Roberto Alvim - Pinokio

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  • 8/16/2019 Roberto Alvim - Pinokio

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    pinokio por roberto alvim –  2010

    “ Lá no f undo teu pai jaz

    com seus ossos de coralnos olhos pérolas trazpois o seu corpo mortalfoi tr ansformado no marem tesouro singular.”  “A Tempestade”, W. Shakespeare 

    figuras

    A MULHER VELHAO HOMEM VELHO

    O MENINO

    A MULHER DE AZUL

    O GRILO FALANTE

    A AGENTE DA LEI

    em um salão vazio

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    escur idão

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    O GRILO FALANTE.

    no princípioum boneco

    veioseivasmadeirado jardima madeirae o vento lá fora

    sóo céuraízes no céuvazioe as raízesraízes no céu no ventre as raízesdo céu

    no princípio umsódo jardim um ecoe a vertigemvertigem

     perguntas?

  • 8/16/2019 Roberto Alvim - Pinokio

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    A MULHER VELHA.

    só o que faltaé undar-se à máquinaquer ele unar tudo

    urdir-me à máquinaele dissequero untir-me

     pode a máquina sósatisfanar no drenovastos bolsões vastosdrenando drenindo

    à máquinaunzar-meele disse

    O HOMEM VELHO.

    lá sentadoem sua terra lugarnenhumnenhum lugar seus planos

     para ninguémem ritorno não + hánada atrás nadanada + paratrás?nãonadamas em frente + nafrente ou foraFORA+

     porque de onde se vê nada para vermas fora

    talvez

    A MULHER VELHA.

    mas sulcando sapadostalvezcrescendo em satélites saposdesatélitesde girinosbaleiasem outrosoutros códiceslinhas de outras fugascrescendoou paisagens outrasdo corpo da mente da alma

     paisagens novas do espíritocorpomas em outroqual? ela disseoutro

    O HOMEM VELHO.

    o fim de algoé tambémum começo?

  • 8/16/2019 Roberto Alvim - Pinokio

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    O MENINO.

    você está láa casasua minha casa a casa que é dele minha sua vocêeu estou lá aqui

    ele está você sempre esteve eu sempre aqui na casa láque é dele minha casa sua nasceu nela cresceu ela cresceu com ele em vocêneleemmim esta casaonde estamosagora

    canos dutos tubulações

    escoam os restos de você detritos restos meus seus restos dele escoam pelos canosintestinos vísceras tubulações da casa o esgoto água encanada saliva e suor e restos edetritos seu ventreOLHE EM VOLTA

    salaquartos paredes pode ver?ele podeeu posso?infiltrações nas paredes estrias na pele da casa em sua pele minha crescendo como rugas otempo? eu digo o tempo ele responde

    e o porão

    rãs no porãosapos vivem lá

    vivemmorrem procriam aqui nas poças do porão as ovas girinos se alimentando da umidadeque + cresce se expande musgotecido + se espalha é o tempo que passa você diz que cresceele fala dentro da casa eu respondo a chave?vocêeuele pergunta da casa a chave?mas é só queque não hánão há chave

    só agora você só agora percebe compreende vocêque não há chave não veio com a casa não chave? não há só agora eu compreende? estátrancadoele eu compreendodentrovocêvocêcompreendeu?mesmo?

  • 8/16/2019 Roberto Alvim - Pinokio

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     porque a casa enfim porque a casa finalmente a casa porqueé o corpocelacorpo

    cubículocarne lacrada prisão da pele os órgãos algemas para sempre e parasempre? você pergunta aindamas você perguntade dentrocomo se corpomuro celacubículoroto infiltrações tubos vísceras cárcere testículos veias eum ovário a pele correntes e não hásaída possível não há casacelacorpo + o temposaída?

    o tempoe a casae não há

    ou não haviaou não havia saídado corpo do tempo fuga possível nãonão há saídaou não haviaou não haviafuga do corpo saída possível nãonãonão haviafugasaída

    até agora

  • 8/16/2019 Roberto Alvim - Pinokio

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    A MULHER DE AZUL.

    o parque é negrodaquium parque todo negro as árvores

    é porque são escuras as árvoresolhando daqui

    no rio escuro à beira o corpo do peixe no rio escuro tem na boca o gosto da boca no hospitalé só impressão?os pés e pernas e doem que as pernas mas sem gritos estão inchadas?gritando também as mãos e os olhos e a cabeça a minha não é engraçado? porqueestá crescendo ou?

    está crescendo é só impressão?não é engraçado? por causa da dor é só?a cabeça minha uma impressão?

    não venta mais

    não

    o tumor está dentro lá acordado em silêncioo tumor está a salvo aqui dentro mesmo quando ventanunca dorme o tumor que cresce sempre a salvo na cabeça crescendo em silêncioo tumor trabalha enquanto uma mulher de azul passaatravessa o parqueo parque negro como o tumor que crescesem gritosolhando daqui

    isso tudo aconteceu ANTES

  • 8/16/2019 Roberto Alvim - Pinokio

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    escur idão

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    O GRILO FALANTE.

    farpa pedaço soltosoltouma lasca daquilo solto

    lascafarpasolta daquilo

    e agora

    O MENINO.

    debaixoembaixo daquela vê? nessa pontena ponte e debaixo delalusco fusco

    reboco que cai ali assim sentadinho na terra os grilosanimaizinhos as formigas todas elas uma rã tambémestes todos animaizinhoscapturados aqui embaixoele na terra sou eu sentadinho aliagora bichos de estimação é para mimmeus bichos meus pra estimação é uma rã?duas formigas quatro o grilo aleijado é que falta só umauma perna é uma só?aleijados comem gramadou pra eles a grama é pedacinhos

    suficiente não vão morrer de fome é assim?não comigo agora eu dou não é assim?a comidada ponte embaixocai a água do teto goteiras é pura em gotas caindo são goteira de beber pingando aquiembaixoe nos pésé o rio barulho nos péscorrendo devagar acalma sempre desde que dá pra ouvir

    o barulhoé o riocorrendosempre

    mamãe?

  • 8/16/2019 Roberto Alvim - Pinokio

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    é bem de comer peixe eué tudo bem de comer eles não sentemeles não esses peixes nenhuma não é?os peixesnenhuma dor

     papai?

    não é assim?

    lusco fusco

    escuta

    olha

    olhaolha paimãegrilorãé alguém?

    alguma coisa um alguém?uma coisaé alguémcoisaEI?

    alguma coisaestá vindo pra cá

    A MULHER VELHA.

    se com rurbôtosdo espelho + nãorostes de purcados por onte vertensem vãos de chão sóno alto nada de não +RUR EM PEDAÇOS MAS UNANDOsem temponão mas encarnadoem aço carne encarnadoum corpo

    A MULHER DE AZUL.

    só?

  • 8/16/2019 Roberto Alvim - Pinokio

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    O HOMEM VELHO.

    casulo ainda

    A MULHER VELHA.

    as rostes em ordasconspurcados é metamorfosefalanges em corpoquimerascorpo da rã o corpo do sapoa baleiamorcegogirinos de larva

    A MULHER DE AZUL.

    é de um corpo só que fala?

    A MULHER VELHA.

    eu a larvaou elevocê

    O HOMEM VELHO.

    ou menino?

    A MULHER DE AZUL.

    não

    A MULHER VELHA.

    o menino a larva?

    O MENINO.

    na ponte aqui

    A MULHER VELHA.

    é o menino?

    O MENINO.

    na ponte embaixo alguém está vindo coisaalguém

  • 8/16/2019 Roberto Alvim - Pinokio

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    A MULHER VELHA.

    O MENINO

    O MENINO.

    coisaalguém láaqui

    O HOMEM VELHO.

    larva ova

    O MENINO.

     pra cá?

    A MULHER DE AZUL.

     NÃO

    ( )

    O GRILO FALANTE.

    que nãonão émaldição? não

    mas graça + benção

    mentealmaexcrescênciaa alma?verruga um cancro a mente do corpo porque o tumor cerebral é é écomocomo conviteo convitetumor do outro um começo

    a cabeça?excrescênciaVERRUGA

    A MULHER VELHA.

    eu entãosua mãe eumamãeelaeuele seu pai papaialiagoraaqui

  • 8/16/2019 Roberto Alvim - Pinokio

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    O HOMEM VELHO.

    o homem velho caminha pelas ruas dentro pelas ruas caminhou mas agora nas de dentro caminha

    ele vê a mulherdeazul uma mendiga? perguntava ainda vivedorme no parquecorroída a mulherdeazul ele vê se corrói por estar alinão no parque mas dentro presauma prisioneiraem seu corpo o próprio presa da doença ela grita corroída por estar dentroprisioneirao homem velho caminha pelas ruas de dentro ao seu lado a mulher velha vê tambémé a mendiga? ela perguntae ele repara depois ela sorria mulher velha vendo também ele reparaa mulher velha sorri

    um sorriso

    MENINO.

    EI?

    A MULHER VELHA.

    sou eu

    MENINO.

    mamãe?

    A MULHER VELHA.

    e ela sorri

    filho?

    e elaeu sorrindo finalmente enfim sorri agorameu filho

    o que você vê?

    MENINO.

    o menino olhaolhaolhae vê

  • 8/16/2019 Roberto Alvim - Pinokio

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    é o amor?

    no fim?

    eu vejo mamãe eu

    o amormas ouço gritos os gritos da queda antesvejo a fumaça nas torres antesos óculos dos velhos quebrados por botas os velhos mulheres crianças caídas cercadasvejo a doença nas ruas os vidros partidosdas vitrines EXPULSOS todos os homens expulsos

    e vejo o amor

    no fim

    toda a sua glória em sua do amor toda perfeita

    A MULHER VELHA.

    me dê sua mãofeche os seus olhos

    A MULHER VELHA / O MENINO (acompanhando A MULHER VELHA num

    sussurro).

    MOSTRAI-ME SENHOR A VOSSA FACE

    E O SENHOR RESPONDERÁ

    EIS A ALIANÇA

    A GRAÇA

    A IMAGEM EIS A SEMELHANÇA

    ENFIM RESTAURADA

    EIS

    AQUI

    A FACE DE DEUS

  • 8/16/2019 Roberto Alvim - Pinokio

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    escur idão

  • 8/16/2019 Roberto Alvim - Pinokio

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    A MULHER DE AZUL.

    de onde vem a dor?ela gritade onde vem?grita ela sozinha no parque

     porque não pode percebercompreender ela não nenhum de nós ninguém até agoraque a dor não vem da doença nãoque a doença é o caminho para além da dore ela grita sem percebercompreenderque o tumor é um bebêque pare um corposem cabeça

    O HOMEM VELHO.

    ele Adão

    A MULHER VELHA.

    ela Eva

    O HOMEM VELHO.

    este lugareste tempoo paraísoreencontradoredescoberto

    A MULHER VELHA.

    construídoinventado

    entra A AGENTE DA LEIcaminhapárahesita

    caminhahesitapára

    caminha hesitante para o que vê

  • 8/16/2019 Roberto Alvim - Pinokio

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    A AGENTE DA LEI.

    Um corredor imundo. Comecei a andar devagar, muito devagar, comecei a me aproximardevagar da porta pesada de madeira que estava aberta, entreaberta, eu podia ver agora. Ecada passo era dor porque minha pele estava gelada, porque um frio terrível fazia doer cadaosso do meu corpo, cada músculo. Difícil respirar, o coração quase explodindo. Era medo.

    Era terror. Porque havia alguma coisa atrás da porta. Mas havia também o dever, a Lei, e euempurrei e empurrei a mim mesma e entrei. E o que havia estava lá.

    O que estava lá tinha a ver com aço e carne, nervos e motores, expostos. Sangue e óleo,circulando em tubos infinitos. Pedaços acoplados, em cicatrizes, ligados uns aos outros, os pedaços, costurados, nascendo, brotando uns dos outros, glândulas e metal, músculos,tendões, circuitos. Mas não uma cabeça, não, cabeça não, nenhum rosto, só partes. De umcorpo. Uma criança? E os tubos, os fios, e o sangue, espécie de sangue, negro, sanguenegro, óleo e sangue, circulando nos tubos, pelos canos, misturados em dutos.

    E o que estava lá, aqui, diante de mim, à frente, tinha a ver com imortalidade também. Esexo. Orgasmos? Não  –  sexo. Eternamente.

    É um menino?

    O GRILO FALANTE.

    efeito fantasma perder um membro braço perna línguasentir o membro mesmo depois de perdidoe se você sente o pedaçoentão o pedaço perdido decepado separadoentão o pedaço a partetambém SENTEVOCÊ

    A AGENTE DA LEI.

    Uma máquina?

    A MULHER DE AZUL.

     porque não era o corpo a prisãoo corpo? nãoa prisão era a alma ela compreende finalmente antes de morrere o tumor um bebê ela compreende um instante antes de morrer parindo o corpo novosem cabeça

  • 8/16/2019 Roberto Alvim - Pinokio

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    A MULHER VELHA.

    o corpoem corpo hibridado três dias em fimglorioso o corpoanfíbio surgindo do mar eternosobe à terra desce dos céus espíritoemcorpo

    encarnado glorioso

    A AGENTE DA LEI.

    O que era aquilo?, ela se perguntou ainda, antes de deixar de ser, para sempre, quem ela foium dia.Aquilo, isto, o que é?O QUE?

    O GRILO FALANTE.

    no princípio do princípioé o que eu sou agora

    O HOMEM VELHO.

    tantas mortes para uma única vida plena em eternidadetantos cadáveres para um único último corpo

    A MULHER VELHA.

    ressuscitadoglorioso

    cai de joelhos A AGENTE DA LEI

    A AGENTE DA LEI.

    meu amor

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    escur idão

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    fim