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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA RURAL E URBANO NOS MUNICÍPIOS DE PRESIDENTE PRUDENTE, ÁLVARES MACHADO E MIRANTE DO PARANAPANEMA: DOS MITOS PRETÉRITOS ÀS RECENTES TRANSFORMAÇÕES PRISCILLA BAGLI Presidente Prudente 2006 unesp

RURALEURBANONOSMUNICÍPIOSDEPRESIDENTE PRUDENTE, ÁLVARESMACHADOEMIRANTEDO PARANAPANEMA: DOSMITOSPRETÉRITOSÀS RECENTESTRANSFORMAÇÕES

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Dissertação sobre o rural e o urbano

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTACAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE

    FACULDADE DE CINCIAS E TECNOLOGIA

    RURAL E URBANO NOS MUNICPIOS DE PRESIDENTE PRUDENTE, LVARES MACHADO E MIRANTE DO

    PARANAPANEMA: DOS MITOS PRETRITOS S RECENTES TRANSFORMAES

    PRISCILLA BAGLI

    Presidente Prudente2006

    unesp

  • UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTACAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE

    FACULDADE DE CINCIAS E TECNOLOGIA

    RURAL E URBANO NOS MUNICPIOS DE PRESIDENTE PRUDENTE, LVARES MACHADO E MIRANTE DO

    PARANAPANEMA: DOS MITOS PRETRITOS S RECENTES TRANSFORMAES

    PRISCILLA BAGLI

    Dissertao apresentada ao Departamento de Geografia da Faculdade de Cincias e Tecnologia de Presidente Prudente da UNESP para obteno do ttulo de Mestre em Geografia.

    Apoio : Fapesp Fundao de Apoio a Pesquisa do Estado de So Paulo.

    Orientador: Bernardo Manano Fernandes.

    Presidente Prudente2006

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    unesp

  • PRISCILLA BAGLI

    RURAL E URBANO NOS MUNICPIOS DE PRESIDENTE PRUDENTE, LVARES MACHADO E MIRANTE DO

    PARANAPANEMA: DOS MITOS PRETRITOS S RECENTES TRANSFORMAES

    COMISSO JULGADORA

    DISSERTAO PARA OBTENO DO GRAU DE MESTRE

    Presidente e orientador: Bernardo Manano Fernandes

    2 () examidador (a): Maria Encarnao Beltro Spsito

    3 () examinador (a): Jlio Csar Suzuki

    Presidente Prudente, 12 de Abril de 2006.

    3

  • Ao meu pai, Jos Haroldo, a minha me, Ana

    Maria, aos meus irmos, Ricardo e Fabrcio, a minha cunhada, Silvia, e, especialmente ao meu

    sobrinho, Caio Vincius: pessoas queridas das quais estive distante (por diversas vezes) em razo da

    dedicao vida acadmica.Eis o resultado, enfim.

    A vocs, dedico com todo amor e carinho.

    4

  • AGRADECIMENTOS

    A minha me Ana pelo carinho e seu jeito coruja de ser.

    A alguns professores mais do que especiais: Prof. Srgio Braz Magaldi,

    porque a confiana em mim depositada durante os anos de graduao solidificou as bases da

    minha caminhada; Prof. Antonio Nivaldo Hespanhol, pois suas disciplinas sempre

    contriburam para aprofundar minhas reflexes; Prof. Joo Osvaldo Rodrigues Nunes, que

    com ateno se ocupou em ler minha dissertao e dar contribuies; Antonio Thomaz Jnior,

    que, embora distante no momento da dissertao (o homem foi para a terra das touradas),

    sempre esteve presente em minha vida acadmica, seja nas disciplinas, nos trabalhos de

    campo, nas bancas de monografia e projeto de mestrado. Essa dissertao como um

    mosaico: tem um pedacinho de cada um deles.

    Aos amigos: Sandro Rodrigues (Sandro), Rones e Robson (os

    inseparveis), Jean talo (esse, o apelido no posso revelar), Simone (Casadei), Eduardo (Du),

    Moiss (Moisa), Solange (cobrssima), Cristiane Ramalho (Cris), Juliana (Criartura), Evandro

    (n-cego, doidinho), Jovelino (Zumbi dos Palmares), Antonio Carlos (Tonho), Clves (esse

    nem precisa de apelido, porque todo mundo conhece), Anderson (Boca), Alexandre

    Bergamim (Miss Simpatia, Z Buscap, Sr. Bronca), Elaine Branco (Saudade!), Silvinha,

    Fernando (Palhao), Mafer (o figura), Rusvnia (Rus), Marli (minha companheira de trabalho

    de campo), Sade (se ele tem nome eu desconheo), Fransrgio (com esse nome nem precisa

    de apelido), Tatiana (Tati), Juliana (Ju) e a todos os outros que, na Geografia do Bar,

    discutiram, conceitualizaram e teorizaram sobre a temtica em questo. Alguns deles, hoje,

    to distantes fisicamente, mas sempre presentes em minhas lembranas.

    Aos amigos que levarei para sempre comigo, mesmo que em lembranas:

    Diana, minha eterna confidente; Roberto Frana, meu companheiro de casa, onde fizemos

    muitas discusses acaloradas; Patrcia Artuza, amiga de farra e trabalho; Joo Fabrini, meu

    quase co-orientador, sempre disposto a contribuir em minhas reflexes.

    A trs pessoas mais do que especiais, daquelas que a gente s encontra uma

    vez na vida (que sorte a minha ter conhecido logo trs!): Matuzalm, Elias Noronha e Vitor

    Miazaki. Se outras pessoas tambm no os conhecessem, pensaria que eram apenas meus

    amigos invisveis (desses que a gente s possui em devaneios e por isso so to completos).

    A trs pessoas que salvaram minha dissertao por problemas tcnicos em

    dois momentos: Gardim (NAPEGe), Jos Roberto (Ceget) e Fabrcio (meu irmo). Se no

    fossem eles, eu no teria conseguido abrir aqueles malditos arquivos!

    5

  • bibliotecria Ftima pela ateno, pacincia e dedicao que valorizam a

    cada dia o seu excelente trabalho.

    FAPESP pelo apoio financeiro, sem o qual o trabalho teria ficado muito

    mais difcil de ser realizado.

    A todos os entrevistados: prefeitos, assistentes, trabalhadores do campo e da

    cidade que contriburam direta e indiretamente para o desenvolvimento da pesquisa.

    Ao Marcos Olmpio, para mim simplesmente Quinho, namorado, marido,

    eterno amante, pela fora e, principalmente, pela pacincia e companheirismo, pois sem ele, a

    minha vida no estaria completa. E tambm s cobranas, pois tantas foram as vezes que ele

    me disse: voc no vai escrever no?

    Ao meu sobrinho Caio Vincius, porque a luz dos seus olhos, a doura do

    seu sorriso e a aparente fragilidade fortalecem a cada dia todas as minhas esperanas. E

    tambm desculpas, pois tantas foram as vezes que lhe neguei ateno em funo dos trabalhos

    acadmicos. Agora, Caio, a Tia Pi vai poder binc com voc!

    6

  • Vivendo agregado

    Sujeito explorao

    Enquanto imensas terras

    Esto sem produo

    Latifundirios e o prazer de possuir

    Assassinam camponeses

    Que tentam invadir

    Sem terra para plantar

    Sem terra para morar

    Sujeito a humilhao

    No resta outra opo

    Invadir...

    Abuso Sonoro

    7

  • RESUMO

    Este trabalho surge da necessidade de compreender as atuais transformaes

    ocorridas no campo e na cidade. Transformaes que tm refletido de forma direta na

    reorganizao dos espaos, na redefinio de relaes, na constituio de novas

    territorialidades (rurais e urbanas). As reflexes aqui contidas foram realizadas no sentido de

    compreender o momento atual, sem, contudo, desvincul-lo do processo histrico. O ponto de

    partida foi a busca pelas origens do processo de dicotomizao entre campo e cidade, rural e

    urbano. Dicotomia fundamentada em mitos que ora consolidou a supremacia da cidade e do

    modo de vida urbano, e ora fortaleceu a idealizao do campo e do modo de vida rural. Mitos

    historicamente construdos e que contriburam para consolidar ideologias ainda presentes nos

    dias atuais. O trabalho aponta para a necessidade destituir de tais mitos ao analisar as

    mudanas recentes para que idealizaes e depreciaes no impulsionem novos equvocos. O

    territrio um dos aportes para a compreenso da realidade em transformao. Obviamente

    que os desdobramentos do processo de construo do territrio tambm so analisados:

    territorializaes, territorialidades, desterritorializaes, reterritorializaes. So esses

    processos que permitem compreender a existncia de ruralidades no interior das cidades e de

    urbanidades no campo. So eles tambm que contribuem para o entendimento da nova

    realidade em construo que coloca em xeque interesses contraditrios, relaes conflitantes.

    Os municpios de lvares Machado, Presidente Prudente e Mirante do Paranapanema foram

    tomados como base emprica do trabalho. A anlise comparativa realizada nesses municpios

    apresentou diferenas no tipo de relao estabelecida entre campo e cidade. Diferenas que,

    sobretudo, apontam para a necessidade de considerar os desdobramentos de lgicas

    diferenciadas: uma impulsionada pelo processo de constituio de novas ruralidades do

    campo (o rural como espao de lazer), e outra impulsionada pela implantao dos

    assentamentos rurais. O trabalho finda com a tentativa de reconceituar rural e urbano frente s

    mudanas atuais, procurando ressaltar as diferenas existentes entre ambos e as

    complementaridades estabelecidas por tais diferenas.

    Palavras-chave: rural urbano campo cidade territorialidades - novas ruralidades

    8

  • ABSTRACT

    The present work seeks to understand the transformations occurring in the country and city

    because these changes reflect a reorganization of space, a redefinition of the rural and urban relation and the

    constitution of new territories. While analyzing current changes, the dissertation also reflects on the historical

    processes creating these transformations. The starting point was a search for the origins of the country-city and

    rural-urban dichotomies. The dissertation argues that these dichotomies were often based on myths that either

    sought to advance the supremacy of the city and the urban way of life or fortify the idealization of the country

    and the rural way of life. These representations were constructed historically, consolidating ideologies that

    continue to the present day.To avoid mistakes based on the idealization and depreciation of rural and urban space

    in the future, the dissertation deconstructs the myths. Analisis of the territory contributed to understanding the

    reality in transformation. In the unfolding process of construction of territory it was also necessary to examine

    the processes of des-territorialization, re-territorialization and territorialities. This form of analysis permitted

    understanding the existence of ruralities inside cities and of urbanities in the country. They also helped

    comprehend the continuity of contradictory interests and conflicting relations in the construction of new realities.

    The cases analyzed empirically are the municipal districts of lvares Machado, President Prudente and Mirante

    do Paranapanema in Sao Paulo state, Brazil. Comparative analysis of these three areas presented interesting

    differences in the type of relation established between country and city. Differences that, over all, demonstrate

    the importance of considering the distinctive logic of the unfolding process in different places. In one case, the

    process resulted in the constitution of new ruralities in the country- the rural as leisure space - and in other cases,

    stimulated the implantation of the rural nestings in urban space. The work concludes with an attempt to re-

    conceptualize the rural and urban characteristics of current transformations in Brazil, creating concepts that can

    help us understand the differences between the country and the city and how they complement each other.

    Key-words: rural urbain country city territorialities - new ruralities

    9

  • SUMRIO

    INTRODUO............................................................................................................................... 14

    1 CONHECENDO OS MUNICPIOS ESTUDADOS...................................................................... 22

    2 CAMPO E CIDADE: A CONSTRUO DOS MITOS................................................................ 42

    2.1 Supremacia urbana: a idealizao das cidades.......................................................................... 42

    2.2 Romantismo: a idealizao do campo e do modo de vida rural............................................. 47

    2.3 Contra-ataque aos romnticos:... e a dicotomia se perpetua................................................... 53

    2.4 Passado e presente: dos mitos pretritos s discusses atuais................................................ 55

    3 TERRITRIO E SEUS DESDOBRAMENTOS: REFLETINDO AS TRANSFORMAES .............................................................................................................

    61

    3.1 Territrio e territorialidades: repensando conceitos .......................................................... 62

    3.3 Repensado o rural e o urbano a partir do territrio e das territorialidades.......................... 67

    4 PARA ALM DA CIDADE E DO CAMPO ................................................................................. 70

    4.1 A lgica da negao-afirmao.................................................................................................. 72

    4.2 Entre e campo e a cidade: a periferia urbano-rural............................................................. 75

    4.3 Periferia: o elemento mediador da trade............................................................................ 79

    5 URBANIZAO DO CAMPO: FATO OU MITO?...................................................................... 85

    5.1 Do rural ao agrcola: a setorizao redutora....................................................................... 93

    5.2 O novo velho atributo: a ressurreio dos mortos.............................................................. 96

    5.3 Novas ruralidades: a fetichizao da mercadoria verde...................................................... 102

    5.4 Definio indefinida: o decreto obsoleto e a negao como critrios................................ 116

    5.5 Sobre o agronegcio e o negcio campons....................................................................... 130

    5.6 Esboando um breve eplogo.............................................................................................. 150

    6 AO E REAO: CONTRADIES DAS NOVAS TERRITORIALIZAES E TERRITORIALIDADES.......................................................................................................

    152

    6.1 Em busca do outro:suprimindo as ausncias pelas estratgias territoriais.......................... 153

    6.2 Reao: as outras estratgias territoriais............................................................................. 155

    7 RURAL E URBANO REPENSANDO AS DEFINIES A PARTIR DE CINCO ELEMENTOS: TEMPO, RELAO COM A TERRA, HBITOS, FUNES E PAISAGEM...............................................................................................................................

    159

    10

  • 7.1 Tempo e temporalidades: a cadncia do movimento nos espaos urbanos e rurais.............................................................................................................................................

    160

    7.2 Cho e vida: a funo da terra na construo das relaes cotidiana................................. 163

    7.3 Hbitos urbanos e rurais: diferencialidades e similitudes..................................................... 170

    7.4 Funes urbanas e rurais: harmonia e conflito......................................................................... 175

    7.5 Paisagem rural e paisagem urbana: formas, sonoridade e colorido....................................... 179

    CONSIDERAES FINAIS.......................................................................................................... 186

    BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................ 199

    11

  • LISTA DE GRFICOS, QUADROS E FIGURAS

    Figura 1 Limite de municpio entre Presidente Prudente e lvares Machado 81

    Figura 2 Eixo de urbanizao 88

    Figura 3 Planta urbana de lvares Machado 117

    Grfico 1 Evoluo populacional do municpio de Presidente Prudente 27

    Grfico 2 Evoluo populacional do municpio de lvares Machado 27

    Grfico 3 Coronel Goulart Fonte de Renda 124

    Grfico 4 Coronel Goulart Renda Familiar 125

    Grfico 5 Coronel Goulart Quantidade de moradores por residncia (em %) 126

    Quadro 1 Origem e significado das palavras 43

    Quadro 2 Anncio nos classificados do jornal O Imparcial Online 114

    12

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Comparao entre os censos demogrficos de 1991 e 2000 26

    Tabela 2 Variao populacional nos censos demogrficos de 1991 e 2000 28

    Tabela 3 Escolas estaduais e municipais em lvares Machado 31

    Tabela 4 Deficit educacional no municpio de lvares Machado 33

    Tabela 5 Assentamentos rurais no municpio de Mirante do Paranapanema 36

    Tabela 6 Escolas estaduais e municipais em Mirante do Paranapanema 39

    Tabela 7 Dficit educacional no municpio de Mirante do Paranapanema 40

    Tabela 8 Produo agrcola no municpio de lvares Machado: lavouras permanentes e temporrias

    110

    Tabela 9 Produo pecuria no municpio de lvares Machado 111

    Tabela 10 lvares Machado Crescimento e variao populacional 118

    Tabela 11 Produo agrcola no municpio de Mirante do Paranapanema: lavouras permanentes e temporrias

    139

    Tabela 12 Produo pecuria no municpio de Mirante do Paranapanema 140

    Tabela 13 Comparao ente populao rural e assentada 142

    Tabela 14 Pontal do Paranapanema: variao demogrfica e estimativa da populao assentada

    144

    Tabela 15 Pontal do Paranapanema: assentamentos rurais 146

    13

  • LISTA DE FOTOS

    Foto 1 e 2 Propriedades rurais no interior do permetro urbano 118

    Foto 3 Cel. Goulart Vista parcial da Avenida Brasil 120

    Fotos 4 e 5 Cel. Goulart Meios de locomoo mais utilizados 121

    Fotos 6 e 7 Cel. Goulart A rua e seus usos 121

    Fotos 8 e 9 Cel. Goulart As caladas e seus usos 122

    Fotos 10 e 11 Cel. Goulart Agricultura nos lotes 127

    Fotos 12 e 13 Cel. Goulart Que urbano esse? 128

    Foto 14 Restaurante do Pesqueiro Guarino 166

    Foto 15 Restaurante do Pesqueiro Zio Dgua 166

    Fotos 16 e 17 Vista parcial das rodovias de acesso aos pesqueiros 167

    Foto 18 Vista parcial do Pesqueiro Zio Dgua 167

    Foto 19 Vista parcial do pesqueiro Guarino 167

    Fotos 20 e 21 Propriedades rurais dentro do permetro urbano de Presidente Prudente 176

    Fotos 22 e 23 Vista parcial do Bairro So Joo 177

    14

  • INTRODUO

    Impressionante o sentido pejorativo que uma palavra pode adquirir no uso

    popular. Mais impressionante ainda como, s vezes, sentido e uso originais so substitudos,

    tornando-se praticamente esquecidos.

    H algum tempo atrs, nas palavras cruzadas publicadas pela Folha de

    S.Paulo, havia na coluna horizontal a seguinte indagao: aquele ou quem procedente do

    campo. Poderia ser campons, campnio, agricultor, lavrador, mas no era. A descoberta de

    palavras na vertical foi formando letras que no batiam com nenhuma das conceituaes

    dadas acima. Intrigada com a palavra, pois s faltava ela, olhei na resposta para descobrir qual

    era. Para minha surpresa era mocorongo. No satisfeita, olhei no dicionrio para conferir a

    validade da resposta. Mocorongo: santareno, caipira, mulato quase escuro da regio serrana,

    segundo o Dicionrio Aurlio. Quando criana, usava mocorongo como sinnimo de tolo,

    bobo e tonto, sempre para ofender ou agredir outrem. Jamais para se referir origem ou ao

    modo de vida. E para mim, esse era o significado da palavra e continuou sendo at dias atrs.

    Ah, se no fossem as palavras cruzadas!

    Recentemente me deparei com outro fato interessante. Em uma de minhas

    constantes viagens, resolvi ler aquelas letrinhas midas que ficam atrs dos bilhetes de

    passagem. Nunca me interessei por ver o que nelas estava escrito, talvez pelo tamanho

    diminuto da fonte. Mas naquele dia, resolvi ler e descobri que elas se referem aos direitos dos

    usurios. Descobri que um de nossos direitos ser atendido com urbanidade pelos prepostos

    da transportadora e pelos agentes de fiscalizao (Decreto 2.521/98)

    Comecei a refletir sobre o que seria ser atendido com urbanidade.

    Obviamente esse adjetivo se referia a ser tratado com educao, ateno e respeito. Recorri

    novamente ao Aurlio: urbanidade (s.f.) qualidade de urbano, civilidade, cortesia,

    afabilidade. Logo me questionei: ser que se formos tratados com desrespeito e falta de

    educao, estaremos sendo tratados com ruralidade? Seria a urbanidade sinnimo de bons

    modos e costumes?

    Confuses como essas ainda permeiam nosso cotidiano. Palavras tm seu

    verdadeiro sentido alterado, influenciado por idealizaes e depreciaes, sejam elas

    construdas na atualidade ou buscadas no passado. Quando aprendi na escola que o Brasil, a

    partir da dcada de 60, havia se tornado um pas urbano, deixando de ser rural, me senti

    aliviada. Torcia para que o pas se urbanizasse logo, para que todos se tornassem urbanos,

    pois, para mim, na urbanizao estaria a salvao do nosso subdesenvolvimento. Quanto mais

    urbanos, mais desenvolvidos seramos. No sei de onde tirei essa idia, mas ela existiu em

    15

    LviaUnderline
  • mim. E por um bom tempo. E continua a existir em tantas outras pessoas, causando

    confuses, idealizaes e depreciaes.

    Campo e cidade so visualizados como conceitos antagnicos, plos

    extremos de uma dicotomia. Rural e urbano so entendidos como estgios de

    desenvolvimento. Confuses promovidas por mitos que, construdos preteritamente, ora

    consolidaram a idealizao do campo e tudo o que a ele estava ligado (o rural), e ora

    fortaleceram a supremacia da cidade e o que a ela se relacionava (o urbano).

    Este trabalho uma busca no apenas para redefinir os conceitos campo e

    cidade, rural e urbano frente s transformaes atuais. tambm uma tentativa de retomar as

    vises construdas preteritamente sobre tais conceitos, procurando entender como elas

    influenciaram e ainda influenciam, contribuindo para mascarar a realidade dos fatos.

    Mudanas atuais trazem elementos imprescindveis ao enriquecimento da

    discusso. As novas funes existentes no campo e na cidade tm contribudo para redefinir a

    diviso territorial clssica existente entre ambos. Todavia, as mudanas no culminam com a

    homogeneizao dos espaos. As diferenas se mantm, fortalecendo a relao de

    complementaridade entre campo e cidade. A realidade se pluraliza, ressaltando as

    contradies. Rural e urbano so redefinidos, mas at que ponto o novo traz a ruptura com o

    pensar pretrito e as confuses por ele formuladas?

    Embora mudanas tenham contribudo para romper com mitos, muitos deles

    permanecem (e se fortalecem), criando representaes que no contemplam as contradies.

    H algo que no se extinguiu. Vivemos o inacabado, uma ao incompleta, um fato passado

    que se mantm contnuo, permanente. Nesse sentido, nota-se um carter de continuidade pela

    permanncia dos mitos. De um lado, o campo idealizado pelos atributos naturais; de outro, a

    cidade idealizada pela poder centralizador. Indeterminadas ficam as definies que se

    fundamentam nas negaes, ou seja, os espaos passam a ser visualizados pelo no-ser. A

    existncia do rural entendida pela contraposio ao urbano, e assim tambm inversamente.

    Ao buscar aquilo que os espaos no contm, ou seja, o que no so pela negao do que h

    no outro, impossibilitada fica a visualizao daquilo que eles de fato so. Perdidos ficam seus

    verdadeiros significados e representaes.

    O objetivo deste trabalho no negar a supremacia da cidade em

    determinados aspectos, como a capacidade de centralizar e orientar aes, em virtude da

    concentrao de recursos (humanos, econmicos, polticos, etc.). Entretanto, amputar a

    capacidade do campo em originar mudanas torna-se um equvoco. O olhar unilateral nega o

    prprio mtodo dialtico, ou promove a sua transformao em materialismo caolho.

    16

    LviaUnderline
  • Sahlins (1997, p.57) afirma que existem sempre tendncias operando em

    direes contrrias. Embora, insistamos em no v-las, elas esto l. A unilateralidade

    impede o pensar plural. Destarte, perdidas ficam as heterogeneidades e cegas as anlises da

    dimenso das transformaes. H o que muda e o que permanece. Se o essencial invisvel

    aos olhos, conforme disse a raposa ao Pequeno Prncipe, cabe a ns encontrarmos uma forma

    de torn-lo visvel. Talvez os antolhos tenham impedido a visualizao daquilo que

    essencial. Retir-los ponto de partida para compreender as heterogeneidades. Como?

    Removendo tais vises maniquestas que contrapem campo e cidade, ora pelo bucolismo

    idealizador, ora pela supremacia das urbanidades.

    Incorporar a dinmica das mudanas s vises de mundo configura-se um

    grande desafio. A problemtica se alicera sobre o seguinte questionamento: pensar as novas

    relaes entre cidade e campo, e suas respectivas conseqncias para o rural e o urbano em

    suas contradies. Para tanto, trs municpios foram escolhidos com o objetivo de embasar as

    reflexes: Presidente Prudente, lvares Machado e Mirante do Paranapanema.

    As escolhas de tais municpios foram realizadas com o objetivo de captar

    realidades diferenciadas com lgicas territoriais distintas e tambm apreender as semelhanas

    existentes entre elas. Um dos desafios foi compreender as diferenas entre municpios

    aparentemente semelhantes e as semelhanas entre municpios aparentemente diferentes. Por

    exemplo, Presidente Prudente e lvares Machado, embora apresentando diferenas em

    relao s dimenses espaciais e a quantidade de habitantes, possuem mais semelhanas entre

    si que lvares Machado e Mirante do Paranapanema. Mais do que captar as diferenas

    visveis, procuramos refletir sobre aquilo que est alm do visvel. Os questionamentos aqui

    levantados contm o esforo de pensar as contradies da relao aparncia-essncia,

    captando o que, por vezes, se encontra mascarado ou escondido pelo vu do aparente.

    Destarte, nosso objetivo foi compreender a relao campo-cidade. Partimos, portanto, de duas

    realidades distintas: uma caracterizada pelo intenso processo de urbanizao e conurbao, e

    outra caracterizada pelo desdobramento do processo de luta pela terra.

    O primeiro captulo apresenta as caractersticas dos municpios estudados.

    Nele so apresentados dados dos censos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e

    Estatstica) sobre economia, sade, educao, lazer e dinmica populacional. Numa anlise

    comparativa, semelhanas e diferenas foram ressaltadas, procurando levantar os principais

    problemas encontrados em cada municpio.

    No perodo inicial da pesquisa bibliogrfica, percebemos que as reflexes

    de alguns autores sobre campo e cidade, rural e urbano foram construdas consolidando a

    dicotomia estabelecida entre ambos, reforando antagonismos. Resolvemos, frente a esse fato,

    17

  • iniciar nossas reflexes tericas partindo da pergunta inicial: qual a origem das dicotomias

    campo-cidade, rural-urbano? Dessa forma, o segundo captulo foi elaborado com o objetivo

    primordial de buscar as origens desse processo de dicotomizao. Procuramos desconstruir o

    processo ideolgico que consolidou campo e cidade como realidades antagnicas, explicando

    como fatos aparentes influenciaram a construo de ideologias e, estas, por sua vez,

    construram mitos que permanecem nas anlises atuais. Mitos fundamentados na aparncia

    que contriburam ora para consolidar o campo como representante do atraso e de um modo de

    produo em extino (feudalismo), ora para consolidar a cidade como representante do novo

    e das transformaes oriundas do modo de produo que emergia (capitalismo). Mitos que

    tambm contriburam para promover o processo de idealizao do campo, consolidado,

    sobretudo, entre os romnticos, em que o bucolismo se contraps ao aparente caos das

    cidades. Procuramos discutir como tais mitos mascararam (e continuam mascarando) a

    realidade dos fatos, encobrindo problemas no campo e na cidade, e impedindo as anlises das

    relaes estabelecidas entre ambos. Para compreender o processo histrico de dicotomizao,

    recorremos a estratgias variadas: desde a procura pela etimologia das palavras em

    dicionrios de latim para compreender a origem e as possveis derivaes e significaes, at

    leituras realizadas por diversos pensadores para entender a formao histrica das cidades e

    do processo de construo dos mitos.

    No terceiro captulo, conceitos essenciais foram discutidos, sendo eles

    territrio e territorialidade. A compreenso das contradies expressadas pelos processos de

    territorializao, desterritorializao e reterritorializao de atividades e relaes frente s

    novas demandas foi a forma encontrada para entender as estratgias construdas pelas

    necessidades de consumo e de sobrevivncia. Como a luta no e pelo territrio apresenta

    desdobramentos para a redefinio dos conceitos rural e urbano. Nesse sentido, a

    compreenso do rural e do urbano para alm dos limites do campo e da cidade teve como

    fundamento a anlise dos processos territoriais e das novas territorialidades imbudas na

    construo dessa realidade. Jogo contnuo e contraditrio em que territorializaes e

    desterritorializaes so realizadas pelo movimento histrico determinado pela expanso

    capitalista e tambm contestadas pelo processo de reterritorializao daqueles que por ele so

    excludos. Eterna luta pelo e no territrio, com a formao e destruio de territorialidades.

    Territorialidades que, por vezes, permanecem como estratgias de vida, embora mutiladas

    pelo processo de desterritorializao (perda do territrio).

    O quarto captulo contempla as anlises que procuram demonstrar a

    importncia de entender o rural para alm do campo e o urbano para alm da cidade. Frente s

    mudanas recentes, equvoco seria continuar preso aos limites tradicionais impostos,

    18

  • restringindo a amplitude das anlises. A realidade se transforma e o pensamento deve

    acompanhar no mesmo ritmo as transformaes. As anlises realizadas por alguns autores

    contriburam para aprofundar os questionamentos suscitados frente s recentes transformaes

    dos espaos rurais e urbanos, bem como suas respectivas funes.

    Nosso ponto de partida para a interpretao das mudanas foi o pensamento

    tridico. Compreender as semelhanas e as diferenas existentes em cada espao sem,

    contudo, suprimir o elemento que intensifica as similitudes e aprofunda as peculiaridades: a

    mediao estabelecida na relao entre campo e cidade, entre rural e urbano, entre as

    diferenas e as semelhanas. Relao que se fundamenta na busca pelo outro para suprimir

    possveis ausncias. Busca que contm, de forma concomitante, a valorizao e a

    desvalorizao dos espaos de origem. Diferenas que so procuradas e reforadas, contudo

    que tambm contribuem para ampliar as similitudes. Duplo processo: de negao e afirmao,

    que se firma sobre a interligao, fundamentando a contradio expressa pela valorizao e

    desvalorizao. Valorizao impulsionada pela afirmao do outro, quando este buscado,

    mas tambm desvalorizao, pois a busca momentnea e as estratgias de vida continuam

    presas realidade cotidiana. A busca pelo outro apenas uma estratgia de encontrar alhures

    aquilo que est ausente no cotidiano, por isso ocorre apenas de forma momentnea,

    apresentando-se como alternativa para suprir possveis ausncias. Dessa forma, por meio da

    compreenso da relao campo-cidade, rural e urbano puderam ser mais bem entendidos. No

    apenas como modo de vida, mas tambm como espaos que se modificam e so modificados

    pela dinmica do desenvolvimento do modo de produo.

    Com o intuito de compreender a relao estabelecida entre campo e cidade

    aprofundando as anlises, o sentido do conceito periferia foi resgatado. Do ponto de vista da

    localidade, a periferia se constitui como elo entre essas duas realidades, pois nela as

    contradies se expressam, as heterogeneidades se apresentam, rural e urbano se encontram

    num continuo processo de negao e afirmao. na periferia que os opostos de cruzam o

    luxo e o lixo e onde os limites de cada espao se tocam. Nesse captulo, o crescimento

    expressivo de lvares Machado ocorrido em funo da expanso de dois bairros perifricos

    foi discutido, servindo de base emprica para as reflexes tericas. Ressaltamos os dois lados

    da periferia: um lado composto por bairros precrios (Jardim Panorama e Parque dos

    Pinheiros) e outro formado por moradias bem estruturadas (Chcaras Cobral) utilizadas nos

    finais de semana para o desenvolvimento de atividades ligadas ao lazer. A periferia, portanto,

    foi compreendida como elemento mediador da trade: campo cidade periferia.

    No quinto captulo, a teoria que sustenta o processo de urbanizao do

    campo foi discutida, buscando origem e possveis desdobramentos para o entendimento da

    19

  • realidade. Como essa viso monoltica e linear impede as anlises das contradies em seu

    processo de mudana e permanncia. Com o objetivo de refutar tais simplificaes que

    pregam o fim do rural e suas ruralidades, inserimos questionamentos para contestar o

    paradigma1 que defende a urbanizao como fato irreversvel. Para tanto, procuramos

    desvendar os fatos que no so apreendidos em sua complexidade, ora porque os paradigmas

    construdos moldam a realidade, procurando adapt-la a teoria e impedindo, assim, a

    apreenso do movimento; ora porque o fundamentalismo do novo se impe, mascarando parte

    da realidade por se apresentar como possibilidade nica. Nesse sentido, as anlises foram

    construdas com o objetivo de questionar tais vises de mundo, procurando captar o

    movimento das transformaes e as distores promovidas por leituras parciais. Buscamos

    tambm questionar quais as principais idias que norteiam o paradigma da urbanizao

    completa da sociedade e suas fundamentaes.

    A questo da queda da populao agrcola e o crescimento das atividades

    no agrcolas nos espaos rurais iniciaram a discusso. O objetivo principal foi questionar as

    vises setoriais sobre o rural na tentativa de desconstruir a viso reducionista que o restringe

    ao agrcola. No sentido de completar as anlises, o segundo ponto discutido foi a

    pluriatividade. Buscamos demonstrar como o rural, desde o incio, configurou-se como um

    espao plural e que as estratgias camponesas sempre estiveram fundamentadas em sua

    capacidade de ser pluriativo. Outro ponto questionado se refere incorporao de atividades

    de lazer nos espaos rurais. Como tais atividades impulsionam a procura pelo rural sem,

    contudo, torn-lo urbano.

    A realidade demonstra-se plural e contraditria, devendo, portanto, ser

    entendida destituda da linearidade da viso progressista. Rural e urbano no so estgios de

    desenvolvimento inicial e final, respectivamente. Por isso, realizamos leituras no sentido de

    construir um referencial que contrapusesse a idia de expanso progressiva do urbano e

    extino do rural. O rural no est desaparecendo. Ao contrrio, as peculiaridades de cada

    espao so cada vez mais ressaltadas pelo movimento dialtico da histria. Nesse sentido,

    questionamos as delimitaes oficiais utilizadas para a contagem da populao, na tentativa

    de demonstrar que constantes equvocos so cometidos pela rigidez dos critrios que

    determinam o que rural e o que urbano. Nesse caso, o municpio de lvares Machado

    contribuiu para exemplificar e fundamentar nossas reflexes, demonstrando a existncia de

    1 Compreendemos que existem formas de enxergar a mesma realidade em construo e que tais formas variam de acordo com o recorte realizado, seja ele econmico, social, cultural, poltico. Entendemos por paradigmas essas diferentes vises de mundo, ou seja, essas formas de leitura da realidade que so construdas com base em determinado referencial terico. Sendo assim, os paradigmas acabam gerando conflitualidades que so expressas nos debates, nas publicaes, nas polticas pblicas (ou privadas), nos eventos e manifestaes atravs de suas respectivas ideologias (FERNANDES, 2005, p.22).

    20

  • reas rurais no interior de espaos definidos como urbanos. Com o objetivo de contestar as

    classificaes oficiais, procuramos demonstrar como reas consideradas urbanas possuem

    relaes que reproduzem o modo de vida rural. Modo de vida este que pode ser visualizado no

    cotidiano dos moradores do Distrito de Cel. Goulart, nos usos diferenciados das ruas e

    caladas, nas relaes estabelecidas entre as pessoas e no trato com a terra. Mesclamos

    observaes empricas constatadas no perodo de estgio, realizado no ano de 2001, com os

    dados coletados na pesquisa de campo, realizada em Maio de 2004.

    Tambm fizemos questionamentos sobre o agronegcio e o negcio

    campons, de forma a contestar as vises legitimadoras de um Brasil que d certo em

    detrimento de um outro Brasil, esquecido por ser considerado atrasado e invivel do ponto de

    vista da lgica do capital. O municpio de Mirante do Paranapanema serviu de base emprica

    para as reflexes. Os desdobramentos do processo de luta pela terra foram questionados com

    o objetivo de analisar as conseqncias para a relao campo-cidade.

    No sexto captulo, o processo de territorializao de novas atividades e seus

    respectivos desdobramentos foi analisado. Procuramos compreender as contradies inerentes

    aos processos de construo, destruio e reconstruo de territrios e territorialidades. A

    forma como as estratgias territoriais asseguram a satisfao de necessidades e a

    sobrevivncia das populaes urbanas e rurais. Como as lutas criam e recriam situaes

    inexistentes em seu cotidiano (suprindo necessidades), ou reconstroem relaes pretritas de

    vida.

    Por fim, no ltimo captulo, buscamos redefinir os conceitos rural e urbano.

    Cinco elementos foram considerados na tentativa de compreender o processo contraditrio

    que se expressa nas mudanas realizadas, embalando o incessante movimento de construo,

    destruio e reconstruo de territrios. Movimento contraditrio que s pode ser entendido

    se interpretado pela relao aparncia essncia. Procuramos compreender as mltiplas faces

    das mudanas que, por vezes, se apresentam de forma aparente, por outras, se encobrem sobre

    a face da permanncia. Realidades que mudam, ora apresentando a mudana na aparncia, ora

    escondendo-a, atingindo apenas a essncia dos fatos. Cinco elementos fundamentaram o

    questionamento sobre os espaos rurais e urbanos, sendo eles: o tempo, a relao com a terra,

    os hbitos, as funes e a paisagem. Procuramos entender como as transformaes (e as

    permanncias) possuem implicaes diferenciadas para ambos os espaos, sem, contudo,

    descartar a relao estabelecida entre eles. Para exemplificar alguns questionamentos

    realizados, o municpio de Presidente Prudente serviu de base emprica.

    Esta dissertao uma tentativa de compreender as contradies existentes

    entre a relao estabelecida entre campo e cidade. Nossos esforos foram no sentido de

    21

  • aprimorar determinadas discusses tericas, relacionando-as realidade emprica dos

    municpios escolhidos para a pesquisa. Pensar o campo e a cidade no como espaos

    dicotmicos, mas sim como espaos diferenciados que se complementam justamente pelas

    diferenas que possuem. Obviamente que a relao construda entre campo e cidade tem

    passado por inmeras mudanas. Mudanas que impulsionam uma nova forma de refletir o

    rural e o urbano. Eis o desafio.

    22

  • 1 CONHECENDO OS MUNICPIOS ESTUDADOS

    Presidente Prudente est localizado a sudoeste do Estado de So Paulo. Foi

    fundado em 1917 e emancipado em 1921. Possui, segundo o ltimo censo do IBGE (Instituto

    Brasileiro de Geografia e Estatstica), 189.104 (cento e oitenta e nove mil, cento e quatro)

    habitantes. De acordo com a diviso do SEADE (Sistema Estadual de Anlise de Dados), o

    municpio pertence a 13 Regio Administrativa. Est localizado em uma regio, do ponto de

    vista econmico, considerada estagnada. Paulino (1998) relata que o potencial da regio de

    Presidente Prudente frente s demais regies do estado apresentou, nos anos de 1980 a 1995,

    comportamento pouco dinmico. Um quadro econmico estabilizado, diferindo-se muito, em

    termos de participao econmica, de regies como Campinas, So Jos do Rio Preto e

    Ribeiro Preto.

    O municpio de lvares Machado est localizado prximo a Presidente

    Prudente. Fundado em 1917, emancipado em 1948, possui, de acordo com o Censo/2000 do

    IBGE, 22.673 (vinte e dois mil, seiscentos e setenta e trs) habitantes. Tambm pertence a 13

    Regio Administrativa (SEADE). Em virtude da intensificao do processo de urbanizao,

    as duas cidades esto quase conurbadas, tanto pela Rodovia Raposo Tavares, que d acesso a

    entrada principal de lvares Machado, quanto pela Estrada da Amizade, Rodovia Arthur

    Boigues, via de acesso exclusiva entre os dois municpios. lvares Machado se configura

    como uma cidade satlite do municpio de Presidente Prudente.

    Fundado em 1938 e emancipado em 1954, o municpio de Mirante do

    Paranapanema tambm est localizado a sudoeste do estado. Possui 16.209 (dezesseis mil,

    duzentos e nove) habitantes, fazendo parte da 13 Regio Administrativa. Caracteriza-se por

    ser palco de intensos conflitos fundirios, em que o processo de luta pela terra ganhou fora se

    territorializando. At o ano de 2000, foram implantados no municpio 28 assentamentos

    rurais, conforme dados do DATALUTA-2004. Fato que promoveu o crescimento da

    populao rural e propiciou transformaes na dinmica municipal.

    Em comum, os trs municpios tm a mesma origem histrica: todos eles

    foram formados a partir da expanso cafeeira para o oeste do Estado de So Paulo e do

    processo de grilagem de terras, ambos iniciados no final do sculo XIX.

    Presidente Prudente foi escolhido por ser a sede da 13 Regio

    Administrativa, configurando-se, portanto, como o municpio de maior importncia

    econmica, poltica e cultural. lvares Machado foi selecionado pela proximidade com

    Presidente Prudente e pelas semelhanas apresentadas em relao dinmica populacional.

    Tanto Prudente quanto Machado apresentaram, de acordo com os dados do IBGE,

    23

  • crescimento da populao urbana e decrscimo da rural. Dinmica que vem se manifestando

    em ambos os municpios desde a dcada de 1970.

    As causas que motivaram a escolha de Mirante do Paranapanema so

    diferenciadas. A dinmica populacional, caracterizado pelo decrscimo da populao urbana e

    aumento da populao rural, j seria algo suficientemente forte para justificar a escolha do

    municpio. Todavia, o principal motivo est na existncia dos assentamentos rurais, fruto do

    processo de luta pela terra. Enquanto em lvares Machado e em Presidente Prudente no

    existe assentamento rural, at o ano 2.000, em Mirante do Paranapanema existiam 28.

    Um breve olhar na paisagem denunciaria de imediato uma parte razovel

    das diferenas existentes em cada um dos municpios escolhidos: a quantidade de prdios, a

    intensidade dos fluxos (de pessoas e automveis), a dinmica local, os servios pblicos

    disponveis, a infra-estrutura existente. Tantas seriam as diferenas a enumerar captadas em

    poucos instantes.

    Presidente Prudente se diferencia dos demais municpios pesquisados por

    vrios aspectos: pelas verticalidades, pelas universidades e faculdades existentes, pelos

    shopping-centers e reas de lazer, pelo comrcio expressivo e variado. O municpio possui

    quatro instituies de ensino superior: Unesp Universidade Estadual Paulista, Unoeste

    Universidade do Oeste Paulista, Iespp Instituto de Ensino Superior de Presidente Prudente e

    Associao Educacional Toledo, que atendem aproximadamente vinte mil estudantes. H dois

    shopping-centers: Americanas e Prudenshopping, com lojas variadas, cinemas, hipermercados

    (Carrefour, Super Muffato, Lojas Americanas) e praa de alimentao. H tambm duas

    grandes reas pblicas de lazer em espao aberto: o Parque do Povo, com pista de skate,

    quadras poliesportivas, pistas de Cooper, playground e espaos com bares e lanchonetes; e a

    Cidade da Criana, onde h telefrico, planetrio, kartdromo, lagos, parque infantil e mata

    aberta para passeios ecolgicos.

    Presidente Prudente um municpio que se destaca no setor comercial e de

    servios. De acordo com o Cadastro Central de Empresas do IBGE Instituto Brasileiro de

    Geografia e Estatstica, h mais de 5.100 estabelecimentos comerciais, distribudos pelas mais

    diversas atividades (mveis, calados, vestimentas, eletrodomsticos, eletroeletrnicos,

    reparao de veculos automotores, etc.). Em relao ao setor tercirio, h 627

    estabelecimentos que oferecem servios de alojamento e alimentao; 246 empresas de

    transporte, armazenagem e comunicao, 729 empresas prestadores de servios imobilirios,

    assessoria contbil e aluguis em geral, alm de 131 estabelecimentos educacionais e 163

    empresas no ramo da construo civil. No setor secundrio, existem 633 estabelecimentos

    industriais de pequeno e mdio porte, com destaque para a produo de bens de consumo no-

    24

  • durveis2. Em 2002, segundo os dados do IBGE, o PIB industrial do municpio foi de R$

    365.644.000,00, enquanto o PIB de servios foi de R$ 861.271.000,00 e o agropecurio de R$

    58.224.000,00.

    Presidente Prudente se caracteriza, portanto, por ser um municpio que

    concentra funes. E justamente por concentr-las, acaba por atrair diariamente centenas de

    pessoas que buscam lazer, trabalho, atendimento mdico-hospitalar, educao, mercadorias e

    servios em geral. Os fluxos so intensos: de automveis e de pessoas. Fluxos de carros e de

    nibus intra-urbano que deslocam moradores da cidade e de seus distritos. Fluxos de nibus

    intermunicipais que, todos os dias, chegam cidade repletos de pessoas, trabalhadores e

    estudantes, em sua maior parte. E tambm de ambulncias que vm dos municpios vizinhos

    em busca de atendimento mdico-hospitalar. O vaivm dos moradores se confunde com o

    vaivm daqueles que vm de fora, mas que l esto, porque l trabalham, compram, estudam.

    Intensos fluxos pendulares de pessoas que transitam para l e para c

    especialmente pela manh, na hora do almoo e ao entardecer. Fluxos que no deixam de

    acontecer nos finais de semana, porm que se amenizam, seguem outros ritmos e horrios,

    porque so motivados por outros interesses. Tantos so aqueles que se deslocam para

    Presidente Prudente em busca de diverso: cinema, shopping, shows, boates, bares,

    restaurantes. Mesmo concentrando funes e recebendo diariamente centenas de pessoas de

    municpios vizinhos, Presidente Prudente pouco tem se destacado em relao aos demais

    municpios do Estado de So Paulo. Apresentou crescimento populacional abaixo da mdia

    do estado (15%) e comportamento pouco dinmico em termos de participao econmica,

    comparado com outros municpios, como So Jos do Rio Preto.

    lvares Machado possui, de acordo com o ltimo censo demogrfico,

    22.661 habitantes. No municpio no existem grandes indstrias. O comrcio pouco

    expressivo, atendendo apenas as necessidades imediatas de seus moradores. Mercadorias e

    produtos mais variados e especficos so comprados em Presidente Prudente. No h

    faculdades, universidades ou shopping-center. Tampouco possvel dizer que o municpio se

    caracteriza por suas verticalidades, salvo um nico prdio que possui.

    Mas lvares Machado tambm possui seus fluxos. Um vaivm intenso que

    pode ser notado especialmente pela manh e ao entardecer. Todavia, esse vaivm no

    manifesta em razo da lgica interna do municpio. A intensidade dos fluxos dada

    principalmente pela movimentao de pessoas que seguem para Presidente Prudente, porque

    l trabalham e/ou estudam, l compram e/ou vendem, l se divertem. O leva e traz de pessoas

    diariamente realizado por nibus, carros e ambulncias. Poucos so os empregos gerados no 2 Fonte de dados: Cadastro Central de Empresas, IBGE, 2001. Disponvel em IBGE Cidades: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php.

    25

    http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php
  • municpio. Por isso, a extrema dependncia em relao a Presidente Prudente. Tantos so os

    fluxos de trabalhadores, estudantes, consumidores, pacientes e visitantes em geral. A

    intensidade dos fluxos entre os dois municpios to grande que a Estrada Intermunicipal

    Arthur Boigues Filho, de acordo com a pesquisa de Miazaki (2004), possui um fluxo mdio

    dirio de aproximadamente cinco mil veculos.

    O municpio apresenta problemas nos setores de sade e educao. H

    apenas um hospital (Santa Casa de Misericrdia) que funciona de forma precria. H tambm

    poucas escolas. Por isso, uma parcela considervel das crianas e adolescentes em idade

    escolar se desloca diariamente para estudar em Presidente Prudente. Embora com os

    problemas citados, lvares Machado apresentou crescimento populacional acima da mdia do

    estado, superior, inclusive, ao municpio de Presidente Prudente.

    Mirante do Paranapanema possui, de acordo com o ltimo censo

    demogrfico, 16.213 habitantes. Semelhante ao Municpio de lvares Machado, no se

    caracteriza pelas verticalidades, nem tampouco por concentrar funes. No municpio no h

    universidades, faculdades nem shopping-center. O comrcio concentra uma variedade

    razovel de lojas (mveis, calados, roupas, supermercados, bares, restaurantes, papelarias,

    padarias, entre outros).

    H fluxos, embora nem to intensos, de moradores da cidade que se

    deslocam cotidianamente da casa para o trabalho e do trabalho para casa, ou em busca de

    mercadorias e servios. Fluxos pendulares que se caracterizam especialmente pela

    movimentao interna dos muncipes e que apresentam uma especificidade: o ir e vir

    intramunicipal marcado pelo vaivm cotidiano de moradores do campo que procuram as

    funes concentradas na cidade e que para o campo retornam. Essa intensa movimentao (do

    campo para a cidade, da cidade para o campo) facilmente percebida pela quantidade que

    nibus que chegam dos assentamentos rurais pelas manhs e retornam antes do entardecer

    (especialmente nos dias prximos ao pagamento). Eis uma outra caracterstica: o municpio se

    destaca pelo intenso processo de luta pela terra. At o ltimo censo demogrfico, Mirante do

    Paranapanema possua 28 assentamentos rurais fruto desse processo. Fato que possibilitou

    crescimento expressivo da populao rural.

    Porm, o desafio no est apenas na capacidade de captar as diferenas

    visveis, mas aquelas que esto alm dos olhos, por trs das cortinas das formas e das funes.

    Tambm em desvendar as semelhanas de realidades que num primeiro momento se

    apresentam to distantes pelas diferenas do plano visvel. A tabela abaixo apresenta dados

    referentes aos dois ltimos censos demogrficos (1991 e 2000) dos municpios em questo e

    da regio como um todo.

    26

  • Tabela 1 Comparao entre os censos demogrficos de 1991 e 2000.

    MUNICPIOS Populao 1991 Populao 2000Total Urbana Rural Total Urbana Rural

    lvares Machado 18.865 15.387 3.478 22.661 20.096 2.565Mirante do Paranapanema 15.179 10.545 4.634 16.213 9.833 6.380Presidente Prudente 165.484 160.227 5.257 189.186 185.229 3.957Pontal do Paranapanema 510.411 425.756 84.655 565.396 483.866 81.530Fonte: IBGE Censo Demogrfico 1991 e Censo Demogrfico 2000. Org: BAGLI, Priscilla. Maio/2005.

    Vejamos, portanto, as diferenas e semelhanas apresentadas. lvares

    Machado e Presidente Prudente apresentaram padres de crescimento populacional

    semelhantes. Ambos tiveram aumento da populao urbana e decrscimo da populao rural.

    O padro de crescimento desses municpios acompanhou o desempenho da regio como um

    todo. Dos 33 municpios que compem a regio do Pontal do Paranapanema, alm dos dois j

    citados, outros 14 apresentaram desempenho populacional smiles. So eles: Alfredo

    Marcondes, Anhumas, Caiabu, Estrela do Norte, Indiana, Joo Ramalho, Martinpolis,

    Pirapozinho, Presidente Epitcio, Quat, Rancharia, Santo Expedito, Taciba e Tarabay.

    Juntos, esses municpios possuem 372.139 habitantes, ou seja, 65,8% da populao do Pontal

    do Paranapanema. Nmeros que representam 71,2% (344.593 habitantes) da populao

    urbana e 33,8% (27.546 habitantes) da populao rural de toda a regio.

    Analisando os dados de censos anteriores, nota-se que o crescimento

    populacional dos municpios de Presidente Prudente e lvares Machado j apresentava

    desempenho semelhante, com decrscimo acentuado da populao rural e aumento gradual da

    populao urbana. Nos grficos abaixo, possvel analisar a evoluo populacional desses

    municpios desde o Censo Demogrfico de 1970.

    27

  • Grfico 1 - Evoluo populacional do municpio de Presidente Prudente

    0

    50.000

    100.000

    150.000

    200.000

    1970 1980 1991 2000

    Populao Total Populao Urbana Populao Rural

    Grfico 2 - Evoluo populacional do municpio de lvares Machado

    0

    5.000

    10.000

    15.000

    20.000

    25.000

    1970 1980 1991 2000

    Populao Total Populao Urbana Populao Rural

    Fonte: Censo Demogrfico, IBGE, 1970, 1980, 1991 e 2000.Org. BAGLI, Priscilla. Maio/2005.

    O censo demogrfico de 1970 j havia registrado forte declnio da

    populao rural em Presidente Prudente. Desempenho que, nos anos posteriores, se manteve.

    Em trinta anos, a populao rural do municpio, que j era reduzida, caiu de 13.250 para 3.957

    habitantes, ou seja, o decrscimo foi superior a 70%. Em lvares Machado, at o censo de

    1970, a populao rural era superior urbana. A partir da dcada de 1980, houve uma

    reverso nesse quadro. A populao rural entrou em declnio, diminuindo de 10.904 para

    2.565 habitantes, ou seja, mais de 76% em trinta anos. Em funo do crescente xodo, a

    paisagem rural desses municpios tem se transformado. A tendncia atual a territorializao

    de reas de lazer, como pesque-pague, chcaras de recreio, segundas residncias, hotis-

    fazendas.

    Desempenho inverso apresentou a populao urbana dos municpios citados.

    Em Presidente Prudente, houve crescimento superior a 103%, enquanto em lvares Machado

    esse crescimento esteve acima de 234%. Destarte, considerando o expressivo aumento da

    28

  • populao urbana desses municpios, possvel afirmar que boa parte daqueles que migraram

    do campo tiveram como destino final as cidades.

    Mirante do Paranapanema apresentou padro diferenciado de crescimento.

    Contrariamente ao ocorrido nos municpios citados acima, houve crescimento da populao

    rural e decrscimo da urbana. Mirante do Paranapanema foi o nico municpio de todo o

    Pontal do Paranapanema que, de acordo com os dados do Censo Demogrfico 2000 do IBGE,

    apresentou esse desempenho. Outros municpios tambm tiveram crescimento da populao

    rural (Caiu, Marab Paulista, Narandiba, Piquerobi, Presidente Venceslau e Sandovalina).

    Entretanto, no apresentaram decrscimo da populao urbana, mas sim acrscimo. A tabela

    abaixo apresenta a variao no crescimento populacional dos municpios pesquisados e da

    regio.

    Tabela 2 Variao populacional nos censos demogrficos de 1991 e 2000

    MUNICPIOS Variao 1991/2000 Variao 1991/2000 (%)Total Urbana Rural Total Urbana Rural

    lvares Machado 3.796 4.709 -913 20,1 30,6 -26,3Mirante do Paranapanema 1.034 -712 1.746 6,8 -6,8 37,7Presidente Prudente 23.702 25.002 -1.300 14,3 15,6 -24,7Pontal do Paranapanema 54.985 58.110 3.125 10,8 13,6 -3,7Fonte: Censo Demogrfico, IBGE, 1991 e 2000.Org: BAGLI, Priscilla. Maio/2005.

    O municpio de Presidente Prudente, segundo os dados dos dois ltimos

    censos demogrficos, apresentou queda de 26,3% da populao rural, ou seja, 913 pessoas

    deixaram o campo. Nota-se que lvares Machado apresentou crescimento populacional acima

    da mdia da regio. Enquanto a regio do Pontal do Paranapanema obteve uma variao

    positiva de quase 11%, o municpio de lvares Machado apresentou variao superior a 20%.

    Outros municpios apresentaram crescimento maior que a mdia do Estado de So Paulo

    (15%), sendo eles: Caiu (25,5%), Joo Ramalho (25,7%), Narandiba (19,3%), Sandovalina

    (28,5%) e Tarabay (22,7%).

    Cinco municpios no existiam at o censo de 1991: Emilianpolis, Euclides

    da Cunha Paulista, Nantes, Ribeiro dos ndios e Rosana. Eram distritos e foram emancipados

    posteriormente. Por essa razo, equvoco seria considerar a variao negativa dos municpios

    que tiveram seus distritos emancipados, como no caso de Teodoro Sampaio, que apresentou

    29

  • decrscimo populacional de 59,4%, em razo da emancipao de Euclides da Cunha Paulista;

    e de Iep, que apresentou decrscimo populacional de 27,5%, em funo da emancipao de

    Nantes.

    Em dois municpios que apresentaram crescimento populacional acima da

    mdia estadual houve a implantao de assentamentos rurais. Fato que justifica, em parte, o

    crescimento populacional expressivo. Em Caiu, dois assentamentos com 193 famlias foram

    implantados no ano de 1998: Maturi (172 lotes) e Santa Rita (21 lotes) 3. Tais assentamentos

    contriburam com um acrscimo de aproximadamente 900 pessoas ao municpio4. Em

    Sandovalina, um assentamento com 130 lotes (Bom Pastor) foi implantado, somando

    aproximadamente 600 pessoas. Em municpios maiores, o impacto provocado pelo acrscimo

    dessa quantidade de pessoas poderia nem ser notado. Todavia, considerando a reduzida

    populao dos municpios de Caiu e Sandovalina (4.192 e 3.089 habitantes,

    respectivamente), seria praticamente impossvel no sentir os impactos da chegada dessas

    pessoas.

    Os municpios de lvares Machado, Joo Ramalho, Narandiba e Tarabay

    apresentaram crescimento populacional elevado, sem, contudo, ter havido a implantao de

    assentamentos rurais. Atentemos para o municpio de lvares Machado, foco da pesquisa5.

    No possvel afirmar que o crescimento expressivo, superior mdia regional e do estado,

    tenha se efetivado em funo das inmeras qualidades existentes no municpio. Afinal, tantas

    so as deficincias existentes e as dificuldades encontradas cotidianamente pelos moradores

    de lvares Machado, em razo da falta de infra-estrutura para atender as necessidades bsicas

    (educao, sade, emprego, lazer).

    Vejamos. O setor industrial do municpio de lvares Machado

    caracterizado por empresas de pequeno porte. O valor do Produto Interno Bruto da indstria,

    em 2002, segundo o IBGE, foi de R$ 21.165.000,006. De acordo com o Cadastro Central de

    Empresas do IBGE, h, no municpio, 2 indstrias extrativas e 54 indstrias de transformao.

    O comrcio pouco expressivo, possuindo apenas, conforme j comentado, o bsico para

    atender as necessidades imediatas da populao. Um dos motivos que explica o pouco

    3 Atualmente, h em Caiu outros dois assentamentos (Santa Angelina e Vista Alegre), com 23 e 22 lotes respectivamente (DATALUTA, 2004). Porm, esses assentamentos s foram implantados no ano de 2002 e seus impactos s podero ser analisados a partir dos dados do prximo censo.4 Para calcular a populao assentada, posto que a contagem realizada por lote e que cada lote dado a uma famlia, estima-se que cada famlia possua em mdia cinco pessoas.5 Para os outros municpios (Joo Ramalho, Narandiba e Tarabay), ver LENARDON, Marli Batista. 2004. A autora realizou pesquisa de campo nos municpios considerados atraentes, levantando as hipteses do crescimento populacional elevado em comparao mdia da regio e do estado. Tambm analisou as causas da evaso populacional ocorrida em alguns municpios do Pontal do Paranapanema.6 Fonte de dados sobre o PIB: Produto Interno Bruto dos Municpios, IBGE, 1999-2002. Disponvel em http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php.

    30

    http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php
  • dinamismo do comrcio a proximidade com Presidente Prudente. A maior parte da

    populao machadense opta por realizar suas compras nesse municpio, em razo da

    variedade e dos preos mais acessveis. Opo que acaba por gerar um impasse na economia

    local, freando o desenvolvimento do setor comercial. O setor de servios tambm pouco

    significativo, embora seja o que mais se destaca no municpio. O PIB desse setor atingiu R$

    61.361.000,00 no ano de 2002. A pouca expressividade fora as pessoas a buscar fora do

    municpio os mais variados tipos de servios, especialmente quando se trata de atendimento

    tcnico especializado.

    Em 2001, segundo o Cadastro Central de Empresas do IBGE, havia em

    lvares Machado 382 empresas, considerando estabelecimentos de atividades comerciais em

    geral, reparao de veculos automotores, objetos pessoais e domsticos; 97 estabelecimentos

    de alojamento e alimentao; 13 empresas de transporte, armazenagem e comunicaes; 24

    estabelecimentos de atividades imobilirias, aluguis e servios prestados empresa; alm de

    8 estabelecimentos de educao e 6 de sade e servio social. Juntos, os trs setores

    (industrial, comercial e servios) no conseguem gerar a quantidade necessria de empregos

    para atender a populao local. por isso que boa parcela dos moradores de lvares

    Machado trabalha no municpio de Presidente Prudente.

    O atendimento mdico-hospitalar realizado no municpio precrio.

    Segundo os dados fornecidos pela Assistncia Mdica Sanitria (2002), h 6 estabelecimentos

    de sade em lvares Machado, sendo 4 pblicos e 2 privados. Desses estabelecimentos, 5

    prestam servio ao SUS Sistema nico de Sade. Ao todo, existem 24 leitos para

    atendimento de pacientes do municpio e apenas 10 equipamentos para manuteno da vida.

    Nos estabelecimentos pblicos, alm da escassez de equipamentos, faltam

    medicamentos, materiais de consumo e pessoal especializado, tanto no Hospital da Santa

    Casa, como nos postos de sade. H, no municpio, apenas dois eletrocardigrafos, um ultra-

    som e um raios-X7. Casos mais graves so impossveis de ser atendidos, em razo da falta de

    mdicos especializados e da ausncia tecnologias para a realizao de cirurgias e tratamentos

    mais detalhados, sendo encaminhados para a Santa Casa de Misericrdia ou para o Hospital

    Universitrio Dr. Domingos Leonardo Cervolo, ambos em Presidente Prudente.

    O funcionamento precrio do hospital da Santa Casa de lvares Machado

    ocorre em razo de dois principais motivos: o primeiro a falta de verbas, que inviabiliza os

    investimentos necessrios em materiais, equipamentos, contratao de mdicos

    especializados, entre outros. Mas h tambm um segundo motivo: a preferncia da populao

    em ser atendida nos hospitais de Presidente Prudente. Fato que tem elevado ainda mais a 7 Fonte de dados: Assistncia Mdica Sanitria, IBGE, 2002. Disponvel em http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php.

    31

    http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php
  • precariedade do atendimento mdico-hospitalar no municpio. Os recursos que seriam

    destinados ao hospital e aos postos de sade acabam sendo revertidos para a compra de

    ambulncias, que, por sua vez, so utilizadas para o transporte dos enfermos aos hospitais de

    Presidente Prudente. Sendo assim, a situao, que j ruim, acaba por ficar cada vez mais

    precria, gerando um crculo vicioso: quanto mais precria fica a situao, mais as pessoas

    optam por buscar fora atendimento mdico-hospitalar, quanto mais buscam fora tal

    atendimento, mais recursos que seriam destinados melhoria do hospital e dos postos de

    sade so revertidos para a compra e manuteno de ambulncias e gastos com o transporte

    de pacientes, e assim sucessivamente8.

    O setor educacional tambm possui seus problemas, em relao falta de

    vagas, a quantidade de alunos por sala e a qualidade do ensino pblico. A tabela abaixo

    contm as escolas existentes no municpio e a quantidade de alunos e salas de aulas.

    Tabela 3 Escolas estaduais e municipais em lvares Machado

    ESCOLAS ESTADUAIS QUANTIDADE DE ALUNOS QUANTIDADE DE SALAS

    CrechePr-

    escolaEnsino Fundam

    Fundam(1a4) (5a8)EnsinoMdio Creche

    Pr-escola

    Ensino FundamFundam(1a4) (5a8)

    Ensino Mdio

    E.E. Cel. Goulart 78 4E.E.Prof.Anglica de Oliveira 582 751 15 19E.E. Mrcio de Souza e Mello 451 11E.E. Jardim Horizonte 305 268 9 7

    ESCOLAS MUNICIPAIS

    EMEIF Aparecida Marques Vaccaro 421 15C.M. Eva Soares Boigues 47 4C.M. Nossa Senhora da Paz 40 3C.M.Jos Loureno da Silva 16 2EMEIF lvares Machado 12 1016 1 38EMEIF Gov. Franco Montoro 253 613 8 20TOTAL 686 1629 1416 1019 9 24 58 39 26Fonte: Secretaria de Estado da Educao, Censo Escolar 2004. Disponvel em http://escola.edunet.sp.gov.br/Download/downloads.htm. Org: BAGLI, Priscilla. Maio/2005.

    O municpio de lvares Machado possui 4 escolas estaduais e 6 municipais

    que atendem 4.853 alunos, desde a educao infantil (creches e pr-escolas) at o ensino

    mdio. Duas escolas (1 estadual e 1 municipal) e 1 creche esto localizadas no distrito de Cel.

    Goulart e atendem tanto a populao do distrito quanto a populao das reas rurais prximas. 8 O municpio possui 5 ambulncias para a remoo de pacientes. Inmeras so as viagens realizadas diariamente por cada ambulncia ao municpio de Presidente Prudente. H tambm um micro nibus que leva pacientes que realizam tratamentos especficos em hospitais de So Paulo e de outras cidades, como Marlia. Entretanto, isso s ocorre a cada 15 dias ou mais, dependendo da periodicidade do tratamento e da quantidade de pessoas a ser deslocadas.

    32

    http://escola.edunet.sp.gov.br/Download/downloads.htm
  • A prefeitura disponibiliza diariamente micronibus para o transporte escolar dos moradores

    da zona rural. H tambm salas de aulas destinadas especialmente para a educao de jovens e

    adultos. O projeto EJA Ensino Mdio atende 81 alunos, enquanto o EJA 1 a 4 atende 18

    alunos. importante ressaltar que uma boa parcela desses alunos composta por adolescentes

    em idade escolar, mas que esto atrasados nos estudos. Existem tambm os telecursos, projeto

    de alfabetizao exclusivo para adultos. Os telecursos atendem 85 pessoas no ensino

    fundamental e 57 no ensino mdio.

    Um dos principais problemas em relao falta de recursos. O repasse de

    verbas para o setor educacional, tanto municipal quanto estadual, no suficiente para realizar

    os investimentos necessrios em infra-estrutura e melhorias em geral. Isso tem acentuado o

    quadro de precariedade das escolas pblicas em lvares Machado. Precariedade que atinge de

    forma direta a qualidade do ensino pblico do municpio. Outro problema que tambm afeta a

    qualidade educacional a quantidade de alunos por sala de aula. No ensino fundamental

    existem em mdia 36 alunos por sala, enquanto no ensino mdio as salas chegam a ter quase

    40 alunos. Esse problema mais explcito na E.E. Mrcio de Souza e Mello, localizada no

    Jardim Panorama, onde a mdia de 41 alunos por classe. Na E.E. Prof. Anglica de Oliveira,

    situada no centro da cidade, existem aproximadamente 38 alunos por classe no ensino

    fundamental, enquanto no ensino mdio o nmero sobe para 39 alunos.

    A precariedade tem motivado muitos pais colocar os filhos em escolas

    (pblicas ou privadas) de Presidente Prudente por consider-las de melhor qualidade. Mas no

    apenas a precariedade do ensino pblico municipal e estadual que tem motivado a procura

    por escolas em Presidente Prudente. A falta de vagas tem se constitudo como principal

    motivo dessa prtica. Comparando os dados da Secretaria de Estado da Educao e do Censo

    Demogrfico 2000 do IBGE (Projeo 2004), possvel visualizar o dficit educacional

    existente no municpio. Faltam vagas em todos os nveis de ensino do fundamental ao mdio,

    sendo que o dficit maior est no ensino fundamental (ver tabela abaixo).

    33

  • Tabela 4 Dficit educacional no municpio de lvares Machado

    Faixa etria Qtde. de pessoas Matrculas em escolas pblicas

    Dficit educacional

    5 a 6 anos 928 686 2427 a 14 anos 3784 3035 74915 a 17 anos 1493 1019 474

    Total 6205 4740 1465Fonte: Secretaria de Estado da Educao Censo Escolar 2004; Censo Demogrfico, IBGE, 2000 (Projeo 2004). Org.: BAGLI, Priscilla. Maio/2005. Clculos realizados com base no cruzamento de dados do Censo IBGE (por faixa etria) e da Secretaria do Estado da Educao (nmero de crianas em idade escolar).

    Segundo dados do INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

    Educacionais do Ministrio da Educao, no municpio de lvares Machado h

    aproximadamente 800 pessoas matriculadas em escolas privadas, sendo que o maior nmero

    de matrculas concentra-se no ensino fundamental. H, no municpio, 8 escolas privadas,

    sendo 3 de ensino pr-escolar, 4 de ensino fundamental e 1 de ensino mdio. Mesmo somando

    as matrculas dos ensinos pblico e privado, o dficit educacional do municpio chega a

    atingir mais de 600 crianas e adolescentes. Dficit que leva centenas de pessoas a se deslocar

    diariamente para estudar em escolas pblicas ou privadas de Presidente Prudente, acentuando

    os fluxos pendulares entre os dois municpios.

    Ocorre que nem todos podem arcar com os custos dos deslocamentos

    dirios, mesmo considerando o desconto de 50% no valor das passagens das linhas

    intermunicipais concedido aos estudantes. Num efeito cascata, o problema da falta de verbas

    desemboca na falta de vagas que, por sua vez, cria uma despesa extra para o municpio. O

    dficit educacional gera, portanto, um nus para o poder pblico municipal. Para atender os

    estudantes de baixa renda, o municpio tem que arcar com as despesas de transporte escolar,

    como forma de compensar a falta de vagas nas escolas pblicas municipais e estaduais. Em

    lvares Machado, h um nibus que realiza diariamente o deslocamento desses alunos at as

    escolas de Presidente Prudente9. Contudo, essa medida no soluciona o problema para o

    municpio que continua sem investir em escolas de boa qualidade.

    9 Diariamente h um nibus que leva e traz os alunos que estudam em Presidente Prudente. O nibus realiza quatro viagens: de manh (leva os alunos para as escolas), no almoo (leva os alunos que estudam no perodo da tarde e traz os que levou pela manh), tarde (traz os que levou no almoo e leva o pessoal que estuda no perodo noturno), e a noite (traz os alunos do perodo noturno de volta para o municpio). Segundo Adriana Zangirolami, Secretria de Planejamento, o nibus para o transporte de alunos foi promessa de governo realizada durante as eleies que o prefeito fez questo de cumprir. importante ressaltar que o uso de nibus no exclusivo aos alunos carentes. H alunos de escolas particulares que dele se utilizam para ir escola.

    34

  • Nota-se que, tanto no que diz respeito sade quanto educao, as

    solues buscadas pelos governantes municipais so sempre paliativas. Solues que no

    contribuem de nenhuma forma para a autonomia do municpio de lvares Machado. Ao

    contrrio, apenas acentuam a relao de dependncia com Presidente Prudente.

    Outro problema enfrentado pelo municpio o expressivo xodo rural.

    Comparando os dados dos dois ltimos censos demogrficos, nota-se que mais de 26% da

    populao rural deixou o campo (ver tabela 2). Provavelmente, uma grande parcela desses

    26% migrou para a cidade, posto que a populao urbana de lvares Machado cresceu mais

    de 30%. Atualmente, o municpio possui cerca de 200 pequenas propriedades rurais,

    conforme informou o Prefeito Luiz Antnio Lustre.

    Considerando os problemas enfrentados pelos muncipes, no que diz

    respeito a educao, sade, emprego e a questo agrria, lvares Machado teria fortes

    motivos para justificar desempenho inverso ao constatado nos dois ltimos censos, ou seja, se

    ao invs de crescimento, o municpio tivesse apresentado perda de populao. No entanto, o

    crescimento populacional do municpio foi altamente expressivo, destacando-se entre os

    demais. Um dos objetivos propostos foi justamente compreender a causa desse crescimento

    mesmo com aos problemas enfrentados pelo municpio em diversos setores e a dependncia

    existente em relao ao municpio de Presidente Prudente.

    Vejamos agora o caso de Mirante do Paranapanema. Em 2002, segundo o

    Cadastro Central de Empresas, o municpio de Mirante do Paranapanema possua 233

    empresas de comrcio, incluindo estabelecimentos de reparao de automveis, objetos

    pessoais e domsticos; 52 empresas de alojamento e alimentao; 12 estabelecimentos de

    transporte, armazenagem e comunicao; 9 estabelecimentos de atividades imobilirias,

    aluguis e servios prestados empresas; alm de 6 estabelecimentos educacionais e 9 de

    sade e servios sociais. Em 2002, de acordo com os dados do IBGE, o PIB do setor de

    servios foi de R$ 35.122.000,00. Em relao ao setor secundrio, existem 28 indstrias de

    transformao, a maioria de pequeno porte, e 2 indstrias extrativas. O PIB industrial, em

    2002, foi de R$ 6.700.000,00.

    O municpio tambm apresenta problemas no setor de sade e educao.

    Todavia, a anlise deve ser realizada de forma a considerar as diferencialidades existentes no

    municpio em questo. O ponto crucial est na existncia dos assentamentos rurais, fruto do

    intenso processo de luta pela terra. O desafio, portanto, est em compreender as contradies

    oriundas desse processo e as respectivas conseqncias para o municpio.

    Desde a dcada de 1990, o municpio de Mirante do Paranapanema tem se

    destacado por conflitos agrrios. O primeiro enfrentamento entre sem-terra e fazendeiros

    35

  • ocorreu em 23 de Maro de 1991, quando as famlias que estavam acampadas s margens da

    Rodovia SP-613 ocuparam a Fazenda So Bento. Na poca, essa fazenda com 5.106 ha.

    estava sob o domnio de Antnio Sandoval Neto (FERNANDES, 1999)10. Enormes foram os

    desdobramentos dos conflitos por terra em Mirante do Paranapanema: enfrentamentos diretos

    (ocupaes e reocupaes e terras) ou via aes judiciais (liminares e concesses de

    reintegrao de posse, prises), despejos (com o uso de fora policial). No dia 10 de junho de

    1991, ocorreu o primeiro conflito armado entre os trabalhadores sem-terra e jagunos

    contratados pelos fazendeiros para defender o domnio das terras11.

    Desde o princpio, a maior parte da populao se posicionou contrria s

    manifestaes e reivindicaes dos trabalhadores sem terra. O principal motivo era que as

    reivindicaes via ocupao de terras atacavam o direito propriedade12. Isso acontecia, em

    parte, por as pessoas desconheciam o carter devoluto das terras ocupadas. Ignoravam,

    portanto, o fato de que o verdadeiro dono das terras que estavam sob o domnio dos

    fazendeiros era o prprio Estado. Quando os conflitos se acirraram, a insatisfao aumentou,

    pois as pessoas acreditavam que esse tipo de conflito funcionava apenas como propaganda

    negativa para o municpio. Raros eram os que se posicionavam a favor das manifestaes.

    Aps muitos impasses e enfrentamentos, os primeiros assentamentos foram criados (So

    Clara e So Bento). At o censo de 2000, Mirante do Paranapanema possua 28 assentamentos

    rurais. A tabela abaixo contm a relao desses assentamentos e suas principais

    caractersticas.

    10 Segundo Fernandes (1999), o Municpio de Mirante do Paranapanema possua, de acordo com a Ao Discriminatria ajuizada em 01 de Dezembro de 1938, 66.608, 95 ha. de reas devolutas. Todavia, o estado s registrou essa deciso em 1958 e apenas cinqenta anos mais tarde comeou a legitimar ou no os ttulos de domnio. Fato que s se consumou em razo da presso exercida pelo processo de luta pela terra. 11 Para maior detalhes sobre os conflitos e seus desdobramentos, ver Fernandes, Bernardo Manano. MST: formao e territorializao em So Paulo. So Paulo: Hucitec, 1999. 12 Direito esse que para muitos considerado sagrado. Para saber mais detalhes sobre a origem e os desdobramentos da propriedade privada da terra, ver BAGLI, Priscilla. Conflitos no campo: as faces da violncia na luta pela terra. Monografia de bacharelado. Presidente Prudente, 2001.

    36

  • Tabela 5 Assentamentos rurais no municpio de Mirante do Paranapanema

    Nome do Assentamento Nmero de Lotes

    Ano de implantao

    rea total(ha)

    Domnio da terra

    Estrela D'Alva 31 1995 785 Estadual So Bento 182 1995 5.191 EstadualChe Guevara (Santa Clara) 46 1995 976 EstadualArco-Iris 105 1995 2.607 EstadualCana 55 1995 1.224 EstadualFlor Roxa 39 1995 954 EstadualHaroldina 71 1995 1.965 EstadualKing Meat 46 1995 1.135 EstadualSanta Carmem 37 1995 1.043 EstadualSanta Cruz 17 1995 294 EstadualSantana 12 1995 212 EstadualLua Nova 17 1996 375 EstadualNovo Horizonte 57 1996 1.541 EstadualPontal (Santa Rosa 2) 14 1996 232 EstadualSanta Cristina 35 1996 838 EstadualSanta Isabel 1 70 1996 492 EstadualSanta Lcia 24 1996 597 EstadualSanta Rosa 1 24 1996 692 EstadualSanto Antonio1 17 1996 532 EstadualVale dos Sonhos 23 1996 618 EstadualWashington Lus 16 1996 343 EstadualSanta Apolnia 104 1996 2.658 EstadualAlvorada 21 1997 565 EstadualMarco II 9 1997 243 EstadualNossa Senhora. Aparecida 9 1997 175 EstadualSanto Antonio II 21 2000 515 EstadualAntonio Conselheiro 65 2000 1.079 FederalPaulo Freire 62 2000 1.196 FederalFonte: DATALUTA Banco de dados da luta pela terra, 2004. Org: BAGLI, Priscilla. Maio/2005

    A insatisfao que j era grande por parte da populao local aumentou com

    a implantao dos assentamentos rurais. Alguns setores foram sobrecarregados com a chegada

    dos assentados ao municpio. O atendimento mdico-hospitalar que j era ruim ficou ainda

    mais precrio, em razo do excesso de pessoas. Em 2002, o nico hospital que o municpio

    possua foi fechado. A prefeitura Municipal passou a disponibilizar ambulncias para a

    remoo de pacientes em casos mais graves aos hospitais de Presidente Prudente e de

    Teodoro Sampaio. Mas essa medida no solucionou o problema principal: o municpio

    continuou sem ter como atender seus muncipes.

    37

  • Segundo o Assessor de Relaes Pblicas Domingos Machado Vasconcelos

    a chegada da populao assentada sobrecarregou o atendimento, tornando-o mais precrio.

    Entretanto, culp-la exclusivamente pelo fechamento do Hospital Municipal seria grande

    equvoco. A Prefeitura de Mirante do Paranapanema, h anos vinha acumulando dvidas em

    razo dos sucessivos desfalques realizados nos cofres pblicos do municpio13. O Hospital

    Municipal tornou-se uma despesa impossvel de ser mantida. Optou-se, portanto, por fech-lo,

    j que no havia recursos suficientes para mant-lo em bom funcionamento.

    O atendimento emergencial realizado nos Postos de Atendimento de

    Sade (PAS), organizados pelo Programa de Sade da Famlia (PSF), vinculados ao SUS

    (Sistema nico de Sade). O PSF resultado de um convnio entre os governos federal,

    estadual e municipal. H cinco deles no municpio. Alm dos PSF's que atendem pelo SUS, o

    municpio tambm possui um estabelecimento de sade com atendimento privado.

    Vale destacar a forte presso exercida pelo MST (Movimento dos

    Trabalhadores Sem Terra) para melhorar as condies de vida da populao assentada.

    Presso que trouxe resultados positivos em relao ao atendimento mdico no municpio.

    Graas s reivindicaes, os assentados passaram a contar com atendimento ambulatorial no

    interior dos prprios assentamentos, facilitando os deslocamentos e deixando de sobrecarregar

    os postos de sade localizados na cidade. Vasconcelos informou que, dos cinco PSF's

    existentes no municpio, trs esto situados na zona rural nos assentamentos So Bento, Santa

    Rosa e Che Guevara. O PSF situado no Assentamento Che Guevara foi o ltimo a ser

    implantado, resolvendo o impasse existente entre os municpios de Mirante do Paranapanema

    e de Teodoro Sampaio. Anterior a existncia do PSF, a maioria da populao dos

    assentamentos Che Guevara, Paulo Freire e Antonio Conselheiro procurava assistncia

    mdica em Teodoro Sampaio, em razo das facilidades de deslocamento e da distncia,

    superlotando o atendimento mdico desse municpio. Atualmente, a proximidade do PSF

    amenizou essa relao e apenas os casos mais graves so repassados ao Hospital de Teodoro

    Sampaio.

    Existe tambm, nos assentamentos, o trabalho dos agentes de sade que

    realizam visitas peridicas aos assentados com o objetivo de fazer um pr-diagnstico,

    encaminhando, se necessrio, os casos mais graves para o mdico do PSF mais prximo.

    Quando um paciente necessita de atendimento mdico especializado encaminhado ao posto

    de sade da cidade. A importncia dos agentes de sade est no trabalho preventivo que

    realizam com os assentados, orientando e informando sobre endemias locais, preveno de

    doenas, higiene pessoal, aproveitamento dos recursos naturais, alm de realizar 13 Para se ter uma idia do endividamento municipal, no foi impossvel agendar a visita prefeitura por telefone, posto que as linhas estavam cortadas em funo da falta de pagamento.

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  • acompanhamento a gestantes (pr-natal, alimentao) e orientar as mes nos cuidados com as

    crianas (aleitamento materno, vacinao, crescimento e desenvolvimento do beb).

    Embora a instalao de PSF's no interior dos assentamentos tenha facilitado

    a vida da populao assentada, no possvel afirmar que o municpio de uma forma geral

    adquiriu autonomia no setor de sade. O atendimento desses postos fica restrito a casos mais

    simples, como, primeiros socorros, curativos, pequenas suturas, fraturas, diagnsticos

    simplificados, tratamento de viroses, entre outros. No Posto de Atendimento de Sade

    localizado na cidade, h atendimento mdico especializado. Todavia, casos mais graves, como

    cirurgias, diagnsticos detalhados e exames laboratoriais so realizados nos hospitais de

    Presidente Prudente e de Teodoro Sampaio. A presso exercida pelos movimentos sociais foi

    importante, mas ainda h muito que se fazer para melhorar o atendimento mdico e hospitalar

    do municpio.

    Outro setor que ficou sobrecarregado com a chegada da populao

    assentada foi o educacional. Enquanto o nmero de crianas e adolescentes em idade escolar

    aumentou consideravelmente, as vagas permaneceram as mesmas. A falta de vagas e as

    dificuldades de deslocamento impossibilitaram muitas crianas de estudar. Novamente vale

    destacar que a atuao do MST foi fundamental para amenizar esse quadro de dficit

    educacional no municpio. Aps intensa presso, o movimento conseguiu levar para os

    assentamentos seis escolas pblicas (trs municipais e trs estaduais) que atendem 842

    crianas e adolescentes da pr-escola ao ensino mdio (ver tabela abaixo).

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  • Tabela 6 Escolas estaduais e municipais em Mirante do Paranapanema

    ESCOLAS ESTADUAIS

    QUANTIDADE DE ALUNOS QUANTIDADE DE SALAS

    CrechePr-

    escola

    Ensino Fundam.

    (1a4) (5a8)Ensino Mdio Creche

    Pr-escola

    Ensino Fundam.

    (1a4) (5a8)Ensino Mdio

    E.E. Prof.Joana Costa Rocha 427 16E.E. Kosuke Endo 102 119 87 5 5 4E.E. Jos Quirino Cavalcante 417 403 14 12E.E. Maria Aparecida de Azeredo Passos 186 79 8 4E.E. Prof. Zulenka Rapchan 162 178 127 7 7 5E.E. Prof. Shizuo Nishikawa 54 4E.E. Fazenda So Bento 187 284 133 8 10 5E.E.Assentados da Fazenda Santa Clara 65 4

    ESCOLAS MUNICIPAIS

    EMPSG Zenobia Gregrio Campelo Cabral 102 84 5 4E.M. Prof. Shizuo Nishikawa 27 2C.M. N.Sra. de Ftima 40 4C.M. Santa Isabel 30 4C.M. Prof. Lcia Lcia Vasconcelos Kasae 57 97 3 4EMR Assentamento Sta. Rosa 29 2EMEIF de Costa Machado 70 3EMEIF Cuiab Paulista 18 1EMEIF Assentamento S.Bento 27 1TOTAL 127 314 1083 1238 829 11 14 48 48 30Fonte: Secretaria de Estado da Educao, Censo Escolar 2004. Disponvel em http://escola.edunet.sp.gov.br/Download/downloads.htm. Org: BAGLI, Priscilla. Maio/2005. Em destaque, as escolas localizadas nos assentamentos rurais.

    Atualmente, o municpio de Mirante do Paranapanema possui 8 escolas

    estaduais e 9 escolas municipais que atendem aproximadamente 3.600 alunos. H escolas na

    sede do municpio, nos assentamentos e nos distritos. O Distrito de Costa Machado possui

    duas escolas municipais e uma escola municipal. Situao semelhante ocorre no Distrito de

    Cuiab Paulista. Alm do ensino normal, destinados s crianas em idade escolar, existem, no

    municpio, projetos educacionais especficos a adolescentes e adultos que pararam de estudar

    ou que esto, em relao idade, atrasados nos estudos. O projeto EJA (Educao de Jovens e

    Adultos) atende 20 alunos de 1 a 4 e 27 alunos de 5 a 8, enquanto o EJA Ensino Mdio

    atente 68 alunos. Ao todo, so 115 alunos atendidos pelo projeto. H tambm o projeto

    Telecurso, destinado alfabetizao especfica de adultos. Em 2004, 215 alunos estavam

    matriculados no Telecurso, sendo 139 no ensino fundamental (55 s nos assentamentos) e 76

    no ensino mdio. Analisemos, portanto, o dficit educacional no municpio.

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    http://escola.edunet.sp.gov.br/D