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Março/2011 - edição 48 www.sesctv.org.br SAMBA HOMENAGEM A MONARCO EM DOCUMENTÁRIO E MUSICAL CINEMA FICÇÃO E DOCUMENTÁRIOS CONTAM HISTÓRIAS DE MULHERES DANÇA CONTEMPORÂNEA UM PANORAMA DA OBRA DA COREÓGRAFA LIA RODRIGUES

Revista SescTV - Março de 2011

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Em entrevista, conversamos com Belisário Franca, documentarista e produtor. No artigo, Karen Worcman, idealizadora do Museu da Pessoa, escreve sobre mudanças no registro histórico da vida pessoal.

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Março/2011 - edição 48www.sesctv.org.br

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O SescTV exibe, neste mês, filmes de longa e de curta duração, nos gêneros de ficção e documentário, que têm como protagonista a mulher. São produções que fogem dos estereótipos e das pré-concepções do universo feminino, para desvendar suas particularidades. Com histórias e experiências de vida próprias, as personagens dessas obras são, acima de tudo, pessoas com identidade e personalidade. Os filmes serão exibidos aos sábados, às 22h. O longa-metragem de ficção Garotas do ABC, de Carlos Reichenbach, estreia a programação, abordando os dramas de meninas operárias de São Bernardo do Campo. Memórias Clandestinas, de Maria Theresa Azevedo, apresenta a trajetória de Alexina Crespo, casada com Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas. O documen-tário ...Aquelas Mulheres, de Verena Kael e Matilde Teles, denuncia a situação das chamadas polacas, que vinham ao Brasil para prostituição forçada, mas que buscavam resistência na prática de sua religião. Em Julieta é Bárbara, de José Roberto Aguilar, Lucila Meirelles e Pichi Martirani, a poeta e pintora, que foi casada com Oswald de Andrade e Mário Schenberg, relembra passagens de sua vida. A programação deste mês presta também uma homenagem a uma mulher da dança. A criação da coreógrafa paulista Lia Rodrigues é destacada em três espetáculos, entre os quais o inédito Pororoca. Alocada com sua companhia desde 2003 na comunidade da Maré, no Rio de Janeiro, Lia Rodrigues estabelece diálogo direto com a população local, permitindo-se influenciar por ela e democratizando a dança. Neste mês de Carnaval, o SescTV apresenta dois programas inéditos no ritmo do samba. O documentário inédito Família Diniz conta a história de Monarco, compositor da Velha Guarda da Portela e um dos representantes do samba de raiz brasileiro. Monarco influenciou sambistas de várias gerações, entre os quais seus dois filhos e sua neta. Família Diniz é uma realização do canal com direção de Belisario Franca. Monarco também está no especial musical Uma Família no Samba em Azul e Branco, gravado no Sesc Pinheiros em setembro de 2009. A Revista do SescTV traz, neste mês, entrevista com o documentarista e produtor Belisario Franca, que revela suas motivações na escolha dos projetos que desenvolve. O artigo da diretora do Museu da Pessoa, Karen Worcman, faz uma reflexão sobre registros pessoais e reality shows. Boa leitura!

Danilo Santos de MirandaDiretor Regional do Sesc SP

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destaques da prograMação 4

entrevista - Belisario Franca 8

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CiClo de Cinema F

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Quando Glauber Rocha pegou sua câmera e fez do Nordeste o cenário de seus filmes, revelou ao País e ao exterior um Brasil que pouco se conhecia. De lá para cá, o cinema brasileiro tem cumprido seu papel de desco-brir e apresentar particularidades de sua cultura e de sua história, informando, ensinando e emocionando. O SescTV dedica, nas noites de sábado deste mês, uma faixa especial à exibição de filmes brasileiros que têm mulheres como protagonistas. São produções de diferentes linguagens, nos formatos de curta e de longa duração, que mostram variados aspectos do universo feminino nem sempre abordados em obras audiovisu-ais na televisão. Abrindo a mostra, o diretor Carlos Reichenbach des-venda o cotidiano de um grupo de operárias de São Bernardo do Campo, ABC paulista, no longa-metragem Garotas do ABC (Ficção, 2003, 130min). Uma de suas personagens é Aurélia, fã do ator Arnold Schwarzne-ger, a qual se envolve em problemas quando se apai-xona por Fábio, um neonazista que pratica atentados contra negros e nordestinos.

A vida de Alexina Crespo é apresentada no documen-tário Memórias Clandestinas (2007, 52min), de Maria Theresa Azevedo. Primeira mulher de Francisco Julião – advogado, político pernambucano e líder das Ligas Cam-ponesas –, Alexina atuou no movimento que entre 1950 e 1964 lutava pela reforma agrária e pelo fim dos maus tratos aos trabalhadores rurais. Recebeu treinamento para a guerrilha, esteve em contato com importantes lí-deres mundiais, como Mao Tse-Tung e Fidel Castro, e foi forçada a exilar-se, com a família, após o golpe militar. O documentário ...Aquelas Mulheres (Direção de Verena Kael e Matilde Teles; 20min) denuncia a situação de mulheres judias, chamadas polacas, trazidas para a América Latina desde o final do século de 19, para servir como escravas brancas. Elas criaram no Rio de Janeiro, para se manterem unidas na religião, apesar da pros-tituição forçada, uma sociedade de ajuda mútua, uma sinagoga e o cemitério de Inhaúma. A história da poeta e pintora Julieta Bárbara é con-tada em primeira pessoa no documentário Julieta é Bárbara (2008; 32min55seg), dirigido por José Roberto Aguilar, Lucila Meirelles e Pichi Martinari. Aos 95 anos na época da produção do filme, Julieta relembra pas-sagens de sua vida ao lado de Oswald de Andrade e de Mário Schenberg (com quem foi casada), e também de outras personalidades do campo das artes.

o sesctv exibe FilMes de Ficção e docuMentários, coM curta e longa duração, que abordaM questões do universo FeMinino

Mulheres em foco

ciclo De cineMa

garotas do abc (Ficção, 2003, 130min) Direção: Carlos Reichenbach Dia 12, às 22h

Memórias clandestinas (Documentário, 2007, 52min) Direção: Maria Theresa AzevedoDia 19, às 22h

...aquelas Mulheres (Documentário, 2010, 20min) Direção: Verena Kael e Matilde TelesDia 19, às 22h

Julieta é bárbara (Documentário, 2008, 32min55seg) Direção: José Roberto Aguilar, Lucila Meirelles e Pichi Martirani. Dia 19, às 22h

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Musical e docuMentário produzido pelo sesctv apresentaM a traJetória de Monarco e da FaMília diniz, repre-sentantes do saMba de raiz

‘Samba sem agrotóxico’

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Quando menino, Hildemar Diniz costumava encher um carrinho com mangas do tipo espada e ir para a feira, em Nova Iguaçu (Rio de Janeiro), com inten-ção de as vender. Nessa época, ganhou dos amigos o apelido de Monaco, que logo depois derivou para Monarco. Certo dia, soube que integrantes da escola de samba da Portela passariam por lá para um desfile. “Era aquele contingente de 300 pessoas, lindo. Fiquei com os olhos compridos”, lembra. Monarco ainda não sabia que alguns anos mais tarde se mudaria com a família para o berço da Portela. Não demorou e lá estava ele nas rodas de samba, ao lado de fundadores da escola, participando daquele ritual fes-tivo. Sambas antológicos nasceram naquele ambiente. Monarco levava jeito, trazia no sangue o gosto pela poesia. “Meu velho pai já fazia poesia e a rima dele era rica. Então, creio que entre meus irmãos, quem herdou esta parte da poesia fui eu”, diz. “Quando ele morreu, deixou para mim um pacote de poesias que está guardadinho lá em casa, chega a estar amarelado. Meus filhos e a neta herdaram esse dom de mim. É uma veia poética na família”.

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Monarco tornou-se compositor da Velha Guarda da Portela. Seus sambas impressionam pelas letras elabora-das, embaladas em melodias complexas. É um patrimô-nio da Portela, sua escola de coração, e do samba brasi-leiro. “O Monarco sempre teve o prazer de preservar e de mostrar o valor das coisas e das pessoas que passaram antes pelo samba, e pela Portela em particular”, analisa o jornalista Sérgio Cabral. Ao longo de sua carreira, Mo-narco tem influenciado gerações de sambistas, entre os quais seus dois filhos, Mauro e Marcos Diniz, e sua neta, Juliana, que aos 24 anos já segue os passos do avô na valorização do samba de raiz. “Minha infância foi assim: sempre gostei de tocar. Meu pai tinha um cavaquinho, e eu ficava arrastando aquele instrumento para lá e para cá. Ia assistir aos ensaios da Velha Guarda da Portela, isso está muito vivo em minha mente”, afirma Mauro Diniz. Monarco é um representante autêntico de um samba genuíno, de raiz. “Meu pai costuma dizer que faz samba sem agrotóxico”, conta Mauro. O SescTV presta uma homenagem a Monarco com a exibição de dois programas inéditos: um, o especial mu-sical Uma Família no Samba em Azul e Branco, gravado no Sesc Pinheiros em setembro de 2009, em que a família interpreta por exemplo as músicas Eu nunca vi você tão triste assim; Corri pra ver; Coração em desalinho; Triste desventura; Volta meu amor; Meu lugar; e Portela na avenida. E outro, o documentário Família Diniz, uma realização original do SescTV com direção geral de Be-lisario Franca. Permeado por músicas interpretadas por Monarco, o filme traz depoimentos de personagens que se inspiraram na obra do patriarca da família Diniz. Entre eles, os músicos Zeca Pagodinho, Paulão 7 Cordas, Henri-que Cazes e Teresa Cristina; o companheiro de escola de samba Noca da Portela; o jornalista Sérgio Cabral, além de sucessores do artista na linhagem familiar do samba.

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espeCial Carnaval

eSPecial caRnaValdocumentário Família dinizDireção geral: Belisario FrancaDia 08/03, às 20h

uma Família no samba em azul e brancoDia 12/03, às 21h

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Improviso por essência

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considerado uM dos Mais inFluentes saxoFonistas do Jazz Mundial, pHaroaH sanders Mostra sua Habilidade e criatividade na iMprovisação

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A música está presente na vida de Pharoah Sanders desde a infância, quando costumava acompanhar a mãe à igreja. “Cresci em um lar religioso. Minha mãe dizia: ‘Nesta casa a gente acredita em Deus’. Fui criado assim”, lembra. A bateria foi o primeiro instrumento que Pharoah Sanders aprendeu a tocar, mas ele não demorou muito a encantar-se pelo som da clarineta. Com ela apresentava-se na escola, e mais tarde na fa-culdade. “Comecei tocando clássico com a clarineta. Depois, quis aprender saxofone. Usava o da escola, não tinha dinheiro para comprar o meu próprio. Foi assim que comecei a brincar com o saxofone”, diz. Logo, Sanders passou a apresentar-se em alguns clubes de San Francisco, tocando blues. Inspirado pelo professor Jimmy Cannon, que coordenava o departa-mento de música da faculdade, Sanders interessou-se pelo jazz. “Tocava blues e tentava tocar jazz, mas estava aprendendo coisas, sem compromisso. Eu não estava atrás de dinheiro na época, só queria tocar e aprendia tocando com outros músicos”, recorda.

Para pagar as contas, Sanders aceitava os mais diversos trabalhos. “Em 1962, eu me virava traba-lhando como cozinheiro. Não tinha lugar para ficar na cidade, mas tinha esse emprego: cozinhava, tirava um café, fazia sanduíches, hambúrguer, milk shakes. Tinha de fazer um pouco de tudo para sobreviver”. Foi num desses bares que certa vez ele tomou coragem e procurou o músico da casa, Sun Ra. “Pedi ao saxofo-nista que tocava com ele que me apresentasse, só para o Sun Ra ficar ciente de que eu sabia tocar sax tenor e de que, se ele precisasse, eu estaria logo ali”. Foi o início de uma longa carreira no jazz. Seu talento nos improvisos impressionava a plateia. Sanders veria consagrar-se sua carreira quando, em 1964, após uma apresentação no New York’s Village Gate, foi procu-rado pelo músico John Coltrane, que o convidou para integrar sua banda. Outros nomes consagrados da música, como Ornette Coleman e Don Cherry, foram parceiros de Sanders. “Trabalhei com pessoas como B.B. King e alguns outros músicos de blues”, lembra. O SescTV exibe, neste mês, show inédito com Pharoah Sanders, gravado no Sesc Pinheiros. O músico apresenta repertório de jazz repleto de improvisações e referências de outros estilos musicais. Apresentado em duas partes, o especial traz ainda entrevista com o músico para relembrar sua trajetória e alguns de seus parceiros ao longo da carreira. No espetáculo, Pharoah Sanders é acompanhado por Rob Mazurek, no trompete; Chad Taylor, na bateria; Matt Lux, no baixo; e pelos brasileiros Maurício Takara, na bateria, cavaquinho e percussão; e Guilherme Granado, nos teclados eletrônicos e percussão.

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parte 1 Dia 30/03, 22h

parte 2 Dia 06/04, às 22h

espeCial musiCal

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ousadia e experiMentação MarcaM os proJetos da coreógraFa paulista lia rodrigues, cuJa carreira será leMbrada coM a exibição de três espetáculos

dança Contemporânea

formação de público apreciador da dança contempo-rânea. “A ideia era abrir um centro de artes e começar a provocar o diálogo com a população. Nesse sentido, uma das estratégias foi criar um curso de sensibiliza-ção para a dança, aberto a pessoas de todas as idades. Ele é realizado diariamente, com entrada gratuita, e trabalha para formar possíveis espectadores”, explica Lia Rodrigues. O impacto repercutiu também nos bailarinos, e con-sequentemente nas coreografias da companhia. “A favela é uma loucura. É um outro jeito de se mexer, de ser, de viver, que é muito fascinante, muito legal”, elogia. “As pessoas sempre pensam na violência, nos tiros, mas é tanta coisa nova que a gente descobre! Uma vida tão intensa, com tantas coisas diferentes para aprender!”, completa. O SescTV apresenta, neste mês, um panorama da carreira de Lia Rodrigues, com a exibição de três espetá-culos da companhia. Entre eles, o inédito Pororoca, que estreou em 2009, espetáculo que se inspira no fenômeno natural do encontro das águas do rio com as do mar. Para a coreógrafa, Pororoca representa uma explosão e um choque, traduzido por ela em uma invasão de corpos que se misturam na fragilidade dos encontros. Trata-se, portanto, de uma “poderosa pororoca humana”. Lia Rodrigues explica: “São onze bailarinos em cena com uma ideia que parece bem simples, porém é complexa: disputar um lugar, um espaço, e enfrentar as coisas que estão em jogo nessa disputa.” Também compõem esse panorama os espetáculos Formas Breves, dia 02/03; e Encarnado, dia 09/03. A direção para televisão é de Antonio Carlos Rebesco “Pipoca”.

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Dança conTeMPoRânea

Formas breves Dia 02/03, às 24h

encarnado Dia 09/03, às 24h

pororoca Dia 16/03, às 24h

Pororoca humana

Ousadia é adjetivo recorrente nos trabalhos da co-reógrafa paulista Lia Rodrigues. Inquieta e criativa, ela costuma levar ao palco espetáculos que instigam os olhares, num diálogo nem sempre tranquilo com a plateia. Tirar o espectador do lugar-comum e mexer com seus sentidos estão na base de inspiração para seus trabalhos. Experimentar é palavra de ordem, algo que não se restringe à fruição de suas obras, mas que atinge também aqueles que criam ao seu lado. Prova disso foi a decisão que ela tomou, em 2003, de se mudar com sua companhia para uma favela do Rio de Janeiro: a comunidade da Maré. Ela buscava respostas para a seguinte pergunta: “Quem é que tem acesso ao que a gente faz?” Lia Rodrigues tornou-se parceira do equipamento cultural mantido por uma ONG e instalado na co-munidade para promover cultura, lazer e educação: Redes de Desenvolvimento da Maré. Pouco a pouco, a dança passou a fazer parte do dia a dia dos moradores da Maré. Parte do trabalho da companhia consiste na

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Qual a sua formação e sua trajetória como documenta-rista? Sou formado em Comunicação pela PUC do Rio de Janeiro e trabalho há trinta anos nessa área. Iniciei-me pro-fissionalmente com a motivação de usar o vídeo como uma ferramenta de expressão autoral. Sou da geração formada na década de 1980, que queria experimentar. Já nesse início de carreira comecei a achar que a televisão tinha espaço para exercer o olhar autoral e experimental, não só na lin-guagem como também no conteúdo. A TV, potencialmen-te, traz isso. Por isso, direcionei meu trabalho para esse mercado e comecei a atuar com projetos em que eu pudesse experimentar conteúdos e linguagens. Quando a gente se debruça sobre um trabalho, envolve-se com pesquisas, com a junção de elementos, com a produção. Mas tem também uma dose de arte, uma pegada, que dá permanência e per-tinência para gerar um patrimônio imaterial.

e por que sua predileção pela linguagem do documentário? O fascinante do documentário é que ele não é um só. O au-diovisual tem esta característica: não há uma maneira só de fazer. Em documentário cabe tudo. Pode-se até colocar um pouco de dramaturgia, que ele não perderá a essência de fazer um recorte para retratar um tema. O que gosto mais é que, ao fazer um documentário, entro em universos em que normalmente não entraria. Quando fiz o projeto Além Mar, por exemplo, imergi no mundo da língua portugue-sa. É mais do que aprender sobre um tema, é trazer aquilo

Na cadência do samba

belisario Franca é documentarista e produtor. Seus trabalhos buscam desvendar particularidades da cultura brasileira, com especial interesse por histórias e personalidades fora do foco das mídias tradicionais. Formado em comunicação pela Puc do Rio de Janeiro,

Belisario Franca acaba de finalizar o documentário Família Diniz, sobre a trajetória de Monarco, compositor

da Velha Guarda da Portela, que ele considera um dos últimos mestres do samba de raiz, que influenciou

outras gerações de músicos, inclusive seus filhos e neta. o documentário é uma realização do SescTV.

“na prática do docuMentário, lida-se coM seres HuManos.

busca-se entender o que está por trás da priMeira percep-

ção. aí entra uMa questão de respeito proFundo.”

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população se deslocando, o calor humano, o tipo de afeti-vidade, o vizinho, o amigo da barraca da feira... uma ambi-ência que é própria da Madureira, do Engenho de Dentro. Entrei nas casas dessas pessoas não como um turista. A vida fica mais rica. E aí se entende o universo do Monarco e sua genialidade em conseguir traduzir aquilo em letras e melodias. E, apesar de ser tão próprio daquele mundo, torna-se universal.

Quais foram as maiores dificuldades na realização do do-cumentário? A grande dificuldade foi conciliar as agendas. Fomos recebidos com muito carinho por todos, mas são pro-fissionais superocupados. O Mauro Diniz, filho do Monarco, é um produtor e um maestro muito requisitado. Por incrível que pareça, o Monarco foi o mais tranquilo. Mas não encon-trei incoerências nos depoimentos, ao contrário. Monarco fala com muito orgulho de seus filhos. Procuramos o jorna-lista Sérgio Cabral para dar depoimentos que construíssem a personalidade que é o Monarco. Zeca Pagodinho, que eu vejo como um herdeiro do samba de Monarco, também ajuda a dar a dimensão da importância dele.

Você acredita que haja outras figuras importantes da nossa cultura, tais como o Monarco, que ainda não ganharam a projeção e o reconhecimento da sociedade brasileira? Não tenho dúvidas. Há pérolas na sociedade brasileira. Acredito que uma das nossas maiores qualidades seja a grande capa-cidade de produção cultural. Lembro de uma senhora que conheci em Piracicaba, no interior paulista, cantando em uma roda de tambor; para mim, era uma Clementina de Jesus. Aquela voz, aquele jeito forte de cantar. Então, res-pondendo, sim, temos muitas figuras como o Monarco. Não só na música, mas na dança, na literatura. E temos chances de encontrá-las em programas e documentários que valo-rizam essas pessoas e esses talentos. Porque o audiovisu-al ajuda a compreender esses universos e pode inspirar e mudar outras vidas.

para sua essência e construir valores. A discussão das iden-tidades está muito presente nos meus trabalhos, porque entendo que cada experiência é singular. É muito bacana isso, porque o senso comum tende a botar uma etiqueta em tudo. E, na verdade, há muitas outras camadas que se desdobram. No mundo do samba se percebe bem isso. Você enxerga certas características, mas quando entra, descobre uma visão de mundo diferenciada. Tem sua complexidade e, ao mesmo tempo, é bem simples. Na prática do docu-mentário, lida-se com seres humanos. Busca-se entender o que está por trás da primeira percepção. Aí entra uma questão de respeito profundo. Uma visão quase amorosa do sujeito retratado. Vou destituído dos meus preconceitos em direção a esse outro. E aí tenho a possibilidade de en-contrar o que há de precioso.

como você avalia o momento atual para o documentário brasileiro? O documentário brasileiro está muito bem: temos boas experiências. A TV já começa a perceber a possibilidade de formação de público para essa linguagem. É uma abertura para a percepção de determinado assunto além da informa-ção. O espectador é envolvido, é conquistado, é convidado a entrar em outro mundo. O documentarista trabalha com a camada sensorial também, o que não é fácil. É um desafio encontrar a narrativa a usar para obter um equilíbrio. Vejo muita coisa produzida aqui no Brasil e também no exterior, e acho bom conhecer o que está sendo feito.

o SescTV estreia, neste mês, o documentário Família Diniz, de que foi sua a direção geral. como esse tema chegou até você e como foi realizá-lo? O tema foi proposto para nossa equipe e adorei o mote. Já conhecia o Monarco de outros trabalhos e achava importante fazer esse registro. A gente sabe que ele vai fazer 80 anos daqui a pouco e precisava ter sua história retratada. Nosso primeiro passo foi iniciar as pesquisas e, em seguida, criar as condições para realizar o projeto. Por fim, pensamos no desafio da linguagem, com uma camada poética, até chegar ao resultado. Queríamos levar o subúrbio para o documentário. Existe uma liga que não se restringe à família do Monarco, são gerações de músicos. Quase como uma casta artística. Trata-se de uma genealogia que começa antes do Monarco e sabe-se lá onde vai parar. Eles conduzem você pela mão e cabe ao documentarista ter a competência artística para fazer isso aparecer no filme.

Qual a importância da figura do Monarco para a cultura brasileira? O Monarco é um dos mestres do samba. Ele está na transição da primeira para a segunda geração do samba urbano que nós conhecemos hoje, consolidado entre os anos de 1920 e 1930. Ou seja, o Monarco pertence à segunda geração e conviveu com os mestres que fundaram esse samba. Ele foi testemunha ocular das rodas de samba e participou da construção de sambas antológicos. Ele mesmo começou muito novo a compor. Portanto, Monarco é guardião de uma ética daquela geração do samba. Que vai além de chegar e cantar o seu samba, porque existem passos a serem dados, há todo um ritual, um respeito. Ele é um depositário desse patrimônio e trouxe para as gerações seguintes o que aprendeu com aqueles mestres. Monarco talvez seja o último grande mestre vivo dessa passagem e, por isso, influencia muitos músicos.

Para realizar este documentário, você visitou a casa de Monarco e os lugares que o inspiram em seus sambas. o que encontrou por lá? O subúrbio é, por excelência, o ter-ritório do samba carioca. A linha do trem, o shortinho, a

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dos arquivos históriCos ao Big Brother: uma reflexão soBre registros, doCumentos e pessoas no séCulo xxi

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artigo

tornando a vida privada um foco de atenção. De leitoras a produtoras de conteúdo, as pessoas passaram a perceber que o registro de seu próprio cotidiano era factível e que, além de interessar a si próprias, podia e devia ser publica-mente compartilhado. Quais são nossas questões hoje no que se refere a en-tender história e identidade como sendo nossas? Pois fomos, em menos de cem anos, de um extremo a outro: da total institucionalização da cultura e da memória a sua banalização. O que passou a reinar foi a ideia de in-teratividade – e a ideia de o dia a dia de pessoas comuns também poder ser espetacularizado. Neste sentido é que chego ao Big Brother, programa exibido pela Rede Globo. Em sua décima primeira edição no Brasil, presente em cerca de 42 territórios do mundo (http://www.endemol.com/programme/big-brother), o programa é quase um pe-sadelo para todos os que sonhávamos com a possibilidade de valorização das pessoas comuns e com a possibilidade, que a interatividade traria, de aumentar o poder partici-pativo do público. No Big Brother, acompanhamos o dia a dia banal de pessoas (quase) comuns. E podemos votar! Mas é isto de fato uma democratização de nossa cultura, de nossa memória? Obviamente que não. Pois, a meu ver, ampliar as possibilidades de registrar acontecimentos e trazer à tona o dia a dia de cada um só é transformador se estiver permeado de significado. Para que este significado seja validado, é necessária a ritualização. Quase como se depositássemos, mesmo que em nosso mundo privado, alguns momentos, alguns fatos, alguns objetos no altar de nossas vidas. Aí retomaríamos a ideia de que tais fatos, ainda que pessoais, são parte de nossa memória pessoal e social. Ou seja, são coisas pelas quais vale a pena nos esforçar, para que permaneçam no tempo. O esforço terá que mudar de foco, não mais no registro, não mais no objeto. Mas no olhar, no rito, no significado. Essa divisão é necessária de fato? Creio que sim. Pois assim como a diferença entre música e ruído está na ar-ticulação entre os sons, também na memória é a seleção entre o que é significativo e o que é banal o que pode nos salvar da amnésia.

Karen Worcman é idealizadora e diretora do Museu da Pessoa. Site: www.museudapessoa.net.

Quando comecei a empreitada do Museu da Pessoa, cerca de 20 anos passados, a ideia de constituir um espaço virtual que permitisse a toda e qualquer pessoa registrar sua história de vida era bastante inusitada. O objetivo era ampliar, por meio de narrativas de pessoas, as perspecti-vas e olhares sobre nossa sociedade. Naquele momento, o mundo da cultura e o da comunicação já estavam trans-formando-se e a Internet passou a inverter o papel dos indivíduos não só na comunicação, mas também na pro-dução da memória. Desde a implantação do que se supõe seja um dos pri-meiros “arquivos” no mundo, no quarto milênio a.C., a produção de imagens e registros significou sempre um grande esforço social. Obviamente que este esforço veio permeado pelos valores de então. Não é à toa que os retratos pintados representassem preferencialmen-te as famílias reais; ou ainda, que os arquivos estives-sem sempre conectados aos palácios, aos templos e ao Estado. Não faz nem 200 anos que a fotografia passou a ser um elemento constitutivo de registro e memória. Menos de cem que ela se tornou uma possibilidade para que famílias e pessoas comuns pudessem produzir suas próprias imagens. Em menos de 50 anos tudo isso mudou. Hoje um adolescente, esteja ele na África ou em Nova York, tira milhares de fotos e faz vídeos de seu show predileto. O esforço em registrar deixou de existir e, por consequência, o que está registrado não é mais necessariamente memória. Não é mais seleção. Por outro lado, não foi somente a possibilidade de pro-duzir registros pessoais que mudou. A ideia de que a vida privada tem valor e deve ser compartilhada veio se for-talecendo. E isto também tem muito a ver com as novas tecnologias. Anthony Giddens (Mundo em Descontrole: o que a globalização está fazendo de nós) diz que “a co-municação eletrônica instantânea não é apenas um meio pelo qual notícias ou informações são transmitidas mais rapidamente. Sua existência altera a própria estrutura de nossas vidas, quer sejamos ricos ou pobres. Quando a imagem de Nelson Mandela pode ser mais familiar para nós que o rosto de nosso vizinho de porta, alguma coisa mudou na natureza da experiência cotidiana.” A popula-rização da Internet transformou de fato o papel dos indi-víduos na produção e troca de informações. Os blogs e a redes sociais reverteram de vez os conteúdos na Internet,

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A Revista é uma publicação do Sesc São Paulo sob coordenação da Superintendência de

Comunicação Social. Distribuição gratuita. Nenhuma pessoa está autorizada a vender anúncios.

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último BloCo

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o Montador do cineMa novoO diretor e montador Eduardo Escorel é entrevistado em episódio inédito do Sala de Cinema. Escorel trabalhou na montagem de filmes de Glauber Rocha (Terra em Transe, de 1967); de Joaquim Pedro de Andrade (Macunaíma, de 1969); e de Eduardo Coutinho (Cabra Marcado pra Morrer, de 1984), entre outros. Como diretor, estreou em 1966, em parceria com Júlio Bressane, com Bethânia Bem de Perto, a partir de shows da cantora. Recentemente, codirigiu com José Joffily o filme O Tempo e o Lugar (2008). No programa, Escorel relembra passa-gens de sua carreira e analisa os diferentes estilos dos diretores com quem trabalhou. dia 31/03, às 22h.

sangue verde O que é possível fazer para preservar e recuperar o meio am-biente? Foi a partir desta pergunta que jovens de diferentes regiões e condições sociais repensaram suas rotinas e criaram hábitos alternativos, tornando-se defensores da natureza e da vida sustentável. São pessoas engajadas que usam seus talentos para mostrar aos outros que uma simples mudança de atitude faz a diferença. O SescTV mostra casos e histórias desses jovens no episódio inédito O sangue verde contra o plástico assassi-no, da série HiperReal. Uma das personagens é o músico Felipe Ribeiro. Em forma de protesto, ele usa as margens do poluído rio Tietê, em São Paulo, para fazer piqueniques e tomar sol, e depois distribui as fotos. dia 11/03, às 21h.

sesctv onlineO SescTV tem um canal de comunicação direto com o telespec-tador nas Redes Sociais. Através do Twitter, o público descobre, em primeira mão, as estreias e exibições de programas especiais do canal. O telespectador também pode fazer perguntas e dar sugestões sobre a programação do SescTV. Siga-nos: @sesctv. O site do canal também está com novidades. Agora, é possível acessar vídeos com trechos de programas e chamadas dos episó-dios inéditos. A Revista do SescTV está disponível integralmente para leitura online. Acesse www.sesctv.org.br e confira!

soM da violaA sonoridade brasileira está presente no repertório do músico Rodrigo Lemos. Autodidata, o violeiro começou a tocar aos dez anos de idade. Destacou-se em inúmeros festivais e divi-diu o palco com músicos consagrados, como Sérgio Reis, Almir Sater, Renato Andrade e a dupla Pena Branca e Xavantinho. Lemos é também professor e possui uma escola de música nos Estados Unidos. O SescTV apresenta espetáculo inédito com o músico no Instrumental Sesc Brasil, em que apresenta algu-mas de suas criações, como Tocaia e Sumidoro, além de mú-sicas de outros compositores, como Disparada (Theo Barros/Geraldo Vandré) e uma versão de O Trenzinho Caipira (Heitor Villa-Lobos). dia 14/03, às 22h.

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Uma forma simples de compreender a sociedade em oito temas sobre a relação do homem com o meio ambiente. Oito diferentes diretores do cinema e da televisão brasileira.