co-nosco, mas se não estamos nos apresentando, não conseguimos acompanhar essa geração e vamos ficando para trás. Essas aulas são gratuitas e nós frequentamos por vontade própria, de segunda a quinta-feira. Primeiro a parte teórica, depois o instrumento, como deve ser”, aponta Jessé.

Reginaldo afirma que levou oito meses para aprender teoria musical e mais oito para ficar bom no trompete, mas garante que hoje isso é mais rápido. “Em cerca de dois meses o aluno já sabe a teoria e o resto depende só dele e do seu esforço. Não existe instrumento fácil nem difícil. No meu caso, a demora toda se deu porque entrei na banda como castigo por ir mal na escola. Meu pai disse que se não queria estudar, teria que aprender música. En-graçado é que hoje não consigo me ver longe disso tudo que é a 13 de Novembro para mim”, explica o músico.

Na escolas de música o que não falta é vaga. Segundo Reginaldo, na 13 a procura é que está devagar. “Quando os alunos veem que a banda quase não toca, desanimam. Não têm perspectiva. Hoje são 12 alunos tocando e sete na aula de teoria. Depois do recesso de final de ano (entre o Natal e o Carnaval), os alunos somem. Quando telefonamos, eles já entraram em algum cursinho de idiomas ou alguma outra atividade. Aí temos que buscar os instrumentos e recomeçar”, descreve a luta por novos integrantes.

De acordo com Jessé, houve uma profusão de bandas nas igrejas evangélicas, mas o méto-do usado por eles difere daquele que a banda civil necessita.

“Lá é uma coisa imediata, não dão aula para deixar o aluno instruído e tocar em qualquer

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Mas para meu desencanto/ O que era doce acabou/ Tudo tomou seu lugar/ Depois que a banda passou.

“Temos medo de falar em aumento e todo mundo desistir de con-tratar”Jessé Correa

Michael Jackson, Luan Santana, Roberto Carlos, Steve Wonder, Toquinho, Viní�cius de Moraes, Tim Maia e Alcione estão no repertório da 13 de Novembro. (Foto)

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lugar. Agora os maestros mandam os garotos estudarem aqui. E eles chegam dizendo que sabem, mas damos a partitura e não leem nada. Todos estão começando do zero para poder tocar alguma coisa”, revela o maestro.

E não adianta chegar apaixonado por de-terminado instrumento se a vocação é para outro. Célio Guimarães lembra do caso de um aluno do seu pai, o maestro Clodomiro Guima-rães de Oliveira, lá no início da formação da Santa Helena (quando ainda ensaiavam numa barbearia). Custódio Sherman “era vidrado no pistom” e, como ia bem nos estudos musicais, ganhou um novinho do seu pai. Ao soprar suas primeiras notas pelo bocal, saíram esquisitices desafinadas e mesmo com muito treino não deu jeito, mas continuou. Numa troca-troca (quando os alunos variam de instrumento entre si), tomou o clarinete do colega empres-tado e logo o ouvido do maestro percebeu a diferença. Custódio havia encontrado seu instrumento (ou o contrário, não se pode dizer com certeza) e atinou-o para sua vocação. Daí veio a se tornar um exímio clarinetista, “se não um dos melhores da baixada”, como escreveu Célio Guimarães em seu livro “Trajetória da Sociedade Musical Santa Helena”.

Fruto do esforço Levando o nome de Cabo Frio para todo

o Brasil, o músico Gabriel Leite, 24, é grato à Sociedade Musical 13 de Novembro, onde iniciou seu estudo musical em 1998, aos 9 anos de idade.

“Por não ter tamanho para aprender qual-quer instrumento, comecei pela Requinta (pequena clarinete, bem mais aguda) e com menos de um ano de estudo teórico e prático, já estreei no dia 13 de Novembro do mesmo ano. Em 1999, já era solista da banda e par-ticipei em dois Concursos de Bandas Civis, promovidos pela FUNARTE, onde consegui-mos uma segunda e uma terceira colocação”, relembra Gabriel, que durante essa época já ajudava na formação de novos músicos nas aulas de música da 13 de Novembro.

Conforme foi amadurecendo e crescendo, aprendeu clarinete, a família dos saxofones (soprano, alto, tenor e barítono) e por último a flauta transversal. Daí teve início sua carreira como músico, começando a acompanhar, por volta do ano de 2004, artistas da região, escre-vendo arranjos, gravando e se apresentando ao vivo com eles. Em 2009 lançou seu trabalho solo em um DVD Release no Teatro Municipal de Cabo Frio, chamado MEU INFINITO.

“Em 2011 gravei um DVD de fato, lançan-do minha carreira de multi-instrumentista em nível nacional, com versões de músicas do Guilherme Arantes (inclusive com a par-ticipação dele), músicas minhas e clássicos da MPB. Hoje, com esse trabalho, viajo o Brasil

Sociedade Musical Santa Helena Aulas de teoria musical e solfejo, sax soprano, sax tenor, sax alto, clarinete, requinta, trombone, bombardino, tuba e pistom às segundas, terças e quin-tas-feiras, começando às 18h30, com duração variável entre 1h e 2h. Rua 13 de Novembro, nº 282, Centro - Cabo Frio.Telefone: (22) 9945.7915. Sociedade Musical 13 de Novembro Aulas de teoria musical, solfejo, dinâmica de grupo, trompete, clarinete, flau-ta transversal, sax alto, sax tenor, bombardino, trombone de pisto, bombar-dão e trombone de vara, às quintas e sextas-feiras, das 18h às 20h. Facebook: www.facebook.com/SociedadeMusical13DeNovembro Rua Jorge Lóssio, nº 10, Vila Nova – Cabo Frio. Telefone: (22) 9893.4272.

divulgando a música instrumental e podendo trabalhar com grandes nomes como Carlinhos de Jesus, Guto Graça Mello e Mário Meirelles”, conta o jovem, que serve como exemplo e mo-tivação para os músicos que começam agora sua jornada nas bandas de música civis em Cabo Frio. Gabriel estará mais presente nos ensaios da 13 para incentivar seus alunos e outros músicos que começaram a estudar lá.

“Estamos acreditando que esse é nosso ano. Tenho o pressentimento de que em 2013 vamos mudar esse cenário ruim. Se nós conseguir-mos, a Santa Helena vai correr atrás também e vai começar aquela disputa gostosa, onde todo mundo evolui”, torce Reginaldo.

O maestro Tardelli, que leva um pingente de clave de sol dourado no pescoço, e logo abaixo um crucifixo de madeira, acredita que “se as bandas tiverem espaço conseguem reconquistar todo mundo”. E devemos agir como ele, mantendo o brilho da música e a certeza da fé.

Galeria de fotos dos presidentes da Sociedade Musical Santa Helena.

E cada qual no seu canto/ Em cada canto uma dor/ Depois da banda passar/ Cantando coisas de amor.

Filho de um dos funda-dores da Banda Santa Helena, Célio Mendes Guimarães conta a histó-ria dos Liras e Jagunços, entre outras, no livro “Trajetória da Sociedade Musical Santa Helena”.

Aulas nas escolas de música

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O hino oficial eos outros hinos

Que o autor do hino ofi-cial de Cabo Frio é Victorino Carriço ninguém tem dúvida. E se tiver dúvida, o sempre vereador das causas culturais perpétuas de Cabo Frio, Acyr Rocha, garante que a Câmara nos anos de 1970 aprovou e o prefeito sancionou o hino de Victorino Carriço como o oficial.

Quem não sabe cantar este belo hino e não tem na ponta da língua a mensagem que se tornou um verdadeiro slogan de nossa cidade: “fo-rasteiros, não há forasteiros, pois nesta terra todos são iguais”? Este é o consagrado hino de Cabo Frio, o de Vic-torino Carriço, cantado em solenidades oficiais ou não, assim como nas escolas do município. Mas o que poucas pessoas sabem é que é prodi-giosa a produção de hinos e canções em homenagem a Cabo Frio.

Esta história de hinos co-meçou há quase cem anos, lá em 1915, quando Antonio da Cunha Azevedo, conhecido como Nico Félix, escreveu a letra, e José Moreira Loyola, a música, do que se considera ser o primeiro hino de Cabo Frio. Em 1915, a cidade co-memorava 300 anos de fun-dação, com a representativa inauguração de um obelisco na Praça Porto Rocha.

O historiador cabofriense Hilton Massa em seu livro “Cabo Frio nossa terra, nossa

gente” (1967) interpreta o hino de 1915 como o “sôro do bom senso”, quando naquele momento lideranças políticas procuravam abrandar a luta que rachava a sociedade ca-bofriense entre Liras e Jagun-ços. A letra realmente fala em “Caminhemos sempre unidos,/ Resolutos, destemi-dos, para o Porvir encontrar/” e ainda mais: “Tenhamos fé e firmeza/ Em comum vamos agir,/ ‘Façamos um só parti-do’/ Para ter um só sentido:/ Cabo Frio, progredir.”

A cabofriense Maria da Penha Valentim de Azevedo (foto), 83 anos de idade, que sabe cantar todos os hinos de Cabo Frio, já contabilizou seis hinos e canções em homena-gem a Cabo Frio.

“Além do primeiro hino, o de Nico Félix, tivemos o hino de autoria de Adélia Lin-denberg Bulcão, o de Cláudio Machado, as canções do meu irmão Luiz Francisco Valen-tim e a de Cacilda Santa Rosa, e depois o hino de Victorino Carriço”.

Esses hinos e canções foram cantados em suas épo-

cas. Penha Azevedo observa que no Clube Tamoyo todos eles foram cantados. E que na escola Santa Rosa, de Elzinha Bernardo, o hino de Nico Félix foi cantado pelos alunos. Ela lembra que uma vez Cláudio Machado lhe disse: “Muita gente conhece esse hino, mas pouca gente sabe que é de minha autoria.”

Entretanto, diante tantos hinos e canções em homena-gem a Cabo Frio, por que o hino de autoria de Victorino Carriço, criado nos anos de 1960, foi o que vingou?

“Porque é um hino fácil de cantar e que se tornou po-pular”, avalia Penha Azevedo. Segundo ela, Victorino Car-riço também foi feliz com o hino do Clube Tamoyo, bonito e fácil de cantar. Mas Penha Azevedo vai contra a maré.

“Não posso negar porque o primeiro é sempre o primeiro. Mas, para mim, o hino oficial é o de Nico Félix”, afirma Pe-nha Azevedo, reconhecendo a posição inequívoca do hino de Victorino, mas valorizando a precedência. (Texto e foto: José Correia)

A cabofriense Maria da Penha Valentim de Azevedo sabe cantar todos os hinos de Cabo Frio. Embora defenda que o hino de 1915, de Nico Félix, seja o oficial por ter sido o primeiro, ela reconhece que o hino de Victorino Carriço é mais bonito e fácil de cantar.

Seis hinos e canções homenageiam Cabo Frio desde 1915. Mas o hino de Victorino Carriço é o oficial.

história reavivada

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Em 10 anos dobrou o númerode aposentados em Cabo Frio

O professor Marco Antonio Lopes Faria de Souza (foto), co-ordenador do Curso de Administração e Ciências Contábeis do campus de Cabo Frio da Universidade Veiga de Almeida, apre-sentou sua dissertação de mestrado em fevereiro sobre o com-portamento de consumo do aposentado idoso em nossa cidade. Este é seu tema nesta entrevista.

Desde o ano de 2000, cresceu em Cabo Frio o número de aposentados que moram na cidade. Segundo sua pesquisa, que tipo de aposentado a cidade gerou, no sentido daquele que trabalhou no mercado local e não veio de fora?

Comparando os dados do censo do IBGE-Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a população idosa de Cabo Frio cresceu em proporção bastante acentuada. De acordo com o censo de 2000, Cabo Frio tinha uma população de 126.828 habitantes para uma popu-lação de 9.586 residentes com idade superior a 60 anos, o que correspondia a 7,5%. Em 2010, a população cresceu para 186.227 habitantes, um cresci-mento de 46,8%, enquanto a popula-ção acima de 60 anos aumentou para 20.112 individuos, o que corresponde a um crescimento de 100,9%,. Este crescimento se explica pela corrente migratória de aposentados que se fixam em nossa cidade.

Quanto ao aposentado que teve sua origem na própria cidade, há que se observar que o maior empregador do município é a Prefeitura, que tem seu sistema próprio de Previdência, o IBASCAF. Os demais empregadores, em sua grande maioria, são micro e pequenos empresários, cujos emprega-dos, quando se aposentam, terão suas aposentadorias calculadas de acordo com a legislação previdenciária que, ao longo do tempo, irá se defasando.

Não se pode deixar de citar que existem na cidade os trabalhadores do setor bancário, do judiciário e outras categorias de servidores públicos, que estarão enquadrados nos beneficiários com aposentadorias elevadas.

Cabo Frio é um ótimo lugar para que tipo de aposentado?

Por culpa da Legislação Pre-videnciária, criou-se no Brasil duas categorias de cidadãos apo-sentados: o aposentado servidor público e o aposentado da Previ-dencia Geral. Estas duas categorias existem em qualquer município brasileiro. Portanto, a cidade vai ser boa para se viver desde que ofereça uma boa qualidade de vida para seus cidadãos. A vantagem que poderia identificar nossa cidade é a qualidade de vida que ainda pode ser usufruída por qualquer cidadão. Cabo Frio é procurada por aposentados de outras regiões, principalmente da cidade do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, que tem uma aposentadoria elevada e, com esta condição, podem con-tinuar a manter o mesmo “status” que mantinham enquanto na ativa.

A corrente migratória que buscou Cabo Frio para viver esta nova etapa da vida é exatamente o servidor público, principalmente do judiciário, do legislativo, execu-tivo federal e ex-funcionários de empresas estatais, que, por terem suas aposentadorias mantidas como na ativa, se permitem con-servar o mesmo padrão de vida que sustentavam em suas cidades de origem.

Até que momento o aposentado de Cabo Frio da Previdencia Geral pode permanecer em sua própria cidade?

Se por um acaso um aposentado achar que aqui não está bom, em outro lugar vai estar pior. Aqui na cidade ele já construiu sua vida, tem suas raizes, a grande maioria tem sua casa própria, adquirida antes da especulação imo-biliária que tomou conta do mercado de imóveis da cidade. É preciso dizer também que se unitariamente o valor da aposentadoria da Previdência geral é baixa, seu somatório representa um alto valor de circulação de riquezas para a economia local.

O aposentado da Previdencia Geral continuará a depender do mercado informal?

Hoje, o aposentado que retorna ao mercado de trabalho formal paga para trabalhar. Ele é obrigado a recolher para a previdência sem ter nenhum benefício como retorno. Na verdade, a contribuição à Previdência passa a ser um imposto, o que pela Constituição é incorreto. O aposentado que volta ao mercado de trabalho deve continuar no mercado informal. Com a legislação atual, ele irá desembolsar para o go-verno parte de sua remuneração sem retorno. É perda mesmo. Na realidade, a aposentadoria no Brasil para alguns é prêmio, para outros, é castigo.

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Cabo Frio é procurada por aposentados de outras regiões pela qualidade de vida que oferece. Marco Antonio Lopes“

Quatro perGuntas

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Um sítio aonde os amigos mortos viram árvores

Milton Roberto e amigos mostram a árvore que agora é homenagem ao Padre José Júlio. Filóso-fos da antiguidade, como Platão, acreditavam nisso, num movimento cí�clico da alma humana - a metempsicose - que, depois da morte, o ser humano pode transformar-se, por exemplo, em uma árvore.

O sítio fica em São Jacinto, Cabo Frio, a 13 quilômetros do centro da cidade. Toda a quinta-feira, amigos e convidados do empresário Milton Roberto, que é o proprietário do sítio - também homem do comando do turismo da Prefeitura -, reúnem-se em torno da amizade e da conversa, que pode ser sobre qualquer assunto, menos sobre política. Uma tabuleta no meio do salão arejado, avisa: “Va-mos brincar... tomar uma... e conver-sar... Política lá”, seguido de uma seta que aponta para “lá”, lá fora do sítio.

Quando cheguei, convidado por Milton, amigo de militância no Par-tido Socialista Brasileiro lá nos anos de 1980, alguém informa que o pre-feito Alair Corrêa havia passado pelo sítio minutos antes. Outro amigo de Milton logo sacaneia: “Cuidado, você já foi visto comprando lancha com Marquinho Mendes e agora com o ex-secretário de Cultura aqui não vai dar certo!” Milton apenas sorri.

Em volta da mesa, começa-se a be-liscar algumas carnes e, entre outras bebidas, faço opção pela Heineken. “A Heineken aqui é lei porque temos muitos diabéticos e esta é a cerveja que não tem açúcar”, propagandeia Milton. Alguns amigos de Milton vão chegando e os assuntos se diver-sificando, como parece ser a filosofia dos encontros.

“Estamos aqui para jogar conversa fora. Por isso é que mulher não entra”, afirma um dos participantes.

Milton, ao lado de outros amigos, me mostra o sítio que ele comprou em 1981.

“Meu sogro pernoitava aqui num barraco, onde tudo começou há mais

ver para crer

José Correia de 30 anos. Com o tempo fomos fazendo algumas melhorias, ade-quando, até construirmos em 2003 uma casa em estilo colonial. Minha mulher Nazareth e os meus filhos vêm constantemente aqui, que fica a apenas vinte minutos do centro”, afirma Milton Roberto.

Conversando, caminhamos até à florestinha que reúne árvores planta-das em homenagem a amigos mortos.

“Temos aqui ipê roxo, lima da persia, pau-brasil, que plantamos para homenagear os amigos que partiram. Aqui estão Adolfo Toani, artista plásti-co, dr. Ricardo, delegado, Gentil Faria, historiador, Orlando Campanatti, em-presário, o padre José Júlio e Torres do Cabo, artista plástico”, conta Milton Roberto, mostrando onde as árvores estão localizadas.

“Mas por que o sítio tem esse nome de ‘Pera lá, caralho!’?”, pergunto.

“Você vai escrever isso?”“Claro, Milton, é o nome real do

sítio e a revista não tem esse precon-ceito”, afirmo.

“Era uma expressão que o amigo Gentil Faria usava para tudo aquilo que para ele parecia não ser bom.”

“Sim, mas aí na placa do sítio a palavra mais forte está coberta por uma seta”, provoco.

“Claro, aqui na frente passam pastores, senhoras e crianças.”

Para fazer parte do grupo de amigos do “clube” existem regras já estabelecidas.

“Tem de mostrar interesse e vir pelo menos três vezes. Depois, a dire-toria julga a entrada do novo membro no bar do Zé Américo. Já tivemos caso de exclusão. O sítio é um encontro de amigos em que respeitamos as diferenças. Cada um faz a sua oração, de coração”, diz com bom humor Milton Roberto.

Participantes do encontro de quinta-feira que termina em apostas de “porrinha”. São os seguin-tes os membros da diretoria: Milton Roberto, Tony Flu, Paulo Macaco, Pedrão, Zé Américo, Gil-mar Brochini, Gilmar Marinha, Bidu, Macarrão, Gilson Pastor, Marcelo Codorna, Sérgio Cabeludo, Dinho, Aliomar, Facury, Jefferson, Tony Campos, Guilherme, Sérgio Cabeludo, Jaldir Retro e Luiz Macedo.

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ANOITE.COM > Na última terça-feira dos meses de maio, jun-ho e julho, sempre a partir das 18h, acontece na Livraria do Boulevard, no centro de Cabo Frio, encontros culturais. Dia 28 de maio é com Célio Mendes Guimarães que fala sobre sua obra. Dia 25 de junho, José Correia fala em homenagem aos 100 anos de nascimento de Antonio Terra e no dia 30 de julho, Yone Nogueira tem a palavra. Os encontros são abertos ao público.

“Erudito é um sujeito que tem mais cultura do que cabe nele.”Millôr Fernandes

{Sob nossa MIRA}

Recebemos da jornalista Elena Rose-cler Borges Corrêa, que está chegando a nossa cidade, um texto sobre o tema que abrimos na edição de Nossa Tribo de março/abril. Seja bem vinda, a nova cabofriense Elena Borges e sua família. A seguir, a opinião dela sobre quem é o cabofriense:

“Estou morando com meu marido em Cabo Frio há pouco mais de um mês e estamos tão extasiados com a qualidade de vida e o tipo de trata-mento que vimos recebendo de todos os moradores que já estamos nos sentido senão cidadãos cabofrienses, fortes candidatos a tal.

Tirando o quesito quem nasceu ou quem adotou a cidade, desde que chegamos aqui temos encontrado uma hospitalidade e uma generosi-dade raras em muitas cidades. Meu marido é paulistano, eu sou gaúcha e filha de militar, portanto morei em muitas cidades pelo Brasil, vi de tudo um pouco e fico impressionada com as pessoas que tenho encontrado em Cabo Frio.

Só como exemplo, na noite em que chegamos de mudança, diretamente de Copacabana, no Rio de Janeiro, fui a um armazém perto de nossa casa, na Ogiva, comprar garrafas de água, pois não tínhamos filtro. Sem saber que os donos do estabelecimento, Seu Silva e Dona Marise, não traba-lhavam com cartão de crédito, fiquei constrangida ao dizer que não estava com dinheiro vivo. Na mesma hora, eles disseram que poderíamos pagar depois e que poderíamos procurá-los para qualquer emergência. Além do simpático casal, logo fizemos amizade com o Zé, há 23 anos dono de um dos quiosques mais antigos da Praia do Peró; com a Alessandra e o Jorge, há 8 anos investindo em outro quiosque na mesma praia; o Alberto, técnico da Sky; o Fábio, da loja de cortinas e telas que não tentou nos ludibriar na negociação; o Fernando, um apaixo-nado por marcenaria que nos atendeu

com a maior atenção; o simpático e competente Mineirinho estofador, e o Jonnhy e o Gilmar, funcionários dedicados do nosso condomínio. To-das pessoas de primeira qualidade, de uma generosidade incomensurável e de uma alegria de viver e de um prazer com aquilo que fazem con-tagiantes. A maioria não nasceu em Cabo Frio, mas adotou a cidade como sua de coração. E é isso que, a meu ver, faz a diferença.

Para mim, cabofriense é todo aquele que sabe se auto definir como fez um atendente de uma peixaria no Centro da cidade quando dissemos que ele já deveria estar rico com o movimento de peixes no estabeleci-mento: ‘Somos todos milionários! Só por morarmos num lugar em que existem praias maravilhosas como es-sas, já devemos agradecer a Deus por termos essa riqueza a nosso alcance’. Não perguntei onde ele tinha nascido. Mas, para mim, essa foi a melhor defi-nição de um verdadeiro cabofriense.” (Elena Rosecler Borges Corrêa)

e-mail

NA IMPRENSA > No dia 12 de janeiro de 1907, a revista humorística “O Malho” do Rio de Janeiro publicou esta charge de Artur Rocha satirizando a violência políti-ca em Cabo Frio entre Liras e Jagunços. A pesquisa é de Rose Fernandes e a indicação foi de Célio Mendes Guimarães em seu liv-ro “A tajetória da Sociedade Musical Santa Helena”.

ARTE EM SI-BEMOL > Um coletivo de 17 jovens artistas de Cabo Frio acaba de criar a “Arte em sibemol”, galeria online de todo o tipo de arte, como música, texto poesia e desenho, que reproduz a criatividade contemporânea. Outras informações pelo www. facebook.com/arteemsibemol.

QUEM É OCABOFRIENSE?Em busca de uma definição

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A beleza primitiva

Meu Diário

Gosto muito da frase de Picasso, “leva-se tempo para ser jovem”. A gente que já bem passou dos 50 anos - o poeta Victorino Carriço dizia que depois dos cinquenta a gente não faz aniversário, só adversário - tem a tendência a ser mais tolerante sobre os mais diversos assuntos e sobre a mais diversa gente. Mas não seremos compreendidos por quem está em idade muito abaixo de nós, porque nós, também, mesmo suavizados pela vida, já fomos preenchidos, corrompi-dos pelo tempo, e esta é a diferença. O tempo nos torna jovens com a tempera de ir em frente por uma necessidade de sobrevivência. Porque avançamos pelo imperativo categórico de não haver mais volta. Nos tornamos jovens (resgatando o “sem noção” da natureza humana) não para os jovens, mas para nós mesmos e para aqueles que eventualmente possam estar conosco por afinidade.

Mas não é sobre esse rejuvenescimen-to que nos fala Picasso o que me atrai a refletir sobre o tempo recriativo. E sim sobre aquelas passagens de nossa vida, muitas vezes tão inexpressivas, tão sim-ples, mas que nos dão a medida de uma época, de um tempo em que vivemos e que nos acrescenta.

Um tempo de minha adolescência não guardo pelo conforto que tive, mas pela solidariedade que meu pai, portu-guês, fazia questão de que participásse-mos. A água era então verdadeiramente o líquido precioso nos anos de 1950 e 1960. Quando chegava em determina-dos dias da semana, a frente de nossa casa em Niterói ficava cheia de pessoas, dezenas e mais dezenas de pessoas que desciam do morro, de manhã até ao fim do dia, com suas latas de 20 litros, en-chendo-as de água para depois colocá-las sobre um pano enrolado na cabeça de volta às suas casas. Ficava orgulhoso por sermos os únicos na rua a fazer o que era recriminado pela vizinhança de bagunça

e ao mesmo tempo envergonhado por ver adultos, adolescentes e crianças equili-brando na cabeça a água que deveria ser um bem acessível a todos (provavelmente não articulava meu pensamento desta maneira, mas este era o sentimento). Não havia nem revolta nem queixa, mas uma primitiva alegria aquiescente entre todos.

Mais tarde, nos anos de 1990, já viven-do há 12 anos em Cabo Frio, quase toda a semana descia para Niterói refazendo uma banda que tive com amigos em uma certa época (a base era, eu, na guitarra, Leonardo Karap, ao piano, e Jorge Abreu, no baixo e, dependendo da múscia, tam-bém na guitarra). Passamos uns cinco anos dos anos de 1970 ensaiando músicas de nossa autoria na sala da casa dos pais romenos de Leonardo, no Ingá. Tocáva-mos bem, mas para ninguém. Passamos a tocar depois, nos anos de 1990, em um estúdio em Piratininga. Ia então para Niterói de ônibus. De Cabo Frio a Bacaxá e dali para Niterói. Era uma economia que fazia de passagem (ao contrário de se fosse na linha direta Cabo Frio-Niterói) e de gasolina no carro. No final do mês dava para comprar uma boa garrafa de vodka sem consciência de culpa.

Voltando ao tema de hiatos em nossas vidas que na verdade são uma exuberante fonte de impressão, ali em Bacaxá me servia de um bar onde havia um banheiro para me restabelecer da viagem, eventual-mente alguma coisa segura para comer, mas via em um intervalo o espetáculo da vida num banal dia-a-dia. Na volta para Cabo Frio, aos sábados, descia novamente em Bacaxá e no ônibus invariavelmente encontrava crianças com suas latinhas de amendoim aquecidas por carvão em direção a Araruama. Uma ou outra vez puxei conversa para conhecer a história de vida entre as crianças e sempre havia um adulto que as explorava no negócio.

Mas o que imprime a recordação pre-ciosa é que há uma repetição de vida sem revolta porque comum, o roteiro de um destino admitido como prédeter-minado. Quando, por exemplo, as crianças vendem amendoim, achando ser mais uma missão que uma exploração, e têm a simples alegria de poderem com sua mão de obra comprar um desejado saco de pipo-ca como uma recompensa, é um tempo primitivo que você assiste, mile-narmente à margem das mudanças. Leva-se tempo para a humanidade sair de sua juventude. E percebo que há nisto uma certa beleza.

Em Bacaxá, crianças pegam o ônibus para vender amen-doim em Araruama.Há sempre um adulto as explorando. Mas o que move a alegria dessas crianças é simplesmente comprar um saco de pipoca.

José Correia

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MemóriaHá 91 anos, o vôo pioneiro Portugal/Brasil nos céus de Cabo Frio e da Região

Registrotelegráfico

O diário “O Fluminense” - por nós pes-quisado em Niterói - estampava em pri-meira página no domingo, um dia depois da chegada dos aviadores portugueses ao Rio (dia 17 de junho de 1922), ampla matéria sobre aquele vôo pioneiro, publi-cando também os telegramas recebidos de Cabo Frio, Saquarema e Maricá, que acompanharam a passagem do hidro- avião, que abaixo transcrevemos.

Cabo Frio, 17 - Devido à grande cer-ração, o pharol, por mais esforços que fizesse não avistou o “Fairey-17” senão quando este se aproximou. Depois de bellas evoluções sobre o morro da Guia, o hydro-avião partiu para a capital à 1:22 (da tarde). Apezar da dificuldade criada pela densa atmosphera, pudemos apreciar perfeitamente as circum-evolu-ções do hydro-avião e mesmo os avia-dores, que agitavam bandeiras. O povo correspondeu com effusivas aclamações. Mal os aviadores fizeram rumo para ahí�, perdemol-o de vista, devido à cerração.

Cabo Frio, 17 - A� 1 hora e 25 minutos da tarde os aviadores passaram pela Restinga de Iguaba Grande, com rumo ao Rio de Janeiro.

Saquarema, 17 - Os aviadores portu-guezes passaram por aqui à 1 hora e 45 minutos.

Maricá, 17 - Os aviadores passaram so-bre Ponta Negra à 1 hora e 57 minutos.

A primeira travessia aérea sobre o Atlântico Sul levou dois meses e meio para ser completada, num total de 62 horas e 27 minutos. Quando os aviadores portugueses, Sacadura Cabral e Gago Coutinho, saíram de Lisboa no dia 30 de março de 1922 para o vôo pioneiro, não podiam imaginar que as dificuldades iriam além daquelas que calculavam.

Com o hidro-avião “Lusitânia” fizeram escala em Las Palmas de Grã Canária e Cabo Verde. As dificuldade começaram a aparecer na ida para Fernando de Noronha. Por falta de combustível, tiveram de pousar nos penedos de São Pedro e São Paulo, quando aí perderiam dois aviões. Só no dia 2 de junho é que chegava o “Fairey-17”, o conhecido “Santa Cruz, que chegaria ao Rio de Janeiro 15 dias depois, fazendo escala em Recife, Sal-vador, Porto Seguro e Vitória.

O Rio de Janeiro praticamente parou naquela tarde do dia 17 de junho, ano em que se festejava o cen-tenário da Independência do Brasil. Mas, uma hora antes de Sacadura Cabral e Gago Coutinho chegarem ao Rio, a Região dos Lagos acom-panhou a passagem dos aviadores

portugueses.Octacílio Ferreira, um dos muitos

cabofrienses a ir para as proxi-mi-dades do Morro da Guia com o ob-jetivo de presenciar a passagem dos aviadores portugueses, contou-me em 1982 que era um dia de sol, com um ventinho nordeste soprando, e que um grande foguetório chamou a atenção dos aviadores. Um portu-guês levantava o filho e gritava: “É Portugal, meu filho! É Portugal!”.

Nos anos de 1930, me dizia en-tão Octacílio Ferreira, o que seria o maior hidro-avião da época, de fabricação alemã, desceu na laguna de Araruama, em frente aonde é hoje a Base Aerea Naval.

“Nele - narrava Octacílio Ferrei-ra - encontrava-se Gago Coutinho, convidado especial da companhia aérea. Paes de Abreu,vice consul de Portugal, com residência em Cabo Frio, foi ao encontro de Gago Coutin-ho e lembrou-lhe do vôo de 1922 quando passou por nossa cidade. Gago Coutinho disse que chegou a atirar com sua pistola para o alto em homenagem ao povo cabofriense que festejava a passagem do ‘Santa Cruz’”. (José Correia)

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