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1 REVOLUÇÃO E CONTRA- REVOLUÇÃO NA PALESTINA Da Partilha Imperialista à Vitória do Hamas Osvaldo Coggiola

Revolução e contrarrevolução na Palestina - Da Partilha Imperialista à Vitória do Hamas (Osvaldo Coggiola)

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    REVOLUO E CONTRA-

    REVOLUO NA PALESTINA

    Da Partilha Imperialista Vitria do Hamas

    Osvaldo Coggiola

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    ndice 1. Antecedentes histricos, 3 2. Surgimento do movimento nacional palestino, 26 3. Resistncia nacional e guerras de ocupao, 41 4. Do Mapa da Estrada ao Muro da Vergonha, 53 5. Os EUA e a guerra contra o Iraque, 67 6. Acordos e Terceira Intifada, 79 7. De Sharon ao Hamas, 88 Cronologia, 106 Bibliografia, 109

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    1. ANTECEDENTES HISTRICOS Desde 1990, ano da primeira Guerra do Golfo, os EUA embarcaram em uma srie de aventuras militares no assim chamado tabuleiro euro-asitico, definido como o corpo geopoltico do planeta, com centro poltico-militar no Oriente Mdio. No quadro da crise galopante da ex URSS (que seria dissolvida em 1991) e do chamado bloco socialista, o poder americano buscava garantir uma srie de objetivos, mais ou menos definidos pelos seus gurus geopolticos que, a exemplo de Samuel Huntington ou Zbigniew Brzezinski, pouco se caracterizam pela profundidade de pensamento: a) Conquistar uma posio hegemnica no processo de restaurao capitalista, na ex URSS, na Europa do Leste e na China (The Economist, de Londres, chegou a afirmar, em 1999, que o alvo final de uma operao no Oriente Mdio seria a China); b) Controlar, ou acentuar seu controle, das rotas estratgicas de fornecimento de recursos energticos (petrleo e gs, principalmente) para todo o planeta - e, em primeiro lugar, para Europa e Japo a partir dos principais pases produtores, situados no Oriente Mdio; c) Impor seu controle sobre a explosiva situao do Oriente Mdio, isolando e condicionando, especialmente, o regime surgido no Ir com a revoluo islmica de finais da dcada de 1970; d) Influenciar e tutelar o processo de expanso da Unio Europia, em direo do Leste europeu e, em especial, da sia Menor (ou seja, da Turquia, pais muulmano de 70 milhes de habitantes); e) Disciplinar o conjunto das potncias capitalistas, em especial suas concorrentes Europa e Japo, atravs da chantagem militar, impondo uma posio militar dominante dos EUA nos pontos estratgicos do globo. A primeira Guerra do Golfo tomou como pretexto a luta pela derrubada da ditadura de Saddam Hussein e a defesa da soberania nacional do Kuwait, invadido pelo Iraque (que, historicamente, sempre considerou o territrio do emir Jaber al Ahmed al Sabah como a 19a provncia do Iraque). O pretexto no resistia a menor anlise, toda vez que o regime do aougueiro de Bagd era a prpria criatura do imperialismo norte-americano (o prprio Saddam Hussein era denunciado como agente da CIA pelos movimentos nacionalistas e da esquerda rabe), e tinha sido abundantemente armado e usado pelos EUA e a Europa para conter a revoluo iraniana, como fautor da guerra Ir-Iraque da dcada de 1980 (que deixou milhes de mortos). A soberania nacional do Kuwait no passava de um pretexto cnico, pois o pas nunca passou de um enclave semi-colonial de propriedade familiar, propiciado pelo imperialismo no processo de descolonizao do Oriente Mdio, ou seja, carecia e carece dos atributos de um Estado nacional. Em que pese as derrotas impostas ao exrcito iraquiano na operao Tempestade no Deserto, a operao de polcia de George Bush Sr. culminou num fracasso estratgico, pois o regime de Saddam se manteve em p, e se transformou num fator de desestabilizao de toda a regio do Golfo Prsico, ao mesmo tempo em que ele era desestabilizado pelo ressurgimento do movimento nacional curdo, tambm atuante na Sria, no Ir e na Turquia, pases em que se divide a populao desta nao sem Estado. O apoio dado a Israel para arrasar o movimento nacional palestino, em qualquer pas do Oriente Mdio em que atuasse, fracassou rotundamente, pois a guerra foi o marco da radicalizao palestina e do nascimento da segunda Intifada. A imposio de uma zona de excluso area e o bloqueio militar, econmico e comercial imposto ao Iraque (que produziu centenas de milhares de mortos, especialmente crianas, num Iraque privado do acesso a medicamentos e gneros essenciais) se transformou num

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    fator de mobilizao da opinio pblica mundial, sobretudo nas prprias metrpoles imperialistas, contra a belicosidade ianque.

    Guerra Infinita e Crise Mundial A primeira Guerra do Golfo foi concebida, como dito, como uma operao de polcia internacional, teve cobertura legal da ONU, e se apoiou num amplo leque de alianas com o conjunto das potncias capitalistas e com as burocracias socialistas contra-revolucionrias. A segunda, encabeada pelo governo de George Bush Jr., foi concebida depois dos nunca esclarecidos atentados de 11 de setembro de 2001 1 como um degrau de uma estratgica guerra infinita contra o terrorismo. No governo de George W.Bush, foi emitida a Diretiva Presidencial n 17 sobre Segurana Nacional, na qual os EUA assumiram, oficialmente, o direito do ataque preventivo. Os EUA passaram a ter o direito legal auto-atribudo de lanar mo de todos os meios necessrios, os nucleares inclusive, para esse tipo de ataque. A dita guerra infinita se apoiou numa aliana aos frangalhos com regimes direitistas da Europa (Blair e Berlusconi), eles tambm em completa crise poltica, e com alguns regimes fantoches do outrora chamado Terceiro Mundo. Quanto ONU, ela foi reduzida, na melhor das hipteses, a um organismo impotente, e na pior (mais realista) a uma caixa de registros (s vezes com algum protesto) das investidas militares do imperialismo anglo-ianque em qualquer ponto do planeta. Segundo David Ignatius, o famoso comentrio feito por John Maynard Keynes, de que os economistas deveriam deixar de se preocupar tanto com o que acontecer a longo prazo, porque a longo prazo estaremos todos mortos, no parece to engraado nos dias atuais. Mas, quando pensamos nos efeitos econmicos do episdio de 11 de setembro, importante distinguir entre os efeitos de curto prazo que foram devastadores e as conseqncias a prazo mais longo, que podem ser bem diferentes. Muitos comentaristas expressaram o receio de que o episdio de 11 de setembro lance a instvel economia global na recesso. Isso poder ser verdade, a curto prazo. Mas no creio que essa psicologia deflacionria perdure pela simples razo de que no h meio de os Estados Unidos e seus aliados sarem dessa confuso sem gastar muito dinheiro. A comear pelo pacote de estmulo da administrao Bush, de redues de impostos e novos gastos, que injetar at US$130 bilhes de dlares na economia no prximo ano. Acrescente-se a isso o custo da prpria guerra, que, segundo o presidente Bush, poder durar anos e levar ao deslocamento de tropas americanas para os mais diversos pontos do mundo. Acrescentem-se os bilhes de dlares que sero gastos com novas tecnologias destinadas a defender um pblico amedrontado do antraz e de outros horrores terroristas. Todos esses custos atingiro uma soma elevadssima. Em outras palavras, guerras custam dinheiro. E a histria nos ensina que as guerras tendem a ser inflacionrias e no deflacionrias. A longo prazo (com pedidos de desculpas a Keynes), um mundo mais seguro custar dinheiro: para cobrir o custo de sensores capazes de detectar a presena de antraz e outros venenos; de remdios para vacinar pessoas contra essas doenas; de dispositivos de segurana capazes de detectar redes terroristas e ajudar a frustrar seus planos. E, sim, para cobrir o custo de reconstruo nacional em pases como o Afeganisto. Algumas dessas despesas tero um efeito multiplicador sobre a economia global como um todo. Afirma-se, com freqncia, que a 2a 1 Somente pessoas altamente desinformadas acreditam que os episdios de 11 de setembro e posteriores [ataques com antraz, etc.] sejam obra de um grupo de fanticos islmicos que costumam se esconder nas cavernas do Afeganisto e bater nas mulheres, entre outros hbitos.

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    Guerra Mundial ps fim grande depresso da dcada de 30. A nica boa ao de Osama bin Laden poderia consistir no fato de ter colocado em ao as foras que poro fim ao grande colapso econmico de 2001.2 As vitrias militares e o impressionante arsenal blico posto em ao entre 1990 e 2005, no conseguiram nem conseguem ocultar o panorama desolador da estratgia poltico-militar dos EUA no Oriente Mdio e na sia Central. Os regimes impostos (Iraque e Afeganisto) carecem da mais elementar estabilidade poltica e at do controle de seu prprio territrio; o Afeganisto no virou uma democracia estvel: continua sendo um narco-Estado com duas ou trs cidades dirigidas militarmente por fantoches norte-americanos, e o resto do pas dividido por bandos em guerra, enquanto a fome e a misria seguem endmicos (claro que h uma novidade por l alm de um boom na produo de pio: o nmero bem maior de bases militares dos Estados Unidos ao longo da rota do oleoduto e das zonas de interesse norte-americano pelo leo e o gs da sia Central; sem falarmos em novas bases militares ao lado da fronteira chinesa); em vez de um progressivo isolamento e cooptao do regime iraniano, o contencioso com este se agravou (pela reabertura de trs centrais nucleares, uma delas de enriquecimento de urnio), abrindo-se tambm uma frente de srios choques com os aliados tradicionais dos EUA na regio, em especial a Arbia Saudita (base, afinal de contas, da famlia Bin Laden, bero suposto do centro do terrorismo internacional); a falaciosa democracia confessional do Iraque organizada pelos ocupantes, dos quais no passa de uma marionete - se evidencia incapaz de debelar a resistncia armada contra a ocupao imperialista;3 no centro da crise, na Palestina/Israel, a situao de desagregao poltica; a crise do Oriente Mdio se projeta de modo multi-direcional como um fator de crise da sia Central, da Rssia e das ex repblicas soviticas, e, via Turquia, da prpria Unio Europia. Analisar a invaso do Iraque como uma operao de conquista do petrleo conduzida por um poder poltico vinculado aos negcios do petrleo, e que usa a ameaa terrorista como pretexto, correto, mas no basta. Que razes levam Bush Jr. a ir mais longe que os anteriores presidentes dos EUA e a agir em bases polticas to estreitas, por fora da ONU, 2 IGNATIUS, David. Crise tambm pode ser vtima da guerra. The Washington Post / O Estado de S. Paulo, 22 de outubro de 2001. 3 Cf. MATSAS, Savas-Michael. Irak: el referendum bajo la ocupacin. Uma farsa dentro de uma tragdia. El Obrero Internacional n 4, Buenos Aires, dezembro de 2005, e OVIEDO, Luis. Irak: Los yanquis reculan El Obrero Internacional n 5, Buenos Aires, janeiro de 2006: El llamado proceso poltico (do Iraque) no slo incluye a los shitas (religiosos y laicos) y a los kurdos, es decir al personal poltico con el que se ha intentado, sin xito, estabilizar Irak. La novedad es que tambin incluye a la mayora de los representantes polticos de la resistencia iraqu (mayoritariamente sunita). Partes sustanciales de la resistencia llamaron a entrar en la disputa electoral con el objetivo de obtener tantos diputados a la Asamblea Nacional como sea posible. El nuevo proceso poltico incluye, adems, la apertura hacia sectores de la resistencia del partido Baath (el partido de Saddam): como parte de esa apertura, pocos das despus de las elecciones fueron liberados 25 altos funcionarios del rgimen de Saddam. La otra novedad es que el embajador norteamericano en Bagdad ha sido autorizado a entablar negociaciones directas con Irn para encaminar el proceso poltico. El imperialismo negocia con todos incluidos los rebeldes, los partidarios de Saddam y los integrantes del eje del mal para poner en Bagdad un gobierno de unidad nacional que le permita retirarse de Irak. El gobierno de unidad nacional debera incluir a todas las fracciones relevantes, hoy enfrentadas poltica y militarmente: los shitas, los sunitas y los kurdos. A la cabeza de este gobierno contradictorio, los yanquis estn dispuestos a imponer (fraude mediante) a un hombre de su confianza: Ilyad Allawi, shita laico y, por sobre todo, agente de la CIA. Sin embargo, las posibilidades de que emerja un gobierno de coalicin amplio, tolerante, multi-sectario, no son brillantes, segn The Economist. El primer obstculo es el reparto de los ingresos petroleros: los shitas y los kurdos reclaman la propiedad de los hidrocarburos.

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    numa ao to ambiciosa estrategicamente (no somente contra Saddam, mas ameaando o eixo do mal, que inclui uma Coria do Norte que dispe de bombas nucleares)? Por que uma economia combalida e sufocada pela maior dvida pblica e pelo maior dficit oramentrio do mundo, se lana a gastar muito mais com a operao de guerra do que os prprios ganhos que obteria com o petrleo iraquiano?4 Bush Jr. representa muito mais do que uma fraude eleitoral (ou um presidente com impulsos belicistas). O Iraque o alvo do ataque, mas nem representa todo o alvo, e tampouco o principal objetivo. As mobilizaes mundiais contra a guerra certamente tem essa conscincia: no se trata apenas do petrleo, nem das loucuras do pequeno Bush, nem da defesa, pelos EUA, de qualquer valor moral, civilizatrio ou humano, mas de uma ao macabra de maiores propores contra a humanidade trabalhadora. O petrleo no explica tudo, embora explique uma parte importante. Os Estados Unidos vivem uma crise do petrleo, e marcham para uma escassez dessa matria-prima no mdio prazo. Se tivessem que depender apenas das suas reservas e da sua produo, seu petrleo acabaria em pouco menos de dez anos. Os EUA so o maior consumidor mundial de petrleo e, segundo Bush, os pases que produzem petrleo no gostam dos Estados Unidos. Metade ou mais do petrleo consumido pelos Estados Unidos importado. Como a dependncia das demais potncias a exceo a Rssia - ainda maior (Japo, Alemanha, Frana, Itlia dependem em quase 100% das exportaes de leo e a China cada vez mais dependente) estamos diante de uma situao que faz pensar que dominar o mundo quem dominar o petrleo do Oriente Mdio. As reservas internacionais de leo esto concentradas em quatro reas: pela ordem, as maiores reservas esto na Arbia Saudita (onde h relativo controle poltico americano), no Iraque, na Venezuela e na sia Central (ex-repblicas soviticas). As reservas de petrleo do Oriente Mdio chegam a mais de 700 bilhes de barris contra uns 30 bilhes dos Estados Unidos. Com a queda da URSS, o Oriente Mdio e as repblicas petrolferas da sia Central que pertenceram URSS, passaram a ser a jia mais cobiada pelos grandes grupos internacionais dos EUA e da Europa. Os EUA instalaram bases militares duradouras na Arbia Saudita, Turquia e Catar, como fruto da primeira guerra contra o Iraque. Antes da Guerra do Golfo, eram 10 as bases americanas na sia Central, agora elas so 22. Tambm tem a ver com a disputa do leo o fato de que os Estados Unidos limitaram, nesses 12 anos, a autoridade poltica e militar do Iraque justamente ao norte (curdo) e ao sul (xita), atravs de bombardeios incessantes: ali, ao norte e ao sul, se encontram as maiores reservas de petrleo do Iraque. Dentro desse quadro, iniciativas como a de converter divisas de petrleo em euros (deciso tomada no seu momento por Saddam Hussein) certamente ganharam um significado importante. E no apenas Saddam: na contramo da tutela que os americanos praticam sobre a Arbia Saudita (maior reserva mundial de petrleo) e da invaso do Iraque (segunda maior reserva), os maiores rivais dos EUA na Europa (Alemanha e Frana) estabeleceram acordos com o Iraque em torno do petrleo, acertando a compra do leo em moeda europia (euro) e no mais em dlar, ao mesmo tempo em que a China e a Rssia tambm vieram firmando acordos com o Iraque. Ou seja, as segundas reservas mundiais de leo, situadas num pas onde as empresas dos Estados Unidos no podiam por os ps, ameaavam vir a cair em 4 As informaes que seguem esto contidas em: DANTAS, Gilson. Iraque: ocupao, barbrie e imperialismo em crise. Anttese n 1, Goinia, CEPEC outubro 2005, artigo excelente, que resumimos nas linhas que seguem.

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    mos dos rivais econmicos dos Estados Unidos. E a prpria Arbia Saudita de onde saiu Bin Laden - j no mais a mesma: ameaou aumentar o preo do leo. Os EUA vinham perdendo o controle do preo do petrleo. Um estudioso do assunto julgou que do ponto de vista da ao das transnacionais, o objetivo da invaso do Iraque seria afastar da regio as empresas francesas, russas, chinesas, italianas e outras, que tm contratos de desenvolvimento no Iraque e no Ir, para que sejam substitudas por petrolferas sediadas nos EUA como a Exxon-Mobil, a Chevron-Texaco, a Conoco-Philips, a Schlumberger ou a Halliburton.5 O Secretrio de Estado dos EUA, Colin Powell, afirmou perante a comisso de relaes externas do Senado dos EUA (em 6 de fevereiro de 2003) que o sucesso da guerra no Iraque poderia fundamentalmente redesenhar a regio de uma forma poderosa e positiva, que fortalecer os interesses dos EUA. Ocupando e monopolizando o leo iraquiano, os Estados Unidos controlariam, em boa medida, o seu preo mundial, esvaziaram as pretenses da OPEP (dos venezuelanos, por exemplo) e ainda controlariam de perto e com mais eficcia, eventuais vos dos sauditas para fora da rbita dos interesses americanos. Lembrando tambm que as ex-repblicas soviticas da sia Central cobiadas pelos Estados Unidos atravs da ocupao do Afeganisto contam com potencial inexplorado de petrleo capaz, segundo alguns analistas, de uma vez mapeado, superar as reservas do Oriente Mdio.

    Petrleo e Economia Mundial O clculo de alguns analistas que, se os EUA chegassem a controlar decisivamente o preo internacional do petrleo controlando as principais reservas atravs da invaso do Iraque e redesenhando politicamente o Oriente Mdio e a sia Central poderiam alavancar sua economia em recesso, tornando-a mais competitiva (o leo custava 10 dlares o barril ao final dos anos 90, em 2003 passou dos 30 dlares). Tendo enfraquecido a OPEP, e tendo nas mos o preo do barril, poderiam disciplinar economicamente seus rivais mundiais que dependem muito mais do petrleo que os Estados Unidos (Japo e Alemanha, sobretudo). Alm disso, setores da economia de guerra (o complexo industrial-militar) nos EUA imaginaram que um Iraque ocupado pagaria no apenas parte dos gastos da invaso, como tambm traria divisas para empresas norte-americanas que reconstruiriam o pas destrudo por seus libertadores. A lgica da invaso seria evidente: tudo no passaria de uma operao de rapina, tipicamente neo-colonial e utilizando os velhos mtodos imperialistas, neo-coloniais, s que agora com canhoneiras mais sofisticadas, as super-bombas, as terrveis bombas de fragmentao e os projteis de urnio. A lgica de Bush e dos falces do Pentgono seria a da fora: contando com superioridade tecnolgica e militar incontrastveis, vo ao campo de batalha resolver seus graves problemas de leo. Mas no s isso o que revela a aparente pouca preocupao dos EUA com o risco de repdio e de isolamento poltico em relao s outras potncias. A questo que a OPEP e a Unio Europia adotariam o euro nos seus contratos. Rssia e Unio Europia estudam o comrcio bilateral em euro, em vez de dlar; Rssia tem 40% do seu comrcio exterior com a Europa, sendo o grosso desse comrcio o petrleo (o contencioso russo com a Ucrnia ps em evidncia a dependncia europia). A Rssia e a China converteram, em 2002, boa parte das suas divisas em euro. O Iraque j passara seus

    5 The Wall Street Journal, Nova Iorque, 16 de janeiro de 2003; The Guardian, Londres, 27 de janeiro de 2003.

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    petro-dlares para o euro em novembro do ano 2000. Arglia e Lbia tm planos na mesma direo. O banco central do Ir, em 2002, j ps metade das suas reservas em euro. E a Coria do Norte deixou de usar o dlar em suas transaes exteriores. A Venezuela diversificou as reservas do Banco Central na direo do euro. A Malsia anunciara sua inteno de adotar o dinar em ouro em vez do dlar. Mas os EUA, estrategicamente, s sobreviveriam como potncia econmica mundial dominante se debilitassem a zona euro por todos os meios. A zona euro j conta com maior participao no mercado global que os Estados Unidos; a contradio bvia que as transaes e as divisas internacionais continuam em sendo feitas em dlar. Da cresce a presso sobre a economia norte-americana, cujo peso real global no corresponde imposio da sua moeda como moeda internacional. Atualmente, a zona euro converteu-se em maior importador de petrleo do que os Estados Unidos. A ao militar dos Estados Unidos no Iraque teve menos a ver com sua fora econmica e com sua potncia industrial e comercial, e mais com seu enfraquecimento econmico e com a crise espetacular dos fundamentos da sua economia, de natureza mundial. A invaso do Iraque foi a manifestao de uma fora militar desigual, consistente em invadir e conquistar um pas pobre, desestruturado, previamente bombardeado por anos, e que mal tinha sado de uma guerra de quase dez anos contra o Ir, desarmada e esgotada por um bloqueio e confisco econmico de doze anos patrocinado pela ONU. A ocupao do Iraque tem a ver com o profundo e persistente impasse da maior economia capitalista do planeta e com sua crise poltica e histrica. Como um bumerangue, a prpria guerra e ocupao de Iraque se transformaram num fator de crise econmica, que alimenta de modo direto a crise poltica nos EUA. Iraque se transformou num desastre em termos econmicos: a ocupao poder custar at 30 vezes mais do que o governo dos EUA inicialmente previu, se as despesas diretas e indiretas ligadas operao militar, como o pagamento de penses para veteranos gravemente feridos ou o aumento do preo do petrleo, forem levadas em conta. A afirmao, contundente, do economista Joseph Stiglitz, professor da Universidade de Columbia, ganhador do Nobel de Economia em 2001, e ex diretor do FMI (alm de co-autor, com a economista da Universidade de Harvard, Linda Bilmes, de The Economic Costs of the Iraq War). Para ambos, o custo total da guerra ao longo do tempo oscilar entre US$ 1,026 trilho e US$ 1,854 trilho. O governo de George W. Bush estimou, em 2002, um custo de US$ 60 bilhes. O governo, segundo Stiglitz e Bilmes, s incluiu em sua anlise os custos das operaes militares e de reconstruo, mas no os custos oramentrios que no esto includos nas operaes militares. Por exemplo, j houve 16 mil militares severamente feridos no Iraque, que tero direito a atendimento mdico e a penso durante toda a sua vida. E tambm foram includos no novo clculo os custos de recrutamento cada vez mais elevados para as Foras Armadas. No se trata de um custo operacional, mas algo diretamente relacionado s dificuldades dos EUA no Iraque. A segunda categoria diz respeito aos custos no-oramentrios. Se algum morto no Iraque, o custo, de acordo com o oramento da defesa, de US$ 500 mil. Entretanto o custo na sociedade muito mais elevado. A terceira categoria est ligada ao custo macro-econmico da guerra. Quase todos os economistas concordam que uma parcela significativa do aumento do preo do petrleo desde a invaso do Iraque tem relao com a guerra. Se estima, portanto, uma reduo do crescimento econmico por conta da guerra do Iraque.

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    Quando todos esses ajustes so efetuados, no difcil chegar a um custo que oscila entre US$ 1 trilho e quase US$ 2 trilhes (lembremos que o PIB da maior economia do planeta de US$ 11 trilhes, ou seja que os custos se elevam a algo em torno de 15-18% de toda a economia dos EUA!).6 A guerra do Iraque plantou uma bomba de efeito retardado na economia dos EUA. Acrescentadas as falcatruas comprovadas da Halliburton (empresa a cuja direo pertence o vice-presidente, e verdadeiro crebro, do governo Bush Jr., Dick Cheney), e o escndalo das torturas fotografadas e filmadas de prisioneiros iraquianos (para no falar das torturas e humilhaes sistemticas aos prisioneiros afegos na base militar de Guantnamo, a poucas milhas dos EUA), o escndalo iraquiano passou do estgio de fator de crise da poltica mundial, para transformar-se tambm em fator de crise poltica interna (depois de ter sido, pretensamente, o fator que permitiu a re-eleio de Bush) questionando a estabilidade do governo e o prprio regime poltico. A influente advogada, ex deputada do Partido Democrata, Elizabeth Holtzman, atuante no Comit de Justia que encaminhou o impeachment do presidente Richard Nixon, publicou um artigo em The Nation defendendo abertamente o impeachment de Bush: Primeiro, no existiam informaes srias -positivas ou negativas- que sustentassem a alegao do governo quanto aos contatos entre Saddam Hussein e Al Qaeda. Mesmo assim, o governo repetidamente tentou usar essa conexo para demonstrar que a invaso era urna resposta justificada ao 11 de Setembro. A alegao era completamente falsa. Segundo, no havia informaes confiveis que sustentassem a alegao do governo de que Saddam estava a ponto de adquirir capacidade de produzir armas nucleares. A maioria dos norte-americanos sabe que os motivos que Bush forneceu para a guerra se provaram falsos. Para eles, a questo determinar se o presidente mentiu e, caso o tenha feito, o que se pode fazer para puni-lo por isso. Ao assumir a Presidncia fez um juramento nos termos do qual ele prometeu que protegeria a execuo fiel das leis do pas. No se pode usar o impeachment para remover um presidente por incompetncia administrativa. Mas o presidente Bush culpado de incompetncia em escala to imensa ou de indiferena to descomunal sua obrigao de fazer com que as leis sejam fielmente executadas que possvel questionar sua dedicao ao juramento que fez ou a sua capacidade de o executar. O exemplo mais notrio a conduo da Guerra do Iraque. De maneira irresponsvel e inexplicvel, o governo no forneceu aos soldados estacionados naquele pas coletes prova de balas ou veculos dotados da blindagem necessria. Um estudo recente do Pentgono constatou que coletes eficientes poderiam ter salvado centenas de vidas. Por que o incio das hostilidades no foi adiado at que os soldados recebessem o equipamento apropriado? (...) As provas que dispomos no momento sugerem que o presidente pode ter autorizado pessoalmente a prtica de maus tratos contra prisioneiros. Em janeiro de 2002, depois do incio da Guerra do Afeganisto, Alberto Gonzalez, assessor jurdico da Casa Branca, informou o presidente Bush por escrito de que maus-tratos praticados por americanos contra prisioneiros poderiam causar processos sob as leis de crimes de guerra. Em lugar de ordenar que as aes criminosas cessassem imediatamente, Bush autorizou o uso de uma interpretao elstica das Convenes de Genebra, para proteger contra processos os americanos responsveis por abusos contra prisioneiros.

    6 STIGLITZ, Joseph (entrevista). Guerra pode custar quase US$ 2 tri. Folha de S. Paulo, 12 de janeiro de 2006.

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    Em outras palavras, a resposta do presidente quando recebeu informaes de abusos contra prisioneiros foi a de tomar providncias que impedissem processos contra os responsveis pelas violaes, o que implica que tenha acatado os abusos e autorizado sua continuao. Se torturas ou tratamento desumano de prisioneiros tiverem resultado dessa deciso presidencial, ele pode ser considerado pessoalmente responsvel por uma violao das leis de crimes de guerra. Mais recentemente, o presidente se ops emenda McCain, que probe a tortura, quando ela foi proposta inicialmente, e apoiou tacitamente os esforos do vice-presidente Cheney para aprovar uma emenda que permitiria que a CIA torturasse ou degradasse prisioneiros.7 Para compreender a natureza do intervencionismo poltico imperialista no Oriente Mdio, preciso voltar os olhos para os resultados que, para a regio, tiveram os desfechos das principais conflagraes mundiais do sculo XX.

    Do Imprio Otomano Partilha Imperialista A criao do Estado de Israel, em 1948, sob os auspcios de uma ONU criada pelos acordos contra-revolucionrios de Teer, Yalta e Potsdam, durante a Segunda Guerra Mundial, foi o elemento chave na preparao do intervencionismo poltico, atravs de uma cabea de ponte, do imperialismo capitalista dominante, o dos EUA, no Oriente Mdio, no quadro de uma administrao americana (Roosevelt-Truman) que assumia, de modo consciente e explcito, responsabilidades polticas e policiais mundiais.8 A partilha da Palestina foi o processo que a precedeu. Tratou-se, portanto, de uma deciso estratgica de alcance histrico, sobre cujos pressupostos necessrio se debruar. Na origem da diviso da Palestina,9 encontra-se a partilha imperialista dos restos do Imprio Otomano. No sculo XVI a Palestina, como a maior parte dos territrios rabes, se encontrava sob o controle da Sublime Porta (o Sulto da Turquia). O Imprio Otomano trouxe o Prximo Oriente rabe para as provncias administradas por pachs (governadores). O poder do Imprio turco tendeu a esgotar-se nos sculos XVII e XVIII em proveito do poder das autoridades locais, que sem questionar a supremacia do sulto, adquiriram uma grande autonomia, que no deixaram de utilizar as potncias (Gr Bretanha, Frana, Rssia, ustria-Hungria) em sua competio mtua. O controle dos mercadores europeus sobre a vida econmica do Imprio Otomano se ampliou medida que declinava a Sublime Porta, para chegar a um estgio em que as potncias europias se beneficiavam de enormes privilgios. A Europa vivia uma fase de desenvolvimento do capitalismo (e da expanso colonial). A ocupao territorial do Prximo e Mdio Oriente pelas potncias europias esteve precedida por uma penetrao 7 HOLTZMAN, Elizabeth. O impeachment de George W. Bush. Folha de S. Paulo, 15 de janeiro de 2006. 8 Cf. SALAM, Elie A. Arab-American relations: an interpretative essay. In Han-Kyo Kim (ed.). Essays on Modern Politics and History. Athens, Ohio University Press, 1969. 9 Segundo Arnold Toynbee e outros historiadores, o nome Palestina teria se originado de philistaius que designava o povo filisteu, de que trata a Bblia no episdio de Sanso e Dalila. Os filisteus no eram semitas e sua provvel origem creto-micnica, uma das mais conhecidas vagas dos chamados "povos do mar" que se estabeleceram em vrias partes do litoral sul do mar Mediterrneo, incluindo a rea hoje conhecida como Faixa de Gaza. A Palestina, sendo um estreito trecho de favorvel passagem entre a frica e sia, foi palco de um grande nmero de conquistas, pelos mais variados povos, por se constituir num corredor natural para os antigos exrcitos. No ano 1099, com a Primeira Cruzada, europeus conquistaram Jerusalm e l estabeleceram o seu domnio sob o nome de Reino Latino de Jerusalm, cuja existncia periclitante em meio sociedade islmica se demorou at o ano de 1187, quando a cidade foi reconquistada por Salamino (Cf. NOJA, Sergio. Breve Storia dei Popoli Arabi. Milo, Arnaldo Mondadori, 1997).

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    econmica que levou a dissoluo das estruturas sociais atrasadas do Imprio Otomano. Assim, j em 1849, o Egito (ento parte do Imprio Otomano) dependia da Gr Bretanha em cerca de 41% de suas importaes e de 49% de suas exportaes. A dominao financeira se materializava no endividamento crescente, a tal ponto que a dvida otomana se elevava em fins do sculo XIX a 200 milhes de libras esterlinas. A princpios do sculo XX se constituiu o Conselho de Administrao da Dvida Pblica Otomana, dominado pelos credores europeus, que com seus 9 mil funcionrios (em 1912) se arrogou a arrecadao dos ingressos fiscais do Imprio Turco. O Imprio Otomano era, segundo o czar da Rssia, o enfermo da Europa e as potncias tentavam repartir seus despojos. Porm, contra os apetites da Frana e Rssia em particular, a Gr Bretanha se ops, considerando que um Imprio Otomano, ainda dbil, supunha a melhor garantia para preservar a ordem, a estabilidade, j que a dificuldade estava em saber o que havia para colocar em seu lugar, e tambm para proteger a rota das ndias do apetite dos rivais. A poltica britnica buscava manter o status quo no Prximo Oriente, e impedir que outras potncias interviessem ali. Em 1839, a Gr Bretanha ocupou Aden para proteger a rota das ndias, lanou seus navios contra os piratas do Golfo Prsico para proteger a navegao comercial, chegando a exercer um domnio sobre os diferentes governadores do Golfo. Entretanto, a Frana desembarcou na Sria em 1860 para proteger a comunidade crist de conflitos religiosos com os drusos (conflitos que o exrcito otomano acabava de combater) provocados pelas potncias (ficando os franceses como defensores dos cristos maronitas, os ingleses dos drusos, os russos dos ortodoxos...). O poder de Constantinopla teve que aceitar a criao de uma provncia autnoma na regio do Monte Lbano dentro do Imprio Otomano dirigida por um governo cristo (as tropas francesas permaneceram ali at 1971). Vrias revoltas rabes contra a Sublime Porta foram sustentadas e animadas pelas potncias. Quando o governador do Egito, Mehmet Ali derrotou os exrcitos otomanos, as tropas russas acudiram em ajuda do Imprio Otomano. Gr Bretanha e Frana obrigaram a Mehmet Al a abandonar os territrios srios. Depois da infrutfera tentativa do governador (pach) de transformar o Egito em uma potncia industrial, o pas caiu sob uma crescente dependncia da Gr Bretanha. Tanto mais quanto que, desde a abertura do Canal de Suez em 1869, o Egito ocupou um lugar central para a Gr Bretanha. O endividamento e a crise financeira egpcia impuseram ao neto e sucessor de Mehmet Al, Ismael, a venda da parte egpcia do canal ao governo britnico, que se converteu assim no principal acionista, porm o dficit fiscal subsistiu. Dois anos mais tarde, o caixa da divida franco-britnica tomou ao seu cargo as finanas do Egito. Em 1881, ante uma revolta iniciada por oficiais do exrcito egpcio, que se estendeu a todo o pas, Gr Bretanha interveio bombardeando Alexandria e ocupando militarmente Egito: essa ocupao no acabar at 1956. O Sudo foi conquistado em 1898 pelos britnicos atravs de feroz represso. Por sua parte, sob a cobertura do clero russo, o czar multiplicou as compras de terras na Palestina. Finalmente, o movimento sionista, que nasceu na Europa Oriental, organizou as primeiras ondas de pioneiros judeus da Europa, instalando-se no final do sculo XIX na Palestina com a inteno explcita contrria atitude da comunidade judia de 20 mil pessoas que residiam j na Palestina desde o sculo XIV de coloniz-la. Fomentar, por princpio, a colonizao da Palestina por judeus operrios agrcolas, trabalhadores em construo civil e de outros ofcios, dizia a resoluo do I Congresso Sionista Mundial, celebrado em

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    Basilia em agosto de 1897.10 O prprio Theodor Herzl, fundador do sionismo, era mais simptico idia de instalar o Estado Judeu na frica Oriental Britnica (a atual Uganda), mas ele morreu, antes que o Congresso Sionista de 1905, dominado pelos judeus de Europa Oriental, escolhesse a Palestina.11 A ocupao judaica da Palestina comeou a ganhar fora no final do sculo XIX, quando o mundo afro-asitico estava sendo partilhado pelas potncias imperialistas. Nesse perodo, parte do mundo rabe-islmico ainda estava sob domnio do Imprio turco-otomano, que se estendeu at 1918, quando a Turquia foi derrotada na Primeira Guerra Mundial, e a Palestina tornou-se um territrio sob mandato britnico. Em 1907, foi constitudo pelos sionistas, em Jaffa, um gabinete para estruturar a colonizao, que j vinha sendo realizada lentamente com o dinheiro do baro Edmond de Rothschild e do Fundo Nacional Judeu, estabelecido pelo V Congresso Sionista. Quando comeou a Primeira Guerra Mundial, j existiam 44 colnias agrcolas judaicas na Palestina, e em 1917, quase no final do conflito na Europa, foi divulgada a Declarao Balfour, do governo ingls, que garantia, como veremos, a livre colonizao da regio por judeus, que nesse momento j contavam com aproximadamente 60 mil habitantes naquele territrio. O movimento sionista internacional ainda era pequeno e fraco em relao a outras alternativas, como o Bund e a emigrao a pases como os Estados Unidos. Esse fato pode ser explicitado nos nmeros da emigrao Palestina na poca. Durante a administrao do Imprio Otomano, entre 1881 e 1917, de uma emigrao total dos judeus da Europa de 3.177.000 pessoas, apenas 60 mil foram Palestina. J na poca de controle britnico, depois da Primeira Guerra Mundial, no perodo de 1919 at a independncia de Israel, em 1948, de uma emigrao total de 1.751.000 judeus, 487 mil foram para a regio.12 Na prtica, somente aps as perseguies nazistas foi que a emigrao judaica para o Oriente Mdio aumentou significativamente. Os ingleses, sabendo da delicada situao local, haviam publicado um Livro Branco, em 1922, limitando a imigrao judaica e evitando favorecer a criao de uma maioria de judeus na regio. Mas os anos 1930 viram os problemas se aguarem, medida que uma grande vaga de judeus fugindo da Alemanha chegou Palestina. Em 1931, de uma populao de 1.036.000 habitantes, somente 175 mil eram judeus. Mas o nazismo empurrou mais 200 mil judeus para a Palestina na segunda

    10 Em 1852, s havia em torno de 11.800 judeus na Palestina. Esse nmero subiu um pouco nas dcadas subseqentes, atingindo, em 1880, aproximadamente 24.000, de uma populao total de 500 mil habitantes. No perodo de 1880 a 1914, houve movimentaes migratrias de judeus por todo o continente europeu. Com uma onda anti-semita na Rssia, explicitada pelos pogroms czaristas, e com uma diversidade de leis restritivas em alguns pases da Europa Oriental, comea a haver um maior interesse na constituio de colnias agrcolas judaicas na Palestina, que lentamente iro receber, nessa poca, diversos grupos de judeus provenientes dessas naes, assim como ocorrer, paralelamente, uma leva migratria judia para a Europa Ocidental e Estados Unidos. Esse perodo coincide com a criao de diversas ligas anti-semitas, com o I Congresso Anti-semita Internacional, na Alemanha, em 1882, e com reaes dos sionistas, estabelecendo comits responsveis por organizar a colonizao agrcola da Palestina. A idia do retorno, portanto, estava extremamente associada aos preconceitos e perseguies anti-semitas na Europa, assim como tentativa de construo de um lar onde os judeus pudessem viver sem serem atacados, e que possibilitasse a construo posteriormente de um Estado nacional seguro e independente (PERICS, Luiz B. Israel e Palestina. IV Internacional, So Paulo, maio de 2002; ver tambm: RATTNER, Henrique [org.]. Nos Caminhos da Dispora. So Paulo, Centro Brasileiro de Estudos Judaicos, 1972). 11 KIRK, George E. Histria do Oriente Mdio. Rio de Janeiro, Zahar, 1967, p. 190. 12 PERICS, Luiz B. Op. Cit.

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    metade daquela dcada. nessa poca que aumenta tambm a atuao da Haganah, a organizao sionista armada criada em 1920, que tinha como objetivo estabelecer um exrcito prprio para proteger os interesses dos colonos judeus.13 O perodo da Primeira Guerra Mundial veio a ser o da submisso do Imprio Otomano s potncias imperialistas. Em vsperas daquela, se estima que as inverses europias, no Prximo Oriente, se elevaram a 24 milhes de libras esterlinas, no caso da Gr Bretanha; 3300 milhes de francos por parte da Frana, e 1800 milhes de francos da Alemanha (nesse mesmo perodo a dvida otomana j passava os 63 milhes de libras). Porm, ao mesmo tempo, apareceram e se desenvolveram a maior parte das organizaes rabes nacionalistas que queriam libertar-se do jugo otomano e, em geral, da dominao estrangeira. Em 1906, os britnicos, reprimiram brutalmente uma rebelio no Egito. A situao que se criava no Imprio Otomano exigia s potncias irem mais longe. Em 1914, o Egito passou a ser um protetorado britnico, a influncia inglesa se estendia na regio do Golfo. Em 1917 tem lugar a ocupao da Mesopotmia e a declarao Balfour,14 prevendo a instalao de um lar nacional judeu na Palestina, atravs da qual a Gr Bretanha preparava a dominao da Palestina, embora esta fosse parte ainda do Imprio Otomano. Em 1916 estalara a rebelio dirigida por Mustaf Kemal na Turquia, que aboliria o Imprio da Sublime Porta e fundaria a Repblica da Turquia. Na pennsula arbica o potentado rabe Ibn Sad, instigado pelos britnicos, empreendeu suas primeiras conquistas contra o Imprio Otomano (que fora aliado do Imprio Austro-hngaro e da Alemanha na Primeira Guerra Mundial). Ao finalizar a Primeira Guerra Mundial, o Imprio otomano, derrotado, foi desmembrado. A Frana ocupou a Sria em 1920; em 1926 o Iraque foi submetido a mandato britnico, e em 1927 as conquistas de Ibn Sad foram reconhecidas pela Gr Bretanha. Assim como o Tratado de Versalhes havia multiplicado na Europa, e em particular na regio balc-danubiana, diques de estados vassalos, na expresso do IV Congresso da Internacional Comunista, seu equivalente para o Imprio Otomano, o Tratado de Svres, multiplicou os protetorados no Oriente Mdio. Se a Gr Bretanha havia sustentado e mantido a unidade do Imprio Otomano com todas as suas foras durante decnios, esta posio se fez insustentvel desde 1913 e impossvel depois da Primeira Guerra Mundial: o desmembramento do Imprio Otomano estava na ordem do dia.

    Retalhamento e Acordos Secretos A balcanizao do Prximo e Mdio Oriente se concretizou nos acordos secretos franco-britnicos de 1916, conhecidos com o nome de negociaes Sykes-Picot, concludas em conformidade com a Rssia czarista. A Gr Bretanha exercia um protetorado de fato no Egito e no Golfo Arbico-Prsico. Lord Kitchener, amo do Egito, planejava dividir a regio

    13 FRANCK, Claude e Michel Herszlikowicz. Le Sionisme. Paris, PUF, 1984. 14 Em seu livro The Question of Palestine (Nova Iorque, Vintage Books, 1980), o escritor palestino Edward Said definiu a importncia dessa declarao da seguinte maneira: "O que importante a respeito da declarao que, em primeiro lugar, durante muito tempo ela foi a base legal para as reivindicaes sionistas em relao Palestina e, em segundo lugar, e mais importante para os nossos objetivos aqui, que foi uma declarao cuja fora s pode ser avaliada quando as realidades demogrfica e humana da Palestina ficaram claras na mente. Isto , a declarao foi feita (a) por um poder europeu, (b) a respeito de um territrio no-europeu, (c) num claro desrespeito presena e aos desejos da populao nativa residente no territrio e (d) tomou a forma de uma promessa sobre este mesmo territrio por um outro grupo estrangeiro, a fim de que esse grupo estrangeiro pudesse, literalmente, fazer desse territrio uma nao para o povo judeu".

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    meridional da Sria at Haifa e Acre para formar ali uma unidade territorial separada, sob o controle britnico. Em contato com o futuro coronel T. E. Lawrence (agente e mercenrio britnico infiltrado na rebelio rabe contra os turcos, depois consagrado pela lenda como Lawrence de Arabia), na ocasio de sua visita Palestina em 1911, escrevia que seria melhor que os judeus colonizassem o pas o quanto antes possvel. Os acordos secretos Sykes-Picot foram feitos pblicos pelos bolcheviques em 1917, aps a queda do antigo regime czarista. Desde princpios de 1916, tiveram lugar em Londres conversaes entre os diplomatas Mark Sykes e Georges Picot. Concluram no ms de maro com um protocolo ratificado por seus governos como parte de um futuro arranjo anglo-franco-russo, conhecido com o nome de acordo Sykes-Picot. Segundo este protocolo, a sia rabe (mais a pennsula arbica) ficava dividida em cinco zonas: zona azul e zona vermelha, sob controle direto da Frana (azul) e da Inglaterra (vermelha); zona rodeada de azul e zona rodeada de vermelho aonde se reconheceria a soberania rabe, mas conservando zonas de interesses francs e ingls. Finalmente, uma zona marrom que considerava a Palestina, menos Haifa (que se reservava Inglaterra), submetida o controle internacional. Estes acordos ignoravam por completo as aspiraes nacionais rabes. No mapa da Palestina, mediante um jogo diplomtico, as zonas rodeadas de azul e vermelho (Sria e Mesopotmia) se reservavam para protetorado das duas potncias. Quanto clusula de internacionalizao da Palestina, Sykes a havia aceitado por duas razes: era preciso ter em conta os interesses da Rssia, que tinha inteno de estar presente em Jerusalm, e cuja participao no acordo estava prevista, porm, sobretudo era preciso opor uma barreira s ambies da Frana, que pretendia exercer seu controle sobre a Sria histrica, que compreendia o Lbano, como tambm a Palestina. Esta barreira era a internacionalizao da regio, a que os franceses no podiam, razoavelmente, opor-se. Porm, esta soluo no satisfazia o governo britnico, seduzido pela idia do bastio palestino. O premi ingls Lloyd George qualificou o acordo endossado pelo seu predecessor de documento estpido. Sykes reconheceu que no estava orgulhoso dele. Para modificar a seu favor a clusula palestina, a Inglaterra necessitava do sionismo. Assim pois, no h que surpreender-se do zelo sionista em favor do acordo, que manifestou-se a partir desse momento, nem do papel capital que desempenhou Sykes, com o apoio de seu governo, ante Chaim Weiszmann e seus amigos (a Organizao Sionista Mundial), induzindo-os a que apresentassem ao gabinete da guerra uma verso aceitvel do que iria converter-se na declarao Balfour. O aguamento das contradies inter-imperialistas determinou a feio definitiva do sionismo. Como aponta George E. Kirk, a ecloso da I Guerra Mundial transferiu o centro de gravidade do movimento sionista do continente europeu para Inglaterra e os Estados Unidos. As figuras decisivas passaram a ser Hayyim (Chaim) Weiszman, russo que exercia a cadeira de Qumica na Universidade de Manchester e, nos EUA, o advogado Louis D. Brandeis, prximo ao presidente Woodrow Wilson (que nomeou-o juiz da Corte Suprema). O Comit Britnico para a Palestina, inspirado por Weiszman, publicava um jornal com a legenda Para restabelecer as antigas glrias da nao judaica na liberdade de um novo domnio britnico na Palestina (sic). O nico membro no judeu do Comit, Herbert Sidebotham, jornalista do Manchester Guardian, escreveu em 1915 um editorial advogando a permanente ocupao inglesa da Palestina, para defender o Egito. Weiszman solicitou a Sidebotham a redao de um

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    memorando para o Foreign Office, propondo um Estado judeu na Palestina, para a defesa do Egito e do Canal de Suez. O memorando foi o antecedente da Declarao Balfour. Sidebotham afirmou que as necessidades polticas estratgicas da Gr-Bretanha inclinaram a balana a favor do sionismo. Anos depois, setores do establishment britnico lanaram a queixa de terem sido usados como testas-de-ferro dos judeus...15 Assim, o imperialismo britnico buscaria utilizar o movimento sionista, facilitando a imigrao judia para a Palestina, contra as massas rabes, seguindo o velho adgio latino divide et impera, e para assegurar sua hegemonia regional contra seu aliado, o imperialismo francs, j que a questo chave era a das zonas de influncia (francesa no norte, inglesa no sul). Os britnicos podiam considerar que os acordos Sykes-Picot deixavam a porta aberta a seu projeto de reino(s) rabe(s), j que a Gr Bretanha desejava anexar a regio de Bassora. Aspirava tambm a instituir um poder rabe no lugar do sulto otomano. Isso iria acompanhado da instaurao na pennsula arbica da meia lua frtil de estados rabes clientes da Gr Bretanha. Em segredo, o xeque Hussein, da Meca, aceitou as propostas anglo-francesas. Membro do cl dos hachemitas da tribo do Profeta, os britnicos pretendiam utiliz-lo como contrapeso religioso e simblico frente ao sulto otomano, e para canalizar em seu proveito a luta dos povos, reunindo-os sob a bandeira de uma suposta nao rabe. Foi proclamada a rebelio rabe, em maio de 1916, generosamente alimentada com fundos da Gr Bretanha, e apoiada militarmente por ela e a Frana. Os britnicos tomaram Bagd, em maro de 1917. Durante o vero, as foras rabes, comandadas por um filho de Hussein, Faisal, operaram no sul da atual Jordnia contra os otomanos. Em dezembro os britnicos entraram em Jerusalm. Entretanto, o Ministro dos Assuntos Exteriores da Gr Bretanha, Balfour, em uma carta a Lord Rothschild (a carta fora preparada conjuntamente pelos dirigentes da Organizao Sionista Mundial e Sykes, teve oito projetos diferentes entre julho e novembro desse ano) anunciava: O governo de sua Majestade considera favoravelmente o estabelecimento na Palestina de um Estado nacional para o povo judeu, afirmando assim as pretenses britnicas com respeito Palestina, teoricamente zona neutra internacional, segundo os acordos Sykes-Picot. Alm do chamamento do Ministro Balfour a constituio de um Estado nacional judeu, a Gr Bretanha afirmava assim o desejo de estender seu domnio sobre o conjunto dos territrios da Palestina, ligando o Egito aos territrios do Iraque e da pennsula arbica, at ndia. Os exrcitos britnicos iriam tentar realizar isso na prtica.

    Expulses e Alliahs As operaes decisivas na Sria comearam em setembro de 1918. As foras britnicas permitiram Faisal entrar em Damasco em outubro. Um ms mais tarde, a Sria estava sob o controle britnico. Depois do armistcio firmado com os otomanos (a 30 de outubro de 1918), os britnicos continuaram avanando, estendendo sua influncia em detrimento da Frana. Esta se viu obrigada a ceder Mosul e Palestina aos britnicos, e descobre que, na Sria, os britnicos no lhe concediam mais que a administrao do litoral srio-libans. A Sria interior foi confiada a Faisal. Este firmou um protocolo de acordo com o lder sionista Chaim Weiszmann, considerando a declarao Balfour como um repdio dos acordos Sykes-Picot, e se colocou sob o controle da Gr Bretanha (o Artigo 9 do Acordo, firmado em 3 de janeiro de 1919 por Faisal e Weiszmann, precisava: qualquer diferena que puder

    15 KIRK, George E. Op. Cit. p. 191.

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    surgir entre as partes contratantes se submeter ao arbtrio do governo britnico), o que constitua uma arma eventual contra as ambies francesas. No entanto, os britnicos fizeram um acordo com os franceses, em novembro de 1919; suas tropas evacuaram as zonas srio-libanesas que os acordos Sykes-Picot haviam confiado Frana. Faisal aceitou tratar com esta ltima, porm, o Conselho Geral Srio proclamou, em maro de 1920, um Reino Unido da Sria, e lhe ofereceu sua Coroa. No ms seguinte a Frana e Gr Bretanha decidiram a repartio dos mandatos: a Sociedade de Naes (SDN) precedente da ONU, que Lnin qualificava de covil de bandidos, confiou s potncias vitoriosas mandatos sobre os territrios, sobre a base do desmembramento do Imprio Otomano; Sria e Lbano para a Frana, Palestina e Iraque para a Gr-Bretanha. Era o fim do projeto da Grande Sria. Em julho, as foras francesas esmagaram os srios. Faisal se refugiou na Palestina, onde os elementos pr-sionistas da administrao britnica estabelecem eles mesmos o trmino do mandato em 1920. Conseguem que a Frana ceda a Galilia e a bacia alta do Jordo, como desejavam os sionistas. No entanto, a Transjordnia lhes escapou: administrada por Faisal, at meados de 1920, Abdallah, irmo de Faisal, se instalou ali em novembro de 1920 com a inteno de intervir na Sria, contra a opinio dos sionistas, que queriam incorporar a margem esquerda do Jordo Palestina. Os britnicos aproveitam a ocasio e, em maro de 1921, nomearam Abdallah governador da Transjordnia. Em 1931, 20 mil famlias camponesas palestinas haviam sido expulsas pelos sionistas. Alm disso, no mundo rabe, a vida agrcola no somente um modo de produo, como tambm uma forma de vida social, religiosa e ritual. Por isso, a colonizao, alm de retirar a terra, estava destruindo a sociedade rural rabe. O imperialismo britnico impulsionou a desestabilizao da economia palestina, concedendo um estatuto privilegiado ao capital judeu; lhes destinando 90% das concesses na Palestina, permitindo que os sionistas tomassem o controle da infra-estrutura econmica. Se estabeleceu ento um cdigo de trabalho discriminatrio contra a fora de trabalho rabe, que provocou um desemprego em grande escala entre os rabes. Por isso, desde o fim da Primeira Guerra Mundial, a rebelio rabe, incitada pelos britnicos contra o Imprio Otomano, deixou de dirigir-se aos turcos, para apontar contra os novos colonizadores; se trata da resistncia das massas palestinas empobrecidas contra o colonialismo e o imperialismo, contra os acordos Sykes-Picot, contra o mandato e contra a declarao Balfour. Os primeiros choques importantes tiveram lugar em maio de 1921, entre manifestantes sionistas e rabes. O alto comissrio britnico, sir Herbert Samuel, que formava parte dos diplomatas ingleses pr-sionistas, se inquietou e, em seu memorando ao governo britnico, sugere que se subordine a imigrao judaica capacidade econmica do pas de absorver novas chegadas, a fim de que os imigrantes no privem de seu trabalho a nenhum setor da populao atual. Em agosto de 1929, novos enfrentamentos provocaram 113 mortes entre os judeus e 67 entre os rabes. Em um segundo memorando publicado em outubro de 1930, Londres estimava que no diminuiu a margem de terras disponveis para a colonizao agrcola, e recomendava controlar a imigrao. Palavras desmentidas pelos fatos e questionadas em uma carta do primeiro-ministro trabalhista MacDonald ao dirigente da Organizao Sionista Mundial, Chaim Weiszmann. Em incios de 1920, se desenvolveu uma terceira onda (ou alliah) de imigrao de judeus do leste da Europa, canalizada para a Palestina depois que, em 1924, o governo americano fez votar uma lei que restringia toda imigrao aos EUA, ao mesmo tempo em que o

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    governo polaco, do marechal Pilsudski, tomava medidas econmicas anti-judaicas. Isto provoca uma quarta alliah mais importante que as precedentes. Porm logo o fluxo se reduz at o ponto de que entre 1927 e 1929 deixaram a Palestina mais judeus dos que nela entraram. A recuperao da imigrao data de 1933, ano da ascenso de Hitler ao poder. Alm dos judeus polacos e de outros pases da Europa central, a quinta alliah incluiu numerosos judeus alemes. Em 1936 se assentaram 400 mil judeus na Palestina, a grande maioria azkenazes (judeus de tradio cultural germnica e lngua yiddish). Cortando na carne das naes, dividindo e desmembrando os povos, atravs da criao artificial da Transjordnia, sob o mando de um emir s ordens dos britnicos, separada do resto da Palestina, onde a Gr Bretanha favoreceu os sionistas e a imigrao judaica, dirigida contra as massas rabes, o imperialismo procurava assegurar seu domnio sobre as massas, com a colaborao dos sionistas e dos potentados locais. Em todos os territrios situados sob o mandato britnico ou francs, a represso foi extremamente brutal. De 1920 a 1926, os generais franceses Gourauid, Weygand e Sarrail aplicaram na Sria uma verdadeira ditadura militar e uma represso sangrenta contra as massas rabes, que se sublevaram em vrias ocasies, e provocaram conflitos procurando separar a populao crist dos muulmanos. No Iraque, em fins de 1919, se desenvolveu uma verdadeira revolta contra os britnicos, que explodiu durante o vero de 1920 na Thawra (rebelio iraquiana) contra a instaurao do mandato.

    Sionismo e Partilha da Palestina Depois da sangrenta represso, os britnicos decidiram substituir a administrao direta por um regime rabe, impondo novamente Faisal, designado rei do Iraque em agosto de 1921. Assim, os britnicos mantm o mandato. Tambm na Palestina se desenvolve uma intensa agitao contra o mandato britnico e a colonizao sionista, com as sublevaes de 1920, 1921 e 1929, tambm reprimidas ferozmente pelas tropas britnicas, com a ajuda das milcias sionistas. Era preciso que a ordem imperasse em toda a regio, a fim de assegurar sua explorao e pilhagem pelas potncias europias. As riquezas petrolferas do Oriente Mdio desempenhavam j um papel determinante na atitude das potncias. J em 1908, concessionrios britnicos descobriram uma primeira bacia no Ir e no Iraque. Assim, as negociaes franco-britnicas sobre a diviso do Oriente Prximo giraram, em boa medida, em torno a sorte da antiga Turkish Petroleum Company. Em 1931, a Standard Oil dos EUA descobriu petrleo e obteve, em 1933, uma concesso que abarcava o conjunto da Arbia Saudita. Era um acontecimento de enorme importncia, cujo alcance no foi estimado em toda a sua amplitude at depois de 1945.16 Em 1880, a Palestina pertencia ao Imprio Otomano. Naquela poca estavam assentados ali 25 mil judeus, em sua maior parte judeus espanhis-sefarditas, instalados na Galilia no sculo XVI. Grande parte dos judeus expulsos da Espanha pelos Reis Catlicos no sculo XVI, encontraram refgio no Imprio Otomano, em particular na Bsnia e Tessalnica, provncia turca, mas tambm da Palestina, Iraque e Sria. O argumento dos sionistas um povo sem terra (os judeus) para uma terra sem povo (Palestina) no resiste um minuto ao escrutnio histrico. Em sua obra A Histria Oculta do Sionismo, Ralph Schoenman afirma: Ao final do sculo XIX havia na Palestina mil povos ou aldeias. Jerusalm, Haifa, Gaza, Yaffa, Nabls, Acre,

    16 Cf. NOUSCHI, Andr. Luttes Petrolires au Proche-Orient. Paris, Flammarion, 1970.

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    Jeric. Ramle, Hebrom e Nazar eram cidades florescentes. As colinas estavam laboriosamente tratadas. Canais de irrigao sulcavam todo o territrio. Os jardins de limoeiros, as oliveiras e cereais da Palestina eram conhecidos em todo o mundo. O comrcio, o artesanato, a indstria txtil, a construo e a produo agrcola eram prsperas. Os relatos dos viajantes dos sculos XVIII e XIX esto plenos de dados nesse sentido, bem como os informes acadmicos publicados quinzenalmente no sculo XIX pelo Fundo Britnico para a Explorao da Palestina. Na realidade, foi precisamente a coeso social e a estabilidade da sociedade o que levou a Lord Palmerston a propor, premonitoriamente, em 1840, quando a Gr Bretanha estabeleceu o consulado em Jerusalm, a fundao de uma colnia judaica europia para preservar os interesses mais gerais do Imprio Britnico.17 A sociedade palestina, ainda padecendo da colaborao dos latifundirios feudais com o imprio otomano, era produtiva e culturalmente diversa, com um campesinato muito consciente de seu papel social. Os camponeses e a populao palestina estabeleciam uma distino clara entre os judeus que viviam entre eles, e os colonizadores que vieram, j que em 1820 os 20 mil judeus de Jerusalm se integravam totalmente na sociedade palestina. Quando em 1886 os colonos de Petah Tkrah trataram de expulsar os camponeses de sua terra chocaram-se com uma resistncia organizada, mas os trabalhadores judeus no sofreram nenhuma represlia. Quando os armnios que escaparam do genocdio turco se estabeleceram na Palestina foram bem recebidos. Esse genocdio foi defendido por Vladimir Jabotinsky e outros sionistas, em seu af por lograr o apoio turco. Na verdade, at Declarao Balfour a resposta palestina aos colonizadores sionistas foi tolerante. Na Palestina no havia nenhum dio organizado contra os judeus, ningum organizava massacres como os do czar ou dos anti-semitas polacos, no surgiu nenhuma reao simtrica pelo lado palestino contra os colonos armados que utilizavam da fora para expulsar os palestinos de suas terras. Nem sequer as reaes espontneas que expressavam a raiva dos palestinos contra os constantes roubos de suas terras eram dirigidos contra os judeus como tais. Em fins do sculo XIX e princpios do sculo XX comearam as ondas de imigrantes judeus sob os efeitos dos pogroms na Rssia e na Europa Oriental. As autoridades otomanas temiam que a imigrao judaica reforasse ainda mais a influncia europia, pois apenas tinha meios para opor-se a ela. A primeira onda (1882-1903) provm sobretudo da Rssia. A segunda (1904-1914) da Rssia e Polnia. Em 1919, depois dessas duas ondas de imigrao, estavam assentados na Palestina 60.000 judeus (muitos dos imigrados partiram de novo, em particular para os EUA) para um total de 800 mil habitantes. A sada dos judeus da Europa Oriental no encaixara com os planos dos sionistas: emigravam para a Europa Ocidental e os EUA. Em 1936, os judeus assentados j eram 400 mil e, em 1947, 600 mil. Este crescimento foi resultado da nova onda de imigrao, protegida pelas disposies do mandato. O documento adotado pela SDN em 24 de julho de 1922, que confiava o mandato sobre a Palestina Gr Bretanha, precisava: O mandatrio assumir a responsabilidade de instituir no pas um estado de coisas poltico, administrativo e econmico, capaz de assegurar o estabelecimento do estado nacional para o povo judeu (...) A administrao da Palestina facilitar a imigrao judaica em condies convenientes e de acordo com o organismo

    17 SCHOENMAN, Ralph. Historia Oculta del Sionismo. Barcelona, Marxismo y Accin, 1988.

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    judaico mencionado no artigo 4. Estimular o estabelecimento intensivo dos judeus nas terras do pas, includos os domnios do Estado e as terras sem cultivar. Os diferentes imperialismos, ao fechar suas fronteiras aos judeus que fugiam da Alemanha nazista, os canalizavam para a Palestina. Protegido pelas disposies do mandato, o estado nacional para o povo judeu se administrava por si mesmo, com seu sistema de ensino, sua estrutura econmica, sua milcia, a Haganah, que chegaria a converter-se em um exrcito. Logo que os imigrantes judeus instalaram-se nas cidades, seu governo teve como poltica a aquisio de terras. Como explicou o poeta e ensasta palestino Ghasan Kanafani: Apesar de que uma grande parte do capital judeu se destinou a reas rurais, e apesar da presena de foras militares britnicas e da imensa presso exercida pela mquina administrativa em favor dos sionistas, estes lograram somente resultados mnimos em relao colonizao da terra. No entanto, prejudicaram seriamente a situao da populao rabe rural. A propriedade da terra urbana e rural por parte de grupos judeus passou de 300.000 dunums (26.800 hectares) em 1929 a 1.251.000 dunums (112.000 hectares) em 1930. A terra adquirida era insignificante desde o ponto vista de uma colonizao massiva e da soluo do problema judeu. A expropriao de um milho de dunums quase um tero da terra cultivvel conduziu a um grave empobrecimento dos camponeses rabes e dos bedunos. Porm, o objetivo sionista (um estado judeu para o que se pensou inicialmente em territrios da Amrica Latina, logo em Uganda e finalmente na Palestina) era minoritrio entre as massas judias da Europa que, em grande parte, se encontravam dentro de organizaes socialistas, como a organizao operria judia, o Bund, que combatia com vigor o sionismo. Sem falar nas perspectivas de emancipao e na enorme influncia que sobre as massas judias exerceu a Revoluo de Outubro, durante seus primeiros anos (em seu livro A Orquestra Vermelha, Gilles Perrault relata que o esqueleto da organizao clandestina da Internacional Comunista, na Europa fascista, era constitudo por militantes de origem judia. O prprio Leopold Trepper, polons que dirigia a clebre rede de espionagem sovitica que d ttulo ao livro, era judeu). Segundo Gresh e Vidal: O sionismo se alimentou na Europa central e oriental da conjugao de trs fenmenos prprios do sculo XIX: a decomposio da estrutura feudal dos imprios czaristas e austro-hngaro, que minou os fundamentos scio-econmicos da vida judia, as condies da evoluo capitalista que bloquearam o processo de proletarizao e de assimilao, e a escalada brutal do anti-semitismo mais violento que precipitou a centenas de milhares de judeus ao caminho do exlio. Em direo Palestina? No. Na maior parte, para a Amrica. Dos dois ou trs milhes de judeus que saram entre 1882 e 1914 da Europa Central, menos de 70 mil se instalaram na Terra Santa, e muitas vezes com carter muito passageiro. Os dirigentes sionistas no o ignoravam. Nem a misria de seus correligionrios submetidos ao czar, nem a discriminao de todo tipo, nem sequer os pogroms bastavam para transport-los massivamente para a Palestina. Entretanto, isso era possvel com o apoio de uma grande potncia. Assim, o criador da organizao sionista ressaltou ante o sulto, alm da contribuio que podia considerar para as finanas otomanas, a ajuda que os judeus palestinos podiam representar para sufocar a ameaa de uma insurreio rabe.18

    18 GRESH, Alain e Dominique Vidal. Palestine 1947. Une division aborte. Paris, ditions Complexe, 2004, p. 42.

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    Uma mensagem destinada ao chanceler alemo Bismarck assinalava que a implantao de um povo neutro na rota mais curta para o Oriente pode ter uma imensa importncia para a poltica oriental da Alemanha. Um povo, alm disso, obrigado quase em todas as partes a incorporar-se aos partidos revolucionrios.

    Sionismo e Judasmo Herzl utilizava o mesmo argumento com De Witte e Von Plehve, ministros russos e instigadores dos pogroms: Se se instalasse na Palestina uma colnia do povo judeu, os elementos radicais se veriam obrigados a tomar parte no movimento, em caso contrrio, a frustrao dessas esperanas modificaria toda a situao, em proveito dos partidos revolucionrios. Faltava convencer Gr Bretanha de que o projeto sionista correspondia ao seu interesse, e no as distantes regies africanas ou latino-americanas que em um tempo se tiveram em considerao, mas sim a Palestina. De sada, o movimento sionista, minoritrio entre as massas judias, se subordinava s potncias capitalistas, especialmente a Gr Bretanha, oferecendo-lhes uma massa de manobra para a sua poltica de conquista no Mdio Oriente. Durante muitos sculos a utopia da "redeno de Israel" no transbordou do mbito religioso, que foi sua matriz. Deu origem a peregrinaes e a imigraes individuais ou de pequenos grupos, que no modificaram o estatuto poltico da Palestina nem a sua composio tnica, a qual, apesar das numerosas mudanas polticas e religioso-culturais, parece ter permanecido relativamente estvel desde fins do II milnio a.C. at recente data. A situao comeou a mudar no sculo XIX. O sionismo surgiu no contexto do triunfo das ideologias nacionalistas, como um movimento nacionalista secular cujo objetivo era a criao de um estado dos judeus, sendo este considerado como o nico meio de assegurar a identidade e a sobrevivncia da nao judaica, assim como de lhe garantir um lugar ao sol entre as demais naes. Para os seus partidrios, o dito estado tomou de certo modo, sob uma forma secularizada, o lugar que a utopia da "redeno de Israel" ocupava na tradio religiosa. Mas o estado projetado pelos nacionalistas judeus no tinha necessariamente a Palestina por cenrio. Seu principal promotor, Herzl (1860-1904), como vimos, encarou a possibilidade de cri-lo na Argentina. Falou-se tambm de Chipre, da frica oriental e do Congo. Diga-se de passagem que a liberdade na escolha do futuro "territrio nacional" de que deram mostras os nacionalistas judaicos se explica pelo fato de se viver ento na Europa no apogeu do sonho colonialista. Consideravam-se colonizveis todos os territrios situados fora da Europa. Coloniz-los era tido por uma obra benemrita, pois era "civiliz-los". Os nacionalistas judaicos no tardaram a optar pela Palestina. Essa escolha, embora no fosse necessria, era natural e particularmente mobilizadora, por causa da ligao do judasmo Palestina e da atrao que ela exerce mesmo sobre muitos judeus que no so religiosos ou originrios desse pas. O nacionalismo judaico tomou assim o nome de sionismo, palavra que deriva de Sio, um dos nomes de Jerusalm na Bblia. Repare-se tambm que a escolha da Palestina se enquadrava nos projetos coloniais das potncias europias, sobretudo da Gr-Bretanha e da Frana, que preparavam a partilha dos despojos do imprio otomano decadente. Foi por isso que o projeto sionista vingou, em que pese a oposio que lhe manifestou a maioria dos judeus da Rssia, Europa Central e Oriental, engajados nos partidos socialistas ou, depois da vitria da Revoluo de Outubro, nos partidos comunistas, sem falar na influncia importante do Bund na Rssia, Polnia e pases blticos, pelo menos at a dcada de 1920.

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    Durante dcadas o sionismo foi um movimento de intelectuais askenazes laicos, sem base popular. Houve componentes do judasmo, nomeadamente as grandes comunidades sefarditas da frica do norte, que estiveram praticamente margem desse movimento at dcada de 1930 ou ainda mais tarde. No entanto, o sionismo acabou por provocar profundas divises nas diferentes componentes do judasmo, religioso e secular, askenaze, sefardita e pertencente a outros grupos. Embora se tenham atenuado ou transformado, essas divises subsistem ainda hoje. Para a maioria esmagadora dos rabinos da Europa central e oriental que se encontraram confrontados com ele, o projeto dos sionistas de criar o estado dos judeus, apoiando-se para isso nos seus prprios meios polticos, diplomticos e econmicos, era a negao da esperana na "redeno de Israel" por iniciativa e obra exclusivas de Deus. Por isso, condenaram o sionismo como uma manifestao de orgulho, o pecado por excelncia.19 O partido Agudat Israel (Unio/Associao de Israel) fundado em Kattowitz (Silsia, Polnia) em 1912, encarnou essa posio. O partido propunha-se reunir todos os judeus fiis Lei para se oporem ao nacionalismo sionista considerado como uma ameaa mortal para o "autntico judasmo". No entanto, na dcada de 1930, o Agudat Israel mitigou, por pragmatismo, a sua oposio ao sionismo, aceitando que a Palestina se tornasse o refgio para os judeus europeus perseguidos. Em 1948 reconheceu de fato as instituies do Estado de Israel. Participou em todas as eleies legislativas israelitas e em vrios governos. No entanto, algumas faces minoritrias no aceitaram a mudana de orientao. Uma minoria entre os judeus religiosos da Europa central e oriental aceitou bastante cedo colaborar com os sionistas. Um dos primeiros expoentes desta posio foi o rabino Isaac Jacob Reines (1839-1915), nascido em Karolin, na Bielorssia. Na origem, essa posio tinha sobretudo por objetivo no deixar aos seculares o monoplio do socorro prestado aos judeus pobres e perseguidos. Encarnou-a o Mizrahi (Centro Espiritual) fundado em Vilnius (Litunia) em 1902. Segundo essa corrente do judasmo religioso, nada impede a colaborao com o sionismo, pois este no incompatvel com a tradio. A idia da coexistncia pacfica do judasmo religioso e do sionismo depressa cedeu o lugar a uma integrao da ideologia sionista dentro do sistema religioso tradicional. O autor dessa integrao foi o rabino Abrao Isaac Hacohen Kook (1865-1935) nascido em Griva, na Letnia, primeiro Rabino-Mor askenaze da Palestina (1921-1935). Contrariamente aos seus homlogos do Agudat Israel, o rabino Kook viu no sionismo um instrumento de que Deus se servia para dar incio "redeno de Israel", e no Estado dos judeus a aurora da redeno ou do reino de Deus. Os principais herdeiros atuais desta concepo do sionismo so o Partido Nacional Religioso e o Guch Emunim (Bloco da F), que rene os opositores mais irredutveis devoluo de qualquer parcela da Cisjordnia e da Faixa de Gaza conquistadas por Israel em 1967, assim como os colonizadores mais zelosos desses territrios. O sionismo tornou-se mais popular entre os judeus, sobretudo entre os judeus seculares da Europa oriental e central, a partir de 1881 por causa dos numerosos ataques e pilhagens de que a foram vtimas entre esse ano e 1921. De fato, foi a Europa oriental que forneceu os contingentes de emigrantes judeus que ento foram instalar-se na Palestina. As duas primeiras vagas da emigrao coincidiram com as duas primeiras vagas de pogroms, que tiveram lugar respectivamente em 1881-1884 e em 1903-1906. A esmagadora maioria dos emigrantes era gente pobre e perseguida. Dirigiam-na intelectuais das classes mdias. Estes 19 WEINSTOCK, Nathan. El Sionismo contra Israel. Barcelona, Fontanella, 1970.

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    fizeram financiar a operao por membros da burguesia judaica ocidental, europia e norte-americana, ansiosa por desviar da sua porta uma imigrao popular judaica que iria contrariar os seus desgnios de "assimilao" nos pases respectivos.

    O Papel do Imperialismo Ingls A Primeira Guerra Mundial teve conseqncias decisivas para a Palestina. As potncias aliadas no esperaram pelo fim da guerra para preparar o desmantelamento e a liquidao do imprio turco, aliado da Alemanha. Procurando aproveitar-se do nacionalismo rabe, a Gr-Bretanha prometeu ao xeque Hussein de Meca o seu apoio para a criao de um estado rabe independente tendo por fronteira ocidental o mar Vermelho e o Mediterrneo, em troca da revolta rabe contra a Turquia. De fato, a Palestina, que fazia parte do territrio do anunciado estado rabe, era cobiada ao mesmo tempo pela Gr-Bretanha e pela Frana, mas as duas potncias admitiram o princpio da sua internacionalizao nos acordos secretos de Sykes-Picot de 16 de maio de 1916. De fato, as foras britnicas, s quais se renderam as foras turcas em Jerusalm a 9 de dezembro de 1917, terminaram a ocupao da Palestina em setembro de 1918. A Palestina ficou ento sob administrao militar britnica, a qual foi substituda por uma administrao civil a 1 de julho de 1920. Entretanto, na Conferncia da Paz reunida em Paris, em janeiro de 1919, as Potncias Aliadas decidiram que os territrios da Sria, do Lbano, da Palestina/Transjordnia e da Mesopotmia no seriam devolvidos Turquia, mas passariam a formar entidades distintas, administradas segundo o sistema dos Mandatos.

    Criado pelo Artigo 22 do Pacto da Liga das Naes a 28 de junho de 1919, o sistema dos mandatos destinava-se a determinar o estatuto das colnias e dos territrios que se encontravam sob o domnio das naes vencidas. O documento declarava que "algumas comunidades outrora pertencentes ao Imprio Turco atingiram um estado de desenvolvimento" que permite reconhec-las provisoriamente como naes

    independentes. Em relao a essas naes, o papel das potncias mandatrias seria ajud-las a instalar a sua administrao nacional independente. O mesmo documento estipulava ainda que os desejos dessas naes deveriam ter uma considerao principal na escolha da potncia mandatria. Na conferncia de San Remo a 25 de abril de 1920, o Conselho Supremo Aliado repartiu os Mandatos para essas naes entre a Frana (Lbano e Sria) e a Gr-Bretanha (Mesopotmia, Palestina/Transjordnia). O Mandato para a Palestina, que incorporou a Declarao Balfour sobre o estabelecimento do "lar nacional para o povo judaico", foi aprovado pelo Conselho da Liga das Naes a 24 de julho de 1922, tornando-se efetivo a 29 de setembro do mesmo ano. Ao abrigo do disposto no art. 25 do Mandato para a Palestina, o Conselho da Liga das Naes decidiu a 16 de setembro de 1922 excluir a Transjordnia de todas as clusulas relativas ao lar nacional judaico, e dot-la com uma administrao prpria. De fato, o territrio que os sionistas pretendiam para nele

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    estabelecer o seu estado era bastante mais vasto do que a Palestina. Abarcava tambm toda a parte oeste da Transjordnia, o planalto do Gol e a parte do Lbano a sul de Sido. Como previsto, todas essas naes se tornaram efetivamente independentes no curso das trs dcadas seguintes: o Iraque (Mesopotmia) a 3 de outubro de 1932; o Lbano, a 22 de novembro de 1943; a Sria, a 1 de janeiro de 1944 e, finalmente, a Transjordnia, a 22 de maro de 1946. A nica exceo foi a Palestina. O obstculo que fez descarrilar o processo da independncia da Palestina foi a adoo pela Liga das Naes, seguindo nisso as pegadas da Gr-Bretanha, do projeto sionista da criao do "lar nacional para o povo judaico" nesse pas. A Organizao Sionista Mundial tinha entretanto amadurecido esse projeto e tinha-lhe granjeado apoios muito slidos, vindo-lhe o principal da Gr-Bretanha. Esta expressou o seu patrocnio ao projeto sionista na j referida Declarao Balfour. As "comunidades no-judias" constituam ento um pouco mais de 90 % da populao. De fato, em 1918, a Palestina tinha 700.000 habitantes: 644.000 rabes (574.000 muulmanos e 70.000 cristos) e 56.000 judeus.

    A Declarao Balfour era originalmente um compromisso que a Gr-Bretanha assumia para com a Federao Sionista. Mas entretanto ela recebeu o aval das principais potncias aliadas e foi incorporada no Mandato para a Palestina, aprovado pela Liga das Naes a 24 de julho de 1922. Com efeito, o essencial da Declarao Balfour citado explicitamente no 2 do prembulo do dito documento. ainda reforado no 3, graas a dois elementos que

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    no constavam na Declarao Balfour, isto , a meno da ligao histrica do povo judaico com a Palestina e a idia da reconstituio do seu lar nacional nesse pas.20 Dos vinte e oito artigos do texto do Mandato seis tinham por objeto o estabelecimento do lar nacional judaico ou medidas com ele relacionadas. O art. 2, que o primeiro de carter programtico, comea assim: "A (Potncia) Mandatria ter a responsabilidade de pr o pas em condies polticas, administrativas e econmicas que assegurem/garantam o estabelecimento do lar nacional judaico, como est estipulado no prembulo". Sem excluir formalmente o objetivo normal do tipo de Mandato aplicado aos pases rabes do imprio otomano, que era levar plena independncia a populao que ento os habitava, o Mandato para a Palestina tinha outro objetivo, que lhe era prprio, isto , promover a criao de um lar nacional judaico subentenda-se a criao de um estado judaico com gente que, na sua maioria esmagadora, estava ainda espalhada pelo mundo e, por conseguinte, deveria ser trazida de fora. O documento tambm mencionava as comunidades no-judaicas ento existentes na Palestina e os seus direitos cvicos e religiosos no refere os seus direitos polticos mas as suas menes vm em segundo lugar e expressam-se sob a forma de ressalvas feitas s medidas destinadas a implementar o projeto sionista.21 Graas ao Mandato para a Palestina, o patrocnio do projeto sionista, que era um elemento da poltica britnica, tornou-se poltica oficial da Liga das Naes. Esta no s deu ao projeto sionista a cauo internacional: forneceu-lhe tambm os meios para a sua realizao. Do seu lado, as organizaes sionistas aproveitaram a infra-estrutura administrativa e econmica que o Mandato ps sua disposio para acelerar a realizao do projeto de criao do Estado judaico na Palestina. Para isso intensificaram a imigrao dos judeus da Europa oriental e central, em trs vagas principais: em 1919-1923, 1924-1928 e 1932-1940. Em 1931 os judeus eram 174.610 de um total de 1.035.821 habitantes da Palestina. Em 1939, j eram mais de 445.000 e em 1946 atingiram o nmero de 808.230 de um total de habitantes da Palestina respectivamente de 1.500.000 e de 1.972.560. Por outro lado, o Fundo Nacional Judaico, isto , o fundo da Organizao Sionista Mundial para a compra e o desenvolvimento da terra, intensificou a aquisio de terras. Estas tornavam-se "propriedade eterna do povo judaico", inalienvel e que s podia ser arrendada a judeus. No caso das exploraes agrcolas, at a mo de obra devia ser exclusivamente judaica. Por fim, os sionistas criaram em pouco tempo as principais estruturas do futuro estado, inclusive um exrcito (a Haganah).

    20 Cf. SANZ, Luis. Guerra y Revolucin en Palestina. Madri, Zero, 1976. 21 SOARES, Jurandir. Israel Palestina. As razes do dio. Porto Alegre, UFRGS Editora, 2004.

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    2. SURGIMENTO DO MOVIMENTO NACIONAL PALESTINO A maneira como os vencedores da Primeira Guerra Mundial decidiram o destino da Palestina, servindo-se para isso da Liga das Naes, misturou duplicidade e prepotncia. Se questiona at a legalidade das decises da Liga das Naes em relao Palestina em nome das regras que ela prpria fixara. Assim, apesar de ter classificado a Palestina num grupo de naes s quais reconhecia imediatamente a independncia formal e prometia a independncia efetiva a curto prazo, a Liga das Naes imps-lhe um Mandato cujo objetivo prioritrio no era a instalao da administrao palestina nacional, como previa o documento que instituiu o sistema dos Mandatos, mas, sim, a criao do "lar nacional judaico". Esse objetivo no s contrariava o processo de transio para a independncia poltica efetiva da Palestina, mas era incompatvel com o prprio princpio da sua independncia com a populao que ela ento tinha, princpio esse que a Liga das Naes admitira previamente. Por outro lado, tendo nomeado a Gr-Bretanha para potncia mandatria sem ter consultado os palestinos, o Supremo Conselho Aliado no respeitou a regra fixada pelo Pacto da Liga das Naes, segundo a qual os desejos das comunidades submetidas a esse tipo de Mandato deviam ser uma considerao principal na escolha da potncia mandatria (artigo 22). Os palestinos viram no patrocnio que deram primeiro a Gr-Bretanha, e depois a Liga das Naes, ao projeto sionista, a negao do seu direito independncia. Tanto a Gr-Bretanha como a Liga das Naes, explcita ou implicitamente, no s lhes tinham reconhecido esse direito, mas tambm lhes tinham prometido o seu gozo pleno a curto prazo. Por isso, alm do mais, os palestinos sentiram-se defraudados. Naturalmente, opuseram-se ao projeto da criao do lar nacional judaico na Palestina desde o primeiro instante logo que tiveram conhecimento da Declarao Balfour e tentaram, por todos os meios, impedir a sua realizao, pois temiam que dela resultasse a sua submisso, no s poltica mas tambm econmica, aos sionistas, passando assim do domnio turco para o domnio judaico, com um intervalo britnico. Apresentaram protestos contra a Declarao Balfour Conferncia de Paz de Paris e ao Governo Britnico. A primeira manifestao popular contra o projeto sionista teve lugar a 2 de novembro de 1918, primeiro aniversrio da Declarao Balfour. Essa manifestao foi pacfica, mas a resistncia depressa se tornou violenta, expressando-se em ataques contra os judeus que degeneravam em confrontos sangrentos. Houve motins em 1920, durante a Conferncia de San Remo que distribuiu os Mandatos, em 1921, 1929 e 1933. De um modo geral, as erupes de violncia eram cada vez mais graves medida que o Mandato se prolongava e a colonizao sionista se estendia e fortalecia. Os acontecimentos desenrolavam-se segundo uma seqncia que se tornou habitual. A potncia mandatria respondia aos motins nomeando uma comisso real de inqurito, cujas recomendaes reconheciam a legitimidade das reivindicaes palestinas e levavam a anunciar ou a esboar tmidas medidas tendentes a satisfaz-las. Mas, dado que contrariavam o objetivo primordial do Mandato, essas medidas ficavam letra morta ou eram depressa esquecidas. A Declarao Balfour foi denunciada pelos bolcheviques, para quem a atribuio da Palestina aos judeus era uma encenao do imperialismo britnico com o objetivo de mascarar e justificar a abolio do Imprio Otomano, o que fica ainda mais evidente nas palavras de Lord Balfour, quem afirmou em carter privado durante reunio do Gabinete de

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    Guerra no final de outubro de 1917, que a Palestina no era adequada para formar um lar para os judeus ou para qualquer outro povo. O segundo objetivo britnico foi admitido pelo prprio David Lloyd George, primeiro ministro da Gr-Bretanha no momento da Declarao Balfour. Atestou em suas memrias que em 1917 j era evidente a grande participao dos judeus da Rssia na preparao daquela desintegrao geral da sociedade russa depois conhecida como revoluo. Acreditava-se que se a Gr-Bretanha declarasse o seu apoio realizao das aspiraes sionistas na Palestina, um dos efeitos seria atrair os judeus da Rssia para a causa da Entente () Se a Declarao tivesse vindo um pouco antes, possivelmente alteraria o curso da revoluo. A oposio colonizao sionista tomou a forma de violentas manifestaes de rua em 1931 e nos anos seguintes. Em abril de 1932, marinheiros rabes de Haifa entraram em greve e foram seguidos pelos porturios judeus, pertencentes majoritariamente ao grupo sionista de esquerda Hashomer Hatzair, que se recusaram a furar a greve. Formou-se um conselho de greve comum, apesar das resistncias da Histadrut e da Executiva rabe (tanto os sionistas quanto os nacionalistas rabes eram contrrios luta conjunta dos trabalhadores, pela qual culpavam os comunistas). A partir de 1934 produziram-se assemblias massivas com centenas de trabalhadores rabes e judeus das ferrovias, que desembocaram em uma greve de um dia em Haifa (maio de 1935). Os grevistas formaram um conselho de todos os trabalhadores das ferrovias e formaram uma delegao de quatro trabalhadores rabes e quatro judeus para negociar com os patres (do governo) e chegaram a vencer em alguns pontos de suas demandas. Alguns meses antes, em fevereiro-maro 1935, centenas de trabalhadores rabes e judeus realizaram uma greve de trs semanas, parcialmente vitoriosa, na refinaria de Haifa e no terminal do oleoduto da Companhia de Petrleo do Iraque.22 Em 1933 j era possvel notar o crescimento da oposio rabe ao colonialismo britnico. Para impedir um levante popular, a Gr-Bretanha props a criao de uma assemblia legislativa composta por 11 muulmanos, 7 judeus, 3 cristos e 5 oficiais do governo. A proposta foi rejeitada pelos sionistas, no por oposio ao governo britnico mas porque queriam a criao de uma assemblia legislativa cem por cento judaica (a chamada Knesset Israel).

    Sionismo e Imperialismo Britnico Em 1936, os britnicos, com a ajuda das milcias sionistas, reprimiram ferozmente uma greve geral de seis meses, enquanto o mufti e os senhores feudais rabes, subordinados ao imperialismo britnico de quem obtinham seu poder, ajudaram de modo decisivo ao imperialismo. O Alto Comit rabe, dirigido pelos potentados feudais palestinos, chamou a suspender a greve em resposta a um pedido de Ibn Sad da Arbia, do primeiro-ministro iraquiano, Nuri Said, e do Emir da Transjordnia, Abdallah, que suplicaram aos seus filhos palestinos que confiem nas boas intenes dos nossos amigos britnicos, que tm assegurado que haja justia. A Gr-Bretanha criou uma comisso de inqurito para averiguar as causas da revolta, que concluiu os seus trabalhos com a publicao de um informe em 7 de julho 1937. A chamada Comisso Peel recomendou notadamente a partio do pas com a transferncia da populao rabe vivendo dentro da regio que deveria se tornar um Estado judeu. O 22 MARGULIES, Marcos. Israel. Origem de uma crise. So Paulo, Difel, 1967.

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    programa da Comisso Peel foi bem recebido pelos sionistas, mas rejeitado pelos rabes. Pouco depois da publicao do informe Peel, comeou o segundo estgio da revolta no Oriente Mdio.23 A Comisso Peel, a 7 de julho de 1937, fez uma proposta, consistente em dividir a Palestina em trs zonas: um estado rabe, um estado judeu e uma zona sob o mandato britnico. A Agncia Judaica (ramo palestino da Organizao Sionista Mundial) aceitou estas concluses com uma reserva quanto s dimenses do estado judeu. O Alto Comit rabe as rechaou. Ressurgiram ento os motins: Londres volta a pr a represso na ordem do dia. Vai ser feroz. As tropas inglesas, a polcia do mandato reforada com milhares de voluntrios judeus, a Haganah, o Irgun, os homens dos Nashashibi (Partido da Defesa do cl rabe dos Nashashibi, apoiado pela Gr Bretanha) rivalizam em assestar os golpes mais terrveis aos insurretos com a beno dos Estados rabes pr-britnicos e dos cls palestinos. O movimento rabe palestino no se recuperar por muito tempo dos milhares de mortos, dos inumerveis presos e deportados, da desagregao de partidos e sindicatos.24 A revolta de 1936-1939 foi o ata de nascimento do movimento nacional palestino contemporneo: em abril de 1936, distrbios locais entre rabes e judeus degeneraram numa revolta generalizada dos palestinos. A revolta j no visava s a colonizao sionista. Dirigia-se, sobretudo, contra as autoridades britnicas, o poder estrangeiro, de quem os palestinos exigiam a constituio de um governo nacional. As autoridades britnicas responderam com uma represso violenta e os sionistas com represlias. Em 1936, Ben Gurion dizia (se referindo aceitao da partilha da Palestina): Um estado judeu parcial no o objetivo final, mas sim apenas o princpio. Estou convencido de que ningum pode nos impedir de nos estabelecer em outras partes do pas e da regio. E agregava mais tarde: o estado ser somente um estgio na realizao do sionismo e sua tarefa preparar o terreno para nossa expanso. O estado ter que preservar a ordem, no predicando, mas com metralhadoras. J em 1948, segundo seu bigrafo Bar Zohar, em sua primeira visita cidade de Nazar haveria dito: porque h tantos rabes, porque no os expulsaram?.25 Os palestinos no renunciavam a uma parte do seu territrio. Os sionistas, que viam um desvio da poltica oficial no s britnica, mas tambm internacional, ainda no aceitavam a idia de criar o estado judaico s numa parte da Palestina, o que aparentemente significaria renunciar reivindicao da totalidade do pas. A revolta palestina continuou e durou at 1939. Considerando invivel o plano de diviso da Palestina, os britnicos fizeram marcha atrs e propuseram no "Livro Branco" de 1939 a criao de um s estado para rabes e judeus, no prazo de dez anos. O mesmo documento propunha o fim da imigrao judaica dentro de cinco anos e limitava a 75.000 o nmero de imigrantes durante esse prazo de tempo. Alm disso, previa uma regulamentao estrita da compra de terras pelas organizaes judaicas. Esse conjunto de medidas implicava que os rabes constituiriam um pouco mais de dois teros dos cidados do Estado da Palestina. O peso dos dois povos na administrao do Estado seria proporcional sua importncia numrica.

    23 Cf. NOVICK, Paul. Solution for Palestine. The Chamberlain White Paper. Nova Iorque, National Council of Jewish Communists, 1939. 24 GRESH, Alain e Dominique Vidal. Op. Cit., p. 54. 25 SCHOENMAN, Ralph. Historia Oculta del Sionismo. Barcelona, Marxismo y Accin, 1988, p.119.

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    O "Livro Branco" de 1939 confirmou a virada na poltica britnica