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Trabalho final da disciplina de Antropologia II pela Universidade Federal do Ceará. Apresentado no V encontro de Ciências Sociais do Ceará.
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GT 5: RELIGIÃO E ESPIRITUALIDADE NA CENA CONTEMPORÂNEA: DESLOCAMENTOS,
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS POLÍTICO-CULTURAIS.
RITUAL E PERFORMANCE NO GRUPO DE CAPOEIRA ÒRUN ÁIYÉ.
RAFAEL LOPES GALDINO (UFC)
ALEF DE OLIVEIRA LIMA (UFC)
ERBERSON RODRIGUES DA SILVA (UFC)
GT 5: RELIGIÃO E ESPIRITUALIDADE NA CENA CONTEMPORÂNEA: DESLOCAMENTOS,
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS POLÍTICO-CULTURAIS.
INTRODUÇÃO
“Se jogar capoeira é bom ou não, eu não sei. Só sei que faço a mais de trinta anos.‟‟
(Mestre M.)
O que dizer de tal afirmação? Que possibilidades de investigação podem ser desveladas
por essa frase? E como é possível interpretar o sentido subjacente que ela conserva? Nem um
livro inteiro poderia responder essas questões de forma total, a experiência antropológica guarda
em si um vasto conhecimento que solicita a curiosidade atenta, uma multiplicidade de
compreensões e abordagens.
Antes de satisfazer os princípios de qualquer introdução comum, precisamos, mesmo que
superficialmente, pontuar sobre o que foi realizar um esforço etnográfico, como ocorreu a
mudança de nosso questionamento sobre a capoeira e de que forma pretendemos apreender tal
questão a partir de outro objeto.
Nós caracterizamos nosso trabalho de esforço etnográfico, primeiro, por não dispormos de
um tempo considerável de vivência com o grupo pesquisado para que houvesse uma experiência
verdadeiramente sistemática de etnográfica. Segundo, pelo caráter de inexperiência de todos os
envolvidos no desenvolvimento do método de observação participante. E por ultimo, por que uma
das principais motivações de sua feitura ser a justificativa de finalização de uma disciplina
acadêmica.
Um esforço é quando, munidos de vontades, tentamos de alguma forma propor e fazer
algo, que corresponda às expectativas circundantes da melhor maneira que encontramos. De
modo que é necessário falar dos empecilhos e oportunidades, naquilo que Malinowski vai chamar
de sinceridade metodológica e de como foi participar efetivamente dos rituais e práticas de um
grupo, e dentro disso relatar os motivos da mudança de tese e reformular toda uma perspectiva de
análise.
GT 5: RELIGIÃO E ESPIRITUALIDADE NA CENA CONTEMPORÂNEA: DESLOCAMENTOS,
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS POLÍTICO-CULTURAIS.
Em Argonautas do pacífico Ocidental, Malinowski nos chama a atenção sobre uma
sinceridade metodologicamente colocada no estudo etnográfico . Esta seria uma forma de
resguardar a densidade e a autenticidade dos resultados das observações e participações das
eventuais manipulações e interferências dos autores, procedimento fundamental da resolução
etnográfica.
Bem, a partir do que foi colocado, o relato sobre nossa questão e sobre sua mudança são
essenciais. Em um momento inicial o nosso estranhamento se localizava nas religiões de matriz
africana, mas devido às incompatibilidades de horários dos membros da equipe não realizamos
essa proposta. Como alguns dos integrantes da equipe mantinham certo interesse na capoeira e já
estudavam de forma esporádica a temática, foi decidida a troca de objeto. Assim após essa
decisão formos procurar a professora da Universidade Federal do Ceará e antropóloga Isabelle
Braz, que gentilmente nos indicou um primeiro contato.
O contato repassado foi de Vinicius Frota, mestre em sociologia, com a tese de mestrado
em capoeira a qual nos possibilitou uma questão circunstancial: como a capoeira se mantém na
tríade jogo, luta e dança? Vinicius nos proporcionou uma articulação com um dos grupos de
capoeira que existem no corredor cultural do Benfica. Então marcamos de se encontrar
regularmente com o grupo, no primeiro dia ocorreu um desencontro, no segundo dia conhecemos
nossos interlocutores mas não participamos do treino. O terceiro dia participamos do treino, o
qual foi bastante cansativo e doloroso. No quarto dia começamos a nos sintonizar com o grupo e
no quinto fomos alvos de brincadeiras e comprimentos.
O início foi inesperado, o momento mais angustiante e frustrante ao qual passamos.
Depois veio o estranhamento, pois só tínhamos falado ao telefone com o nosso interlocutor.
Dessa forma, o encontro “cara a cara” com os participantes do grupo foi impactante,
principalmente ao que concerne ao estereotipo de um capoeirista. Além desse estranhamento, ser
questionado por um cientista social que participava do grupo pesquisado de certa forma provocou
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PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS POLÍTICO-CULTURAIS.
irritação e um sério risco de conflito. No entanto participar dos treinos e dos rituais, suar juntos
com eles, provocou-nos profunda afinidade, que possibilitou um melhor entendimento das
relações que esse grupo mantem entre si e sua relação com a capoeira. É por isso que ocorreu
mudança de tese, não se tratava de estudar a capoeira e sim de como aquele grupo desenvolvia
inter-relações com ela. Que sentido existia nessa relação para eles?
Essa troca de perspectiva analítica não necessariamente alterou os conceitos, teorias e
categorias que iríamos utilizar como estruturação do trabalho, de modo tal que vamos apresenta-
las guiando os nossos capítulos postos aqui.
A interpretação dos treinos e dos sujeitos presentes é feito no embasamento da
antropologia da performance. Atores e atrizes, cenários e figurinos são mostrados por um viés
performático, pelo qual é possível analisar a prática de exercícios por um comportamento
estilizado vislumbrando a problemática do próprio jogo da capoeira. O ponto seguinte é
delineado pela análise do ritual como forma de rememorar experiências, de problematizar a ideia
de secular e sagrado e como eles ocorrem de maneira a articular sociabilidades e socializações
dentro do grupo, dentre outros aspectos.
Para preservarmos as identidades dos participantes/sujeitos da pesquisa, resolvemos usar
abreviações ou nomes fictícios.
UM ENSAIO DE ANTROPOLOGIA DA PERFORMANCE: A CAPOEIRA E SEUS
ATORES.
Na antropologia existem diversas formas de se interpretar danças, jogos e rituais. Todas
com uma densidade impressionante, ainda mais quando tratamos da experiência etnográfica.
Apresentamos aqui uma das possibilidades que a ciência antropológica nos trouxe a partir das
décadas 40/50 sobre as análises da performance como campo empírico e objeto de estudo.
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Nessa linha de análise os componentes do grupo são visto enquanto atores e atrizes que
ensinam uma performance dentro de um plano de fundo chamado palco, possui um cenário e um
figurino que compõe, segundo Schechner, “um comportamento ritualizado condicionado e
permeado pelo jogo” e percebe-se que a performance é um “comportamento duplamente
exercido”. Onde o condicionamento do jogo se constitui transmissível, temos a figura que „puxa‟
os treinos e ensinam os movimentos além que transpassar os exercícios e chegar as duplas que
ensaiam e repetem o que aprenderam.
A ginga, elemento primordial e fundamental do jogo, foi um dos movimentos mais
difíceis e complicados de apreender ou como eles diziam de „gravar‟ no corpo. Pois além de se
constituir como movimento corporal, ela pressupõe um entendimento rítmico, cadencial.
“Demoramos a pegar a noção de ginga que guia todos os outros movimentos.
Trata-se de um ajustamento sincrônico e assimétrico entre braços e pernas, além de um
compasso com o tom da música. Não a rapidez dos movimentos e sim a calma que
orientava os gestos. A musicalidade ritmiza o corpo suado, faz o desligamento do cansaço
insólito que os músculos menos acostumados não aguentaria uma fração [...] O truque é
acompanhar a música, internalizando o movimento é transformá-lo em dança, formalizar
seu entendimento dançando no compasso.‟‟
(Trecho do diário de campo do pesquisador Alef. Anotações do dia 16.01.2013).
Como foi citado no diário de campo, é um movimento sincrônico e assimétrico que ocorre
da seguinte maneira – perna direita com braço esquerdo – perna esquerda com braço direito, tudo
isso feito de maneira harmônica . É um exercício introdutório ao jogo, é feito em conjunto com
a musicalidade, além de trata-se da interiorização da mesma. É o que confere „mandiga‟, a
maliciosidade do corpo, que quer atacar e ao mesmo tempo articula as eventuais técnicas de
defesa. Além de, uma manter curiosa relação de sintonia entre os adversários.
Os participantes jogam em dupla, como maneira de ensaiar os movimentos
exaustivamente no grupo. Devido a este fato, a capoeira é uma luta sequencial onde as
coreografias são dinâmicas, os movimentos se complementam e se opõe uns aos outros.
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Constituindo nos binômios ataque/defesa – entrada/saída. Mesmo sendo uma luta, as
performances na capoeira tem profundo valor estético e não se reduzem as capacidades físicas.
Para possuir um valor estético, identificamos três qualidades fundantes e imprescindíveis
aos movimentos, que são: fluidez, leveza e liberdade. Como foi dito na capoeira angola, o jogo é
terra e na fala de um dos jogadores “é preciso possuir uma verdadeira amizade com o chão”,
confiando no chão como apoio e amigo que lhe passa segurança na execução das séries, além de
conferir ao seu movimento misteriosa liberdade. A terra emana energia, que flui nos gestos e se
transfere no peso e no contrapeso das sequências. A fluidez é a calma de confiar no chão, a
liberdade é a amizade que se tem com ele e a leveza simboliza o corpo que se harmoniza, o
encontro simbiótico e simbólico na dinâmica corpo-chão-movimento.
A performance é o treino que se realiza coletivamente, os movimentos funcionam como
um texto onde os pares se reconhecem e conversam entre si. O figurino sintetiza um corpo duplo,
que interpreta a ritmidade e investiga o adversário. O palco é o ser, o ambiente onde se realiza o
jogo, uma culminância de performances ensaiadas que se encontram. O cenário é plenamente
humano, uma roda ritual onde todos os participantes se reúnem, possuindo um estatuto de cena.
A dramaturgia é feita com intensidade inexorável, os atores interpretam-se em sintonia absurda,
que parecem ser cronometradas milimetricamente.
Assim foi uma das cenas vistas ainda no treino do mestre M., onde ensaiavam
movimentos complexos, que se encadeavam em uma mistura de ritmidade e intimidade. Cada um
se olhava, reconhecia e lia o outro, atacavam-se e defendiam-se. O movimento “rabo
dearraia”, que era um exercício de perna que se dirigia ao outro na altura do pescoço, era
passado com uma “negativa”, um movimento de esquiva, um quase jogar-se ao chão, onde o
rosto passava a milímetros da terra.
Parece por alguns momentos, não só uma luta ou um jogo, mas um quadro, tão bem
pintado e contrastado, que não imaginaríamos tratar-se de lutadores, mas sim de crianças bem
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sincronizadas que brincavam com o corpo de maneira intensa, suando e sorrindo como um
contentamento pelo esforço feito. Algo transpassava o físico, angariava os jogadores uma
dimensão isolada de qualquer outra cena que por ventura estivesse acontecendo. Presenciamos
uma brilhante performance.
OS ASPECTOS RITUAIS DA CAPOEIRA.
Os rituais permeiam nossas vidas, nosso cotidiano. Ele está presente em inúmeras ações
do nosso dia-a-dia e nem nos damos conta dele ou de que estamos o praticando. Isso é comum,
visto que o ritual está, predominantemente, associado com as práticas religiosas, pois suas
realizações dentro desta esfera são bem marcadas, e claramente as percebemos. Enquanto o ritual
na vida cotidiana, por ser algo tão comum e corriqueiro, não é identificado em nossos atos, não
conseguimos distingui-lo do hábito, da rotina. Dessa forma, uma interpretação da capoeira sob
esta óptica nos abre um leque de percepções que antes passavam despercebidas. Além de ser uma
dimensão que é instigante, por si só.
A casa onde eram realizados os treinos de capoeira era repleta de quadros (que iam desde
as paisagens aos de orixás), de esculturas e de instrumentos musicais (como berimbaus,
atabaques, pandeiros e etc.), todos esses objetos contribuíam para constituir um universo
simbólico, que começava a lhe influenciar e a lhe transpor para aquele mundo desde sua entrada
no espaço. Antes de começar o treino, as primeiras pessoas que chegavam sempre realizavam
uma rápida limpeza do local (retirando, com a mão mesmo, alguns copos plásticos, sacos, entre
outras coisas, que estivessem no meio do quintal), deixando-o próprio para o início do treino.
Durante essa limpeza, quem as fazia a realizava de forma concentrada e em silêncio, de forma
que seus estados espirituais já começavam a ser afetados por aquele tempo e espaço. Este ato que,
aparentemente, pode parecer ingênuo e sem nenhuma carga de significação além da óbvia (que é
de limpar o espaço), também trás consigo uma dimensão ritual implícita. Cria-se um sentimento
de communitas antes mesmo de se iniciar o treino.
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O aquecimento começava quando fazíamos um círculo e realizávamos alguns
movimentos de alongamento. Após cerca de vinte minutos realizando-os, começava-se então a
realização de alguns movimentos/golpes da capoeira angola (sempre supervisionados e
comandados pelo mestre ou pelo seu substituto). Neste momento, toda a dimensão ritual já estava
agindo naquela cena, no sentido de que começava a reforçar e a codificar a hierarquia dentro do
grupo. A hierarquização dentro do grupo de capoeira estudado era marcada pela figura do mestre,
como aquele que tinha o mais alto posto dentro do grupo, aquele que dominava a técnica e a
tradição, além de ser a pessoa que a mais tempo praticava a capoeira (requisito fundamental para
se chegar ao status de mestre – o M., por exemplo, durante um treino, falou que tinha mais de
trinta anos dentro da capoeira). A única expressão clara de um “posto maior” dentro do grupo era
o mestre, porém posso adicionar o fato de que as pessoas que mais tinham experiência, que a
mais tempo treinavam no grupo, obtinham, também, certo status naquela cena (essa ideia fica
clara, quando, por exemplo, o mestre faltava o treino e quem o guiava era algum de seus alunos,
os que mais tinham desenvoltura na prática). Com o início do treino, propriamente dito, a
hierarquia também poderia ser observada, pois os movimentos eram feitos em dupla, e os mais
experientes quase sempre ficavam com os mais experientes. Porém, em certa altura do treino
presenciava-se tal empolgação e um entusiasmo coletivo, que poderíamos caracterizar este estado
como a segunda communitas do treino. Neste estado, o status era abolido (até o mestre, mesmo
mantendo certa superioridade de sua posição de condução do ritual, chegava a participar e a
interagir mais com os alunos), os participantes mais experientes jogavam com os menos
experientes, além do fato de os mesmos exercícios serem exigidos tanto aos mais quanto aos
menos experientes, as trocas de olhares eram mais intensas, os apertos de mão marcavam o final
de cada sessão de movimentos realizados com seu par, entre outros aspectos.
Durante boa parte do treino, principalmente nesses momentos de euforia e igualdade
coletiva, os instrumentos exerciam grande influência dentro do ritual. O mestre constantemente
frisava sua importância, dizendo que nós deixássemos o som, o ritmo, entrar em nós e nos guiar,
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sempre sincronizando as batidas do coração com as batidas da música. Ela ajuda a criar um clima
de “segunda realidade” separada da vida cotidiana. Dessa forma, o ritual contribui com a
transformação, mesmo que temporária neste caso, da pessoa. É dentro desses aspectos que o
participante se sente a vontade de experimentar o arriscado, o novo, dentro da capoeira e de seus
movimentos (em contraposição à “vida real”, marcada por tabus). Nessa dimensão é também
onde se expressa um refúgio ao estresse da vida cotidiana.
Quando o treino vai se aproximando de seu término alguns aspectos rituais vão
diminuindo de intensidade, como se significasse um chamado para a realidade, para a vida
cotidiana. Um exemplo disso é a música, visto que quando o treino está próximo do fim (em
algumas vezes, durante o meio do treino também) os instrumentos que eram tocados (berimbau,
atabaque, e etc.) eram substituídos pela música de um aparelho de som.
Para encerrar o treino, o mestre sempre nos chamava para sentarmos no chão em formato
de círculo. Era nesse momento que acontecia uma espécie de “roda de revivificação”,
onde eram relembradas e tocadas músicas de capoeiras, as quais citavam os orixás, santos, além
de fazerem referência a fatos história e a personagens, dentro da capoeira. Era nesses momentos
que nós (pesquisadores), que estávamos em um estado de liminaridade (TURNER, 1974.), mais
sentíamos os sentimentos de pertença e de acolhimento dentro do grupo. Nessas rodas, o
mestre nos dava a oportunidade de expressarmos o nosso sentimento e sensações a respeito do
treino daquele dia, ele reforçava alguns ensinamentos visto durante aquele treino, além de dar
alguns informes ao grupo. E, dessa forma, o treino chegava ao fim.
Podemos dividir os rituais em dois tipos principais: os sagrados e os seculares. O primeiro
deles é, segundo Schechner, a expressão ou a promulgação de crenças religiosas, enquanto os de
segundo tipo estão associados com cerimoniais, vida viária, esportes, dentre outras atividades que
não tenham caráter, especificamente, religioso. Porém, essa divisão não é genuína nem
homogênea, e é dentro dessa perspectiva que considero a capoeira como uma prática que assume
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as duas características. Dessa forma, a capoeira é um ritual sagrado (ao expressar certas
características religiosas, além de invocar proteção e forças sobrenaturais, como o Axé) ao
mesmo tempo que é um ritual secular (ao estar associado a vida diária dos participantes, por
muitos o considerarem um esporte, e etc.).
CONCLUSÃO
Ao sermos apresentados à temática da capoeira, pensamos em aborda-la a partir da sua
tríade, aparentemente paradoxal, de jogo, luta e dança. Com o decorrer dos encontros e,
consequentemente, das vivências com o grupo, percebemos que nosso objeto de pesquisa se
encontrava muito mais na relação que os participantes mantinham com a capoeira, a partir de
múltiplos planos e motivações passíveis de serem interpretadas. Dessa forma, a capoeira não saiu
da pesquisa, porém se colocou como nosso campo empírico.
Os aspectos abordados no desenvolvimento do trabalho, foram aqueles que mais
instigaram os pesquisadores e destoaram, segundo os mesmos, das abordagens tradicionalistas. A
capoeira abordada como fato social total, ajudou-nos a ter a inspiração para tratá-la a partir de
múltiplos planos, além de ter ampliado nossa perspectiva de sua compreensão como algo que se
processa dentro de relações no próprio grupo.
Após cinco encontros com o grupo de capoeira angola Órun Áiyé e quando nos vimos no
período de desenvolvimento do trabalho, percebemos quantos aspectos importantes foram
vivenciados e poderiam ser relatados, dos quais tivemos que nos esforçar para selecionar os que
iriam ou não ser abordados (além dos aspectos que gostaríamos de nos ter dedicado mais para
desenvolvê-los). Relações de gênero, de poder, do ritual como uma forma de planejar ações e
estabelecer lógicas organizacionais, entre outras temáticas, foram presenciadas e percebidas pelos
pesquisadores, porém nos deparamos com um empecilho que limitou consideravelmente nossa
pesquisa e nossas abordagens: o pequeno período de convivência e de participação dentro do
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grupo. Deste modo, tivemos que nos focar e tentar nos aprofundar, ao máximo possível, dentro de
temáticas e aspectos delimitados.
O nosso trabalho de campo com o grupo Órun Áiyé, como uma das primeiras
experiências etnográficas que os pesquisadores já tiveram, foi uma aula de Antropologia prática.
No sentido de que fomos desafiados e instigados a utilizar em nosso cotidiano, teorias que muitas
vezes se distanciam de nós, que consideramos inaplicáveis ou até mesmo diacrônicas, se vistas
fora do contexto da sala de aula.
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, Carlos Vinicius Frota de. “Tá na água de beber”: Culto aos ancestrais na
capoeira. Fortaleza: UFC, 2012.
DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: Para uma sociologia do dilema brasileiro.
Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
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HERSKOVITS, Melville J.. Antropologia cultural: Man and his works (II Tomo; 1° parte). São
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LABAN, Rudolf. Domínio do movimento. São Paulo: Summus editorial Ltda., 1978.
LIGIÉRO, Zeca (Org.). Performance e antropologia de Richard Schechner. Rio de Janeiro:
MAUAD Editora Ltda., 2012
PATIAS, Jaime Carlos. O sagrado e o profano: do rito religioso ao espetáculo midiático. 08
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RODRIGUES, Lea Carvalho (Org.). Rituais, dramas e performance. Fortaleza: Edições UFC,
2011, pg. 7 – 43.
TURNER, Victor W.. O processo ritual: Estrutura e antiestrutura. Rio de Janeiro: Editora Vozes
Ltda., 1974.