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da ISSN: 1518-2630 . Brasileira _ de_ _ Musical revista N°9 Setembro 2003

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ISSN: 1518-2630

. Associa~ao Brasileira _

de_ Educa~ao _

Musical

revista

N°9 Setembro 2003

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Associação Brasileira de Educação Musical

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Associação Brasileira de Educação Musical

abem

Revista da ABEM, n. 9, setembro 2003.Porto Alegre: Associação Brasileira deEducação Musical, 2000

AnualISSN 151826301. Música: periódicos

Projeto gráfico e diagramação: MarcaVisualRevisão: Trema Assessoria Editorial

Fotolitos e impressão: Metrópole Indústria Gráfica Ltda.Tiragem: 500 exemplares

Periodicidade: AnualÉ permitida a reprodução dos artigos desde que citada a fonte.

Os conceitos emitidos são de responsabilidade de quem os assina.

Diretorias e Conselho Editorial da ABEM Biênio 2001-2003

DIRETORIA NACIONALPresidente: Dra. Jusamara Souza (UFRGS)

[email protected]: Dra. Alda de Jesus Oliveira (UFBA)

[email protected] de Honra: Dra. Vanda Bellard Freire (UFRJ)

[email protected]ária: Dra. Margarete Arroyo (UFU)

[email protected]: Dra. Maria Isabel Montandon (UnB)

[email protected]

DIRETORIA REGIONALNorte: Ms. Celson Sousa Gomes (UFPA)

[email protected]: Dra. Cristina Tourinho (UFBA)

[email protected]: Dra. Sônia Teresa da Silva Ribeiro (UFU)

[email protected]: Ms. Teresa Mateiro (UDESC)

[email protected]: Ms. Maria Cristina de Carvalho (UnB)

[email protected]

CONSELHO EDITORIALPresidente: Dra. Liane Hentschke (UFRGS)

[email protected]: Dra. Luciana Del Ben (UFRGS)

[email protected]. Maura Penna (UFPB)

[email protected]. Regina Márcia Simão Santos (UNIRIO)

[email protected]. Cristina Grossi (UnB)

[email protected]

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Sumário

Editorial.........................................................................................................................................................5Luciana Del Ben

Agradecimentos.........................................................................................................................................6

A música e o cérebro: algumas implicações do neurodesenvolvimentopara a educação musical..........................................................................................................................7

Beatriz Ilari

Análise das composições de alunos de escola de música: uma investigação sobrepossíveis diferenças no desenvolvimento musical de alunos com perfis distintos.........................17

Anete Susana Weichselbaum

A prática de solfejo com base na estrutura pedagógica proposta por Davidson e Scripp..............29Regina Antunes Teixeira dos SantosLiane HentschkeCristina Capparelli Gerling

Iniciação à leitura musical no piano......................................................................................................43Ana Consuelo RamosGislene Marino

O musical escolar CDG como moldura de educação musical............................................................55Helena Müller de Souza Nunes

Música da televisão no cotidiano de crianças: um estudo de caso comum grupo de 9 e 10 anos de idade.........................................................................................................65

Sílvia Nunes Ramos

Apre(e)ndendo músicas: na vida e nas escolas...................................................................................71Maura Penna

A identidade das licenciaturas na área de música: multiplicidade e hierarquia...............................81Nair Pires

Os relatórios de estágio dos alunos de música como instrumento de análisedos processos de planejamento............................................................................................................89

Teresa MateiroMarcelo Téo

Resenhas

Guia para educação e prática musical em escolas..............................................................................97Lélia Negrini DinizKarla Dias de OliveiraJúlia Maria HummesJosé Ruy Henderson Filho

A importância da música para as crianças...........................................................................................99Cristiane Maria Galdino de AlmeidaFernanda de Assis OliveiraLucimar Marchi dos SantosRegina Antunes Teixeira dos Santos

Autores.........................................................................................................................................................101

Normas para publicação.......................................................................................................................106

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Contents

Editorial.........................................................................................................................................................5Luciana Del Ben

Acknowledgements......................................................................................................................................6

Music and the brain: some implications of neurodevelopment for music education.........................7Beatriz Ilari

Analysis of compositions of music school students: an investigation of possible differencesbetween the musical development of students with distinctive profiles...........................................17

Anete Susana Weichselbaum

The practice of sightsinging based on the pedagogical framework proposed byDavidson and Scripp .............................................................................................................................29

Regina Antunes Teixeira dos SantosLiane HentschkeCristina Capparelli Gerling

Introduction to music reading in the piano...........................................................................................43Ana Consuelo Ramos e Gislene Marino

The CDG schoolmusical as a framework for music education...........................................................55Helena Müller de Souza Nunes

Music from television in children’s everyday lives: a case study with a groupof children aged 9 to 10..........................................................................................................................65

Sílvia Nunes Ramos

Learning music: in life and in schools..................................................................................................71Maura Penna

The identity of music teachers’ initial education courses: multiplicity and hierarchy.....................81Nair Pires

The apprenticeship reports of music student-teachers as a way to analyse the processes ofclass planning ........................................................................................................................................89

Teresa MateiroMarcelo Téo

Book Reviews

A guide to music education and practice in schools..........................................................................97Lélia Negrini DinizKarla Dias de OliveiraJúlia Maria HummesJosé Ruy Henderson Filho

The importance of music to the children..............................................................................................99Cristiane Maria Galdino de AlmeidaFernanda de Assis OliveiraLucimar Marchi dos SantosRegina Antunes Teixeira dos Santos

Authors...................................................................................................................................................101

Notes for contributors..........................................................................................................................106

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Editorial

DEL BEN, Luciana. Editorial. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 9, 5-6, set. 2003.

Neste número da Revista da ABEM contamos com artigos que versam sobrevariadas temáticas. No primeiro artigo, Beatriz Ilari apresenta algumas das “descobertas

recentes da pesquisa científica sobre o cérebro”. A autora traça relações entre oneurodesenvolvimento e a educação musical, sugerindo contribuições da psicologia

cognitiva para a construção de práticas de ensino comprometidas com o desenvolvimen-to musical das crianças.

O próximo artigo insere-se na perspectiva da psicologia do desenvolvimento.Utilizando a Teoria e o Modelo Espiral de Desenvolvimento Musical de Swanwick comoreferencial teórico, Anete Susana Weichselbaum analisou composições de dois grupos

distintos de adolescentes provenientes de uma escola de música do Paraná: alunos querealizam atividades musicais fora da instituição escolar e alunos que não realizam tais

atividades. Os resultados revelaram que não existem diferenças em termos de níveis dedesenvolvimento musical entre os grupos investigados.

Regina Antunes Teixeira dos Santos, Liane Hentschke e Cristina CapparelliGerling abordam o desenvolvimento musical sob a perspectiva da leitura musical atra-

vés do solfejo. As autoras apresentam uma análise crítica e detalhada dos fundamentospedagógicos propostos por Davidson e Scripp para o desenvolvimento da prática de

solfejo na formação de músicos profissionais.

O desenvolvimento da leitura musical também é tema do artigo a seguir. AnaConsuelo Ramos e Gislene Marino focalizam o processo de iniciação à leitura musicalno piano, “apontando as etapas de leitura por gráficos, relativa e absoluta”. As autoras

questionam certos termos e conceitualizações correntes na área do ensino de instru-mento e apresentam os fundamentos da proposta de iniciação à leitura através do

piano, que consiste no livro de sua autoria – Piano 1: Arranjos e Atividades.

Mais uma proposta de ensino de música é apresentada no texto de Helena Müllerde Souza Nunes. Partindo da “necessidade de desenvolver um vínculo mais saudável

entre uma educação musical formal e […] a cultura musical popular veiculada, principal-mente, pelos meios de comunicação de massa e comprometida com o mercado”, a

autora discute as possibilidades do musical como “recurso musicopedagógico de caráterpopular adequado” à educação musical das crianças brasileiras.

A relação entre a educação musical e os meios de comunicação é retomada, soboutro enfoque, no artigo de Sílvia Nunes Ramos. Inspirada na pedagogia crítica e emconceitos das teorias sobre aprendizagem social e sobre o cotidiano, Sílvia investigacomo os “modelos musicais televisivos se manifestam na expressão musical” de um

grupo de crianças de 9 e 10 anos de idade. Os resultados sugerem uma forma diferenci-ada de perceber a relação das crianças com a mídia nas suas aprendizagens musicais

cotidianas.

De certa maneira, o artigo de Sílvia Nunes Ramos é complementado pelo deMaura Penna. Este último discute a relação entre “a música na vida e nas escolas” a

partir de questionamentos referentes “à valorização da música grafada”, em detrimentodas tradições orais, à “oposição entre a música popular e a música erudita” e à “diversi-

dade de manifestações musicais – inclusive da indústria cultural – que fazem parte davivência do aluno”. Esses questionamentos apontam para o predomínio de um modelotradicional de ensino de música, que enfatiza a formação técnico-profissionalizante e,

assim, “dificulta a renovação das práticas pedagógicas na área” e seu comprometimentocom a educação básica.

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Nair Pires focaliza a temática dos modelos de ensino sob o ângulo dos cursos deformação de professores de música. A autora discute dados da pesquisa que, tomando

como objeto de estudo seis cursos de licenciatura do estado de Minas Gerais, investigou aidentidade das licenciaturas na área de música. Ao reconstruir a trajetória dos cursos de

formação de professores de música, Nair procura revelar as concepções, valores e crençasque têm orientado a formação do professor de música. Os resultados sugerem a perpetua-

ção de “concepções e práticas polivalentes”, fundamentadas na idéia de integração daslinguagens artísticas, o que tem implicado “a hierarquização das licenciaturas” tanto nos

concursos públicos para professores quanto nos estágios dos licenciandos.

O artigo de Teresa Mateiro e Marcelo Téo, por sua vez, investiga o desenvolvimentodos processos de planejamento durante o estágio supervisionado, disciplina obrigatória nos

currículos de formação de professores. Os autores analisaram os relatórios de estágio detrês licenciandas em Educação Artística, Habilitação em Música, da Universidade do

Estado de Santa Catarina. Os resultados sinalizam a diversidade de concepções e açõesque configuram as visões de educação musical das licenciandas. Apontam, assim, para a

diversidade “de possibilidades na prática docente”, ao mesmo tempo que revelam algumasdas dificuldades inerentes ao início da docência e à relação entre estagiário, professor

orientador e professor cooperante.

Finalizando este número, contamos com duas resenhas de livros recentementelançados pela Associação Brasileira da Música (ABEMÚSICA), os quais têm como objetivo

orientar a ação educativo-musical nas escolas. Por meio de suas análises, os autores decada uma das resenhas – todos integrantes de um grupo de pesquisa cadastrado no CNPq

– mostram a importância de olharmos de forma crítica e reflexiva para os materiais didáti-cos disponíveis na nossa área, para que possamos fundamentar conscientemente nossas

escolhas.

Os trabalhos que compõem este número da Revista da ABEM não só retratam adiversidade de objetos de estudo da área como revelam a riqueza do diálogo que a educa-

ção musical tem estabelecido com disciplinas que se voltam ao estudo da música e daeducação. Demostram ainda a preocupação de seus autores em estabelecer articulações

entre a pesquisa e as práticas de educação musical. Esperamos que as diferentes perspec-tivas e resultados apresentados por pesquisadores e professores de diversas instituiçõesde nosso país possam contribuir tanto para o desenvolvimento da produção científica emeducação musical quanto para o fortalecimento das práticas pedagógico-musicais desen-

volvidas nos múltiplos espaços em que atuamos.

Luciana Del Ben

Editora

Agradecimentos

A Revista da ABEM agradece aos seus Conselheiros Editoriais e aos pareceristasad hoc mencionados nesta página por sua contribuição durante o biênio 2001-2003.

Ana Lúcia de Marques e Louro (UFSM)Cláudia Ribeiro Bellochio (UFSM)

José Alberto Salgado e Sliva (UNI-RIO)Maria Cecília Rodrigues de Araújo Torres (Fundarte/UERGS)

Teresa da Assunção Novo Mateiro (UDESC)

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Introdução

As descobertas recentes da pesquisa cien-tífica sobre o cérebro exercem um fascínio enormesobre todos nós. Isso ocorre porque praticamentetodas as atividades de nossa vida cotidiana estãorelacionadas ao funcionamento desse importanteorgão vital (Herculano-Houzel, 2002). Hoje em dia,todos nós sabemos qual a importância do cérebrono desenvolvimento humano e também na apren-dizagem e na cognição. Sabemos também dos atra-sos cognitivos e motores e das deficiências que

A música e o cérebro: algumasimplicações do

neurodesenvolvimento para aeducação musical

Beatriz IlariDepartamento de Artes - UFPR

[email protected] / [email protected]

Resumo. Este artigo tem como objetivo discutir alguns resultados de pesquisas recentes sobre odesenvolvimento do cérebro e as implicações destas na área da educação musical. Na primeira partedo artigo há uma breve introdução ao cérebro e seu desenvolvimento, incluindo suas partes, sinapsese lateralização. Em seguida, são discutidos os sistemas envolvidos no neurodesenvolvimento, bemcomo os fatores que influenciam o desenvolvimento do perfil da mente de cada criança. As questõesda inteligência e do talento são abordadas na terceira parte do artigo. Algumas implicações dos estudosda neurociência para a educação musical são discutidas na quarta e última parte do artigo, na qualdiversas sugestões para o ensino e para a avaliação também são propostas.

Palavras-chave: desenvolvimento do cérebro, cognição, educação musical

Abstract. This paper aims to discuss recent brain development research and some of its implicationsfor music education. In the first part of the paper there is a brief introduction to the brain and its development,including its parts, synapses and lateralization. The second part includes a discussion on the systemsinvolved in neurodevelopment and the factors that influence the development of the mental profile ofeach individual child. Issues such as intelligence and talent are tackled in the third part of the article. Theimplications of neuroscience research for music education are discussed in the fourth and last part of thearticle, in which suggestions for education and assessment are also proposed.

Keywords: brain development, cognition, music education

são causadas quando alguém sofre um acidente eo cérebro é lesado (Marin; Perry, 1999; Morato,2000; Peretz, 2001; Peretz et al., 2002). Não hánovidade alguma em dizer que o cérebro controlanossas ações e pensamentos, entre elas nossasatividades musicais. Nesse contexto, este artigotem como objetivo descrever alguns resultados depesquisas recentes da neurociência sobre o de-senvolvimento da mente, bem como discutir as im-plicações destas na área da educação musical.

ILARI, Beatriz. A música e o cérebro: algumas implicações do neurodesenvolvimento para a educação musical. Revista da ABEM,Porto Alegre, V. 9, 7-16, set. 2003.

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Antes de mais nada, é necessário fazer umabreve introdução ao cérebro e suas principais ca-racterísticas, incluindo as questões das sinapsese da lateralização. Em seguida, aprenderemos so-bre os oito sistemas que constituem o neurodesen-volvimento (Levine, 2003) e os fatores que influen-ciam no desenvolvimento da mente da criança.Também discutiremos a questão da inteligência edo talento e retomaremos alguns estudos específi-cos sobre o funcionamento do cérebro na presen-ça de estímulos musicais. Para concluir, discutire-mos as contribuições e implicações dos estudosda neurociência para a aprendizagem e a cogniçãomusical das crianças.

Uma breve introdução ao cérebro humano

A idéia do cérebro como orgão da sensaçãoe da inteligência existe desde a Antiguidade. Con-tudo, foi apenas no século XIX que surgiram osprimeiros estudos científicos sobre o cérebro(Morato, 2000). O interesse pela cognição surgiutambém nessa mesma época, quando a psiquedeixou de ser vista como um atributo divino e pas-sou a ser vista como um atributo humano. Desdeentão, o estudo do cérebro vem avançando demaneira rápida e significativa.

Em linhas gerais, o cérebro pode ser defini-do como um labirinto em forma de noz, mais oumenos do tamanho de duas mãos fechadas colo-cadas frente a frente, e composto por aproximada-mente 12 bilhões de células (Campbell, 1996).Segundo Campbell (1996), o cérebro se parece comuma série de montinhos e linhas de massa cinzen-ta e rosa, com uma textura macia. As células docérebro, também conhecidas por neurônios, rece-bem, analisam, coordenam e transmitem informa-ções (Kotulak, 1997). No decorrer da vida, o cére-bro aprende e memoriza através de constantesmudanças em sua imensa rede de conexões entreneurônios. Essas conexões são chamadassinapses, e ocorrem em decorrência de estímulosprovenientes do meio (Kotulak, 1997). Muitassinapses formam conexões sólidas com as célulasdo cérebro e se tornam partes do cérebro em de-senvolvimento. Já as outras sinapses, as desco-nexas, desaparecem com o tempo (Herculano-Houzel, 2001). De acordo com Kotulak (1997), essaé a maneira que o cérebro encontra para eliminarsinapses em excesso, para que as restantes, ain-da em quantidade considerável, possam formar umcérebro funcional.

O desenvolvimento estrutural do cérebro

Logo após o nascimento, o cérebro do bebêpassa por um crescimento fantástico, no qual

trilhões de sinapses ocorrem entre as células ce-rebrais. Por se tratar de um orgão auto-organizável,o cérebro do bebê é faminto de novas experiênci-as que o transformarão em redes neurais para alinguagem, o raciocínio lógico, o pensamento raci-onal, a resolução de problemas e os valores mo-rais (Kotulak, 1997). Essas redes neurais já estãosendo formadas antes mesmo de o bebê comple-tar um ano de idade. São elas que permitem a as-sociação de idéias e o desenvolvimento de pen-samentos abstratos, que constituem as bases dainteligência, imaginação e criatividade. Contudo,essas redes podem ser destruídas quando as ex-periências na infância são destituídas de estimu-lação mental ou sobrecarregadas de estresse(Kotulak, 1997).

Em seu livro, Kotulak (1997) fala de quatrofases principais do desenvolvimento estrutural docérebro. A primeira fase ocorre durante o estágiofetal. Nos primeiros meses da vida fetal, bilhões decélulas são formadas. Metade delas morre; estí-mulos externos organizam algumas e eliminamoutras para formar a estrutura básica do cérebro,ou seja, a estrutura que caracteriza e diferencia ascrianças em meninos e meninas. A segunda fasese dá logo após o nascimento, quando surgemtrilhões de conexões entre as células, que formamos “mapas mentais” do cérebro, responsáveis, en-tre outras coisas, pela visão, linguagem e audição.Na terceira fase, que vai dos 4 aos 10 anos de ida-de, novos aprendizados reorganizam e reforçamas conexões entre as células do cérebro humano.Novas conexões são formadas à medida que no-vos conhecimentos são adquiridos. A quarta e últi-ma fase ocorre após os 10 anos de idade. Aindacapaz de sofrer mudanças físicas, o cérebro apren-de e memoriza informações no decorrer de toda avida (Kotulak, 1997). Segundo Herculano-Houzel(2001), alguns neurônios novos aparecem no cé-rebro do adulto porém, somente em algumas par-tes específicas do cérebro. São muitos os mistéri-os da mente que a neurociência vem procurandoinvestigar. Contudo, para fins deste artigo, nós nosconcentraremos no cérebro em formação, ou seja,no cérebro da criança, e deixaremos de lado asespecificidades do cérebro adulto. Entretanto, umaintrodução superficial às partes principais do cére-bro se faz necessária, bem como uma rápida intro-dução ao conceito de lateralização.

Lateralização: os hemisférios do cérebro

A neurociência já mapeou o cérebro. O cé-rebro do ser humano normal é composto por duasmetades ou hemisférios: o direito e o esquerdo. Oshemisférios são unidos por diversos feixes de fi-

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bras de comunicação, sendo o corpo caloso o mai-or deles (Carneiro, 2001). Embora os hemisfériosdireito e esquerdo pareçam ser idênticos a olho nu,existem diferenças fundamentais entre eles. Namaioria das pessoas, o hemisfério direito coman-da o lado esquerdo do corpo, e o hemisfério es-querdo comanda o lado direito do corpo. Carneiro(2001) nos ensina que diversas investigações jácomprovaram que o predomínio de um lado do cor-po sobre o outro (como no caso da dextralidade,ou seja, dos membros que usamos “melhor” do queoutros) tem bases neurofisiológicas eneuroanatômicas, e pode ainda ser generalizávelpara outras áreas das funções cerebrais.

Aliás, essa é outra diferença fundamental doshemisférios cerebrais: as funções que cada um doshemisférios comanda. De maneira geral, a lingua-gem, o raciocínio lógico, determinados tipos dememória, o cálculo, a análise e resolução de pro-blemas são comandados pelo hemisfério esquer-do do cérebro, freqüentemente citado como hemis-fério dominante ou principal. Já as habilidadesmanuais não-verbais, as intuições, a imaginação,os sentimentos e a síntese são comandadas pelohemisfério direito (Cardoso, 2001; Carneiro, 2001).Com relação à percepção de sons, Carneiro (2001)sugere que é predominantemente no hemisférioesquerdo que se percebem os sons relacionadoscom a linguagem verbal, e no hemisfério direito quesão percebidos a música e os sons emitidos poranimais.

Embora se diga que a percepção da músicase localize primordialmente no hemisfério direitodo cérebro, sabe-se hoje que o aprendizado musi-cal depende dos dois hemisférios, uma vez que eleé interdependente de outras funções cerebrais,como a memória, a linguagem verbal, a resoluçãode problemas e a análise, entre outras. A propósi-to, sabe-se hoje que o cérebro do músico treinadoé diferente do cérebro do não-músico (veja Costa-Giomi, 2001). Enquanto o não-músico processainformação musical primordialmente no hemisfériodireito do cérebro, o músico treinado processa in-formação musical nos dois hemisférios, e apresentauma quantidade maior de conexões entre os he-misférios durante as atividades de escuta musical(Bever; Chiarello, 1974), o que indica uma escutamusical analítica. Esse e outros estudos (Bessonet al., 1998; Costa-Giomi, 2001) sugerem que aaprendizagem e o treino musical exercem efeitossobre a atividade cerebral e a lateralidade. Sejacomo for, não se pode falar em lateralidade eneurodesenvolvimento sem falar nos sistemas quecompõem o desenvolvimento e o perfil da mente.

Os oito sistemas do neurodesenvolvimento eo perfil da mente

Como já ficou dito, existem cerca de 30 mi-lhões de sinapses que formam uma rede no cére-bro humano. Essa rede suporta uma quantidadeenorme de conexões, desconexões, conexões es-tranhas ou mal feitas, ou seja, uma variedade enor-me de combinações de possibilidades que afetamo neurodesenvolvimento. Algumas conexões per-mitem que as crianças adquiram certas habilida-des específicas, como tocar violão ou memorizaruma série de jogadas numa partida de xadrez. Asconexões do cérebro originam diferentes compor-tamentos, movimentos, percepções e habilidades.Para melhor compreendê-las, é interessante vercomo se organizam em “construtos do neurodesen-volvimento”ou sistemas, como sugere Levine(2003). Estes sistemas não existem de maneira iso-lada, mas estão entrelaçados e combinados entresi. São eles:

1) Sistema de controle da atenção – respon-sável pelo direcionamento e distribuição daenergia mental dentro do cérebro. É essecontrole que mantém a criança concentra-da, permitindo que dê atenção exclusiva auma determinada tarefa e ignore as distra-ções.

2) Sistema da memória – responsável peloarmazenamento de informações, é importan-tíssimo no aprendizado de qualquer discipli-na. Devido ao fato de a música ser uma artetemporal (isto é, que existe num determina-do tempo e espaço), o sistema da memóriatem uma importância fundamental para aeducação musical.

3) Sistema da linguagem – responsável peladetecção dos diferentes sons de uma língua,pela habilidade de compreender, lembrar eutilizar um vocabulário novo, pela capacida-de de expressão de pensamentos na formada fala ou escrita, e pelo ritmo de compre-ensão com que o indivíduo atende às expli-cações e instruções verbais.

4) Sistema de orientação espacial – respon-sável pela capacitação do indivíduo para li-dar ou criar informações organizadas emGestalt, em padrões visuais ou em configu-rações específicas. A orientação espacialnos permite perceber que várias partes seencaixam em um todo, como num quebra-cabeça.

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5) Sistema de ordenação seqüencial – res-ponsável pela capacitação do indivíduo paralidar com as cadeias de informação que têmuma ordem ou seqüência. No caso da músi-ca, é esse sistema que permite ao aluno com-preender o conceito de escalas e seqüênciamusical.

6) Sistema motor – responsável pelas co-nexões entre o cérebro e os diversos mús-culos do corpo humano. Por exemplo, o sis-tema motor possibilita que uma determina-da criança toque violino ou pratique um es-porte.

7) Sistema do pensamento superior – res-ponsável pelo raciocíno lógico, pela resolu-ção de problemas, pela formação e utiliza-ção de conceitos, pela compreensão decomo e onde as regras são aplicadas e váli-das, e pela percepção do ponto central deuma idéia complexa.

8) Sistema do pensamento social – respon-sável pela capacidade de interagir atravésde relações interpessoais e de pertencimentoem um grupo. Na educação musical, é o sis-tema de pensamento social que permite queas crianças façam música de câmara ou can-tem juntas em um coral.

O desenvolvimento do cérebro depende,entre outras coisas, do desenvolvimento dos siste-mas acima citados. Além disso, Levine (2003) citadiversos fatores que influem no desenvolvimentodo perfil da mente de cada criança. Enquanto al-guns fatores são mutáveis e podem ser modifica-dos pelos pais e educadores, há outros que sãofixos e que, portanto, estão além do controle hu-mano. Como exemplo, a herança genética que acriança recebe dos pais, apesar de todos os avan-ços científicos dos últimos tempos, ainda não podeser alterada. Querendo ou não, há certas caracte-rísticas dos pais (como a facilidade para aprenderlínguas estrangeiras ou a aptidão especial parajogar futebol) que também são transmitidas aosseus filhos. Como sugere Levine (2003), embora agenética seja poderosa, isso não nos impede detrabalhar nossas próprias deficiências e dificulda-des. A herança genética constitui, obviamente, oprimeiro fator que influencia o neurodesenvolvi-mento.

Vida familiar e o nível de estresse são ou-tros fatores que influenciam o desenvolvimento doperfil da mente da criança. Nós sabemos muito arespeito da influência das condições socioeco-nômicas nas relações entre pais e filhos e no de-

senvolvimento das crianças. A pobreza, por exem-plo, afeta o modo de vida, o desenvolvimento dascomunidades, os níveis de estresse dos indivídu-os, o acesso à informação e, logicamente, os valo-res e interesses das famílias e das crianças quefazem parte das mesmas. Relacionado a este, estáo terceiro fator listado por Levine (2003): o fatorcultural. A cultura de onde a criança vem exerceuma influência enorme sobre o desenvolvimentoda criança. Ao compararmos o cotidiano de crian-ças de culturas diferentes, como, por exemplo, umacriança brasileira, uma berbere-marroquina e umaalemã, notamos algumas diferenças fundamentais.A cultura exerce um papel preponderante, da ali-mentação ao modo de vestir, da língua falada aoscomportamentos.

Como não poderia deixar de ser, o meio so-cial também exerce uma influência considerávelsobre o desenvolvimento da mente da criança.Sabemos hoje que os amigos das crianças são fi-guras importantes, que exercem um papel primor-dial no desenvolvimento do perfil da mente. Umexemplo típico é o caso da criança que estava indomuito bem na escola até conhecer um amigo X,que foi chamado de “má influência” por ter ajudadoa despertar na criança outros interesses que nãoos escolares. Ou então o caso do adolescente quese apaixona por uma determinada causa (políticaestudantil, esporte, música) por influência de umlíder na turma. Ambos os exemplos ilustram bem ainfluência do meio social no desenvolvimento doperfil da mente.

A saúde física e mental constitui um quintofator de influência no neurodesenvolvimento. Des-nutrição, enfermidades, deficiências e doençascongênitas e traumas físicos são alguns exemplosde como a saúde pode afetar o desenvolvimentodo cérebro humano durante o período escolar. Cri-anças portadoras de síndrome de Down, por exem-plo, apresentam algumas dificuldades característi-cas na aprendizagem, e necessitam de uma edu-cação especial. O mesmo ocorre com as criançasportadoras de diversas síndromes. A desnutriçãotambém influencia na saúde. As crianças desnutri-das e mal alimentadas freqüentemente apresen-tam dificuldades cognitivas e motoras, resultado dafome numa época em que o cérebro está em plenodesenvolvimento e necessita de alimento paratransformá-lo em energia. A saúde é, sem sombrade dúvida, um fator de extrema importância no de-senvolvimento da mente humana.

As emoções também influenciam oneurodesenvolvimento infantil. Tomemos por exem-plo uma criança que vive a experiência da separa-

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ção dos pais após anos de crises conjugais e vio-lência doméstica. As emoções que essa criançaexperimenta podem afastá-la das atividades esco-lares e dos amigos, vindo a prejudicar seu desen-volvimento, e tendo conseqüências sérias na for-mação de seu perfil mental.

A experiência educacional constitui o oitavoe último fator de influência na formação do perfilda mente da criança, citado por Levine (2003). Oautor entende experiência educacional como omodo e a qualidade da educação recebida. A cri-ança que estuda em uma escola voltada para odesenvolvimento do raciocínio lógico e a resolu-ção de problemas terá um perfil mental bastantediferente de uma segunda criança que freqüentauma escola que incentiva a mera repetição ememorização de frases. Embora cada criança te-nha um modo singular de aprender (isto é, algu-mas crianças aprendem com maior facilidade quan-do têm imagens e diagramas de apoio; outras pre-ferem o aprendizado através da repetição de con-ceitos e fórmulas), é importante lembrarmos quetanto o modo quanto a qualidade do ensino exer-

cem uma influência fundamental no desenvolvimen-to do perfil mental de cada criança.

Ainda com relação à experiência educacio-nal, Levine (2003) discute como o estilo de vidapode influenciar o estilo de aprendizagem de cadacriança. Segundo ele, vários aspectos da vida con-temporânea são, de fato, nocivos ao pleno desen-volvimento do cérebro bem como da formação doperfil da mente de cada criança. A televisão e osjogos eletrônicos, a linguagem simples, as músi-cas infantis que são repetitivas e supersim-plificadas, entre outros, incentivam atitudes passi-vas e pouco estimulam o cérebro e funções comoa resolução de problemas, a memória e o sistemamotor. Em contrapartida, Levine também chamanossa atenção para o caso das criançassuperestimuladas, cujas mentes e corpos estãosobrecarregadas. Em ambos os casos, vê-se o re-flexo do estilo de vida moderna no desenvolvimen-to do perfil da mente das crianças.

A Figura 1, abaixo, ilustra os fatores que influ-enciam o neurodesenvolvimento de cada criança.

Figura 1: Os fatores que influenciam o desenvolvimento do perfil da mente de cada criança (adaptado de Levine, 2003, p. 31).

Do nascimento à idade adulta, o cérebropassa por uma quantidade enorme de transforma-ções através de experiências e estímulos. Estesauxiliam no desenvolvimento de cada um dos oitosistemas e dão origem a diferentes comportamen-tos, movimentos, percepções e habilidades. Cadacriança tem um cérebro diferente, assim como umperfil da mente único, este último formado por di-versos fatores. Em outras palavras, o desenvolvi-mento do cérebro da criança é um processo extre-mamente complexo e dependente de uma combi-nação de muitos fatores. Entretanto, quando fala-mos em desenvolvimento do cérebro, o conceitode inteligência sempre surge, ora de maneira dire-

ta, ora de maneira subliminar. Por essa razão, éimportante delinearmos o conceito de inteligência,de modo que ele possa ser aplicável às práticaseducacionais.

Inteligência e cérebro

Testes de inteligência, inatismo e aquisição

A idéia de equacionar o cérebro com a inte-ligência é antiga. Gould (1981) nos ensina que, pormuitos anos, persistiu a idéia de que a inteligênciahumana era um correlato do tamanho do cérebro.Por exemplo, o célebre psicólogo Alfred Binet(1857-1911), cujo nome é mais comumente asso-

Perfil do

neurodesenvolvimento da criança

Meio ambiente

Saúde Fatores

Culturais

Meio social - amigos

Emoções

Experiênciaeducacional

Família

Herança Genética

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ciado aos testes de Q.I. (Quociente de Inteligên-cia), investigou e formulou teorias sobre a inteli-gência humana baseadas em observaçõescomportamentais e medidas dos crânios humanos.Em 1904, Binet foi comissionado pelo ministérioda educação francês para criar técnicas para iden-tificar crianças com problemas de aprendizagemescolar. Foi então que surgiu, possivelmente, umdos primeiros testes sistemáticos de inteligência:a escala Binet. Alguns anos depois, a escala Binetfoi modificada e se transformou no chamado testeStanford-Binet, ainda hoje bastante utilizado naAmérica do Norte para medir o quociente de inteli-gência das crianças e adultos.

Segundo Gould (1981), o próprio Binet sali-entou que os testes de sua escala deveriam serutilizados apenas como diagnóstico e nunca comouma forma de segregar indivíduos. Infelizmente, ostestes nem sempre foram utilizados da maneira queele recomendou. Em decorrência da superva-lorização da inteligência e daqueles que a possu-em no mundo ocidental (Gardner, 1983), muitosrelatos de preconceitos, injustiças e segregaçõesdecorrentes dos resultados de testes administra-dos em massa são encontrados na literatura. Hámuita controvérsia, ainda hoje, a respeito dos be-nefícios e prejuízos decorrentes da aplicação detestes como o Stanford-Binet, bem como da vali-dade de seus resultados.

Contudo, não se pode negar que a existên-cia dos testes de inteligência traz à tona a antigadiscussão sobre o inato versus o adquirido(Newcombe, 2002; Spelke, 2000). Quando pensa-mos em inteligência ou ainda em talento, sempreremetemos a essa questão. Há quem acredite quea hereditariedade e o código genético é que deter-minam o que somos e como seremos. Ou seja, al-guns seres humanos já nascem inteligentes outalentosos enquanto outros são menos dotados, eassim permanecerão. Uma segunda corrente su-gere que somos um produto de nosso meio. Emoutras palavras, que as experiências adquiridas emvida é que resultam na inteligência e no talento doser humano. Entretanto, há hoje uma forte tendên-cia em se pensar que a combinação das caracte-rísticas inatas e adquiridas é que nos transformaem quem somos; que, em última análise, é essacombinação que impulsiona o desenvolvimento denossa inteligência. Mas como definir inteligência,esse termo tão usado em nossas vidas cotidianas?

A teoria das inteligências múltiplas

Com relação à inteligência, uma das teoriasmais aceitas na atualidade é a teoria das inteligên-

cias múltiplas, do americano Howard Gardner(1983). Baseado em pesquisas da neurobiologia,Gardner notou a existência, ainda que aproxima-da, de áreas distintas de cognição no cérebro, cadauma específica para um tipo de competência eprocessamento de informações (Antunes, 2002),Com isso, Gardner sugeriu que a inteligência nãoé unitária, mas, sim, compartimentada por compe-tências específicas. Quando publicou a primeiraedição de sua teoria em 1983, Gardner propôs aexistência de pelo menos oito inteligências. Sãoelas: a inteligência lingüística ou verbal, a lógico-matemática, a espacial, a musical, a cinestésicacorporal, a naturalista, a intrapessoal e a inter-pessoal. Cada uma dessas inteligências aparentaestar localizada em uma parte distinta do cérebrohumano. Todo ser humano possui todas essas in-teligências, embora cada indivíduo tenha algumasdelas mais predominantes do que as outras. Porexemplo, há indivíduos que têm uma predominân-cia das inteligências cinestésica-corporal einterpessoal, enquanto em outros predominam asinteligências musical e lógico-matemática. Uma vezque nossa preocupação aqui é com a cogniçãomusical, é importante discutirmos a questão da in-teligência musical em maior profundidade. Por umaquestão de espaço, deixaremos a discussão sobreas demais inteligências para uma outra ocasião.

A inteligência musical

A inteligência musical é provavelmente amais discutida de todas (Antunes, 2002). Em prati-camente todas as culturas do mundo, fala-se em cri-anças com “maiores aptidões”, “com bom ouvido paramúsica” ou “com talento musical”, e crianças “quenão levam jeito para música”. Ou seja, ainda existemuita confusão entre a inteligência musical e o ta-lento. Mesmo assim, é importante salientar que es-ses termos não são sinônimos. Segundo Antunes(2002), é notável o fato de o talento ser geralmentevisto como uma característica excludente. Em ou-tras palavras, o talento não existiria em todos, masapenas em alguns seres “privilegiados”. Uma segun-da característica do talento é a idéia bastante difun-dida de que o talento é inato, fixo e já vem “pronto”,ou seja, que a criança talentosa já nasce assim enão necessita de muito treino ou aperfeiçoamento.Já a inteligência é bastante diferente. A teoria deGardner (1983) sugere que todos os seres normais(isto é, não portadores de doenças congênitas comoautismo ou síndrome de Down) possuem todos ostipos de inteligência, todos abertos ao desenvolvi-mento. Ou seja, diferentemente do talento, a inteli-gência musical é um traço compartilhado e mutável,isto é, um traço que todos possuem em um certograu e que é passível de ser modificado.

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Figura 2: Janelas de oportunidades

Tipo de Inteligência

Hemisfério Períodos de abertura da

janela

Desenvolvimento cerebral/cognitivo

Como estimular

Espacial Direito Dos 5 aos 10 anos de idade

Aperfeiçoamento da coordenação motora; percepção do corpo no espaço.

Exercícios físicos, jogos, movimentos, mapas e representações de sons e melodias.

Lingüística ou verbal

Esquerdo Do nascimento aos 10 anos de idade

Conexões que transformam sons em palavras com sentido.

Jogos vocais, conversas, estórias, lendas, rimas, parlendas, estórias musicadas.

Musical Direito Do nascimento aos 10 anos de idade*

A partir dos 3 anos, as áreas do cérebro que dominam a coordenação motora são muito sensíveis e já permitem a execução musical.

Canto, audição, movimento, dança, jogos musicais, identificação de sons, e outras atividades que desenvolvam o ouvido interno.

Cinestésica corporal

Esquerdo Do nascimento aos 6 anos

O cérebro desenvolve a capacidade de associação entre a visualização e o ato de agarrar um objeto.

Brincadeiras que estimulam o tato, paladar e o olfato, mímica, interpretação de movimentos, jogos e atividades motoras diversas, com ou sem objetos.

Interpessoal e Intrapessoal

Lobo frontal Do nascimento à puberdade

As conexões entre os circuitos do sistema límbico aumentam e se tornam bastante sensíveis aos estímulos provocados por outros seres.

Brincadeiras, demonstrações de afeto e de limites, estímulo às descobertas pessoais e também ao compartilhamento de objetos e idéias.

Naturalista Lado direito Do nascimento aos 14 anos*

A conexão de circuitos cerebrais transforma os sons em sensações.

Estimular a percepção do ar, da água, da temperatura através de jogos.

Lógico-matemática

Lobos parietais esquerdos

Do nascimento aos 10 anos

A cognição é desenvolvida através das ações da criança com os objetos do mundo, e suas expectativas em relação aos mesmos.

Desenhos, representações, jogos, atividades musicais, resolução de problemas simples em diversas áreas e que estimulem o raciocínio lógico.

* Idades diferentes são apresentadas por Antunes (2002). Alteração da autora.

A inteligência musical pode ser definidacomo a capacidade de percepção, identificação,classificação de sons diferentes, de nuances deintensidades, direção, andamento, tons e melo-dias, ritmo, freqüência, agrupamentos sonoros,timbres e estilos, entre outros (Antunes, 2002).A inteligência musical inclui também as diver-sas formas envolvidas no “fazer música”, taiscomo execução, canto, movimento e represen-tações inventadas (veja Ilari, 2002b). Na escolaProjeto Zero, da Universidade de Harvard, ondeGardner formulou e testou sua teoria, a educa-ção musical das crianças incluía uma variedadeenorme de atividades e métodos de avaliação,que serão discutidos na parte final deste artigo.

Janelas de oportunidades

Um outro conceito, comumente associado àteoria de Gardner, é o que os neurobiólogos cha-mam de “janelas de oportunidades”. Essas janelassão, na verdade, os períodos em que as criançasparecem ter maiores facilidades para desenvolve-rem cada tipo de inteligência. É importante notar queo aprendizado não se limita ao “período de abertura”de cada janela. Em outras palavras, todas as inteli-gências podem ser estimuladas e desenvolvidas nodecorrer da vida. Contudo, é durante o período de“abertura” das janelas que tal estimulação e desen-volvimento se dão de forma mais eficiente (Antunes,2002; Gardner, 1983). Na Figura 2, adaptada deAntunes (2002, p. 22-23), estão destacados os perí-odos de maior abertura de cada janela.

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É importante notar que os períodos de aber-tura das janelas não foram fixados em caráter defi-nitivo, e podem mudar profundamente de acordocom os avanços da ciência. Por exemplo, emboraAntunes (2002) sugira que as janelas de oportuni-dade para o estímulo e desenvolvimento das inte-ligências musical e lógico-matemática se abram apartir de, respectivamente, 3 e 1 ano de idade, aspesquisas recentes da psicologia cognitiva já indi-caram que tais aprendizados ocorrem com um re-lativo sucesso antes mesmo dos bebês completa-rem 1 ano de vida (ver Ilari, 2002a; Spelke, 2000).Com o avanço das pesquisas científicas e as des-cobertas sobre as capacidades dos bebês e crian-ças pequenas, é possível que essa estimativa sejaprofundamente alterada nos próximos anos. Aindaassim, ela nos dá uma noção geral do quanto ainfância é um período propício para o desenvolvi-mento do cérebro da criança.

Implicações para a educação musical

Os estudos da neurociência apontam para ainfância como um período propício para o desen-volvimento do cérebro. Tudo indica que do nasci-mento aos 10 anos de idade, o cérebro da criançaestá em pleno desenvolvimento e apresenta asmelhores “condições” de aprendizado, as chama-das janelas de oportunidades. As conexões do cé-rebro infantil dão origem aos diversos sistemas doneurodesenvolvimento, que por sua vez auxiliamno desenvolvimento das diversas inteligências. Osestímulos, desde que não em demasia, podem be-neficiar o meurodesenvolvimento como sugerem,para o cérebro como um todo, Cardoso e Sabbatini(2000):

A educação de crianças em um ambiente sensorialmenteenriquecedor desde a mais tenra idade pode ter umimpacto sobre suas capacidades cognitivas e de memóriafuturas. A presença de cor, música, sensações (tais comoa massagem do bebê), variedade de interação comcolegas e parentes das mais variedades idades,exercícios corporais e mentais podem ser benéficos(desde que não sejam excessivos). (Cardoso; Sabbatini,2000).

Cardoso e Sabbatini (2000) sugerem que amúsica pode constituir um estímulo importante parao desenvolvimento do cérebro da criança. O hábi-to de cantar e dançar com bebês e crianças, pre-sente em praticamente todas as culturas do mun-do (Ilari; Majlis, 2002), auxilia no aprendizado mu-sical, no desenvolvimento da afetividade e sociali-zação, e também no progresso da aquisição da lin-guagem (Ilari, 2002a; Costa-Giomi, 2001). Quan-do a criança está em idade escolar, o aprendizadomusical, além de ter valor em si mesmo, tambémexerce uma segunda função, que é o ensino e o

aprendizado de conceitos, idéias, formas de soci-alização e cultura, sempre através das atividadesmusicais.

Muitos educadores questionam quais as for-mas de estimular o desenvolvimento do cérebro eda inteligência musical de cada criança. Há atécertos mitos em relação a isso, como por exemploa idéia errônea de que utilizamos somente 10% dacapacidade de nosso cérebro (Herculano-Houzel,2002). Muitos livros e vídeos sugerem fórmulasmágicas e exercícios que visam o desenvolvimen-to pleno do cérebro como um todo ou de um doshemisférios (ver Campbell, 1996). Segundo Her-culano-Houzel (2002), embora esta “neuróbica”,como ela os chama, tenha alguma base nas des-cobertas científicas, não há nenhuma garantia deque funcione. Cabe então apelarmos para o bomsenso, ou para a idéia de que o cérebro saudávelé o cérebro ativo (Herculano-Houzel, 2002). Emoutras palavras, ninguém precisa fazer mágica:para desenvolver a inteligência musical e o cére-bro da criança, basta fazer música.

É importante que o educador utilize uma gran-de variedade de atividades e tipos de música. Can-tar canções em aula, bater ritmos, movimentar-se,dançar, balançar partes do corpo ao som de música,ouvir vários tipos de melodias e ritmos, manusearobjetos sonoros e instrumentos musicais, reconhe-cer canções, desenvolver notações espontâneasantes mesmo do aprendizado da leitura musical,participar de jogos musicais, acompanhar rimas eparlendas com gestos, encenar cenas musicais, par-ticipar de jogos de mímica de instrumentos e sons,aprender e criar histórias musicais, compor canções,inventar músicas, cantar espontaneamente, construirinstrumentos musicais; essas são algumas das ativi-dades que devem necessariamente fazer parte damusicalização das crianças. Todas essas atividadessão benéficas e podem contribuir para o bom desen-volvimento do cérebro da criança. O canto, os jogosmusicais, a execução instrumental, a construção deinstrumentos musicais, a composição e a notaçãosão discutidas em maiores detalhes a seguir. A mai-or parte dessas atividades integra o currículo de edu-cação musical da escola Projeto Zero.

O canto infantil e o movimento corporal

O canto acompanhado por gestos e movi-mento corporal faz parte da musicalização de cri-anças em todas as partes do mundo, especialmen-te da educação musical das crianças pequenas emidade pré-escolar e daquelas nas primeiras sériesdo ensino fundamental. Tanto o canto quanto omovimento em resposta aos estímulos sonoros fa-zem parte de comportamentos que muitos psicólo-gos e educadores consideram naturais e espontâ-

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neos das crianças pequenas. O ato de cantar, es-pontaneamente ou de forma dirigida em sala deaula, pode ativar os sistemas da linguagem, damemória, e de ordenação seqüencial, entre outros.Já o movimento corporal parece ajudar a desen-volver os sistemas de orientação espacial e motor.Sem falar que, quando o canto acompanhado demovimentos corporais acontece em salas de aula,as crianças ainda têm a possibilidade de desen-volver o sistema de pensamento social. Através docanto acompanhado por gestos e movimentos cor-porais, a criança pode vir a ter pelo menos seissistemas de seu cérebro estimulados.

Os jogos musicais

Os jogos musicais, quando utilizados de for-ma lúdica, participativa e não-competitiva, podemconstituir uma fonte rica de aprendizado, motiva-ção e neurodesenvolvimento. Em geral, os jogosacontecem em aulas coletivas, o que obviamentevisa a estimulação dos sistemas de orientação es-pacial e do pensamento social. Jogos de memóriade timbres, notas e instrumentos, dominós de cé-lulas rítmicas ou instrumentos musicais e brinca-deiras de solfejo podem ativar os sistemas de con-trole de atenção, da memória, da linguagem, deordenação seqüencial e do pensamento superior.Já os jogos que utilizam o corpo, tais como mímicade sons imaginários, brincadeira da cadeira, canti-gas de roda, encenações musicais e pequenasdanças podem incentivar o sistema da memória,de orientação espacial, motor e de pensamentosocial, entre outras. Além de prazerosos, os jogosmusicais de participação ativa podem constituirexemplos típicos do “aprendizado divertido”.

A execução instrumental

Tudo indica que o aprendizado instrumentalauxilia no desenvolvimento dos sistemas de con-trole de atenção, de memória, de orientação espa-cial, de ordenação seqüencial, motor e de pensa-mento superior. Quando o aprendizado instrumen-tal ocorre em grupos (Suzuki, Orff) e/ou quando háapresentações e recitais familiares, as crianças têmoportunidades de desenvolver o sistema de pen-samento social. Ou seja, apesar de todas as suasdificuldades inerentes, o aprendizado instrumentalaparenta ser benéfico para o desenvolvimento docérebro infantil. Entretanto, é importante que o edu-cador esteja atento à adequação do instrumentomusical para cada criança. Assim como sugeriu CarlOrff, é recomendável a utilização de instrumentossimples e de fácil execução para as aulas demusicalização das crianças bem pequenas. Dessaforma, desenvolve-se um senso de competênciana criança pequena, que pode inclusive motivá-laa tocar um instrumento musical “mais difícil” em fasesubseqüente de seu desenvolvimento.

A composição e a improvisação musical

O ato de compor música envolve a experi-mentação com sons, a utilização do ouvido internoe a resolução de problemas. Ao compor uma can-ção, a criança pode estar ativando os sistemas decontrole da atenção, da memória, da linguagem,de ordenação seqüencial e de pensamento supe-rior, entre outros. Independentemente de ser re-presentada graficamente, as canções e obras com-postas pelas crianças parecem ser benéficas aoneurodesenvolvimento. Entre essas composiçõesestão as canções espontâneas e improvisadas dascrianças pequenas. A improvisação musical, acom-panhada ou não de gestos e movimentos corpo-rais, também pode servir para ativar os sistemasmotor e de orientação espacial.

A notação musical

A questão do uso da notação musical é bas-tante controversa na educação musical moderna.Alguns educadores ainda acham que a notação tra-dicional deve ser introduzida “de cara”, tão logo acriança inicie seu treino musical. Mesmo assim, hámuitos educadores como, por exemplo, os da es-cola Projeto Zero que investem na chamada “cons-trução da notação” a partir daquilo que a criançatraz consigo. Esse processo se inicia com a utiliza-ção de representações musicais que são inventa-das pela criança. Através dessas representações,é possível detectarmos alguns aspectos dacognição musical infantil (Ilari, 2002b). As repre-sentações das crianças diferem de acordo com asdiferentes idades e fases do aprendizado musical.Enquanto as crianças bem pequenas (3 a 5 anos)utilizam muitos desenhos que ilustram a letra dascanções, as crianças maiores (6 a 10 anos) repre-sentam ritmos e alturas com símbolos inventadose desenhos. Contudo, quando a notação musicaltradicional é introduzida, a maioria das criançasapresenta dificuldades em representar cançõesusando símbolos inventados (Ilari, 2002b). Aindaassim, a utilização de notações tradicionais e in-ventadas pode auxiliar no desenvolvimento dos sis-temas de orientação espacial, de ordenaçãoseqüencial e do pensamento superior.

A construção de instrumentos musicais

Além de divertidos, os projetos de constru-ção de instrumentos musicais podem constituir ex-periências ricas de aprendizado, como sugere ocurrículo da escola Projeto Zero (Koetszch, 1997).Ao construir um instrumento, as crianças experi-mentam com os sons produzidos por diferentes ti-pos de materiais, aprendem “na prática” sobre osdiversos tipos de instrumentos, discutem algumasquestões de física (proporções de tamanho de ins-

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trumentos e alturas das notas musicais, materiaise timbres, entre outras). Tudo indica que a cons-trução de instrumentos musicais é benéfica para odesenvolvimento dos sistemas do pensamento su-perior, de ordenação seqüencial, motor e de con-trole da atenção. A construção de instrumentosmusicais, entre outras, é mais um exemplo de ati-vidade musical prazerosa e enriquecedora.

Considerações finais

A maioria de nossas atividades musicais tempotencial para auxiliar no desenvolvimento do cé-rebro das crianças. Cada atividade, quando cuida-dosamente planejada e realizada, parece benefici-ar os sistemas do neurodesenvolvimento, algunsmais do que outros. Por isso, o educador necessi-ta estar atento e planejar suas aulas com muito zeloe cuidado. Entrementes, o educador precisa pres-

tar uma atenção especial ao desenvolvimento in-dividual de cada criança, não como alguém quequer simplesmente diagnosticar, mas como alguémque quer ajudar o aluno a desenvolver sua inteli-gência musical e construir seu conhecimento, in-centivando suas propensões e sanando suas difi-culdades. Os sistemas do neurodesenvolvimentopodem ser úteis para que o educador detecte quaisas facilidades e quais as dificuldades de cada alu-no, em cada estágio de seu desenvolvimento. Comosugere Levine (2003), é importante que o educa-dor seja capaz de reconhecer as particularidadesde cada aluno, bem como os fatores que estão in-fluenciando o seu aprendizado. Além disso, o edu-cador deve se lembrar que além do desenvolvimen-to do cérebro e da inteligência musical, a educa-ção musical da criança deve ser divertida, de modoa desenvolver prazer, cultura e gosto musical du-radouro nestes futuros adultos.

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Análise das composições dealunos de escola de música:

uma investigação sobre possíveisdiferenças no desenvolvimento

musical de alunos comperfis distintos

Anete Susana WeichselbaumEscola de Música e Belas Artes do Paraná (EMBAP)

[email protected]

Resumo. O presente artigo se baseia na dissertação de mesmo nome desta pesquisadora e se inserena área da psicologia da música. O estudo investiga a possibilidade de existir diferenças nodesenvolvimento musical entre alunos adolescentes de uma escola de música que realizam atividadesmusicais à parte do ensino formal oferecido pela instituição e alunos que não realizam tais atividades.Para responder à questão proposta, foi realizada a comparação entre o desenvolvimento musicalindividual dos alunos de ambos os grupos através do parâmetro da composição. A metodologia adotadaconjuga a abordagem quantitativa e a qualitativa, de coleta longitudinal. O Modelo Espiral e a TeoriaEspiral serviram como suporte teórico para a análise dos dados (composições e entrevistas). Inicialmente,foram analisadas as composições dos alunos da amostra (intencional), e, posteriormente, foi adotadoum procedimento complementar, a entrevista semi-estruturada, realizada somente com alguns alunos.Constatou-se que não houve diferenças no desenvolvimento musical entre os dois grupos de alunospesquisados em relação ao parâmetro da composição. Portanto, o fato de os alunos realizarem ou nãoatividades musicais à parte do ensino formal (escola de música) não interfere no desenvolvimentomusical individual.

Palavras-chave: música e educação, composição de alunos, desenvolvimento musical

Abstract. This article is based on the author´s dissertation, and it can be inserted in the field of musicpsychology. The research investigates the possible differences between the musical development ofmusic school adolescent students who perform musical activities apart from the formal education offeredby the institution, and those who do not. To answer the proposed question, a comparison was madebetween the individual musical developments of students from both groups, using composition as aparameter. The methodology used combines quantitative and qualitative techniques, of a longitudinalcut. The Spiral Model and the Spiral Theory served as the theoretical basis for the data analysis (bothcompositions and interviews). Initially, the (intentional) sample of students’ compositions was analyzedand, afterwards, an additional procedure was employed: the semi-structured interview, performed onlywith some students. The conclusion was that there were no differences between the musical developmentsof the two groups compared, when the parameter was composition. Therefore, the performing of musicalactivities apart from the formal education (music school) does not interfere in the individual musicaldevelopment.

Keywords: music and education, students’ compositions, musical development

WEICHSELBAUM, Anete Susana . Análise das composições de alunos de escola de música: uma investigação sobre possíveisdiferenças no desenvolvimento musical de alunos com perfis distintos. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 9, 17-28, set. 2003.

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O objetivo desta pesquisa foi investigar apossibilidade de existir diferenças no desenvolvi-mento musical entre alunos de uma escola de mú-sica com perfis distintos, ou seja, alunos que reali-zam atividades musicais à parte do ensino formaloferecido pela instituição e alunos que não as rea-lizam. A pesquisa foi realizada com alunos do Cur-so de Formação Musical I da Escola de Música eBelas Artes do Paraná, em Curitiba, que cursam adisciplina Educação Musical Coletiva, a qual lecio-no. O parâmetro de comparação adotado foi a com-posição. Neste estudo, as características distintasdos dois grupos de alunos comparados restringem-se especificamente ao fato de os alunos realiza-rem ou não uma atividade musical (uma ou maisde uma atividade musical) em paralelo ao estudoformal1 . Essa característica foi diagnosticada nodocumento elaborado anteriormente sobre o perfildo aluno (EMBAP, 1999/2000), que serviu comoindicação da questão de investigação. Outro as-pecto particular desta pesquisa consiste noreferencial teórico adotado para a análise dos da-dos, que é o mesmo referencial, com ligeiras adap-tações, adotado pela instituição para esse curso, apartir de sua reestruturação curricular2 .

Em relação ao perfil do aluno (EMBAP, 1999/2000), que fora levantado durante o processo dereestruturação curricular dos cursos de extensão3 ,uma das questões revelou que a grande maioriados alunos exerce atividades musicais, amadorasou profissionais, paralelamente ao seu estudo mu-sical nessa escola. Dos alunos entrevistados,

79,28% realizam atividades musicais à parte doensino formal oferecido pela escola4 . Nessa ques-tão, as respostas de múltipla escolha indicaram queos alunos exercem atividades musicais na família,na escola, em igrejas, em corais, em festas e casa-mentos, como professores de música e como mú-sicos populares e eruditos. As respostas abertasainda revelaram outras atividades por eles desen-volvidas, tais como: músicos de orquestra, de gru-pos instrumentais, músicos atuantes em peças deteatro, tecladistas e percussionistas.

Diante desse quadro, no qual a aprendiza-gem dos alunos se volta para outros contextos alémdo ensino musical formal oferecido pela instituição,é interessante observar as considerações propos-tas por Swanwick. Inicialmente, esse autor escre-veu que foi inclinado a estabelecer uma hipóteseque enunciava que a educação musical em esco-las fosse capaz de fazer a diferença para o desen-volvimento musical da criança (Swanwick, 1994).Posteriormente, reviu sua posição. Assim, emborao autor advogue que já se conhece muito sobre odesenvolvimento musical e a forma de promovê-lo, adverte que a escola não é a única agência pelaqual a música é ensinada e não necessariamenteo melhor ambiente5 . Nesse sentido, Swanwickaponta para o “espaço para fora”, uma “rede” deeducação musical, formada por vários espaços (dacomunidade até o alcance global), citando outrasformas de educação musical influenciadas pelaenculturação e por processos menos diretivos deensino e aprendizagem.

1 Atualmente debate-se muito acerca da adequação dos termos formal, informal ou não-formal, em relação às diversas práticas deensino e aprendizagem, levando-se em conta a diversidade dos espaços culturais, tais como as diversas vivências extracurriculares, amúsica praticada “fora das escolas”, segundo Swanwick, o ensino alternativo, as práticas musicais orais, dentre outros. Considerandoque tais termos podem se mostrar impróprios e/ou ambíguos, requerendo ao mesmo tempo uma relativização, considero neste estudoque o ensino formal (oferecido pela instituição pesquisada) refere-se ao ambiente escolar, nesse caso, também institucionalizado (segundoArroyo et al., 2000, poderia ser realizado por uma instituição escolar não oficial, também). O ensino informal, segundo Oliveira (2000),pode ser relacionado a outros ambientes, tais como a rua, a casa e encontros. Arroyo et al. (2000, p. 79) também utilizam o adjetivo“informal” para se referir ao ensino e à aprendizagem musical que acontecem “no contexto das culturas populares e mesmo no cotidianodas sociedades urbano-industriais (aprendizagem que ocorre através dos meios de comunicação, de informação, etc)” Ver mais detalhessobre essa questão em: Arroyo et al. (2000) e Oliveira (2000).2 A EMBAP mantém na sua extensão um curso básico de música denominado de Curso de Formação Musical I, destinado a criançase adolescentes. Esse Curso passou recentemente por uma reestruturação curricular, adotando como referencial teórico um modeloconjugado entre o Modelo Espiral de Desenvolvimento Musical e o modelo C (L) A (S) P, denominado por Liane Hentschke como modelode atividades (T) E C (L) A. Ver mais detalhes no Referencial Curricular (EMBAP, 1999).3 Os cursos da extensão da EMBAP, Intermediário de Instrumento e Intermediário de Canto, foram substituídos, em 2000, pelos cursos:Curso de Formação Musical I, Curso de Formação Musical II (instrumento e canto), Curso Avançado em Música e Cursos Livres. Esseprocesso teve por consultora a Profa Dra Liane Hentschke.4 O questionário foi enviado a 145 alunos que compareciam regularmente às aulas de “teoria”; 140 questionários foram respondidos por132 alunos do Curso Intermediário de Instrumento e 8 alunos do Curso Intermediário de Canto. A faixa etária dos alunos era entre 10 e16 anos. Os alunos acima de 17 anos representavam 35, 71% da amostra.5 “Não é de todo claro que o ensino formal (escolarização) pode não ser, necessariamente, o melhor ambiente. Muitos estudos aindaprecisam ser feitos sobre a aprendizagem musical à parte dos programas instrucionais, como parte do processo vitalício de enculturaçãoe sobre os efeitos de diferentes níveis de estruturas instrucionais, especialmente sobre o ensino e a aprendizagem menos diretivos eseqüenciados de forma mais solta nos estágios iniciais do desenvolvimento do indivíduo. O futuro da educação musical pode nãodepender tanto de escolas, como nós as conhecemos, mas de coisas como oportunidades nas comunidades locais e oportunidades naWeb”. (Swanwick; Runfola, 2002, p. 393, tradução nossa).

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O referencial teórico adotado neste trabalhocontempla os critérios de avaliação do desenvolvi-mento musical previstos no Modelo Espiral de De-senvolvimento Musical, de Swanwick e Tillman(1986), bem como na Teoria Espiral de Desenvol-vimento Musical, publicada por Swanwick na suaobra Music, Mind and Education (1988). Tambémforam consideradas as obras posteriores deSwanwick (1994, 1999) e o artigo de Swanwick eRunfola (2002).

O Modelo Espiral emergiu da análise de 745composições desenvolvidas por alunos de escolaregular na Inglaterra. A composição musical é defi-nida por Swanwick (1988) de forma muito ampla eocorre quando existe liberdade de escolha noordenamento da música, com ou sem notação ououtras formas detalhadas de instruções de execu-ção. Para o autor, os “julgamentos” musicais nacomposição oferecem um alcance maior do que oobservado na execução e na apreciação, constitu-indo-se num bom indicador do desenvolvimentomusical geral (1994)6 . Dessa forma, justifica-se aescolha da composição como parâmetro de com-paração nesta pesquisa.

Pratt e Stephens (1995) complementam queas atividades incluídas no parâmetro da composi-ção constituem-se de três níveis distintos: a impro-visação, que se refere ao fazer musical espontâ-neo, a composição propriamente dita, subentendi-da como o refinamento de uma idéia musical aoseu estágio final, e o arranjo, que diz respeito aalterações e adaptações de músicas existentes.

As composições que deram origem ao Mo-delo Espiral (Swanwick; Tillman, 1986) foramcoletadas em meio a um fazer musical real, expos-to a condições diversas. Segundo Swanwick eTillman (1986), os julgamentos qualitativos dessascomposições mapearam, pela primeira vez, umaseqüência na qual as crianças as desenvolviam.

Dessa forma, Swanwick (1988, p. 81) afirma que“o processo de desenvolvimento musical pode servisto também como um mapa dos elementos deresposta musical”7 . O Modelo Espiral prevê que odesenvolvimento musical ocorre de formaseqüenciada e cumulativa8 , através de quatro es-tágios (ou camadas) diferentes de resposta musi-cal, ou, conforme denomina Hentschke (1993),quatro dimensões de crítica musical, que são: Ma-teriais, Expressão, Forma e Valor. O estágio Mate-riais é caracterizado pela consciência e controlesobre os materiais do som, demonstrados pela dis-tinção de timbres, níveis de intensidade, durações,alturas e pelo controle técnico sobre instrumentose vozes. O estágio Expressão, pela consciência econtrole do caráter expressivo, demonstrado peloclima ou atmosfera, pelo gesto musical e pelo sen-so de movimento sugerido no contorno9 da frasemusical. No estágio Forma, o indivíduo alcançaconsciência e controle da forma musical manifes-tada nas relações entre os gestos musicais: seesses são repetidos, transformados, contrastadosou conectados. E, por fim, o estágio Valor é carac-terizado pela valoração da música, de forma pes-soal ou cultural, demonstrada na autonomia, naavaliação crítica independente e num comprometi-mento sistemático com a música, fortemente sus-tentado por idiomas musicais específicos(Swanwick, 1999).

Para cada estágio ou camada há dois mo-dos ou fases10 . Por exemplo, no estágio Materiais,inicialmente o aluno explora e/ou percebe11 o som(Sensorial), para, numa fase seguinte, ser capazde controlar e/ou identificar um instrumento ou ou-tra fonte sonora (Manipulativa). Assim, da faseSensorial para a Manipulativa ocorre uma mudan-ça qualitativa. Tal mudança se repete em cada es-tágio, indicando o movimento oscilatório entre olado esquerdo, o lado idiossincrático do fazer mu-sical, e o lado direito, o lado do fazer musical soci-almente compartilhado e/ou convencional.

6 Conferir também o trabalho de Silva (1998) e de Swanwick e França (1999). O primeiro trabalho se refere à tese de doutorado deMaria Cecília Cavalieri França e Silva e o segundo ao artigo em conjunto entre essa autora e Keith Swanwick. Em ambos, os autoresindicam que a composição apresenta uma tendência (psicológica) predominantemente assimilativa, enquanto que a execução e aapreciação caracterizam-se por uma tendência acomodativa. Assim, segundo os autores, no jogo imaginativo, o aluno decide, conscienteou inconscientemente, quais elementos musicais serão articulados e de que forma. Em trabalho publicado em 1983, Swanwick estabeleceuma analogia entre o ensino das artes com o jogo proposto por Piaget. Nesse texto, o autor já sustentava que a atividade composicionalé de natureza assimilativa (Swanwick, 1983).7 “The process of musical development can be seen also as a map of the elements of musical response” (Swanwick, 1988, p. 81).8 Essas características serão abordadas no decorrer do texto.9 Para evitar confusões na tradução sobre o texto original, a palavra shape foi traduzida como contorno (no sentido de formato) e nãocomo forma.10 Swanwick também adota a expressão “níveis” para se referir aos modos ou fases. Ver Swanwick (1994), Swanwick e França (1999)e Swanwick e Runfola (2002).11 Considerando-se as especificidades de cada atividade musical, o verbo explorar refere-se à composição, enquanto o verbo perceberrefere-se à apreciação.

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Em 1994, na obra Musical Knowledge:Intuition, Analysis and Music Education, Swanwickamplia a relação encontrada entre os lados esquer-do e direito do Espiral num mesmo estágio, pro-pondo um modelo psicológico mais detalhado, querepresenta a natureza dialética do engajamentomusical12 . Tal relação polarizada pode ser obser-vada entre instrução e encontro, intuição e análi-se, assimilação e acomodação. Nessa obra,Swanwick apresenta uma versão resumida dos oitomodos ou fases, então denominada somente de“O Espiral de Desenvolvimento”13 . Ilustra, ainda,com dados de outras pesquisas, a confirmação doscritérios de avaliação do Espiral para a apreciaçãoe a execução. O termo “Espiral de Desenvolvimen-to” é empregado posteriormente por Swanwick emoutros trabalhos14 , e será adotado por mim, nesteartigo, referindo-se ao Modelo Espiral.

Swanwick e Tillman (1986) e Swanwick(1988) justificam a representação do seu modelode conhecimento musical em formato de espiral15

por três razões. A primeira é devido à sua nature-za cíclica, ou seja, recursiva16 , na qual, a cada novoencontro com música, o indivíduo, independente-mente de sua idade ou vivência musical, nuncadeixa de responder primeiramente aos Materiais,mesmo que de forma muito rápida, para então atin-gir os outros estágios. A segunda razão deve-se àsua natureza cumulativa17 , que pressupõe que umdeterminado estágio só pode ser atingido quandoos anteriores já se encontram firmemente estabe-lecidos, ou seja, um estágio só é alcançado quan-do a composição (ou a execução ou a apreciação)apresenta, consistentemente, as principais carac-terísticas daquele nível, subentendendo as carac-terísticas dos níveis precedentes. A terceira razão,já mencionada anteriormente, diz do movimentooscilatório/pendular realizado entre os lados es-

querdo e direito do Espiral, representando os doisaspectos distintos e complementares do desenvol-vimento musical, respectivamente, entre a dimen-são pessoal, idiossincrática e a dimensão social-mente compartilhada do fazer musical.

Abordagem metodológica

Para responder à questão proposta, referen-te à possibilidade de existir diferenças no desen-volvimento de alunos de uma escola de música,entre dois grupos de alunos com perfis distintos,foi utilizado o método quantitativo/qualitativo18 decorte longitudinal. Tal metodologia conjugou a abor-dagem quantitativa com a abordagem qualitativa,para a primeira (fase A) e segunda fase (fase B) dapesquisa, respectivamente. A fase A contemplou odesenvolvimento individual dos alunos, através daanálise das composições coletadas ao longo dequatro bimestres. Foi estabelecida uma regra, es-pecialmente formulada nesta pesquisa, que visouà obtenção da classificação das composições dosalunos num único modo ou fase, segundo os crité-rios de avaliação do Espiral de Desenvolvimento.

A abordagem qualitativa foi adotada para asegunda etapa da pesquisa (fase B), caracterizadapor um procedimento complementar, a entrevistasemi-estruturada. Tal procedimento foi adotado paraconfirmar e/ou identificar modos mais elevados declassificação dos produtos de acordo com os critéri-os de avaliação estabelecidos pelo Espiral, e foi re-alizado somente com alguns alunos.

Através da comparação dos dois proce-dimentos, pôde-se obter o resultado do desen-volvimento musical individual, indicando se omesmo seria igual ou diferente entre os doisgrupos pesquisados, respondendo-se à ques-tão investigada.

12 Ver mais detalhes no capítulo 5 da obra citada de Swanwick (1994).13 Do original, The Development Spiral (Swanwick, 1994, p. 90). Em resposta a um e-mail por mim enviado, o autor me esclareceu queo termo acima citado se refere mais especificamente ao Modelo Espiral e não à Teoria Espiral.14 Ver Swanwick e Runfola (2002).15 Os termos utilizados no original são spiral ou hélix (Swanwick, 1994), porém o primeiro é mais usado.16 O termo recursão aparece no texto de Swanwick e Runfola (2002) referindo-se às seqüências de desenvolvimento propostas pelosprofessores, que são seqüências de natureza recursiva, e sempre reativadas em novos contextos musicais (Swanwick; Runfola, 2002,p. 393). Doll (1997) utiliza o termo recursão como premissa na elaboração de uma matriz curricular pós-moderna.17 Ver o trabalho de Del Ben (1996/1997), no qual a autora identificou respostas referentes à dimensão de Expressão nas respostas dosalunos classificadas no estágio de Materiais. Porém, a autora comenta que essas respostas se restringiam a citar os elementos expressivosda música, mas os alunos não conseguiam justificar o uso dos mesmos, a partir dos Materiais. Portanto, a autora conclui que existemlacunas em relação à descrição das respostas que caracterizam o desenvolvimento da apreciação que não são contempladas noEspiral, no sentido de os alunos citarem os elementos expressivos no primeiro estágio, mas não serem capazes de justificar seu uso emrelação aos Materiais. Tais respostas à apreciação, não contempladas pelo Modelo Espiral, ampliam as informações sobre odesenvolvimento da compreensão musical do individuo e não invalidam a seqüência de desenvolvimento proposta pela Teoria Espiral.18 Também denominado quali-quantitativo.

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19 Segundo Marconi e Lakatos (1999), a vantagem desse procedimento em relação à aplicação de um questionário é a presença dopesquisador, que pode prestar algum esclarecimento ao entrevistado, formulando de maneira diferente alguma pergunta ou especificandoalgum significado, com a garantia de estar sendo compreendido.20 Em virtude da implantação do Plano Piloto em 2000, em 2001 foi ofertado o ano VI e em 2002, o ano VII, ano final do cursomencionado. Assim, os alunos do ano VI para o VII (mais “velhos”) foram os primeiros alunos a se formarem no novo curso implantado.21 Para isso, levou-se em conta o menor número de indivíduos, neste caso, do ano VI, sete indivíduos do grupo B (os alunos maisvelhos). Desses sete, foram escolhidos seis alunos, em função da idade.22 Com a implantação do Plano Piloto do novo curso em 2000, os professores (de Educação Musical Coletiva, do ano IV em diante)decidiram realizar uma atividade composicional por bimestre, já que a mesma implicaria a apreciação de um repertório e a execução eapreciação das composições dos alunos em aula, o que demandaria de três a quatro aulas.23 Em função do afastamento da professora da turma por motivos de saúde.24 Ver também o artigo de Swanwick e França (1999). O estudo de Silva investigou se o conhecimento musical do aluno se manifestariade forma simétrica entre as modalidades de composição, performance e execução. A autora coletou nove produtos (três de cadamodalidade) e obteve 12 julgamentos desses produtos de quatro professores-juízes. A avaliação considerou que os modos do Espiralfossem relacionados a uma escala numérica (série ou distribuição), de um a oito, relacionada respectivamente à seqüência do Espiral(do modo Sensorial ao Sistemático). Para a obtenção do valor da avaliação, a média dos doze julgamentos foi evitada, assim como osresultados fornecidos pela mediana (o valor central de uma seriação), bem como o valor definido pela moda (o valor mais freqüente deuma seriação). Desse modo, a autora estipulou uma regra que previu que a classificação final seria obtida a partir de, no mínimo, trêsjulgamentos do modo mais elevado alcançado pelo aluno. Contudo, essa regra não permitiu diferenciar um aluno que alcançasse, dos 12julgamentos, três produtos no modo idiomático, por exemplo, de um aluno que alcançasse a classificação de oito produtos no mesmomodo. (A partir de comunicado pessoal escrito pela autora, que adota os termos “modalidade” e “performance”, mantive esta terminologia;convém ainda mencionar que a autora utiliza o termo “níveis” para modos).25 Os alunos não tiveram seus nomes revelados na pesquisa, contudo, foram identificados pela letra dos seus respectivos grupos (A ouB) e por um número.

Em linhas gerais, a fase A foi constituída pri-meiramente pela escolha da amostra, seguida pelacoleta e análise das composições. Apliquei umquestionário em formato de formulário19 com o pro-pósito de identificar alunos com o perfil estipulado,e, posteriormente, determinar a amostra. Os alu-nos foram identificados por duas letras, A e B, sen-do que o grupo que realiza atividades musicais àparte do ensino musical formal foi denominado degrupo A, enquanto o grupo formado por alunos quenão realizam tais atividades foi denominado grupoB. A população foi constituída por alunos dos anosmais adiantados do Curso de Formação Musical I,no caso, ano V e ano VI20 . Dos 56 alunos entrevis-tados, 34 alunos responderam que realizam ativi-dades musicais à parte do ensino musical ofereci-do pela escola (grupo A), o que indica que a maio-ria deles (64,28%) realiza tais atividades. Destes,foram escolhidos 24 alunos para a amostra queadequaram ao perfil exigido. A amostra foi, portan-to, intencional. Era necessário que esse númerofosse par para permitir a comparação do desen-volvimento musical dos dois grupos21 . De cada gru-po (A e B) foram selecionados 12 alunos do ano V(os mais “novos”) e 12 alunos do ano VI (os mais“velhos”), sendo que, de cada ano, metade eraconstituída por alunos do grupo A e a outra meta-de por alunos do grupo B.

Em seguida, foi realizada a coleta das com-posições dos alunos. Foi prevista a coleta de umacomposição por bimestre, desenvolvida individu-

almente pelos alunos da amostra22 , nas aulas deEducação Musical Coletiva, ano V e VI. Todas ascomposições foram gravadas duas vezes em se-guida. A coleta foi iniciada no terceiro bimestre de2001 e terminou no segundo bimestre de 2002. Aprevisão desse cronograma foi alterada em rela-ção à coleta dos alunos mais “novos” (ano V) noano de 2002 ter sido postergada um bimestre23 .

Após a coleta das composições, todas elasforam transcritas em programa de edição musicalpara, em seguida, serem avaliadas ao término decada semestre com base no referencial teórico es-tabelecido. A regra aqui estabelecida teve comoobjetivo contemplar o desenvolvimento individual,considerando o conjunto de produtos apresenta-dos pelo aluno. Tal regra foi baseada no trabalhorealizado por Silva (1998)24 . Assim, foi estipuladoum número mínimo de composições no mesmomodo para indicar o modo mais elevado atingidopelo aluno, indicando a classificação final das com-posições. O enunciado da regra previa que:

Seriam suficientes duas ou mais composições nummesmo modo para estipular o modo mais elevado dedesenvolvimento musical atingido pelo aluno,considerando que os critérios de avaliação do Espiral deDesenvolvimento são cumulativos.

Essa regra também contemplou a naturezarecursiva do Espiral já que cada tema sugerido paraa composição reativa esse processo (de recursão).A Figura 1 ilustra o procedimento adotado com aaluna A-225 .

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Na fase B foi estipulado que seriam entre-vistados somente os alunos que alcançassem aclassificação de duas ou mais composições nomodo Idiomático ou acima deste, de acordo comos critérios de avaliação do Espiral. Foram entre-vistados quatro alunos, todos mais “velhos”, sen-do dois do grupo A e dois do grupo B. Os outrosalunos que não preencheram essas condições nãoforam entrevistados, uma vez que considerei a na-tureza cumulativa do Espiral. Optei por essa técni-ca por considerar que a entrevista se constitui num

26 Swanwick (1979) distingue dois níveis de resposta à música: o primeiro nível refere-se ao desenvolvimento, e é denominado peloautor de meaning to (significado de ou na). O segundo é denominado meaning for (significado para). O primeiro (de ou na) tem a ver coma clareza, a expressividade própria da música. O segundo significado tem a ver com a intensidade que a música adquire para o indivíduo,e com o conteúdo pessoal e afetivo para a vida da pessoa. Segundo Swanwick, o ensino musical pode ensinar o primeiro desses níveise proporcionar encontros para que os alunos alcancem o segundo nível, que já é da ordem do Valor, proposto posteriormente peloModelo e Teoria Espiral.

instrumento mais adequado para a compreensãodo processo de metacognição desenvolvido peloindivíduo no estágio Valor. De acordo com o Espi-ral de Desenvolvimento, esse estágio é caracteri-zado pelo aumento da consciência do indivíduosobre seu processo de pensamento e sentimentoem resposta à música26 , desenvolvendo a capaci-dade de reflexão, crítica e autocrítica sobre seufazer musical. A Figura 2 exemplifica o processode comparação realizado:

B-9, masc., 14.4 Bimestres: 3o. bim.

2001 4o. bim. 2001

1o. bim. 2002

2o. bim. 2002

Temas: Solfejo pentatônico

Livre Peça modal modo frígio

Livre

Classificação final:

Análise da composição:

Vernacular Idiomático/ Simbólico

Idiomático/ Simbólico

Idiomático/ Simbólico

Simbólico

Resultado final após a comparação: Análise da composição e análise da fala:

Vernacular Simbólico Idiomático

Simbólico Simbólico

Comparação dos dados: resultado final

Figura 2: Exemplos de resultados obtidos com a comparação (composição e entrevista)

A-2, aluna de piano, 13.6 Comp. com acordes Arranjo Comp. Modal (frígio) Comp. livre Vernacular Vernacular Especulativo Especulativo Predomina o modo Especulativo

Resultado individual (resultado final alcançado pelo aluno)

Figura 1: Exemplo de resultado final da classificação das composições: (fase A)

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O objetivo de adotar esse procedimento adi-cional foi de: a) confirmar, a partir dos elementosidentificados na fala do aluno, as classificações domodo no qual suas composições se encaixavam;e b) identificar, se fosse esse o caso, modos maiselevados de avaliação, de acordo com os critériosdo Espiral. Nesse caso, estar-se-ia considerandoa possibilidade das composições dos alunos, clas-sificadas nos modos citados, pertencerem a ummodo mais elevado do Espiral.

As entrevistas foram realizadas somentecom quatro alunos, os mais velhos, durante osmeses de setembro a outubro de 2002. Foram re-alizadas individualmente, na casa dos alunos ouem salas da EMBAP, e tiveram a duração de 45 a50 minutos.

Os instrumentos utilizados consistiram, ba-sicamente, no formulário (fase A) para a definiçãoda amostra e, para a entrevista (fase B), no roteiroe nos procedimentos “A” e “B” por mim criados. Aentrevista (fase B) se estruturou em torno de ques-tões relativas aos critérios de avaliação do Espiralelaboradas e direcionadas de modo a contemplaros estágios Forma e Valor do Espiral. Foi previstoque as perguntas abrangessem os parâmetros decomposição, apreciação e execução. Tanto o ro-teiro como as outras duas propostas (propostas“A” e “B”) tinham por objetivo procurar oferecercondições favoráveis para o aluno responder àsquestões propostas e discorrer sobre as suas pró-prias composições, estimulando respostas quecontemplassem os estágios Forma e Valor do Es-piral. A proposta “A” consistiu em pedir que o alu-no “representasse” o papel de crítico musical, fa-zendo seus comentários e observações sobre suascomposições, tendo-as à sua frente (somente apartitura). A proposta “B” consistiu em pedir que oaluno descrevesse verbalmente quais procedimen-tos musicais poderia utilizar para fazer um arranjoa partir de um tema apresentado. Foi enfatizadoao aluno que esse arranjo deveria expressar a“marca” do aluno, “seu toque pessoal”, e que eleteria toda a liberdade de modificar, adaptar o tema,sugerir outra instrumentação, etc.

Os procedimentos de análise dos dadosconsistiram na análise das composições e dasentrevistas. Realizei a análise das composições

com base nos critérios de avaliação descritos peloEspiral e complementados com o estudo apresen-tado por Silva (1998). As dúvidas emergentes fo-ram apresentadas e tratadas diretamente com KeithSwanwick27 quando de sua vinda ao Rio de Janei-ro28 . Não utilizei professores-juízes, como em ou-tras pesquisas (Fernandes, 2000; Silva, 1998).Estabeleci ainda que todas as composições fos-sem analisadas a partir de suas característicasmotívicas, estruturais e harmônicas. Tais critériosforam extraídos do referencial teórico citado.

Com a análise das composições (94 pro-dutos) realizada, contemplou-se, numa primeiraetapa, a comparação dos resultados gerais dasclassificações de todas as composições apre-sentadas pelos alunos dos dois grupos. Na se-gunda etapa foi focalizado o desenvolvimentoindividual, através da regra especialmenteestabelecida. Os resultados das composições edas entrevistas foram então comparados, finali-zando a análise. Os resultados estão descritosem seção posterior deste artigo.

A composição – algumas considerações

As composições foram desenvolvidas nasaulas de Educação Musical Coletiva da EMBAP,de maneira a integrar as atividades de composi-ção, apreciação e execução. Os alunos iniciavamsua composição em sala e a terminavam em casa.Neste estudo não foi delimitado um tempo máximopara os alunos finalizarem a tarefa em virtude dafalta de disponibilidade de salas individuais, oumesmo de salas com pianos para os alunos reali-zarem suas composições durante o horário da aulacoletiva. As composições foram coletadas logo apósa atividade ser proposta, ou nas aulas posteriores,e não sofreram influência da professora-pesquisa-dora ou dos professores de classe. Nesta pesqui-sa, os produtos coletados abrangeram os três ní-veis incluídos no parâmetro da composição: a com-posição propriamente dita, a improvisação e o ar-ranjo, sobressaindo-se a primeira, elaborada indi-vidualmente, com ou sem notação.

Os alunos escolhidos para a amostra estu-dam piano, violino, flauta transversa, flauta doce,violoncelo e trompa. Um único aluno (A-5) compôspara o seu instrumento, a flauta, e compôs tam-

27 As composições foram mostradas a Keith Swanwick, por ocasião do evento promovido pela UNIRIO: O Ensino Musical da Música,realizado entre os dias 20 a 30 de setembro de 2002, nas salas Vera Janacopoulos e Villa-Lobos (workshop e conferência de aberturado colóquio do PPGM/UNIRIO).27 Na ocasião, puderam ser mostradas a Swanwick duas gravações e a partitura de outras composições. Por fim, em datas distintas(outubro de 2002 e janeiro de 2003), as minhas dúvidas restantes foram enviadas, na forma de e-mail, anexando a partitura dascomposições, recebendo, em seguida, a resposta solicitada.

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bém para piano, utilizando um teclado em casa.Esse aluno não estuda piano na escola. Na entre-vista, o aluno explicou que, como ele não apresen-tava “domínio” da técnica no teclado, ele tocava ostrechos musicais que ele queria sobrepor em ou-tras vozes de forma mais lenta, e utilizava os re-cursos de um programa de edição musical parasobrepor as vozes desejadas e ouvi-las.

Enquanto os alunos executavam suas peçaspara a turma, as mesmas eram gravadas duas ve-zes em seguida. Durante a coleta, recolhi as parti-turas dos alunos que escreveram suas composi-ções, e fiz anotações sobre informações por elesprestadas ou fiz perguntas para confirmar algunsprocedimentos utilizados nas composições. Algunsexemplos: uma aluna (A-16) me contou que ela te-ria juntado, na sua composição, mais de um temapedido pelo professor da classe. Assim, a compo-sição apresentada já era uma adaptação entre aatividade anterior e o tema atual desenvolvido porela. Em outro caso, perguntei à aluna (B-11) se anota final da sua composição era realmente aque-la que ela tinha executado e escrito, uma vez quea sua composição não terminava na tônica (elacompôs só a melodia, terminando no segundograu). Perguntei se ela não teria se enganado nofinal, e propus, caso ela quisesse, que ela gravas-se novamente sua peça, dando a oportunidade daaluna poder mudar seu final. Minha insistência tevecomo objetivo confirmar se a intenção da aluna,era, de fato, realizar um final diferente, caracterís-tica prevista no modo Especulativo do Espiral, ouse se tratava de um engano.

A maioria dos alunos apresentou a partiturada sua peça, geralmente escrita à mão. Embora arelação entre notação e composição não seja o focodeste trabalho, a maioria dos alunos utilizou nota-ção convencional, enquanto uma parcela menordos alunos utilizou a cifragem. Três alunos da sé-rie mais adiantada apresentaram as suas compo-sições em partitura impressa em programa de mú-sica29 . Só um aluno (B-11) realizou um improviso apartir de uma base harmônica de blues. A sua com-posição, denominada “Duas Épocas”, consistia na

justaposição de dois idiomas musicais. Na primei-ra parte, a composição adotava procedimentos quelembravam um movimento lento de sonata barrocautilizando ornamentação livre. A segunda parteconsistia de um blues a ser improvisado pela pri-meira voz, enquanto a segunda voz realizava umacompanhamento. Após a sua execução, o próprioaluno escolheu uma dentre as duas gravações queviria a ser considerada para a análise. Alguns alu-nos não escreveram suas composições, e, nessescasos, geralmente, a composição executada exi-gia uma habilidade técnica maior de notação queos alunos ainda não dominavam.

Ressalta-se assim a importância da grava-ção como recurso que possibilita um registro maisfiel da idéia original do aluno. A gravação possibi-litou o registro dos elementos musicais, tanto emnível expressivo (dinâmica, articulação) comofraseológico (segmentação), a partir da execuçãodas peças pelo próprio aluno30 .

Os temas das composições (tarefas ou estí-mulos) contemplavam propostas bastantediversificadas, atendendo aos focos trabalhados nadisciplina. Tais temas abrangiam escalas diversas,como menor, pentatônica e modal (modo frígio), ouexploravam um trabalho com vozes, como a tarefaque conjugava a criação de uma parte rítmica dis-tinta à melodia composta pelo aluno. Outra pro-posta permitia ao aluno a escolha do tema: acen-tos deslocados (contratempos) na melodia oubaião. Essa opção foi proporcionada a partir daapreciação de uma suíte durante o bimestre. Ou-tras propostas consistiam em atividades livres, ondeos alunos poderiam decidir por si próprios os ele-mentos da composição (Materiais), a partir dos ele-mentos estudados num período maior de tempo,no bimestre ou no semestre.

Embora todas as atividades fossem forte-mente classificadas, no sentido do termo propostopor Bernstein (apud Swanwick, 1988; apud Domin-gos et al. [s.d.])31 , pôde-se perceber o grau de va-riação do enquadramento conferido por cada pro-fessor. O enquadramento se refere ao estilo peda-

29 Os alunos utilizaram o programa de edição musical Encore.30 Algumas partituras apresentadas pelos alunos continham erros de escrita. Na maioria dos casos, esses erros verificados eram emrelação ao ritmo e não às alturas e, em menor quantidade, em relação à indicação errada de uma fórmula de compasso, a qual poderiaser facilmente conferida pela gravação. Contudo, os estudos da área de educação musical apontam que há evidências de que a escritapode se tornar um dos fatores que dificulta e inibe a composição dos alunos. Por essa razão, prevalece o critério da gravação em relaçãoà escrita apresentada pelos alunos.31 Segundo Swanwick (1988), citando Bersntein, a classificação diz respeito ao exercício de seleção dos conhecimentos a serem incluídos(ou excluídos) no currículo. O enquadramento diz respeito ao estilo pedagógico, manifestado pela graduação de controle exercido peloprofessor ou estudante sobre a seleção, organização e ritmo do assunto a ser aprendido (ver também Domingos et al. [s.d.]. Em relação aoenquadramento e ao ensino musical, Swanwick compara um enquadramento mais solto com o lado esquerdo do Espiral, o lado do encontro;e um enquadramento mais rígido, com o lado direito do Espiral, o lado da instrução (Swanwick, 1988, p. 120-138).

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gógico adotado pelo professor para organizar eimpor o ritmo da aprendizagem, o qual pode serconduzido de forma mais solta ou firme. Nesseaspecto, embora este não seja o foco do estudo,pode-se facilmente observar a diferença deenquadramento nas tarefas propostas. A atividadede arranjo exerceu um enquadramento maior, con-ferindo menos liberdade aos alunos do que a ativi-dade composicional livre, na qual os alunos deve-riam utilizar os elementos estudados no semestre.Tal aspecto será abordado posteriormente com osresultados.

32 Foi aplicado o teste de qui-quadrado (x2) para confirmar a hipótese de igualdade alcançada por ambos os grupos. Com a aplicaçãodo teste, confirmou-se que as diferenças alcançadas não são significativas, portanto, os dois grupos alcançaram modos equivalentes(considerando-se (1- a) = 99% de nível de significância).33 Enquanto os alunos mais novos concentraram os resultados nos modos Vernacular e Especulativo, apresentando um desenvolvimentomuito equilibrado, os alunos mais velhos tiveram suas composições avaliadas do modo Vernacular ao Simbólico. O grupo A apresentouum desenvolvimento em direção aos modos subseqüentes do Espiral, ou seja, partiu do Vernacular para alcançar (decrescentemente)os modos Especulativo, Idiomático e Simbólico; porém, o grupo B não apresentou um desenvolvimento padrão, ou seja, seus produtos,embora alcançassem o modo Simbólico (4 composições), apresentaram uma grande diferença entre o modo Especulativo (21composições) e o Idiomático (1 composição).34 Todos os alunos, com exceção de um (A-6), tiveram duas composições classificadas no modo Simbólico. Portanto, a classificaçãofinal (depois da comparação com os dados da entrevista) dos alunos A-5, B-9 e B-11 foi o modo Simbólico. A classificação final do alunoA-6, mesmo tendo apresentado um produto classificado no modo Simbólico e um no modo Idiomático, foi o modo Idiomático.

Resultados

Inicialmente, foi contemplado o resultadogeral das classificações de todas as composições(Tabela 1) apresentadas pelos alunos dos dois gru-pos. Confirmou-se estatisticamente32 que os resul-tados alcançados por ambos os grupos33 foramhomogêneos. Contudo, o procedimento revelou queos alunos mais velhos do grupo B não apresenta-ram um desenvolvimento padrão, apresentandomais produtos classificados no lado esquerdo doEspiral.

Tabela 1: Classificação geral de todas as composições em relação aos modos do Espiral

Em seguida, com o estabelecimento da re-gra, pôde-se contemplar o desenvolvimento indivi-dual alcançado pelos alunos da amostra. Tal resul-tado é indicado no Quadro 1 (a seguir) na últimacoluna. Com exceção dos quatro alunos que tam-bém foram entrevistados na fase B, os demais (20alunos) foram avaliados já na fase A.

As entrevistas semi-estruturadas revelaramque os alunos utilizam determinados procedimen-tos musicais previstos nos estágios Forma e Valor.Em relação ao modo Idiomático, os alunos foramcapazes de discorrer sobre a estrutura, identificaro estilo, bem como citar e justificar as característi-cas dos idiomas mais conhecidos por eles, identifi-

car surpresas e contrastes empregados por elesna composição, justificando os recursos utilizados(provenientes dos estágios anteriores – Materiaise Expressão). Os alunos34 também demonstraramconhecimento do processo de metacognição, pró-prio de estágio Valor, ao responderem, de formaidiossincrática, ao valor da música, demonstrandocomprometimento pessoal com determinadasobras, compositores, estilos, insights e apreciaçãocrítica independente (modo Simbólico). A atitudede um aluno (A-5) de compor regularmente e sem-pre estar pensando em temas musicais sugere oaparecimento do modo Sistemático, porém este nãofoi ainda firmemente estabelecido.

Manipulativo Expressão Pessoal

Vernacular Especulativo Idiomático Simbólico Total de composições

Grupo A

01 03 21 16 03 03 47 compos.

Grupo B

04 02 15 21 01 04 47 compos.

Total: 94 composições.

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Observou-se que os quatro alunos entrevis-tados tiveram em comum a classificação de altosescores na tarefa denominada “tema livre”. De for-ma coincidente ou não, a maioria dessas peças foiintitulada pelos alunos. Dentre as oito composiçõesrealizadas com esse tema, sete composições35 fo-ram classificadas no modo Simbólico do Espiral,enquanto que na peça modal os alunos atingiramas fases Especulativa (2 composições) e Idiomáti-ca (2 composições). No solfejo pentatônico todosos alunos entrevistados tiveram suas peças clas-sificadas na fase Vernacular do Espiral36 . Esseaspecto sugere uma tendência entre o baixo graude controle – enquadramento e classificação (pro-postos por Bernstein, apud Swanwick e Domingoset al.)37 – exercido pelo professor ao propor o temada composição e o alto nível alcançado na classifi-cação do produto.

Dessa forma, levando-se em conta tais da-dos, pode-se considerar que, quanto menosrestritiva for a tarefa solicitada pelo professor, asclassificações tenderão a atingir modos mais ele-vados do Espiral. Apresenta-se, portanto, esseaspecto como sugestão de tema para futuras pes-quisas.

Os alunos entrevistados ainda informaramque ampliam seus conhecimentos independente-mente dos conhecimentos transmitidos só peloensino formal. Tal critério de análise das composi-ções emergiu com a fala dos alunos. Portanto, fo-

ram contempladas situações de aprendizagem de-senvolvidas em ambientes de ensino formal, não-formal ou informal. Um aluno (B) relatou que buscaseu aprimoramento através da apreciação (indo aconcertos, análise do repertório) e outro, da com-paração (transferência) entre os conhecimentosadquiridos na teoria e no instrumento. Outro aluno(B) extrai da execução do seu repertório o materialpara as composições solicitadas. Um outro aluno(A) aprofunda seus conhecimentos de harmonialendo livros sobre o assunto (o de Almir Chediak),enquanto outro busca tais conhecimentos pelaInternet (A) e no julgamento dos pares – aprecia-ção crítica de colegas.

O Quadro 1, que neste estudo apresentasomente alguns exemplos, sintetiza os resultadosobtidos: identifica todas as composições (isoladas)apresentadas pelos alunos durante a coleta e aclassificação final das composições. Esse proce-dimento proporcionou uma avaliação mais seguradas composições, considerando-se dois aspectos:a) a classificação de uma composição isolada (clas-sificação por bimestre) e b) a classificação indivi-dual do aluno, levando-se em conta todas as suascomposições, ou seja, um conjunto de produtos(classificação final).

Primeiramente, aparecem os alunos dos doisgrupos, A e B, formados por alunos mais velhos,ou seja, do ano VI para o ano VII; em seguida apa-recem os grupos A e B, formados pelos alunos maisnovos, do ano V para o VI.

35 O “tema livre” foi solicitado no 2o bimestre de 2001 e no 2o bimestre de 2002. Das sete composições mencionadas, três composiçõessão referentes ao 2o bimestre de 2001 e quatro ao 2o bimestre de 2002.36 Dos alunos que realizaram a tarefa “solfejo pentatônico”, cinco alunos alcançaram o modo Vernacular e uma aluna alcançou o modoEspeculativo.37 Os termos classificação e enquadramento já foram citados e conceituados anteriormente.

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Quadro 1: Exemplos da classificação isolada das composições e classificação final das composições

O Quadro 2 é derivado do quadro anterior eindica os resultados obtidos da análise individualdo desenvolvimento dos 24 alunos. Nessa classifi-cação final, os alunos mais novos tiveram suascomposições classificadas entre os modosVernacular e Especulativo, com exceção de umaaluna, a mais nova da amostra, que teve suas com-

posições classificadas no modo Expressão Pesso-al. Os alunos mais velhos obtiveram a classifica-ção entre os modos Vernacular e Simbólico do Es-piral. A comparação das classificações individuaistambém confirmou um equilíbrio apresentado pe-los alunos dos dois grupos distintos, comprovadoestatisticamente.

Expres. Pes. Vernacular Especulativo Idiomático Simbólico Grupo A

1 aluno

2 alunos 3 alunos Ano V para VI

Grupo B

4 alunos 2 alunos

Grupo A

1 aluno 3 alunos 1 aluno 1 aluno Ano VI para VII Grupo

B 1 aluno 3 alunos 2 alunos

Total: 24 alunos da amostra.

Quadro 2: Classificação individual dos alunos em relação aos modos do Espiral (classificação final)

Cód. aluno

Sexo: Idade*

3o. bim. 2001 4o. bim. 2001 1o. bim. 2002 2o. bim. 2002 Classificação final

A-1 Masc. 13.5 Especulativo Vernacular Vernacular Idiomático Simbólico

Especulativo

A-5 Masc. 15.5 Vernacular Simbólico Especulativo Simbólico Simbólico B-8 Fem. 14.2 Especulativo Especulativo Especulativo Especulativo Especulativo B-9 Masc. 14.4 Vernacular Simbólico Idiomático Simbólico Simbólico 1o bim. 2001 2o bim. 2002 2o bim. 2002 3o bim. 2002 A-14 Fem. 11.8 Vernacular Vernacular Especulativo Especulativo Especulativo A-18 Fem. 13.8 Especulativo Manipulativo Vernacular Vernacular Vernacular B-19 Fem. 11.7 Especulativo Especulativo Especulativo Vernacular Especulativo B-20 Masc 11.10 Vernacular Manipulativo Vernacular Especulativo Vernacular *A idade refere-se ao número de anos e ao número de meses, respectivamente.

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Conclusões

Foi verificado que o desenvolvimento musi-cal dos alunos dos dois grupos comparados napesquisa foi equilibrado, não apresentando dife-renças estatisticamente significativas em relaçãoao parâmetro da composição. Contudo, foi verifi-cado também que os alunos mais velhos do ano Bnão apresentaram um desenvolvimento padrão,com a predominância de característicasidiossincráticas, criativas, nas suas composições.

Os dados revelados e complementados pelaentrevista semi-estruturada confirmaram situaçõesparticulares de aprendizagem desenvolvidas pe-los alunos realizadas em outros espaços que nãoa escola (ensino formal). Segundo Swanwick, énecessário que os educadores musicais tambémvoltem sua atenção para outras agências, contem-plando, entre outras formas de aprendizagem,

Referências

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aquelas menos diretivas. Em relação à avaliaçãodas composições, sugiro que os professores sem-pre considerem a avaliação de um conjunto de pro-dutos, abrindo espaço para a recursão.

Sugiro ainda que seja realizada a replicaçãoda pesquisa em outros contextos de aprendizagemformal, como o ensino superior ou cursos profis-sionalizantes em música e a replicação da pesqui-sa a partir do parâmetro da apreciação e, especi-almente, da execução.

Ainda indico um assunto a ser futuramentepesquisado, que está relacionado aos temas (tare-fas ou estímulos) solicitados aos alunos para o de-senvolvimento da composição e a possível relaçãoentre o grau de enquadramento e classificação exer-cidos pelo professor de música e as prováveis impli-cações na avaliação dos produtos dos alunos.

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A pratica de so/fejo com basena estrutura pedag6gica

proposta par Davidson e Scripp

Regina Antunes Teixeira dos Santos

Programa de P6s-Gradua,ao em Musica - [email protected]

Liane Hentschke

Departamento de Musica - [email protected]

Cristina Capparelli Gerling

Departamento de Musica - [email protected]

Resume. A pratica de solfejo, sob 0 ponto de vista do conhecimento estrutural, surge como urninslrumento que permite urn processo de construc;.ao de linhas mel6dicas em niveis Qualitalivamentedistintos de compreensao musical. A Estrutura Pedag6gica proposta por Davidson e Scripp (1988c)conslitui-se urn modele que visa descrever as subhabilidades envolvidas no solfejo. Como urn modelo.essa estrutura tern potencial de desempenhar funyOes microanalilica e diagn6stica. A EstruturaPedag6gica possibilita tambem mapear 0 nivel de desenvolvimento do estudante em leitura musical apartir de tres modos de execw;ao, a saber: identifica<;:ao de notas. expressao rltmica e expressao dealturas. bem como de suas combina~oes e/ou integra<;:oes dessas modalidades.

Palavras-chave: solfejo. Davidson e Scripp. estrutura pedag6gica

Abstract. The pedagogical framework proposed by Davidson & Scripp (1988c) is a model that describessubskills present in sightsinging. This model has the potential to act as a diagnostic and micro-analytic1001. This tridimensional framework also highlights distinct phases of a student's sightsinging development,taking into account three perlonnance modes, namely note identification, rhythmic expression and pitchexpression, as well as their combination andlor integration. From the standpoint of structural knowledge,sightsinging is a device which allows the onset of a construction process of melodic lines in qualitativelydistinct levels of musical understanding.

Keywords: sightsinging, Davidson & Scripp, pedagogical framework

Introdu,ao

Educadores musicais (Davidson; Scripp,1988a, 1992; Demorest, 1998, 2001; Karpinki,2000; McCoy, 1989) tem enfatizado a importfmciada leitura musical como componente indispensa­vel para a conquista da independencia musical doestudante. No entanto, essa importancia nao serestringe apenas a um dominio, a uma autonomia

puramente tecnica. Goodman (1968) lembra que apartitura e comumente olhada como uma mera fer­ramenta, pois musica pode ser composta, aprendi­da e tocada de ouvido, sem qualquer guia e atemesmo por pessoas que nao saibam ler ou escre­ver qualquer tipo de notal'ao. Porem, tomar a nota­,ao como nada mais do que uma ajuda pratica e

29SANTOS, Regina Antunes Teixeira dos; HENTSCHKE, Liane; GERLING, Cristina Capparelli. A pratica de solfejo com base naestrutura pedag6gica proposta por Davidson e Scripp. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 9. 29-41. set. 2003.

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perder seu papel te6rico fundamental, pois ela, alemde definir a obra, demarca as execuyoes que Ihepertencem daquelas que nao 0 fazem. Assim, nocontexte da formayao profissional de musico emnivel superior, cabe a leitura musical permitir a in­terpretayao qualitativamente distinta da musicaexpressa atraves de simbolos em uma partitura, enao apenas executa-Ia de maneira mecanica

A leitura musical pode ser considerada emvarias dimensoes qualitativas, que abrangem desdea decodificayao da notayao musical atraves do "agru­pamento visual e mental de simbolos em padroes"(Rogers, 1984, p. 127) ate niveis de "percepyao econtrole de materiais sonoros, projeyao e localiza­yao de carater expressivo, consciencia da estruturadinamica e do valor" (Swanwick, 1994, p. 83). A lei­tura musical engloba modalidades de escuta inter­na, podendo esta ser efetuada por execuyao instru­mental, emissao vocal ou restrita a leitura silencio­sa, bem como combinayoes e integra,oes dessasmodalidades. Um instrumento para 0 desenvolvimen­to da leitura musical e 0 solfejo.

Ao lange dos seculos tem havido numero­sas abordagens do solfejo, algumas ditadas pelomodismo e por necessidades praticas e te6ricasdo momento hist6rico. Na Italia, no seculo XVII, 0

termo solfeggio referia-se a exercicios sem texto,escritos por professores de canto para auxiliar seusalunos no desenvolvimento da destreza vocal. Noseculo seguinte, repert6rios de solfejo passaram aser considerados essenciais a musicalidade, 0 quelevou a compilayoes e ampia dissiminayao dessescompendios (Jander, 2001). Demorest (2001) co­menta que no decorrer do seculo XVII, na Franya,teve origem uma corrente empregando silabas as­sociadas a alturas absolutas. Essa pralica espa­Ihou-se entre os demais paises da Europa conti­nental no seculo XVIII, dando origem aquilo que sedenominou posteriormente de sistema do fixo. Essesistema usa somente as sete silabas da escaladiatonica de d6 maior, onde todas as alturas cro­maticas sao cantadas atraves dos nomes das sila­bas de base. Esse sistema de simplifica,ao desolmizayao' foi concebido de maneira a tornar-semenos dependente do contexte da escala, em opo­siyao ao sistema movel (relativo), cujo principio dearticulayao baseia-se na relayao da tonica e fun-

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yoes dos graus da escala, como estrutura fixa aser adaptada sobre outras tonicas'

Na literatura encontram-se divergencias comrelayao a pratica de solfejo, enfocando niveis dis­tintos de posicionamento. Um grupo de autoresadverte que, muitas vezes, 0 ensino e aprendiza­gem do solfejo sao apresentados como uma pniti­ca de repetiyao mecanica atraves da memorizayaode exercicios acompanhados pelo piano, 0 queresulta em uma falta de aprofundamento das pos­siveis significayoes do sentido musical (Bernardes,2001; Musumeci, 1998). Poroutro lado, outros au­tores sao favoraveis ao solfejo, considerando-ocomo instrumento de desenvolvimento de escutainterna, mem6ria e compreensao musical(Demorest, 2001; Goldemberg, 2000; Hegyi, 1999;Karpinski, 2000). Nessa mesma direyao, algunsautores tem apontado alternativas para a sistema­tizayao da pedagogia de do fixe atraves daconscientizayao de estruturas tonais subentendi­das no contorno mel6dico (Bland, 2000; Lara, 1998;Lucas, 1994; Sterling, 1985). Esse procedimentonao utiliza memorizayao por intervalos, mas com­preensao da tonalidade a partir de graus e fun,oestonais, permitindo uma construyao da linha mel6­dica tonal de maneira mais consciente, ao mesmotempo que intuiliva, pois explora os conhecimen­tos advindos dos processes de encultura,ao.

No final dos anos 80, Davidson e Scrippimplementaram no New England Conservatory(NEC), em Boston (EUA), uma proposta de desen­volvimento de leitura musical atraves do solfejo,empregando 0 sistema de do fixe com valorizayaode estruturas funcionais no contexto da linha me­16dica e uma pratica de resoluyao de problemasna emissao, e nao na memorizayao de exercicios.Esta proposta e sustentada por fundamentos pe­dag6gicos, musicais e psicol6gicos. Como funda­mentos pedag6gicos, os autores apresentam umaestrutura pedag6gica que norteia os processes deensino e aprendizagem. A proposta traz como fun­damento musical a reparti,ao e compreensao doespayo tonal advindo do estudo sistematico deestruturas mel6dicas funcionais. as fundamentospsicol6gicos sustentam-se em conceitos da teoriade Piaget para explicar 0 desenvolvimento de lei­tura e compreensao musical ao lange do tempo.

1 0 terma ~solmiza9ao~ refere-se ao usa de silabas em associa9:'0 com alturas como inSlrumento mnem6nico para indicar intervalosmelOdicos. Essas silabas sao escolhidas arbitrariamente e colocadas em ordem preestabelecida. segundo conven9:'0 previa. (Hugues:Gerson-Kiwi, 2001. p. 644). Segundo Karpinski (2000. p. 146) as ideias de solmiza980 introduzidas por Guido d'Arezzo, ha dez seculos.trouxeram possibilidades de desvendar a significado e as sons da nota98o musical.

20 sistema relativo, alem da propria solmiza980 de silabas no sistema d6 m6vel, desdobrou-se em varios outros sistemas. tais como denumeros. de sinais manuais. de formato diferenciado para altura de notas. entre oulros. Ver, par exempia, Demorest (2001) e Hughes eGerson·Kiwi (2001).

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No presente artigo, serao detalhados os aspectosmusico-pedag6gicos vinculados a essa EstruturaPedag6gica.

A Estrutura Pedag6gica

Em sua proposta, Davidson e Scripp (1988c,p. 26-7) apresentam uma Estrutura Pedag6gica3

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para descrever as subhabllidades envolvidas napratica do soltejo. Segundo os autores, essa estru­tura e elaborada a partir de uma conceP9ao dedesenvolvimento da habilidade de leitura musical,e visa nortear os processos de ensino, aprendiza­gem e avalia9ao ao longo do curso de soltejo noNEG. A Estrutura Pedag6glca encontra-se repre­sentada na Figura 1.

//

,

~Inlegra~io parcial -. Inlegra~lio totsldas dimensoes das dimens6ts

C ~ C. Pulso Metrico C. Canto deI:; "::- 'C Padroes Ritmicos alturas.Nome de

~~~ 'J'J :: Grupo de Notas. Notas. Grupo de~~ ",,-0 ~ (sem altura) Notas. Pulso- :::: Q metrico.Padroes ."

0

Ritrnicos .'..••....

,,'

................................. ............................ ................................. ............................ .............................. ....................

" ~. • B. Pulso Metrico" B. Nome de Notas B. Canto deC -0," " Grupo de Notas Padroes Ritmicos alturas.Nome de~ -0

" "(leitura de padr6es, (entradas dtmicas Notas. Grupo de

l-Oll" .!:J sem ritmo ou sincfonizadas com Notas (canto de,,-0 "- ..c: alturas) pulso metrico, sem padroes de alturas" .!:J .......

::: altura sem ritmo) .... .'rJJ .......

.............. ............... .....................• .........•.•..................•.•.•.. ......................... ............ ..~..

" ~A. Nome de Notas A. Pulso Metrico A. Canto de altura

-0 " (decodifica~ao de (estabelecimento Nome de Dotas" -0l-

" nome de Dotas, sem de espa~o metrico (estabelecimento- -0""" " ritmo ou alturas) usando padroes de da tonalidade,"" -0 .!:J regencia cantando alturas V ......-0 "..c: com nome de nota V

" .!:J

"" :::

ZrJJ

I. Identifica~iio II. Expressiio III, Expressiiode Notas Ritmica de Alturas

Figura 1: Estrutura Pedagogica de Desenvolvimenta de Habilidade de Leitura Musical (Davidson e Scripp, 1988c. p. 28).

Segundo os autores, a Estrutura Pedag6gicaapresenta 3 modos de execu,ao envolvidos nosoltejo: identifica,ao de notas, expressao ritmica eexpressao de alturas, representados na Figura 1.respectivamente, da esquerda para a direita. A iden­tifica,ao de notas compreende a decodifica9ao donome das notas escritas em uma determinada cla­ve. A expressao ritmica, como 0 pr6prio nome suge­re, relaciona-se ao ritmo produzido dentro de variasmetricas e usando varios padr6es, eventualmenteconectados com a identifica,ao de notas. Flnalmen-

te. a expressao de alturas envolve a emissao vocalde alturas. com 0 nome de notas, com reterencia aum centro tonal, podendo estar combinadas com 0

rltmo (Davidson; Scripp, 1988c. p. 27).

A Estrutura Pedag6gica dentro da propostade Davidson e Scripp ocupa uma posi9ao central.lrata-se de um modelo desenvolvido pelos auto­res que tenta descrever as subhabilidades envol­vidas na emlssao de uma Iinha mel6dica. Na qual i­dade de modelo, ela contem uma descri9aO apro-

3 A Estrutura Pedagogica, segundo Davidson e Scripp (1998c, p. 28). foi construida a partir dos preceitos de delineamento do processocognitivo de instru980 propostos par Lin (1979). Uma analise interpretaliva desses preceilos na Eslrulura Pedagogica enconlra-sediscutida na literatura (Santos, 2003).

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ximada e ate certo ponto idealizada da realidadee, portanto, limitada. No entanto, a inoval'ao dessaestrutura esta na tentativa de sistematizar as sub­habilidades envolvidas no dominic crescente daleitura musical atraves do solfejo.

A sistematizal'ao dessas subhabilidadesapresenta-se na Estrutura Pedag6gica, sob formade oito celulas, dispostas em complexidade cres­cente e cumulativa, conferindo-Ihe um aspectomicroanalitico. A organizal'ao hierarquica dessaestrutura e apresentada em duas dimens6es: umavertical e outra horizontal. Na dimensao vertical, aEstrutura Pedag6gica apresenta os tres modos deexecul'ao:

I - identifical'ao de notas;

II - expressao ritmica;

III - expressao de alturas.

Esses tres modos de execul'ao sao sobre­postos em complex idade crescente, ou seja, nodeslocamento vertical ocorre um aprofundamentodentro de um mesmo modo de execul'ao. Na di­mensae horizontal a Estrutura apresenta tambemtres subniveis distintos que sao denominados:

A - entrada das subhabilidades;

B - integral'ao das subhabilidades;

C - integral'ao das dimens6es.

No primeiro subnivel (A), tem-se a aborda­gem primaria, mais fragmentada, quer seja no am­bito de idenlifica,ao de nolas, de expressao rilmi­ca ou de expressao de alturas. No segundo subnivet(B), tem-se uma organizayao por agrupamentos denotas, de ritmos e de alturas. Finalmente, nosubnivel C, tem-se a integral'ao desses agrupa­mentos de notas, ritmos e alturas (Figura 1).

as subniveis dessa Estrutura, dispostos emdimensao horizontal, podem ser consideradoscomo tres momentos qualitativamente distintos, 0

que permite revelar estagios diferenciados de com­preensao de uma linha mel6dica: 0 primeiro esta­gio, de natureza fragmentada, 0 segundo, buscan­do organizar 0 todo por agrupamentos e, finalmen­te, 0 terceiro estagio, demonstrando uma integrayaodas dimens6es. Nesse ponto de vista, a EstruturaPedag6gica pode ser interpretada como uma or-

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ganizayao implicita de coerencia dos estagios eprocessos envolvidos, nao descrevendo 0 caminhoa ser percorrido. Essa e uma distinyao muito im­portante a ser considerada numa atividade praticacomo 0 solfejo, pois cada individuo possui um pro­cesso pr6prio de aprendizagem ou maneira parti­cular de abordar ou observar uma situal'ao. Assim,a Estrutura Pedag6gica pode possibilitar tanto ummapeamento de condutas distintas como tambemrevelar estagios diferenciados de desenvolvimen­to de estudantes em sala de aula.

No entanto, e precise salientar que a Estru­tura Pedag6gica, tal como ela e detalhada pelosautores, somente considera dimens6es tecnicas noprocesso de leitura, ou seja, elementos tecnico­musicais compreendidos na leitura de nome denotas corretas, ritmos precisos e a emissao afina­da de uma linha mel6dica. Aspectos de nuanl'asexpressivas, fraseado e estilo nao sao ai conside­rados. Em outras palavras, ela estrutura-se somen­te na organizal'ao de materiais a serem compreen­didos, nao revelando a dimensao artistica. Por ou­tro lado, e claro que uma emissao global coerentedas tres dimens6es descritas na Estrutura poderevelar uma emissao vocal qualitativamente expres­siva e diferenciada.

Considerando que a Estrutura Pedag6gicadisp6e de celulas relacionadas a distintas sub­habilidades, combinadas ou nao, a emissao de umaIinha mel6dica por um estudante demonstrara as­pectos dominados e dificuldades a serem suplan­tadas, que, por sua vez, poderao ser localizadosnessa estrutura. Sob este ponto de vista, a Estru­tura Pedag6gica desempenha um papel de diag­n6stico, na medida em que permite identificar 0

nivel de integrayao das subhabilidades envolvidasna pratica do solfejo. Essa identifical'ao serve tan­to ao professor, para identificar as dificuldades doestudante e sugerir estudos especificos parasuplanta-Ias, como ao estudante, para compreen­der as possiveis causas de suas dificuldades emonitorar seu progressos. Segundo os autores, aEstrutura Pedag6gica capta, da melhor forma, amaneira pela qual os professores promovem ainteral'ao entre os varios modos de represental'ao'apropriados para cada dimensao, pois ela esclare­ce uma ampla gama de subhabilidades em com­plexidade crescente a serem executadas simulta­neamente (Davidson; Scripp, 1988c, p 29)

4 Segundo Davidson e Scripp (1988b, p. 19-22), na pratica do solfejo encontram-se envolvidos tres tipos de modalidades de representayao,a saber: modalidades visuais, cinestesicas e auditivas, denominadas modos de representagao. Os autores exemplificam esses modosde representayao atraves da sensayao fisica do movimento dos dedos para localizayao das notas no instrumento (modo de represenlayaocineslesico), da imagem da nota98o escrita da melodia na paula (modo de representa<;:ao visual) e associa<;:ao enlre silabas das notase suas alturas respectivas (modo de representa<;:ao auditiva).

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Um outro aspecto vinculado a Estrutura, fatotambem evidenciado pelos pr6prios autores, dizrespeito aos criterios de organiza<;ao tecnica que,de certa forma, sao fornecidos atraves das sub­habilidades (isoladas e/ou combinadas) dispostasnas oito celulas. Esses criterios de organizayaopodem ser uteis na analise de compendios desolfejo disponiveis na literatura em termos de as­pectos tecnicos enfatizados, que, por sua vez, po­dem assim facilitar sua aplicayao especifica emfunyao das necessidades do contexto. Por exem­plo, um aluno ou mesmo toda uma turma que apre­sente dificuldades em termos de expressao de al­turas. Nesse caso, pode-se utilizar tanto compen­dios que enfatizem particularmente essa dimensaocomo aqueles que fomentem a conscientizayao deestruturas tonais sustentando uma linha mel6dica.'Nesse momento, de acordo com a Estrutura Peda­g6gica, tem-se consciencia tanto da dimensao queesta sendo privilegiada como do possivel limite tec­nico e momentaneo de uma determinada atividade.

Uma abordagem mais aprofundada dos as­pectos de diagn6stico e de desenvolvimento ultra­passa 0 objetivo do presente artigo e encontra-sediscutidas na literatura (Santos, 2003). Na sequen­cia, a pratica do solfejo sob 0 ponto de vista decompreensao estrutural de uma linha mel6dica,fundamentada em aspectos microanaliticos da Es­trutura Pedag6gica, sera objeto de renexao.

A compreensao da estrutura musical atravesda pratica do solfejo

Eventos musicais sao organizados, segun­do uma 16gica, dentro de uma estrutura passivelde ser compreendida. Embora a percepyao e acompreensao dessas estruturas subjacentes em umtexto musical possam denotar um sentido extrema­mente 16gico, tal fen6meno nao e desprovido dequalidades estelicas. Para Goodman, a experien­cia estetica e uma experiencia cognitiva, distintapor atos caracteristicos simb61icos e julgada porpadroes de eficiencia cognitiva. Esta subordinayaodo estetico ao juga do cognitivo exige que tenha­mos em conta que esse ultimo nao exclui 0 sens6­rio, nem 0 emotivo. Toda a sensibilidade e as res­postas do organismo participam na invenyao e in-

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terpretayao dos simbolos (Goodman, 1968. p. 259).

No processo de leitura, a compreensao mu­sical consiste em extrair do material musical rela­yoes basicas, envolvendo abstrayao de caracte­risticas meI6dico-ritmicas, funcionais, de conduyaode vozes, de fraseado e de elementos expressi­vos, entre outros. Segundo Karpinski (2000, p. 183),musicos que possuem e aplicam um conhecimen­to fundamental de estruturas harmonico-mel6dicase ritmicas podem percorrer mais facilmente passa­gens dificeis do que aqueles que empreguem es­trategias descontextualizadas, como a de emissaoisolada de graus da escala ou de intervalos. White(2002, p. 125) preconiza que, consciente ou incons­cientemente, nao se consegue solfejar bem umalinha mel6dica sem perceber a estrutura da frase.

As caracteristicas estruturais passiveis deserem envolvidas no processo de leitura e com­preensao musical sao diversas, complexas e de­pendentes do contexto, estando intimamente rela­cionadas a aspectos de similaridade e diferenyas,de grau de conhecimento e familiaridade do indivi­duo, bem como de suas relayoes de intenyao eproduyao. Pesquisas da psicologia da musica(Gabrielsson, 1999; Goolsby, 1994a, 1994b; Hamer1997; McPherson 1994; Sloboda, 2000) tem apon­tado indicios de alguns aspectos relevantes na pra­tica de leitura musical, tais como a relayao entreleitura e estrutura da frase, bem como a apreen­sao por padroes que sugerem uma natureza pict6­rica a leitura musical. A percepyao 6tico-aural naleitura musical parece ater-se muito mais a blocos,a contornos, do que a constituiyao atomistica dalinha mel6dica.

A Estrutura Pedag6gica da proposta deDavidson e Scripp considera, na sua organizayao,a integrayao crescente de subhabilidades na prati­ca de solfejo, valorizando 0 conhecimento eslrutu­ral no processo de leitura. Essa compreensao eessa organizayao de uma linha mel6dica, a seremconsideradas em niveis estruturais hierarquicos noprocesso de leitura, foram evidenciados na Estru­tura Pedag6gica e serao discutidas atraves de umexercicio de solfejo extra ido do compendia deOttman (2002).

5 Os compE'mdios de Jersild (1962) e Adler (1997), par exemplo, favorecem a dimensao de expressao de alturas. A compilacao deOttman (2002), por Qutro lado, apresenta exercicios tanais extraidos de contexlos reais da Iiteratura e as organiza de forma a enfatizarsistemalicamente estruluras tonais em complexidade crescente.

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Exemplo 1: Melodia de Schubert (Ottman, 2002, p. 110)

Assim, 0 solfejo dessa linha mel6dica podeevidenciar estagios qualitativamente distintos deintera9ao com uma partitura. Dessa forma, para finsde melhor compreensao, cada subnivel da Estru­tura Pedag6gica sera demonstrado isoladamentena discussao a seguir.

Subnivel A - entrada das subhabilidades

As subhabilidades envolvidas na emissaodessa melodia de Schubert (Exemplo 1), de acor­do com 0 subnivel A da Estrutura Pedag6gica, com­preende na celula IA a identifica9ao de notas naclave de so". A celula IIA considera a leitura dasfiguras ritmicas, sustentadas por pulsa9ao em col­cheias, ou ainda pela unidade de tempo dentro do

compasso binario composto. Nessa celula (Figura2), os pontos representam esses dois niveis distin­tos de pulsa9ao: em colcheias e na unidade de tem­po (seminima pontuada). Ao mesmo tempo, leva-seem canta a marca9iio de regencia do compasso bi­nario camposto, fomentando uma conscientiza9iio dahierarquia dos tempos fortes e fracas no compasso.Finalmente, a celula IliA relaciona-se com a expres­sao de alturas, dentro de uma detenminada escala,que no Exemplo 1 encontra-se na tonalidade de ml

maior (Figura 2).7 Cabe salientar que, segundoJersild (1962, p. 11), a pr6pria escala, com sua pe­culiardisposi9ao seqUencial de tons e semitons, apre­senta-se como 0 primeiro plano de organiza9ao es­trutural de uma determinada tonalidade.

6 Na celula IA e apresentada a principia de pontos de referencia de uma dada clave, no caso a de sol, prapostos por Dandelot (1948)e sugeridos na proposta. Para Dandelot, pontos de referencia de uma determinada clave correspondem sempre anota dada pelapropria clave (no caso do Exemplo 1. sol) e uma 4a acima au 5a abaixo dessa nota, em diversas posi<;oes da pauta. No processo deleitura, essa e uma subhabilidade que pode causar ja urn problema inicial, caso 0 estudante nao domine a clave em questao. como. porexemplo, as c1aves de d6 (na 1a, 2a . 3a e 4a linhas) e/ou de fa (na 4a e/ou 3a linha).

7 Os estudantes com problemas de emissao de alturas. par exemplo, normalmente deveriam trabalhar a subhabilidade lilA isoladamente.buscando 0 lorn ao qual pretende-se atingir associado ao nome da respectiva nota na pauta. Na literalura, estudos demonstraram quetanto a retroalimentayao da emissao vocal efetuada conjuntamente com a visualizayao grafica do simbolo no pentagrama bem como asolmiza<;ao de silabas facilitam a processo de emissao, afinayao e qualidade sonora (Welch, 1989: Welch; Howard; Rush, 1989).

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Figura 2: Melodia do Exemplo 1: modos de execUl;So no subnivel A da Estrutura Pedagogica.

o processo de leitura nesse primeirosubnivel (A) da Estrutura Pedagogica caracteri­za-se por uma emissao global bastante fragmen­tada. 0 estudante neste estagio tem apenas co­nhecimento factual sobre musica, e tenta utiliza­10 no momenta da leitura. por isso mesmo 0 de­Iineamento da linha melodica produzida e aindaincoerente e fragmentado. Muito freqOente nes­se estagio e a perda da estabilidade tonal ou dapulsac;ao; dificuldades de leitura de notas emuma determinada clave ou ainda problemas con­comitantes, envolvendo dois ou tres modos deexecuc;ao, podem ocorrer.

Um procedimento preliminar a ser conside­rado no processo de leitura e a varredura silencio­sa do trecho a ser lido para observac;ao de para­metros globais em questao: identificac;ao da clave,do compasso, da armadura e determinac;ao da to­nalidade. Enquanto a escala, contendo um conjun­to de tons inter-relacionados, pode ser atribuida auma determinada armadura, a determinac;ao datonalidade e 0 resultado da organizac;ao temporale estrutural de alturas em um determinado contex­to. Corrobora Karpinski (2000) que uma simplesarmadura pode sugerir dois tons (maior ou menor)e cinco outros modos (que podem estar transpos­tos), produtos da confiuencia de conjuntos de tonsdiatonicos e da finalis. Ter consciencia dessas pos­sibilidades faz com que a interpretac;ao e a deter­minac;ao da tonica (ou finalis, em caso de articula­Ciao modal) seja uma interpretac;ao mais sofistica­da, que va alem de relac;ao de alturas, levando emconta as implicac;oes do contexto. No sistema to­nal. por exemplo, conexoes estruturais que indi-

cam a func;ao da dominante (ou da sensivel) saoindicativos consistentes da tonalidade, ou seja, eprecise haver a func;ao da dominante para que seconfirme uma determinada tonalidade'

Similar atenc;ao deve ser dada as indicac;oesdo compasso e suas implicac;oes no contexto. Porexemplo, se ele e simples ou composto, se a metri­ca necessita ser subdivida ou, ao contrario, se se­ria mais facil emitir um compasso quaternario, or­ganizado em 2 tempos ou mesmo 1 tempo por com­passo; ou sendo um compasso ternMo simples,decidir entre 3 tempos ou 1 tempo por compasso.Esse tipo de resoluc;ao previa a leitura facilita 0

processo e demonstra uma tomada de decisao maisconsciente, pois esta sendo realizada em func;aodas exigencias do contexto.

Subnivel B - integrac;ao das subhabilidades

No processo de leitura, segmentam-se es­pontaneamente elementos ou eventos em algumtipo de agrupamento. Dessa forma, segundoLerdahl e Jackendoff (1999), quando 0 individuotenta tornar compreensivel uma pec;a musical, sur­gem tomadas de decisoes (intuitivas e/ou consci­entes) sobre quais sao as unidades que devem ounao ser agrupadas em conjunto. Esse processo deinclusao e exclusao e um tipo de estruturac;ao quefunciona como componente basico para a compre­ensao. Essa estruturac;ao de eventos musicais ocor­re fundamentalmente por processos aurais hierar­quicos (Lerdahl; Jackendoff, 1999, p. 13). Essemesmo fenomeno ocorre no processo de compre­ensao de uma linha melodica atraves do solfejo, e,nessa situac;ao, poder-se-ia considerar que 0 es-

81: claro que em processos de leitura em conlextos lanais devia-se excluir as principios limitados, e de certa forma amadores e facluais,de se busear a ultima nota como indicativo da tonalidade.

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tudante encontra-se no subnivel B da EstruturaPedag6gica.

No segundo subnivel (B) ha um tipo de or­ganizayao de agrupamentos estruturais em rela­yao aos tres modos de eXeCUy80 (identificayao denotas, expressao ritmica e expressao de alturas)que atuam no processo de leitura quando 0 estu­dante esta tentando compreender uma linha me-

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16dica. 0 que caracteriza esse subnivel B e umaemissao global mais coerente (menos fragmenta­da), embora 0 estudante ainda esteja privilegiandoum modo de execuyao em seu processo de leitura.Para fins de ilustrayao, os primeiros compassos doExemplo 1 sao representados de acordo com a or­ganizayao por agrupamentos contidos no subnivelB da Estrutura Pedag6gica (Figura 3).

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Figura 3: Mefodia do Exemplo 1: modos de execUr;80 no subnivel B da Estrutura Pedag6gica.

A celula IB neste subnivel implica a fluenciada leitura das notas em uma determinada clave,que no caso Exemplo 1 e a clave de sol. Nesteexemplo, 0 desenho do contorno sugere apoiossobre as notas contidas na estrutura do arpejo demi, ainda que nessa celula esteja sendo cons ide­rado somente 0 aspecto da identificayao da notas,desprovidas de alturas e ritmos. No processo deleitura de notas rezadas, que caracteriza essa ce­lula IB, a identificayao do nome de notas ocorrepor agrupamento visual, desencadeando uma or­ganizayao que se atem a relayoes 16gicas de si­metria e assimetria, bem como de proximidade edistanciamento espacial na disposiyao grafica dapauta. Essas relayoes envolvem algum tipo de as­sociayao que permite identificar similaridades, di­ferenyas e proporyao relativa entre os agrupamen­tos (intervalos regula res sucessivos, arpejos ascen­dentes e/ou descendentes, graus conjuntos edisjuntos, padroes recorrentes, entre outros).

A leitura musical em niveis estruturais deveconsiderar e incorporar 0 sentido da estrutura me­trica e quaisquer desvios desta. Ha varias manei­ras de se induzir 0 sentido da metrica: com 0 movi­mento do corpo, marcando a pulsayao com os pesou com as maos, ou atraves de movimentos de re­gencia. Para Lehrdal e Jackendoff (1999), 0 senti­do intuitivo da marcayao da pulsayao com os pes,por exemplo, corresponde a um nivel intermedia­rio de compreensao da estrutura metrica. Natural-

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mente, 0 individuo tem tendencia a focar-se inici­almente sobre a periodicidade, devido a seu as­pecto de regularidade e constancia. Segundo es­ses autores, a medida que 0 ouvinte aprofundasua compreensao da estrutura metrica, a per­cepyao basica (pulsayao) vai gradualmente dis­sipando-se, ao mesmo tempo que vai adquirin­do-se uma maior liberdade de organizayao sem,contudo, romper 0 sentido do fluxo musical(Lehrdal; Jackendoff, 1999, p. 21).

A celula liB representa uma organizayao rit­mica em termos de padroes metricos hierarquicos(ou seja, contendo uma micro ou macroestruturaem sua organizayao). Do ponto de vista damicroestrutura, 0 elemento subjacente nessesubnivel B e a pulsayao da unidade de tempo, quee um elemento inerentemente peri6dico, e que vaiestar sendo reorganizado com 0 aprofundamentoda compreensao musical. No plano macroestrutural,a organizayao metrica dessa melodia de Schubertpode privilegiar tanto uma pulsayao por compassocomo enfatizar agrupamentos mais amplos a cada2 compassos. Na celula liB da Figura 3, essa orga­nizayao hierarquica de padroes metricos e repre­sentada pelos pontos, dispostos em tres niveis dis­tintos: pulsayao em unidade de tempo, pulsayao pelaunidade de compasso ou a cada 2 compassos.

No Exemplo 1, a leveza e expressividade docompasso composto deve ser ressaltada. Alem dis-

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so, essa melodia e articulada com sentido ana­crusico, configurando na entrada ritmica, 0 movi­mento inicial de impulso e repouso. Quando 0 es­tudante agrupa os elementos mel6dico-ritmicos empad roes coerentes, relacionando-os com aestruturayao natural da metrica do compasso e dostempos, ele nao estara mais lendo com um sentidointuitivo, mas estara conscientemente organizan­do e compreendendo estruturas musicais implici­tas no contexto.

No processo de leitura, conforme anterior­mente mencionado, estudantes podem inicialmen­te apresentar dificuldades em manter um pulsoconstante. Uma maneira interna de se sentir a pul­sayao e apoiar-se na primeira nota de cada tempo.Esse apoio discrete confere firmeza a emissao,estabelecendo naturalmente uma pulsayao quesustenta a organizayao estrutural da metrica emrelayao aos agrupamentos. Ao mesmo tempo, emniveis de compreensao mais aprofundados, a or­ganizayao dos eventos musicais deve tornar-semais fluida e menos marcada. No caso especificodo Exemplo 1, a pulsayao a cada 2 compassos re­presenta uma interpretayao que passa a privilegi­ar 0 sentido expressive do movimento mel6dicosobre a estrutura ritmica de base. Segundo Lehrdale Jackendoff (1999), isso ocorre na musica tonalem funyao de que a periodicidade dos apoios emantida em um nivel estrutural ao outro, ou seja,mesmo que 0 individuo atinja niveis mais aprofun­dados de compreensao dos eventos musicais, al­guns apoios metricos serao mantidos.

No segundo subnivel da Estrutura Pedag6­gica, a celula IIIB descreve 0 agrupamento de es­truturas como funyoes harmonicas implicitas nopercurso tonal da linha mel6dica. Pode-se dizer queno processo de leitura de uma linha mel6dica, aidentificayao da tonalidade e um tipo de conheci­mento factual desse conceito. A pratica do solfejopossibilita 0 conhecimento estrutural de uma linhamel6dica tonal em termos de estruturas funcionaisdelineadas atraves de movimentos escalares earpejos. Entretanto, na leitura de uma linha mel6­dica tonal, 0 processo de construyao e compreen-

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sao pode ser facilitado nao apenas atraves daconscientizayao e mobilizayao de estruturas funci­onais subentendidas no contexto, mas tambem sebaseando no delineamento intuitivo do contorno.

o conhecimento intuitivo da tonalidade, ad­quirido atraves dos processos de enculturayao, aju­darao 0 estudante a construir linhas mel6dicas apartir da observayao e atenyao em dois aspectosdo contorno: a direyao (ou seja, 0 sentido do deli­neamento das linhas) e 0 deslocamento por grausconjuntos ou disjuntos. Dessa forma, 0 fato de ba­sear-se no contorno faz com que se reforce a con­cepyao de que nao se deve pensar na relayaointervalar, mas, ao contrario, devem-se agruparpartes maiores dentro de uma 16gica que depen­dera do contexto e do sentido musical. 0 contornode uma linha mel6dica vai conter tanto os movi­mentos lineares como sinuosos, ascendentes comodescendentes. Alem disso, esse contorno apresen­ta tambem pontos de apoio que poderao e deve­rao ser utilizados como pontos de referencia sono­ra no processo de leitura. No Exemplo 1, as notasmi e 51 podem ser consideradas pontos de referen­cia sonora.

A articulayao desses dois recursos no pro­cesso de leitura, ou seja, mobilizayao de estrutu­ras funcionais e explorayao intuitiva do contorno,permite uma aproximayao a partitura de maneiramais dinamica, ao mesmo tempo que ftexivel, epode favorecer um tipo de interayao diferenciada.o estudante que utiliza esses recursos baseia-seno delineamento de alturas, que descrevem 0 con­torno, ao mesmo tempo que mobiliza estruturasfuncionais presentes no contexto em questao.

No Exemplo 1, 0 contexto da linha mel6dicaapresenta-se na tonalidade de ml maior, e esboya,nos 2 primeiros compassos, 0 arpejo da tonica.Essa linha mel6dica envolve ainda outras duas fun­yoes que estao implicitas: subdominante (nos pri­meiros tempos dos compassos 3 e 9, por exemplo)e de dominante (nota 5i do compasso 12). 0 Exem­plo 2 esquematiza sob forma de arpejos as fun­yoes tonais ai contidas.

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Exemplo 2: Estrutura funcional contida na mefodia do Exemplo 1

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Subnivel C - integrac;ao das dimensoes

o terceiro subnivel da Estrutura Pedag6gi­ca contem a celula IIC (Figura 4), que descreveuma integrac;ao parcial das dimensoes ecorresponde ao solfejo dito "rezado". Esse tipo desolfejo e de cunho extremamente tecnico, combi­nando dominic motor com compreensao 16gico­matematica (inclusao de agrupamentos ritmicos emunidades de tempo, divididas ou subdividas, de­pendendo da complexidade do contexto) associa­dos a leitura visual dos agrupamentos de notas.

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Nesse caso, inexiste a participac;ao da representa­c;ao aural no processo de emissao do nome da notae da percepc;ao do produto. Sua func;ao dentro deum programa de leitura musical atraves do solfejorestringe-se ao dominio e a compreensao de con­textos musicais ritmicamente mais elaborados e prin­cipalmente, em exemplos de cunho mais instrumen­tal ou de registro vocal extenso, que dificilmente se­riam passiveis de serem emitidos vocalmente.

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Figura 4: Melodia do Exemplo 1: modos de execu9Bo no subn{vel C da Estrutura Pedag6gica.

Finalmente, a celula IIIC descreve a integrac;aototal de todas as dimensoes, implicando uma emis­sao que envolve organizac;ao por agrupamentos sig­nificativos do contexte e dominio das tres dimensoesai representadas. No entanto, atingir tal estagio dedesenvolvimento na pratica do solfejo proporcionaum tipo de interac;ao com a partitura que permite iralem do nivel de materiais e possibilita atingir tantoniveis qualitativamente distintos como decisoesinterpretativas justificadas. Como Rogers (1984, p.65) salientou, 0 objetivo do solfejo deve ultrapassaro escopo da precisao, da afinac;ao, e centrar-se naescuta da musica de uma maneira particular, dotadade nuanc;as, formatada e direcionada por metas.Deve-se respeitar 0 sentido musical da frase, as ten­soes ccdificadas e tendencias de movimentos inter­nos dentro de um determinado contexto.

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Na melodia de Schubert (Exemplo 1),proposta na compilac;ao de Ottman (2002),inexistem indicac;oes de sinais de expressao.No entanto, 0 fraseado ai presente sugerenuanc;as de interpretac;ao. Essa melodia apre­senta 12 compassos subdivididos em tres fra­ses de quatro compassos cada uma, com sen­tido anacrusico. Cad a uma das tres frases,apresenta dois membros de frase que sao co­incidentes com a ligadura de fraseado. Essasligaduras de fraseado indicam os pontos derespirac;ao, bem como a articulac;ao da linhamel6dica em legato a cada dois compassos.Alem disso, podem ser tambem consideradosseu contorno mel6dico e as func;oes harmoni­cas ai contidas, conforme 0 Exemplo 3.

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Exemplo 3: Melodia de Schubert - aspectos do contorno e das fum;oes harm6nicas

No Exemplo 3, nos 8 primeiros compassosobserva-se que 0 contorno melodico alterna, a cada2 compassos, movimento ondulatorio em torno doarpejo da tonica, seguido de uma outra linha emziguezague que contem um movimento global des­cendente, ao mesmo tempo que reforl'a a tonicami como ponto de referelncia sonora. Isso implicauma emissao privilegiando uma expressividade fiui­da e arredondada que saliente tanto 0 movimentoondulatorio (compassos 1-2 e 5-6) como enfatize alinha expressiva em sentido descendente (compas­sos 3-4 e 7-8). Os 4 ultimos compassos apresen­tam elementos conclusivos, sendo que nos com­passos 9-10, deveria ser valorizado 0 movimentoascendente da linha, com eventual repetil'ao da li­nha ascendente em sentido de eco. Nos compas­sos 11-12, a enfase poderia ser dada no sentidoconclusivo do movimento.

Na interpretal'ao dessa linha melodica deSchubert, pode-se ainda considerar um movimen­to de barcarola que e implicitamente refor9ado peloproprio compasso binario composto. Essa interpre­ta9ao pode conferir leveza a emissao. Ao mesmotempo, a nota la pontilhada (compass011 do Exem­plo 3) completa a fun9ao de subdominante sugeridano movimento cadencial da linha melodica e even­tualmente, poderia facilitar a emissao vocal, emcaso de dificuldade. A inclusao desta nota la pode­ria funcionar como uma estrategia, na medida quepassa a se considerar 0 agrupamento do arpejo dasubdominante como um bloco, ao inves do interva­10 de 6' maior.

Esses tipos de considera90es podem reve­lar 0 solfejo como um exercicio de compreensaomusical, cuja potencialidade transcenderia as dis­ciplinas de percep9ao musical, podendo vir a seruma ferramenta disponivel na pratica diaria de umestudante de musica.

Sugest6es para a pratlca do solfejo

A pratica de solfejo pode ser um instrumen­to que permite 0 aprofundamento crescente em ni­veis distintos de intera9ao com a partitura. No pre­sente artigo, serao dadas algumas sugest6es deprocedimentos que possam auxiliar essa pratica.Cabe salientar que as etapas, a seguir explicitadas,nao sao estanques, podendo vir a ser adaptadas,ampliadas ou reduzidas de acordo com as propri­as necessidades e com a vivencia musical de cadaestudante.

o processo de leitura tem inicio com umasondagem do exercicio a ser solfejado, atendo-se,basicamente, a tres aspectos: identifica9ao da cla­ve, da tonalidade e do compasso. A partir dessasverifica90es preliminares pode ser iniciada umaetapa de sensibiliza9ao do espa90 tonal, escutan­do, primeiramente, a escala da tonalidade e 0 arpejosobre a tonica, procurando entao reproduzi-Ios.Pode-se incluir ainda nessa etapa exercicios su­piementares de emissao de encadeamentos de to­nica, subdominante, dominante e tonica, por exem­plo. Em um segundo momento, 0 estudante, indivi­dualmente e sem ajuda externa do instrumento,

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pode ater-se ao contorno mel6dico, experimentan­do algumas passagens que pareyam ser mais pro­blematicas9 . Uma vez atingido certo grau de satis­fayao com relayao a essas etapas de aquecimentoe sensibilizayao do espayO tonal, 0 estudante deveoptar pela pulsayao que sustentara sua leitura den­tro do compasso em questao e proceder a emis­sao da linha mel6dica, trayando seu delineamentoglobal. Sobre 0 produto resultante e que iniciam asetapas de refiexao sobre os possiveis problemasencontrados, potenciais estrategias a serem testa­das, bem como refinamento do todo, visando atin­gir qualidades expressivas. Nessa ayao ao mesmotempo refiexiva e de experimentayao, 0 estudantepode tentar compreender 0 contexto tonal, questi­onando-se quais as estruturas funcionais que es­tao implicitas na linha mel6dica que esta sendoexercitada. Da mesma forma, dificuldades de sal­los no contorno podem ser suplantadas via preen­chimento por graus conjuntos, ou ainda atraves dainclusao de arpejos adequados ao contexlo tonalem questao.

Em situayoes em que 0 estudante tenha pou­ca nOyao ou certeza do que foi feito e de comodeveria soar a melodia entoada, sugere-se que amelodia seja conferida no instrumento. No entan­to, esse recurso deve funcionar como auxilio pos­terior ao processo de emissao e nao como pontode partida para a manipulayao de uma linha mel6­dica. Nesse momento, e preciso fazer uma ressal­va: existem casos em que os estudantes parecemnao possuir a minima referencia sonora interna,aliada a uma falta de atenyao as qualidades detom, 0 que resulta em uma enorme dificuldade deemissao. Nesses casos, sugere-se que, ap6s asetapas de aquecimento, 0 estudante escute a Ii­nha mel6dica global e tente imita-la lO

.

Assim, a pratica de solfejo a partir de umaconstruyao pessoal de uma linha mel6dica implicaetapas de sensibilizayao do espayo tonal, emis­sao global, identificayao de problemas, hipote­tizayao de soluyoes e experimentayao de estrate­gias. Essa pratica, de cunho refiexivo, pode sertambem aproveitada como ferramenta suplemen­tar para trabalhar-se dentro de contextos musicaismais amplos e reais, englobando repert6rios dediversos generos e estilos, na qualidade de um

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programa de estudo a ser selecionado, traba­Ihado e aprofundado ao longo de um determina­do tempo.

Considera<;6es finais

A Estrutu ra Pedag6gica proposta porDavidson e Scripp constitui-se um modelo que visadescrever as subhabilidades envolvidas na praticado solfejo, podendo ser util tanto para 0 professorcomo para 0 estudante. Na qualidade de modelo,essa estrutura tem potencial de desempenhar fun­yoes microanaliticas e diagnosticas. A EstruturaPedag6gica possibilita tambem mapear 0 nivel dedesenvolvimento do estudante em relayao aos pro­cessos de leitura e compreensao musical.

A pratica de solfejo fundamentada na Estru­tura Pedag6gica privilegia a mobilizayao de conhe­cimentos estruturais e passa a exigir conscien­tizayao por parte do estudante, que deixa depratica-Io de forma meramente mecanica, tendo deassumir uma postura engajada neste processo.Aliado a isso, a postura analitico-refiexiva, incenti­vada nesse tipo de pratica, visa fomentar um pro­cesso de escolha consciente, que seja fundamen­tado e justificado em termos de conhecimentosmusicais. No entanto, ainda que uma postura ana­Iitica venha a ser fomentada junto ao estudante,seu conhecimento intuitivo, oriundo de processosde enculturayao desempenha um papel imprescin­divel em sua aproximayao com a partitura.

o presente artigo pretendeu demonstrarcomo 0 solfejo pode ser realizado de maneira aenvolver ayoes de reconhecimento e emissao dotodo, identificayao de eventuais problemas, expe­rimentayao de estrategias. 0 solfejo, efetuado deforma reflexiva, deixa de ser algo passivo ou me­canico para constituir-se em um tipo de praticaconsciente e engajada, que visa atingir, no proces­so de leitura, niveis qualitativamente distintos decompreensao musical e de qualidades expressivasdo todo. Alem disso, quando efetuado sob formade um processo, permite uma utilizayao e mobili­zayao pratica de conhecimentos te6ricos. Dessaforma, 0 solfejo tem condiyao de tornar-se um ins­trumento de refiexao critica, que pode contribuir nosprocessos de estudo de uma partitura.

9 Estudantes que ja desenvolveram escuta interna efetuam normalmente essa varredura de forma sileneiosa (Davidson; Senpp, 1988b,p.25).

10 Santos (2003), com fundamental;ao na teoria de Piaget, denominou esse proeesso de imitaqao par eapia acomodadora. Nesse tipode imita9ao, 0 estudante realiza um proeesso de ajuste para eonseguir emitir uma linha melodiea em questao. Embora esse reeursodesernpenhe um papel fundamental em estagios inieiais, sua uli1izal;ao nao deve perdurar por muito tempo, pois ena elapa de eonstru98opessoal (denominada de imitaqao diferida) eque a intera9ao com a partitura pode lomar-se difereneiada.

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Marciano Soares
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Marciano Soares
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Introdu9ao

numero 9selembro de 2003

Inicia~ao aleitura musical no•plano

Ana Consuela Ramos

Escola de Musica da [email protected]

Gislene Marino

Escola de Musica da [email protected]

Resumo. Este trabalho pretende enfocar 0 processo de iniciacao a leltura musical no piano. apontandoas etapas de leitura por gratlcos, relativa e absoluta. 0 piano, considerado como instrumentomusicalizador, favorece a abordagem dos conceitos musicals por meio de vivencias, estabelecendo asbases para a compreens:to musical, impresdndivel a introducao da leitura. PropOe urn questionamentoacerca do terma pre-feitura. empregado na educa~omusical para identifiear a fase anterior a leiturada gratia tradicional. A leitura previa etratada como recurso indispensavel a interpretayao da partitura.Fundamenta, ainda, os processos de iniciayao a leilura propostos no livro Piano 1: Arranjos e Atividades(Marino: Ramos, 2001), a partir das principals ideias pedag6gicas do seculo XX.

Palavras-ehave: introdu~aoaleitura musical, iniciayao ao piano, pre-Ieilura.

Abstract. This presentation aims at focusing on the process of music reading for beginners using thepiano and pointing the level of music reading through graphs, relative and absolute. The piano. oftenused as an instrument for music reading, facilitates the learning of music concepts through experiments,establishing the basis for music comprehension, indispensable to music reading. This presentation alsooffers a debate about the term pre-reading employed in Music Education to identify the phase previousto the reading of a score. The previous reading is treated as an indispensable tool in the interpretation ofthe score. It also reviews the processes of music reading proposed in the book Piano 1: Arranjos eAtividades (Marino: Ramos, 2001), through the main pedagogical ideas of the 20th century.

Keywords: introduction 10 music reading, introduction to piano, pre-reading.

A musica, considerada como linguagem,constitui um sistema de comunicayao por meio desimbolos, 0 qual possibilita a expressao do univer­so sonore. De acordo com Magnani (1996, p. 76),"como toda linguagem, a musica possui umamorfologia, uma sintaxe e uma fraseologia".

A notayao musical e um conjunto de sinaisconvencionais e especificos que registram osparametros do som e as instruyiies para 0 inter-

prete executar com mais fidelidade as ideias docompositor. a registro das composiyoes orienta aexecuyao, permite a analise da obra e a perpetua­yao da criayao musical, determinando a historia ea forma de 0 homem sentir 0 mundo e expressar­se. "A maior virtude dos simbolos escritos e suapotencialidade de comunicar certos detalhes deexecuyao que se perderiam facilmente na trans­missao oral, ou seriam, ate mesmo, esquecidos"(Swanwick, 1994, p 10).

43RAMOS, Ana Consuela: MARINO. Gislene. Inicia~aoa leitura musical no piano. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 9, 43-54, set.2003.

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A escrita e a leitura musicais integram 0 pro­cesso de aprendizagem da musica e tornam-seessenciais para 0 dominic e a compreensao dessalinguagem. Para a introdu9ao da leitura de partitu­ras, necessitamos de um grau minima deenvolvimento e intimidade do aluno com 0 instru­mento a ser tocado. Consideramos que esse pro­cesso deve ser primorosamente preparado por in­termedio de experimenta90es e VivE!ncias, como asimprovisa90es, composi90es, musica por audi9aoe por imita9ao (Gainza, 1987, p. 7; Gon9alves,1989, p. 19; Kaplan, 1985; Marino; Ramos, 2001,p. xv-xiii, 2002, p. 35; Pace, 1973; Suzuki apudGon9alves, 1989, p. 14; Verhaalen, 1989, p. 7;Willems, 1979, p. 69). Essa prepara9ao se faz ne­cessaria, pois a leitura exige "a execu9ao de umaresposta completa" (Sloboda, 1999, p. 68), na qualse associam os aspectos visual, motor e auditivo.

Toma-se essencial que 0 professor valorize a fase anteriora leitura musical. Durante este period0, a aprendizagemde repert6rio par imitayao e par audic;ao constitui umapratica pedagogica adequada, na qual 0 aluno poderaexplorar e experimentar os recursos do inslrumenlo,desenvolver a coordenac;ao motora e expressar-sealraves de improvisac;oes e criary6es musicais seminterferelncia da partitura. (Marino; Ramos, 2002, p. 35).

Montandon (1992, f. 53) afirma que "a aqui­si9ao do conhecimento necessita de experienciasconcretas previas". Nessas experiencias, ha umlegitime direcionamento a compreensao do univer­so sonoro, 0 que pode conduzir 0 aluno a percep­9ao das necessidades expressivas intrinsecas aofazer musical antes do contato com a partitura.Swanwick (1994, p. 13) argumenta que devemosdar prioridade ao fazer musical baseado na fiuen­cia intuitiva e na perceP9ao auditiva, antes da lei­tura e escrita. As vivencias musicais sem 0 uso dapartitura, devidamente orientadas, contribuem paraa transferencia da aprendizagem no momenta daintrodu9ao a leitura. "A transferencia da aprendi­zagem e a possibilidade de aplicar, em uma novasitua9ao, conhecimentos, habitos, metodos, etc.,adquiridos em outras circunstancias" (Kaplan, 1985,p.84).

Diversos Iivros de inicia9ao ao piano apre­sentam, nas primeiras paginas, pe9as escritas napauta dupla. Esse tipo de abordagem requer, deimediato, que 0 aluno domine a leitura absoluta,em geral nas c1aves de sol e de fa e a grafia ritmica- seminimas, minimas, colcheias e divisao de com­passos. Carece, tambem, da desenvoltura paracoordenar mao dire ita e esquerda, alem do conhe­cimento da topografia do teclado.

[... J as simbolos eram mostrados logo no inicio, comleitura de nota por nota, a partir da posic;ao flxa no do

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central, e com grande enfase na repetic;ao de exerciciosate seu aperfeic;oamento (Montandon, 1992, f. 45), numensino Iimitativo de nolas e nao de principios quepoderiam ser apticados em qualquer situaC;3o musical.(Mehr apud Montandon, 1992, f. 45).

Consideramos que a sensibiliza9ao aos ma­teriais sonoros, 0 desenvolvimento das habilida­des motoras e a intimidade com 0 instrumento, parfavorecerem a compreensao musical e a possibili­dade de uma performance mais refinada, devemser estimulados antes que seja requisitada a capa­cidade de decodificar e relacionar a grafia musicalcom a realiza9ao do fenomeno sonoro. "Permitirque as pessoas toquem qualquer instrumento semcompreensao musical - sem realmente entendermusica - e uma nega9ao da expressividade e dacogni9ao e, nessas condi90es, a musica se tornasem sentido." (Swanwick, 1994, p 7).

o ensino de piano, por muito tempo, priorizoua tecnica e a execu9ao de repertorio em detrimen­to de um fazer musical mais ativo e coerente comas peculiaridades de cada aluno. "Diriamos que asduas obsessoes fundamentais faram: como proce­der para ler a musica escrita e, depois, como pro­ceder para poder executa-Ia" (Gainza, 1988, p. 116).Mediante as transforma90es ocorridas na segun­da metade do seculo xx acerca dos processos,metodos, conceitos e abordagens no ensino de pi­ano e de musica (Gerling, 1995, p. 59), 0 pianopassa a ser utilizado como instrumento musi­calizador.

Uma proposla para a estudo de piano deveria comungardas ideias relevanles nas correntes filos6ficas epsicol6gicas da epoca, e tambem daquelas consideradasmais adequadas ou convenientes pelo ambiente politico.econ6mico-social e educacional contemporaneos.(Montandon, 1992, f. 46).

o piano possui caracteristicas que favore­cem 0 processo de musicaliza9ao. A constitui9aodo teclado e a posi9ao comoda do executante emrela9ao ao instrumento permitem 0 desenvolvimen­to da memoria visual e facilitam a expressividade.Por ser um instrumento harmonico, com afina9aodefinida e de extensao ampla, contribui para avivencia e a integra9ao dos parametros sonoros.Improvisa90es com os elementos que constituemo piano - tabua de ressonancia, cordas, pedais,caixa - favorecem a explora9ao de timbres. 0 usode glissando e cluster por toda a extensao do te­c1ado trabalha com os registros agudo, medio egrave, e tambem com a intensidade do som. 0 pe­dal de sustenta9ao, utilizado desde 0 inicio, alemde contribuir para a assimila9ao do conceito dedura9ao, permite a familiaridade do aluno com 0

instrumento.

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As caracteristicas do piano possibilitam, porconseguinte, a aquisi,ao do conhecimento e dacompreensao da linguagem musical, combinando"os sentidos visuais, tateis, auditivos e cinestesicosque atuariam como explica,ao e refor,o de con­ceitos na aprendizagem" (Robinson apudMontandon, 1992, f. 51). A partir dessa nova visaoda metodologia do ensino de piano, diversos ma­teriais pedag6gicos e livros didaticos foram propos­tos pelos educadores Robert Pace (1973), MarionVerhaalen (1989), Maria de Lourdes J. Gon,alves(1984, 1986, 1989), Violeta Hemsy de Gainza(1977,1987,1988), Frances Clark (1973), dentreoutros.

o processo de inicia,ao a leitura musical nopiano sera tratado e exemplificado no livro Piano1: Arranjos e Atividades (Marino; Ramos, 2001),apontando as etapas de leitura por graficos, relati­va e absoluta. Piano 1 e 0 resultado de nossosestudos, pesquisas e 0 registro de eXperiElncias emsala de aula.

A aprendizagem do piano deixa de limitar-se a tecnica eao repert6rio, abrindo espa<;:o para vivencias musicaisatraves da explora<;ao do teclado, de improvis8<;:Oes ecan<;Oes tocadas par imita<;3o e par audi.y3o. Oestamaneira. possibllita-se a abordagem de conceitosmusicais desde as primeiros cantatas do aluno com 0

instrumenlo de forma prazerosa e criativ8. (Marino;Ramos, 2001, p. xiii).

Processo de inicia~ao a leitura musical

Piano 1 apresenta, inicialmente, atividadespara a explora,ao do instrumento e reconhecimentodo teclado. Os conceitos sao introduzidosgradativamente pelo repert6rio executado por imi­ta,ao, audi,ao, leitura por graficos, leitura relativae absoluta em pauta dupla. Nas orienta,oes aoprofessor, sugerimos que 0 aluno seja motivado acompreender e realizar aspectos interpretativos nascan~oes, nas improvisa,oes e em suas composi-

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,oes, antes da inicia,ao a leitura. Em seguida, apre­sentamos, de forma bastante simples e direta, adefini,ao de partitura como sendo "a grafia do tex­to musical" (Marino; Ramos, 2001, p. 27). No mo­mento em que 0 aluno come,a a adquirir a habili­dade tecnica da leitura, devemos atentar para quenao se percam 0 envolvimento e a compreensaomusical obtidos nas vivencias sem 0 uso da parti­tura. Para Sandra Reis,

A partitura euma trama 16gica de signos musicais, teeidadentro de um c6digo especifico e proprio, pelo compositore pelo interprete. Num sentido imediato, a partilura eo umtexto que 0 interprete deve ler, compreender e transformarem um processo relacional de sons, na ordem esteticadada pelo compositor no ambito da forma. (Reis, 2001,p.496).

Considera~oessobre a pre-/eitura e a leituraprevia

No primeiro contato do aluno com a partitu­ra, deve-se criar 0 habito de uma leitura mais sis­tematizada e objetiva, 0 que se pode alcan,ar, coma analise minuciosa da representa,ao grafica an­tes de tocar. Esse procedimento encontrado emGainza (1977, p. 4) como observa,8o da partiturae em Marino e Ramos (2001, p. xvi) como leituraprevia, "caracteriza-se pela observa,ao e compre­ensao de todos os simbolos e grafias contidos napartitura como claves, indica,ao de compasso, ar­madura, motivos ritmicos e mel6dicos predominan­tes, modula,oes e forma".

Para alguns educadores, 0 termo pre-/eiturae utilizado para identificar a etapa anterior a leiturada grafia tradicional, e tem por objetivo principalpossibilitar a aquisi,ao da habilidade de transfor­mar simbolos em sons. Gon,alves (1986, p. 6), aoanalisar os trabalhos de Pace e Bastien, consideracomo um recurso para a fase de pre-Ieitura a escri­ta fora da pauta com a utiliza,ao de graficos e dia­gramas do teclado com teclas assinaladas.

PAC E

BUGLE CALL

Mao Esquerda1-, 1-, I-I

31 j)' :)' ')I '/ II \

S S 5 5-(para tocar

Mao Direitas-, 5-, 5-5

31

: l : l \){ I' i' '1-

novamente)

Figura 1: Escrita fora da pauta com a utilizaf;ao de graficos e diagramas do tee/ado (Gom;alves, 1986, p. 6)

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De acordo com Sampaio (2001, f. 50), "a pra­tica da pre-Ieitura pode ser feita por clusters ou porgraticos de som, como aqueles encontrados namusica contemporanea". Pretendemos reavaliar autiliza9ilo do termo pre-/eitura, por considerarmosque 0 aluno iniciante, ao decodificar e interpretarsimbolos e c6digos nilo pertencentes a grafia tra­dicional, ja esta efetivando a leitura. Portanto, 0processo de aprendizagem musical por meio degraficos e bulas, 0 qual precede a leitura e escritatradicionais, deveria ser denominado como leiturae nilo como pre-/e/tura.

A educadora Gainza, em seu livro Pa/itos

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Chinos, apresenta pe9as para crian9as a partir dequatro anos de idade utilizando graficos para a re­presenta9ilo sonora. As partituras contem dese­nhos de um teclado com numeros que indicam aordem de aparecimento dos sons, incluindo setaspara apontar come90 e fim da pe9a e linhas paraorienta9ilo mel6dica. No Gu/a DidtJtico que intro­duz a obra, a autora esclarece que 0 falo de deci­frar os c6digos institui um procedimento de leitura.

A eompreensao funcional do grafieo-teelado eonstituitambem uma forma de leitura durante e depois do periodode preparacao. Econveniente Que 0 prineipiante toque apeca, sobre 0 e6digo-teclado, para demonstrar que 0

compreende [... J (Gainza, 1987. p. 5).

6. PALITOS 'CHIQUITOS-Teclas Negras Cuolia..o V&Jcin:d·

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Asf se correspondtn las dos manos:(A)

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Alumna de la pl'ofc:son IlI:ne Sobrt-.

Figura 2: Partitura com desenhos do tee/ado eom numeros. setas e linhas para a orientaf;Ao mel6dica (Gainza, 1987. p. 5)

Em Pian01, a primeira partitura e apresenta­da por intermedio de graficos com clusters nos re­gistros grave, medio e agudo. Nilo concebemosessa abordagem como pre-/e/tura, pois 0 aluno, ao

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observar e verbalizar 0 que ve, antes mesmo delocar, ja estara realizando a leitura -Ieitura previa.Por conseguinte, estara lendo, tambem, a partir domomento em que tocar 0 que decodificou.

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: Part,t\Jra tom ciuste-r H1LJ--,

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• Toque os dU~It'rs 110$ rcgislros grave medio e agudo do piano de acordo com a partitur3

A=AGUDO •

M=MEDIO •

G=GRAVE •

Figura 3: Apresentar;ao da primeira partitura com clusters nos registros grave, media e agudo (Man"no; Ramos. 2001, p. 27)

Considerando, ainda, que Ferreira (1986, p.1383) apresenta 0 termo pre-/ei/ura como "primei­ra leilura de um texto, muilo rapida, para ligeiraapreensao do assunto, seguida de outra leituramais atenta", ponderamos que a compreensao des­se lermo, a partir das atividades proposlas em Pa­Ii/os Chinos e Piano 1, aproxima-se da definiyaode leitura previa, e, posteriormenle, do que e en­tendido como leilura a primeira vista. Portanlo, ainlroduyao da aprendizagem da leitura e escrila tra­dicionais preparadas por melD de graficos, codi­gos e bulas em livros de iniciayao musical poderiaser tratada Como um procedimento de leitura e naode pre-/ei/ura. Acreditamos que 0 termo pre-Iei/u­ra, da maneira que tem sido utilizado, contem, emsi, uma vi sao reducionista da notayao diante damusica de nosso tempo, pois esses simbolos es-

lao incorporados as partituras de composilorescontemporaneos. Ademais, existem partlturas nasquais 0 codigo musical e estruturado apenas comsimbolos nao convencionais.

A partir do seculo XX, com a ruptura do sis­tema tonal e a explorayao de novos timbres instru­menlais e fonles sonoras, surgiu a necessidade dese encontrar outros recursos para a grafia do textomusical.

Ao mesmo tempo em que novas correntes musicaisapareciam, novas formas de nota~o iurgiam. ~ 0 casoda criavao de simbolos para microtons e clusters; denotaQoes especiais criadas para a musica eletronica; danota~o proporcional utilizada por Brown, Boulez e Berio;das partituras graticas, que podem ler algum significadomusical especifico, ou funcionarem apenas comoeslimulo a improvisay30 [... ] (Rocha, F., 2001, p. 212).

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Figura 4: Partitura apresentando novas tonnas de notac;ao: Onze, de Marco Ant6nio Guimaraes (Rocha, F, 2001, p. 212)

Magnani (1996, p. 61) afirma que "0 sistemade fixa,ao grafica da musica apresenta, ao langeda hist6ria, um processo continuo de aperfei,oa­mento, incansavel tentativa de transpor para umsigno plastico menos duvidoso a fluidez do discur­so sonoro". Concluimos que 0 pensamento peda­g6gico acerca dos processos de aprendizagem daleitura e suas nomenclaturas devem ser semprerevistos, avaliados e. principalmente, ampliadosApesar desse posicionamento, nao nos eximimosde demonstrar nosso respeito pelos pesquisado­res e educadores que utilizaram ou utilizam 0 ter­mo pre-Ieitura 0 constante questionamento e 0 queimpulsiona a transforma,ao de paradigmas.

Leilura por graticos

Os graficos constituem um meio adequadopara introduzir a escrita dos parametros altura edura,ao. Devido a complexidade do c6digo musi­cal, educadores valeram-se desse recurso, acre­ditando que os graficos seriam simplificadores danota,ao e mediadores entre a vivencia e a com­preensao da parlitura tradicional. Segundo Willems(1979, p 23), para efetivar-se "a passagem perfei­ta da consciencia fisiol6gica do tempo a conscien­cia cerebral da propor,ao", os alunos devem reali-

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zar exercicios com graficos, associando a leituraaos movimentos corporais e a palavras como curtoe longo. Afirma, ainda, ser esse processo apenasintrodut6rio e nao requerer uma longa pratica

A leitura grafica e empregada em alguns Ii­vros de inicia,ao ao piano e, principalmente, demusicaliza,ao: Musica para Piano (Pace, 1973);Musijugando: Guia Metodo/6gica (Ferrero; Furn6,1978-85); Solfejo.· Curso Elementar (Willems,1979); Educa,ilo Musical atraves do Tee/ado. Eta­pa de Musica/iza,ilo (Gon,alves, 1984); Cademode Exerc/cios para Classes de /nicia,ilo Musica/(Rocha, C. 1986); Cademo Preparat6rio. /nicia,iloao Piano (Drummond, 1988); Explorando Musicaatraves do Tee/ado (Verhaalen, 1989); Educa,iloMusical ao Tee/ado (Pires et aI., 2002) Em Piano1, utilizamos os graficos para designar as dura,oesdos sons - curtos e longos, associados aos regis­tros das alturas - grave, medio e agudo em toda aextensao do teclado, passando, em seguida, des­sa macroestrutura para a diminui,ao das distanci­as ate chegar aos graus conjuntos. Valendo-sedessa grafia, pode-se introduzir atlvidades de trans­posi,ao e dar continuidade ao desenvolvimento dosaspectos interpretativos.

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abem setembro de 2003

I. Intr"dllZlf 0 C<l~C~'jto de frase I1\lJ~[(,;~1

2. Imroduzlro sinai de 11£:Idura par~ Indi(;a~50 cta i~asc musKal3. rr~balhar IranSpOsIC.1c. para u. tU:1alldades de Du M c Sol VI

Uricnt:tciin: R::allZllr a !cuura fora do plano:1.1. falando u ntmv .Olll silaba nenln.1.2. carllandn com 0 nimlcl" dos gr3IIS1.3. call1ando a mCl<llhl

2. Toeat em I'i mllor c rcarinr tIJnSl)lI~I(,;iiopUJ as tonalidades de no \! c Sol \1 ';:11.10.,:; prunciros sons s.io nalurais (lcda~

bran,'as)

Lua de caramelo,---_._-- ,~". Comucl" Rlmol-",

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Figura 5: Pagina do professor referente apagina do atuno

Lua de caramelo

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"he!- af.{I-

d. Ihan - "rem -

b" - }a

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"qt./! - m!

ICoIe£io Invento, II c.n£oes - Piano 1 An.. Consuelo R..mO$ & Gls/ena Mlfino I

Figura 6: Partitura utilizando graficos para designar as durayoes e registros das alturas do som (Marino; Ramos, 2001, p, 92-93)

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Leilura relativa

Segundo Willems, a leitura relativa tem doisaspectos:

10 ) 0 auditivo, baseado no movimento sonoro de subidae descida, razao da leitura entoada sem nomes de nolase sem graus ou com nomes de nolas sem posi<;:ao fixa(sem clave); 2°) 0 visual-cerebral, baseado nas rela<;:oesentre as notas, razao da leilura por terceiras e porintervalos simetricos e assimelricos (Willems, 1979, p,13·15)

Considera a leitura relativa como ponto departida na leitura musical e acredita que a pautasimples de cinco Iinhas deve ser introduzida di­retamente sem passar por uma, duas ou tres Ii·nhas. Nao obstante, encontramos diversos livrosdidaticos (Drummond, 1988; Gon9alves, 1984;Pires et aI., 2002; Verhaalen, 1989), que tomamcomo ponto de partida os graficos e, posterior­mente, iniciam a leitura por relatividade, utilizan­do a pauta gradativa (bigrama, trigrama).

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Julgamos que, antes da leitura relativa e abosoluta, devemos dedicar aten<;:ijo especial as orda­na,iles alamen/ares dos sons e dos nomes das no­tas (Willems, 1979, p. 6). Torna-se essencial 0 tra­balho de automatismo dessas ordena90es para queo processo de leitura seja mais consciente e dinami­co. Varias atividades orais podem ser criadas porintenmedio de jogos e utiliza<;:ijo de cartoes com no­mes de notas, realizando desenhos mel6dicos as­cendentes e descendentes, acompanhados Oll naode movimentos corporais (Willems, 1979, p. 10).

Ap6s a leitura par graficos e a sugestao deatividades complementares com jogos e cartoes,Piano 1 apresenta uma prepara9ao para a leiturarelativa. Sao utilizadas duas linhas distantes umada outra, sem defini9ao do intervalo mel6dico, paraque 0 foco seja colocado no direcionamento da lei­tura (esquerda-direita). A figura musical seminimaeassociada a pulsa9ao basica da musica e grafadacom haste para eima e para baixo com 0 prop6sitode coordenar mao direita e esquerda.

, Figura: se~nI!..J-

Seminima

Escolha dais sons de alturas diferentes.

~ = SEMtNIMA com haste para eima.r= SEMiNIMA com haste para baixo.

Toque a seqiiencia de SEMjNIMAS: haste para cima ---+ mao direitahaste para baixo ---+ mao esquerda

md {(mio dlrClta)

(m.1o~~:ucrda) '-4'-------4J-------....>------....----------..'--'J

ICOle£:io Inventos e can£O&$ - Piano 1 Ana Consue/o Ramos & Gis/en. Marino I

Figura 7: Apu/sar;§o e trabalhada associada a coordenar;~o motora e a /ocalizar;§o das notas escolhidas pe/o a/uno (Marino;Ramos, 2001, p. 111)

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o livre complementa essa fase com trespartituras elaboradas sobre duas linhas aindadistantes entre si, com notas definidas em inter­valos de quartas ou quintas, utilizando as figu­ras seminima, sua pausa e colcheia. Em segui­da, 0 bigrama e apresentado, efetivando a rela­~ao de ter~as existente entre as linhas dopentagrama. 0 processo gradativo da aquisi~ao

de conceitos permanece, relacionando as figu­ras musicais - seminima, colcheia e minima,grafadas no bigrama - ao reconhecimento visu­al da localiza~ao das notas no piano.

Leitura absoluta

De acordo com Uszler (1990, p.107), porvolta dos anos 60 os metodos de piano come~a­

ram a ser classificados por suas abordagens noensino da leitura. Sao elas: a abordagem do 06Central, a das Mulliplas Tonalidades e a Intervalar.

A abordagem do 06 Central tern como pon­to de referencia 0 d6 3 no piano e na pauta dupla.A leitura amplia-se a partir dessa nota com as sub­seqUentes acima e abaixo, detendo-se na regiaomedia do piano, 0 que favorece a fixa~ao dos no­mes das notas e sua localiza~ao no teclado.

A abordagem das Multiplas Tonalidades ori­ginou-se nos procedimentos da aula em grupo, eutiliza os pentacordes com transposiy6es para vari­as tonalidades nas diferentes regi6es do teclado. "Aleitura mel6dica se Iimita ao ambito do pentacorde.A leitura dos acordes e feita de maneira funcional,relacionada a tonalidade e a posil'ao da mao(Sampaio, 2001, f. 40)". Uszler (1990, p. 109) apon­ta como vantajoso 0 conceito do padrao de cincodedos - pentacorde, que se repete em diferentescontextos, tanto na pauta quanta no teclado. As li­nhas mel6dicas sao lidas direcionalmente e pelacomparal'ao de grupos iguais ou diferentes. Alemdisso, a intredu~ao de acordes, na fase inidal doestudo, favorece 0 entendimento harmonico e a ha­bilidade de toear a tessitura homofonica encontradana literatura classiea e popular.

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A abordagem Intervalar, que se inicia na lei­tura relativa por intermedio da pauta gradativa, podeter esse precesso continuado na leitura absoluta.Com a introdu~ao das c1aves, algumas notas tor­nam-se referenda para ampliar 0 ambito de leiturana pauta absoluta.

A abordagem ~lntervalar~ propoe 0 reconhecimentodo intervalo geralmente introduzido em urna paulagradativa (bigrama, trigrama). antes de seremestabelecidas referencias fixas (claves, guias.marcos). [.. ,] A leitura mel6dica gira em torno dasnatas fixas de referencia. A leitura vertical eentendidacomo superposityao de intervalos lidos atraves dadisposic;:ao espadal das nolas nas linhas e espac;:os[ ... ]. (Sampaio, 2001, f. 40).

As tres abordagens trazem beneficios, mas,nao obstante, apresentam algumas desvantagens,o que tern estimulado a elabora~ao de metodos quecombinem as melhores caracteristicas de cada umadelas (Uszler, 1990, p. 107). Essa combina~ao edenominada pelos pedagogos como AbordagemEcletica (Sampaio, 2001, f. 40).

Sampaio (2001), em sua disserta~ao demestrado - Metodos Brasileiros de Inicia9ao Musi­cal ao Piano: urn Estudo sob 0 Ponto de Vista Pe­dag6gico -, avalia Piano 1 segundo teorias e idei­as basicas de Swanwick e Tillman, Serafine,Sloboda e analises propostas por pedagogos darevista Piano Ouaterly (PO), pela educadora ame­ricana Frances Clark e pelo modelo C(L)A(S)P deSwanwick.

Quanta ao processo de leitura aplicado par lodo 0 livro,podemos dizer que as autoras adotam os tres processosc1assificados pela PO, abordando a leitura atraves de umprocesso completo. EJa e conslruida por cartoes deleitura, cartOes com nome da lecla a ser tocada, oucartoes com formato de teclado de uma oilava e umatecla marcada, e cartOes identificando as alturas atravesdas daves de Fa e Sol, esta implicita no proprio repert6rioe refon;:ada em exercicios complementares escritos,entremeados nas atividades sugeridas. 0 emprego desseconjunlo de atividades e muita bom, par serdiversificado,aumentando a interesse da crianl(8 pela leitura (Sampaio,2001, f. 79).

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24 ProfessCf

revista daahem

1. ApnmuI"ogrupod1! 3sCJnS· 3primdros sortS dtHC tlunaior- m-tTnsd1!1.ll:1::IA c~.o2.1ritrodu:Dr aptsqui5l.d.os~os de 3HlrIS.3. 1rabliw"t. Ie :bJnnlA:tivtnobigraml..

1. Apesquisl. e fixt.l:'i.o dos grupos de 3 sons i fund.m:l.mttl,po:i: ,possbi..l.it1 *-0 alJno 0 ~ o:mhedtnotrl1o d~ wdu t! tonilid.1.dH,f I.(:iliundo opro~ uso d1! trmsposi{io.

2. SugtsUOPlII"1. 0de SttlV'(l~.ri:nentD d.t atividtde :21. Rulinn 1e itlJrt pri via. oh crm(io ,22. Ex'tru1.Uune kldit. cU"lLV\do cOUlI.1etn,COttl. osn.om.es dunotue ~OUlroJu::.t,ros(1,2e 3)2 J. Men:mizllI" I.~ [email protected] MpU'l.po~rd!ru.ha:rtnru:[email protected] .... Rt~ ord.u ~omo Uun.o 0 nome @ klc lfuI.{io oils t..eelupnw (rusturiios ebem6is).1:!J _'Ib~u I. ~uto;'i.o U;w CUI'OflJo cOttl.e ~U"ldo de qul.lquert..e~ la. ,I.~itn eli. urito~ t.d.t nnvi.ri..ts tCJl\ilidtde >. 0 VJl\O aos

poucos ~o:mht cera. toOOs os grupos de 3sons_3.0 sqw.drirlhosbruv.os tprrtos shl.ttili:ztdosp*I1.sitnbolinraorgaru:n{ioohs cons das t!c!ts de ~lda glUpo

Exemp1l)- 0 ~o doD6s6possuit!c!ts bnn.cas (D6,Ri,:Mi),lSSi:n: [II]otpJpo do Ri posrui2 t! ellS bnn.ca.s e I PI" m: (=cJII

Um comt;iio

t" -rQ.- fab

M11>iro ..:Gio::kou. L!:o.Jiu,u.tt4.:N~liLI.!wA=.l.

J&- rQ. U ,,-.r~- 11!' - ca.

Figura 8: Pagina do professor referente apagina do a/uno

'0'

Um corarao

SQ, pra I" :,r.

Mi";,, Gi,I.. ,~ MaL;'pLot,.> ~i,ltI. ~",,: 11."0'

Toque e eante:- ,om a letra. com os nomes das notas (06. Re, Mi)- ,om lllimeros (L2,3)

Esta melodia foi feita sabre as 3 primciros sons da cscala de Do.

GrllPO de 3 sons: A \" tecla dA nome ao grupo.As teclas do grupo do 06 sao brancas.

i

I' ~~"-@"'··"@""··'"rns OIJIcol!£~?_~~~!110li I _Cln~ou . Pii'-no 1 An" Conliullo R"moli &_ G'lii.nl M"nno l

Figura 9: Leitura no bigrama introduzindo os tres primeiros sons da escafa maior com proposta detransposir;ao - abordagem das Multiplas Tonafidades (Marino: Ramos. 2001, p. 125)

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revista da

ahem

• 0; rome 8s notas ablixo.

~

J~~~~:~::::::~>-iP­l~~~~

... [)esenhe 0 vi7inho ~ cirna eo vizinho de baixo dls notas cBs cla-wsde Sol e Fa.

• De rome as robs abaixo.• Pinte as rotas de refer!l\Cia.

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es: el Ira

Figura 10: As claves de sol e fa e as notas de referencia sao apresentadas simultaneamente.caracterizando as abordagens Intervalar e do 06 Central (Marino; Ramos, 2001, p. 163)

Uszler comenta sobre a utiliza9ilo dos metodos:

Rotular as abordagens de leitura e muito menosimportante do Que estar consciente do usa e dosequenciamento de qualquer abordagem de leitura queo metoda apresente. Professores que estao alerta aosprincipios embutidos em cada uma das abordagens daleitura eslao em melhor posir;ao para julgar se umadeterminada combinal;ao de alividades de leilura formaurn melodo de instruyao uniftcadamente bern sucedido(Uszler apud Sampaio, 2001, f. 51).

Professores devem estar atentos aspotencialidades e expectativas de seus alunos paramelhor adequar metodas e estrategias de ensinodo instrumento. As experiencias anteriores a intro­du,ao da leitura musical e as etapas de leitura de­vem ser valorizadas para que os conceitos sejamabordados de forma gradativa, estabelecendo asbases para a compreensao musical.

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O musical escolar CDG comomoldura de educação musical

Helena Müller de Souza NunesDepartamento de Música – UFRGS

[email protected]

Resumo. Este texto procura discutir a idéia do musical como um recurso musicopedagógico de caráterpopular adequado à criança brasileira, baseado nos resultados obtidos por quatro trabalhos empíricosrealizados no âmbito da Proposta Musicopedagógica CDG. Ao longo de mais de uma década deexperiência CDG, busca-se desenvolver uma proposta metodológica que reúna, num único modelo, osquatro principais aspectos da educação musical no Brasil: formação de professores; criação de materialdidático e de recursos instrucionais; sistematização de idéias e procedimentos; e vinculação saudável eprodutiva com o mercado e a mídia.

Palavras-chave: musical escolar, CDG, canção infantil

Abstract. This essay discusses the idea of the musical as a Brazilian child appropriated educationalresource, based on the results of four experimental CDG musicals for children. During over 10 years ofCDG experience, the attempt has been to develop a methodological model including the four mainaspects of the music education in Brazil: teachers building, creation of didactic materials and instructionalresources, description of specific ideas and procedures, healthy market-media approach.

Keywords: schoolmusicals, CDG, songs for children

Apresentação

Já uma definição precisa do que seja ummusical não é uma tarefa fácil. Tanto mais comple-xo é o desafio de apresentá-lo e desenvolvê-lo comoum recurso musicopedagógico de caráter popularadequado à criança brasileira. Este texto procura

discutir esta idéia, baseado nos resultados obtidospor quatro trabalhos empíricos realizados no âm-bito da Proposta Musicopedagógica CDG1 , ao lon-go de mais de uma década de sua existência, bemcomo no estudo:

NUNES, Helena Müller de Souza. O musical escolar CDG como moldura de educação musical. Revista da ABEM, Porto Alegre, V.9, 55-63, set. 2003.

1 O Projeto CDG é uma proposta musicopedagógica brasileira (Vale do Sinos, RS, 1991) com reconhecimento internacional, queintegra produção de repertório e material didático, bem como capacitação de professores e outros profissionais para o trabalho commúsica no contexto educacional e da saúde. Essa proposta viabiliza-se através de musicais escolares infanto-juvenis, CDs, cancioneiros,livros e cursos; está integrada por projetos de extensão e ensino, junto ao curso de Licenciatura em Música da UFRGS; e é objeto deestudo do projeto de pesquisa Proposta Musicopedagógica CDG, registrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, com certificaçãodesta mesma universidade.

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a) dos comportamentos do mercado mundi-al de sucessos musicais, considerando fil-mes, desenhos, discos, CDs e espetáculos;

b) da tendência da musicopedagogia inter-nacional, em especial a européia, desde oprincípio da década de 1990;

c) da repercussão da produção musical in-fantil brasileira, tanto de caráter comercialquanto puramente artístico e pedagógico, apartir da década de 1970; e

d) das evidências históricas brasileiras, quemostram a educação e a prática musical in-fantil fortemente vinculada às comemoraçõesdo calendário letivo, as conhecidas festinhasescolares, ou do ano eclesiástico, as festasde igreja ou temas de ensino religioso.

O tema frente à cultura popular e à educaçãomusical

Tanto com base na literatura especializadaquanto no senso comum, é comum aceitar-se pas-sivamente que a educação musical formal brasilei-ra seja decorrente de modelos estrangeiros, emespecial europeus e norte-americanos. Não é ver-dade 2 . O fato é que um real comprometimento commodelos e idéias distantes do Brasil, muitas ve-zes, tem servido de disfarce para o medo de pro-por e desenvolver alternativas musicopedagógicasmais ligadas ao povo brasileiro, com suas prefe-rências autênticas e suas manifestações musicaisespontâneas. O atestado de competência e valordas propostas musicais brasileiras – sejam elasartísticas, comerciais, musicoterapêuticas oumusicopedagógicas – tem sido conferido ou pormodismos de imposição mercadológica ou por ide-ologias políticas e/ou por critérios estabelecidos poracademicismos distantes do cotidiano dos diver-sos grupos sociais brasileiros. Nos últimos anos,algumas pesquisas e projetos de desenvolvimentotêm procurado corrigir esse quadro, e a PropostaMusicopedagógica CDG empenha-se em contarentre eles.

Ao longo da história do Brasil, aconteceramvárias iniciativas de desenvolvimento de uma cons-ciência nacional livre das determinações estran-geiras. Possivelmente, o marco histórico mais re-presentativo deste fenômeno foi a Semana de ArteModerna de 1922, mesmo que, em si mesma, não

tenha apresentado tantas pompas quanto a tradi-ção lhe tem conferido. Naquela ocasião e nos anosque se seguiram, mesmo que em cenários e con-textos altamente conflitantes entre si, foram confi-gurados conceitos de cultura e cidadania brasilei-ras ainda hoje atuais e sempre ainda em desenvol-vimento. Com a LDB no 9394/96, tem-se feito es-forços no sentido de ter no conceito de cidadaniaum sustentáculo da escola e da sociedade em ge-ral. Mas, ao mesmo tempo, o mundo foi-se tornan-do cada dia menor diante dos avanços tecno-lógicos, e mais facilmente alcançável diante dosavanços dos meios de comunicação, o que provo-ca perplexidade diante dos direitos e deveres decada um desses cidadãos, individualmente ou emseu grupo. Nunca, como desde os últimos anos,as pessoas se deram conta do quanto somos inter-dependentes, e esta noção atinge tanto as cultu-ras locais quanto as culturas decorrentes do con-tato das diversas nações entre si.

Na atualidade, porém, a prepotência de cer-tos grupos formadores de opinião, bem como in-terpretações parciais que a própria população temsobre o conceito de globalização, promovemdistorções culturais prejudiciais a todos; em parti-cular, a grupos minoritários e de menor poder eco-nômico e/ou conhecimento tecnológico. Taisdistorções tornam o respeito às manifestações cul-turais autóctones e a relação da cultura de massacom o direito às particularidades desses grupostemas ainda mais complexos e de debate maisnecessário do que nunca antes. No caso das ma-nifestações musicais brasileiras, desde as iniciati-vas do Barão de Macahubas no século XIX, pas-sando pelo Canto Orfeônico do Período Vargas,pela descoberta do mercado infantil para grava-ções fonográficas nos anos 70 e, mais recentemen-te, pela “adultização” precoce das crianças, eviden-cia-se um afastamento imenso entre o que se en-sina na escola e o que se vive, espontaneamenteou imposto pela mídia, fora dela. A preferência in-fantil evidencia a necessidade de se desenvolverum vínculo mais saudável entre uma educaçãomusical formal e revestida de erudição com a cul-tura musical popular veiculada, principalmente,pelos meios de comunicação de massa e compro-metida com o mercado. Dentre as formas mais atu-ais desse encontro entre um fazer artístico criteriosoe o gosto popular está o musical, sobre cujas par-ticularidades se passará a discorrer, tendo por ob-jetivo maior aproveitar suas possibilidades no pro-cesso educacional musical da criança brasileira.

2 Um quadro comparativo entre as datas nas quais os diversos métodos de educação musical foram propostos no Brasil e em outrospaíses do mundo apresenta-nos a surpreendente evidência da contemporaneidade desses acontecimentos. A coincidência de períodose graus de desenvolvimento das idéias musicopedagógicas brasileiras e internacionais não pode ser mera casualidade e, certamente,pode ser evidência de que o Brasil não tenha sido, não seja e não precise ser um passivo recebedor de idéias estrangeiras. Este tópicomerece aprofundamento de estudos. Para maiores informações, vide Wöhl-Coelho (1999).

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A forma musical, suas origens e seusdesdobramentos

O musical – simplificação do termo musicalcomedy – é um gênero de espetáculo surgido emtorno da passagem do século e definitivamenteestabelecido nos anos 20, nos EUA, no qual diver-sas formas artísticas são aproveitadas numa mes-ma peça, sem que haja rigor estilístico ou formal.Segundo Oscar Hammersteins II (1895-1960), oúnico elemento permanentemente encontrado emtodos os musicais é a música: “Es sollte alles sein,was es sein möchte. Es gibt nur ein Element, wasein Musical unbedingt haben muß – Musik.”(Hammerstein apud Bering, 1997, p. 7). Assim, va-mos encontrar burlesco, minstrel show, vaudeville,opereta, revista, jazz e rock, combinados entre siou não, em obras que incluem, além das canções,diversas estruturas teatrais e coreográficas. Acon-tece em um palco, um espaço limitado estabeleci-do pelo consenso entre compositores e intérpre-tes, que permite a elaboração de realidades ilimi-tadas por excelência. Nesse espaço convencional-mente reduzido, é possível refletir sobre a realida-de representada, aperfeiçoando-a com a proteçãodo direito à fantasia. Assim sendo, tanto na formaquanto na escolha de temas, textos e roteiros, omusical é uma forma polivalente e livre, que esti-mula a imaginação e sustenta a aquisição de co-nhecimentos. Tanto pode contar uma história trági-ca como uma cômica. Pode, também, sequer con-tar uma história, no sentido mais restrito da expres-são, limitando-se a apresentar conteúdos e situa-ções reais ou imaginários de forma romantizada,fantasiosa, naturalista, estilizada ou satírica.

Fora de dúvida, no entanto, é seu compro-misso com o sucesso de público. Inicialmente, omusical moderno consistia de uma diversão dascamadas populares pequeno-burguesas e prole-tárias norte-americanas; em pouco tempo, no en-tanto, o gênero caracterizou-se por megaproduçõescinematográficas ou de palco e outros espaços decomunicação destinadas a todo tipo de público.Desde a origem, o musical tinha por objetivo prin-cipal movimentar o show business da Broadway eos estúdios de filmes de Hollywood. O êxito finan-ceiro dessa proposta, conseqüência mais imediatado interesse que despertou em todas as camadas

sociais e intelectuais, faz com que, na atualidade,seja desenvolvido também como produto do mer-cado de sucessos artísticos e editoriais de outrospaíses3 . As grandes produções de musicais inclu-em shows, gravações, publicações e filmes quemovimentam milhões de dólares no mercado detrabalho com arte e multimídia, e mexem com oscorações e as mentes de milhões de espectadoresem todo o mundo.

A evolução histórica do musical no cenáriointernacional, enquanto forma artística e de espe-táculo, é apresentada por Bering (1997) em seisgrandes momentos:

a) Velho e Novo Mundo (1700-1918)

b) Era do Jazz (1918-1929)

c) novos temas, novos tons (1929-1943)

d) musicais clássicos (1943-1957)

e) tempo do rock (1957-1978)

f) mercado mundial (a partir de 1978)

A comédia musical, forma que se desenvol-veu em Londres a partir da ópera cômica e burlescanas últimas décadas do século XIX, consistia emum roteiro que combinava livremente comédia eromance, numa estrutura musical incluindo cançõescativantes, conjuntos e danças. Nos Estados Uni-dos, houve uma adaptação desta forma de espetá-culo, a partir da década de 1920, com as obras deJerome Kern, George Gershwin e Richard Rodgers.Já com o nome de musical play e exibindo roteirose partituras mais consistentes, o gênero atingiu seuauge na década de 1940. Com esta origem moder-na, a partir da Segunda Guerra Mundial, difundiu-se mundialmente o musical, assim como é conhe-cido atualmente (The New Grove Dictionary forMusic and Musicians, 1980).

No Brasil, o tema ainda não foi estudado coma merecida ênfase. Valadares (2001, f. 12) afirmaencontrar-se, nos diversos catálogos de composi-tores eruditos brasileiros, somente uma obra coma nomenclatura específica musical, a saber, o mu-sical infantil Godó, o Bobo Alegre, escrito por Fran-cisco Mignone (baseado no livro homônimo de

3 Conforme um artigo publicado no jornal Zero Hora (1998), o musical Cats, de Andrew Lloyd Webber, por exemplo, em 19 de junho de1998 bateu recorde de apresentação na Broadway, com seu 6138o espetáculo. Durante o evento comemorativo, 22 atores e atrizesintegrantes desde o início das apresentações saudaram suas personagens e, ao final, cantaram juntos The Ad-Dressing of Bats. Omesmo espetáculo é ininterruptamente apresentado em Hamburgo desde 1981, com igual sucesso de bilheteria, criando empregos paraartistas, editores, agências de turismo e profissionais ligados a esse tipo de mercado. Também no processo educacional das escolas demúsica o referido espetáculo tem tido forte influência estilística e formal, conforme W. König, em entrevista à autora deste artigo emagosto de 1998. Outros exemplos similares podem ser encontrados em Kaczerowski (1996).

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Pedro Bloch e ainda inédito ). Sob a nomenclaturaópera infantil, a autora localizou Maroquinhas Fru-Fru (1974), de Ernest Mahle, baseada em um textode Maria Clara Machado, e O Milagre das Rosas(1968), de Mário Mascarenhas. No entanto, pode-se enumerar alguns fenômenos que indicam a im-portância de formas artísticas e de espetáculo si-milares ao musical aqui, como, por exemplo:

a) Escolas de samba: pode parecer estra-nho associar os musicais referidos acima aos des-files e demais atividades de uma escola de sam-ba. E, mais estranho ainda, relacionar tais elemen-tos à educação musical. No entanto, as escolasde samba integram conhecimento formal e mani-festações populares, música e cena, lazer e mer-cado. Além disso, despertam grande interesse eentusiasmo na população. E a música é o fatormáximo dessa integração. Essa importante evidên-cia não se faz representar nos programas oficiaisde ensino de música, mas atestam que, ao ladoda euforia do Carnaval enquanto festa popularimportante desde a passagem do século, cresceuentre a população sentimentos autênticos de iden-tificação nacional, saber musical e estruturas demercado típicas do musical do show business nor-te-americano. O potencial musicopedagógico des-sa realidade ainda não foi devidamente exploradono âmbito da educação musical brasileira; o quepode acontecer no âmbito do modelo dos musi-cais escolares.

b) Teatro de revista: fora das escolas, na for-ma do teatro de revista4 , cresceu a valorização daMPB, incentivada, especialmente entre 1930 e1950, também pelos progressos dos meios de co-municação (rádio e gravações de discos). Os te-mas geradores do teatro de revista eram os acon-tecimentos cotidianos e as personagens típicas dasociedade da época. Tais temas eram representa-dos em espetáculos variados, que integravam mui-tos tipos de profissionais e estilos das linguagensartísticas. Ainda assim, as diversas tendênciasdessas linguagens, da cultura popular e da educa-ção formal, continuavam coexistindo isoladas umasdas outras e não se respeitando mutuamente.Pode-se dizer que esses primeiros “musicais bra-

sileiros”, a despeito de vulgarizações que tenhasofrido, eram uma espécie de crônica bem-humorada de acontecimentos políticos e sociaisde seu tempo. A associação entre as linguagensartísticas, o mercado de trabalho para todo o tipode artistas e os acontecimentos reais do cotidia-no, bem como a possibilidade de transformá-losem objeto de reflexão, em conteúdo de estudo emeio de entretenimento ao mesmo tempo, não foiaté hoje devidamente reconhecida pelamusicopedagogia. Este é um dos aspectos que omodelo de musicais escolares aqui apresentadose ocupa em desenvolver.

c) Teatros musicados e mídia: o mais rele-vante para o tema aqui abordado são os aconteci-mentos ocorridos na década de 1970. Durante esseperíodo, as gravadoras e setores do mercadofonográfico e televisivo descobriram o filão econô-mico representado pelo público infantil, oferecen-do a ele um repertório nem sempre adequado; pelomenos, questionavelmente infantil, mesmo que ostemas e as personagens o fossem. Vários podemser citados, como a Casa de Brinquedos e a Arcade Noé, de Vinícius de Morais (década de 1980),Os Saltimbancos, de Chico Buarque de Hollanda,e No Vale Encantado, de Osvaldo Montenegro, quese utilizam de figuras da infância para metaforizartemas políticos censurados ou elaborar a criançaque mora dentro de cada adulto. Também a ten-dência de entender a infância como o período davida em que a pessoa se diverte com o ridículo (OsSaltimbancos Trapalhões, 1981) ou é apenas umadulto em miniatura, apesar dos disfarces pelo ex-cessivo emprego de diminutivos e falasinfantilizadas como o Xou da Xuxa (Globo, 1986-1993), Mara Maravilha (SBT, 1987-1993) e Angéli-ca (SBT e Globo); ou é a manifestação do talentosem necessidade de investimento (A Turma doBalão Mágico, 1983-1986). Com o Sítio do Pica-pau Amarelo (Globo, 1977) e Castelo Rá-Tim-Bum(Cultura, 1988, veiculando obras como Pé, MeuQuerido Pé, de Hélio Siskind), entretanto, pareceser possível identificar uma busca pelo mundo ge-nuinamente infantil, feita por adultos efetivamentecomprometidos com o desenvolvimento da crian-ça. Relevante ao caso, no entanto, é o fato de que

4 Tinhorão (1998) aponta João José da Costa Júnior e Chiquinha Gonzaga como os primeiros compositores brasileiros da fase pioneirade criação do intercâmbio existente ente teatro, música popular e Carnaval, numa tentativa de adaptar erudição e gosto popular, estilizandono palco os ritmos da rua (tangos, maxixes e marchinhas). Provavelmente, os primeiros compositores desse século para o teatro derevista foram Sinhô (1920), Pixinguinha (1926), Lamartine Babo (1926) e Ari Barroso (1928), figuras muito conhecidas já em sua épocae, até hoje, conhecidos músicos populares. No entanto, também compositores considerados mais eruditos, como Heckel Tavares (1926),compuseram para o teatro de revista. O teatro de revista (ou simplesmente revista), um dos gêneros de maior sucesso no teatrobrasileiro, misturava dança, música e esquetes. Inicialmente, o gênero apresentava influências portuguesas, mas, com o tempo, difundiu-se e abrasileirou-se nos tipos, nas temáticas e, principalmente, no lançamento e/ou reforço de músicas de sucesso e tinha um carátermalicioso, recheado por satíras políticas.

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a música, como estrutura para espetáculos de tea-tro e/ou televisão, foi progressivamente despertan-do interesse e se constituído em produto comerci-al. A par desses produtos, outros de menor valorartístico se impuseram e se impõem com muita for-ça de mídia, interferindo e modelando o gosto in-fantil, pois o poder da televisão ao transmitir repre-sentação cênica (que inclui cenografia, indu-mentária, coreografia, textos, etc.) associada àmúsica é enorme. Mas nem só a televisão detémeste poder de propor o que talvez até mesmo sepoderia chamar ideologia multimídia. Atualmente,crescem em atuação e importância grupos como oPalavra Cantada (São Paulo), Roda Pião (BeloHorizonte), Cuidado que Mancha (Porto Alegre),que procuram levar suas canções através do con-tato direto com as crianças, em shows escolares.

d) Já no âmbito educacional, merecem re-ferência os teatros musicados das escolas e dasigrejas. Na escola, essa prática iniciou com ametodologia educacional ministrada pelos jesu-ítas ainda durante o Período Colonial. Eles em-pregavam representações artísticas incluindo amúsica associada ao teatro. Séculos mais tar-de, as comemorações cívicas do canto orfeônicocontinuavam repetindo essa forma de represen-tações artísticas escolares. Sem entrar em seusméritos ideológicos, o fato é que integravam ele-mentos folclóricos, populares e eruditos, bemcomo reuniam e motivavam um grande númerode pessoas de todas as idades e grupos soci-ais. No caso da tradição desenvolvida nas igre-jas, observa-se o hábito de representar eventosdo calendário litúrgico e textos bíblicos associ-ando cena e música. Cabe lembrar que tais prá-ticas foram/são especialmente importantes paraaquelas denominações cuja propagação acon-teceu por intermédio de movimentosevangelizadores de massa, muitas vezes reali-zados em praças públicas. Aqui se encontra,também, produção de repertório publicado emcancioneiros, contendo textos com acompanha-mentos harmônicos cifrados e, mais raramente,de partituras. Essa produção, embora reduzida,é significativa por evidenciar a necessidade doaspecto editorial na área. No entanto, em ne-nhum destes casos – respectivamente, escola eigreja – existe uma preocupação maior com omercado, antes procuram negá-lo; e procuramnão se deixar influenciar decisivamente pelacultura popular, antes procuram influenciá-la. Dequalquer forma, apontam para a importância sig-nificativa da associação entre diversas lingua-gens artísticas e do problema editorial, respec-tivamente, de direito autoral, em torno de um

processo que bem pode ser aproveitado comomusicopedagógico.

Nem as escolas de samba, nem o teatrode revista e nem os teatros musicados com ousem o apoio da mídia, são musicais ou musicaisescolares, nos sentidos mais restritos dos ter-mos; no entanto, o interesse que despertam e aforça que têm atestam a importância de fazer,de trabalhos como esses ali desenvolvidos, fon-te de inspiração para materiais e idéias de edu-cação musical vinculadas à cultura popular.

Bases musicopedagógicas para musicaisescolares CDG

Originado de uma experiência prática qua-se casual entre 1991 e 1994, o modelo aqui pro-posto teve sua fundamentação musicopeda-gógica e sua coerência com a realidade brasi-leira cientificamente estudada entre 1995 e 1997.Entre 1998 e 2002, foram intencionalmente re-alizados e documentados mais três trabalhosempíricos decorrentes da experiência originalassociada ao estudo científico que se seguiu aela. Registrada desde 2002 no Diretório de Gru-pos de Pesquisas do CNPq, com certificação daUFRGS, a Proposta Musicopedagógica CDGaperfeiçoa seus procedimentos e recursos, atra-vés do trabalho de uma equipe internacional depesquisadores. Conforme resultados obtidos aolongo desse tempo, um modelo musicopeda-gógico ideal para a realidade brasileira devecontemplar, concomitantemente, seus quatroaspectos fundamentais, quais sejam:

a) formação de professores e suacapacitação para o aproveitamento da mú-sica em sala de aula e em outros ambienteseducacionais e formativos;

b) produção de repertório (CDs, cancionei-ros) e materiais didático-instrucionais emmúsica ( jogos pedagógicos, vídeosilustrativos);

c) sistematização de procedimentos e de téc-nicas de ensino, bem como desenvolvimen-to e ampla discussão de idéias; e

d) cooperação autônoma e produtiva, comestruturas mercadológicas e com a mídia.

Verificou-se, também, que o modelo de mu-sicais escolares apresenta tais possibilidades, poiscontempla todos esses aspectos, vinculando o fa-zer educacional e artístico a uma postura empre-sarial, que está atualizada, no contexto internacio-

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nal,5 e é inovadora, no contexto nacional, confor-me estudos comparativos realizados com base nabibliografia especializada e amplamente discutidaem tese de doutoramento (Wohl-Coelho, 1998).Nessa tese, sob o tema um projeto para a educa-ção musical no Brasil, foi estudada a importânciados musicais escolares para o ensino de músicanos contextos nacional e internacional, bem comoa adequação deste modelo para o Brasil. Musicalescolar CDG, portanto, é um conceito surgido em1991, referente a iniciativas que proporcionem edu-cação musical, formação estética e desenvolvimen-to integral a crianças tanto em salas de aula daescola regular quanto em associações culturais, noâmbito do projeto CDG. Enquanto gênero artístico,o musical CDG se orienta pelos grandes musicais;no entanto, ao contrário destes, não buscaprioritariamente a perfeição de espetáculo e o aten-dimento das expectativas de mercado, mas sim odesenvolvimento das capacidades musicais, ver-bais e cênicas das crianças que dele fazem parte.

Durante o processo de produção de um mu-sical CDG, toda a comunidade escolar pode serenvolvida, associando, na forma de experiênciasestéticas, conteúdos interdisciplinares, convíviosocial e estruturas de personalidade. Trata-se daabertura de novas perspectivas para o desenvolvi-mento individual; vivências artísticas integrais commúsica, teatro, dança e artes plásticas; competên-cia crescente nas diversas linguagens artísticas;contato com os meios de comunicação de massa erecursos de multimídia; amadurecimento advindoda distinção entre o real e o fictício; poder de co-municação e expressão; critérios de julgamentofundamentados. O maior cuidado que se deve teré com a verdade da teatralização, isto é, a criançanão pode ser levada a “representar” o que, em suavida real, jamais presenciou. Por ainda não ter acu-mulado experiências em quantidade e qualidadesuficiente, ela tem critérios de julgamento edistanciamento ingênuos. Em sua imaturidade,acredita em tudo o que experimenta, e constróiparâmetros e referenciais de vida com base nessematerial. Assim sendo, pode-se afirmar que, quan-to mais jovens forem os atores, menos deverão “re-presentar” e mais “presenciar”. Isso resulta em es-petáculos que se renovam a cada reexibição. Lite-ralmente, acontecem, já no palco, pela primeira vez.São jogos, são brincadeiras.

De fato, espetáculos infantis devem ser cons-

tituídos de experiências reais assistidas e/ou com-partilhadas por um público. Como se desenvolvemna frente de um público, precisam “dar certo” aosolhos desse público. Saber lidar com isso, apro-veitar todas essas possibilidades de um musicalCDG implica, naturalmente, preparo docente es-pecífico, repertório adequado, estruturas escola-res e sociais condizentes e comprometimentosociocultural. Conforme já caracterizado nos pará-grafos anteriores, o musical enquanto gênero, e emsua concepção original, é mais do que apenas umaforma de divertimento, pois envolve ainda merca-dos de produção profissional e de consumo, bemcomo atinge públicos diversos, influenciando atémesmo o gosto, os hábitos e a moda. O musicalescolar CDG tem essas possibilidades potencia-lizadas, pois está proposto como parte conscientedo sistema educacional. Precisa e deve ser estu-dado com muito seriedade e abrangência.

A Proposta CDG propõe o modelo Musicalcom os seguintes componentes:

a) espetáculo cujos intérpretes sejam,prioritariamente, crianças e adolescentes,mas também pessoas da comunidade emgeral, como seus pais, irmãos e amigos, to-dos artistas amadores;

b) espetáculos a tal ponto estruturados poradultos e abertos para as crianças, que pos-sam ser revividos/reinventados a cada novaapresentação, com garantia de êxito no pro-duto final;

c) CD contendo o repertório e seus respecti-vos acompanhamentos instrumentais, paraque as canções possam ser repassadasmesmo por grupos e/ou em situações deensaio onde não existam músicosacompanhadores;

d) cancioneiro com as melodias, os textos eas cifras para acompanhamento;

e) vídeo, onde as coreografias básicas sãodescritas e ensinadas;

f) financiamento desses produtos feito atra-vés das leis de incentivo à cultura; e

g) divulgação e veiculação pela mídia.

Este conjunto de procedimentos foi testado

5 Esta proposta participou da EXPO 2000 de Hannover com seu musical infanto-juvenil Curupira – Histórias, Mitos e Lendas dasFlorestas Brasileiras e com a conferência Visões da Musicopedagogia no Brasil e o Projeto CDG, durante o evento Brasil – Europa 500Jahre: Musik und Ent-Decken neuer Welt, congresso promovido por diversas instituições internacionais, entre 3 e 7 de setembro de1999, em Colônia. Nessas ocasiões, bem como através de críticas e reportagens publicadas em jornais alemães da época, foi possívelcomprovar tal afirmativa.

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e desenvolvido nos quatro trabalhos a seguir:

a) Cante e Dance com a Gente (1991): inici-almente, deveria ser apenas um disco comemora-tivo; no entanto, o interesse despertado entre cri-anças e professores acabou por gerar um espetá-culo realizado por sete crianças entre 4 e 12 anos,que teve quase 70 apresentações, ao longo de maisde três anos. Também foi tema de uma tese dedoutorado, sete cursos para professores e toda areflexão aqui apresentada. Este trabalho incluiu agravação de um disco de vinil com 30 canções, apublicação de um cancioneiro com o repertório gra-vado (texto, partitura e cifras para acompanhamentoharmônico) e um show com 30 minutos de dura-ção. Durante as apresentações, o som foi feito emplayback. O cenário despojado era modelado pe-los próprios atores durante a encenação, e erasustentado pelos figurinos. Essa indumentária, levee simples, era feita com tecidos coloridos, espumae papel, e também era trocada no palco, como par-te das coreografias. A estrutura do espetáculo foia de colagem, onde cada uma das canções tratavade um tema da fase pré-escolar: rotina, esquemacorporal e afetos.

b) Histórias (1998): esse trabalho procurouseguir, rigorosamente, o modelo original, descritoacima; no entanto, não houve recursos para a mul-tiplicação do cancioneiro (o trabalho em arte-finalestá disponível). Foi feita a gravação de um CDcom 18 canções e um show com 45 minutos deduração, apresentado pelo mesmo grupo que apre-sentara o primeiro trabalho, mais um grupo de no-vos integrantes, totalizando 37 crianças e adoles-centes. Como as crianças do grupo original esta-vam mais velhas, o repertório acompanhou seuamadurecimento, incluindo canções que tratavamde releituras irônicas e divertidas das mais tradici-onais histórias infantis (Três Porquinhos; Cinderela;Natal), sobre as personagens dessas mesmas his-tórias (Bruxa; Anão; Rei), ou ainda sobre seus te-mas (Namorado Rocardel; Rock Dog Virtual). In-tercalando essas canções, explorava-se o uso derimas infantis e jogos de calçada, dando unidadeao roteiro. O lançamento do CD foi em março de1999, em Novo Hamburgo, e durante esse ano oespetáculo foi levado a escolas e casas de espe-táculo do Vale do Sinos e de algumas cidades dointerior do Rio Grande do Sul, totalizando 22 apre-sentações.

c) Curupira – Histórias e Lendas das Flores-tas Brasileiras: esse musical é constituído de trêsatos, dura cerca de 45 minutos e foi interpretadopor 30 crianças entre 6 e 19 anos, com música aovivo. Todo o texto, repertório, coreografia, efeitos

de cena e personagens são inéditos, inspirados empersonagens lendários das florestas brasileiras(Curupira, Licocó) e sua flora e fauna (Jequitibá,Borboletas, Vitória-Régia). As compositoras inspi-raram-se em ritmos e fórmulas tradicionais da mú-sica popular e folclórica brasileira e gaúcha. Ascanções incluíam recitativos, solos, partes instru-mentais e efeitos sonoros diversos. As partes defala estão construídas sobre uma métrica determi-nada, marcadas por coreografias e integram o todomusical da obra. Os instrumentos integrantes in-cluem tanto instrumentos convencionais comoconstruídos especialmente para a execução daobra, e tocam tanto o acompanhamento das can-ções quanto executam os efeitos da trilha sonora.O lançamento foi em setembro de 2000, no Salãode Atos da UFRGS, dentro do projeto Aprendendocom Arte, do Departamento de Difusão Cultural daUFRGS, e o trabalho apresentou-se na Alemanha,em setembro/outubro deste mesmo ano, como pro-posta musicopedagógica selecionada para aEXPO2000 de Hannover. Ao todo, foram sete apre-sentações no Brasil e 29 na Alemanha, por váriasvezes divulgadas e referidas elogiosamente pelacrítica especializada alemã, em particular.

d) Natal dos Anjos: essa obra faz parte doprojeto CDG nas Escolas de Dois Irmãos. A pri-meira apresentação, ainda em fase experimental ecom apenas duas canções (Canção de Advento eÉ Natal), foi realizada em 1999, na abertura do IVNatal dos Anjos de Dois Irmãos. A segunda apre-sentação, na abertura do V Natal dos Anjos, em2000, já trazia seis novas canções, em versão maiscompleta do repertório: Anjo Gabriel, Magnificat,Jesus Nasceu, Bichos do Presépio, Glória dos An-jos, Estrela-Guia). Em 2001, fixaram-se as coreo-grafias e, em 2002, a instrumentação e as últimasseis canções que integram o conjunto da obra,publicada em cancioneiro em 2003. Ao longo des-se tempo, transforma-se em uma tradição integrantedos festejos natalinos da serra gaúcha.

Conclusão

A análise do processo evolutivo damusicopedagogia no Brasil, em particular no quese refere à sua relação direta com a escola e acultura, evidencia acontecimentos significativos,que reúnem atuações isoladas. Ainda não apare-ceu uma proposta metodológica com repercussãonacional, que reúna, num único modelo, os quatroprincipais aspectos da educação musical no Bra-sil: formação de professores; criação de materialdidático e de recursos instrucionais; sistematiza-ção de idéias e procedimentos; e vinculação ade-quada com o mercado e a mídia. Historicamente,

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verifica-se que a cultura popular nunca foi, devida-mente, nem respeitada nem aproveitada pela edu-cação formal. No caso específico da música, exis-te um abismo enorme entre o que é ensinado naescola e o que é vivido fora dela. Nem mesmo du-rante o período do canto orfeônico, que, em seusdiscursos, afirmava ser o resgate das culturas na-cionais sua mais importante bandeira, este respei-to existiu de fato. Com a queda da Ditadura Vargas,até mesmo as iniciativas escolares nesse sentidoforam abruptamente interrompidas. Nos anos emque valeram os princípios da Reforma do Ensinoda década de 1970, a profissionalização vinculadaaos avanços tecnológicos e uma pretendidaintegração entre as artes – entendidas, estas, numadimensão sofisticada, internacionalizada, repleta dediscursos acadêmicos – foram mais importantes doque valores culturais populares. Num tempo em quea escola não ofereceu educação musical específi-ca, os meios de comunicação de massa invadiramas casas de todos com seus próprios repertórios.Sem critérios próprios e com sentimentos de inferi-oridade em relação à própria cultura, as criançaspassaram a ter suas vivências musicais modela-das e condicionadas pelo mercado internacionalde sucessos.

Sem entrar no mérito das questões políticas,econômicas e ideológicas de todos esses aconte-cimentos, o fato é que uma estrutura que, garan-tindo espaços institucionais e metodológicos, fa-voreça o ensino de música associado à realidadevivida pelo povo parece tornar-se cada dia maisdifícil de ser desenvolvida. Coloquemo-nos frenteà situação de hoje: por um lado, uma geração deprofessores, que sequer teve a oportunidade devivenciar a música na escola em sua própria infân-cia, não recebe formação específica em seus cur-sos profissionalizantes, é bombardeada pela con-corrência desleal dos modismos culturais impos-tos pela mídia e pressionada pelo desejo das cri-anças de fazerem música. Por outro, os materiaise repertório existentes são pouco atraentes,desatualizados e inadequados à realidade atualdessas crianças. Essa situação precisa ser rever-tida, pois que a música seja importante no proces-so de desenvolvimento integral e harmônico dapessoa, bem como que as crianças gostem, mere-çam e precisem cantar e dançar são idéias pacifi-camente aceitas por pais e professores. Para queesta reversão possa acontecer, as primeiras e maisimportantes medidas que precisam ser tomadassão: produzir repertório, materiais e modelos mú-sico-didático-pedagógicos; capacitar professorespara o ensino e aproveitamento das possibilida-des da música em todas as situações educacio-

nais; e educar a sociedade para o aproveitamentoadequado dos mecanismos de mercado e comuni-cação de massa, promovendo integração de cultu-ras e, simultaneamente, respeitando e valorizandoas culturas particulares.

Os musicais, nascidos do show businessnorte-americano em torno da década de 30, espa-lharam-se pelo mundo. Seus espetáculos reúnemmultidões no público e movimentam profissionaisvariados. Na moldura desses musicais, alojam-sequestões culturais, artístico-musicais e de merca-do. Os musicais promovem espaços restritos e, si-multaneamente, desencadeiam espaços ilimitados.Eles possibilitam redes que partem de uma moldu-ra aparente para dentro de si mesma, como acon-tece durante a produção de um espetáculo ou agravação de um CD, por exemplo. Nessa dimen-são, pode-se elaborar inúmeros conteúdos sob asmais diversas e particulares formas. Mas o musi-cal também possibilita conexões para fora dessasmolduras específicas, na medida em que acontecepara ser apreciado pela sociedade e precisa destapara veicular-se para fora de si mesmo. Por todosesses interessantes desdobramentos, na últimadécada eles passaram a ser objeto de estudo demusicopedagogos. Ao incluírem canção e coreo-grafia – que acontecem num cenário determinado,o qual, por sua vez, é sustentado e garantido poruma estrutura de mercado e pela mídia –, os musi-cais têm-se evidenciado como um modelo desafia-dor para a escola e grupos sociais particulares, quedesejam integrar-se com o mundo do qual fazemparte. O nome musical pertence ao repertório in-ternacional, e, se adotado diretamente, poderiarepresentar mais uma apropriação de idéias inter-nacionais pela cultura brasileira. O que seria umainjustiça, pois conforme já foi dito, a idéia essenci-al de um musical tem similar na cultura brasileira.Até mesmo muito antes do que a Broadway,Hollywood, Hamburgo, Londres e outros centrosmusicais famosos, as escolas de samba, o teatrode revista e nossos teatros musicados (escolares,religiosos ou profissionais) já existiam por aqui. Adiferença está no fato de que as coisas importan-tes de cada um deles ainda não foram reunidas emum só modelo. Nesse sentido apresenta-se estareflexão.

O fortalecimentos do próprio contextosociocultural e a integração com o mundo atravésda globalização é evidenciada por uma linhaevolutiva detectada pelo estudo das diversas, im-portantes e, aparentemente, desconexas atuaçõesde educação musical no Brasil: a cada nova tenta-tiva, ao longo de nossa história, um novo enfoque

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Referências

BERING, Rüdiger: Musical. Dumont: Köln, 1997.THE NEW Grove dictionary for music and musicians. 1980. p. 815, v. 12.TINHORÃO, José Ramos. História Social da Música Popular Brasileira. São Paulo, Editora 34, 1998.VALADARES, Jane: O Musical Infantil – uma abordagem estrutural e funcional a partir do Godó, o Bobo Alegre, de Francisco Mignone”.Monografia sob orientação de Ana Guiomar Rêgo de Souza. Goiânia, Universidade Federal de Goiás – Escola de Música e ArtesCênicas, 2001.WÖHL-COELHO, Helena: Cante e Dance com a Gente: ein Projekt für die Musikerziehung in Brasilien. Frankfurt: Peter Lang, 1999.Publicação da Tese de Doutorado junto à Dortmund Universität/Alemanha, 1999.ZERO HORA. Porto Alegre, 21 jun. 1998.

foi sendo acrescentado ao processo. Assim sen-do, fomos nos dando conta de questões referentesà função da música na escola, ao preparo dos pro-fessores, à exigência de pessoal especializado, àpesquisa e à produção de repertório e, finalmente,a partir dos anos 70, ao mercado e à mídia. O gran-de problema desse último aspecto está, no entan-to, no fato de que as noções e conceitos dessemercado e dessa mídia não foram e nem estãosendo trabalhados no âmbito educacional, nemsuficientemente considerados em sua repercussãosobre a cultura popular, mas sim, puramente, node exploração econômica. A atratividade do reper-tório e dos procedimentos de cultivo da música no

âmbito educacional e a valorização dos dados cul-turais em seu estado mais autêntico são fracas, ede longe superada pela imposição do gosto musi-cal promovido pelos meios de comunicação demassa. As crianças, que compram CDs, cantam edançam, e se envolvem com a música, estão naescola ou em outros grupos sociais como clubes eigrejas. Onde está a competência dos profissionaisdessas instituições para aproveitar essa oportuni-dade com fins mais nobres do que o simplesacúmulo de capital? Acredita-se que todos estesassuntos e tentativas de encaminhamento dasquestões daí decorrentes possam ser trabalhadosno modelo CDG, aqui proposto.

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RAMOS, Sílvia Nunes. Música da televisão no cotidiano de crianças: um estudo de caso com um grupo de 9 e 10 anos de idade.Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 9, 65-70, set. 2003.

Música da televisão nocotidiano de crianças: um estudode caso com um grupo de 9 e 10

anos de idadeSílvia Nunes Ramos

Departamento de Pedagogia - Centro Universitário [email protected]

Resumo. O presente estudo investiga como modelos musicais televisivos se manifestam na expressãomusical de crianças em fase inicial da escolarização. Tomando como referência as teorias sobreaprendizagem social e televisão (Brée, 1995; Ferrés, 1996, 2000; Lurçat, 1998; Morduchowicz, 2001),pedagogia crítica (Giroux, 1999; Giroux; McLaren, 1995) e sobre a educação musical no cotidiano(Souza, 2000), a pesquisa tem como questões centrais: o que as crianças aprendem de música comprogramas de televisão? Como interpretar essas experiências vividas pelas crianças? A coleta dedados foi realizada com um grupo de 12 crianças, de 9 e 10 anos, em uma escola pública de PortoAlegre (RS). O estudo contribui para uma visão diferenciada do papel da mídia no cotidiano de criançase os processos de apropriação musical televisiva.

Palavras-chave: educação musical, aprendizagem social, televisão

Abstract. This study investigates how musical models from television manifest themselves in the musicalexpression of children in the initial stage of scholarship. Using as the theoretical framework the theoriesabout social learning and television (Brée, 1995; Ferrés, 1996, 2000; Lurçat, 1998; Morduchowicz,2001), critical pedagogy (Giroux, 1999; Giroux; McLaren, 1995) and music education in the everydaylife (Souza, 2000), the research has the following core questions: regarding music, what do childrenlearn from television programs? How to interpret these experiences lived by children? Data was gatheredwith a group of 12 children aged 9 to 10 years from a public school in Porto Alegre, Brazil. This studycontributes to a differentiated view on media’s role in children’s everyday lives and the process ofmusical appropriation from television.

Keywords: music education, social learning, television

Introdução

A presença da televisão no cotidiano dascrianças e sua influência nos processos de socia-lização são hoje intensamente discutidas. Nuncaa televisão ocupou tanto espaço na vida das crian-ças, tornando-se uma fonte acessível de lazer edivertimento.

A aprendizagem da música presente na te-levisão não está distante desse cenário. É nele quesurge a criança telespectadora cada vez mais ha-bilitada a montar seu repertório, fragmentando aprogramação musical televisiva e colando dentrode si aquilo que lhe interessa.

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O presente estudo investigou as relações deum grupo de doze crianças entre 9 e 10 anos coma música da televisão. O objetivo foi compreendercomo as crianças vivenciam e aprendem músicaatravés dos programas televisivos. A pergunta cen-tral foi: o que as crianças aprendem de música comprogramas de televisão? Para responder a essaquestão, foi necessário apreender a relação queas crianças estabelecem com a música (O que pen-sam sobre música e que valores lhe atribuem?) eseus hábitos de consumo televisivo (A que assis-tem? Com que freqüência? De que forma?).

O conceito de aprender nesta investigaçãoincluiu não só aprendizagem de conteúdos, geral-mente atribuída à escola, mas também suas com-petências emocionais e sociais, uma vez que aexperiência televisiva considera os processos deimpregnação cotidiana e a imitação, realizados noplano individual e no coletivo, normalmente no en-contro com outras crianças em casa ou na escola.

A motivação para trabalhar esse tema veiocom as reflexões que já fazia na minha prática do-cente, como professora de música nas séries inici-ais. Afinal, por que as vozes das crianças estãotão ausentes das nossas discussões e decisões arespeito do seu ensinamento e aprendizado?

Participaram desta pesquisa 12 alunos deuma escola municipal, situada no bairro Restinga,em Porto Alegre (RS). A Restinga está localizadana zona sul e possui uma população de cerca de150 mil habitantes, com uma renda média de 2,35salários mínimos por chefe de família. Estima-seque 60% da população são crianças e adolescen-tes. Para a diretora da escola essa comunidade é“extremamente carente”, enfrentando a exclusãosocial, o desemprego, a fome, a falta de moradia,saúde e recursos financeiros.

Este estudo trata, portanto, de um grupo decrianças que, apesar de serem sustentadas pelospais e/ou responsáveis, não possuem uma situa-ção financeira que permita ter uma formação com-plementar orientada em centros especializados.Nem tampouco permite que tenham seus quartossuperequipados de aparelhos (walkman, rádio) eoutros recursos midiáticos (revistas, posters, jor-nais). É uma infância que, apesar de tais adversi-dades, consegue manter um consumo midiático.

Com os atuais meios de comunicação as cri-anças estão em contato com a música nas mais di-versas situações. Como Souza (2000, p. 176) alerta,“embora normalmente essa vivência não seja acom-panhada de reflexão é extraordinário o potencial deuma aprendizagem musical efetiva que aí reside”.

De acordo com Steinberg (1997, p. 101-102),“a educação ocorre numa variedade de locais so-ciais” denominados de “locais pedagógicos”, taiscomo “bibliotecas, TV, filmes, jornais, revistas, brin-quedos, anúncios, videogames, livros, esportes,etc.” Para Souza (2000, p. 53), “o objetivo dessapedagogia é o fortalecimento das capacidades doaluno no manuseio de todos os tipos de meios ele-trônicos e de comunicação, tendo por princípio adiscussão sobre a experiência, e, não, a exclusãodela”, pois, “em vez de serem simplesmente des-cartados, os produtos midiáticos devem ser ques-tionados como um importante local de produçãoda cultura infantil”.

Metodologia

A metodologia adotada na presente investi-gação foi o estudo de caso. Neste estudo a unida-de de caso foi um grupo de doze crianças de 9 e10 anos, matriculadas em uma escola do ensinomunicipal de Porto Alegre. O grupo foi considera-do como um “sistema social” por suas característi-cas de pertencimento explicitadas ao longo de todaa dissertação. O grupo ficou assim constituído: Ana,Bia, Claudionei, Diane, Duca, Elisa, Joel, Jonas,Lisa, Micaela, Robert e Tamires.

Como técnicas de coletas de dados foramfeitas observações diretas e 28 entrevistas duran-te o ano letivo de 2001. Os roteiros de entrevistabuscavam, através das falas das crianças, um maioracesso e compreensão dos contextos familiares eescolares; os hábitos em relação à música fora daescola; hábitos em relação à TV; aprendizagem damúsica pela TV; acesso às alternativas lúdicas; aspráticas midiáticas da família (jornais, revistas e aprópria televisão).

Sobre os resultados

De acordo com Morduchowicz (2001, p. 65),os consumos culturais de crianças “adquirem sig-nificados muitos, diversos segundo o meio social aque pertencem”. As crianças pertencentes a clas-ses populares estabelecem uma relação particularcom os meios de comunicação de tal forma, queesta “afeta seu vínculo com a cultura, com a esco-la e com o mundo e influi fortemente sobre suapercepção da realidade”.

Essa perspectiva permitiu compreender oshábitos musicais das crianças entrevistadas, con-siderando o seu entorno familiar e sua situaçãosocioeconômica. Hábitos como cantar, escutar,dançar e tocar vão se constituindo em peças im-portantes na socialização musical.

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É absolutamente rotineiro as crianças ouvi-rem todo tipo de música nas pequenas ruas poronde caminham e brincam.

Até na rua de vez em quando as minhas amigas ficamdançando. Ontem mesmo era o dia das mães, e elasestavam dançando aqui, fazendo umas apresentações.Na minha rua todo mundo dança e canta. Até essa casada esquina, na maioria das vezes, eles estão com o rádioligado. Hoje é um milagre eles não estarem com o rádioligado. E ali na casa da minha vizinha, também é um

milagre não estarem com o rádio ligado de manhã. Elaliga bem de manhã cedo quando acorda, só que elaespera a gente acordar, e depois ela liga pra nãoincomodar. Ela liga às 8 horas. (Ana).

As crianças aos poucos vão construindo seurepertório a partir de suas vivências musicais nosambientes da família, na mídia e na escola. Atra-vés das questões sobre o que escutam e por queescutam desvendou-se um repertório predominan-temente midiático. Como mostra este quadro:

Amado BatistaAraketoBanda EvaBeloBruno e Marrone;

Dormi na praçaCD da turma da MônicaCD do ChavesChitãozinho e XororóClaudinho e BuchechaDanielDaniela Loján

AmistadÉ o Tcham

Tcham no HavaíFafá de BelémGarotos de OuroIgor e MaiconJonathan II

Jonathan II

KLBLeonardoMano LimaMarlon e MaiconMichael JacksonMonteverdeNetinhoO Bonde do Tigrão

O Baile TodoCerol na MãoTchu Tchuca

Os TravessosRafael e GoulartRoberto Carlos

EmoçõesS The BoysSandy e JúniorSó pra ContrariarTchê GarotoTchê GuriTerra Samba

Cantores e grupos citados / Músicas Cantores e grupos citados / Músicas

As preferências por grupos e cantoresse definem a partir da compreensão das le-tras e das possibilidades de se agregarem adança e o movimento.

Para as crianças, falar sobre música se ba-seia em suas próprias vivências musicais. Assimsendo, falar sobre música significa dizer ao colegaas músicas que sabe cantar integralmente; as quenão aprenderam; as que não gostam; as que têmletras comprometedoras; as que têm letras que nãoentendem, e, por último, letras que falam de temaspróximos de sua realidade social. Escutar músicasignifica aprendê-las com os cantores e grupos pre-feridos, aprender as que gostam e que, de algumaforma, falam de sua realidade, como mostra o tre-cho de uma entrevista:

Entrevistadora: Gostas dessa música do MiltonNascimento?

Duca: Não. Eu acho que é de criança essa música.

Entrevistadora: E o que é uma música de criança?

Duca: Música de criança é que … não sei como te dizer… eu gosto de música que tem realidade mesmo.

Entrevistadora: O que é música que tem realidade?

Duca: Realidade pra mim é negócio de drogas, depopozuda.

A televisão é praticamente o único meio decomunicação presente de uma forma sistemáticano lazer das crianças entrevistadas. O acompanha-mento da programação televisiva permite que elasfalem com desenvoltura e desibinição sobre os seusprogramas favoritos. Os programas a que assis-

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tem englobam uma variedade de gêneros disponí-veis, especialmente na TV aberta. Entre eles es-tão os programas de auditório, as novelas das di-

Programas de auditório Programa Sílvio Santos; Programa do Ratinho; Programa Raul Gil; Domingo

Legal; Domingão do Faustão; Planeta Xuxa; Xuxa Park (extinto); É Show (c/

Adriane Galisteu); Canta e Dança (c/ Carla Peres)

Programas com música Sabadão Sertanejo; Furacão 2001; Pampa Meio-Dia

Novelas Roque Santeiro; Estrela Guia; A Padroeira; Um Anjo Caiu do Céu; Porto dos Milagres;

Rosalinda; O Direito de Nascer; Carinha de Anjo; Pícara Sonhadora; Gotinha de Amor;

Café com Aroma de Mulher

Desenhos animados Pokemón; Power Ranger; Tom & Jerry; Os Simpsons; Dragon Ball Z; O Pica-Pau

Novelas infanto-juvenis Malhação

Programas infanto-juvenis Sandy e Júnior; A Turma do Didi

Programas de comédia Chaves; Clube do Chaves; A Grande Família; Um Maluco no Pedaço; Escolinha do

Prof. Raimundo (c/ Chico Anísio) e outros

Programas infantis Sítio do Pica-Pau Amarelo; Eliana e Alegria; Bambuluá (c/ Angélica)

Programa religioso Paiva Neto; Despertar da Fé; Ponto de Luz

Filmes infantis Willy, a baleia; Baby, o porquinho atrapalhado, e outros do gênero

Programas de curiosidade Patrola

Programa policial adulto Linha Direta

Cinema em casa Filmes variados

A justificativa para ver televisão e saber da

existência de tantos programas está na presençada música.

Entrevistadora: Quais os programas que têm música?

Jonas: Na Pampa, que é a televisão, né? Tambémno canal 36 [TV COM], tem no canal 7 mas, não é oBonde do Tigrão, não é nada … mas têm uns caraque cantam tri bem.

Entrevistadora: Tu assistes a outros programas?

Jonas: Deixa eu ver quantos programas que têmmúsica… seis programas que têm música, não,sete… oito.

Entender os hábitos televisivos passatambém pela questão do consumo, com espe-cial atenção para a regularidade com quevêem TV, o que determina a freqüência, oquanto e quando consomem.

Aprender música pela televisão se estabe-lece a partir da sistematização de audiência quan-do ligam a televisão em busca de programas deauditório, novelas e propagandas que possam tra-zer suas músicas preferidas.

Basicamente, a sistematização na audiên-cia aos programas televisivos acontece através decinco formas: a) escutar sempre os mesmos pro-gramas e cantores, procurando se inteirar das no-vas canções; b) assistir a novelas, integrando norepertório as músicas dos personagens, trilhas so-noras e músicas de línguas estrangeiras; c) assis-tir a shows e lançamentos das músicas; d) assistira desenhos animados; e) buscar sistematicamen-te novas músicas.

Para Joel, o processo da repetição se cons-titui em estar sempre realizando passo a passo osmomentos da dança e da música. O que vale narepetição é o binômio olhar-fazer. A freqüência e arepetição se interligam, formando um procedimen-to único no aprender música. É o que revela umtrecho da entrevista, no qual procurei simular a situ-ação para obter uma descrição mais precisa:

Entrevistadora: Olha aqui, vocês ligam a televisão…

Joel: Ligamos.

Entrevistadora: E ficam trocando de canal pra ver ondeestá dando música, se está dando música vocês param.Me conta como é que é essa história?

versas emissoras, os desenhos animados e filmes,como mostra o seguinte quadro:

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Joel: A gente não sabe onde tem música. Aí a gentebota no canal que tem música, daí a gente sabe a músicajá canta, se abala, se levanta do sofá, da cama, dequalquer coisa, começa a cantar, dançar, daí a gente seabala demais. Vai trocando até achar a música.

Na seqüência da entrevista, perguntei:

Entrevistadora: E o Jonas participa disso?

Joel: Participa. Se eu canto, ele canta também.

Entrevistadora: E o que vocês fazem na frente datelevisão numa hora dessas?

Joel: A gente vê como eles fazem os passos do pezinho,da mão. Daí a gente já sabe os passinhos. Quando elesvêm de novo, a gente sabe os passos e imita eles.

Entrevistadora: Vocês fazem isso muitas vezes?

Joel: Faz.

Entrevistadora: Quantas vezes?

Joel: A gente faz bastante. Quando dá eles de novo, agente começa a fazer. Quando dá outra vez, a gentesabe os passos e começa a dançar até aprender.

Se ao longo da pesquisa tentava com mi-nhas perguntas insistentes entender como fazempara aprender música pela televisão, foi durante aentrevista com Lisa que obtive uma das mais intri-gantes respostas. Ela permaneceu surda para mi-nhas perguntas, enquanto se voltava para a músi-ca que era executada na rádio da área coberta daescola. Talvez a menina quisesse me respondercantando, ao invés de fornecer respostas faladas,articuladas em frases e com reticências. Acreditouque cantando para mim junto com o rádio, eu pu-desse entender que aprender música pelos meiosde comunicação é uma questão de ouvir, cantarsimultaneamente, sorrir enquanto canta e, no diaseguinte, repetir tudo novamente.

Outro procedimento utilizado para aprenderas músicas é olhar pela televisão e tomar comomodelo o jeito de o cantor dançar.

Entrevistadora: E quando tu estás vendo pela televisão,como é que tu fazes pra aprender?

Joel: Eu vejo como é que eles fazem, como é que elesdançam. Não danço do jeito que eu quero, tem que vercomo eles dançam direitinho, não dançar feito louco, daísim a gente consegue… Daí a gente consegue sercantor… a gente dança bem, canta bem, e daí sim, podeser um cantor.

A explicação dada por Joel parece indicarque esses são passos que também contribuem parauma pessoa aprender a dançar e, quem sabe, tor-nar-se um cantor, desejo esse de muitas criançasentrevistadas.

Elas buscam constantemente no cotidianoescolar relacionar-se com colegas que podem lhesensinar música. O processo acontece, porém, emdimensões diferentes. Uma delas é televisual ouvirtual. Aqui, o outro não pode ser tocado, apenaspode ser visto e ouvido. Na outra dimensão, o ou-tro é observado durante um período maior de tem-po na escola, e participa com mais freqüência da-quilo que deve ser aprendido ou lembrado.

A relação que as crianças estabelecem en-tre os dois mundos, o escolar e o televisivo, estána formação de agrupamentos. Elas assim o fa-zem, pois ainda necessitam de referências ou mo-delos:

Entrevistadora: Parece que tu gostas de cantar junto como Joel e o Jonas.

Duca: Sim.

Entrevistadora: E por quê?

Duca: É que eu gosto de cantar porque eles sabem asmúsicas que eu sei cantar. Algumas não sei, só o Joel eo Jonas cantam essas músicas. Aí eles me ensinam. Éque daí, sozinho, não consigo. Eu não fico com vontadede cantar. Só com alguém. Sozinho, não consigo.

Para as crianças não existe um local específi-co para aprender. A relação da criança com a músi-ca estabelecida entre o mundo televisivo e o escolarestá no próprio ato de querer aprender e como apren-der. O local não define a relação, o que define é amúsica que está presente nesses dois mundos. Existeo mundo televisivo, que se constitui das interaçõesentre a criança, a música e a televisão. No mundoescolar, as interações se estabelecem entre a crian-ça, a música e outras crianças.

Entrevistadora: A turma e a escola são importantes pratu aprenderes essas canções?

Ana: São. Sem elas, professora, se a gente não tiveruma companhia, a gente nunca aprende, sempre temalguém pra ajudar a gente.

Entrevistadora: Tu gostas então?

Ana: Gosto.

Entrevistadora: Aprendes lá em casa …

Ana: Em qualquer lugar. Não tem lugar pra mimaprender… qualquer lugar.

Conclusões

Ao descrever e interpretar as experiênciasvividas pela criança em relação à televisão e comos novos conhecimentos das pesquisas sobre osmeios de comunicação, este estudo procurou con-tribuir para uma visão diferenciada do papel da

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mídia no cotidiano de crianças e os processos deapropriação das ofertas musicais midiáticas. A mi-nha expectativa é que o estudo motive educadoresmusicais a considerar as aprendizagens musicaismidiáticas e que possam ocorrer mudanças signifi-cativas a partir da escuta das vozes das crianças,presentes neste trabalho. Estou convicta de queprecisamos de formas criativas e abertas para pen-sar a música na vida das crianças e na escola.

Obviamente não se trata de substituir osconteúdos escolares por uma discussão sobre aatualidade, mas de construir com os alunos umamaneira de pensar e compreender o mundo em quevivem, a partir da análise das músicas de hoje, damaneira em que aparecem nos meios de comuni-cação, em relação estreita com os referenciais te-óricos da educação musical. Tampouco se trata delevar as experiências televisivas para a sala de aulae transformá-la em um lugar de “terapia social”(Morduchowicz, 2001).

Considerar a cultura musical dos alunos,assumir as experiências televisivas e ir além delade uma maneira crítica pode ajudar os profissio-nais da área a cruzar as fronteiras culturais, comosugere Giroux (1999).

Referências

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Um projeto de ação pedagógica na escolaVila Castelo poderia ser um programa de forma-ção continuada que envolvesse os professores ealunos da escola, buscando valorizar as suas ex-periências cotidianas, sua vida no bairro e seusconsumos midiáticos. A proposta é conhecer, inte-grar e ressignificar seus saberes musicais, questi-onando o que os alunos aprendem dentro da es-cola e, não menos importante, fora da escola.

Por que as crianças da periferia de um gran-de centro urbano querem cantar as músicas da mídia,que falam de amor, de traição e abandono, e nãoquerem saber das músicas veiculadas na escola? Oque há de errado no ensino de música na escolaVila Castelo, uma vez que as crianças raramenteevocam repertório transmitido por ela? Hilty (2001,p. 122) reivindica que “alguém assuma a responsa-bilidade de tornar o ensino excitante”. No ensino damúsica, o repertório musical escolar corre o risco deser engolido pelo repertório musical midiático. Nãose trata de fazer uma hierarquia entre o repertóriomusical escolar e repertório musical da mídia. Cabeaos pesquisadores e à comunidade escolar investi-gar o que provoca nas crianças as diferenças degosto musical e o que se passa nessas duas instân-cias de aprendizagem musical.

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Apre(e)ndendo músicas:na vida e nas escolas

Maura PennaDepartamento de Artes – UFPB

[email protected]

Resumo. A partir de três cenas verídicas, este ensaio discute questões concernentes à relação com amúsica na vida e nas escolas. A primeira cena diz respeito à valorização da música grafada, em detrimentode outras práticas musicais que não têm como base a notação. Analisamos como a oposição entre amúsica popular e a música erudita tem se mantido e reproduzido histórica e culturalmente, sedimentandopráticas culturais e valores sociais distintos, assim como formas próprias de ensino-aprendizagem.Constatamos a ausência de professores de música em escolas de ensino fundamental, analisandocomo isso corresponde a um privilégio das escolas de música especializadas e a um descompromissocom a educação básica. Finalmente, discutimos a necessidade de considerar, no processo educativo, adiversidade de manifestações musicais – inclusive da indústria cultural – que fazem parte da vivência doaluno. Concluimos apontando que a permanência do modelo tradicional de ensino de música dificulta arenovação das práticas pedagógicas na área.

Palavras-chave: notação musical, ensino de música, conservatório

Abstract. This essay discusses issues pertaining to the relationship with music in life and in schools,based on three episodes, the first of which relates to valuation of notated music, in detriment of othermusical practices that are not based on notation. It analyses the ways in which the opposition betweenpopular and erudite music is culturally and historically maintained and reproduced, crystallizing distinctcultural practices and social values, as well as particular forms of teaching and learning. It notes theabsence of music teachers in primary and middle schools, pointing out how it corresponds to a privilegeof specialized schools of music and to a lack of commitment with basic education. Finally, it discussesthe need to consider the diversity of musical expressions in the educational process, including those ofthe culture industry that are part of students’ life experiences. It concludes arguing that the permanenceof the traditional model of music teaching makes it difficult to renew pedagogical practices in the area.

Keywords: musical notation, music teaching, conservatory

* Uma versão preliminar deste trabalho foi apresentada oralmente no I Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia/ ABET, em Recife, em novembro de 2002.

Visando discutir algumas questões relati-vas à música na vida e nas escolas, vou susten-tar a minha exposição na análise de três cenasreais, por mim vivenciadas, que considero bas-tante significativas.

1. Em Belém do Pará, no ano de 2000, fui auma feira de artesanato em uma grande praça dacidade, onde encontrei uma barraca vendendo di-versos instrumentos artesanais, interessantes ecriativos, a maioria de percussão. Comprando al-guns, conversei com o vendedor:

PENNA, Maura . Apre(e)ndendo músicas: na vida e nas escolas. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 9, 71-79, set. 2003.

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— É você que constrói esses instrumentos?

— Sim.

— Você é músico?

— Eu toco, mas não sou músico.

— Como você não é músico, se você toca?

— É que eu nunca estudei, e não sei ler música(partitura).

E, por mais que eu insistisse que ele tinhauma verdadeira prática musical, ele continuava di-zendo que não era músico.

Como mostra Vieira (2001, p. 44-45), em suapesquisa sobre o modelo “conservatorial” na for-mação de professores de música, a cidade deBelém tem uma forte tradição no campo da músicaerudita e seu ensino, com instituições centenárias.Ligada ao Bispado do Pará e, especificamente, aocorpo artístico da Catedral, a Schola Cantorum,fundada em 1735, foi “a primeira escola de músicalocal”, voltada para a formação de meninos – defamílias abastadas – para o coro. No entanto, amaior difusão da música erudita na cidade ocorreuno século XIX, em função da expansão econômicaproporcionada pela exportação da borracha:

O desenrolar do século XIX permite observar três açõesdistintas: a importação de músicos-professores europeus,o trânsito de músicos locais entre o Pará e a Europa e ainstalação de músicos de companhias líricas após aconclusão das temporadas nos teatros locais. […] Estasforam as condições de eficácia da afirmação local damúsica erudita como bem cultural e de desenvolvimentodo modelo de ensino, que contribuíram para garantir apreservação e a difusão dessa música, bem como paradiferenciá-la de outras práticas musicais e de ensino,como as das bandas de música. (Vieira, 2001, p. 56).

Esse é, portanto, o contexto social e cultu-ral, historicamente construído, no qual se situa essaprimeira cena, permitindo compreendê-la melhor,na medida em que revela, também, o modelo do-minante de ensino de música. Essa cena ilustra demaneira bem marcante a primazia da música nota-da, com a conseqüente noção de que “saber músi-ca” ou “ser músico” corresponde à capacidade deler uma partitura. Esse tipo de concepção, domi-nante em muitos espaços sociais, desvaloriza avivência musical cotidiana de quem não tem estu-dos formais na área; deslegitima, ainda, inúmeraspráticas musicais que não se guiam pela pauta enão dependem de uma notação, encontradas emdiversos grupos sociais, sendo muito comuns namúsica popular brasileira. Dessa forma, como dis-cute Souza (1999, p. 206), “a leitura e escrita mu-sical têm sido usadas muito mais como instrumen-tos de exclusão”: a idéia de que “eu não sei ler

música, logo não sei música” constitui uma repre-sentação que “tem contribuído para que muitosdesistam de aprender música”.

A força do modelo da música notada é talque chega a ser internalizado, como desqua-lificador, pelos próprios participantes de outras prá-ticas musicais – os quais são músicos, sem dúvi-da, já que música é essencialmente som. Muitosgrupos culturais têm música sem necessariamentedisporem de uma notação, que é o registro gráficoda organização sonora. Esse registro, de caráterabstrato e fruto de um processo histórico de cons-trução e de convenção, atingiu ao longo de sécu-los, na cultura ocidental, um alto grau de complexi-dade e precisão – com relação à música de basetonal, pois correntes da música contemporânea jáesbarraram nos limites dessa notação, exigindoinovações. Por si mesma, a partitura não é, por-tanto, música; é apenas uma representação sim-bólica – sem dúvida imensamente útil para o regis-tro, previsão e comunicação, permitindo “fixar otexto musical” e repeti-lo, além de ajudar a “perce-ber sua estrutura e organização”, como diz Souza(1999, p. 210). Assim, uma música pode ser con-cebida (sob a forma da partitura de uma composi-ção, por exemplo) sem ser “dada a existir” sonora-mente, não se realizando como música: é músicapotencial, virtual, pretendida, mas não concretiza-da. Nesse sentido, faço minhas as palavras deSchafer (1991, p. 307): “Música é algo que soa. Senão há som, não é música.”

Situação semelhante à desta primeira cenafoi discutida por Assano (2001), com base em rela-tos de chorões do Rio de Janeiro, do final do sécu-lo XIX, início do século XX. Eram músicos popula-res envolvidos com o chorinho (hoje assim chama-do), capazes de improvisar, compor e executar seusinstrumentos com maestria. No entanto, conside-ravam que “não sabiam música”, conhecimento esteque estaria nas mãos daqueles que sabiam ler umapartitura ou que conheciam teoria ou harmonia,mesmo que não se mostrassem capazes de umaprática musical tão rica. Questiona, pois, a autora:“Afinal, quem ‘sabe’ música? Não ‘sabe’ música oseresteiro que usando brilhantemente seu ouvido,acompanha seus parceiros para que tonalidadesforem?” (Assano, 2001, p. 6).

Manifesta-se, nesses exemplos, a históricadicotomia entre música erudita e música popular,entre música notada e música “soada” – digamosassim. A oposição entre essas duas formas de pro-dução musical tem se mantido e reproduzido histó-rica e culturalmente, sedimentando práticas cultu-rais e valores sociais distintos, assim como formas

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próprias de ensino-aprendizagem, com seus espa-ços característicos1 . Nesse sentido, vale lembrarque a sociedade brasileira não participou do pro-cesso histórico de gestação da notação, gerado nacultura européia, o que repercutiu sobre o nossofazer musical:

Tendo sido recebidas de favor a escrita e a imprensa, aHistória da Música Americana mostrou-se, desde cedo,pouco comprometida com esses “avanços” que sóexperimentou como doações. Traçou, por isso, seu rumofundada na transmissão oral e na recepção aural, maisdo que nos aspectos notadamente visuais marcadospelo predomínio dos registros escritos. […] O“analfabetismo” musical ainda vigente no Brasil nuncafoi e não é um aspecto obrigatoriamente negativo comrelação à Música Brasileira. Talvez até seja, ao contrário,fator de determinação de um vigor próprio ecaracterístico de nossa cultura musical que, não dandotanta importância ao registro escrito, desenvolveudiversas escolas musicais informais, responsáveis pelaformação de grandes músicos no contexto musical denosso país, como de resto sucedeu em todo continenteamericano. (Jardim, 2002).

Desse modo, nos espaços da música popu-lar, muitas vezes a formação e prática musicais –inclusive de artistas que se inserem com sucessona indústria cultural – independem da leitura e es-crita. Um desses grandes músicos, reconhecidoinclusive no exterior, é Djavan, que, mesmo semformação acadêmica – aprendeu violão sozinho,olhando, ouvindo e acompanhando as cifras emrevistinhas –, é compositor, arranjador, cantor,instrumentista2 :

Djavan já gravou com Quincy Jones, Stevie Wonder, Pacode Lucia e muitos outros grandes cartazes internacionais.Não se passa um dia sem que músicos sérios,americanos, europeus não se debrucem sobre suascanções, tentando descobrir o que torna suas harmoniastão complexas. Devem ficar estatelados ao descobrir queDjavan não é um produto de conservatórios, de Berklessou Juilliards, mas daquela mistura bem brasileira, de alto-falante da praça de Maceió, métodos de violãocomprados no jornaleiro, conjuntinho de bailes desubúrbio e muitas madrugadas em boates da zona sul[do Rio de Janeiro]. Foi disso que ele resultou.3

Por sua vez, a “academia” – guardiã da mú-sica erudita e notada – é o “conservatório”, queaqui tomamos como o padrão das escolas de mú-sica. Esse modelo privilegia a escrita como fonte

do conhecimento musical, de modo que uma desuas característica marcantes é “tomar a partituracomo música”, nos termos de Jardim (2002). Valeressaltar que, quando falamos do conservatóriocomo representante das escolas de música de ca-ráter técnico-profisssionalizante, não temos porreferência instituições concretas específicas – quetêm suas particularidades –, mas antes um padrãocultural tradicional de ensino de música, bastantedifundido e ainda dominante. Calcada em grandeparte no Conservatório de Paris – fundado em 1795(Vieira, 2001, p. 47) – , a tradição desse tipo deensino se mantém como referência, sendo bastan-te resistente a transformações. Como mostraHobsbawm (1997, p. 10), o “objetivo e a caracte-rística das ‘tradições’ […] é a invariabilidade. Opassado real ou forjado a que elas se referem im-põe práticas fixas (normalmente formalizadas), taiscomo a repetição.” Dentro dessa tradição, portan-to, mantém-se o direcionamento do ensino de mú-sica para o domínio da leitura e escrita musicais,em função da prática de instrumentos tradicionais,num modelo que é atrativo na medida em que “ser-ve para a perpetuação de algo estabelecido”, comoapontam Mendes e Cunha (2001, p. 85).

Questionar a tradição, ultrapassar a oposi-ção entre essas distintas práticas musicais e suasformas de ensino-aprendizagem, em prol de umaconcepção ampla de música que considere toda amultiplicidade de manifestações como significati-va, são condições indispensáveis para um projetode democratização no acesso à arte e à cultura.

Por que a escola discrimina o músico que “tira as músicasde ouvido” e supervaloriza o que lê a partitura? Por quedesvalorizar o músico que “faz música”, e supervalorizaro músico que “sabe música”? […] Para a construção deuma escola de música includente, é preciso que o“conhecimento científico”, escondido muitas vezes sob odiscurso musical acadêmico, dialogue com o discursomusical das ruas, sem hierarquização, para que, tantoum quanto outro, possam ser enriquecidos. (Assano,2001, p. 6).

2. Um aluno meu estava concluindo a Práti-ca de Ensino da Música, em vias de se graduar naLicenciatura em Educação Artística da Universida-de Federal da Paraíba (UFPB). No curso da disci-

1 Sem dúvida, essas práticas musicais e culturais, assim como seus processos educativos, interpenetram-se e entrecruzam-sedinamicamente, numa multiplicidade de formas possíveis. No entanto, referimo-nos às visões de mundo e às representações de músicadominantes, com seus respectivos padrões de ensino. Sobre o valor social e culturalmente atribuído à notação e à música grafada,Souza (1999, p. 206-207) refere-se ao uso, pela mídia e pela publicidade, da “partitura musical como valor simbólico de status ouprestígio”.2 Conforme acessos, em 20 de agosto de 2003, de: a) texto de Betina Dowsley, de julho de 2001, disponível em <http://www.djavan.com.br/imgs/trajetoria_r2_c1.gif>; b) entrevista, datada de 1999, disponível em: <http://www.djavan.com.br/pop_sala_imprensa_entrevista. htm>.3 Apresentação ao CD Bicho Solto, disponível em: <http://www.djavan.com.br/pop_disco_bicho_solto.htm>, acesso em: 20 ago. 2003.

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plina, havíamos discutido questões relativas à mú-sica nas escolas de educação básica, à necessi-dade de um compromisso com esse tipo de educa-ção, etc., e todos os alunos realizaram estágio emturmas de ensino fundamental, em escolas públi-cas e particulares. Este aluno, especialmente, ha-via se dedicado às aulas com entusiasmo e gran-de envolvimento, realizando um excelente traba-lho. Apesar de tudo isso, ao final da disciplina, eleme disse:

— Eu gostei das aulas e concordo com você que é muitoimportante a música na escola. Mas, sabe, eu vou mesmoé dar aula particular de bateria. É muito mais fácil…

Significativamente, esse aluno tinha todauma trajetória na música popular, em bandas derock, tendo seu aprendizado musical básico se re-alizado em contextos não-formais. Seus estudosformais iniciaram-se apenas por ocasião de seuingresso na Licenciatura em Educação Artística,onde as disciplinas voltadas para os conteúdosespecíficos de música costumam ser ministradasem moldes tradicionais. O aluno mostra queenfatiza a prática instrumental, o que também é umvalor no ensino conservatorial.

Essa cena ilustra, através de um exemplopessoal, uma tendência já observada por váriosestudiosos, em diferentes circunstâncias: o privilé-gio de um ensino de música em moldes mais tradi-cionais, com um enfoque técnico-profissionalizante– ou seja, em função da formação de músicos, “in-dependentemente do fato de estes [estudantes]seguirem ou não a carreira musical”, como dizemMendes e Cunha (2001, p. 85). A preferência porpráticas pedagógicas desse tipo e pela atuaçãoprofissional onde elas são dominantes – seja emescolas especializadas (conservatórios, departa-mentos e escolas de música), seja como professorparticular de instrumento – contribui para a signifi-cativa ausência de professores de música em es-colas regulares de educação básica.

No estado de Minas Gerais – onde existemcursos superiores de música e um grande númerode conservatórios, inclusive da rede pública –, oprojeto Música na Escola, desenvolvido pela Se-cretaria de Estado de Educação de Minas Gerais,nos anos de 1997 e 1998, com o fim de incentivaro ensino de música nas escolas estaduais de BeloHorizonte, encontrou um quadro similar. Assim, oprojeto optou por trabalhar com os professores de1a à 4a séries do ensino fundamental, inclusive emdecorrência do número extremamente reduzido deprofessores com formação em música atuando nasescolas em turmas de 5a à 8a séries4 . No mesmosentido, afirmam Morato et al. (2003) que “histori-camente, os profissionais formados nos cursos demúsica da Universidade Federal de Uberlândia atu-am, na sua maioria, nos quatro Conservatórios darede estadual localizados no Triângulo Mineiro.Assim, em pouquíssimas escolas [regulares] ocor-rem aulas de música”.

Corroboram, ainda, essa ausência de pro-fessores de música em escolas de educação bási-ca Hentschke e Oliveira (2000, p. 50), quando afir-mam que: “Atualmente, poucas escolas da rede deensino (na maioria, escolas particulares) oferecemeducação musical desvinculada das demais artes,sob orientação de um professor especialista.”

Esses problemas também foram constatadosatravés da análise de dados de pesquisas de cam-po (Penna, 2002a; 2002b)5 sobre a situação doensino de arte nas escolas públicas de educaçãobásica da Grande João Pessoa (GJP), capital daParaíba6 . Retomamos aqui, de uma forma bemsucinta, alguns dados acerca do ensino fundamen-tal, que consideramos mais significativos, justamen-te por ser este o nível de ensino em que existe ocompromisso do Estado com a gratuidade, sendomaior, portanto, o número de escolas públicas.Neste nível, a pesquisa foi realizada com turmasde 5a à 8a séries, por serem aquelas em que costu-

4 Conforme exposição de Carlos Kater, no VII Encontro Anual da Associação Brasileira de Educação Musical, em 1998. A respeito doprojeto Música na Escola, ver Kater et al. (1999).5 As pesquisas de campo foram desenvolvidas pelo Grupo Integrado de Pesquisa em Ensino das Artes, de 1999 a 2002, através doPROLICEN/Programa das Licenciaturas, da Pró-Reitoria de Graduação da UFPB, sob a nossa coordenação, contando com a participaçãode professores e alunos (como bolsistas) da Licenciatura em Educação Artística. Agradecemos a todos os participantes, e especialmentea valiosa colaboração, em todas as etapas das pesquisas, do professor Vanildo Marinho, responsável pelo tratamento estatístico dosdados. Os textos dos relatórios de pesquisa estão disponíveis no site de nosso Grupo de Pesquisa: <http://www.cchla.ufpb.br/pesquisarte>.Os relatórios das duas etapas da pesquisa sobre o ensino fundamental estão agora reunidos em Penna (2002a), que apresenta dadossobre a totalidade das escolas públicas estaduais e municipais. Tomando como base dados dessas pesquisas, desenvolvemos umaanálise acerca da música na escola – sua presença (ou não) no espaço curricular de Arte – , em artigo publicado na Revista da ABEM(Penna, 2002c), onde são apresentados detalhadamente os dados estatísticos a respeito. Ver também Penna (2001a). Retomamosaqui, em linhas gerais, os pontos mais significativos dessa análise.6 A Grande João Pessoa engloba ainda os municípios de Cabedelo, Santa Rita e Bayeux.

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ma atuar o professor com formação superior na áreaespecífica de arte, abarcando as 152 escolas pú-blicas estaduais e municipais e 186 professores,tendo a coleta de dados7 sido realizada durante osanos letivos de 1999 e 2000 (Penna, 2002a).

Nas redes públicas da GJP, é bastante altoo índice de professores com graduação na área8 ,dentre os responsáveis pelas aulas de Arte no en-sino fundamental: 86 % (160) dos professores, sen-do a Licenciatura em Educação Artística da UFPBo curso formador de quase todos9 . Refletindo amultiplicidade interna da área, a habilitação dosprofessores é bastante diferenciada, valendo res-saltar que parte deles tem mais de uma. No entan-to, foram encontrados apenas 9 com habilitaçãoem música, ou seja, 4,8 % do total de 186 profes-sores. Artes plásticas é a habilitação predominan-te, assim como a linguagem mais abordada em salade aula. Evidenciando uma tendência à atuaçãopolivalente – ou seja, uma abordagem integradadas várias linguagens artísticas –, não há uma re-lação direta e fechada entre a habilitação e o con-teúdo abordado na prática pedagógica, pois as ar-tes plásticas são trabalhadas por professores detodas as formações, enquanto desenvolvem ativi-dades musicais professores com habilitação ape-nas em artes plásticas ou em artes cênicas.

Nesse sentido, 60 professores de Arte doensino fundamental – 32,3% do total – informamabordar música em suas aulas, apesar de apenas9 terem formação específica, como já visto. O tra-balho pedagógico com música tende, assim, a seresporádico e superficial, ou até inadequado. Masdeve-se levar em conta que diversos professoresrelatam experiências musicais, com predominân-cia da participação em coral, sendo marcante oenvolvimento com a música popular, pois as indi-cações a respeito ultrapassam o reduzido númerode professores com habilitação na área. Os pro-fessores relatam significativa freqüentação a showsde música popular – 126 indicações, se somarmos“com freqüência” e “às vezes” – , que, contudo,contrasta fortemente com a freqüentação a con-certos de música erudita. Numa oposição que re-flete a histórica dicotomia entre esses dois cam-pos de produção musical, esses últimos recebe-

ram o maior número de indicações “nunca” (por 106professores) e o menor índice de “com freqüência”(22 menções). A música está, portanto, presentede múltiplas formas na vida de parte dos professo-res que não têm estudos formais, indicando que oscursos nesse campo não estão sendo capazes deestabelecer relações com seus interesses e expe-riências de vida.

Como já indicado, música é a habilitaçãomenos freqüente entre os professores, assim comoentre os concluintes da licenciatura plena em Edu-cação Artística da UFPB: apenas 11,7% do totalde concluintes, num período de 10 anos10 . Mesmonesse quadro, é bastante expressivo o índice deprofessores de Arte com essa habilitação nas es-colas públicas: no ensino fundamental, somente 9,ou seja, menos de 5% dos 186 professores. E osdemais formandos em música, onde estão? É sa-bido que vários ex-alunos do curso atuam emuniversidades ou em escolas de música, públicasou privadas – o que vem reforçar, mais uma vez, atendência de preferência pela atuação profissionalem escolas especializadas.

Sem dúvida, muitos fatores levam a tal situ-ação, entre eles a desvalorização social do magis-tério – especialmente da educação fundamental –, que se reflete inclusive nos baixos salários. Nes-te sentido, as escolas especializadas, de qualquertipo, são instituições mais prestigiadas e que po-dem possibilitar uma melhor remuneração. No en-tanto, isso é apenas uma possibilidade, na medidaem que o corpo docente de escolas de música queintegram redes públicas costuma estar sujeito aomesmo plano de carreira e de salários dos demaisprofessores. A questão salarial, por si só, não pa-rece ser, portanto, o fator determinante, sendo ne-cessário considerar que os vários tipos de escolasde música são espaços de atuação que têm cor-rentemente como referência a música erudita e ori-entações pedagógicas de caráter técnico-profissionalizante, mantendo o valor da práticamusical em si – e especificamente da prática ins-trumental. São, pois, instituições guiadas por umaconcepção de música e de prática pedagógica queencontra ressonância na própria formação dos pro-fessores, ao mesmo tempo em que não é compatí-

7 O instrumento de coleta foi o “formulário” – ou seja, questionário aplicado e “preenchido pelo entrevistador, no momento da entrevista”,como definem Lakatos e Marconi (1988, p. 187-188) –, sendo os dados obtidos tratados estatisticamente com o uso do programa SPSS(para Windows).8 Consideramos como tendo formação na área os professores que concluíram ou estão cursando uma graduação no campo da arte.Estes últimos são minoria: 3,2 % (6).9 Apenas três professores não se formaram nesse curso.10 Formaturas do 2o semestre de 1991 ao 1o semestre de 2001, conforme dados fornecidos pela coordenação do curso de EducaçãoArtística da UFPB, em abril de 2002. Informações mais atualizadas não estão disponíveis.

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vel com as difíceis condições de trabalho das es-colas públicas de ensino fundamental e suas exi-gências desafiadoras, especialmente para aque-les cuja formação não envolveu um compromissoreal com essas escolas e com um projeto de de-mocratização no acesso à arte e à cultura. Nessecontexto, então, as escolas de música tornam-seprediletas.

O resultado dessa preferência pela práticapedagógica e a atuação profissional em escolasde música é a reduzida atuação de educadoresmusicais nas escolas regulares de ensino funda-mental, no espaço curricular da aula de Arte, que éum espaço possível e, em princípio, de maior al-cance social. Mesmo considerando-se o menornúmero de cursos específicos (licenciaturas emmúsica ou em educação artística, habilitação), emrelação às demais linguagens artísticas, isso reve-la um descompromisso com a música na educaçãobásica.

Há análises que tributam à Educação Artís-tica, cuja obrigatoriedade no currículo pleno dosestabelecimentos de ensino de 1o e 2o graus foiestabelecida através da lei no 5692/71, a respon-sabilidade por essa situação escolar (ver, por exem-plo, Fonterrada, 1998, p. 20). No entanto, comodiscutimos detalhadamente em texto preparadopara o fórum Políticas Públicas em Educação Mu-sical, que integra a programação do XII EncontroAnual da ABEM (Penna, 2003)11 , desde essa oca-sião até os dias de hoje, não há diferenças signifi-cativas entre a matéria escolar Educação Artísticae a atual Arte quanto a uma garantia real da pre-sença do ensino de música na educação básica:nos dois casos, não há uma norma oficial que indi-que especificamente a sua obrigatoriedade em todoo país, de modo que a música, como conteúdocurricular, continua subordinada ao campo maisamplo e múltiplo das artes. A atual LDB (lei no 9394/96) refere-se à arte de forma imprecisa, ao mesmotempo em que os Parâmetros Curriculares Nacio-nais para os ensinos fundamental e médio estabe-lecem um espaço potencial para a música no currí-culo, como parte do campo da arte, sem no entan-to assegurar a sua efetiva presença na prática es-colar, presença esta que depende, em última ins-tância, das decisões pedagógicas de cada escola.

Não se pode esquecer ainda que, a partir1971, houve uma maior expansão da rede públicade ensino, pois antes da lei no 5692 não havia com-promisso de o Estado oferecer educação pública egratuita pelo período de oito anos (por todo o 1o

grau, atual ensino fundamental). Assim, não é pos-sível, por outro lado, esboçar uma comparaçãoválida entre os distintos momentos e contextos his-tóricos da implantação da Educação Artística e doprograma do canto orfeônico – sem dúvida umaimportante experiência de música na educação, queprocurou abarcar todas as escolas públicas dopaís12 , e que ainda hoje é lembrada como referên-cia quando se fala de música na escola. No entan-to, nunca é demais lembrar que o canto orfeônicofoi implementado sob um regime de força, no qua-dro de um país eminentemente agrário, com umíndice de escolarização extremamente reduzido –em 1940, 68% da população era rural, e apenas21,43% dos habitantes entre 5 e 19 anos tinhamacesso à educação formal.

Nessa época, a falta de professores comqualificação adequada em quantidade suficiente jáse mostrava como um problema, comprometendoa efetiva implantação do projeto do canto orfeônico(Fucks, 1991, p. 123). Esse problema persiste ain-da hoje, pois, ao constatar a ausência da músicanas escolas de educação básica, é preciso admitirque não seria possível contar com professores comformação específica em número – e com disponibi-lidade – suficiente para ocupar todos os possíveisespaços na prática escolar. Antes de mais nada,portanto, é preciso assumir um compromisso coma educação musical nas escolas, o que implicabuscar alternativas metodológicas que se mostremeficazes para as suas condições, tantas vezes des-favoráveis. Que se mostrem, ainda, capazes deatender às necessidades desse contexto escolar eseu alunado, para os quais não cabe um ensino demúsica de caráter técnico-profissionalizante, emmoldes conservatoriais, infinitamente distantes davida cotidiana.

3. Numa assembléia geral de uma associa-ção da área de música, um de seus membros pro-põe uma moção contra a mídia, em protesto contrao baixo nível das músicas veiculadas.

11 Texto disponibilizado no site da ABEM, em: <http://www.ufu.br/abem>, por ocasião da preparação do XII Encontro Anual da ABEM(Florianópolis, em outubro de 2003), a ser posteriormente publicado nos anais.12 O canto orfeônico foi tornado obrigatório nas escolas públicas do Distrito Federal (atual cidade do Rio de Janeiro), através do Decretono 19.890, de 1931, ainda sob o governo provisório de Getúlio Vargas. Em 1942, no mesmo ano em que também foi criado o ConservatórioNacional de Canto Orfeônico, sua obrigatoriedade para todo o país foi estabelecida através de decreto, já sob o regime ditatorial doEstado Novo – que se estendeu de 1937 a 1945 (ver Fonterrada, 1994, p. 75; Fucks, 1998, p. 82).

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A lógica da produção massificada de bensculturais, com sua padronização excessivacorrelacionada com a homogeneização do gosto ea ampliação do consumo, só pode ser compreen-dida e criticada no quadro maior do momento his-tórico em que vivemos. Nas sociedades capitalis-tas e industriais, centradas no mercado de consu-mo, os bens culturais tornaram-se mercadoria, e omesmo acontece com a música. Daí a repetiçãoincessante de fórmulas composicionais, com pe-quenas variações para configurar uma novidade,mas uma novidade que possa ser reconhecidacomo familiar, compreensível e, portanto, signifi-cativa; suficientemente “nova”, no entanto, paralevar à compra do novo “sucesso das paradas”.

Esse processo (que sem dúvida envolvemassificação) integra o contexto sociocultural emque vivemos, e não cabe negá-lo ou procurar ex-cluí-lo, até porque a história, permeada de contra-dições, não anda para trás. É certamente mais pro-dutivo trabalhar a partir da realidade de vida denossos alunos, procurando desenvolver o seu sen-so crítico, de modo a torná-los aptos a participarmais ativamente da produção cultural coletivamenteproduzida. A educação musical, na escola básica,tem como objetivo uma mudança na experiênciade vida, no modo de se relacionar com a música ecom a arte no cotidiano – ou seja, seus resultadosprecisam ser capazes de ultrapassar os muros daescola.

Defendendo uma educação musical que con-tribua para a expansão – em alcance e qualidade– da experiência artística e cultural de nossos alu-nos, cabe adotar uma concepção ampla de músicaque, suplantando a oposição entre popular e eru-dito, procure apreender todas as manifestaçõesmusicais como significativas – evitando, portanto,deslegitimar a música do outro através da imposi-ção de uma única visão. É preciso lembrar que inú-meros processos estão envolvidos nesta questão:

Exatamente porque a música é uma linguagemcultural, consideramos familiar aquele tipo de músicaque faz parte de nossa vivência – justamente porqueo fazer parte de nossa vivência permite que nós nosfamiliarizemos com os seus princípios de organizaçãosonora, o que a torna uma música significativa paranós. Em contrapartida, costumamos “estranhar” amúsica que não faz parte de nossa experiência. Quemé que já não ouviu alguém dizer – ou até mesmo disse– a seguinte frase: “isto não é música”? Esta atitudeem relação à música do outro pode ser encontrada,por exemplo, por parte de um músico erudito emrelação ao rap, de um velho seresteiro em relação aobarulhento rock do filho do vizinho, de um jovemroqueiro em relação à música erudita contemporânea,ou de um fã de música sertaneja em relação a umamúsica indígena. (Penna, [1999], p. 15-16).

Cabe, pois, abordar a questão do gosto cri-ticamente, compreendendo, como mostramBourdieu e Darbel (1985), que o gosto revela umacompetência estética, sendo produto de um capi-tal cultural desenvolvido gradualmente, desde ainfância, através da freqüentação e familiarizaçãocom determinados bens simbólicos, o que depen-de, portanto, do ambiente sociocultural em que sevive. Nesse sentido, Subtil (2003), em sua pesqui-sa sobre a recepção da música mediática entre cri-anças de 9 a 11 anos, comenta: “A análise dosdados revela que a falta de familiarização com ouniverso erudito ou com a ‘cultura legítima’, no casoa música clássica, decorre da ausência do ‘capitalcultural’ […]. A maioria das crianças entrevistadasafirma não conhecer o universo da cultura erudita,considerando-o estranho, longínquo e inacessível.”(Subtil, 2003, f. 24).

Devemos considerar, ainda, que a música damídia permeia, em menor ou maior grau, a vidacotidiana de praticamente todos os cidadãos bra-sileiros. Por outro lado, nem tudo que é produzidopela indústria cultural é necessariamente ruim, equalquer polarização entre ela e uma arte “verda-deira” ou “superior” acaba sendo reducionista,mecânica, ou mesmo simplesmente falsa. Afinal,como mostra Faraco (2001),

A questão é certamente muito mais complexa do quesugerem as simples dicotomias. Nunca é demais lembrarque Shakespeare escrevia suas peças para seremapresentadas como entretenimento num teatro popular;ou que Memórias de um Sargento de Milícias, hoje umclássico da literatura brasileira, foi escrito na forma defolhetim (isto é, capítulos semanalmente no jornal paraconsumo imediato), muito semelhante, nesse sentido, àsnovelas de televisão de hoje; ou que compositores comoBach ou Mozart (para citar só dois) escreveram muitasde suas peças sob encomenda direta de seus mecenaspara ornamentar festas, eventos do cotidiano oupreencher horas de ócio. (Faraco, 2001, p. 128).

A proposta para música dos ParâmetrosCurriculares Nacionais para Arte (Brasil, 1997,1998; Penna, 2001b), uma orientação oficial paraa prática pedagógica nas escolas, aponta para umaconcepção de música bastante aberta, que consi-dere a diversidade de manifestações musicais, tra-zendo o desafio de superar a histórica dicotomiaentre música erudita e popular. A proposta para as5a à 8a séries do ensino fundamental, especialmen-te, busca uma educação musical que tome comoponto de partida a vivência do aluno, sua relaçãocom a música popular e com a indústria cultural,buscando ampliar o alcance e a qualidade de suaexperiência estético-musical.

No entanto, uma das grandes dificuldadespara a concretização de uma educação musical

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Referências

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desse tipo é a própria formação do professor, cor-rentemente centrada em um ensino tradicional,moldado pelo conservatório, pelo padrão da músi-ca erudita e da música notada. Como partir da rea-lidade do aluno, incorporar na prática pedagógicaa sua vivência, o seu universo musical, se não hádisposição em conhecer as músicas de seu mun-do? Como desenvolver o senso crítico, ampliar eaprofundar a sua experiência, se sua vivência édesconsiderada, desqualificada e desvalorizada?Como desenvolver a sua autonomia, para que pos-sa realizar suas próprias escolhas diante dos pro-dutos da indústria cultural, se é mantida uma dis-tância infinita entre a música da escola e a músicada vida?

É possível atuar pedagogicamente para aexpansão do universo musical e o desenvolvimen-to do senso crítico, embora certamente não sejafácil. Para tal, não há receitas prontas ou garanti-das: a possibilidade de buscar e construir os cami-nhos necessários inicia-se com a disposição emolhar para o aluno e acolher as suas práticas cul-

turais. Passa, ainda, por duas importantes atitudesinovadoras:

1) Em lugar da acomodação que leva a repetir sem críticaou questionamentos os modelos tradicionais de ensinode música, […] a disposição de buscar e experimentaralternativas, de modo consciente;

2) Em lugar de se prender a um determinado “padrão”musical, […] encarar a música em sua diversidade edinamismo, pois sendo uma linguagem cultural ehistoricamente construída, a música é viva e está emconstante movimento. (Penna, 1999, p. 17).

Cabe reconhecer, finalmente, que a predo-minância do modelo conservatorial, a sua forçacomo padrão de um “ensino sério de música”, afalta de questionamento desse modelo são fato-res que dificultam, atrasam ou até mesmo impe-dem a construção de um sólido compromisso coma música nas escolas de educação básica, assimcomo a busca de alternativas pedagógicas efica-zes para esse contexto escolar e suas necessida-des próprias. Antes de mais nada, portanto, dei-xemos para trás as práticas fixas da tradição, bus-cando olhar além.

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A identidade das licenciaturasna área de música:

multiplicidade e hierarquia

Nair PiresDepartamento de Artes - UFOP

[email protected]

Resumo. Este artigo discute alguns dados provenientes de pesquisa que investigou a identidade daslicenciaturas na área de música. Dentro de um programa de investigação qualitativa, e tomando comoobjeto de estudo seis cursos de licenciatura, buscamos apreender os aspectos que têm delineado aidentidade desses cursos. Os resultados da pesquisa apontam que a manutenção da multiplicidade daárea artística trouxe consigo o pressuposto da polivalência, que se encontra presente no discurso oficiale nas práticas políticas no Estado de Minas Gerais. Em decorrência desse fato e da multiplicidade denomes para os cursos de formação de professores de música, encontramos hoje no Estado de MinasGerais a hierarquização das licenciaturas tanto nos concursos públicos quanto nos estágios doslicenciandos. Esses resultados podem nos ajudar a vislumbrar, senão todas, algumas implicações destemomento histórico, levando pistas para os futuros caminhos a serem conquistados pela área de música.

Palavras-chave: licenciatura, políticas públicas, multiplicidade

Abstract. This paper takes data from a research that investigated the identity of music teachers’ initialeducation courses. The research uses a qualitative investigation program over six courses to define thefeatures that identify them. The results show that the multiplicity in the artistic field brings a presumedmultifunction feature that is present in the official discourse and in the political practices at the State ofMinas Gerais. Besides this, there is a multiplicity of names for the courses that graduate music teachers.Both facts cause a hierarchy of the music teachers, found in the public contests and apprenticeships.These results can help us to have a glimpse of some implications at this historical moment, pointing toclues about future ways to be achieved in the field of Music.

Keywords: licentiates, public politics, multiplicity

Introdução

As licenciaturas na área de música repre-sentam a única possibilidade de profissionalizaçãosuperior do professor de música no Brasil, tendocomo principal locus de formação a universidade.No entanto, ainda são escassos os dados sistema-tizados sobre os aspectos que caracterizam a

identidade das licenciaturas na área de música.Quais concepções, valores e crenças têm orienta-do a formação do professor de música? Quais as-pectos têm sido priorizados? Quais os fatores quetêm interferido na construção da identidade doscursos?

PIRES, Nair. A identidade das licenciaturas na área de música: multiplicidade e hierarquia. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 9,81-88, set. 2003.

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No âmbito deste artigo, serão apresentadasalgumas reflexões extraídas da minha dissertaçãode mestrado1 , que teve como objetivo investigar aidentidade das licenciaturas na área de música.Dentro de uma proposta de investigação qualitati-va (Lüdke; André, 1986) buscamos apreender quaisas concepções, valores e crenças têm norteado oprocesso de formação dos professores de músicanos cursos de licenciatura. Para tanto, tomamoscomo objeto de estudo seis cursos de licenciaturana área de música, dos sete existentes no estadode Minas Gerais, na perspectiva de delinear a iden-tidade das licenciaturas na área de música.

Como opção metodológica, realizamos ini-cialmente a análise documental, considerada apro-priada para “ratificar e validar informações obtidaspor outras técnicas de coleta” de dados (Holsti apudLüdke; André, 1986, p. 39). Quanto à natureza dosdocumentos, utilizamos nessa pesquisa a produ-ção teórica da área de educação em geral e, emespecial, da área de música, o que nos permitiuaprofundar os estudos e o entendimento sobre asatuais críticas e propostas apontadas pelos auto-res para a formação do professor de música. Osprojetos político-pedagógicos dos cursos foram uti-lizados como forma de compreender o que estásendo idealizado para a formação do professor demúsica, e a partir da verificação dos pontos comunse divergentes, assim como das concepções adota-das, procuramos analisar os limites e as possibili-dades de transformação das propostas de forma-ção do professor nesses cursos.

Além desses materiais, recorremos a algunsdocumentos oficiais que regulamentam o ensinode música nas escolas públicas, assim como a for-mação do professor de música, trazendo à luz con-cepções e contradições, contidas nas propostasoficiais, e suas conseqüências para o ensino mu-sical no país nos diversos níveis da educação. Aanálise documental nos permitiu verificar, dentrode uma perspectiva histórica, social e política, ele-mentos fundamentais para a condução da reflexãosobre a identidade dos cursos de licenciatura naárea de Música.

Compreender a formação do professor noscursos de licenciatura na área de música significa,portanto, entender os valores, concepções e cren-ças que estão orientando as ações educativas. Paratanto, realizamos o grupo focal, que é um tipo deentrevista coletiva, com o objetivo de apontar algu-

mas questões a serem discutidas pelo grupo. En-tendemos que o grupo focal é a técnica de coletade dados mais indicada para este tipo de pesquisaqualitativa, visto que possibilita aos participantesse expressarem de maneira natural, desenvolven-do suas respostas fora de um formato estruturado.Ao dar lugar ao diálogo entre os participantes, ouso do grupo focal permite ao pesquisador identifi-car como a idéia vai sendo gradativamente cons-truída no grupo, proporcionando maiores oportuni-dades de examinar as relações entre os participan-tes e as perspectivas que têm em relação ao as-sunto (Krueger; Casey, 2000).

A realização do grupo focal se deu a partirde dois objetivos. Primeiro, como opçãometodológica, decidimos dar voz aos professoresformadores, com o objetivo de captar o que pen-sam sobre o momento atual dos cursos de licenci-atura na área de música e como se posicionam di-ante desse contexto, buscando elementos que nosajudassem no entendimento da questão de pes-quisa. Segundo, criar, em nível estadual, um fórumde discussão de coordenadores e professores decursos de licenciatura na área de música, com oobjetivo de levantar problemas, críticas e suges-tões de ações concretas, e, a partir de então, ela-borar coletivamente um documento final que pu-desse se tornar mais um instrumento de atuaçãopolítica das licenciaturas mineiras junto aos órgãoscompetentes. Esse encontro, realizado no dia 13de dezembro de 2002, em Belo Horizonte, foicoordenado pela pesquisadora que o denomi-nou de I Fórum Mineiro das Licenciaturas na Áreade Música.

Procuramos, também, obter informaçõessobre o encaminhamento que vem sendo dado àspolíticas públicas de contratação de professorespara a área de música, e, para isso, nos dirigimosà Secretaria Estadual de Educação em busca deinformações. Realizamos, então, uma entrevistaindividual, com o objetivo de apreender qual con-cepção de arte e ensino de arte tem norteado asdecisões políticas e, conseqüentemente, as possi-bilidades de construção dos projetos pedagógicosdas escolas, assim como o perfil de professor de-sejado nas escolas da rede pública estadual. Tí-nhamos como objetivo captar o discurso dos sujei-tos, compreendendo o significado que eles atribu-em às situações, eventos e processos presentesno seu cotidiano. Diante disso, optamos pela en-trevista semi-estruturada, que é “um estilo de en-

1 A dissertação de mestrado, intitulada A Identidade das Licenciaturas na Área de Música: Múltiplos Olhares sobre a Formação doProfessor, foi desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal deMinas Gerais, sob a orientação da Profa Dra Ângela I. L. F. Dalben.

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trevista informal […] [que] utiliza uma série de te-mas e tópicos em torno dos quais se constituem asquestões no decurso da conversa” (Burgess, 1997,p. 112). Essa opção se deve ao fato de que essaforma de entrevistar proporciona aos informantes“uma oportunidade para desenvolver as suas res-postas fora de um formato estruturado” (Burgess,1997, p. 112). Analisamos também o edital que re-gulamentou o último concurso público para profes-sores no Estado de Minas Gerais, assim como osconteúdos das provas aplicadas.

A multiplicidade na área artística

A década de 60 representa um marco histó-rico da educação musical nas escolas públicas, e,no âmbito da prática pedagógica, constitui-se noúltimo momento de ruptura metodológica. O cantoorfeônico, presente nas escolas desde a décadade 30, cede sua hegemonia a outro paradigmametodológico – a pedagogia da criatividade.Advinda da arte-educação dos anos 50, essa pe-dagogia torna-se institucional na década de 60,sendo assimilada pelas escolas públicas como“pró-criatividade”, traduzindo-se em práticaspolivalentes baseadas em atividades improvisadas,com ênfase no processo em detrimento do produ-to (Fuks, 1991).

A inserção da “pró-criatividade” nas escolaspúblicas coincide com a promulgação da Lei deDiretrizes e Bases – LDB/61, que se constitui noprimeiro desenho de organização do ensino brasi-leiro. De acordo com essa lei, a música não eraobrigatória nos currículos escolares, sendo suapresença de caráter opcional. A forma enxuta deredação da lei gerou várias dúvidas nos estabele-cimentos escolares com relação à natureza damúsica na composição dos currículos.

A partir do estudo da legislação educacio-nal da década de 60, constatamos a pluralidadede lugares ocupados pela música na estruturacurricular dos cursos de professores: disciplinaoptativa, prática educativa e atividades complemen-tares de educação artística, sendo todas de cará-ter opcional e princípios contrapostos2 . Porém, noscurrículos do antigo ensino primário, a música seinseria como prática educativa, que em oposiçãoàs disciplinas, guardavam uma função formativa denatureza prática, “obedecendo a critérios mais elás-ticos”, não se constituindo portanto em um campode saber sistematizado (Parecer no 131/62 – CFE).

Por tratar de maneira indefinida o conheci-mento artístico, tendo como acento principal a for-mação de hábitos, a legislação da década de 60dá margem à institucionalização da “pró-criatividade” no interior das escolas públicas, quese torna o germe da polivalência das práticas pe-dagógicas e do caráter múltiplo da área artística.Apesar do canto orfeônico estar previsto na legis-lação oficial nos anos 60, no cotidiano escolar elefoi sendo paulatinamente abandonado, cedendosua hegemonia na década de 70 à “sedutora” pe-dagogia da criatividade.

A partir da década de 70, os professores vãoexperimentar “o sabor da liberdade pós-orfeônica”(Oliveira, A.,1992, p. 38). Com a implantação daLei no 5.692/71, que institui a Educação Artísticacomo componente curricular obrigatório nas esco-las públicas (art. 7o), a “pró-criatividade” vai encon-trar um campo fértil para vivenciar seu apogeu,amparada legalmente pela concepção de que “aimportância das atividades artísticas na escola re-side no processo e não nos seus resultados”, e suaênfase deve ser na “expressão e na comunicação,no aguçamento da sensibilidade […], no desenvol-vimento da imaginação” (Parecer no 540/77).

Com a nova lei, o ensino da educação artís-tica entra para os currículos de 1o e 2o graus nasmúltiplas linguagens artísticas: artes plásticas, ar-tes cênicas, música e desenho (Resolução no 23/73). Diante dessa determinação, a Lei no 5692/71oficializa não só as práticas e concepções presen-tes nas escolas públicas desde a década de 60(Fuks, 1991), como também a multiplicidade da áreaartística (Penna, 2002). Coerente com este pensa-mento, essa lei mantém e reforça a concepção deintegração através da criação das licenciaturaspolivalentes, que tinham como objetivo a formaçãode professores em diversas áreas artísticas. Nes-se momento histórico, a multiplicidade da área ar-tística e a polivalência das práticas pedagógicas,além do amparo legal, estão presentes tanto nointerior das escolas públicas quanto nos cursos deformação de professores (Penna, 2002).

A música, a partir da Lei no 5692/71, torna-se uma das linguagens artísticas previstas para aeducação artística nas escolas. Por sua vez, aEducação Artística era uma subárea de conheci-mento que, juntamente com os cursos de Letras eEducação Física, formava um campo de conheci-mento maior, denominado Comunicação e Expres-

2 Normas para o Ensino Médio de 1962; Portaria no 69/62 – CFE; Instruções da Diretoria de Ensino Secundário – Circular no 1/62;Parecer no 331/62 – CFE; Parecer no 383/62 – CFE.

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são (Indicação no 23/73). Além disso, dentro dessahierarquia do conhecimento, a Educação Artísticaconverteu-se em “atividade”, que, entendida comolazer, “não [era considerada] uma matéria, mas umaárea bastante generosa e sem contornos fixos, flu-tuando ao sabor das tendências e dos interesses”(Parecer no 540/77). Nesse momento, temos clara-mente a equivalência entre o conceito de práticaeducativa presente na LDB/61 e o conceito vigen-te de atividade, ocorrendo apenas uma mudançade nomenclatura.

Em meados dos anos 90, novas políticaseducacionais surgem no Brasil. Com a promulga-ção da Lei no 9.394 – LDB/96, são apresentadasas novas diretrizes e bases da educação nacional.Com esta nova lei, fica mantida a obrigatoriedadedo ensino de arte nos diversos níveis da educaçãobásica, e, juntamente a essa determinação, man-tém-se também a multiplicidade da área, quandoda proposição das quatro modalidades artísticas –Artes Visuais, Música, Teatro e Dança – pelosParâmetros Curriculares Nacionais – PCN/Arte(Penna, 2002). Por outro lado, essa lei elimina apolivalência na formação dos professores, atravésda proposição de Diretrizes Curriculares Nacionaisespecíficas para cada área do conhecimento.

A LDB/96, ao revogar a Lei no 5692/71 (art.92), extingue o termo “Educação Artística”, adotan-do no corpo da lei a expressão “ensino de arte”(art. 26, parágrafo 2o), e nos PCN encontramos otermo “Arte”, entendida como área curricular obri-gatória de conteúdos e objetivos próprios. Nessaperspectiva, percebemos que o discurso oficial rom-pe com a concepção hegemônica de Arte comoprática educativa – atividade prática de funçãoformativa sem contornos fixos – veiculada nas es-colas e na legislação desde a década de 60, de-fendendo as especificidades dos conhecimentos decada modalidade artística.

Diante deste contexto, novamente a músicamuda de lugar, tornando-se uma modalidade ar-tística de uma área de conhecimento – Arte. O quese percebe é que os lugares que a música tem ocu-pado nos currículos escolares, lugares esses es-tabelecidos pela legislação educacional, não lhetêm conferido seu status de objeto de conhecimen-to. Apesar da música estar avançando ao longodos anos dentro da hierarquia curricular, ela aindanão conquistou sua importância como conteúdoimprescindível à formação global do ser humano.Mesmo com a nova LDB/96, que considera a Artecomo área de conhecimento, a música não temgarantida a sua presença nas escolas, visto quenão existe a obrigatoriedade legal da presença de

todas as formas artísticas nos currículos, cabendoa cada estabelecimento público, de acordo com seuinteresse ou disponibilidade de professor, a esco-lha de qual ou quais linguagens artísticas “quandoe como serão abordadas na prática escolar”(Penna, 2002, p. 11).

A partir dessa pesquisa, constatamos queas políticas públicas adotadas desde a década de60 têm oficializado e perpetuado concepções e prá-ticas polivalentes, tendo como pressuposto aintegração das linguagens artísticas, o que trouxeimplicações para o ensino de música nas escolaspúblicas. Desde a década de 60, a multiplicidade,sob vários aspectos, tem caracterizado a área dearte em geral, e da música em especial: múltiplaslinguagens artísticas; múltiplos lugares nos currí-culos escolares que surgem associados a múlti-plas nomenclaturas; além da presença dapolivalência nas práticas pedagógicas e na forma-ção dos professores de música.

A multiplicidade de nomenclaturas para oscursos de licenciatura na área de Música

Os cursos de licenciatura surgiram no Brasilna década de 30, nas antigas Faculdades de Filo-sofia. A partir do Decreto-Lei no 1.190, de 4 de abrilde 1939, essas faculdades passam a contar comum curso de Pedagogia, com duração de três anos,que formava o Bacharel em Pedagogia, e um cur-so de didática, com duração de um ano, que, quan-do cursado por bacharéis, fornecia o título de Li-cenciado, permitindo aos alunos egressos o exer-cício do magistério nas redes de ensino. Esse mo-delo de formação do professor, em que disciplinasde conteúdo são justapostas às disciplinas de na-tureza pedagógica, ficou conhecido como o famo-so esquema 3 + 1.

Na área de música, de acordo com a legisla-ção, tínhamos no início da década de 60 o cursode Professor de Música, de nível médio, vigentenos conservatórios, e, em nível superior, eram ofe-recidas apenas três modalidades de cursos no país:Instrumento; Canto; e Composição e Regência.Com a resolução decorrente do Parecer no 383, dedezembro de 1962, fica prevista a criação de maisdois cursos superiores de Música: o curso de Pro-fessor de Educação Musical e o de Diretor de CenaLírica. Legalmente, são criados na década de 60os cursos superiores de professores de EducaçãoMusical, tendo como estrutura curricular o modelo3 + 1: disciplinas do conteúdo específico de Músi-ca justapostas às matérias pedagógicas.

No final década de 60, o Conselho Federalde Educação, após ampla consulta às escolas su-

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periores de música do país, recebeu como suges-tão a proposta de mudança do nome do curso deProfessor de Educação Musical para Licenciaturaem Música, considerando-se “razoável para con-veniente harmonização com as demais licenciatu-ras” (Parecer no 571/69). O relator desse parecer,o conselheiro Clóvis Salgado, quando da propostade currículos para os cursos superiores de músi-ca, já adota em seu texto o termo Licenciatura emMúsica.

No mesmo ano, o Parecer no 571/69 dá ori-gem à Resolução no 10, de 10 de outubro de 1969,que passa a regulamentar os mínimos de conteú-do e duração dos cursos de Música. A partir deentão, os cursos de formação de professores naárea de música passam a se chamar Licenciaturaem Música, com duração mínima de quatro anosletivos e máximo de seis anos, totalizando umacarga horária de 2.160 horas. Além da licenciatu-ra, a resolução prevê mais quatro cursos superio-res de Música: Instrumento; Canto; Composição eRegência; Arte Lírica.

Na década de 70, a Lei no 5692/71 cria aslicenciaturas em Educação Artística com habili-tações específicas em Artes Plásticas, Artes Cê-nicas, Música e Desenho. Porém, como nos lem-bra Oliveira, J. (1997, p. 10), “uma lei só revogaa outra se explicitamente incluir esta revogaçãoem seu texto, ou se a lei anterior ferir algum dis-positivo da nova lei”. Como a Lei no 5692/71 nãorevoga nenhum aspecto da Resolução n º10/69,algumas instituições de ensino superior conti-nuam oferecendo a Licenciatura em Música, eoutras criam ou modificam os cursos anteriores,transformando-os em Licenciatura em EducaçãoArtística com Habilitação em Música. Apesar dapublicação da nova lei, a Resolução no 10/69 eo Parecer no 571/69 passam a ser oficialmentedivulgados, contendo modificações jamais apro-vadas (Oliveira, J., 1997, p. 10).

A coexistência de documentos oficiais – Re-solução no 10/69, suas variantes e a Lei no 5692/71 – aliada às contradições do legislador derammargem a inúmeras interpretações pelos estabe-lecimentos de ensino musical, chegando-se nadécada de 80 ao extremo de se ter no país quasecem nomenclaturas diferentes para os cinco cur-sos superiores de música previstos na Resoluçãono 10/69, como aponta Oliveira, J. (1997, p. 9).

Na década de 90, com a publicação da Leide Diretrizes e Bases – LDB/96, a Lei no 5692/71assim como as leis e decretos-lei que a modifica-ram, foram expressamente revogados no art. 92.

Sendo assim, a Educação Artística é extinta, crian-do-se a área de Arte, que passa a integrar quatrolinguagens artísticas: música, artes visuais, teatroe dança. Como as atuais políticas educacionaisprevêem diretrizes curriculares para todas as áre-as de conhecimento, foi criada a Comissão de Es-pecialistas de Ensino – CEE-MÚSICA, que junta-mente com seus consultores e a comunidade aca-dêmica concluíram, em julho de 1999, as Diretri-zes Curriculares para os Cursos de Música – pro-cesso de construção que durou quase três anos(Hentschke, 2000).

De acordo com esse documento, a partir daárea de conhecimento “Música”, os cursos podemoferecer habilitações específicas em subáreas deformação de recursos humanos. As diretrizes dei-xam margem à construção de propostas “mais am-plas e inovadoras”, além de sinalizarem setesubáreas representantes da atual realidade da áreade Música, a saber: Práticas Interpretativas, com-preendendo Instrumento/Voz e Regência; Compo-sição; Educação Musical; Produção Cultural; Mú-sica Popular; Tecnologia em Música; Musicoterapia.Para o exercício profissional, as modalidades dediplomação incluem licenciatura e bacharelado,dependendo da habilitação em questão.

Como as diretrizes não abordam a diversi-dade de nomenclatura dos cursos de licenciatura,nem tampouco lançam propostas neste sentido,uma possível leitura desse documento, com rela-ção aos cursos de formação do professor, seria aseguinte: a área é Música; a modalidade é Licenci-atura; mas, e a subárea, seria Educação Musical?O nome implícito dos cursos de licenciatura seria“Música/Licenciatura em Educação Musical”? “Mú-sica/Licenciatura”? Ou “Licenciatura em Música”?Considerando ainda que na LDB/96 a nomenclatu-ra utilizada é Artes, e nos Parâmetros CurricularesNacionais/Arte a modalidade artística é Música, otermo mais condizente com estes documentos se-ria “Licenciatura em Artes/Habilitação Música”?Diante desse impasse, qual nome será adotadopelas instituições? Quantos outros nomes irão sur-gir? Quais serão abandonados?

Levando em consideração apenas as univer-sidades federais do país, temos atualmente os se-guintes nomes para os cursos de formação do pro-fessor de música: Licenciatura em Educação Artís-tica/Habilitação Música (FUA, UFPA, UFPB, UFRN,UFMT, UFU, UNIRIO, UFRJ, UFRGS); Licenciatu-ra em Artes/ Habilitação Música (UFPel); Licencia-tura em Música (UFAL, UFBA, UFPE, UnB, UFES,UFSM); Música/Licenciatura (UFMG); Licenciatu-ra em Música/Habilitação em Educação Musical

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(UFG, UFPR); Licenciatura em Educação Musical(UFOP)3 .

O levantamento dos nomes dos cursos deformação do professor de música nas universida-des federais brasileiras revela a predominância danomenclatura que surgiu na década de 70 com aLei no 5692/71 – Licenciatura em Educação Artísti-ca/Habilitação Música. Essa constatação suscitaalgumas questões, tais como: qual relação de po-der está implícita no campo artístico musical? Quaisos panos de fundo que orientam a formação daidentidade das licenciaturas na área de música?

A diversidade de nomes para os cursos deformação do professor de música no Brasil denotaa indefinição com relação à identidade das licenci-aturas, tanto por parte do legislador quanto pelasinstituições de ensino superior, e diante desse con-texto optamos, neste trabalho, por utilizar o nome“licenciatura na área de música”, entendido comosendo qualquer curso superior que tenha comoobjetivo formar professores na área de música.

Concepções e implicações políticas

A multiplicidade da área artística, que temseu germe na integração das linguagens artísticas,nasceu no interior das escolas na década de 60,cabendo à legislação a sua perpetuação até os diasatuais. Sendo assim, cabe-nos refletir até que pontoa manutenção da multiplicidade da área artísticanão estaria dando margem à perpetuação da con-cepção e das práticas polivalentes, que têm seupressuposto na concepção de integração? Quaisseriam as implicações nas concepções e políticasdos órgãos públicos e nas práticas pedagógicasno interior das escolas públicas?

Em nossa pesquisa, quando da análise dosdados coletados na Secretaria de Educação e Es-tado do Estado de Minas Gerais (SEE), verifica-mos, dentre outros aspectos, que a Superintendên-cia de Educação (SED), responsável pela coorde-nação didático-pedagógica de todas as escolas doestado, considera como sendo o perfil ideal de pro-fessor, aquele profissional

que tenha condição de trabalhar as diversas faces daArte: o profissional com formação específica em Música,Teatro, não interessa a SEE, é muito difícil. […] Oprofissional que cabe nas escolas é o licenciado emEducação Artística, o múltiplo que vai atuar em váriasáreas: esse é que vai funcionar.

O discurso da SED revela duas questõesfundamentais: primeiro, diz respeito à manutençãoda concepção de polivalência nas práticas peda-gógicas dos professores nas escolas públicas, e,em decorrência desse fato, surge a hierarquizaçãodas licenciaturas na área artística, sobretudo naárea de música, privilegiando-se o profissional for-mado nas licenciaturas em Educação Artística.

As implicações políticas podem ser obser-vadas quando da realização do último concursopúblico para professores efetivos no Estado deMinas Gerais, no ano de 2001. A Secretaria deEducação e Estado do Estado de Minas Gerais,aliada à consultoria contratada, define no edital operfil do professor desejado nas escolas públicas.Como “professor de Educação Artística” é a no-menclatura que consta no Estatuto do Magistérioda Rede Pública Estadual de Minas Gerais4 , a SEDafirma que somente o licenciado em Educação Ar-tística está habilitado a fazer o concurso público.Para os egressos de cursos de licenciaturas espe-cíficas – Música, Teatro, dentre outras – a partici-pação é determinada pelas normas contidas noedital. Sendo assim, a SED, que também participada realização dos concursos públicos, afirma que

quando você vai elaborar o edital, em função às vezesda necessidade das escolas, ou até mesmo da novaproposta pedagógica, no edital pode-se deixar claroassim: o professor licenciado em Música, em Teatropoderá fazer o concurso. Se ficar claro no edital ele teráas mesmas chances.

No entanto, o Edital no 01/2001 (Diário doExecutivo, Legislativo e Publicações de Terceiros/Minas Gerais, 2001), que regulamentou o últimoconcurso público no estado, abre vagas para duascategorias de professor: o professor de Artes – P5A,e o professor de Educação Artística – P3A. Alémdisso, esse mesmo documento afirma que

não há mais a polivalência, mas sim o professorespecialista em uma linguagem artística que deve terconhecimentos básicos das outras, pois assim poderáelaborar atividades integradas com professores deoutras linguagens artísticas ou com colaboradores dacomunidade… (Edital no 01/2001, p. 16, grifo nosso).

O discurso oficial, além de contraditório, su-gere uma nova versão da licenciatura em Educa-ção Artística da década de 70, em que se intensifi-ca a formação específica do aluno, mantendo-se ocaráter polivalente do curso. Aliás, essa é a pro-posta de formação do curso C6, analisado em nos-

3 Dados disponíveis em: <http://www.mec.gov.br>.4 Lei no 7.109, de 1977, que regulamenta o profissional das escolas públicas, e que ainda permanece vigorando mesmo depois dapromulgação da LDB/96.

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sa pesquisa, que, por sua vez, está vinculado auma instituição estadual. Além disso, o edital pre-vê um trabalho “integrado” dos professores das di-versas áreas artísticas, e diante disso cabe-nosperguntar: quantas escolas públicas mineiras teri-am dois ou mais professores de arte, quando emmuitas delas faltam ainda professores para os con-teúdos considerados básicos, como português ematemática? Não seria um único professor traba-lhando a arte dentro de uma “visão mais ampla”?Aliás, esse parece ser o nome atual paraintegração/polivalência. Constatamos também umacontradição entre o discurso da SED e as nomen-claturas adotadas pelo edital de concurso: profes-sor de Artes e professor de Educação Artística.Esse fato denota a tentativa dos órgãos públicosde adequação à legislação vigente, permanecen-do inalterada a concepção de polivalência na for-mação e práticas dos professores das escolas pú-blicas.

Diante desse contexto, percebemos que naprática os diplomas não possuem equivalência nomercado de trabalho, ficando reservada a priorida-de às licenciaturas em Educação Artística. No editalque regulamentou o concurso não encontramosqualquer especificação nesse sentido, mas, antes,uma indefinição com relação à habilitaçãorequerida. Para os dois níveis de professores –P3A, professor de Educação Artística, e P5A, pro-fessor de Artes – o edital prevê como escolaridademínima licenciaturas específicas, variando a dura-ção – curta e plena. No entanto, para o nível P5Aseria licenciatura em Artes, ou específica na áreade Artes, e esta entendida nas quatro modalida-des artísticas, podendo ser qualquer uma delas?Para o nível P3A seria somente licenciatura emEducação Artística?

Outro ponto a ser ressaltado é com relaçãoà oferta de vagas e o perfil do professor para cadacargo oferecido no concurso. Para o professor deArtes (P5A), foram oferecidas 33 vagas, contra 97para o professor de Educação Artística (P3A). To-mando por base as normas contidas no edital, oprofessor de Educação Artística, o profissional maisrequisitado pelas escolas (74,6% das vagas), é oprofessor polivalente, formado em cursos de licen-ciatura curta, que terá regência efetiva de aulas noensino fundamental, preferencialmente, de 1a à 4a

séries. O professor de Artes, que corresponde ape-

nas a 25,3% das vagas das escolas, é o professorformado em cursos de licenciatura plena, que vaiatuar como regente efetivo da disciplina, prefe-rencialmente no ensino médio. Diante disso, per-cebe-se que a SEE adota duas concepções de artee ensino de arte: Educação Artística se refere aaulas ministradas no ensino fundamental, sobretu-do de 1a à 4a séries, sem o compromisso de desen-volver conteúdos específicos, voltando-se exclusi-vamente para atividades de lazer, que tornem oaprendizado escolar mais prazeroso. Por outrolado, Arte é uma disciplina com conteúdos especí-ficos e carga horária definida, ministrada de 5a à 8a

séries do ensino fundamental e do ensino médio.

Lembrando neste momento que a SEE temtotal autonomia para elaborar os editais de con-curso público, percebemos que, a partir desse ins-trumento político, as licenciaturas específicas naárea de Artes podem estar sendo excluídas emdetrimento da opção pelas licenciaturas em Edu-cação Artística. Dos seis cursos de licenciatura naárea de Música analisados em nossa pesquisa,dentre os sete existentes no Estado de Minas Ge-rais, somente dois deles adotam o termo Licencia-tura em Educação Artística/Habilitação Música,sendo que apenas um deles mantêm o perfilpolivalente.

Além disso, verificamos, quando da análisedos conteúdos das provas desse concurso públi-co, a ênfase dada às artes plásticas em detrimentodas outras áreas artísticas, o que denota mais umaredução das possibilidades de aprovação dos li-cenciados: agora, os formados nos cursos de li-cenciatura em Educação Artística, que apesar danomenclatura, oferecem uma formação específicaem Música5 . Apesar do edital apresentar um pro-grama único para P3 e P5, foi elaborada uma pro-va para cada nível de professor, contendo cada uma70 questões, e ambas as provas se referiam àsquatro modalidades artísticas. Diante das questõesapresentadas nas provas, verificamos para o pro-fessor de Arte (P5) a ausência da abordagem dosconhecimentos específicos da linguagem musical,enfatizando-se aspectos conceituais e metodo-lógicos do ensino de arte em geral, sobretudo dasartes plásticas. Na prova para P3, encontramosapenas uma questão relativa aos conteúdos espe-cíficos da linguagem musical6 .

5 O curso C2 analisado em nossa pesquisa, apesar do nome Licenciatura em Educação Artística/Habilitação Música, oferece umaformação específica em Música, com ênfase no instrumento.6 Essa questão continha o seguinte enunciado e alternativas: “a linguagem musical tem como componentes, exceto: A ( ) tons; B ( )silêncios; C ( ) timbres; D ( ) maestros”.

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Por um lado, os instrumentos políticoshierarquizam as licenciaturas na área de música,priorizando a presença de profissionais com for-mação polivalente nas escolas públicas. Por outrolado, mantendo-se o mesmo pressuposto dapolivalência, as escolas públicas utilizam-se deoutro instrumento de perpetuação dessa concep-ção: os estagiários. No momento do estágio doslicenciandos, segundo depoimento de alguns pro-fessores formadores que participaram dessa pes-quisa, os alunos que cursam a Licenciatura emMúsica estão tendo dificuldades para conseguirestágio nas escolas públicas, ao passo que, na Li-cenciatura em Educação Artística, “sai todo mun-do empregado, e os estágios são sempre muitobem-vindos” (P6). Lembramos aqui que a orienta-ção da SED com relação aos estagiários é de queas escolas aceitem e aproveitem bem esse profis-sional, “apesar das escolas terem total autonomiapara aceitá-lo ou não”.

Algumas considerações finais

Os dados coletados nessa pesquisa nospermitem afirmar que a área artística vive hoje, nopaís, um período de transição, no qual coexistemconcepções e discursos contrapostos, e refletirsobre essa questão pode nos ajudar a vislumbrar,senão todas, pelo menos algumas implicações des-te momento histórico, levantando pistas para osfuturos caminhos a serem conquistados pela áreade música.

A manutenção da concepção da área de artecomo sendo múltipla parece ter favorecido a per-petuação da concepção de polivalência, refletin-do-se nas práticas políticas e, conseqüentemente,nas práticas pedagógicas das escolas públicas.Isso porque o germe da integração traz consigo aconcepção de arte como lazer, tornando o ensinode música nas escolas públicas uma mera ativida-de de recreação, sobretudo quando se refere àsquatro primeiras séries do ensino fundamental.

Referências

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Sendo assim, percebemos que existe ape-nas uma intenção da SEE/MG de mudança de no-menclatura para a adequação à legislação vigen-te, permanecendo inalterada a concepção de Artecomo Educação Artística, e essa como Artes Plás-ticas, refletindo-se, portanto, no perfil de professordesejado para as escolas públicas. Esse fato nosleva a refletir sob outra questão: a permanência dasupremacia do campo das Artes Plásticas nas prá-ticas pedagógicas escolares. Pois, como sabemos,dentre as linguagens artísticas propostas oficial-mente desde a década de 70, as artes plásticasaté hoje predominam nas escolas públicas (Penna,2002, p. 10).

Como conseqüência da perpetuação da con-cepção de polivalência, verificamos a presença dahierarquização das licenciaturas na área de músi-ca, tanto através do concurso público – edital eprovas – quanto dos estágios. Esse fato se apre-senta como uma das implicações da multiplicidadede nomenclaturas adotadas pelas instituições deensino superior no país para os cursos de forma-ção de professores de música, fazendo-se neces-sário estabelecermos ampla discussão sobre aidentidade das licenciaturas na área de música.

Diante das reflexões apresentadas, conside-ramos importante que novas pesquisas sejam de-senvolvidas na perspectiva de buscar coletivamentea construção de novos paradigmas para a forma-ção do professor de música no país. Por outro lado,torna-se fundamental uma discussão na área vi-sando analisar a identidade das licenciaturas naárea de música – a começar pelo próprio nome docurso. Além disso, consideramos fundamental umaatuação política da área junto aos órgãos formu-ladores de políticas públicas, no sentido de(re)inserir a música nas escolas públicas, assimcomo garantir junto aos órgãos públicos a presen-ça dos profissionais especializados na área.

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Os relatórios de estágio dosalunos de música como

instrumento de análise dosprocessos de planejamento

Teresa MateiroDepartamento de Música – UDESC

[email protected]

Marcelo TéoDepartamento de Música – UDESC

Programa de Pós-Graduação em História – [email protected]

Resumo. Este estudo tem como objetivo investigar o desenvolvimento dos processos de planejamentodurante o estágio supervisionado. Foram analisados os relatórios de estágio de três estudantes docurso de Educação Artística, Habilitação em Música, da Universidade do Estado de Santa Catarina,elaborados durante a prática docente realizada no ano de 2000 em uma escola da rede pública deensino de Florianópolis. Os resultados revelam a diversidade de concepções e ações pedagógico-musicais, apontando para a necessidade de outros estudos que visem a reestruturação da práticapedagógica na formação de professores de música, além da reforma do pensamento sobre o ensinoe a aprendizagem de música no contexto escolar. Por outro lado, refletem a importância e a necessidadede fomentar a formação pedagógica dos futuros professores de música, bem como o desenvolvimentode trabalhos cooperativos e mais estreitos, principalmente, entre a tríade formada pelo professororientador, professor cooperante e estagiário.

Palavras-chave: educação musical, planejamento, relatórios de estágio

Abstract. This study aimed to investigate the planning class processes during the supervisedapprenticeship. The reports of three students from the Artistic Education Course, Qualification in Music,of the University of Santa Catarina State, elaborated during the educational practice accomplished in2000 in a public school of Florianópolis, were analysed. The results reveal that the conceptions andactions of music education are largely diverse, pointing to the need to strengthen the pedagogical practiceduring music teachers’ initial education, besides rethink about music teaching and learning in the schoolcontext. On the other hand, the results reflect the importance and the need of fomenting the futuremusic teachers’ pedagogical education, as well as the development of co-operative work, mainly amongthe triad formed by the guiding teacher, the co-operating teacher and the trainee.

Keywords: musical education, planning, apprenticeship reports

Introdução

Os estudos sobre o planejamento didáticosurgiram na década de 70 com as pesquisas naárea sobre o pensamento dos professores. Essalinha de investigação traz consigo a concepção

MATEIRO, Teresa; TÉO, Marcelo. Os relatórios de estágio dos alunos de música como instrumento de análise dos processos deplanejamento. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 9, 89-95, set. 2003.

de um profissional que busca, elabora, comprovae compreende as situações e contextos específi-cos do processo de ensino e aprendizagem (Clark;Yinger, 1979). Dessa forma, os princípios metodo-

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lógicos diferenciam-se daqueles anteriormentebaseados nos pressupostos positivistas, onde oprofessor era visto como um técnico e, conseqüen-temente, o ensino fundamentado em uma práticalinear e simplista.

Na investigação educacional podem encon-trar-se outros trabalhos igualmente valiosos sobrecomo os professores planejam suas aulas (ver, porexemplo, Marcelo García, 1987; McCutcheon, 1980;Tillema, 1984; Zabalza, 1991; Zahorik, 1975). Naopinião de Marcelo García (1987) as pesquisasmais freqüentes sobre o planejamento de ensinotêm sido realizadas na área de matemática e nasprimeiras séries do ensino fundamental. Ao revi-sar a literatura constatamos que a área de educa-ção musical, especificamente, tem sido pouco con-templada.

Destacamos o trabalho de Richards e Killen(1996) sobre os aspectos que influenciaram asdecisões tomadas pelos estudantes de músicaquando planejaram as suas aulas durante o perío-do de estágio. Realizado no primerio semestre de1994, na Universidade Australiana de Newcastle,o estudo revelou que o planejamento formal foi in-fluenciado pela formação acadêmica, enquanto oplanejamento não formal demonstrou a influênciados princípios educativos dos futuros professoresde música.

Os processos de planejamento têm sido ofoco de análise dos relatórios de estágio dos alu-nos do curso de Educação Artística, Habilitação emMúsica, da Universidade do Estado de SantaCatarina. Dois trabalhos1 , resultantes desses es-tudos, já foram apresentados a partir de dois eixostemáticos: primeiro, os processos de planejamen-to durante o estágio supervisionado, levando emconta os fatores externos que o orientam, influen-ciam ou, ainda, o determinam, além de detectar aspossibilidades e funções do mesmo diante da rea-lidade e perspectivas dos estudantes, futuros pro-fessores de música; segundo, o desenvolvimentodos processos de planejamento durante o estágiosupervisionado, enfatizando as escolhas dos estu-dantes referentes aos conteúdos e metodologias,conhecendo e compreendendo, assim, as visõesacerca da aula de música na escola.

Percebemos, então, a necessidade e a im-portância de unirmos tais estudos neste artigo parauma tentativa de compreender as “representaçõesantecipadoras de uma ação” (Barbier, 1996) en-

quanto produto de escolhas dos estudantes demúsica em formação – tanto como seres autôno-mos quanto como seres sociais, dotados de idéiascomuns ao seu tempo e ao seu grupo – e, ao mes-mo tempo, enquanto resultado de fatores externosà sua vontade.

Metodologia da pesquisa

Foram analisados os relatórios de estágiosupervisionado de três estudantes do curso deEducação Artística, Habilitação em Música, daUniversidade do Estado de Santa Catarina, elabo-rados durante a prática pedagógica realizada noano de 2000 em uma escola da rede pública deensino da cidade de Florianópolis. O critério deescollha desses relatórios está diretamente relaci-onado à pesquisa de campo realizada no mesmoano com as mesmas alunas, quando foramcoletados dados através de entrevistas e observa-ções (Mateiro, 2003)2 .

A sistematização da análise dos dados qua-litativos, ou seja, dos textos dos relatórios, se efe-tuou com a utilização do programa informáticoAQUAD, que permitiu a categorização, a recupe-ração de unidades, a formulação e a comprovaçãode relações entre os códigos. Ao analisarmos ostextos pretendemos manipular e transformar osdados extraídos dos relatórios em um todo signifi-cativo, mantendo a natureza textual, característicada pesquisa qualitativa (Maroy, 1997).

Partindo do pressuposto de que o foco des-se estudo está na categoria “planejamento” refe-rente às práticas pedagógicas dos estudantes demúsica durante o período de estágio, seleciona-mos para esta discussão apenas os segmentos detextos codificados nessa grande categoria, uma vezque outras categorias e subcategorias surgiram,delimitando outros temas de igual relevância. Osdados encontrados foram complementados comoutras informações descritas e analisadas nos es-tudos de caso (Mateiro, 2003) a respeito das cren-ças, conhecimentos, habilidades e decisões acer-ca do planejamento das estudantes.

Dos relatórios de estágio foram extraídos, deum lado, os trechos referentes à escolha e sua jus-tificativa dos conteúdos, objetivos, atividades e re-cursos de ensino e, de outro, os fatores pessoais eas condições externas que influenciaram as toma-das de decisão durante o processo de planejamen-to. A partir dos “fragmentos” acima selecionados,

1 Ver Mateiro e Teo (2003a, 2003b).2 Pesquisa desenvolvida para a tese de doutorado.

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procuramos unir nossos olhares – de professora ede aluno – na busca de um entendimento daquiloque representa e define também o estágio curricularem música.

Analisando a representação de práticaspedagógico-musicais das estudantes demúsica durante o estágio supervisionado

A partir dos textos dos relatórios de estágiobuscamos, de um lado, sinais correspondentes àformação das estudantes, à sistematização na horade planejar, aos seus sucessos e fracassos narra-dos após cada aula e, de outro lado, analisamos ariqueza dos documentos escritos enquanto regis-tro em si, como uma forma de diário que, durante aprática pedagógica — período em que o relatório éelaborado e escrito — funciona como um recursode expressão e exposição de idéias e sentimen-tos, concepções e angústias, enfim, uma narrativaviva de um processo cuja importância para a for-mação do professor é essencial. Procuramos, atra-vés da sistematização dos conteúdos, estratégiasde ensino, atividades, objetivos e suas diferentesvivências práticas, desvendar algumas das concep-ções que formam as visões de ensino de músicadessas estudantes.

Ao elaborar seu projeto de estágio, Sara3 ,ciente que estaria à frente de uma turma de segun-da série do ensino fundamental, elegeu como meta“propiciar a vivência de um processo de ensino-aprendizagem artístico musical e uma maior com-preensão de seus códigos”. O aprendizado musi-cal aconteceria tanto através da apreciaçãoproblematizada, visando a identificação e distinçãodos elementos da música, o desenvolvimento doouvido interno, o reconhecimento das diferentessonoridades instrumentais e melódicas, quanto daexecução prática através do canto e do ensino daflauta doce, além de execuções rítmicassimplificadas.

Beatriz, por sua vez, enfatizou em seu pla-nejamento o contexto social dos alunos, a ativi-dade de audição e reflexão acerca da lingua-gem musical. Assim como Sara, ela faria o está-gio com alunos de segunda série do ensino fun-damental. Em seu texto, no item objetivo geral,a estudante escreve: “Propiciar um contato comos elementos da música e do som considerandoo contexto social dos alunos, tornando-os ou-vintes e participantes da linguagem musical demaneira mais crítica.”

O planejamento de Cecília foi pensado paraalunos de quinta série do ensino fundamental. Elatentou desenvolver atividades relacionadas àcodificação da linguagem musical, buscando aconstrução de uma base musical através de umensino sistemático da flauta doce, incluindo leitu-ra, desenvolvimento da técnica instrumental eexercícios de criação. Podemos identificar suasintenções já na formulação do seu objetivo princi-pal, anterior à prática do estágio: “Desenvolver acapacidade de compreensão do discurso musicalatravés de vivências da execução, apreciação ecriação musical.”

Antes de iniciar a prática pedagógica as estu-dantes tomaram decisões com base nas observa-ções realizadas anteriormente no contexto escolar eorientadas por seus processos mentais e intelectu-ais (crenças, juízos, conhecimentos). A elaboraçãode um projeto ou dos planos de aula, como afirmaBarbier (1996, p. 37) “são processos que se repor-tam, sem dúvida, a realidades não mentais e às suastransformações, mas o real representado é um realconstruído pela actividade mental: a representaçãoé, em relação às realidades às quais se reporta, umaentidade psicológica nova, dotada de existência pró-pria e independente”.

Este trabalho ressalta o discurso das estu-dantes sobre suas ações antecipadas, sem deixarde valorar as reflexões construídas sobre açõesconcretas, conforme os relatos posteriores às au-las dadas. Dessa forma, não analisamos as práti-cas em sala de aula, mas sim o planejamento deações. E, como adverte Barbier (1996, p. 37): “se aactividade de planificação se liga no seu conteúdoà transformação do real à qual se reporta, não im-plica automaticamente que ela aconteça”.

Percorrendo a parte metodológica do rela-tório de Sara, percebemos a tendência na escolhade atividades de apreciação e aulas expositivas. Odesenvolvimento de atividades relacionadas à prá-tica de execução musical acabou ficando de lado,ainda que elas estivessem presentes no planeja-mento, descritas de forma breve e genérica. Naprática, freqüentemente tais atividades foramrelegadas ao descaso, ficando em último plano oumesmo não executadas por “falta de tempo”. En-tretanto, somente a atividade de cantar em grupofoi mantida e cumprida nos minutos finais da aula,por ser uma rotina das aulas de música da escolae por solicitação dos professores cooperantes àsestagiárias.

3 Os nomes das estudantes desse estudo são pseudônimos.

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Nos deparamos, aparentemente, com odesencontro entre a teoria e a prática em sala deaula ou, então, com o fruto dele: discursos, aulasexpositivas, apreciações e brincadeiras4 substitu-em a prática do fazer musical, pois a competênciaprofissional exige do professor a necessária “trans-posição didática” (Perrenoud, 2000) que não se li-mite ao domínio dos conteúdos, mas se dê tam-bém na maneira de apresentar didaticamente taisconteúdos.

Ao delimitar o objetivo para as aulas de mú-sica percebemos que Sara está afinada com a teo-ria recebida na universidade. Entretanto, o conflitoteórico-prático se faz presente. Por um lado, a des-crição problematizada de atividades vinculadas auma formação musical mais ampla, coesa com oapreendido na universidade, foi desenvolvida comcompetência pela estudante. Porém, por outro, aação pedagógica no contexto da sala de aula mos-trou-se mais complicada, como podemos detectaratravés de suas palavras:

[…] devemos ter claro que nem sempre conseguiremosatingir a todos os nossos alunos o tempo todo, mas temosque tentar chegar em cada um da melhor maneirapossível. Por outro lado, muitas vezes, nos deparamosaté mesmo com contradições, pois, em nossas teoriastemos uma realidade perfeita, o que não ocorre,efetivamente, na prática.

Durante a prática pedagógica de Beatriz, oselementos da música são o centro das aulas. Seuconhecimento se dá através de apreciações, ativi-dades lúdicas e conceitos escritos. Com exceçãodo ritmo, que é trabalhado de forma mais aprofun-dada, em geral, o conhecimento dos elementosmusicais acontece por meio de apreciações e brin-cadeiras, o que não exclui a vivência, porém limi-ta-a, tendo em vista que o “produzir sons” é, invari-avelmente, mais rico.

A leitura e a teoria musical também são pra-ticamente excluídas do trabalho. Isso acaba porresultar em um conhecimento que se utiliza do sen-so comum dos alunos sem, com isso, usá-lo comotrampolim para uma nova etapa de conhecimento.Além disso, não busca muni-los de uma linguagemmusical apropriada para a comunicação por via dossons. Observamos, novamente, o desencontro en-tre a teoria e a prática, causador de insegurançasque acabam, muitas vezes, por resumir o potencialdos estudantes, futuros professores de música, àprática dos discursos.

Cecília demonstra clareza no que diz res-peito à importância da prática musical associadaao aprendizado dos conteúdos. Suas aulas mos-tram-se organizadas, demonstrando uma seqüên-cia lógica que acaba por despertar o interesse dosalunos que, em geral, tendem a participar das au-las. Instiga a pesquisa extraclasse, assim como aevolução no processo de aprendizado instrumen-tal. O repertório, a prática (canto e flauta) e a teo-ria desenvolvem-se em conjunto, possibilitando aosalunos uma compreensão mais ampla do processode educação musical.

Além do fator “idade dos alunos”, existemoutras diferenças que marcam o estágio de Cecíliaem relação às outras duas estagiárias. Esta pare-ce buscar, de forma mais objetiva, a visualizaçãode resultados concretos nos alunos: a aprendiza-gem técnica da prática instrumental, o refinamentoda sensibilidade musical através da vivência críti-ca, além do conhecimento dos códigos necessári-os para a mínima comunicação musical entre ospróprios alunos e também com o professor.

No caso do repertório, podemos detectarsemelhanças nas escolhas de Sara e Beatriz, prin-cipalmente quando falamos do universo folclóricoe erudito. Beatriz vai um pouco além, trabalhandocom músicas populares atuais. Ao que parece, suasescolhas se dão, em grande parte, como frutos desua formação acadêmica, onde, através de leitu-ras e práticas de repertório durante o aprendizadode instrumentos (violão, flauta, piano), moldam-sealgumas idéias cuja aplicação para alunos de pou-ca idade mostra-se, senão mais complicada, dife-rente. Por outro lado, a diferenciação entre as es-colhas de Sara e Beatriz é fruto de vivências e apro-priações individuais.

É interessante notarmos que a escolha dorepertório de Cecília não difere muito das escolhasde Sara e Beatriz, ficando principalmente no âmbi-to da música folclórica, com raras incursões à po-pular brasileira. Porém, os alunos demonstram maisinteresse e participação nas aulas e nas ativida-des extraclasse. Essa diferença parece apontarmais uma vez para a necessidade de um contatopor parte dos alunos com atividades baseadas nofazer música, para que se sintam também produto-res sonoros durante o decorrer das aulas.

Cabe aqui indagar os professores de músi-ca, em geral, a repeito do repertório: qual o ponto

4 Não pretendemos, com isso, negar o valor de tais atividades, mas sim tentar encontrar um caminho que nos leve à compreensão dodistanciamento da execução musical em si como parte do ensino escolarizado na prática das estagiárias em questão.

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de partida para selecionar o repertório a ser pro-posto nas aulas de música? Espera-se que o edu-cador musical tenha conhecimento sobre todos ostipos de música? Quais as abordagens de ensinomais adequadas aos múltiplos repertórios?

O (des)encontro entre o estagiário e osprofessores orientador e cooperante

Levando-se em conta que o processo deestágio envolve uma série de sujeitos com diferen-tes funções, cabe-nos, neste momento, analisarcomo ocorre o (des)encontro entre a tríade e asinfluências possíveis nos processos de planejamen-to. Tendo em vista a presença do fator “inexpe-riência” em cada uma das futuras professoras, aorientação torna-se providencial. Detectamos, du-rante a pesquisa, diferentes resultados referentesà orientação e ao auxílio dos estagiários, uma vezque cada estudante e cada professor carregam di-ferentes concepções do que vem a ser o papel dosorientadores5 .

Constatamos, no decorrer do trabalho, quecada uma das estudantes percebeu de forma dife-rente a orientação recebida. A alternância de jul-gamentos acerca da participação dos professorescooperantes no decorrer das aulas demonstra adificuldade no entendimento dos limites existentesentre esses professores e o estagiário. Nas pala-vras de Cecília podemos entender o quão reais sãotais dilemas:

Depois da aula conversamos com os professores. Euestava cansada e um pouco decepcionada porque oplanejamento que eu tinha feito e tendo certeza que dariacerto, pela falta de tempo, indisciplina da turma e falta declareza nas minhas explicações não deu tão certo comoeu esperava. Mas os professores foram muito compre-ensivos nos apoiando e explicando como são essassituações.

[…] eu fazia um comentário sobre o instrumento e depoiscolocava o nome no quadro. Na metade da atividade, oprofessor interferiu dizendo que eles estavam fazendomuita bagunça e que a ultima família (sopros) que faltavaser comentada, ficaria para a próxima aula (mas ele nãoperguntou se eu concordava com esta decisão). Sendoassim, quando ele acabou de falar eu disse que nosprecisávamos acabar aquele exercício hoje e que eu iriabotar os últimos instrumentos no quadro.

A estudante encontra nas figuras dos pro-fessores cooperantes um ponto de apoio, porém,ao mesmo tempo, sugere a necessidade de umamaior liberdade na atuação para que se origine umaprendizado calcado em uma experiência mais pró-xima da situação real da sala de aula, ou seja, o

professor e o aluno, a sós. Por outro lado, tambémBeatriz expressa não ter total liberdade no plane-jamento de suas aulas, uma vez que o professorda escola, muitas vezes, sugere e solicita a inclu-são de atividades e conteúdos. Em seu relatório aestudante escreve: “Esse assunto não estava noplanejamento, mas por solicitação dos professo-res da escola, fiz essa explicação, pois o assuntoseria conteúdo da prova apesar de eu ainda nãotê-lo passado na turma”.

O estágio supervisionado não é, de fato, umprocesso neutro, livre de influências externas. Aidentificação de problemas decorrentes de umaorientação insuficiente ou mal interpretada e a bus-ca de explicações para tais com o intuito de criarsugestões úteis ao processo de orientação e aopróprio estágio, são formas de restringir ao míni-mo possível os atritos pertinentes a esse contexto,ampliando a capacidade de previsão durante o pla-nejamento.

O estagiário deve estar preparado – e pre-parar-se – para o contato com a prática, não só nosentido teórico-pedagógico, mas também para asespecificidades cotidianas, sejam burocráticas ouno âmbito das relações profissionais, para quepossa exercer o uso de seus direitos e deveres,construindo sua auto-estima enquanto sujeito noprocesso de construção do conhecimento. As pa-lavras de Sara nos remetem a diversas reflexões:

Quanto pensamos no estágio, de certo modo lidamoscom uma certa impotência, pois entramos em contatocom uma dimensão do processo de ensino em que osconteúdos já estavam previstos anteriormente e tinha-seque cumpri-los. Este fato contribuiu pois deu-nossegurança e delimitou-nos um caminho a seguir. Por outrolado, o fato de não podermos ter o nosso próprio ritmode ensino impediu-nos de explorar com mais profundidadecertos conteúdos e descobrir novos caminhos de ensinarmusica.

O despreparo para o estágio torna-se aindamais agudo com o desconhecimento dos papéisde cada sujeito presente nessa etapa da gradua-ção. Justamente por não estar alerta para os limi-tes e necessidades durante a orientação e a su-pervisão do estágio, o estudante acaba por aceitaruma realidade que não é a ideal, e que poderia sermudada através de discussões acerca de proble-mas então encarados como normais ou aceitáveis,ocasionando desapontamentos e decepções coma profissão de educador musical. A experiência daliberdade e o planejar criativo devem ser deseja-dos durante o estágio, mesmo que no âmbito ide-

5 Nos referimos tanto ao professor orientador ligado à universidade quanto ao professor cooperante, conhecedor da estrutura dainstituição e reconhecido pelos alunos.

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alizado da ambição. Para que tal experiência/desejo se faça presente, torna-se necessário oestudo dos fatores influentes impostos ao esta-giário na hora de planejar, gerando uma etapa“pré-visiva” do planejamento, aproximando-o darealidade escolar.

Cada uma das três estagiárias apresenta-se, assim, através dos relatórios, como sujeitos dis-tintos no que diz respeito às suas concepções epráticas pedagógicas, dando a ver uma diversida-de de possibilidades na prática docente, além deuma exposição aberta acerca das dificuldades efragilidades características da prática inexperienteda docência, durante o estágio supervisionado. Odesenvolvimento de novas propostas para a for-mação inicial de professores de música precisa serdebatido, e o presente trabalho tem como impulsojustamente contribuir – tanto como exposição dedados da pesquisa empírica quanto como análisede experiências – para tais discussões.

Considerações finais: perspectivas para oprocesso de preparação e planejamento doestágio supervisionado em educação musical

Procuramos, na elaboração do presente es-tudo, identificar alguns dos processos internos fun-damentais, relativos ao estágio curricular dos alu-nos do curso de Educação Artística, Habilitação emMúsica, com o intuito de expor as principais dificul-dades e problemas encontrados e hoje inerentes aesse processo, buscando esclarecer algumas desuas principais necessidades para que sejam me-lhor discutidos na trajetória de preparação do es-tagiário.

A produção dos relatórios de estágio, nessecontexto, apresenta-se como fator relevante. Alémde ter a função de documento profissional e pes-soal do estagiário – tanto como forma de organiza-ção dos conteúdos e sistematização dos planosquanto como uma espécie de diário, onde idéiassão expressas, pontos de vista defendidos, auto-críticas salientadas – possibilitam, também, umolhar externo acerca do estágio a partir de um ân-gulo extremamente rico, onde a fusão das angústi-as e satisfações, desencontros e acertos, resultaem um documento cuja riqueza e importância sãoinesgotáveis para estudos que cercam o tema doestágio supervisionado.

Os exemplos trazidos revelam a diversida-de de concepções e ações pedagógico-musicais.Se, por um lado, valorizamos a diversidade, poroutro, a dispersão traz consigo algumas conseqü-ências como, por exemplo, deixar de assumir uma

atitude consciente acerca da educação musicalescolar. Retomamos as aulas e questionamos: porque as estagiárias escolheram tais objetivos? Quaisas razões que as levaram a selecionar determina-do repertório e conteúdo? Quais as dificuldadesque podem ser antecipadas durante o planejamen-to? Tentamos, no decorrer deste trabalho, demons-trar que tais questões podem ser respondidas, pelomenos parcialmente, e que precisam ser formula-das e compreendidas pelos estagiários muito an-teriormente, na universidade.

Tais estudos vêm a ser uma das formas pe-las quais pode-se propor uma reestruturação daprática de ensino, tendo em vista as dificuldadesapresentadas durante esse processo, bem como areforma curricular dos cursos de formação de pro-fessores de música. A informação e problema-tização das práticas docentes de estagiários pormeio dos relatórios tendem a funcionar como umaespécie de roteiro para futuros professores. Atra-vés da busca de uma melhor e mais eficiente flu-ência nas aulas estaremos contribuindo tambémpara a reflexão sobre o planejamento das aulas demúsica e para a integração da música aos currícu-los escolares brasileiros.

Encontramos durante a análise uma série devestígios úteis à compreensão das ações dessasestudantes, por via de suas visões sobre o plane-jamento expostas, explícita ou implicitamente, nosfragmentos de texto extraídos dos relatórios deestágio e aqui apresentados. Ficaram visíveis aimportância e a reflexão que o planejamento pro-porciona ao estagiário durante o processo da prá-tica realizada através do estágio. Se, de um lado,o ato de planejar favorece a sistematização e aprevisão metódica das possíveis ações, de outro,quando concebido de forma dura, sem discussõesprévias que o flexibilizem enquanto conceito e, tam-bém, enquanto prática, torna-se um guia rígido einacabado.

Os professores orientadores, durante o está-gio, exercem um papel importante e, em algumassituações, determinante, pois o fato de serem “re-presentantes da universidade”, instituição máxima dosaber, pesa na hora das decisões. Tendo em vistaque as dúvidas são constantes na prática docente,quando a inexperiência ainda vigora, a participaçãodesses personagens faz-se primordial, pois a faltade discussão – anterior à prática – dos planos deaula pode ocasionar o confronto com o erro no inte-rior da classe, face a face com os alunos, e o estágiopode tornar-se, antes de um campo de experiênci-as, uma seqüência de traumas.

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A participação dos professores cooperantes,nas aulas, podem gerar alguns conflitos à práticapedagógica durante o estágio supervisionado. Ofi-cialmente, que funções poderíamos delegar a es-ses personagens? Existem limites para a sua in-tervenção nas aulas dos estagiários? Comoidentificá-los? Da mesma forma que a inexperiênciados estagiários pode criar alguns problemas, aausência de bom senso, de conhecimento intelec-tual, por parte dos professores cooperantes, tam-bém faz parte dos elementos que, desviados desua função original dentro do processo de estágiocurricular – transformar tal experiência em umabase sólida e positiva para o futuro diplomado –podem ocasionar uma série de desentendimentose conflitos que podem resultar em construções sim-bólicas negativas acerca da prática pedagógicapelo estagiário, além da criação de um abismo ima-ginário entre a teoria universitária e a prática esco-lar, ou ainda, a descrença na própria profissão, odesmerecimento do profissional e da formação doestudante.

O estagiário precisa conhecer seu espaço esuas limitações anteriormente à prática, para queesta se torne o retrato de um êxito acadêmico gra-tificante. Nossa pesquisa vem nos mostrando pro-gressivamente que isso é possível, levando-se emconta a flagrância dos desencontros e dificuldadesenfrentadas pelos vários sujeitos inseridos nesseprocesso. Esse processo de detecção de entida-des e ações, e suas possíveis relações e resulta-

Referências

BARBIER, J-M. Elaboração de projetos de acção e planificação. Porto: Porto Editora, 1996.CLARK, C.; YINGER, R. Three studies of teacher planning. East Lasing: Institute for Research on Teaching, Michigan State University,1979. (Research Series, n. 55).MARCELO GARCÍA, C. El pensamiento del profesor. Barcelona: CEAC, 1987.MAROY, Christian. A análise qualitativa de entrevistas. In: ALBARELLO, L. et al. Práticas e métodos de investigação em ciênciassociais, Lisboa: Gradativa, 1997. p. 117-155.MATEIRO, T. Las prácticas de enseñanza en la formación inicial del profesorado de música en Brasil: tres estudios de caso. Tese(Doutorado)–Universidad del País Vasco, 2003.MATEIRO, T.; TEO, M.: “Sem planejar não tem como dar aula”: os estagiários falam e escrevem sobre as suas aulas de música naescola. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA (ANPPOM), 14., 2003, Porto Alegre.Anais… Porto Alegre: UFRGS, 2003a.MATEIRO, T.; TEO, M.: Narrando, escolhendo e ensinando: o planejamento a partir dos relatórios de estágio curricular em educaçãomusical. In: ENCONTRO ANUAL DA ABEM, 12., Florianópolis, 2003. Anais… Porto Alegre: UFRGS, 2003b. No pelo.McCUTCHEON, G. How do elementary scholl teacher plan? The nature of planning and influences on it. The Elementary School Journal,n. 81, p. 4-23, 1980.PERRENOUD, P. Novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.RICHARDS, C.; KILLEN, R. Preservice music teachers: influences on lesson planning. Bristish Journal of Music Education, Cambridge,v. 13, n. 1, p. 31-47, 1996.TILLEMA, H. Categories in teacher planning. In: HALKES, R.; OLSON, J. K. (Ed.). Teachers thinking: a new perspective on persistingproblems in education. Lisse: Swets and Zeitlinger, 1984. p. 176-185.ZABALZA, M. A. Diários de aula. Porto: Porto Editora. 1991.ZAHORIK, J. A. Teachers’ planning models. Educational Leadership, v. 33, p. 134-139, 1975.

dos, está acompanhado de um suporte teórico quevem nos auxiliando na construção de diferentesanálises que percorrem o processo de estágio des-sas estudantes.

Levantamos também a necessidade de umcurrículo mais voltado para a prática pedagógica.Talvez a possibilidade de práticas plurais, espa-lhadas durante a graduação, com acompanhamentoinicial, crescente complexidade de tarefas e ativi-dades, sendo algumas delas estabelecidas em con-junto com o professor, na universidade: tudo com ointuito de alcançar a naturalidade no processo deensino, o conhecimento das funções e necessida-des do contexto habitado pelo professor de músi-ca e, enfim, o crescimento e a consecutiva valori-zação do profissional em educação musical.

O intuito final é unir esses processos à prá-tica pedagógica, não só durante o período de es-tágio, mas também na universidade e nas institui-ções de ensino onde ele é praticado, para que pos-samos contribuir com o sucesso dos futuros esta-giários em educação musical durante esta compli-cada, porém insubstituível, etapa da sua formaçãoacadêmica. Contribuiremos, dessa forma, para aqualificação do ensino da música e para aconscientização da sua necessidade enquantocomponente do currículo escolar, levando-se emconta que há quase 30 anos a música desabita amaior parte dos currículos escolares no Brasil.

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Márcia Visconti e Maria Zei Biagioni, bacha-réis em piano, sendo a primeira graduada em co-municação social e especializada em educaçãomusical, e a segunda, bacharel em canto orfeônicoe educação artística e licenciada em música, coma colaboração de Neide Rodrigues Gomes, são asautoras desse Guia.

O livro está organizado num volume de 127páginas, partindo da seguinte organização: Prefá-cio, A Música na Escola, 1ª série, 2ª série, 3ª série,4ª série, 5ª série, 6ª série, 7ª série, 8ª série, Traba-lho de Apoio, Dança, Timbre, Os 5 Sentidos, Intro-dução à Música do Século XXI, Noções TeóricasBásicas para o Professor, Partitura, Partituras-Ín-dice e Bibliografia.

O objetivo principal das autoras é que, atra-vés do uso das propostas de educação musicalapresentadas no Guia, o professor possa “desen-volver o raciocínio, a sensibilidade rítmica e auditi-va do aluno, tornando-o mais receptivo às outrasáreas do saber e mais sociável na interação comoser humano” (orelha da capa). Esse objetivo pare-ce não ter a música como foco principal de conhe-cimento, mas, sim, as conseqüências ou efeitos queela pode gerar nas pessoas.

Para as autoras, o Guia dirige-se a profes-sores do ensino fundamental. No entanto, não es-pecificam que tipo de formação esse professor de-verá possuir. Por outro lado, na carta que acompa-nha o livro, afirma-se que não é necessária a for-

ResenhaGuia para educação e prática

musical em escolasVISCONTI, Márcia e BIAGIONI, Maria Zei. Colaboração: GOMES, Neide Rodrigues.

Guia para educação e prática musical em escolas. 1. ed.Realização: ABEMÚSICA – Associação Brasileira da Música, 2002.

Lélia Negrini DinizFundação Municipal de Artes de Montenegro /

Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre /Programa de Pós-Graduação em Música - UFRGS

[email protected]

Karla Dias de OliveiraEstação Musical / Piá Piano (Porto Alegre)

[email protected]

Júlia Maria HummesFundação Municipal de Artes de Montenegro-UERGS /

Programa de Pós-Graduação em Música - [email protected]

José Ruy Henderson Filho1

Departamento de Artes – UEPA /Programa de Pós-Graduação em Música - UFRGS

[email protected]

1 Os autores são integrantes do Grupo de Pesquisa Formação Inicial e Continuada de Professores em Educação Musical (FICOPEM),ligado ao Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Musical (NEPEM) do Programa de Pós-Graduação em Música da UFRGS, eregistrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, sob coordenação das Profas. Dra. Liane Hentschke e Dra. Luciana Del Ben.

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mação musical do docente. Cabe ressaltar que,para manusear o trabalho realizado pelas autoras,é preciso dominar a linguagem musical, pois umprofessor sem formação na área de música nãocompreenderá a simbologia musical bem como aspartituras ali presentes. Esse profissional poderátambém correr o risco de não saber selecionar oque é apropriado ou não para uma determinadaturma de alunos. Seria lamentável usar o livro comouma simples “receita de bolo”. A apresentaçãográfica, a ordenação dos títulos e o modo como olivro está organizado poderão induzir o professora usá-lo de maneira equivocada. Também cabeapontar que um professor com formação musicaldispensaria as informações trazidas no capítulo“Noções Teóricas Básicas para o Professor”, poisestas se apresentam de forma superficial. Tais in-formações também não seriam suficientes para umprofessor leigo conhecer a linguagem musical.

Quanto às práticas sugeridas, o Guia apre-senta, sistematicamente, o planejamento de ativi-dades para cada uma das séries, da 1ª até a 8ª.Nos capítulos destinados a cada série, o livro pro-cura abordar vários aspectos da música, tais como:pulso, ritmos, andamentos, mudança de compas-so, desenhos melódicos, leitura rítmica e melódi-ca, incluindo a leitura convencional das notas napauta, escalas e intervalos. Também são vários ostemas apresentados na proposta de trabalhosugerida no Guia. Estão presentes a música brasi-leira – representada pelo samba, batuque, cateretê,lundu, cana-verde, entre outros – e alguns temasclássicos, como uma sinfonia de Haydn e um temade Béla Bartók. Mesclados a eles, encontram-setemas tradicionais do folclore, como parlendas,cantigas de roda e brincadeiras cantadas.

As sugestões de atividades também envol-vem o trabalho corporal, a confecção de instrumen-tos musicais, a pesquisa bibliográfica e a aprecia-ção musical, orientando os professor em direção auma prática mais ampla de educação musical. Noentanto, a seleção do repertório é atribuída exclu-

sivamente ao professor, afastando a possibilidadede se trabalhar o material trazido pelos alunos deseu cotidiano. Outro fato que merece ser salienta-do na análise desse material é a ausência de ativi-dades de composição ou criação musical.

As autoras afirmam ainda que “a música naescola não pode ser simplesmente ornamental paraanimar as festas” (p. 11). Entretanto, enfatizam umcalendário de atividades a serem desenvolvidasmensal e bimestralmente em função de datas co-memorativas. Entre as páginas 13 e 15, são listadasalgumas formas de incluir na prática de sala de aulatemas como Carnaval, Descobrimento do Brasil, Diado Índio, Dia de Tiradentes, Festas Juninas, Fol-clore, Independência do Brasil, Mês da Criança, oque parece contradizer a afirmação anterior dasautoras. Vale ressaltar, no entanto, que isso de-penderá do uso que o professor fizer do Guia.

Quanto à bibliografia citada, as autoras tra-zem nomes conehcidos da área de educação mu-sical: Violeta Hemsy de Gainza, Ermelinda Paz,Murray Schafer, José Miguel Wisnik, entre outros.Também referem-se a autores de áreas transver-sais à música, como Lannoy Dorin, João DuarteJúnior, Ruth Harf e Patrícia Stokoe e Jean Piaget.Apesar disso, não explicitam quais são os funda-mentos do trabalho proposto, qual é concepção deeducação musical subjacente ao mesmo. Assim, otrabalho mais se parece com uma colagem de pro-postas metodológicas selecionadas das obras dosautores citados.

Concluindo, ressaltamos a importância deobras como a aqui analisada, que buscam fo-mentar o ensino de música nas escolas. Poroutro lado, alertamos para a necessidade deesses trabalhos apresentarem coerência e fun-damentação teórica explícita que os justifique.Essa talvez possa ser uma maneira de fomentara reflexão do professor sobre a proposta, auxili-ando-o a exercitar sua autonomia e fazer usoconsciente do material disponível.

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O livro “A importância da música para as cri-anças” tem o objetivo de demonstrar “a importân-cia da música para o ensino de áreas distintas doconhecimento humano” (Costa, 2002, p.3). Partin-do-se de uma análise global de seu conteúdo, po-der-se-ia, primeiramente, advertir que, emboraapresente o tema ao qual se propõe, o livro, mui-tas vezes, torna-se repetitivo, assemelhando-semais a uma coletânea de materiais do que a umtexto que discute um tema específico.

Apesar de dispor de um conteúdo fragmentado,pode-se aí identificar duas partes. A primeira de-las, mais extensa, apresenta um texto denominado“O cérebro de seus filhos”, atribuído a SharonBegley. Esse texto discute, inicialmente, a impor-tância das experiências da infância para o estabe-lecimento de conexões entre neurônios, que

viabilizam as janelas de oportunidade e favorecemo desenvolvimento sensório-motor, cognitivo eemocional de uma criança. O texto salienta ainda,a título de advertência, que aquelas experiênciasque não forem vivenciadas pelas crianças durantea infância terão suas áreas correspondentes deconhecimento menos passíveis de serem aprendi-das posteriormente.

Especificamente com relação à música naformação da criança, o texto enfatiza sua impor-tância não por suas qualidades intrínsecas ou comofonte de desenvolvimento estético, mas como umaárea que favorece o desenvolvimento intelectualdo indivíduo. Algumas das pesquisas citadas porBegley fornecem relatos de que o ensino e a apren-dizagem de música desenvolvem habilidades deraciocínio abstrato e espaciais, aumenta o desem-penho dos estudantes em testes de aptidão esco-

ResenhaA importância da música para

as criançasA importância da música para as crianças. Introdução de Synésio Batista da Costa.

Realização: ABEMÚSICA – Associação Brasileira da Música, 2002.

Cristiane Maria Galdino de AlmeidaDepartamento de Música – UFPE

Programa de Pós-Graduação em Música – [email protected]

Fernanda de Assis OliveiraPrograma de Pós-Graduação em Música – UFRGS

[email protected]

Lucimar Marchi dos [email protected]

Regina Antunes Teixeira dos Santos1

Programa de Pós-Graduação em Música – [email protected]

1 As autoras são integrantes do Grupo de Pesquisa Formação Inicial e Continuada de Professores em Educação Musical (FICOPEM),ligado ao Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Musical (NEPEM) do Programa de Pós-Graduação em Música da UFRGS, eregistrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, sob coordenação das Profas. Dra. Liane Hentschke e Dra. Luciana Del Ben.

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lar e em exames vestibulares, bem como no apren-dizado de matemática. A disposição global desseprimeiro texto não é clara, apresentando os qua-dros explicativos distantes de seu texto correspon-dente.

Em relação à concepção de educação musi-cal, existe uma ênfase na aptidão musical e naaprendizagem pelo treinamento. Além disso, em-bora tenha a intenção de apresentar-se como umtexto de cunho científico, a terminologia emprega-da é, por vezes, pejorativa, como nas expressões“burra” (p. 6) e “idiota” (p. 7). Apesar de não serdito de forma explícita, há uma crença na transfe-rência de aprendizagem da música para outras áre-as de ensino, embora o autor não exponha de queforma essas experiências ocorram. Estudos envol-vendo a transferência de aprendizagem da músicapara outras áreas têm demonstrado que tais trans-ferências são limitadas, ou, ainda mesmo,inexistentes (vide, por exemplo: Tunks, 1992; Cos-ta-Giomi, 1999; Bilhartz et alli, 2000; Demorest;Morrinson, 2000).

A segunda parte do livro é atribuída a LynNellHancock e aborda a falta de sintonia dos currícu-los escolares com as pesquisas sobre o cérebro.

Argumenta-se que, se fossem levados em contaos estudos de como os cérebros de indivíduos de-senvolvem-se e retêm conhecimento, disciplinascomo música e ginástica, por exemplo, deveriamser requisitos diários na atividade escolar. O textoreforça ainda questões relacionadas ao desenvol-vimento do cérebro em relação à linguagem, àmatemática e à lógica, às emoções e ao movimen-to. Hancock retoma a conceituação de janelas daoportunidade, enfatizando que estas ficam abertassomente até, aproximadamente, a idade de 10anos, embora as pessoas continuem a aprenderpor toda vida.

De uma forma geral, o livro não se preocupaem fornecer referências bibliográficas das fontescitadas. Há uma única menção referente ao NAMM(International Music Products Association), embo-ra não haja citação do ano de publicação dos do-cumentos originais. Esse fato leva a suspeitar daatualidade dessas pesquisas e sugere que, de certaforma, mais de uma década de pesquisa em edu-cação musical no Brasil não tenha sido considera-da. Em suma, trata-se de uma publicação que jus-tapõe um conjunto de dados, organizados em umcontexto norte-americano, cuja relevância para umarealidade atual brasileira é bastante questionável.

Referências

BILHARTZ, T. D.; BRUHN, R. A.; OLSON, J. E. The effect of early music training on child cognitive development. Journal of AppliedDevelopmental Psychology v. 20, n. 4, p. 615-36, 2000.COSTA, S. B. A importância da música para as crianças. São Paulo: Abemúsica, 2002.COSTA-GIOMI, E. The effects of three years of piano instruction on children’s cognitive development. Journal of Research in MusicEducation, v. 47, n. 3, p. 198-212, 1999.DEMOREST, S. M.; MORRISON, S. J. Does music make you smarter? Music Educators Journal v. 87, p. 33-58, 2000.TUNKS, T. W. The transfer of music learning. In: COWELL, R. (Ed.). Handbook of research on music teaching and learning. New York:Schirmer Books, 1992. p. 437-447.

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AutoresANA CONSUELO RAMOSEspecialista em Música Brasileira – Práticas Interpretativas pela Escola de Música da Universidade Fede-ral de Minas Gerais (UFMG). Bacharel em Música – Piano pela UFMG. Professora da Escola de Música daUniversidade Estadual de Minas Gerais (UEMG). Coordenadora do Curso de Musicalização da Escola deMúsica da UEMG.

ANETE SUSANA WEICHSELBAUMMestre em Música pela Universidade do Rio de Janeiro (UNI-RIO). Professora da Escola de Música eBelas Artes do Paraná (EMBAP) no Curso de Extensão e no Curso de Licenciatura em Música.

BEATRIZ ILARIDoutora em Educação Musical (Psicologia Cognitiva da Música) pela McGill University em Montreal, Ca-nadá. Professora Adjunta do Departamento de Artes da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Pesqui-sadora colaboradora do Laboratório de Percepção da Palavra (Infant Speech Perception Lab) da Escolade Fonoaudiologia da Universidade McGill em Montréal, Canadá.

CRISTIANE MARIA GALDINO DE ALMEIDAMestranda em Educação Musical no Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal doRio Grande do Sul (UFRGS). Especialista em Artes Cênicas pela Universidade Federal de Pernambuco(UFPE). Professora do Departamento de Música da UFPE.

CRISTINA CAPPARELLI GERLINGDoctor of Musical Arts (piano) pela Universidade de Boston. Pós-doutora pela Universidade de Iowa (1996-1997). Professora Titular do Departamento de Música da UFRGS. Professora e orientadora do Programade Pós-Graduação em Música – Mestrado e Doutorado da UFRGS. Pesquisadora IA do CNPq. Tem atua-do como concertista e solista.

FERNANDA DE ASSIS OLIVEIRAMestranda em Educação Musical no Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal doRio Grande do Sul (UFRGS). Licenciada em Educação Artística – Habilitação em Música pela Universida-de Federal de Uberlândia (UFU).

GISLENE MARINOMestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).Especialista em Educação Musical pela Escola de Música da UFMG. Professora da Escola de Música daUniversidade Estadual de Minas Gerais (UEMG). Coordenadora do Curso de Bacharelado em Música –Instrumentos e Canto da UEMG.

HELENA MÜLLER DE SOUZA NUNESDoutora em Música (UNIDO, Alemanha). Professora Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande doSul (UFRGS). Fundadora do Instituto de Música da EST (São Leopoldo/RS) e sócia-fundadora da Associ-ação Cante e Dance com a Gente (ACDG, Novo Hamburgo/RS)

JOSÉ RUY HENDERSON FILHODoutorando em Educação Musical no Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federaldo Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Ciência da Computação pela Universidade Federal de SantaCatarina (UFSC). Professor Assistente do Departamento de Artes da Universidade Estadual do Pará (UEPA).

JÚLIA MARIA HUMMESMestranda em Educação Musical no Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal doRio Grande do Sul (UFRGS). Licenciada em Educação Artística – Habilitação em Música pela UFRGS.Professora da Fundação Municipal de Artes de Montenegro (FUNDARTE-UERGS).

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KARLA DIAS DE OLIVEIRAEspecialista em Educação Musical pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná (EMBAP). Bacharel emPiano pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora das escolas de músicaEstação Musical e Piá Piano (Porto Alegre).

LÉLIA NEGRINI DINIZMestranda em Educação Musical no Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal doRio Grande do Sul (UFRGS). Licenciada em Educação Artística – Habilitação em Música pela UFRGS.Professora da Fundação Municipal de Artes de Montenegro (FUNDARTE). Professora da rede municipalde ensino de Porto Alegre.

LIANE HENTSCHKEDoutora em Educação Musical pela University of London. Professora Titular do Departamento de Músicada Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).Vice-Coordenadora, Professora e Orientadorado Programa de Pós-Graduação em Música da UFRGS. Pesquisadora do CNPq. Co-editora do MusicEducation International (MEI – ISME).

LUCIMAR MARCHI DOS SANTOSBacharel em piano pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Professora de música de escolasespecíficas de Santa Maria e Porto Alegre. Foi professora substituta da UFSM em 2002.

MARCELO TÉOMestrando do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul(UFRGS). Licenciando em Educação Artística – Habilitação em Música na Universidade do Estado deSanta Catarina (UDESC). Graduado em História – Licenciatura e Bacharelado pela UDESC. Bolsista deIniciação Científica do CNPq.

MAURA PENNADoutora em Lingüística pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professora Adjunto IV doDepartamento de Artes da UFPB e do Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Educação da mesmauniversidade. Coordenadora do Grupo Integrado de Pesquisa em Ensino das Artes, do Departamento deArtes da UFPB.

NAIR PIRESMestre em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).Especialista em Educação Musical pela UFMG. Professora do Departamento de Artes e presidente docolegiado do curso de Licenciatura em Educação Musical da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

REGINA ANTUNES TEIXEIRA DOS SANTOSDoutoranda em Educação Musical no Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federaldo Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Educação Musical pela UFRGS.

SÍLVIA NUNES RAMOSMestre em Educação Musical pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora deMúsica do Departamento II – Pedagogia do Centro Universitário UNIVATES, em Lajeado – RS.

TERESA MATEIRODoutora em Música pela Universidad del País Vasco, Espanha. Professora do Departamento de Música daUniversidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Diretora regional (região sul) da ABEM.