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SALAZAR NO MINISTÉRIO DAS FINANÇAS Ao sentar-se pela primeira vez na sua cadeira de ministro das Finanças, Salazar não tinha um plano de acção. Havia mister começar por saber como eram por dentro as realidades sobre as quais teria de actuar. Não fez declarações, nem discursos, nem promessas. Afirmou apenas: Vou ver, vou estudar, vou inteirar-me dos problemas. O «Diário de Lisboa» tentou arrancar-lhe uma entrevista e, perante a negativa, publicou maliciosamente a anedota do brasileiro que foi à cidade comprar um papagaio dos bons, dos melhores que houvesse, dos que dizem tudo. À volta, os amigos quiseram ouvir o bicho. Andaram em volta do poleiro, disseram-lhe coisas, gritaram-lhe, incitaram-no de todas as formas. E ele, nada. Até que os amigos reconheceram: - Afinal o papagaio não fala! E o homenzinho, formalizado: - O papagaio não fala, não; mas pensa. Falou dois anos volvidos, quando se instalou na mesma cadeira. No interim, demorara- se um mês no ministério, a convite do Governo, a estudar as condições em que se encontrava a administração pública. Estamos em 1928. 0 General Carmona é eleito Presidente da República, por eleição directa, em 25 de Março. Em 18 de Abril, o General Vicente de Freitas, encarregado de constituir novo ministério, apresenta o elenco, a que falta o ministro das Finanças. Antes disso, fora chamado a constituir Governo o tenente-coronel Passos e Sousa, prestigiado pela sua vitória na revolução de 7 de Fevereiro. Cunha Leal tinha-o procurado a oferecer os préstimos do seu partido para formar o novo Governo. Não fora feliz no acolhimento. Um grupo de jovens oficiais, alguns dos quais antigos alunos de Salazar, convence Passos e Sousa a convidar o professor de Coimbra. Este vem a Lisboa, conversa com Passos e Sousa e recusa. Logo que se falou no nome de Salazar, um antigo aluno deste, Carlos Tavares, correu a Coimbra, procurou imediatamente o mestre e preveniu-o: - Eles vão insistir. Mas o senhor defenda-se. Ponha condições antes de aceitar. Senão eles depois cilindram-no. Nestas prevenções havia alguns plebeismos que omitimos. Carlos Tavares era filho do velho e prestigioso lente de Direito e reputado grande civilista, José Tavares, companheiro de escritório de Afonso Costa. Muito dedicado a Salazar, que nele admirava a inteligência ágil e brilhante, perdoando-lhe as liberdades vocabulares, o moço licenciara-se com 19 valores e fora convidado a apresentar tese para doutoramento. Mas deixara a tese em meio e mergulhara na vida agitada de Lisboa. Na conversa com Passos e Sousa não foram oferecidos a Salazar poderes e independência para realizar a obra indispensável nas Finanças. Voltou a Coimbra. Mas a pressão dos moços oficiais a favor do professor era insistente. Passos e Sousa manda o tenente Assis Gonçalves a Coimbra, com uma carta para Salazar em que promete dar-lhe, como Ministro das Finanças, os poderes de orientador das actividades do Governo. Era o extremo oposto. Salazar recusa: Como homem de princípios, respeitador da hierarquia e da dignidade das funções, sejam em que grau forem, não me sujeitaria a tão imprópria dualidade, ridícula para mim e vexatória para o senhor tenente-coronel Passos e Sousa. Perante a negativa, um grupo de oficiais pretende empurrar o comandante Filomeno da Câmara para a presidência do ministério. É o famoso golpe dos «Fifis», chefiado por aquele oficial de Marinha e por Fidelino de Figueiredo, tendo a seu lado o tenente Henrique Galvão. Admite-se que da imaginação deste tivesse saído a ideia de publicar

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SALAZAR PORTUGAL FASCISMO SÉCULO XX

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  • SALAZAR NO MINISTRIO DAS FINANAS Ao sentar-se pela primeira vez na sua cadeira de ministro das Finanas, Salazar no tinha um plano de aco. Havia mister comear por saber como eram por dentro as realidades sobre as quais teria de actuar. No fez declaraes, nem discursos, nem promessas. Afirmou apenas: Vou ver, vou estudar, vou inteirar-me dos problemas. O Dirio de Lisboa tentou arrancar-lhe uma entrevista e, perante a negativa, publicou maliciosamente a anedota do brasileiro que foi cidade comprar um papagaio dos bons, dos melhores que houvesse, dos que dizem tudo. volta, os amigos quiseram ouvir o bicho. Andaram em volta do poleiro, disseram-lhe coisas, gritaram-lhe, incitaram-no de todas as formas. E ele, nada. At que os amigos reconheceram: - Afinal o papagaio no fala! E o homenzinho, formalizado: - O papagaio no fala, no; mas pensa. Falou dois anos volvidos, quando se instalou na mesma cadeira. No interim, demorara-se um ms no ministrio, a convite do Governo, a estudar as condies em que se encontrava a administrao pblica. Estamos em 1928. 0 General Carmona eleito Presidente da Repblica, por eleio directa, em 25 de Maro. Em 18 de Abril, o General Vicente de Freitas, encarregado de constituir novo ministrio, apresenta o elenco, a que falta o ministro das Finanas. Antes disso, fora chamado a constituir Governo o tenente-coronel Passos e Sousa, prestigiado pela sua vitria na revoluo de 7 de Fevereiro. Cunha Leal tinha-o procurado a oferecer os prstimos do seu partido para formar o novo Governo. No fora feliz no acolhimento. Um grupo de jovens oficiais, alguns dos quais antigos alunos de Salazar, convence Passos e Sousa a convidar o professor de Coimbra. Este vem a Lisboa, conversa com Passos e Sousa e recusa. Logo que se falou no nome de Salazar, um antigo aluno deste, Carlos Tavares, correu a Coimbra, procurou imediatamente o mestre e preveniu-o: - Eles vo insistir. Mas o senhor defenda-se. Ponha condies antes de aceitar. Seno eles depois cilindram-no. Nestas prevenes havia alguns plebeismos que omitimos. Carlos Tavares era filho do velho e prestigioso lente de Direito e reputado grande civilista, Jos Tavares, companheiro de escritrio de Afonso Costa. Muito dedicado a Salazar, que nele admirava a inteligncia gil e brilhante, perdoando-lhe as liberdades vocabulares, o moo licenciara-se com 19 valores e fora convidado a apresentar tese para doutoramento. Mas deixara a tese em meio e mergulhara na vida agitada de Lisboa. Na conversa com Passos e Sousa no foram oferecidos a Salazar poderes e independncia para realizar a obra indispensvel nas Finanas. Voltou a Coimbra. Mas a presso dos moos oficiais a favor do professor era insistente. Passos e Sousa manda o tenente Assis Gonalves a Coimbra, com uma carta para Salazar em que promete dar-lhe, como Ministro das Finanas, os poderes de orientador das actividades do Governo. Era o extremo oposto. Salazar recusa: Como homem de princpios, respeitador da hierarquia e da dignidade das funes, sejam em que grau forem, no me sujeitaria a to imprpria dualidade, ridcula para mim e vexatria para o senhor tenente-coronel Passos e Sousa. Perante a negativa, um grupo de oficiais pretende empurrar o comandante Filomeno da Cmara para a presidncia do ministrio. o famoso golpe dos Fifis, chefiado por aquele oficial de Marinha e por Fidelino de Figueiredo, tendo a seu lado o tenente Henrique Galvo. Admite-se que da imaginao deste tivesse sado a ideia de publicar

  • um nmero apcrifo do Dirio do Governo, onde as assinaturas falsas dos capites Fernando Rodrigues e David Neto subscreviam uma portaria demitindo o Governo e designando Filomeno para constituir novo gabinete. Sanado o incidente, Carmona chama o General Jos Vicente de Freitas. Tambm este no apresenta ministro das Finanas... Convida Salazar e Salazar volta a recusar. Oferece-se ento o novo ministro das Obras Pblicas, Duarte Pacheco, para ir a Coimbra insistir com o teimoso mestre. Ou ele aceita, ou os militares entregam o poder outra vez aos polticos. . . Encontrava-se ento em Portugal o famoso Padre Matheo, que andava a prgar pelo mundo a devoo ao Sagrado Corao de Jesus. Tinha ido a Coimbra e a adoecera. No seminrio, onde se instalara, no havia condies para o tratamento necessrio. Pediram ento aos professores Cerejeira e Salazar, que tinham casa prpria e criada a cuidar dela, que recebessem ali o clrigo doente. Assentiram e o doente melhorou. J convalescente, estava um dia o Padre Matheo sentado numa cadeira em frente do Prof. Cerejeira, quando Salazar chegou com ar preocupado. Insistiam de Lisboa, explicou, para que ele aceitasse ser ministro. E estava sem saber o caminho a seguir... O Padre Matheo sorriu, levantou a mozita dbil e deu-lhe uma tapazita na cara, como se faz a uma criana: - Vai, meu filho, vai, se vs que esse o teu dever. A tua ambio muito grande e empurra-te para l. Mas tem cautela. Pe sempre a tua ambio aos ps de Deus, porque s assim tu no sers desgraado. Pelas faces de Salazar, as lgrimas caam. . . O convidado exps as suas condies. Aceitaram. Ele partiu para Lisboa. Resumem-se as condies nos quatro pontos indicados logo no discurso de posse : a) Que cada ministrio se compromete a limitar e a organizar os seus servios dentro da verba global que lhe seja atribuda pelo ministrio das Finanas; b) Que as medidas tomadas pelos vrios ministrios, com repercusso directa nas receitas ou despesas do Estado, sero previamente discutidas e ajustadas com o ministrio das Finanas; c) Que o ministrio das Finanas pode opor o seu veto a todos os aumentos de despesa corrente ou ordinria, e s despesas de fomento para que se no realizem as operaes de crdito indispensveis; d) Que o ministrio das Finanas se compromete a colaborar com os diferentes ministrios nas medidas relativas: a redues de despesas ou arrecadao de receitas, para que se possam organizar, tanto quanto possvel, segundo critrios uniformes. Mais do que modus vivendi interno no funcionamento ministerial, estava lanado um novo mtodo de administrao um novo estilo de vida governativa evidente que o facto no agradou a muitos. Dentro do prprio Governo Salazar sentiu, logo de princpio, a aco dos eternos manobradores, alis pouco discretos. O coronel Ernesto de Morais Sarmento (na Escola de Guerra, onde fora professor, chamavam-lhe o Arnesto), quando mandava ao ministrio da Finanas o secretrio com algum documento costumava dizer ao portador: - Leve l esse papel sacristia. Salazar soube do facto e conta-se, que uma vez, ao devolver os papis, disse ao portador: - Faa favor de levar este papel cavalaria. . . Um dos mais pertinazes inimigos de Salazar era o major Pestana Lopes, director da Polcia de Informaes - polcia poltica de ento. A intriga contra o ministro, junto do General Carmona, intensificou-se quando aquele, em 1929, teve um acidente ao caminhar no gabinete, do qual lhe resultou a fractura do fmur, obrigando-o a ficar

  • hospitalizado. A o defendeu, com a fidelidade de um co de guarda, Carlos Tavares, impedindo visitas que pudessem levar sada do Ministro. Foi nesta altura que sucedeu o caso pitoresco dos sinos de vora. Na histrica cidade alentejana tocaram um dia os sinos de qualquer Igreja a hora que no estava dentro da generosa liberdade concedida em tal matria pela I Repblica. O Govenador Civil, um capito de cavalaria chamado Paias, abriu por isso conflito com o Arcebispo. Tinha a apoi-lo uma falange anti-clerical e anti-nacionalista, que se notabilizaria com o assassnio do Dr. Silva Dias (antigo secretrio de Gomes da Costa) e com uma tentativa de assassnio do farmacutico Mota Capito. O Arcebispo exps o caso ao Ministro da Justia, professor Mrio de Figueiredo, que interpretando a lei da Separao com as alteraes introduzidas pelo ministro Moura Pinto no tempo de Sidnio, lavrou portaria dando razo ao prelado. Estava dentro da lei, mas ia provocar um reforo da ofensiva. O capito de cavalaria apelou para o ministro da Guerra e este levou o caso ao Conselho de Ministros. Discute-se o importantssimo problema e Mrio de Figueiredo, impetuoso, perante a atitude contrria do ministro da Guerra e do Presidente do Ministrio, apresenta o seu pedido de demisso. Salazar, imobilizado no hospital, quando sabe da atitude do seu companheiro, fica irritado, alm do mais pelo ridculo da questo. Escreve ao Chefe do Estado e ao Presidente do Ministrio, a manifestar o seu desejo de se afastar, pretextando motivo de doena. Carmona procura harmonizar a situao. Figueiredo teima em manter a portaria. Sarmento obstina-se em reprov-la. Multiplica-se a intriga. Vicente de Freitas publica uma nota oficiosa desagradvel para Salazar e manda cortar pela censura uma entrevista dada pelo ministro das Finanas ao Sculo. Nesta conjuntura, Carmona, que no dispensa Salazar, chama Ivens Ferraz para forma Governo. Mas Salazar teima em querer a continuao de Mrio. E ento que este - acedendo a uma sugesto do secretrio de Salazar, Assis Gonalves, que diz t-la feito por iniciativa prpria - escreve uma carta ao ministro das Finanas pedindo-lhe para continuar no Governo e dispensando-o a ele, Mrio, de semelhante encargo. Salazar aceitou ento, mas ps a condio de se manter vlida a portaria em causa. Simplesmente, entrara no gabinete, como ministro da Instruo, o major de artilharia Costa Ferreira, que teve a infelicidade de fazer adensar o ambiente de intriga nos prprios meios governamentais. Ivens Ferraz, Costa Ferreira e o ministro da Guerra, Barcnio Pinto, pretendiam, soube-se mais tarde, chamar de novo ao poder os polticos afastados pelo 28 de Maio. No tardou, por isso, que Carmona fizesse cair aquele ministrio e chamasse a constituir outro o general Domingos de Oliveira. S ento o ambiente interno serenou por aqueles lados... A aco de Salazar no ministrio das Finanas controla j toda a administrao pblica. Comea a definir-se, para alm daquela a linha de uma orientao poltica geral. s reaces dos descontentes, responde a conhecida frase: - Se no quiserem, h todos os dias um comboio para Santa Comba Do. Em Abril de 1932 o Presidente da Repblica, General Carmona, confia a Salazar a presidncia do Governo, que manteve at Setembro de 1968.