Samuele Bacchiocchi - Do Sábado

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Samuele Bacchiocchi - Do Sábado

Citation preview

  • DDOO SSBBAADDOO PPAARRAA OO DDOOMMIINNGGOO

    PONTIFICIA UNIVERSITAS GREGORIANA FACULTAS HISTORIAE ECCLESIASTICAE

    SAMUELE BACCHIOCCHI

    FROM SABBATH TO SUNDAY A HISTORICAL INVESTIGATION OF THE RISE OF SUNDAY OBSERVANCE IN EARLY CHRISTIANITY

    Vidimus et aprobamus ad normam Statutorum Universitatis

    Romae, ex Pontifcia Universitate Gregoriana die 25 iunii 1974 R. P. VICENZO MONACHINO, S. I. R. P. LUIZ MARTINEZ-FAZIO, S. I. IMPRIMATUR Romae, die 16 Iunii 1975 R. P. HERV CARRIER, S. I. Rector Universitatis Com approvazione Del Vicariato di Roma In data 17 giugno 1975 1977 Samuele Bacchiocchi. Distributed in USA by the author. 230 Lisa Lane, Berrien Springs, Michigan 49103.

    _____________________________________________________________ THE PONTIFICAL GREGORIAN UNIVERSITY PRESS, ROME 1977

  • Do Sbado para o Domingo 2

    COMENTRIOS A RESPEITO DO LIVRO E DO AUTOR

    UMA OBRA QUE A SI MESMO RECOMENDA. . . " uma obra que a si mesmo recomenda, em virtude do rico contedo e do vasto

    horizonte com que foi concebida e executada. Isto indica a habilidade singular do autor em englobar vrios campos a fim de capturar aqueles aspectos e elementos relacionados ao tema em investigao.

    "A orientao estritamente cientfica da obra no impede que o autor revele suas profundas preocupaes religiosas e ecumnicas. Ciente de que a histria da salvao no conhece fraturas, mas continuidade, ele encontra, na redescoberta dos valores religiosos do sbado bblico, um auxlio para restaurar ao dia do Senhor seu antigo carter sagrado."

    Vincenzo Monachino, S. J. Chairman, Departamento de Histria Eclesistica. Pontifcia Universidade Gregoriana Redator, Miscellanea Historiae Pontificiae

    UM MARCO MILENAR POR MUITO TEMPO. . . "Para aqueles interessados em saber como o Cristianismo veio a observar o domingo

    como dia de adorao, em lugar do sbado, este estudo impressionante feito por um erudito Adventista do Stimo Dia complementando sua dissertao doutoral com um imprimatur certamente ficar como marco milenar por muito tempo. A bibliografia de fontes principais e secundrias cobre quase 15 pginas."

    The Christian Ministry, Chicago UMA TENTATIVA NOVA, PESQUISADA COM PROFUNDIDADE... "Na ltima dcada, mais ou menos, as igrejas crists tm feito grandes progressos ao

    purificar seus catequticos e teologia de um anti-judasmo histrico. Porm, com exceo de alguns termos tais como "judeus perdidos", pouca ateno tem sido dada liturgia crist. Pode ser que uma das mais poderosas formas de anti-judasmo na igreja hoje seja a prpria estrutura de sua liturgia. Por isso, Do Sbado Para o Domingo deve ser recebido como uma tentativa nova, pesquisa com profundidade, para iniciar as discusses nesta rea vital. um campo que necessita de nossa ateno. E no se poderia achar melhor ponto de partida para tal explorao que o ltimo volume do Dr. Bacchiocchi. Eu o recomendo altamente."

    John T. Pawlikowski, OSM, Ph.D. Chairman, Departamento de Estudos Histricos e Doutrinrios Unio Teolgica Catlica Conglomerado de Escolas Teolgicas de Chicago

    UMA PESQUISA COMPLETA E LABORIOSA. . . " uma pesquisa completa e laboriosa, a qual todo investigador, no futuro, ter que

    levar em considerao." Bruce M. Metzger (Professor do Novo Testamento Seminrio Teolgico de Princeton)

  • Do Sbado para o Domingo 3

    POSITIVA E COMPULSRIA. . . "Para mim, o Dr. Samuele Bacchiocchi fez uma contribuio muito importante ao

    estudo de uma questo muito central na histria da religio bblica. Sua obra um estudo bastante completo e cuidadosamente pesquisado, com cobertura completa de todas as fontes principais e da maioria das secundrias que tratam dele. Conquanto no possamos esperar que a questo se resolver em termos puramente acadmicos, uma avaliao positiva e compulsria da evidncia deveria ser da maior importncia para toda a pesquisa e estudo do assunto."

    David Noel Freedman, Professor de Estudos Bblicos Universidade de Michigan Redator, Arquelogo Bblico

    DE GRANDE VALOR PARA JUDEUS. . . "Com laboriosa erudio, o Dr. Bacchiocchi tem reavaliado a transio da observncia

    do sbado para o domingo na histria da igreja. Ao mesmo tempo, sua anlise teolgica procura levar os cristos contemporneos a uma apreciao do sbado bblico, que os profetas bblicos viam como um dia, no de mau pressgio, mas de "deleite honrado e santo ao Senhor". Contra o pano de fundo do rigor exagerado nas restries sabticas entre algumas seitas judaicas, agora enfatizadas pelos achados do Mar Morto, os rabinos farisaicos emergem como artistas espirituais que utilizavam os meios de comunicao de seu tempo para modelar um dia de devoo e iluminao. A contribuio de Bacchiocchi histria crist deve provar-se de grande valor aos judeus que, de sua especial posio vantajosa, poderiam ganhar um vislumbre mais profundo de sua herana halquica."

    Joseph M. Baugartem Professor de Leis e Instituies Rabnicas Baltimore Hebrew College

    IMPLICAES SURPREENDENTES. . . "O trabalho bem pesquisado e bem escrito do Dr. Bacchiocchi combina erudio,

    devoo e um esprito conciliatrio. Ele argumenta que a compreenso do domingo como sbado cristo encontra suas razes, no no Novo Testamento, absolutamente, mas em complexas presses histricas e ideolgicas no perodo patrstico. Se esta controvrsia do Sr. Bacchiocchi est correta e acredito que esteja ento deve-se, ou segui-lo e apoiar um sbado continuado (do stimo dia), ou estudar-se novamente os documentos principais a fim de chegar a alguma outra concluso. Pessoalmente inclino-me para a ltima; mas seja como for, as implicaes so surpreendentes, no somente em virtude da prpria questo sbado/domingo, mas tambm por causa do problema maior do relacionamento entre o Velho e o Novo Testamento.

    Don A. Carson Deo, Seminrio Teolgico Batista do Noroeste Vancouver, B.C. Redator do prximo simpsio sobre A Questo Sbado/Domingo.

  • Do Sbado para o Domingo 4

    NDICE Prefcio ......................................................................................... 10 Captulo I INTRODUO A ATUAL CRISE DO

    DIA DO SENHOR .................................................... 12 O Problema e os Objetivos deste Estudo .................................. 14 Notas e referncias .................................................................... 17

    Captulo II CRISTO E O DIA DO SENHOR ............................ 21

    A Tipologia do Sbado e Seu Cumprimento Messinico ......... 22 A Atitude de Cristo para com o Sbado .................................... 28 As Primeiras Interpretaes Patrsticas ..................................... 28 As Primeiras Curas no Sbado .................................................. 30 O Homem com a Mo Ressequida ............................................ 31 A Mulher Enferma .................................................................... 36 O Paraltico e o Homem Cego .................................................. 38 A Colheita das Espigas .............................................................. 47 O Sbado na Epstola aos Hebreus ............................................ 59 Uma Admoestao de Cristo Quanto ao Sbado ...................... 65 Concluses ................................................................................ 67 Notas e referncias .................................................................... 69

    Captulo III AS APARIES PS-RESSURREIO E A

    ORIGEM DA OBSERVNCIA DO DOMINGO....... 84 A Ressurreio .......................................................................... 84 A Santa Ceia .............................................................................. 85 A Pscoa .................................................................................... 87 As Aparies do Cristo Ressurreto ........................................... 91 Notas e referncias .................................................................... 95

    Captulo IV TRS TEXTOS DO NOVO TESTAMENTO E A

    ORIGEM DO DOMINGO ...................................... 105 I Corntios 16:1-3 .................................................................... 105 Atos 20:7-12 ............................................................................ 113 Apocalipse 1:10 ....................................................................... 123 O Domingo .............................................................................. 124 O Domingo de Pscoa ............................................................. 129 O Dia do Senhor ...................................................................... 132 Notas e referncias .................................................................. 140

    Captulo V JERUSALM E A ORIGEM DO DOMINGO ..... 159

  • Do Sbado para o Domingo 5

    A Igreja de Jerusalm no Novo Testamento ........................... 161 O Lugar das Reunies Crists ................................................. 162 A Hora das Reunies Crists ................................................... 164 A Orientao Teolgica da Igreja de Jerusalm ..................... 167 A Igreja de Jerusalm Depois de 70 A.D. ............................... 176 Os Ebionitas ............................................................................ 177 Os Nazarenos .......................................................................... 179 A Maldio dos Cristos ......................................................... 181 A Atitude Poltica de Adriano ................................................. 182 Notas e referncias .................................................................. 185

    Captulo VI ROMA E A ORIGEM DO DOMINGO ............... 201

    Predomnio de Conversos Gentios .......................................... 201 Primeiras Diferenas Entre Judeus e Cristos ......................... 202 Sentimentos e Medidas Anti-Judaicas .................................... 204 Medidas e Atitudes Romanas .................................................. 205 Medidas e Atitudes Crists ...................................................... 209 A Igreja de Roma e o Sbado .................................................. 214 Roma e a Controvrsia Sobre a Pscoa ................................... 222 A Origem do Domingo de Pscoa ........................................... 222 O Domingo de Pscoa e o Domingo Semanal ........................ 225 O Primado da Igreja de Roma ................................................. 228 Concluso ................................................................................ 231 Notas e referncias .................................................................. 233

    Captulo VII ANTI-JUDASMO NOS PAIS DA IGREJA E

    A ORIGEM DO DOMINGO .............................. 268 Igncio ..................................................................................... 268 Barnab ................................................................................... 271 Justino Martyr ......................................................................... 276 Concluso ................................................................................ 283 Notas e referncias .................................................................. 284

    Captulo VIII O CULTO DO SOL E A ORIGEM

    DO DOMINGO ................................................. 297 O Culto do Sol e a Semana Planetria Antes de 150 A.D. ...... 298

    O Culto do Sol ..................................................................... 298 A Semana Planetria ........................................................... 300

    Reflexos do Culto do Sol no Cristianismo .............................. 307 Cristo, o Sol ......................................................................... 307 Orientao em Direo ao Leste ......................................... 308 A Data do Natal ................................................................... 310

    O Dia do Sol e a Origem do Domingo .................................... 312

  • Do Sbado para o Domingo 6

    Concluso ................................................................................ 318 Notas e referncias .................................................................. 319

    Captulo IX A TEOLOGIA DO DOMINGO ........................... 342

    A Ressurreio ........................................................................ 342 A Criao ................................................................................ 344 O Oitavo Dia ........................................................................... 348 Batismo ................................................................................... 349 A Semana Csmica ................................................................. 351 Continuao do Sbado ........................................................... 353 A Superioridade do Oitavo Dia ............................................... 354 A Separao do Oitavo Dia do Domingo ................................ 362 Concluso ................................................................................ 367 Notas e referncias .................................................................. 369

    Captulo X RETROSPECTIVA E PERSPECTIVA ................ 384

    Notas e referncias .................................................................. 402 APNDICE Paulo e o Sbado ................................................. 407

    Notas e referncias .................................................................. 433

  • Do Sbado para o Domingo 7

    ABREVIATURAS: ANF The Ante-Nicene Fathers. 10 vols. Grand Rapids, Michigan: Wm. B.

    Eerdmans. NPNF Nicene and Post-Nicene Fathers. First and Second Series, Grand Rapids,

    Mich.: Wm. B. Eerdmans, 1971 reprint. AUSS Andrews University Seminary Studies. Berrien Springs, Michigan. BZUNW Beiheft zur Zeitschrift fr die neutestamentiche Wissenschaft, Berlin. CCL Corpus Christianorum. Series Latina. Turnholti: Typographi Brepols

    Editores Pontificii, 1953ff. CD Damascus Document. CIL Corpus Inscripionum Latinorum, ed. A. Reimer, Berlin: apud G.

    Reimerum, 1863-1893. CSCO Corpus Scriptorum Christianorum Orientalium, Louvain: Secretariat du

    Corpus SCO. CSEL Corpus Scriptorum Ecclesiasticorum Latinorum. Vienne: C. Geroldi

    filium, 1866ss. EIT Enciclopedia Italiana Trecani, Milano, Roma, 1929ff. GCS Die griechischen christlichen Scriftstel ler der ersten drei Jahrhunderte.

    Berlin: Akademie-Verlag, 1887ff. HE Historia Ecclesiastica. JBL Journal of Biblical Literature. Philadelphia. LCL Loeb Classical Library. MANSI Sacrorum Conciliatorum Nova et Amplissima Collectio, ed. Joannes

    Dominicus Mansi. Graz, Austria: Akademische Dfruck U. Verlagsanstalt, 1960-1961.

    NST New Testament Studies. Cambridge. PG Patrologie cursus completus, Series Graeca, ed. J. P. Migne Editorem,

    1857ss. PL Patrologie cursus completus, Series Latina, ed. J. P. Migne. Paris: Garnier

    Fratres et J. P. Migne, 1844ss. PS Patrologia Syriaca SS. Patrum, Doctorum, Scriptorumque Catholicorum, ed.

    R. Graffin. Paris: Firmin-Dodpt et socii, 1894ff. SC Sources Chretiennes. Collection directed by H. de Lubac and J. Danielou.

    Paris: Editions du Cerf, 1943ff. SB Kommentar zum Neuen Testament aus Talmud und Midrasch, ed. H. L.

    Strack and P. Billerbeck. Munich, 1922ff. TDNT Theological Dictionary of the New Dictionary, eds. G. Kittel e

    traduzido por G. W. Bromiley. Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing Company, 1964f.

    TU Teste und Intersuchungen zur Geschichte der altchristlichen Literatur, encontrado por O. von Gebhardt e A. Harnack, Leipzig, 1882f.

    VT Vetus Testamentum. Leiden.

  • Do Sbado para o Domingo 8

    PREFCIO A atrao que o problema da origem e observncia do domingo exerceu sobre os

    estudantes de "Histria da Igreja Primitiva" nas ltimas duas ou trs dcadas no est, de maneira alguma, desgastada. Isto, ns acreditamos, deve-se a duas razes principais. Por um lado, a sempre crescente no-observncia do Dia do Senhor como resultado da transformao radical do ciclo semanal, causado pela complexidade da vida moderna e pelo progresso cientfico, tecnolgico e industrial, leva a um srio reexame do significado do domingo para o cristo hoje. Para realizar uma correta reavaliao teolgica do domingo necessrio investigar sua base bblica e sua origem histrica. Por outro lado, os vrios estudos sobre este assunto, embora excelentes, no oferecem uma resposta totalmente satisfatria em virtude da falta de considerao de alguns dos fatores que na igreja dos primeiros sculos contriburam para o surgimento e desenvolvimento de um dia de adorao diferente do sbado judaico.

    Por esta razo, o novo trabalho do Dr. Samuele Bacchiocchi muito oportuno.

    Ele levanta novamente o estudo deste sugestivo tema e, ao analisar criticamente os vrios fatores teolgico, poltico e das religies pags que de alguma maneira tm influenciado para a adoo do domingo como um dia de culto cristo, ele se esfora para proporcionar um quadro completo da origem e progressiva configurao do domingo at o quarto sculo. uma obra que recomenda a si prpria pelo seu rico contedo, o rigoroso mtodo cientfico, e o vasto horizonte com o qual ela foi concebida e executada. Isto uma demonstrao da singular habilidade do autor em abranger vrios campos a fim de capturar os aspectos e elementos relacionados com o tema que est sendo investigado.

    Ns mencionamos com prazer a tese que Bacchiocchi defende quanto ao bero

    do culto dominical: Para ele mais provvel que este culto tenha surgido, no na primitiva Igreja de Jerusalm, bem conhecida por sua profunda ligao s tradies religiosas dos judeus, mas na Igreja de Roma. O abandono do sbado e a adoo do domingo como o dia do Senhor so o resultado de uma interao de fatores cristos, judeus e de religies pags. O evento da ressurreio de Cristo, que ocorreu neste dia, tem naturalmente uma importncia significativa. Seguindo a ordem da histria da redeno, o autor comea sua investigao com a tipologia messinica do sbado no Velho Testamento e prossegue examinando como isto encontra seu cumprimento na misso redentora de Cristo.

    A estrita orientao cientfica da obra no permite ao autor revelar seu profundo

    interesse religioso e ecumnico. Cnscio de que a histria da salvao no trata de rupturas mas de continuidade, ele encontra na redescoberta dos valores religiosos do sbado bblico uma ajuda para restaurar o antigo carter sagrado do Dia do Senhor. Esta , na realidade, a exortao que j no quarto sculo os bispos dirigiram aos crentes, ou seja, que no deviam passar os domingos em passeios ou apreciando

  • Do Sbado para o Domingo 9

    espetculos, mas sim santific-los, ao assistir a celebrao eucarstica e praticar atos de piedade. (St. Ambrose, Exam. III 1.1).

    Roma, 29 de junho de 1977, Vincenzo Monachino, S.J. Presidente do Depto. de

    Histria Eclesistica da Pontifcia Universidade Gregoriana

  • Do Sbado para o Domingo 10

    INTRODUO A ATUAL CRISE DO DIA DO SENHOR O ciclo de seis dias de trabalho e um de adorao e repouso, no obstante o

    legado da histria dos hebreus, tem, felizmente, prevalecido atravs de quase todo o mundo. De fato, o culto judeu e cristo encontra sua expresso concreta em um dia, a cada semana, no qual a adorao a Deus torna-se possvel e mais significativa pela interrupo das atividades seculares.

    Recentemente, entretanto, nossa sociedade tem sofrido muitas transformaes radicais, por causa de suas realizaes tecnolgicas, industriais, cientficas e espaciais. O homem moderno, como afirma Abraham Joshua Heschel, "vive sob a tirania das coisas do espao."1 A crescente disposio tempo e lazer, causada pela diminuio da jornada de trabalho, tende a alterar no apenas o ciclo de seis dias de trabalho e um de repouso, como tambm os valores religiosos tradicionais, e at mesmo a santificao do dia do Senhor. Por esta razo o cristo hoje tentado a considerar o tempo como uma coisa que lhe pertence, algo que ele pode utilizar para seu prprio prazer. As obrigaes de culto se no totalmente negligenciadas, so freqentemente reduzidas e facilmente dispensadas conforme os interesses da vida. A noo bblica do "santo sbado", entendida como uma ocasio de cessar as atividades seculares a fim de experimentar as bnos da criao-redeno por meio da adorao a Deus e do trabalho desinteressado pelos necessitados est cada vez mais desaparecendo dos planos do cristo.

    Conseqentemente, se algum observa a pres so que nossas instituies econmicas e industriais esto exercendo para obter a utilizao mxima das instalaes industriais programando turnos de trabalho que ignoram qualquer feriado , fcil compreender que o plano a ns transmitido de uma semana de sete dias, com o seu dia de repouso e adorao, pode sofrer alteraes radicais.

    O problema constitudo por uma geral concepo errnea do significado do "santo dia" de Deus. Muitos cristos bem intencionados consideram a observncia do domingo como uma HORA de adorao em vez de O SANTO DIA do senhor. Uma vez cumpridas suas obrigaes de culto, muitos, em boa conscincia, gastam o restante do domingo ganhando dinheiro ou se divertindo.

    Algumas pessoas, preocupadas com a profanao generalizada do dia do Senhor, esto desejando uma legislao civil que torne ilegais todas as atividades no compatveis com o esprito do domingo.2 Para que esta legislao seja aceita at pelos no cristos, algumas vezes tem-se apelado para a necessidade de preservar os recursos naturais. Um dia de total descanso para homens e mquinas ajudaria a salvaguardar nossas reservas de energia e o precrio meio ambiente.3 As necessidades sociais ou ecolgicas, entretanto, embora possam encorajar o descanso no domingo, dificilmente conseguiro levar a uma atitude de adorao.

    No se conseguiriam melhores resultados educando nossas comunidades crists para que compreendessem o significado bblico e a experincia do "santo dia" de Deus? Entretanto, para que isto seja possvel, indispensvel, antes de tudo, articular claramente o fundamento teolgico da observncia do sbado. Quais so as razes

  • Do Sbado para o Domingo 11

    bblica e histrica para a guarda do domingo? Pode este dia ser guardado como legtima substituio do sbado judaico? Pode o quarto mandamento ser corretamente invocado para proibir sua observncia? Pode o domingo ser considerado como a hora de culto em vez de o santo dia de repouso do Senhor?4

    Para dar uma resposta a esses problemas vitais indispensvel verificar, antes de mais nada "quando", "onde", e "por que" o domingo surgiu como um dia de culto cristo. Somente aps reconstruir este quadro histrico e identificar os principais fatores que contriburam para a origem do domingo, ser possvel prosseguir com a tarefa de reconsiderar a validade e o significado da observncia do domingo.

    O Problema e Os Objetivos Deste Estudo. O problema da observncia do domingo entre os cristos primitivos tem

    despertado, em poca recente, o interesse dos estudiosos de diferentes crenas religiosas. Os numerosos estudos cientficos, inclusive vrias teses doutorais, que tm aparecido nas duas ltimas dcadas so uma clara evidncia do renovado interesse e esforo despendido para encontrar uma resposta mais satisfatria para a questo sempre intrigante da poca, lugar e causas da origem da guarda do domingo.5

    Em estudos recentes, entretanto, a tendncia tem sido tornar a observncia do domingo ou uma criao exclusiva e original da comunidade apostlica de Jerusalm 6 ou uma adaptao pag do "dies solis - dia do sol" com a adorao ao sol a ele relacionada.7 Mas qualquer investigao e concluso que leve em conta apenas uns poucos fatores causais evidentemente unilateral, no equilibrada. Se reconhecemos, como J. V. Goudoever, que de "todas as partes da liturgia as festas so talvez as mais duradouras: praticamente impossvel mudar o dia e forma de comemorao"8, s podemos esperar que motivos complexos e profundos devem ter levado a maioria dos cristos a abandonar a imemorvel e notria tradio judaica da guarda do sbado em favor de um novo dia de culto. Em qualquer tentativa, portanto, de reconstruir o processo histrico da origem do domingo, deve-se dar ateno ao grande nmero de possveis fatores teolgico, social, poltico, pago que podem ter desempenhado um menor ou maior papel ao induzir a adoo do domingo como dia de culto.

    Este estudo tem dois objetivos bem definidos: Primeiro, ele prope o exame das teses defendidas por inmeros estudiosos que atribuem aos apstolos, e at mesmo a Cristo, a iniciativa e responsabilidade de abandonar a guarda do sbado e instituir o culto dominical. Sero considerados os ensinos de Cristo quanto ao sbado, a ressurreio e aparecimentos de Cristo, a celebrao eucarstica e a comunidade crist de Jerusalm, a fim de determinar que parte desempenharam, se que desempenharam, no estabelecimento da observncia do domingo. Nosso objetivo verificar se o culto dominical comeou durante o tempo dos apstolos em Jerusalm ou se foi posteriormente. Esta verificao da origem histrica da guarda do domingo de grande importncia, pois ela pode explicar no apenas as causas de sua origem, mas

  • Do Sbado para o Domingo 12

    tambm sua aplicabilidade aos cristos hoje. Se o domingo realmente o dia do Senhor, todos os cristos, sim, toda a humanidade deveria sab-lo.

    Em segundo lugar, esta pesquisa pretende avaliar em que medida alguns fatores, como os sentimentos anti-judaicos, as atitudes repressivas que os romanos tomaram contra os judeus, a adorao ao sol e sua relao com o "dia do sol" e determinadas motivaes teolgicas crists, influram no abandono do sbado e na adoo do domingo como o dia do Senhor pela maioria dos cristos.

    Este estudo , portanto, uma tentativa de reconstruir um mosaico de fatores na busca de uma descrio mais exata da poca e das causas que contriburam para a adoo do domingo como o dia de adorao e repouso. Isto est em harmonia com C. W. Dugmore, que sugere que "s vezes bom reconsiderar o que a maioria das pessoas considera como coisa definida, mesmo que no se cheque a nenhuma concluso surpreendente."9 Reexaminar concluses e hipteses aceitas, submetendo-as a um exame crtico e minucioso, no um simples exerccio acadmico, mas uma tarefa a ser cumprida a servio da verdade.

    Nosso estudo no se preocupa com os aspectos litrgicos ou pastorais da observncia do domingo entre os primitivos cristos, desde que tais problemas j tm sido tratados exaustivamente em recentes monografias.10 Examinaremos apenas os textos que podem ajudar a estabelecer a poca e as causas formais e materiais, imediatas e remotas da origem do culto dominical. Nosso propsito limita-se ao problema das origens.

    Exceto algumas referncias incidentais a textos posteriores, os documentos que examinaremos esto dentro dos quatro primeiros sculos da nossa era. Testemunhos patrsticos sero examinados at este ltimo perodo, a fim de verificar a validade histrica das motivaes que aparecem nos inadequados documentos da primeira parte do segundo sculo. Este o perodo no qual o culto dominical mudou de um nebuloso comeo para uma prtica estabelecida. Sendo este o perodo em que as instituies eclesisticas ainda estavam em um estgio embrionrio, o estudante que l os poucos documentos disponveis com os critrios eclesiolgicos posteriores, pode facilmente enganar-se.

    As fontes tm sido analisadas levando em conta os fatores cronolgico, histrico e geogrfico. Passagens significativas tm sido submetidas a cuidadoso exame, j que freqentemente seus problemas textuais e contextuais tm sido passados por alto ou interpretados unilateralmente. Isto produz uma impresso que no verdadeira. N. J. White menciona por exemplo, "uma freqente e inquestionada aplicao que a igreja" faz da frase "dia do Senhor" para referir-se ao domingo desde os primitivos tempos apostlicos.11

    Os documentos disponveis para a presente pesquisa so de natureza heterognea, tais como cartas, homilias e tratados. Sua procedncia, autenticidade e ortodoxia nem sempre so evidentes, mas por serem tudo o que temos, algo de valor deve ser deles obtido. Conforme as regras do rigor cientfico, pode-se fazer objeo ao uso de um documento como, por exemplo, Pseudo-Barnab. Entretanto, se algum limita-se apenas anlise de documentos de arquivos, de monumentos arqueolgicos e outras

  • Do Sbado para o Domingo 13

    peas de incontestvel autenticidade, impossvel fazer algum progresso real, devido sua escassez. Por esta razo, necessrio examinar a rica literatura patrstica e apcrifa, tendo em mente as suas limitaes.

    Este estudo representa uma extenso da tese doutoral apresentada em italiano ao Departamento de Histria Eclesistica da Pontifcia Universidade Gregoriana, em Roma. O material foi substancialmente condensado e reorganizado. Esta nova apresentao motivada no desejo de tornar o estudo compreensvel mesmo para os leitores leigos. A discusso de questes tcnicas foi colocada em notas no final dos captulos.

    Espera-se que o presente trabalho fornea aos telogos os indispensveis dados histricos necessrios para reflexes sobre o significado do domingo, e tambm que possa despertar o interesse dos historiadores para reconsiderar a questo da origem do domingo na tentativa de chegar mais perto da "verdade". Espera-se tambm que os leitores sinceros sejam estimulados, atravs de uma melhor compreenso do significado do santo dia de Deus, a buscar um mais profundo relacionamento com o "Senhor do Sbado" (Marcos 2:28).

    Notas e referncias:

    1. Abraham Joshua Heschel, The Sabbath, its Meaning for Modern Man, 1951, p.

    10. O mesmo autor salienta a noo de que o judasmo uma religio do tempo que frisa a santificao do tempo (ibid. p.8)

    2. Sobre o desenvolvimento histrico da legislao dominical veja: H. Gruber, Geist und Buchstabe der Sonntagsruhe, 1958, que traa tal desenvolvimento at Idade Mdia. Um tratamento similar dispensado por J. Kelly, Forbidden Sunday and Feast-Day Occupations, dissertao, Catholic University of America, 1943. Para uma opinio puritana, veja J. Bohmer, Der Christliche Sonntag nach Ursprung und Geschichte, 1951. Ronald Goetz "An Eschatological Manifesto", The Christian Century 76 (2 de novembro de 1960): 1275, argumenta que o princpio da separao entre igreja e estado negligenciado pelos defensores das leis dominicais (cf. John Gilmary Shea, "The Observance of Sunday and Civil Laws for its Enforcement". The American Catholic Quarterly Review, 8, (1883): 152 ff.

    3. Harold Lindsell vai mais longe ao propor que o domingo seja um dia nacional de repouso em seu editorial na Christianity Today de 7 de maio de 1976, intitulado "The Lord's Day and Natural Resources". Ele afirma que a nica maneira de se conseguir o duplo objetivo da observncia do domingo e conservao de energia seria "pela fora de uma sano legislativa atravs dos representantes eleitos do povo." A oposio dos sabatistas ao editorial, que consideram a proposta de Lindsell como uma violao dos direitos garantidos aos americanos pela primeira emenda da Constituio, aparentemente levou o editor a apresentar uma contraproposta em outro editorial na mesma revista de 5 de novembro de 1976. Conforme a nova proposta de Lindsell, o sbado e no o domingo deve ser considerado como um dia de repouso para todas as pessoas. Os adventistas do stimo dia rejeitaram enfaticamente mesmo a ltima

  • Do Sbado para o Domingo 14

    proposta, baseando-se em que a observncia obrigatria de qualquer dia da semana seria um fardo e privaria alguns segmentos da populao da liberdade religiosa (cf. Leo R. van Dolson, "Color the Blue Laws Green", Liberty, 72 (1977): 30.

    4. W. Rordorf, Sunday. The History of the Day of Rest and Worship in the Earliest Centuries of The Christian Church, 1968 (daqui por diante citado apenas Sunday), p. 296, sustenta que "com certeza at o quarto sculo a idia de repouso no influiu absolutamente nada no domingo cristo." Uma vez que na opinio de Rordorf o repouso dominical no era um componente original ou indispensvel do culto dominical, mas uma imposio imperial (p. 168), ele levanta a possibilidade de ser esta "uma soluo ideal por fazer coincidir o dia de repouso e o dia de culto." (p. 299). Ele prefere atribuir ao domingo uma exclusiva funo de culto que pode ser realizada na assemblia da comunidade crist, em qualquer momento do dia, para a celebrao eucarstica.

    5. Os seguintes so alguns dos mais recentes e importantes estudos: W. Rordorf, Sunday; pelo mesmo autor, "Le Dimanche, jour du culte et jour du repos dans l'Eglise primitive", Le Dimenche, Lex Orandi 39, 1965, pp. 91-111; Sabbat et dimanche dans l'Eglise ancienne, 1972; C. S. Mosna, Storia della domenica dalle origini fino agli inizi del V Secolo, Analecta Gregoriana, vol. 170, 1969; J. Danilou, "Le dimanche comme huitime jour", Le Dimenche, Lex Orandi 39, 1965, pp. 61-89.

    6. Esta exclusiva introduo reflete-se, por exemplo, na metodologia de W. Rordorf, quando declara que "em principio h duas possveis solues para este problema: ou ns conclumos que a observncia do domingo teve origem no Cristianismo, e neste caso temos que procurar saber que fatores contriburam para o seu surgimento; ou estamos convencidos de que a Igreja Crist adotou sua observncia do domingo buscando-a em outra fonte. Devemos chegar a uma ou outra concluso em nossa pesquisa da origem da observncia crist do domingo, pois ela no pede ter sido ao mesmo tempo legada e adotada pelos cristos." (Sunday, p. 180). Rordorf defende tenazmente a primeira soluo, mas seu mtodo e concluses so criticados at mesmo por C. S. Mosna (ver nota 8). semelhantemente J. Danilou escreve: "O domingo uma criao puramente crist, ligado ao fato histrico da Ressurreio do senhor" (Bible and Liturgy, pp. 222 e 242). Este aspecto examinado nos captulos 3, 5 e 9.

    7. Ver, por exemplo, H. Gunkel, Zum religionsgeschichtlichen Verstandnis des Neuen Testaments, 1910, pp. 74f.; A. Loisy, Les Mysteres paiens, 1930, pp. 223f; tambm Les Evangiles synoptiques, 1907, 1, pp. 177f.; R. L. Odom, Sunday in Roman Paganism, 1944; P. Cotton, From Sabbath to Sunday, 1933, pp. 130f.

    8. J. V. Goudoever, Biblical Calendars, 1959, p. 151. C. S. Mosna critica W. Rordorf por dar "ao surgimento da festividade dominical uma origem demasiadamente crist, esquecendo outros elementos teis e destacando-o de seu contexto judeu" (Storia della domenica, pp. 41 e 5);

    9. C. W. Dugmore (fn. 7), p. 274. 10. Para os aspectos pastorais da observncia do domingo ver V. Monacchino, La

    Cura pastorale a Milano Cartagine e Roma nel secolo IV, Analecta Gregoriana 41,

  • Do Sbado para o Domingo 15

    1947; e S. Ambrogio e la cura pastorale a Milano nel secolo IV, 1973; C. S. Mosna, Storia della domenica, parte IV, trata dos aspectos litrgico e pastoral do domingo tanto no Oriente como no Ocidente; para a questo do repouso no domingo, ver H. Huber, Spirito e lettera del riposo domenicale, 1961; J. Duval, "La Doctrine de l'Eglise sur le travail dominical et son evolution", La Maison-Dieu 83 (1965): 106f.; L. Vereecke, "Le Repos du dimanche", Lumire et vie 58 (1962): 72f.

    11. A Dictionary of the Bible, ed. James Hastings, 1911, s.v. "Lord's Day", por N. J. White.

  • Do Sbado para o Domingo 16

    CRISTO E O DIA DO SENHOR A expresso "Dia do Senhor - que primeiro

    aparece como uma incontestvel designao crist para o domingo prximo a parte final do segundo sculo, denota um dia que pertence exclusivamente ao "Senhor - v".1 J que o domingo tem sido tradicionalmente considerado por muitos cristos como o dia do qual Cristo Senhor e que consagrado a Ele, ns podemos muito bem comear nossa pesquisa histrica da origem da observncia do domingo verificando se Cristo antecipou a instituio de um novo dia de culto dedicado exclusivamente a Ele.

    As declaraes de Cristo encontradas nos evangelhos no contm a expresso "dia do senhor". Os Sinticos (Mat. 12:8; Mar. 2:28; Luc. 6:5), entretanto, contm uma locuo semelhante, a saber, "Senhor do sbado - v", uma frase usada por Cristo no fim de uma discusso com os fariseus sobre a questo de legtimas atividades sabticas. Vrios autores tm procurado estabelecer uma relao causal entre Cristo proclamar a Si mesmo "Senhor do sbado" e a instituio do domingo como o "dia do Senhor". C. S. Mosna, por exemplo, declara enfaticamente que "Cristo proclamou-Se senhor do sbado especificamente para liberar o homem das cargas cerimoniais referentes ao sbado, e que se tornaram desnecessrias".2 Ele v neste pronunciamento a inteno de Cristo de instituir Seu novo dia de culto. Semelhantemente, Wilfrid Stott interpreta o dito de Cristo como uma implcita referncia ao domingo: "Ele o Senhor do sbado e nesta expresso, citada por trs dos Sinticos h uma referncia oculta ao dia do Senhor. Ele, como Senhor, escolhe Seu prprio dia."3

    Para verificar a validade destas conjeturas, devemos determinar a atitude bsica de Cristo quanto ao sbado. Indo direto ao assunto, Cristo observou verdadeiramente o sbado ou quebrou-o propositadamente? Se a ltima hiptese a verdadeira ento precisamos descobrir se Cristo, por Suas prprias palavras e atos, planejou estabelecer os fundamentos para um novo dia de culto que eventualmente substitusse o sbado.

    Apelar para os crticos tornaria ftil esta investigao, pois eles consideram o relato evanglico dos ensinos e atividades de Cristo quanto ao sbado, no como autnticos fatos histricos mas como reflexes posteriores da igreja primitiva. Eles afirmam que impossvel saber o que o prprio Jesus pensava a respeito.4 No vemos nenhuma justificativa para este ceticismo histrico, especialmente porque uma nova busca do Cristo histrico tem comeado que lana sombras sobre a metodologia anterior e promete encontrar nos Evangelhos um nmero muito maior de autnticos feitos e palavras de Jesus.5 Entretanto, mesmo se os materiais dos Evangelhos representam reflexes posteriores da comunidade crist (o que para ns inadmissvel), este fato no diminui o seu valor histrico. Ainda assim se constituem numa fonte valiosa para o estudo da atitude da Igreja primitiva quanto ao sbado.6 Na verdade, o espao considervel e a ateno dada pelos escritores dos Evangelhos a curas realizadas por Cristo no sbado (no menos que sete episdios esto

  • Do Sbado para o Domingo 17

    registrados)7 e controvrsias, so indicativos de quo importante era a questo do sbado na poca em que foram escritas.

    A TIPOLOGIA DO SBADO E SEU CUMPRIMENTO MESSINICO

    Um bom lugar para iniciar nossa pesquisa sobre o conceito de Cristo a respeito

    do sbado talvez o quarto captulo do Evangelho de Lucas. A ns encontramos excertos do sermo de Cristo pregado na sinagoga de Nazar em um dia de sbado na inaugurao de Seu ministrio pblico. Convm notar que no Evangelho de Lucas o ministrio de Cristo no apenas comea no sbado o dia que, de acordo com Lucas (4:16), Cristo observava habitualmente mas tambm termina no "dia da preparao", quando o sbado comeava (23:54). O ministrio sabtico de Jesus que provocou repetidas rejeies (Luc. 4:29; 13:14, 31; 14:1-6) parece ser apresentado por Lucas como um preldio da prpria rejeio e sacrifcio final de Cristo.

    Em Seu sermo de abertura Cristo refere-Se a Isaas 61:1-2 (cf. 58:6), que diz: "O Esprito do Senhor est sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar aos pobres; enviou-me para proclamar libertao aos cativos e restaurao da vista aos cegos, para pr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitvel do Senhor." (Luc. 4:18,19)

    Praticamente todos os comentaristas concordam que o "ano aceitvel do Senhor" (4:19) que Cristo est oficialmente incumbido ("ungido") de proclamar, refere-se ao ano sabtico (isto , o stimo ano) ou o ano do Jubileu (ou seja, o 50 ano aps sete sbados de anos).8 Nessas instituies anuais, o sbado vem a ser o libertador dos oprimidos da sociedade hebraica. A terra devia ficar sem cultivo, para produzir livremente para os pobres, os desapossados e os animais.9 Os escravos eram emancipados, se eles assim desejassem e os dbitos dos irmos eram perdoados.10 O ano do jubileu tambm requeria a restaurao da propriedade ao proprietrio original.11 Que o texto de Isaas, lido por Cristo refere-se a estas instituies sabticas est claro pelo contexto que fala da libertao dos "pobres, cativos, cegos (ou prisioneiros), oprimidos".

    significativo que Cristo em Seu discurso de abertura anuncia Sua misso messinica na linguagem do ano sabtico. Seu breve comentrio sobre a passagem muito apropriado: "Hoje se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir" (4:21). Como P. K. Jewett sabiamente destaca, "o grande sbado do jubileu tornou-se uma realidade para todos os que estavam perdidos por causa de seus pecados, pela vinda do Messias e nEle encontraram uma herana."12

    Podemos inquirir: Por que Cristo anunciou Sua misso como o cumprimento das promessas sabticas de libertao? Planejava Ele explicar, possivelmente numa forma velada, que a instituio do sbado era um tipo que encontrava seu cumprimento nEle prprio, o Anttipo, e da em diante cessava sua obrigao? (Neste caso, Cristo teria aberto caminho para a substituio do sbado por um novo dia de adorao.) Ou Cristo identificava Sua misso com o sbado para tornar este dia um adequado memorial de Suas atividades redentoras?

  • Do Sbado para o Domingo 18

    Para solucionar este dilema ns precisamos antes de tudo, recordar as implicaes redentoras messinicas do sbado. Inerente instituio do sbado a certeza das bnos divinas Deus abenoou o stimo dia (Gn. 2:3; cf. x. 20:11). A noo de "bno" do velho Testamento concreta e expressa-se em vida plena e abundante. A bno do sbado na histria da criao (Gn. 2:3) segue a bno dos seres vivos (Gn. 1:22) e do homem (Gn. 1:28). Portanto, ela exprime a ltima e total bno de Deus sobre Sua completa e perfeita criao (Gn. 1:31). Ao abenoar o sbado Deus prometeu ser o benfeitor do homem durante todo o curso ta histria humana.13

    As bnos do sbado na revelao da histria da redeno tornam-se mais especificamente associadas com os atos divinos da salvao. Por exemplo, na verso de xodo dos mandamentos Yahweh introduz-Se como o misericordioso Redentor que tirou Israel da terra do Egito, da casa da servido (xo. 20:2). Para garantir esta recm-obtida liberdade a todos os membros da comunidade dos hebreus, o mandamento do sbado ordena que o descanso seja estendido a todos, incluindo at mesmo os animais (xo. 20:10). Na verso de Deuteronmio do declogo o tema da redeno aparece no apenas no prefcio (Deut. 5:6) de todos os mandamentos (como em xo. 20:1), mas tambm explicitamente incorporado ao prprio mandamento do sbado. Talvez para ressaltar a importncia imediata do mandamento do sbado perante os israelitas e todas as geraes seguintes, a verso de Deuteronmio mostra o sbado fundamentado no no passado ato divino da criao (como em xo. 20:1) que nem sempre trata das preocupaes imediatas das pessoas, mas no divino ato da redeno: "porque te lembrars que foste servo na terra do Egito, e que o Senhor teu Deus te tirou dali com mo poderosa, e brao estendido: pelo que o Senhor teu Deus te ordenou que guardasses o dia de sbado." (Deut. 5:15)14

    Aqui a razo para observar o sbado , como bem declarou Hans Walter Wolff, "a afirmao absolutamente fundamental para Israel, ou seja, que Yahweh libertara Israel do Egito. Em cada sbado Israel deveria lembrar que seu Deus um Libertador."15 Este apelo para recordar o livramento do xodo atravs do sbado era para os israelitas uma experincia concreta que envolvia estender o repouso sabtico a todos aqueles que no eram livres para observ-lo. O descanso no sbado, entretanto, no se destinava meramente a ser uma ajuda mnemnica para auxiliar Israel a recordar seu livramento histrico, mas, como observa Brevard S. Childs, ele significava experimentar no presente a histria da salvao do passado.16

    A. M. Dubarle confirma esta interpretao quando escreve que atravs da observncia do sbado "era realmente compreendido e atualizado durante todo o tempo o livramento realizado pela primeira vez no ms de Abib. No era, portanto, apenas uma questo de comemorar por uma simples lembrana, mas antes um regozijo resultante da constante renovao do benefcio inicial."17

    Podemos dizer que o sbado continha um escopo tridimensional: ele comemorava o livramento passado, presente e futuro. O alvio semanal das durezas da vida que os israelitas experimentavam no presente, tambm resumia o passado livramento na Pscoa, assim como a futura redeno messinica. Por causa de sua ntima ligao,

  • Do Sbado para o Domingo 19

    tanto a Pscoa como o sbado podiam simbolizar o futuro livramento messinico. (Deve-se notar que assim como o sbado tornou-se para os israelitas a extenso semanal da Pscoa anual, posteriormente o domingo tornou-se para muitos cristos a comemorao semanal do Domingo de Pscoa anual.)

    A funo redentiva do sbado era aparentemente compreendida como uma prefigurao da misso do Messias. O livramento da dureza do trabalho e desigualdades sociais que tanto o sbado semanal como o anual garantiam a todos os membros da comunidade dos hebreus era considerado uma prefigurao da completa redeno que o Messias um dia traria ao Seu povo. A era messinica da colheita de todas as naes descrita em Isaas como o tempo quando "de um sbado a outro vir toda a carne a adorar perante mim" (66:23). A misso do Messias tambm descrita por Isaas (na mesma passagem que Cristo aplicou a Si em Seu primeiro sermo (Luc. 4:18-19) na linguagem do ano sabtico (61:1).

    P. K. Jewett comenta muito bem que Deus, no ato da redeno e restaurao do ano sabtico e do jubileu, "novamente aparece como o Redentor que garante ao indivduo sua liberdade pessoal e preserva para o pobre uma parte na herana de seu povo. Certamente esta no uma concepo antiquada, cerimonial, pois Deus manifestou-Se como Redentor, de maneira suprema, em Cristo, o Mediador, o Filho que nos torna verdadeiramente livres (Joo 8:36).18

    Outra importante tipologia messinica do Sbado pode ser vista na experincia do repouso sabtico menuhah, que A. J. Heschel define "como felicidade e calma, como paz e harmonia".19 Theodore Friedman em um erudito artigo mostra persuasivamente que a paz e harmonia do sbado freqentemente identificada, tanto nos escritos dos Profetas como na literatura Talmdica, com a era messinica, geralmente conhecida como o fim dos tempos ou o mundo por vir. Ele nota, por exemplo, que "Isaas emprega as palavras "deleitoso" (oneg) e "honra" (kaved) em sua descrio de ambos o sbado e o fim dos dias (isto , a era messinica) (58:13 "mas se chamares ao sbado deleitoso... e o honrares"; 66:11 "e vos deleiteis com a abundancia da sua glria"). A implicao clara. O deleite e alegria que marcaro o fim dos dias est disponvel aqui e agora por meio do sbado."20

    Friedman apresenta tambm uma amostra informativa de ditos rabnicos onde "o sbado a antecipao, o antegozo, o paradigma da vida no mundo por vir (isto , a era messinica)."21 Outra semelhante interpretao do sbado encontrada em recente apocalptico judaico onde a durao do mundo calculada pela "semana csmica" de seis pocas de mil anos cada, seguidas pelo sbado do fim do tempo. Na grande maioria das passagens este sbado escatolgico considerado como os dias do Messias que precedem ou que so identificados com o paraso restaurado.22

    O tema do descanso sabtico que aparece em Hebreus 3 e 4 pode representar outra linha da tipologia messinica extrada do Velho Testamento. G. von Rad nota um desenvolvimento do tema do "repouso" no Velho Testamento desde o conceito da paz nacional e poltica (Deut. 12:91; 25:19) at o descanso espiritual e o sossego que Deus d (cf. Sal. 95:11).23 Este conceito, como veremos mais tarde, novamente proposto em Hebreus, onde o povo de Deus convidado a entrar no "repouso

  • Do Sbado para o Domingo 20

    sabtico" (4:9) quando crer (4:3), obedecer (4:6,11) e aceitar pela "f" as "boas-novas" de Deus (4:1-2). O autor rejeita a noo temporria do descanso sabtico entendido como sendo a entrada na terra de Cana (Deut. 12:9; 25:19), argumentando que a terra que Josu deu aos israelitas (4:8), no o "repouso" (4:9) que Deus coloca disponvel para o Seu povo desde a criao (4:3,4,10). Este ltimo pode ser experimentado quando se aceita "hoje" (4:7) as "boas-novas" (4:2,6) da salvao. A aluso ao evento-Cristo absolutamente claro. nEle que o repouso sabtico do Velho Testamento encontra seu cumprimento e atravs dEle que tal repouso pode agora ser experimentado por todos os crentes.24

    Esta breve pesquisa foi suficiente para estabelecer a existncia, no Velho Testamento, de uma tipologia do sbado alusiva ao Messias. luz deste fato, a alegao feita por Cristo, em Seu discurso inaugural, de ser o cumprimente da funo salvadora do sbado, adquire um significado adicional. Ao identificar-Se com o sbado, Cristo estava afirmando Sua misso de Messias. Isto explica por que Cristo, como ser mostrado posteriormente, revelou Sua misso messinica particularmente atravs do Seu ministrio aos sbados.25 Que isto estava bem entendido evidente, por exemplo, pela acusao que os lderes judeus levantaram contra Cristo: "No somente violava o sbado, mas tambm dizia que Deus era seu prprio Pai, fazendo-se igual a Deus " (Joo 5:18). Parece que neste caso a verdadeira acusao contra Cristo no era a violao do sbado. Aparentemente, como sa]lenta W. Rordorf, "Seus oponentes obviamente preferiram se concentrar na reivindicao messinica que estava implcita mesmo em seu quebrantamento do sbado."26

    A ATITUDE DE CRISTO PARA COM O SBADO

    O fato de ter Cristo afirmado ser Ele o cumprimento das esperanas messinicas

    inerentes ao sbado, levanta uma importante questo: como considera Cristo a atual observncia do sbado? Confirmou Ele para Seus seguidores a validade de tal instituio como a inquestionvel vontade de Deus? Ou considerou Cristo a obrigao de guardar o sbado como j estando cumprida, e anulou, pela Sua vinda, o verdadeiro sbado?

    Alguns estudiosos consideram os debates e as curas que Cristo realizou no sbado como atos intencionais e provocatrios, destinados a mostrar que o mandamento do sbado no tinha mais a mesma fora. J. Danilou defende, por exemplo, que nos episdios de cura, "Cristo aparece concretamente como inaugurando o verdadeiro sbado (ou seja, o domingo"27 W. Rordorf expressa a mesma convico, e ainda mais enfaticamente, quando escreve que "o mandamento do sbado no estava meramente sendo posto de lado pela atividade curadora de Jesus: estava simplesmente sendo anulado."28

    As Primeiras Interpretaes Patrsticas

  • Do Sbado para o Domingo 21

    Infelizmente tais concluses nem sempre so baseadas em uma anlise do que Cristo realmente fez ou disse a respeito do sbado, mas em antigas interpretaes patrsticas do que dizem os Evangelhos a respeito do sbado, e que se tornaram, e em grande parte ainda so, um legado tradicional e incontestvel. Do segundo sculo em diante, de fato, escritores patrsticos produziram uma lista de "violaes do sbado" mencionadas nos Evangelhos, freqentemente acrescentando novos casos para ser estabelecida uma forte prova contra o sbado. Dos Evangelhos eles tomaram os exemplos de alegada "violao do sbado" mencionados por Cristo em Seu debate com os fariseus, que so: Davi, no sbado, juntamente com seus companheiros, comeu os pes da proposio (Mat. 12:3; cf. I Sam. 21:1-7), os sacerdotes neste mesmo dia circuncidaram (Joo 7:23) e ofereceram sacrifcio (Mat. 12:5)29 e o prprio Deus no interrompe Seu trabalho no sbado (Joo 5:17)30. Este repertrio foi enriquecido com outras "provas", tais como o exemplo de Josu que quebrou o sbado quando "comandou os filhos de Israel ao redor dos muros de Jeric",31 dos Macabeus que guerrearam no sbado,32 e dos patriarcas e fiis que viveram antes de Moiss, supostamente sem guardar o sbado.33

    Se aceitamos (sem consentir) que tais argumentos baseiam-se em slidos critrios de hermenutica bblica, no somos levados a crer que tais excees apenas confirmam a natureza obrigatria do mandamento do sbado? Alm disso, a pessoa que aceita o uso e interpretao que os Pais primitivos fazem do material dos evangelhos a respeito do sbado para determinar a atitude de Cristo, e tambm a sua, quanto ao sbado, no deve tambm concordar, para ser consistente, com suas negativas e conflitantes explanaes do significado no apenas do sbado, mas tambm de toda a economia judaica?

    Seria interessante descobrir se algum estudioso da Bblia concordaria, por exemplo, com a declarao de Barnab que "a prtica literal do sbado nunca havia sido o objeto de um mandamento de Deus",34 ou que "os judeus perderam o convnio exatamente aps Moiss receb-lo" (4:7); ou com a hiptese de Justino de ter Deus imposto o sbado aos judeus como um sinal de infmia para isol-los para castigo aos olhos dos romanos;35 ou com a noo de Siraco Didascalia de que o sbado fora imposto aos judeus como um tempo de lamentao;36 ou com o conceito de Afraates que o sbado foi introduzido como um resultado da queda.37

    Se tais interpretaes do significado e natureza do sbado devem ser rejeitadas como no comprovadas pelas evidncias escritursticas do Velho Testamento, ento no existe nenhuma justificativa para usar como "prova" seus argumentos contra o sbado, j que em grande parte eles baseiam-se nesta espcie de enganosas pressuposies. Mais tarde em nosso estudo veremos que uma combinao de condies que aumentaram a tenso entre Roma e os judeus e entre a Igreja e a Sinagoga na primeira parte do segundo sculo, contribuiu para o desenvolvimento de um "anti-judasmo de diferenciao". Esta situao expressou-se em uma negativa reinterpretao tanto da histria como das observncias judaicas, como a guarda do sbado. No podemos portanto avaliar as referncias ao sbado nos Evangelhos, a "luz de sua antiga interpretao patrstica, porm devemos avaliar a atitude de Cristo

  • Do Sbado para o Domingo 22

    quanto ao sbado examinando os documentos exclusivamente por seus prprios mritos.

    As Primeiras Curas no Sbado

    Os evangelhos de Marcos e Lucas sugerem que Cristo primeiramente limitou

    Suas atividades de cura no sbado a casos especiais, sem dvida porque estava ciente da explosiva reao que resultaria de Sua proclamao do significado e uso do sbado. Em Lucas, o anncio inicial de sua funo de Messias como um cumprimento do ano sabtico (Luc. 4:16-21) seguido por dois episdios de cura. O primeiro ocorreu na sinagoga de Cafarnaum, uma cidade da Galilia, durante os servios de sbado e resultou na cura espiritual de um homem possesso (Luc. 4:31-37). O segundo foi realizado imediatamente aps a reunio na casa de Simo e resultou na restaurao fsica da sogra de Simo (Luc. 4:38-39). Em ambos os casos, Cristo agiu por necessidade e amor. No primeiro caso, foi a necessidade de libertar uma pessoa do poder de Satans e assim restaurar a ordem nos servios que levou Cristo a agir. A funo salvadora do sbado, que j est includa neste ato de Cristo, ser mais explicitamente proclamada em curas posteriores. No segundo caso Cristo atuou em considerao a um de Seus amados discpulos e sua sogra. Neste caso a cura fsica tornou o sbado um dia de regozijo para toda a famlia. Tambm digno de nota que a cura resultou em servio imediato "e logo se levantou, passando a servi-los" (v. 39). O significado do sbado como redeno, regozijo e servio j presente em uma fase embrionria nestas primeiras curas de Cristo, revelado mais explicitamente no subseqente ministrio de Cristo aos sbados. Neste primeiro estgio, entretanto, a maior parte das atividades de cura de Cristo deixada para depois do sbado, aparentemente para evitar uma prematura confrontao e rejeio: "Ao pr-do-sol, todas os que tinham enfermos de diferentes molstias lhos traziam; e ele os curava, impondo as mos sobre cada um" (Luc. 4:40; cf. Mar. 1:32).

    O Homem com a Mo Ressequida

    O prximo episdio de cura, o do homem com a mo ressequida narrado por

    todos os trs sinticos (Mat. 12:9-21; Mar. 6:6-11), o ponto de prova pelo qual Cristo comea Suas reformas sabticas. Jesus encontra-Se na sinagoga diante de um homem com uma mo paralisada, levado ali, muito provavelmente, por uma delegao de Escribas e Fariseus.38 Estes tinham vindo sinagoga no para adorar, mas para inspecionar Cristo e "ver se o curaria em dia de sbado, a fim de o acusarem" (Mar. 3:2). De acordo com Mateus, eles dirigiram a Cristo a probante pergunta: " lcito curar no sbado?" (Mat. 12:10). Sua dvida no era motivada por uma genuna preocupao pelo homem enfermo, nem por um desejo de explorar como o sbado est relacionado com o ministrio da cura. Em vez disso, estavam ali como a autoridade que sabe todas as isenes previstas pela casustica rabnica, e que quer julgar Cristo com base nas mincias de seus regulamentos. Lendo seus pensamentos,

  • Do Sbado para o Domingo 23

    Cristo Se entristece com a dureza de seus coraes (Mar. 3:5). No entanto, aceita o desafio. Primeiro, convida o homem para se aproximar, dizendo: "Vem para o meio" (Mar. 3:3) Este passo possivelmente destinou-se a despertar simpatia para com o homem enfermo e ao mesmo tempo para cientificar a todos do que Ele estava para fazer. Ento perguntou aos especialistas da lei: " lcito nos sbados fazer o bem ou fazer o mal? Salvar a vida ou tir-la?" (Mar. 3:4) Para tornar a pergunta mais direta, de acordo com Mateus Cristo acrescentou uma segunda, na forma de uma parbola (que aparece duas vezes mais, um pouco modificada em Luc. 14:5; 13:15), "Qual dentre vs ser o homem que, tendo uma ovelha, e, num sbado esta cair numa cova, no far todo o esforo, tirando-a dali? Ora, quanto mais vale um homem que uma ovelha?" (Mat. 12:11, 12).39

    Tais declaraes levantam um importante debate. Pela pergunta inicial, que Cristo ilustrou com uma segunda pergunta contendo um exemplo prtico, pretendeu Ele ab-rogar radicalmente o mandamento do sbado ou quis restaurar seus divinos valores e funes originais? Muitos estudiosos aceitam a opo anterior. L. Goppelt declara enfaticamente que "a dupla pergunta de Jesus assinala o fim do mandamento de sbado: ele no mais uma ordenana estatucional e no tem mais validade absoluta, se esta ampla e justaposta alternativa vlida, a saber, salvar a vida."40

    Esta interpretao repousa sobre a suposio de que "salvar a vida" contrrio ao esprito e funo do sbado. Pode isto ser verdade? Talvez possa refletir o mal-entendido reinante e o uso errneo do sbado, mas no o propsito original do mandamento do sbado. Aceitar tal suposio seria culpar Deus de falhar em salvaguardar o valor da vida ao instituir o sbado. W. Rordorf defende a mesma concluso da suposta "maneira errnea de deduo" da pergunta de Cristo sobre princpio e exemplo. Ele explica que da pergunta se legal salvar ou matar e do exemplo de resgatar um animal em urgente necessidade, "ningum, pode legitimamente tirar inferncias que sejam v]idas tambm para um ser humano com problemas de sade que absolutamente no necessita de assistncia imediata num sbado."41

    O Mishnah explcito a este respeito. "Qualquer caso em que existe uma possibilidade da vida estar em perigo, a lei do sbado deve ser posta de lado."42 Entretanto, no caso do homem com a mo ressequida, como em todos os outros exemplos de cura no sbado, no era o caso de socorrer algum doente numa emergncia, mas sempre eram pessoas com doenas crnicas. Portanto, Rordorf conclui Rordorf que o princpio de salvar vida no descreve o valor da observncia do sbado, mas uma referncia natureza da misso do Messias, que devia estender a salvao imediatamente a todos os que estavam em necessidade. Em face a esta "conscincia messinica", o mandamento do sbado tornou-se ento irrelevante... ele foi simplesmente anulado."43

    Esta espcie de anlise no faz justia a vrios pontos da narrativa. Primeiro, a pergunta dirigida a Cristo era especificamente relacionada com o assunto da correta observncia do sbado: " lcito curar no sbado?" (Mat. 12:10). Em segundo lugar, a resposta de Cristo, na forma de duas perguntas (uma implicando em um princpio e a

  • Do Sbado para o Domingo 24

    outra 1lustrando-o) tambm trata explicitamente da questo do que legal realizar no sbado. Em terceiro lugar, a aparente errnea analogia entre a pergunta de Cristo sobre a legitimidade de "salvar a vida ou tir-la" (Mar. 3:4) no sbado e o enfermo crnico cuja vida no seria salva nem perdida pelo adiamento da cura para depois do sbado, pode ser satisfatoriamente explicada pela nova avaliao que Cristo colocava sobre o sbado. Isto explicitamente expresso na positiva declarao relatada por Mateus: "Logo, lcito fazer bem aos sbados" (Mat. 12:12). Se correto fazer o bem e salvar no sbado, ento qualquer recusa de faz-lo significa fazer o mal ou matar. Mais tarde veremos que este princpio exemplificado na histria por dois tipos opostos de guardadores do sbado.

    Infelizmente, quando Rordorf no pode ajustar em seu esquema a positiva interpretao de Mateus a respeito do sbado, ele tenta resolver o problema acusando-o de "comear a moralstica divergncia da atitude de Jesus quanto ao sbado." Tal divergncia supostamente consiste em aceitar "que a obrigao de amar o prximo substitui em certas circunstncias a ordem de guardar um dia de repouso."44 estranho que Mateus tenha realmente entendido mal ou realmente compreendido a pretenso de Cristo e a mensagem do sbado, quando escreveu " lcito fazer bem aos sbados" (Mat. 12:12). verdade que no Judasmo do ps-exlio, uma elaborada cerca foi construda ao redor do sbado para assegurar sua fiel observncia. O exagero de mincias e regras casusticas (conforme o Rabino Johanan havia 1521 leis derivadas)45 referentes guarda do sbado tornou sua observncia um ritual legalstico, em vez de um servio de amor. Todavia, no certo considerar o sbado exclusivamente luz deste desenvolvimento legalstico posterior.

    "A obrigao de amar o prximo" era a essncia da primitiva histria do sbado e suas instituies afins. Nas vrias verses do mandamento do sbado, por exemplo, h uma recorrente lista de pessoas a quem a liberdade de repousar no sbado deve ser garantida. Os citados particularmente so em geral os criados, os filhos dos escravos, o gado, o hspede e/ou estrangeiro. Isto indica que o sbado fora ordenado especialmente para mostrar compaixo pelas criaturas indefesas e necessitadas. "Seis dias fars a tua obra, mas ao stimo dia descansars: para que descanse o teu boi e o teu jumento; e para que tome alento o filho da tua serva e o forasteiro" (xo. 23:12).46 Niels-Erik Andreasen comenta acertadamente que "o dono da terra devia preocupar-se com o valor humano de seus sditos, assim como Yahweh, quando assegurou liberdade ao Seu povo."47 sem dvida comovente que o sbado estava destinado a mostrar interesse at mesmo pelos animais. Mas, como bem destacou Hans Walter Wolff, " mais tocante que, de todos os trabalhadores dependentes, o filho da escrava e o estrangeiro so especialmente destacados. Pois, quando tais pessoas eram obrigadas a trabalhar, no tinham nenhum recurso ou proteo."48

    A dimenso original do sbado como um dia para honrar a Deus atravs da preocupao e compaixo para com os seres inferiores havia sido amplamente esquecida no tempo de Jesus. O sbado tinha se tornado no dia quando a realizao correta de um ritual era mais importante que uma resposta espontnea ao clamor das necessidades humanas. Nosso episdio prov um bom exemplo desta perverso,

  • Do Sbado para o Domingo 25

    contrastando dois tipos de guardadores de sbado. De um lado ficou Cristo, "condodo com a dureza dos coraes" de Seus acusadores e dando passos para salvar a vida de um homem defeituoso (Mar. 3:4-5). Do outro lado ficaram os especialistas da lei que, embora estando no lugar de adorao, gastaram seu tempo de sbado "observando a Jesus... a fim de O acusarem... conspiravam em como lhe tirariam a vida" (Mar. 3:2, 6). Este contraste de atitudes pode bem ter gerado a explanao da pergunta de Cristo sobre a legitimidade de salvar ou matar no sbado (Mar. 3:4), ou seja, que uma pessoa que no est preocupada com a salvao fsica e espiritual de outros no sbado, est automaticamente envolvida em atitudes e esforos destrutivos.49

    O programa de reformas do sbado proposto por Cristo deve ser considerado no contexto de Sua atitude geral perante a lei.50 No sermo do monte, Cristo explica que Sua misso restaurar as vrias prescries da lei s suas intenes originais (Mat. 5:17, 21). Esta obra de esclarecer o propsito atrs dos mandamentos era uma triste necessidade, pois com o acmulo de tradies, em muitos casos sua funo original estava obscurecida. Como Cristo colocou, "jeitosamente rejeitais o preceito de Deus para guardardes a vossa prpria tradio" (Mar. 7:9). O quinto mandamento, por exemplo, que ordena honrar o pai e a me, conforme Cristo, havia sido substitudo pela tradio do Corb (Mac. 7:12-13). Aparentemente isto consistia em transferir um servio ou uma obrigao a ser dedicada aos pais, em uma oferta a ser dada no templo.

    O mandamento do sbado no era exceo, e a menos que fosse libertado das muitas restries casusticas sem sentido, teria permanecido mais como um sistema para justia prpria do que como um tempo para amar o Criador-Redentor e os semelhantes.

    A Mulher Enferma

    Para compreendermos melhor o propsito das reformas de Cristo quanto ao

    sbado, vamos considerar rapidamente outros episdios de cura. A cura da mulher enferma, relatada a penas por Lucas (13:10-17), aparentemente o ltimo ato realizado por Cristo na sinagoga. A crescente oposio das autoridades deve ter impossibilitado que Cristo prosseguisse em Seu ministrio sabtico na sinagoga. Este episdio, comparado com a cura anterior, do homem com a mo ressequida (Luc. 6:6-11), mostra uma substancial evoluo. Isto pode ser visto tanto na atitude mais decidida de Cristo que automaticamente entrou em ao declarando a mulher "livre" de sua enfermidade (13:12) sem ser solicitado, como em Sua pblica repreenso ao chefe da sinagoga (13:15). As autoridades tambm protestaram neste caso o chefe da sinagoga e desta vez no foi do lado de fora, mas de dentro da sinagoga, condenando publicamente toda a congregao por buscar a cura no sbado (13:141. Finalmente, a funo redentiva do sbado expressa mais explicitamente. O verbo "libertar" agora usado para esclarecer o significado do sbado. difcil acreditar que o verbo estava sendo usado por Cristo acidentalmente, pois nesta breve narrativa ele ocorre trs vezes, embora na traduo inglesa RSV cada vez usado um sinnimo diferente: "livrar, desprender, soltar" (13:12,15,16).

  • Do Sbado para o Domingo 26

    O verbo usado por Cristo primeiramente ao dirigir-se mulher: "Ests livre da tua enfermidade" (v. 12). A mulher que por dezoito anos "andava encurvada" (v. 11) diante das palavras de Cristo "imediatamente se endireitou e dava glria a Deus" (v. 13). A reao do chefe da sinagoga destacou o contraste entre a predominante perverso do sbado, de um lado, e o esforo de Cristo para restaurar ao sbado o seu verdadeiro significado, de outro. "Seis dias h em que se deve trabalhar", disse o chefe da sinagoga, "vinde, pois, nesses dias para serdes curados" (v. 14). Para o administrador, que considerava o sbado como regras a obedecer em vez de pessoas a amar, a cura era uma obra imprpria para o sbado. Para Cristo, que preocupava-Se em restaurar todo o ser, no havia melhor dia que o sbado para realizar este ministrio redentor.

    Para esclarecer esta funo libertadora do sbado, Cristo novamente usou por duas vezes o verbo "libertar". Primeiro, ao referir-Se a uma concesso rabnica: "Hipcritas, cada um de vs no desprende manjedoura no sbado o seu boi ou o sue jumento, para lev-lo a beber?'" (13:15). E deve-se notar que dar gua a um animal no sbado no est includo na mesma categoria de emergncia como resgatar uma ovelha de uma cova (Mat. 12:11). Qualquer animal pode sobreviver um dia sem gua, embora isto possa resultar em perda de peso e, conseqentemente, em perda de valor comercial. Pode-se estranhar o fato de Cristo referir-Se a este pervertido senso de valores, ou seja, que a perda financeira derivada de negligenciar um animal no sbado era mais importante para alguns que suprir as necessidades de seres humanos, o que no trazia nenhum retorno financeiro. Isto est bem claro nas palavras de Cristo. Mas o que Jesus quis esclarecer que um servio bsico realizado no sbado, mesmo aos animais.

    Baseado no conceito de desatar um animal, Cristo novamente usa o mesmo verbo na forma de uma pergunta retrica a fim de salientar Sua concluso: "Por que motivo no se devia livrar deste cativeiro em dia de sbado esta filha de Abrao, a quem Satans trazia presa h dezoito anos?" (13:16) Raciocinando de um caso menor para um maior (a minori ad maius), Cristo mostra como o sbado havia sido paradoxalmente distorcido. Um boi ou um jumento podia ser libertado de sua manjedoura no sbado mas uma mulher sofredora no podia neste dia ser libertada de sua enfermidade fsica e espiritual. Que perverso do sbado! Por esta razo Cristo agiu contra a tradio normativa para restaurar o sbado ao objetivo pretendido por Deus. Deve-se notar que neste e em todos os exemplos Cristo no est questionando a obrigatoriedade do mandamento do sbado, e sim destacando seus reais valores, que tinham sido bastante esquecidos.

    O quadro de Cristo, num sbado, libertando uma vtima do cativeiro de Satans (13:16), lembra o que Cristo disse sobre Sua misso de "proclamar liberdade aos cativos" (Luc. 4:18; cf. Isa. 61:1-3). A libertao de ama filha de Abrao dos laos de Satans, no sbado, representa assim o cumprimento da tipologia messinica deste dia. Paul K. Jewett comenta sobre isto: "Temos nas curas de Jesus aos sbados, no apenas atos de amor, compaixo e graa, mas verdadeiros "atos sabticos", atos que mostram que o sbado messinico, o cumprimento do repouso sabtico do velho Testamento,

  • Do Sbado para o Domingo 27

    tem chegado ao nosso mundo. Portanto, o sbado, entre todos os dias, e o mais apropriado para cura."51

    Este cumprimento, por Cristo, da simbologia do sbado no Velho Testamento (como no caso de sua instituio correlata, a Pscoa) no implica, como sugerido pelo mesmo autor, que os "cristos esto livres do sbado para se reunirem no primeiro dia",52 mas sim que Cristo, ao cumprir a tipologia redentora do sbado tornou o dia um permanente e adequado memorial desta realidade, ou seja de sua misso redentora.53 Podemos perguntar como a mulher e as pessoas que testemunharam as intervenes salvadoras de Cristo passaram a considerar o sbado. Lucas relata que enquanto os adversrios de Cristo "se envergonharam" (13:17) com a justificao do Senhor pela Sua atividade salvadora no sbado, "o povo se alegrava" (13:17) e a mulher "dava glria a Deus" (13:13). Indubitavelmente, para a mulher e todas as pessoas abenoadas pelo ministrio de Cristo aos sbados, este dia tornou-se o memorial da cura de seus corpos e almas, da sada dos grilhes de Satans para a liberdade do Salvador.

    O Paraltico e o Cego

    Esta relao entre o sbado e a obra de salvao est bem evidente nos dois

    milagres aos sbados relatados no Evangelho de Joo (Joo 5:1-18; 9:1-41). Devido sua substancial semelhana, vamos consider-los juntos. A semelhana notada em vrios aspectos. Os dois homens curados haviam sido doentes crnicos: um, invlido por 38 anos (5:5) e o outro, cego de nascena (9:2). Nos dois exemplos Cristo disse aos homens para agirem. Ao invlido Ele disse: "Levanta, toma a tua cama e anda" (5:8); e ao cego: "Vai, lava-te no tanque de Silo" (9:7). Em ambos os casos os Fariseus acusaram Cristo formalmente de quebrar o sbado e consideraram isto como uma evidncia de que Ele no era o Messias: "Esse homem no de Deus, porque no guarda o sbado" (9:16; cf. 5:18). Nas duas situaes, a acusao contra Cristo no envolve primariamente a ao da cura em si mas a violao das leis rabnicas do sbado, quando ordenou que o paraltico levasse a sua cama (5:8, 10, 12) e quando preparou o barro (9:6, 14).54 Nos dois exemplos Cristo repudiou a acusao de violar o sbado, argumentando que Suas obras de salvao no eram impedidas e sim previstas pelo mandamento do sbado (5:17; 7:23; 9:4).

    Antes de examinar a justificativa de Cristo por Suas atividades salvadoras no sbado, deve-se dar ateno ao verbo "respondeu - usado por Joo ao apresentar a defesa de Cristo. Mario Veloso, em sua incisiva anlise desta passagem, nota que esta forma verbal ocorre apenas duas vezes em Joo.55 A primeira vez, quando Cristo replicou a acusao dos judeus (5:17) e a segunda quando esclareceu a resposta dada (5:19). A forma comum usada por Joo cerca de 50 vezes que tambm traduzida como "respondeu". O uso especial da voz central do verbo implica, por um lado, como explica Veloso, numa defesa pblica e formal,56 e por outro lado, conforme disse J. H. Moulton, que "o agente est extremamente relacionado com a ao."57

  • Do Sbado para o Domingo 28

    Isto significa que Cristo no apenas fez uma defesa formal, mas que tambm identificou-Se com o contedo de Sua resposta. As poucas palavras da defesa de Cristo merecem, portanto, cuidadosa ateno.

    O que Cristo pretendeu quando defendeu-se formalmente contra a acusao de violar o sbado, dizendo "Meu Pai trabalha at agora, e eu trabalho tambm" (Joo 5:17)? Esta declarao tem sido o alvo de considervel e minucioso exame e de algumas concluses extremadas. J. Danilou afirma que "as palavras de Cristo condenam formalmente a aplicao do repouso de Deus no sbado como significando inatividade... A obra de Cristo deve ser considerada como a realidade que vem para substituir a figurada inatividade do sbado."58 W. Rordorf argumenta que Joo 5:17 "pretende interpretar Gnesis 2:2 no sentido que Deus nunca descansou desde o incio da criao, e que Ele ainda no descansa, mas que descansar afinal."59 luz da passagem paralela de Joo 9:4, ele conjetura que "o prometido repouso sabtico de Deus... encontra seu cumprimento no repouso de Jesus na sepultura."60 Assim, ele conclui que "Jesus deriva para Si mesmo a ab-rogao do mandamento de descansar no sbado semanal, da interpretao escatolgica de Gn. 2:2"61 Paul K. Jewett reprope a explanao de Oscar Cullmann, interpretando a expresso "Meu Pai trabalha at agora" como implicando um movimento na histria redentora "da promessa ao cumprimento", isto , da promessa do repouso sabtico do Velho Testamento ao cumprimento encontrado no dia da ressurreio.62 O argumento baseia-se em considerar que "o repouso de Deus no foi conseguido ao fim da primeira criao" e sim, como coloca Cullmann, " primeiramente cumprido na ressurreio de Cristo".63 O domingo, ento, como o dia da ressurreio, representa o cumprimento do divino repouso prometido pelo sbado do Velho Testamento.

    Para avaliar a validade destas interpretaes necessitamos primeiro averiguar o significado da expresso "Meu Pai trabalha at agora - v " e subseqentemente estabelecer sua relao com a questo sbado - domingo. H um amplo consenso de opinio em considerar o "trabalha at agora" do Pai como uma referncia ao trabalho da criao mencionado em Gnesis 2:2.64 O raciocnio atrs desta interpretao que, j que Deus est "trabalhando at agora" em atividades criativas, Ele ainda no experimentou o repouso sabtico da criao, mas vir um tempo na restaurao escatolgica de todas as coisas, quando isto se tornar uma realidade. O domingo, portanto, sendo em virtude da ressurreio, como diz Jewett, "a realidade e antecipao deste sbado final", j celebrado pelos cristos em lugar do sbado.65

    A espcie de interpretao usada para chegar a esta concluso emprestada do filsofo judeu helenstico Filo, que defendeu a idia da criao contnua para evitar um aspecto muito antropomrfico do repouso de Deus. "Deus nunca cessou de agir", escreve Filo, "mas assim como a propriedade do fogo aquecer, a de Deus criar."66 Porm aparentemente Filo faz distino entre a criao de coisas mortais que foi completada com o divino repouso e a criao de coisas divinas que ainda continua.67 Posteriormente (cerca de 100-130 AD) os rabinos Gamaliel II, Josu ben Chananiah,

  • Do Sbado para o Domingo 29

    Eliezer ben Azariah e Aqiba declararam explicitamente em Roma que Deus continua Sua atividade criativa.68

    Esta noo de uma contnua criao divina presente no judasmo helenstico , todavia, estranha aos ensinos do Evangelho de Joo. Em harmonia com o ponto de vista de todos os livros da Bblia, Joo ensina que as obras da criao de Deus foram realizadas em um tempo passado conhecido como "princpio" (1:1) Neste princpio, atravs do Verbo que estava com Deus (1:1) "todas as coisas foram feitas... e sem Ele nada do que foi feito se fez" (1:3). Ambas as frases "No princpio - " e a forma aorista do verbo " - fazer ou trazer existncia" indicam com suficiente clareza que as obras da criao so consideradas como concludas em um indefinido passado distante. Alm disso, o fato de que em Joo 5:17 as obras do Pai so identificadas com aquelas desempenhadas por Cristo na terra, indica que no possvel que sejam as obras da criao, porque Cristo naquele momento no estava ocupado em obras de criao.69 Fazer distino entre as obras do Pai e as do Filho seria destruir a absoluta unidade entre os dois, que enfaticamente declarada no Evangelho de Joo.

    A que se refere ento este "trabalha at agora" do Pai? H indicaes conclusivas que a expresso refere-se no atividade criativa mas redentiva de Deus. O Velho Testamento apresenta um antecedente explicativo. Ali, como G. Bertram mostra, "a atividade de Deus vista essencialmente no curso da histria de Israel e das naes."70 M. Veloso bem destaca que "no questo de uma histria considerada como uma mera sucesso de atos humanos, mas uma histria moldada pelas obras salvadoras de Deus, pelo que ela torna-se a histria da salvao."71 No Evangelho de Joo estas obras de Deus so repetidamente identificadas como o ministrio redentor de Cristo. Jesus diz, por exemplo, "as obras que o Pai me confiou para que eu as realizasse, essas que eu fao, testemunham a meu respeito, de que o Pai me enviou" (5:36). O propsito da manifestao das obras do Pai atravs do ministrio de Cristo e tambm explicitamente declarado: "A obra de Deus esta, que creiais naquele que por Ele foi enviado" (6:29). E tambm: "Se no fao as obras de meu Pai, no me acrediteis, mas se fao e no me credes, crede nas obras; para que possais saber e compreender que o Pai est em mim, e eu estou no Pai" (10:37-38; cf. 14:11; 15:24)72

    Esta amostra de referncias esclarece a natureza redentiva e o propsito do trabalho que Deus est fazendo ate agora, mencionado em Joo 5:17. Uma breve comparao com a passagem paralela de Joo 9:4 deve remover quaisquer dvidas. Jesus diz " necessrio que faamos as obras daquele que me enviou, enquanto dia; a noite vem, quando ningum pode trabalhar" (9:4). A surpreendente semelhana entre os dois textos deve ser notada no apenas em seu contedo mas tambm em seu contexto. Nos dois exemplos Cristo defende Suas "obras" aos sbados de serem violao do sbado, como acusam Seus inimigos. Entretanto, em Joo 9:3-4 a natureza redentiva das obras de Deus est absolutamente clara. No apenas o Pai descrito como Aquele "que envia" o Filho para fazer Suas obras, implicando assim no carter missionrio da atividade de Cristo, mas a prpria cura do cego descrita como a manifestao das "obras de Deus" (9:3). Estas evidncias foram a concluso de que o

  • Do Sbado para o Domingo 30

    "trabalhar at agora" do Pai, de Joo 5:17, no refere-se a uma ininterrupta atividade criativa de Deus que possa anular qualquer observncia sabtica, mas sim s obras de salvao realizadas pelo Pai atravs do Filho. "Melhor dizendo", para usar as bem escolhidas palavras de Donatien Mollat, "existe uma obra de Deus: que a misso do Filho no mundo".73 Se nossa identificao do "trabalha at a gora" do Pai (5:17) como a misso salvadora de Cristo est correta, concluso esta que nos parece inevitvel, ento aquelas interpretaes mencionadas anteriormente que explicam as obras de Cristo como uma referncia ao repouso sabtico da criao, que alegadamente Deus no guardou ainda, so portanto incorretas, j que a noo de criao no est absolutamente presente em Joo 5:17.

    No entanto, uma dvida ainda permanece, ou seja, o fato de Cristo defender Suas curas aos sbados no campo das ininterruptas atividades salvadoras de Seu Pai, manifestadas atravs dEle, no implica em que, como declarou Jewett, "por Sua obra redentiva, Jesus coloca o sbado de lado"?74 Defender que atravs de Seus feitos no sbado Cristo estava anunciando (embora de uma maneira velada) o fim da observncia do sbado, sustentar a mesma posio dos judeus que acusaram Cristo de quebrar o sbado (Joo 5:16, 18; 9:16). E esta era a acusao que Cristo firmemente recusava admitir. Nos episdios de cura que ns consideramos anteriormente vimos que Cristo defendeu Suas atividades salvadoras aos sbados com base nas consideraes humanitrias previstas, pelo menos em parte, at mesmo na legislao rabnica. Vimos tambm em Joo que Cristo refutou formalmente a acusao de quebrar o sbado com um argumento teolgico admitido por Seus oponentes. Antes de considerar o argumento de Cristo, deve-se enfatizar que neste e em todos os outros exemplos no admite ter transgredido o sbado, antes defende a legalidade de Sua ao.

    Como bem declarou M. Veloso, "uma defesa nunca destinada a admitir a acusao, mas, ao contrrio, a refut-la. Jesus no aceita a acusao de transgredir o sbado lanada sobre Ele pelos judeus. Ele est realizando a obra de salvao que lcito praticar no sbado."75

    Para compreender a fora da defesa de Cristo em Joo, precisamos lembrar o que j discutimos em parte, ou seja, que o sbado tanto est associado ao cosmos atravs da criao (Gn. 2:2-3; xo. 20:8-11) como redeno atravs do xodo (Deut. 5:15). Enquanto pela interrupo de todas as atividades seculares os israelitas estavam lembrando o Deus-Criador, pelos atos de misericrdia aos semelhantes estavam imitando o Deus-Redentor. Isto era verdade no apenas na vida das pessoas que, conforme observamos, deviam aos sbados ser compassivas para com as classes inferiores da sociedade, mas particularmente nos servios do Templo. Ali, no sbado, os sacerdotes realizavam muitos trabalhos comuns que os israelitas eram proibidos de fazer. Por exemplo, enquanto nada devia ser cozido nos lares aos sbados (xo. 16:23), no templo o po era cozido nesse dia (I Sam. 21:3-6) para substituir o po da presena que era renovado cada semana (Lev. 24:8; 1 Crn. 9:32). O mesmo verdade quanto a todos os servios relacionados com a manuteno do sistema sacrifical do templo. Muitas atividades que por si eram comuns, tornavam-se santas no sbado, j

  • Do Sbado para o Domingo 31

    que contribuam para a salvao das pessoas. Estas atividades salvadoras podiam ser realizadas no sbado, pois o prprio Deus, como diz o salmista, "desde a antiguidade... opera feitos salvadores no meio da terra" (Sal. 74:12),

    Com base nesta teologia do sbado admitida pelos judeus, Cristo defende a legalidade de Seus atos salvadores aos sbados dizendo: "Meu Pai trabalha at agora, e eu trabalho tambm" (Joo 5:17). Isto equivale a dizer: "Aos sbados Eu estou empenhado na mesma atividade salvadora que o Pai, e isto perfeitamente legal." Para evitar mal entendidos Cristo explica a natureza das obras do Pai que o Filho tambm faz (5:19), Elas consistem em ressuscitar e vivificar mortos 15:21) e realizar um julgamento que salva (5:22-23). Para os judeus que estavam sem vontade de aceitar a reivindicao messinica de Cristo, esta justificao de realizar no sbado as obras de salvao do Pai, tornaram-no culpado por dois motivos: "no somente violava o sbado, mas tambm dizia que Deus era Seu prprio Pai, fazendo-se igual a Deus" (5:18).

    Esta hostil reao levou Cristo a esclarecer posteriormente a legalidade de Sua ao. Em Joo 7:21-23 (a passagem que a maioria dos comentaristas reconhece como relacionada ao captulo 5), encontramos o eco da controvrsia. Aqui Cristo elabora Sua anterior justificao teolgica para seus atos aos sbados, usando sabiamente o exemplo da circunciso: "No sbado circuncidais um homem. E se o homem pode ser circuncidado em dia de sbado, para que a lei de Moiss no seja violada, por que vos indignais contra mim, pelo fato de eu ter curado, num sbado, ao todo, um homem? No julgueis segundo a aparncia, e, sim, pela justia" (7:22-24)

    Por que era legtimo circuncidar uma criana no sbado quando o oitavo dia (Lev. 12:3) aps seu nascimento caa neste dia? Nenhuma explicao dada, j que isto era bem compreendido. A circunciso era considerada como um ato redentivo que mediava a salvao do convnio.77 Era legal, portanto, mutilar num sbado, uma das 248 partes do corpo humano (que os judeus reconheciam)78 para salvar toda a pessoa. Com base nesta premissa Cristo argumenta que no h razo para preocupar-se com Ele por restaurar neste dia "ao todo, um homem" (7:23).79

    Este exemplo esclarece e substancia a prvia declarao de Cristo a respeito do "trabalhar at agora" referente a Seu Pai, j que ele sugere que as obras de salvao so realizadas no sbado no apenas por Seu Pai no cu mas tambm por Seus servos, tais como os sacerdotes, na terra. O sbado , ento, para Cristo, o dia de trabalhar para a redeno de todo o homem. Nas duas curas, realmente, Cristo encontrou mais tarde, no mesmo dia. Os homens curados, e ministrou quanto as suas necessidades espirituais (Joo 5:14; 9:35-38). Seus oponentes no podem perceber a natureza redentiva do ministrio de Cristo aos sbados porque eles "julgam segundo a aparncia" (7:24). Eles consideram o fato do paraltico carregar a cama no sbado mais importante que a restaurao fsica e a reunificao social que isto simbolizou (5:10-11). Eles acham que misturar o lodo no sbado mais significativo que a restaurao da vista ao cego ( 9:14,15,26).80

    As provocadoras infraes dos regulamentos rabnicos por parte de Cristo (tais como carregar uma cama ou misturar lodo no sbado) destinavam-se no a invalidar o

  • Do Sbado para o Domingo 32

    mandamento do sbado, mas a restaurar o dia sua funo positiva. M. J. Lagrange muito apropriadamente, nota que "Cristo foi cuidadoso em distinguir o que era contrrio e o que estava em harmonia com o esprito da lei... Jesus estava trabalhando como o Pai e se as aes do Pai de nenhum modo contradiziam o repouso prescrito pelas Escrituras, ento as atividades realizadas no sbado pelo Filho no eram contrrias ao esprito desta instituio."81

    Podemos concluir que as obras do Pai a que Cristo Se refere quando diz "Meu Pai trabalha at agora, e eu trabalho tambm" (Joo 5:17) no so as obras da criao que Joo considera como completadas, mas as obras da redeno. Deus descansou ao completar a criao, mas por causa do pecado, Ele ainda est trabalhando para realizar sua restaurao. Estas obras de salvao, s quais o Pai est constantemente dedicado, so previstas e permitidas pelo mandamento do sbado. Cristo portanto nega ter agido contra o sbado quando restaurou pessoas enfermas, pois estava realizando exatamente a mesma misso salvadora do Pai. Alm disso, em Joo 9:4, Jesus aparentemente estendeu a Seus seguidores o mesmo convite para fazer a obra de Deus "enquanto dia; a noite vem quando ningum pode trabalhar" (9:4). Alguns interpretam esta "noite" como uma referncia morte de Cristo (82) que inaugurou o verdadeiro repouso de Deus em virtude da ressurreio comemorada pela observncia do domingo. Embora seja verdade que para Cristo a "noite" da cruz estava muito prxima, difcil que o termo se aplique exclusivamente morte de Cristo, j que tal "noite" descrita como um tempo "quando ningum pode trabalhar" (9:4). A morte de Cristo dificilmente pode ser considerada como a interrupo de toda a divina e/ou humana atividade redentora. No pode este termo referir-se ao fim da histria da redeno quando o convite de Deus para aceitar a salvao no ser mais atendido? Por outro lado, as expresses "Meu Pai trabalha at agora" (5:17) e " necessrio que faamos as obras.., enquanto dia" (9:4) que foram ditas por Cristo para defender Seu ministrio de salvao no dia de sbado bem resumem a compreenso do Salvador a respeito do sbado, isto , que um tempo de experimentar a contnua salvao de Deus partilhando-a com outros.83

    A Colheita das Espigas

    Esta funo redentora do sbado mais tarde esclarecida no episdio da colheita

    das espigas pelos discpulos num dia de sbado (Mar. 2:23-28; Mat. 12:1-8; Luc. 6:1-5) uma discusso entre Cristo e os fariseus, que tornou Jesus responsvel pela ao dos discpulos. Alguns estudiosos interpretam a expresso de Marcos "aconteceu atravessar Jesus em dia de sbado, as searas, e os discpulos ao passar colhiam espigas" (Mar. 2:23) como sendo abrir caminho para Jesus no meio de um campo de milho. Ento a ira dos fariseus teria sido causada pela grande quantidade de gro colhido. Embora possa ser admitido que esta expresso tomada literalmente conduza a tal concluso, luz do contexto dificilmente parece ser este o caso. Se a inteno dos discpulos era abrir um caminho, atravs do campo de milho para seu