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MINISTÉRIO PÚBLICO DE MATO GROSSO DO SUL 42ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE CAMPO GRANDE-MS EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA ___ª VARA DE DIREITOS DIFUSOS, COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DE CAMPO GRANDE-MS “É evidente que a perfuração indiscriminada e desordenada de poços artesianos tem impacto direto no meio ambiente e na disponibilidade de recursos hídricos para o restante da população, de hoje e de amanhã. Feita sem controle, também põe em risco a saúde pública, por ausência de tratamento, quando for de rigor.” (REsp 994120/RS) Inquérito Civil nº 018/2012 O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, por intermédio da Promotora de Justiça que ao final subscreve, no uso de suas atribuições legais, vem perante V. Exª. para, com fulcro no inc. II do art. 129 da Constituição Federal e, nos incs. I e III do art. 1º, e inc. I, do art. 5º da Lei nº 7.347/1985 (Ação Civil Pública), propor Ação Civil Pública com pedido de liminar em face de JOSÉ RODRIGUES DE MORAES ME, nome fantasia Hotel Continental, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ n.º 10.482.147/0001-19, com endereço na Rua Maracajú, 229, bairro Vila Cidade, em Campo Grande-MS, CEP 79.002-214, representado pelo seu proprietário José Rodrigues de Moraes, brasileiro, 1/139 RUA DA PAZ, 134 – CAMPO GRANDE-MS – WWW.MP.MS.GOV.BR

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MINISTÉRIO PÚBLICO DE MATO GROSSO DO SUL42ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE CAMPO GRANDE-MS

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA ___ª VARA DE DIREITOS

DIFUSOS, COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DE CAMPO GRANDE-

MS

“É evidente que a perfuração indiscriminada e desordenada de

poços artesianos tem impacto direto no meio ambiente e na

disponibilidade de recursos hídricos para o restante da população,

de hoje e de amanhã. Feita sem controle, também põe em risco a saúde

pública, por ausência de tratamento, quando for de rigor.”

(REsp 994120/RS)

Inquérito Civil nº 018/2012

O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, por intermédio da Promotora de Justiça que ao

final subscreve, no uso de suas atribuições legais, vem perante V. Exª. para, com fulcro no

inc. II do art. 129 da Constituição Federal e, nos incs. I e III do art. 1º, e inc. I, do art. 5º da

Lei nº 7.347/1985 (Ação Civil Pública), propor Ação Civil Pública com pedido de liminar em

face de

JOSÉ RODRIGUES DE MORAES ME, nome fantasia Hotel Continental, pessoa jurídica

de direito privado, inscrita no CNPJ n.º 10.482.147/0001-19, com endereço na Rua Maracajú,

229, bairro Vila Cidade, em Campo Grande-MS, CEP 79.002-214, representado pelo seu

proprietário José Rodrigues de Moraes, brasileiro, casado, comerciante, CI-RG n.º

26.296.557-4 SSP/SP e CPF n.º 004.738.711-49, residente e domiciliado na Rua Maracajú,

229, fundos, bairro Vila Cidade, em Campo Grande-MS, CEP 79.002-214;

JOSÉ RODRIGUES DE MORAES, brasileiro, casado, comerciante, CI-RG n.º 26.296.557-

4 SSP/SP e CPF n.º 004.738.711-49, residente e domiciliado na Rua Maracajú, 229, fundos,

bairro Vila Cidade, em Campo Grande-MS, CEP 79.002-214;

1/90RUA DA PAZ, 134 – CAMPO GRANDE-MS – WWW.MP.MS.GOV.BR

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MINISTÉRIO PÚBLICO DE MATO GROSSO DO SUL

MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE-MS, pessoa jurídica de direito público interno, CNPJ

nº 03.501.509/0001-06, com endereço na av. Afonso Pena, 3297, Centro, CEP 79.002-072,

em Campo Grande-MS, representado pelo Exmo. Sr. Prefeito Alcides Peralta Jesus Bernal;

INSTITUTO DE MEIO AMBIENTE DE MATO GROSSO DO SUL (IMASUL), pessoa

jurídica de direito público interno, autarquia estadual vinculada à Secretaria de Estado de

Meio Ambiente, do Planejamento, da Ciência e Tecnologia (SEMAC), CNPJ nº

02.386.443/0001-98, com endereço na Rua Desembargador Leão Neto do Carmo, s/nº, quadra

03, setor 03, Parque dos Poderes, CEP 79031-902, representado pelo Ilmo. Sr. Diretor-

Presidente Carlos Alberto Negreiros Said Menezes;

do ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL, pessoa jurídica de direito público interno,

CNPJ nº 15.412.257/0001-28, com sede no Parque dos Poderes, bloco VIII, em Campo

Grande-MS, CEP 79.031-350, representado pelo Exmo. Sr. Governador do Estado André

Puccinelli, pelas razões e fato e de Direito a seguir aduzidas:

1. CONTEXTUALIZAÇÃO

1.1. SANEAMENTO BÁSICO E SAÚDE HUMANA

Não há duvidas que o consumo de água devidamente tratada e a destinação do

esgoto sanitário para tratamento antes da disposição final no meio ambiente são providências

elementares e essenciais para a garantia da saúde pública. E disso não se pode olvidar na

atual quadra da evolução humana, marcada pela exigência de prevenção aos riscos à saúde

humana e ao meio ambiente, oriundos de diversas fontes e de efeitos nefastos.

E não há contrariedade científica, técnica e política quanto aos benefícios da

universalização do acesso às redes públicas de abastecimento de água potável e de

esgotamento sanitário.

Recentemente, em nível legislativo e ratificando legislações anteriores, o art. 1º,

incs. I e III, da Lei nº 11.445/2007 (Saneamento Básico) reconhece como princípios

fundamentais dos serviços públicos de saneamento básico a universalização do acesso a tais

serviços, especialmente o abastecimento de água e o esgotamento sanitário, dentre outros.

A disponibilidade de acesso e a efetiva utilização desses serviços públicos têm

dois aspectos cuja importância a Constituição Federal reconhece, anseia e obriga, a saber.

O primeiro é a garantia de redução do risco de doenças e outros agravos à saúde

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humana, nos termos do art. 192 da Constituição Federal. O segundo é a garantia do meio

ambiente ecologicamente equilibrado, bem essencial à vida sadia, consoante o art. 225 da

Constituição Federal.

Portanto, uma conclusão surge de forma incontestável: há necessidade de se

efetivar a tutela da saúde pública e do meio ambiente, inclusive juridicamente.

A literatura científica especializada em saneamento básico e saúde humana afirma

que a água destinada ao consumo humano deve ser submetida ao mais rigoroso controle e

padronização de qualidade, de modo que não comprometa a saúde pública (BRANCO,

Samuel Murgel; AZEVEDO, Sandra M. F. O.; TUNDISI, José Galizia. Água e saúde

humana. In: REBOUÇAS, Aldo da C.; BRAGA, Benedito; TUNDISI, José Galizia. (org).

Águas Doces no Brasil: capital ecológico, uso e conservação. 3. ed. São Paulo: Escrituras,

2006, p. 241) (destacamos):

De todo o consumo diário per capita, apenas dois ou três litros de água são utilizados, em um país tropical, como bebida ou no preparo de alimentos. Essa parcela, bem como a água destinada à higienização corporal, deve ser o objetivo da mais rigorosa padronização de qualidade, de modo a que não se torne comprometedora da saúde pública. Mais do que isso, talvez: segundo uma prática que vem sendo adotada em quase todo o mundo, a água dita “potável” deve não apenas ser inócua à saúde, como também portadora de substâncias “protetoras” desta última, como é o caso da aplicação de compostos de flúor como preventivos da cárie dentária. [...] Graças à sua extraordinária capacidade de dissolução e transporte das mais variadas formas de matérias, seja em solução, seja em fina suspensão, a água representa o elemento ideal nas funções de limpeza de ambientes, constituindo, ao mesmo tempo, o veiculo de toda sorte de impurezas. Estas, na forma de substâncias tóxicas ou de microrganismos patogênicos, atingindo o corpo humano externo ou interno, podem transmitir-lhes uma série de estados mórbidos e, naturalmente, indesejáveis. [...]

A respeito das doenças passíveis de veiculação hídrica os autores acima nomeados

exemplificam com a tabela abaixo, podendo se afirmar que no Brasil há altos índices de

doenças transmitidas pela água (ob. cit., p. 243 e 251-252):

Doença Agente infeccioso Organismo Sintomas

Cólera Vibrio cholerae Bactéria Diarréia severa; vômitos; perda de líquido

Disenteria Shigella dysinteriae Bactéria Infecção de cólon, causando diarreia e perda de sangue; dores abdominais intensas

Enterite Clostridium perfingrens Bactéria Inflamação do intestino; perda de apetite, diarreia,

dores abdominais

Febre tifóide Salmonella typhi Bactéria Sintomas iniciais são dores de cabeça, perda de energia, febre; hemorragia dos intestinos e

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manchas na pele ocorrem em estados posteriores da doença

Hepatite infecciosa Vírus da hepatite A Vírus Inflamação do fígado, causando vômitos, febre e náuseas; perda de apetite

Poliomielite Vírus da Pólio VírusSintomas iniciais são febre, diarreia e dores musculares; nos estágios mais avançados paralisia e atrofia dos músculos

Criptos poridiose Cryptosparodium sp. Protozoário Diarréias e dores que podem durar mais de vinte dias

Disenteria anabiana Entamoeba histolytica Protozoário Infecção no cólon que causa diarreia, perda de

sangue e dores abdominais

Esquistossomosse Schistossoma sp. Verme Doença tropical que ataca o fígado, causa diarreia, fraqueza e dores abdominais

Ancilostomíase Ancyslostoma sp. Verme Anemias, sintomas de bronquite

Malária Anopheles sp. (trans.) Protozoário Febre alta, prostração

Febre amarela Aedes sp. (trans.) Virus Anemia

Dengue Aedes sp. (trans.) Vírus Anemia

Portanto, evidencia-se a obviedade dos benefícios do consumo de água tratada

diante do quadro acima, o que vem reafirmado por publicações técnico-científicas, que

referenciam a relação com a prevenção de doenças (TSUTIYA, Milton Tomoyuki.

Abastecimento de água. 3. ed. Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária da Escola

Politécnica da Universidade de São Paulo, 2006, p. 5) (destacamos):

Entre as melhorias do saneamento ambiental os sistemas de abastecimento de água são os que provocam maior impacto na redução das doenças infecciosas. A água contém sais dissolvidos, particular em suspensão e microrganismos, que podem provocar doenças, dependendo das suas concentrações. Livre desses agentes, além de evitar a contaminação das pessoas, a água provoca inúmeros benefícios diretos à saúde. Ajuda na preparação de alimentos, favorecendo uma nutrição saudável, possibilita a higiene corporal e a limpeza do ambiente e contribui para a hidratação do organismo. Quando fluoretada fortalece o esmalte dos dentes na formação da dentição permanente, reduzindo em cerca de 65% a prevalência de cáries dentárias. [...] O enorme benefício dos sistemas de abastecimento de água à saúde da população em todos os estratos sociais, ao proporcionar as mesas oportunidade de higiene, conforto e bem-estar, mesmo às camadas mais desfavorecidas, tem um reflexo imediato na redução da demanda por serviços de saúde.

A literatura especializada reafirma que a quantidade da água não significa garantia

de qualidade, especialmente nas áreas urbanas cujo adensamento populacional passa a

degradar a qualidade da água, notadamente aquela proveniente de captação subterrânea

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(poços) em razão do risco de contaminação, por exemplo, por esgotos (fossas etc.) (ob. cit.,

p. 246) (destacamos):

Não basta que uma população disponha de água em quantidade: é necessário que essa água se caracterize por um determinado padrão mínimo de qualidade. [...] A questão começa se agravar com o adensamento populacional, principalmente quando se faz uso de águas colhidas no lençol freático, a pequena distância dos locais de disposição ou sumidouros. [...].

Importante anotar que a utilização de água tratada na vida humana é fundamental

para a não contração de doenças e para o bem-estar geral. Pela concisão e clareza, traz-se à

colação o que a Empresa de Saneamento de Mato Grosso do Sul S/A (SANESUL), em seu

sítio eletrônico, aponta de benefícios gerados com a água tratada. Registra a empresa

responsável pelo fornecimento de água para a maioria dos municípios deste Estado

(Disponível em: <http://www.sanesul.ms.gov.br/conteudos.aspx?id=1>. Acesso em: 25 fev.

2013. Fonte: BARROS, Raphael T. de V. et al. Saneamento. Manual de saneamento e

proteção ambiental para os municípios. Belo Horizonte: Escola de Engenharia da UFMG,

1995):

A importância do sistema de abastecimento de águaA importância do sistema de abastecimento de água pode ser considerada nos seguintes aspectos:Os aspectos sanitário e social1. melhoria da saúde e das condições de vida de uma comunidade;2. diminuição da mortalidade em geral, principalmente da infantil;3. aumento da esperança de vida da população;4. diminuição da incidência de doenças relacionadas a água;5. implantação de hábitos de higiene na população;6. facilidade na implantação e melhoria da limpeza pública;7. facilidade na implantação e melhoria dos sistemas de esgotos sanitários;8. possibilidade de proporcionar conforto e bem-estar;9. melhoria das condições de segurança.Os aspectos econômicos1. aumento da vida produtiva dos indivíduos economicamente ativos;2. diminuição dos gastos particulares e públicos com consultas e internações hospitalares;3. facilidade para instalações de indústrias, onde a água é utilizada como matéria-prima ou meio e operação;4. incentivo à indústria turística em localidades com potencialidades para seu desenvolvimento.

Portanto, a coleta, o tratamento e a distribuição da água tratada e a destinação do

esgoto para tratamento são fundamentais na prevenção de agravos à saúde humana e danos ao

meio ambiente.

Assim, para gozar de dignidade humana ansiada pelo art. 1º, inc. III, da

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Constituição Federal, também há de se consumir recursos ambientais de forma segura e

econômica. A segurança quanto aos agravos à saúde humana se relaciona com a utilização

efetiva da água tratada proveniente da rede pública. A economia ganha relevância não

somente para o uso parcimonioso dos recursos naturais diante de sua finitude, mas, também,

no uso não causador de poluição hídrica de córregos, rios e lençol freático.

Não obstante a importância e a escassez os recursos hídricos vêm sendo utilizados

de maneira irresponsável e em desacordo com a legislação pertinente, conforme será

demonstrado.

1.2. GESTÃO ESTRATÉGICA MPMS – 2025

O Ministério Público Estadual promoveu nos anos de 2009 e 2010 trabalhos que

envolveram todos os Membros do Ministério Público Estadual e servidores, resultando no

Projeto Gestão Estratégica MPMS – 2025. Em abril de 2010 houve o lançamento da

Gestão Estratégica MPMS – 2025, cujo resultado outorgou para as áreas específicas alguns

objetivos, indicadores, projetos e metas específicos (Disponível em:

<http://www.mp.ms.gov.br/portal/gestao/>. Acesso em: 16 jul 2013).

Para a área de atuação na defesa do meio ambiente um dos objetivos é a garantia

do saneamento básico nos municípios do Estado, a saber: implantar sistema de coleta e

tratamento do esgoto e assegurar o abastecimento e o tratamento de água potável (Disponível

em: <http://www.mp.ms.gov.br/portal/gestao/apres/mapa.html>. Acesso em: 16 jul 2013).

Como indicadores e metas referentes ao objetivo de garantia do saneamento

básico vêm os percentuais de cobertura e de interligação das unidades residenciais e

comerciais nas redes de água potável e coletora de esgoto para tratamento (Disponível

em: <http://www.mp.ms.gov.br/portal/gestao/apres/meioambiente1.html>. Acesso em: 16 jul

2013).

E para se alcançar aqueles objetivos específicos é imprescindível a adoção de

providencias legais (administrativas e judiciais, cíveis e criminais), tudo conforme o Centro

de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Meio Ambiente (CAOMA) (destacamos)

(Disponível em: <http://www.mp.ms.gov.br/portal/gestao/apres/meioambiente1p.html>.

Acesso em 16 jul 2013) (destacamos):

O presente programa tem por objetivo instituir uma base de dados sobre as condições de saneamento básico existentes nos municípios de Mato Grosso do Sul, com o levantamento dos principais problemas ambientais encontrados no Estado, os quais deverão ser enfrentados com prioridade pelos Promotores de

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Justiça do Meio Ambiente, mediante a adoção dos instrumentos legais pertinentes, tais como:a) instauração de inquéritos civis ou procedimentos preparatórios, priorizando a solução consensual - por ser a medida mais eficiente na realização dos resultados pretendidos, de maior economia processual e a mais célere -, mediante a realização de reuniões com setores públicos ou privados; a designação audiências públicas; a promoção de campanhas educativas nas escolas, centros comunitários e nos meios de comunicação, e demais ações administrativas, cujo objetivo primordial é a celebração do termo de ajustamento de conduta;b) requisição de inquéritos policiais;c) instauração de processos criminais;d) ajuizamento de ações civis públicas.

Vê-se, então, que o Ministério Público Estadual tem como relevante a questão do

saneamento básico, tanto no que se refere às responsabilidades do Poder Público e dos

eventuais concessionários quanto naqueles deveres reservados à coletividade, inclusive o

setor empresarial, especialmente neste caso quanto ao acesso e efetivo consumo de água

tratada e a compulsória destinação do esgoto para tratamento, consoante o art. 3º, inc. I,

alíneas a e b, da Lei nº 11.445/2007 (Saneamento Básico).

Não é por acaso que o Ministério Público brasileiro vem atuando para reforçar a

universalização e o acesso aos serviços de saneamento básico. Tratam-se de atuações que

promovem enforcement em favor das necessidades de considerável parcela da população que

reclama pela instalação das redes públicas de água trata e esgotamento sanitário para a

promoção da saúde coletiva (TRF 4ª Região, 4ª T., rel. Amaury Chaves de Athayde, AG

200404010207990, DJ 01.11.2006, 712; TRF 5ª Região, Pleno, rel. Francisco Cavalcanti,

AGRSL 20050500004825202, AGRSL - Agravo Regimental em Suspensão de Liminar

3557/02, DJ 03.10.2005, p. 845).

Simultaneamente o Ministério Público brasileiro vem agindo de modo a diminuir

e, quiçá, extinguir o lançamento de esgotos em geral nos rios, cursos d’água etc., exigindo das

autoridades a implantação de infraestrutura condizente com a compulsória defesa do meio

ambiente contra a descabida poluição dos recursos hídricos e do subsolo (STJ, REsp

885.126/RS, 3ª Turma, rel. Min. NANCY ANDRIGHI, 21.02.2008, DJe 10.03.2008 (STJ,

AgRg no AREsp 126.338/SP, 2ª Turma, rel. HERMAN BENJAMIN, , 17.05.2012; (STJ,

REsp 885.126/RS, 3ª Turma, rel. Min. NANCY ANDRIGHI, , 21.02.2008, DJe 10.03.2008).

Enfim, esclareça-se que a Gestão Estratégica MPMS – 2025 solidificou e

ratificou providencias anteriormente adotadas, especialmente nas hipóteses de efetivo

consumo de água tratada e a compulsória destinação do esgoto, institucionalizando o esforço

para a elevação dos níveis de qualidade da saúde humana e do meio ambiente, tudo fundado

na prevenção de riscos.7/90

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2. FATOS

Ultrapassada a necessária contextualização há de se narrar o esforço do Ministério

Público Estadual em ver regularizada, em sua integralidade, a atividade econômica

desenvolvida pelos Réus. Anote-se que o inquérito civil mencionado não tratou somente de

fatos relacionados com o uso, o consumo e a distribuição ilegal de água não tratada (poços) ou

da disposição de esgoto sem tratamento prévio (fossas).

2.1. PROVIDÊNCIAS ANTECEDENTES AO INQUÉRITO CIVIL

O Ministério Público Estadual ao tomar conhecimento de que os Réus JOSÉ

RODRIGUES DE MORAES-ME e JOSÉ RODRIGUES DE MORAES, doravante

nomeados apenas de Réus, apesar da disponibilidade de redes de distribuição de água

tratada e de esgotamento sanitário para tratamento, descumpriam as legislações federal,

estadual e municipal, que obrigam a conexão e o efetivo consumo dos serviços públicos

mencionados, promoveu tentativa de regularização consensual. Contudo, não houve sucesso

nesta tentativa.

Destaca-se na representação, em síntese, as afirmações (IC, f. 07/40):

a) mantém instalado e em operação poço de captação de água subterrânea, sem qualquer

autorização ou licença ambiental;

b) no caso específico dos Réus, mencionado poço consubstanciava solução alternativa

vedada por lei e normas regulamentares, uma vez que havia – como ainda há –

disponibilidade de rede pública de distribuição de água tratada;

c) promovia a extração de água proveniente do poço objetivando o armazenar e a distribuir

aos hóspedes e frequentadores do empreendimento de água sem o tratamento prévio

exigido legalmente;

d) no caso específico dos Réus, o afastamento do esgoto era promovido sem destinação para

tratamento, utilizando-se de fossa, que deve ser considerada solução alternativa vedada

por lei e normas regulamentares, uma vez que havia – como ainda há – disponibilidade

de rede pública de coleta de esgoto para tratamento.

Diante da verossimilhança dos fatos contidos na representação e segundo o

planejamento institucional resultante da Gestão Estratégica MPMS – 2025 o Ministério

Público Estadual iniciou tratativas com os interessados para a solução consensual das

ilegalidades apontadas.

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2.1.1. Frustração da solução consensual

No dia 16.01.2012 houve reunião com representantes da Associação Brasileira da

Indústria de Hotéis (ABIH-MS) onde foi deliberado consensualmente que haveria adesão ao

serviços públicos de água tratada e de destinação do esgoto para tratamento (destacamos) (IC,

f. 34/35) (destacamos):

1. Reunidos os representantes acima com o Promotor de Justiça houve discussão acerca do cumprimento da Lei nº 11.445/2007 (Saneamento Básico); 2. Ficou acordado que os representantes da ABIH-MS promoverão reunião para encaminhar para a 34ª Promotoria de Justiça de Campo Grande-MS, Núcleo das Promotorias de Justiça do Pantanal e da Bacia do Paraná, uma proposta de adesão à Lei nº 11.445/2007 (Saneamento Básico) no que se refere à água tratada e esgotamento sanitário; 3. Até o dia 27.01.2012 os representantes da ABIH-MS protocolarão na 34ª Promotoria de Justiça de Campo Grande-MS, Núcleo das Promotorias de Justiça do Pantanal e da Bacia do Paraná, um ofício com cópia da ata de reunião contendo proposta referida no item 2. [...]

No dia 20.01.2012 a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH-MS)

realizou a 30ª Reunião Ordinária, de onde surgiu a proposta de valores para adesão,

solicitando o seu encaminhamento para a concessionária, o que foi atendido. Ressalte-se que a

proposta de adesão esperada era apenas quanto ao prazo para regularização, nunca se

falando em valores (IC, f. 15-17).

Portanto, a questão, na perspectiva dos Réus, não seria se haveria a

regularização, com o tamponamento de poços e desativação de fossas. Mas, sim, que

dependeria de negociação privada envolvendo valores.

Prova disso é que numa reunião entre representante da Associação Brasileira da

Indústria de Hotéis (ABIH-MS), ocorrida em 15.02.2012, consta que as negociações privadas

seriam irrelevantes ao Ministério Público Estadual e não havendo composição consensual

poderiam ser adotadas providências administrativas, civis e penais (IC, f. 25).

(destacamos):

1. Reunidos os representantes acima com o Promotor de Justiça houve a entrega da proposta da concessionária Águas Guariroba S/A para ser levada aos hotéis em Campo Grande-MS, por meio da ABIH-MS, podendo ser estendida para a ABRASEL (Carta nº 0142/2012); 2. Até o dia 05.03.2012 a ABIH-MS e os hotéis tem prazo para procurar a concessionária Águas Guariroba para a contratação efetiva dos serviços; 3. Frise-se que a adesão aos serviços implicará no tamponamento do polo existente nos hotéis, o que ocorrerá por conta da concessionária Águas Guariroba S/A; 4. Independentemente de como se derem as negociações comerciais entre as partes, o que é irrelevante para o Ministério Público Estadual, acaso não haja regularização dos empreendimentos aos termos da Lei nº 11.445/2007 (Saneamento Básico) e da

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Portaria nº 2.914/2011 do Ministério da Saúde poderão ser tomadas providências administrativas e judiciais, no âmbito civil e criminal, nos termos da 7.347/1985 (Ação Civil Pública) e da Lei nº 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), sem prejuízo de qualquer outra. [...]

No dia 13.03.2012 a concessionária informa que não obstante as tratativas e a

adesão de alguns empreendimentos e a negativa de outros, nenhum dos empreendimentos

concordaram no tamponamento do poço de captação de água subterrânea (desativação)

(IC, f. 26).

Assim, houve a instauração do inquérito civil em referência e a síntese do apurado

durante a instrução segue abaixo.

2.2. INQUÉRITO CIVIL

O Ministério Público Estadual instaurou inquérito civil para apurar instalação e

operação no empreendimento Réu das atividades captação de água subterrânea (poço), bem

como sua distribuição aos hóspedes e frequentadores para consumo, e de coleta e destinação

inadequada de esgoto (fossa), em desacordo com a Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional do

Meio Ambiente) e a Lei nº 11.445/2007 (Saneamento Básico), conforme Portaria (IC, f.

02/04).

No decorrer da instrução ficou assentado que, além das ilegalidades apontadas na

Portaria, os Réus exerciam as atividades no ramo da hotelaria cometendo diversas infrações,

conforme segue articulado (IC, f. 82/83, 100 e 119/122):

a) na Notificação/Exigência de Vistoria nº 321/SST/6ª GB, no Ofício nº 041/SST/6ªGB e

no Certificado de Vistoria nº 814/SST/2012, com validade até 21.09.2013, do Corpo de

Bombeiros Militar de Mato Grosso do Sul (CBMMS).

b) no Relatório Técnico nº 857/2012/DFMA e no Laudo de Vistoria nº 1725/DFMA/

DLMA/SEMADUR/2012, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e

Desenvolvimento Urbano (SEMADUR);

c) na Notificação, Auto de Infração e Multa nº 365385, da Secretaria Municipal de Meio

Ambiente e Desenvolvimento Urbano (SEMADUR);

2.3. LICENCIAMENTO AMBIENTAL: ATIVIDADE DE HOTEL

Analisando o inquérito civil se conclui que os Réus não demonstram qualquer

consideração e respeito para com os objetivos do princípio da prevenção em matéria

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ambiental, uma vez que iniciaram a construção e a operação do mencionado hotel, que possui

15 apartamentos e demais dependências, sem prévia e compulsória obtenção das licenças

ambientais (licença prévia, de instalação e de operação), legalmente exigíveis pela legislação

municipal, notadamente a licença ambiental de operação (IC, f. 119/122).

Ressalte-se que a atividade de hotel (pousadas, similares etc.) deve se submeter

prévia e obrigatoriamente ao licenciamento ambiental perante a Secretaria Municipal de Meio

Ambiente e Desenvolvimento Urbano (SEMADUR), conforme o art. 4º1 e 162 da Lei

Municipal nº 3.612/1999 (Sistema Municipal de Licenciamento e Controle Ambiental).

Desta forma, há de considerar que a instalação e a operação do mencionado

empreendimento causam impactos ambientais, urbanísticos e sanitários que devem

permanecer sempre sob o controle e regulação dos órgãos competentes. E esta afirmação não

admite contrariedade porque decorre de disposições constitucionais previstas nos arts. 170,

inc. VI, 182, § 2º, e 225, § 3º, sem prejuízo das legislações estadual e municipal.

Ainda que a legislação municipal seja expressa neste sentido cabe uma afirmação

sem qualquer dúvida: o Réu MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE fiscalizou a atividade dos

Réus somente depois de requisição do Ministério Público Estadual. Tal circunstância retrata

o descumprimento por parte do Poder Público municipal diante dos deveres impostos por sua

própria legislação ambiental, urbanística e sanitária.

2.3.1. Atividade hoteleira: outras licenças etc.

Além do licenciamento ambiental previsto expressamente para a atividade dos

Réus a legislação municipal exige outras autorizações, licenças, certificados etc., conforme

disposto no art. 133 da Lei Municipal nº 3.612/1999 (Sistema Municipal de Licenciamento e

Controle Ambiental).

Durante a instrução do inquérito civil ficou sem contestação que os Réus mantêm

a instalação e a operação do empreendimento mencionado contrariando normas legais e

regulamentares pertinentes, por não haverem obtido prévia e obrigatoriamente, bem como

não mantido permanentemente válidas e vigentes, algumas autorizações, licenças, certificados

1 Lei Municipal nº 3.612/1999 (Sistema Municipal de Licenciamento e Controle Ambiental): art. 4º. Estão sujeitos ao Licenciamento Ambiental, os empreendimentos e atividades constantes no Anexo I, desta Lei. […] Anexo I – [...] hotéis [...].2 Lei Municipal nº 3.612/1999 (Sistema Municipal de Licenciamento e Controle Ambiental): Art. 16. Os empreendimentos e atividade existentes na data de publicação desta Lei, terão o prazo de 24 (vinte e quatro) meses para as adequações necessárias.3 Lei Municipal nº 3.612/1999 (Sistema Municipal de Licenciamento e Controle Ambiental): Art. 13. A existência de licença ambiental expedida por órgão ambiental, estadual ou federal, não isenta o empreendedor das obrigações e normas constantes da Legislação Municipal.

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etc., a saber (IC, f. 82 e 101):

a) Certificado de Vistoria, expedido pelo Corpo de Bombeiros Militar de Mato Grosso do

Sul (CBMMS), não havia sido obtido até 11-06-2012;

b) Alvará de Localização e Funcionamento, expedido pela Secretaria Municipal de Receita

(SEMRE), encontra-se vencido.

Os Réus também não possuem licença ambiental para a instalação e a

operação de poço de captação de água subterrânea, muito embora seja esta uma das

atividades que devem se submeter ao prévio e obrigatório licenciamento ambiental, conforme

disciplina o art. 4º da Lei Municipal nº 3.612/1999 (Sistema Municipal de Licenciamento e

Controle Ambiental)4, conforme Laudo de Vistoria Relatório Técnico e Notificação, Auto de

Infração e Multa, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano

(SEMADUR) (IC, f. 119-122).

Mais uma vez se constata que o Réu MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE não

dá cumprimento espontâneo à legislação estadual e municipal, uma vez que a atividade de

fiscalização somente foi exercida depois de requisitada pelo Ministério Público Estadual,

demonstrando todos os Réus descaso no cumprimento de exigências ambientais, urbanísticas

e sanitárias, tudo reforçado pela ausência de controle por parte do Poder Público.

Mas não são somente estas as ilegalidades constatadas. Há outras que devem ser

apontadas.

2.4. CAPTAÇÃO DE ÁGUA SUBTERRÂNEA: ILEGALIDADE

Inicialmente deve ser ressaltado um fato incontroverso, a saber: para o

empreendimento mencionado nesta inicial há disponibilidade de rede pública de

distribuição de água tratada e de coleta de esgoto para tratamento (IC, f. 120).

Em que pese os réus, por meio de sua representante legal, terem aceitado a

proposta de tamponamento do poço de captação de água subterrânea instalado na área de seu

empreendimento (IC, Ata de Reunião de f. 130), quando contatada pela concessionária para

agendamento do procedimento, a mesma representante não autorizou mencionado

tamponamento (IC, Carta nº 202/2013, f. 156/157).

O Réu MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE constatou este fato por meio de

4 Lei Municipal nº 3.612/1999 (Sistema Municipal de Licenciamento e Controle Ambiental): art. 4º. Estão sujeitos ao Licenciamento Ambiental, os empreendimentos e atividades constantes no Anexo I, desta Lei. […] Anexo I – [...] perfuração de poços profundos [...].

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ação fiscalizadora provocada pelo Ministério Público Estadual. Os Réus firmaram Contrato de

Prestação de Serviços de Abastecimento de Água e de Coleta e de Tratamento de Esgoto

Sanitário em fevereiro de 2004, quando era registrado o consumo mínimo, tendo sido

suspenso o fornecimento em abril de 2010 a pedido do cliente, que retomou o contrato em

janeiro de 2012 (IC, f. 131).

Porém, apesar da contratação não há o consumo efetivo de água tratada, o que

atenta contra a saúde pública, o meio ambiente e o direitos do consumidor. Vejamos.

2.4.1. Lei nº 11.445/2007 (Saneamento Básico)

Apesar de haver contratado os serviços os Réus não abastecem adequadamente o

empreendimento com água tratada proveniente da rede pública!

A existência de disponibilidade de redes públicas de água tratada e de coleta

de esgoto para tratamento proíbe duas situações, conforme o art. 455, § 2º, da Lei nº

11.445/2007 (Saneamento Básico):

a) veda a existência e a utilização de captação subterrânea de água (poço), bem como de

fossa;

b) veda que a instalação predial do imóvel urbano receba água proveniente da captação

subterrânea de água (poço).

Não obstante a contratação dos serviços públicos acima referidos os Réus mantêm

instalado e operando, ilegalmente, poço de captação de água subterrânea, que serve como

fonte exclusiva de abastecimento para o empreendimento (ingestão, preparação e produção

de alimentos, higiene etc.), o que contraria frontalmente os arts. 5º, inc. I, e 12, inc. I e

parágrafo único, da Portaria nº 2.914/2011 do Ministério da Saúde.

A comprovação destas ilegalidades e a destinação ilegal da água obtida por meio

do poço de captação subterrânea para consumo vedado em norma de prevenção à saúde

humana, vem demonstrada no Histórico de Consumo da Matrícula: 17087955, referente ao

consumo da rede pública de água/esgoto (IC, f. 133 e segs):

Águas GuarirobaConsumos - Matrícula: 17087955 AGUA/ESGOTO

5 Lei nº 11.445/2007 (Saneamento Básico): Ressalvadas as disposições em contrário das normas do titular, da entidade de regulação e de meio ambiente, toda edificação permanente urbana será conectada às redes públicas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário disponíveis e sujeita ao pagamento das tarifas e de outros preços públicos decorrentes da conexão e do uso desses serviços. [...] § 2 o  A instalação hidráulica predial ligada à rede pública de abastecimento de água não poderá ser também alimentada por outras fontes.

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HOTEL CONTINENTAL Referência Leitura Cons.medido Cons.faturado Média Data leitura Situação ligação

08/2013 0 0 17 17 23/08/2013 ativa07/2013 284 14 14 16 25/07/2013 ativa06/2013 270 19 19 16 25/06/2013 ativa05/2013 251 17 17 16 24/05/2013 ativa04/2013 234 12 12 16 25/04/2013 ativa03/2013 222 18 18 14 26/03/2013 ativa02/2013 204 18 11 10 23/02/2013 ativa01/2013 186 13 10 8 21/01/2013 ativa12/2012 173 10 10 6 21/12/2012 ativa11/2012 0 0 10 6 23/11/2012 ativa10/2012 163 6 10 5 25/10/2012 ativa09/2012 157 9 10 2 25/09/2012 ativa08/2012 148 2 10 3 24/08/2012 ativa07/2012 146 4 10 14 26/07/2012 ativa06/2012 142 0 10 19 26/06/2012 ativa05/2012 142 6 10 21 24/05/2012 ativa04/2012 136 35 35 10 24/04/2012 ativa03/2012 101 15 15 5 22/03/2012 ativa02/2012 86 13 13 1 22/02/2012 ativa01/2012 73 2 10 0 20/01/2012 ativa12/2011 71 0 0 0 22/12/2011 desligada a pedido11/2011 71 0 0 0 22/11/2011 desligada a pedido10/2011 0 0 0 0 20/10/2011 desligada a pedido09/2011 71 0 0 0 22/09/2011 desligada a pedido08/2011 71 0 0 0 22/08/2011 desligada a pedido07/2011 71 0 0 0 21/07/2011 desligada a pedido06/2011 71 0 0 0 24/06/2011 desligada a pedido05/2011 71 0 0 0 25/05/2011 desligada a pedido04/2011 71 0 0 0 23/04/2011 desligada a pedido03/2011 71 0 0 0 22/03/2011 desligada a pedido02/2011 71 0 0 0 21/02/2011 desligada a pedido01/2011 71 0 0 0 21/01/2011 desligada a pedido12/2010 71 0 0 0 21/12/2010 desligada a pedido11/2010 71 0 0 0 22/11/2010 desligada a pedido10/2010 71 0 0 0 20/10/2010 desligada a pedido09/2010 71 0 0 0 20/09/2010 desligada a pedido08/2010 71 0 0 0 17/08/2010 desligada a pedido07/2010 71 0 0 0 16/07/2010 desligada a pedido06/2010 71 0 0 0 17/06/2010 desligada a pedido05/2010 71 0 0 1 20/05/2010 desligada a pedido04/2010 71 1 10 1 23/04/2010 ativa03/2010 70 0 10 1 24/03/2010 ativa02/2010 70 1 10 1 22/02/2010 ativa01/2010 69 1 10 1 22/01/2010 ativa12/2009 68 1 10 1 23/12/2009 ativa11/2009 67 2 10 1 20/11/2009 ativa10/2009 65 0 10 1 21/10/2009 ativa09/2009 65 1 10 1 21/09/2009 ativa

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MINISTÉRIO PÚBLICO DE MATO GROSSO DO SUL

08/2009 64 1 10 0 21/08/2009 ativa07/2009 63 0 10 0 22/07/2009 ativa06/2009 63 1 10 0 22/06/2009 ativa05/2009 62 0 10 1 22/05/2009 ativa04/2009 62 0 10 1 22/04/2009 ativa03/2009 62 1 10 1 21/03/2009 ativa02/2009 61 2 10 2 19/02/2009 ativa01/2009 59 1 10 3 20/01/2009 ativa12/2008 58 1 10 4 20/12/2008 ativa11/2008 57 4 10 3 22/11/2008 ativa10/2008 53 5 10 2 23/10/2008 ativa09/2008 48 4 10 0 23/09/2008 ativa08/2008 44 0 0 0 22/08/2008 desligada a pedido07/2008 44 1 10 1 22/07/2008 ativa06/2008 43 0 10 2 23/06/2008 ativa05/2008 43 0 10 3 23/05/2008 ativa04/2008 43 2 10 5 22/04/2008 ativa03/2008 41 3 10 11 24/03/2008 ativa02/2008 38 5 10 11 20/02/2008 ativa01/2008 33 8 10 10 21/01/2008 ativa12/2007 25 21 21 5 21/12/2007 ativa11/2007 4 4 10 4 22/11/2007 ativa10/2007 381 6 10 4 22/10/2007 ativa09/2007 375 5 10 3 21/09/2007 ativa08/2007 370 2 10 7 22/08/2007 ativa07/2007 368 4 10 21 23/07/2007 ativa06/2007 364 2 10 33 22/06/2007 ativa05/2007 362 15 15 33 23/05/2007 ativa04/2007 347 45 30 22 23/04/2007 ativa03/2007 302 38 60 14 22/03/2007 ativa02/2007 264 16 16 12 19/02/2007 ativa01/2007 248 12 12 13 20/01/2007 ativa12/2006 236 13 13 0 21/12/2006 ativa11/2006 223 12 12 13 21/11/2006 ativa10/2006 211 15 15 16 20/10/2006 ativa09/2006 196 13 13 14 20/09/2006 ativa08/2006 183 20 20 10 21/08/2006 ativa07/2006 163 8 10 5 21/07/2006 ativa06/2006 155 3 10 2 21/06/2006 ativa05/2006 152 4 10 5 22/05/2006 ativa04/2006 148 0 10 4 21/04/2006 ativa03/2006 148 10 10 5 22/03/2006 ativa02/2006 138 3 10 4 20/02/2006 ativa01/2006 135 2 2 4 20/01/2006 ativa12/2005 133 7 7 4 21/12/2005 ativa11/2005 126 4 4 2 21/11/2005 ativa10/2005 122 1 1 3 20/10/2005 ativa09/2005 121 1 10 4 19/09/2005 ativa

A utilização do poço de captação de água subterrânea pode ser, também,

15/90

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comprovada pelo Histórico do Consumo referente à matrícula 17848037, encaminhado pela

concessionária, conforme se verifica abaixo:

Águas GuarirobaConsumos - Matrícula: 17848037 POÇO

HOTEL CONTINENTAL Referência Leitura Cons.medido Cons.faturado Média Data leitura Situação ligação

08/2013 0 0 28 28 23/08/2013 ativa07/2013 1636 21 21 29 25/07/2013 ativa06/2013 1615 26 26 32 25/06/2013 ativa05/2013 1589 36 36 28 24/05/2013 ativa04/2013 1553 25 25 30 25/04/2013 ativa03/2013 1528 36 36 31 26/03/2013 ativa02/2013 1492 23 23 41 23/02/2013 ativa01/2013 1469 32 32 46 21/01/2013 ativa12/2012 1437 39 39 47 21/12/2012 ativa11/2012 1398 51 51 44 23/11/2012 ativa10/2012 1347 49 49 40 25/10/2012 ativa09/2012 1298 40 40 37 25/09/2012 ativa08/2012 1258 42 42 72 24/08/2012 ativa07/2012 1216 37 37 81 26/07/2012 ativa06/2012 1179 32 32 85 26/06/2012 ativa05/2012 1147 147 57 45 24/05/2012 ativa04/2012 1000 64 64 47 24/04/2012 ativa03/2012 936 45 45 45 22/03/2012 ativa02/2012 891 27 27 60 22/02/2012 ativa01/2012 864 70 17 54 20/01/2012 ativa12/2011 0 0 53 53 22/12/2011 ativa11/2011 794 37 37 54 22/11/2011 ativa10/2011 757 72 72 41 20/10/2011 ativa09/2011 685 50 50 35 22/09/2011 ativa08/2011 635 39 39 34 22/08/2011 ativa07/2011 596 34 34 32 21/07/2011 ativa06/2011 562 32 32 33 24/06/2011 ativa05/2011 530 37 37 30 25/05/2011 ativa04/2011 493 27 27 38 23/04/2011 ativa03/2011 466 35 35 40 22/03/2011 ativa02/2011 431 29 29 50 21/02/2011 ativa01/2011 402 49 49 47 21/01/2011 ativa12/2010 353 43 43 52 21/12/2010 ativa11/2010 310 57 57 48 22/11/2010 ativa10/2010 253 41 41 47 20/10/2010 ativa09/2010 212 59 59 37 20/09/2010 ativa08/2010 153 43 43 31 17/08/2010 ativa07/2010 110 38 38 29 16/07/2010 ativa06/2010 72 30 30 25 17/06/2010 ativa05/2010 37 25 25 0 20/05/2010 ativa04/2010 0 0 10 0 20/04/2010 ativa

Satisfatoriamente comprovado, portanto, que os Réus utilizam água proveniente 16/90

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MINISTÉRIO PÚBLICO DE MATO GROSSO DO SUL

de sistema alternativo de captação de água subterrânea (poço) para usos e destinações vedadas

em lei e regulamentos ambientais, sanitários e urbanísticos.

A apesar dessas vedações o Réu MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE não

demonstrou esforços concretos para dar cumprimento integral às determinações da Lei nº

11.445/2007 (Saneamento Básico) e da Portaria nº 2.914/2011 do Ministério da Saúde

(Dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para

consumo humano e seu padrão de potabilidade), a saber:

a) obrigar a conexão dos imóveis urbanos exclusivamente às redes públicas de água e

esgoto;

b) vedar a distribuição coletiva de água por sistema alternativa quando houver

disponibilidade de rede publica.

Assente-se que o Réu MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE somente atuou

depois de provocado pelo Ministério Público Estadual e ainda assim atuou parcialmente.

Explica-se: limitou-se a elaborar laudo de vistoria e relatório técnico, expedir notificações.

Contudo, não exigiu dos Réus a cessação da atividade irregular e sua respectiva comprovação,

conforme determina o art. 126, inc. I e parágrafo único, da Portaria nº 2.914/2011 do

Ministério da Saúde (Dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade

da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade).

2.4.2. Portaria nº 2.914/2011 do Ministério da Saúde

Os Réus mantêm, ilegalmente, sistema alternativo de captação de água

subterrânea (poço) para distribuição coletiva de água, fornecendo-a para uso e consumo dos

hóspedes, consumidores, frequentadores em geral e funcionários do empreendimento, uma

vez que a água captada é destinada diretamente, por exemplo, à ingestão, à preparação e

produção de alimentos e à higiene pessoal, contrariando também o disposto nos arts. 3º7 e 5º8,

6 Portaria nº 2.914/2011 do Ministério da Saúde (Dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade): Art. 12. Compete às Secretarias de Saúde dos Municípios: I – exercer a vigilância da qualidade da água em sua área de competência, em articulação com os responsáveis pelo controle da qualidade da água para consumo humano; [...] Parágrafo único. A autoridade municipal de saúde pública não autorizará o fornecimento de água para consumo humano, por meio de solução alternativa coletiva, quando houver rede de distribuição de água, exceto em situação de emergência e intermitência.7 Portaria nº 2.914/2011 do Ministério da Saúde (Dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade): Art. 3º. Toda água destinada ao consumo humano, distribuída coletivamente por meio de sistema ou solução alternativa coletiva de abastecimento de água, deve ser objeto de controle e vigilância da qualidade da água.8 Portaria nº 2.914/2011 do Ministério da Saúde (Dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade): Art. 5° Para os fins desta Portaria, são adotadas as seguintes definições: I - água para consumo humano: água potável destinada à ingestão, preparação e produção de alimentos e à higiene pessoal, independentemente da sua origem.

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inc. I, da Portaria nº 2.914/2011 do Ministério da Saúde.

Portanto, os Réus mantêm o empreendimento mencionado ilegalmente abastecido

por sistema alternativo de captação de água subterrânea (poço tubular), permitindo que a

instalação predial ligada à rede pública de abastecimento de água também fosse alimentada

pela água oriunda de fonte alternativa (poço tubular), o que contraria o art. 459, § 2º, da Lei nº

11.445/2007 (Lei do Saneamento Básico) e o art. 5610 da Lei nº 1.293/1992 (Código Sanitário

Estadual).

O Réu MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE, a seu turno, torna mais evidente

que a sua atuação se limitou ao aspecto formal, expedindo laudo, relatório e notificação,

deixando de fazer cumprir, concreta e efetivamente, as legislações federal e estadual referidas.

Mas, o que chama mais atenção é o Réu não se empenhar em dar efetividade à legislação

municipal, a exemplo do art. 6111 da Lei Municipal nº 2.909/1992 (Código de Polícia

Administrativa de Campo Grande-MS).

2.4.3. Consumidor: omissão de informações essenciais dos produtos e serviços

Os Réus, mesmo plenamente cientes de suas obrigações legais já expostas, e

conscientes dos riscos a que expõem o meio ambiente e os hóspedes e consumidores

coletivamente considerados, além de descumprir a legislação e os regulamentos atinentes ao

saneamento básico, especialmente com relação ao fornecimento de água

tratada,deliberadamente deixaram de prestar informações corretas, claras e precisas sobre

importante aspecto atinente à característica, qualidade, natureza e segurança do serviço de

hotelaria prestado, tendo omitido dos hóspedes e consumidores em geral a relevante e

necessária informação de que o empreendimento hoteleiro não utilizava água tratada

proveniente da rede pública de fornecimento para a ingestão, preparação e produção de

alimentos e higiene pessoal.

Com esse valor todo sobre a água tratada, a omissão de informação, por parte dos

Réus sobre importante aspecto atinente à característica, qualidade, natureza e segurança do

9 Lei nº 11.445/2007 (Saneamento Básico): Ressalvadas as disposições em contrário das normas do titular, da entidade de regulação e de meio ambiente, toda edificação permanente urbana será conectada às redes públicas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário disponíveis e sujeita ao pagamento das tarifas e de outros preços públicos decorrentes da conexão e do uso desses serviços. [...] § 2 o  A instalação hidráulica predial ligada à rede pública de abastecimento de água não poderá ser também alimentada por outras fontes.10 Lei nº 1.293/1992 (Código Sanitário Estadual): É obrigatória a ligação de toda construção considerada habitável à rede pública de abastecimento de água, na forma prevista da legislação federal e estadual e demais normas complementares.11 Lei Municipal nº 2.909/1992 (Código de Polícia Administrativa de Campo Grande-MS): Toda edificação, será ligada a rede pública de abastecimento de água e a coletor público de esgoto, sempre que existente, em conformidade com as normas técnicas especificas, do órgão competente.

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serviço de hotelaria prestado, qual seja, a de que o empreendimento hoteleiro não contava

com água proveniente da rede pública, mas, sim, de sistema alternativo de captação de água

subterrânea (poço tubular), caracteriza publicidade abusiva ou enganosa (STJ – REsp

1.181.066 e 447.303) e ofende o princípio da transparência nas relações de consumo (STJ –

REsp 684.712).

2.5. OUTORGA DE USO DE RECURSO HÍDRICO

Não bastassem todas as ilegalidades acima narradas e comprovadas há, ainda, o

descumprimento de norma federal que institui a outorga de uso de recurso hídrico.

Os Réus também mantêm a instalação e operação de sistema alternativo para

captação de água subterrânea (poço) sem a obtenção prévia e compulsória de outorga de

uso de recurso hídrico, conforme exigem os arts. 1112 e 1213, inc. II, da Lei nº 9.433/1997

(Política Nacional de Recursos Hídricos).

Com relação a este aspecto é bom que se afirme que os Réus, apesar de

notificados pelo Ministério Público Estadual para apresentar a mencionada outorga de recurso

hídrico, não a trouxeram aos autos até o momento. E não fazem porque não possuem tal

pressuposto legal.

A respeito da outorga de uso de recurso hídrico como pressuposto para a

instalação e operação de poço de captação de água subterrânea, o Superior Tribunal de

Justiça já assentou jurisprudência que sem a outorga não há direito em possuir ou utilizar

poço (REsp 1.276.689, AgRg no AgRg no REsp 1185670, RMS 29965, RMS 20.765).

E a interpretação dada pelo Superior Tribunal de Justiça reforça a necessidade

de se instituir e manter controle quantitativo e qualitativo dos usos da água, conforme o art.

11 da Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos), que, dentre outras, exige

outorga para captação de água de aquífero subterrâneo para consumo final ou insumo de

processo produtivo, nos termos do art. 12, inc. I.

Além da exploração do recurso natural sem qualquer controle, a apropriação e

utilização ilegal e irregular da água subterrânea ofende os conceitos legal que o art. 1º14, incs.

I e II, da Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos) concede à água, a saber:

12 Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos): Art. 11. O regime de outorga de direitos de uso de recursos hídricos tem como objetivos assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água.13 Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos): Art. 12. Estão sujeitos a outorga pelo Poder Público os direitos dos seguintes usos de recursos hídricos: [...] II - extração de água de aqüífero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo produtivo; [...].

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bem de domínio público, recurso natural limitado e dotado de valor econômico.

Enfim, sendo a água em bem que pertence à coletividade difusa e se tratar de

recurso natural limitado, a apropriação individual deve se submeter a controle e regulação por

meio da outorga de uso de recurso hídrico, sem prejuízo da indenização pela utilização deste

recurso natural com fins econômicos, nos termos do art. 4º15, inc. VII, da Lei nº 6.938/1981

(Política Nacional do Meio Ambiente).

2.5.1. Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (IMASUL) e o Estado de Mato Grosso do Sul: outorga e poços onde há rede de saneamento básico disponível

O Estado de Mato Grosso do Sul mesmo depois de 16 (dezesseis) anos

transcorridos da vigência da Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos) não

implantou o instrumento de outorga de direito de uso de recursos hídricos.

A comprovação desta omissão é, por exemplo, constatada nos Certificados de

Registro de Poço emitidos pelos Réus INSTITUTO DE MEIO AMBIENTE DE MATO

GROSSO DO SUL (IMASUL) e ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL conforme o

exemplo do Certificado de Registro de Poço nº 87/2013 (Processo nº 23/100042/2010)

expedido em 30.07.2013 (destacamos):

CONDICIONANTES GERAIS DO CERTIFICADO DE REGISTRO DE POÇOCondicionantes Gerais1. Quando o IMASUL/SEMAC/MS implantar o instrumento de outorga de direito de uso de recursos hídricos, o empreendedor deverá proceder a devida regularização desta atividade; [...].

E aqui cabe uma observação importante: o certificado de poço acima citado se

trata apenas de um exemplo da falta de implantação do sistema de outorga. Não faz parte da

causa de pedir ou do pedido a discussão do caso do mencionado certificado.

Incontestável, portanto, que os Réus INSTITUTO DE MEIO AMBIENTE DE

MATO GROSSO DO SUL (IMASUL) e ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL ainda

não deram cumprimento ao art. 30, incs. I ao IV, da Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional de

Recursos Hídricos), uma vez que permitem que haja exploração de recursos hídricos sem a

existência e implantação do sistema de outorga, o que contratia a legislação e a jurisprudência

14 Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos): Art. 1º A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes fundamentos: I - a água é um bem de domínio público; II - a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico; [...]15 Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional de Meio Ambiente): Art 4º A Política Nacional do Meio Ambiente visará: [...] VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.

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pacífica do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.276.689, AgRg no AgRg no REsp

1185670, RMS 29965, RMS 20.765).

Não obstante, o Ministério Público Estadual realizou em 30.05.2012 uma reunião

com os Réus INSTITUTO DE MEIO AMBIENTE DE MATO GROSSO DO SUL

(IMASUL) e ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL e a Secretaria Municipal de Meio

Ambiente e Desenvolvimento Urbano (SEMADUR), órgão ambiental do Réu MUNICÍPIO

DE CAMPO GRANDE, para discutir a relação entre a disponibilidade de rede pública de

fornecimento de água tratada e a captação de água subterrânea.

Dessa reunião, que se pautou objetivamente pela relação entre a Lei nº 9.433/1997

(Política Nacional de Recursos Hídricos) e a Lei nº 11.445/2007 (Saneamento Básico), bem

como a Portaria nº 2.914/2011 do Ministério da Saúde, solidificou-se o posicionamento

consensual, sem qualquer ressalva, de que onde houver disponibilidade de rede pública de

abastecimento de água tratada não será permitida a captação de água subterrânea

(poços), incluindo-se no consenso as captações já existentes, conforme anexos a esta inicial

(destacamos):

ATA DE REUNIÃOEm 30 de maio de 2012, às 14h30m, no gabinete da 34ª Promotoria de Justiça da Comarca de Campo Grande-MS, Núcleo das Promotorias de Justiça do Pantanal (NPJP) e da Bacia do Paraná (NPJBP), no edifício sede das Promotorias de Justiça de Campo Grande-MS, situado na rua da Paz, 134, 3º andar, centro, em Campo Grande-MS, CEP.: 79002-190, fone/fax: (67) 3313-4702/4699, perante o Exmo. Sr. Promotor de Justiça Alexandre Lima Raslan, compareceram as seguintes pessoas: Ilmos. Srs. Carlos Alberto Negreiros Said Menezes, Secretário de Estado de Meio Ambiente, do Planejamento, da Ciência e Tecnologia, João Alberto Borges dos Santos, Secretário Municipal Adjunto da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano (SEMADUR) e Denise Galico Marroni Name, Departamento de Licenciamento Ambiental da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano (SEMADUR). OBJETO DA REUNIÃO: tratativa e discussão acerca da gestão de recursos hídricos provenientes de captação de água subterrânea (poços) em área urbana. DELIBERAÇÕES: Depois de discutidas as questões relativas ao objeto da reunião foram tomadas as seguintes deliberações: 1. Houve consenso de que em áreas urbanas onde houver disponibilidade de rede de abastecimento de água tratada não será permitida a captação de água subterrânea (poços), como forma de aumentar o nível de proteção do recurso hídrico e da saúde humana, prevenindo agravos à saúde humana e a riscos à qualidade do recurso hídrico; 2. O consenso tem fundamento na Lei nº 9.433/1997 (Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos), na Lei nº 11.445/2007 (Lei do Saneamento Básico) e na Portaria nº 2.914/2011 do Ministério da Saúde; 3. Houve consenso de que para os fins previstas no art. 5º, inc. I, da Portaria nº 2.914/2011 do Ministério da Saúde, ou seja, recurso hídrico ou água para ingestão, preparação e produção de alimentos e à higiene pessoal não deve haver concessão de autorização ou licença ambiental ou mesmo tolerância quanto a captação de água subterrânea; 4. O consenso dos itens acima se aplica às captações de água

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subterrânea já existentes, em uso ou não, e aquelas que qualquer interessado pretenda instalar ou usar; [...]

Vê-se, portanto, que mesmo admitindo que não implantaram o sistema de outorga

de uso de recurso hídrico os Réus INSTITUTO DE MEIO AMBIENTE DE MATO

GROSSO DO SUL (IMASUL) e ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL vêm tolerando

e permitindo a captação ilegal, indiscriminada e descontrolada de água subterrânea.

Agora, especificamente no caso dos demais Réus nesta ação civil pública, onde

há disponibilidade de rede pública de abastecimento de água tratada os Réus

INSTITUTO DE MEIO AMBIENTE DE MATO GROSSO DO SUL (IMASUL) e

ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL devem ser obrigados:

a) a não expedir ou não renovar qualquer licença, autorização, certificado etc. relativo ao

poço existente ou de outros que por ventura se pretenda perfurar e utilizar, bem como

suspender, revogar ou anular as eventualmente já concedidas;

b) a exigir o tamponamento definitivo do poço existente ou de outros que por ventura

venham a existir, adotando providências administrativas e judiciais para tanto.

Enfim, mais do que obrigar os Réus INSTITUTO DE MEIO AMBIENTE DE

MATO GROSSO DO SUL (IMASUL) e ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL a não

descumprirem as legislações referidas, especialmente a Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional

de Recursos Hídricos), a Lei nº 11.445/2007 (Saneamento Básico) e a Portaria nº 2.914/2011

do Ministério da Saúde, trata-se, em verdade exonerá-los de receber, apreciar e decidir

acerca dos pedidos ilegais dos Réus.

3. DIREITO

3.1. DIREITOS FUNDAMENTAIS: SAÚDE E MEIO AMBIENTE

A Constituição Federal alicerça a República Federativa do Brasil em

fundamentos que devem balizar a interpretação jurídica e a imposição de responsabilidades

ao Poder Público e à coletividade em geral, destacando-se a cidadania, a dignidade da pessoa

humana, conforme consta do art. 1º.

Há, também, no art. 3º da Constituição Federal, objetivos que devem ser buscados

incessante e indistintamente por todos, a exemplo da construção de uma sociedade livre, justa

e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução de desigualdades sociais

e regionais. Enfim, a promoção do bem de todos, indiscriminadamente.22/90

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O princípio da isonomia, que ilumina o rol de direitos e garantias individuais,

prevê que há de se respeitar a propriedade privada, mas, com mesma intensidade, impõe que a

propriedade privada atenderá sua função social e o Estado promoverá a defesa do

consumidor, nos termos do art. 5º, XXII, XXIII e XXXII, da Constituição Federal.

Revelando-se a Constituição Federal delineadora de um Estado Democrático

fundado no regime capitalista de exploração da atividade econômica há expressa

preocupação em exigir dos empreendedores, públicos ou privados, o cumprimento da função

social da propriedade e dos princípios de defesa do meio ambiente e do consumidor, nos

termos do art. 170, incs. III, V e VI, da Constituição Federal.

A defesa e a promoção do direito fundamental à saúde ganha contornos

compatíveis com a relevância que este bem difuso possui para a existência digna da pessoa

humana, vindo o art. 196 da Constituição Federal exaltando que a saúde é direito de todos

(destacamos):

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

No art. 200, incs. I, II, IV, VI e VIII, da Constituição Federal se encontram

algumas das atribuições dor órgãos integrantes do sistema único de saúde, saltando em

importância, dentre outras, as ações de vigilância sanitária e a execução de ações de

saneamento básico, a fiscalização e inspeção de alimentos, a exemplo da água para

consumo humano, bem como e a proteção do meio ambiente (destacamos):

Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; [...]IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; [...]VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano; [...]VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.

De se concluir, portanto, de uma breve análise dos dispositivos acima, que o

saneamento básico é um dos aspectos essenciais para a concretização do direito fundamental à

saúde, notadamente com relação à água para consumo humano.

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O direito fundamental ao meio ambiente ganha relevância quando se sabe que a

água para consumo humano é extraída de reservas subterrâneas (lençol freático, aquíferos

etc.) ou superficiais (cursos d’água, rios etc.), devendo-se garantir a quantidade e a qualidade

da água compatibilizando com a defesa dos recursos ambientais, conforme anseia o art. 225

da Constituição Federal (destacamos):

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Finalmente, outorgando grau necessário de concretude aos direitos fundamentais à

saúde e ao meio ambiente vem a Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente)

que, em seu art. 3º, incs. I, II, III, IV e V, reconhece e implica reciprocamente tais direitos,

notadamente quando reconhece que se entende por poluição os efeitos negativos das

atividades que, direta ou indiretamente, prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar

da população, bem como afetem as condições sanitárias do meio ambiente (destacamos):

Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente;III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;c) afetem desfavoravelmente a biota;d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;V - recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.

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Confirmando tal assertiva o Professor Titular do Instituto de Geociência da

Universidade de São Paulo, Aldo da Cunha Rebouças, sintetiza que (Proteção dos Recursos

Hídricos. In: Édis Milaré e Paulo Affonso Leme Machado (org.). Doutrinas Essenciais

Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, v. II, n. 1, p. 32) (destacamos):

O fato é que a falta de saneamento básico no Brasil – oferta regular de água, coleta e tratamento de esgotos e coleta e deposição adequada do lixo que se produz nas cidades, principalmente – é um dos mais importantes problemas de recursos hídricos e significativo gerador de doenças que afetam, principalmente, a população mais pobre e um dos mais fortes impedimentos ao desenvolvimento do País com justiça social.

A Organização das Nações Unidas (ONU) declarou o saneamento básico,

portanto, água tratada e esgoto tratado, como direitos essenciais do ser humano,

conforme noticiam Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer (Direito Constitucional

Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 116/117 e 119) (destacamos):

A Assembleia Geral da ONU, em 26 de julho de 2010, declarou o reconhecimento do ‘direito à água potável e ao saneamento como um direito humano essencial para o pleno desfrute da vida e de todos os direitos humanos’. No conteúdo da declaração em comento, resulta de fácil apreensão a interdependência e indivisibilidade que deve permear o tratamento dos direitos humanos – e o mesmo vale para os direitos fundamentais. Assim, o direito humano – e fundamental – à água potável e ao saneamento básico cumpre papel elementar não apenas para o resguardo do seu próprio âmbito de proteção e conteúdo, mas também para o gozo e o desfrute dos demais direitos humanos (liberais, sociais e ecológicos). E, nesse sentido, a relação entre saneamento básico e proteção do ambiente resulta sobremaneira evidenciada, uma vez que a ausência de, por exemplo, redes de tratamento de esgoto em determinada localidade resulta não apenas em violação ao direito à água potável e ao saneamento básico do indivíduo e da comunidade como um todo, mas também reflete de forma direta também no direito a viver em um ambiente sadio, equilibrado e seguro, dada a poluição ambiental que estará subjacente a tal omissão e violação perpetrada pelo ente estatal. [...] o reconhecimento, no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, de um direito fundamental ao saneamento básico, através de uma interpretação extensiva do direito fundamental à saúde, mas principalmente, do direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado.

No mesmo sentido Ana Paula de Barcellos apresenta dados sobre a importância

do saneamento básico enquanto parte integrante do mínimo existencial da pessoa humana

(A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa

humana. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 334) (destacamos):

Algumas informações sobre a importância do assunto serão particularmente úteis. Estima-se que 80% das doenças e mais 1/3 da taxa de mortalidade mundiais decorram de má qualidade da água utilizada pela população ou da falta de esgotamento sanitário adequado. Trata-se de doenças como hepatite A,

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dengue, cólera, infecções intestinais, dentre outras, que afetam particularmente crianças de até 5 (cinco) anos. [...] Desde meados da década de 80, a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera o saneamento como a medida prioritária em termos de saúde pública mundial, até porque, de acordo com essa instituição, US$ 1 investido em saneamento representa uma economia de US$ 5 em gastos com prestações de saúde curativas.

Por fim, frise-se as antigas e sempre atuais lições de José Afonso da Silva (Direito

Ambiental Constitucional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 54):

O objeto de tutela jurídica não é tanto o meio ambiente considerado nos seus elementos constitutivos. O que o direito visa proteger é a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida. Pode-se dizer que há dois objetos de tutela, no caso: um imediato, que é a qualidade do meio ambiente, e outro mediato, que é a saúde, o bem-estar e a segurança da população, que se vêm sintetizando na expressão qualidade de vida.

Sem sombras de dúvidas que o meio ambiente e a saúde humana estão

umbilicalmente relacionados, devendo ambos ser considerados nas relações sociais e

econômicas para, sobretudo, não permitir que os valores protegidos por tais direitos

fundamentais sejam aviltados, expostos à riscos ou a danos.

E uma das formas de se garantir a higidez ambiental e sanitária nas áreas

habitadas, especialmente nas áreas urbanas, é o acesso à água tratada e esgotamento sanitário

para tratamento. Tal garantia, contudo, depende da adesão de todos, indistintamente.

3.2. SANEAMENTO: DEVER DE CONEXÃO ÀS REDES PÚBLICAS

E é justamente com vistas à concretização destes direitos fundamentais que

o legislador brasileiro vem, há décadas, editado normas e aperfeiçoando o sistema de

regulação e de controle dos recursos hídricos.

Especificamente com relação à água tratada e ao esgotamento sanitário para

tratamento os legisladores federal, estadual e municipal vêm reiteradamente exigindo que as

edificações urbanas estejam conectadas às redes públicas mencionadas, bem como que haja

efetiva utilização e consumo dos produtos e serviços prestados. Vejamos.

3.2.1. Lei nº 11.445/2007 (Saneamento Básico)

A definição do que se deve compreender por saneamento básico vem positivada

no art. 3º da Lei nº 11.445/2007 (Saneamento Básico), que se trata de marco regulatório do

saneamento básico. Ao específico interesse desta ação civil pública interessam

abastecimento de água potável e ao esgotamento sanitário para tratamento, a saber 26/90

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(destacamos):

Art. 3o  Para os efeitos desta Lei, considera-se:I - saneamento básico: conjunto de serviços, infra-estruturas e instalações operacionais de:a) abastecimento de água potável: constituído pelas atividades, infra-estruturas e instalações necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação até as ligações prediais e respectivos instrumentos de medição;b) esgotamento sanitário: constituído pelas atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até o seu lançamento final no meio ambiente;c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: conjunto de atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de logradouros e vias públicas;d) drenagem e manejo das águas pluviais urbanas: conjunto de atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de drenagem urbana de águas pluviais, de transporte, detenção ou retenção para o amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição final das águas pluviais drenadas nas áreas urbanas; [...]

Com a edição da Lei nº 11.445/2007 (Saneamento Básico) há reafirmação de

obrigações já previstas em outros textos normativos estaduais e municipais, a saber:

obrigatoriedade da conexão às redes públicas de água tratada e esgotamento sanitário

para tratamento, nos termos do art. 45, §§ 1º e 2º, que (destacamos):

Art. 45.  Ressalvadas as disposições em contrário das normas do titular, da entidade de regulação e de meio ambiente, toda edificação permanente urbana será conectada às redes públicas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário disponíveis e sujeita ao pagamento das tarifas e de outros preços públicos decorrentes da conexão e do uso desses serviços.§ 1º Na ausência de redes públicas de saneamento básico, serão admitidas soluções individuais de abastecimento de água e de afastamento e destinação final dos esgotos sanitários, observadas as normas editadas pela entidade reguladora e pelos órgãos responsáveis pelas políticas ambiental, sanitária e de recursos hídricos.§ 2º A instalação hidráulica predial ligada à rede pública de abastecimento de água não poderá ser também alimentada por outras fontes.

A determinação legal contida neste dispositivo pode ser assim sintetizada:

a) é proibida a utilização de poços e de fossas (sistemas alternativos) se houver

disponibilidade de redes públicas de fornecimento de água tratada e de esgotamento

sanitário para tratamento;

b) é obrigatória a efetiva conexão dos imóveis urbanos permanentes às redes públicas de

fornecimento de água tratada e de esgotamento sanitário para tratamento;

c) é proibido que a instalação hidráulica interna dos imóveis urbanos receba água

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proveniente da rede pública e do poço (sistema alternativo).

Mas, para quem imagina que a mencionada lei federal é uma inovação legislativa,

a ponto de se invocar que houve repentina modificação do quadro regulatório, é bom que se

diga há décadas outros textos normativos vigentes contêm as obrigações de fazer e de

não fazer acima mencionadas. Vejamos.

3.2.2. Lei Estadual nº 1.293/1992 (Código Sanitário Estadual)

A Lei Estadual nº 1.293/1992 (Código Sanitário Estadual) nos arts. 56, 65 e 66

determina a obrigatoriedade da conexão e da utilização de água tratada e de destinação

do esgoto para tratamento (destacamos):

Art. 56. É obrigatória a ligação de toda construção considerada habitável à rede pública de abastecimento de água, na forma prevista da legislação federal e estadual e demais normas complementares.1º. Quando não existir rede pública de abastecimento de água, fica o proprietário responsável pela adoção de processos adequados, observadas as determinações estabelecidas pelo órgão Estadual de Saúde e, em casos omissos, a autoridade sanitária indicará as medidas adequadas a serem executadas.2º. É obrigação do proprietário do imóvel, a execução de adequadas instalações domiciliares de abastecimento de água potável, cabendo ao ocupante do imóvel a necessária conservação.

Art. 64. Com o objetivo de contribuir para a elevação dos níveis de saúde da população e reduzir a contaminação do meio ambiente, serão instalados, pelo Poder Público estadual e municipal, diretamente ou em regime de acordo com os órgãos Federais competentes, sistemas de esgotos sanitários nas zonas urbanas.

Art. 65. Deverá ser dado destino adequado aos dejetos humanos através de sistemas de esgotos, ou de sistemas alternativos tecnicamente aprovados, com o objetivo de evitar contato com o homem, as águas de abastecimento, os alimentos e os vetores, proporcionando, ao mesmo tempo, hábitos de higiene.

Art. 66. Os esgotos sanitários nas edificações de qualquer natureza, mormente das localizadas nas zonas urbanas deverão ter a sua ligação à rede pública de coletores de esgoto.1º. Quando não existir a rede coletora de esgotos, a autoridade sanitária competente determinará medidas adequadas e fiscalizará a execução. 2º. Fica proibido qualquer ligação da rede de esgotos com a rede de captação de águas pluviais.

3.2.3. Lei Municipal nº 2.909/1992 (Código de Polícia Administrativa de Campo Grande-MS)

A Lei Municipal nº 2.909/1992 (Código de Polícia Administrativa de Campo

Grande-MS) impõe no art. 61 que (destacamos):

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Art. 61. Toda edificação, será ligada a rede pública de abastecimento de água e a coletor público de esgoto, sempre que existente, em conformidade com as normas técnicas especificas, do órgão competente.

Enfim, os textos normativos acima transcritos impõem, sem qualquer dúvida, que

havendo disponibilidade das mencionadas redes públicas é obrigatória a conexão e

utilização dos serviços, vedando-se a utilização de poços e fossas (sistemas alternativos).

Da análise dos textos normativos pertinentes se conclui que a questão jurídica do

saneamento básico vem sendo tratada há décadas no Brasil, sempre na finalidade de promover

a conexão dos imóveis às redes públicas de água tratada e de esgotamento sanitário para

tratamento. E não só: trata-se de exigir a efetiva utilização de tais serviços públicos com

vistas à proteção da saúde humana e do meio ambiente.

A doutrina em obra coordenada por Toshio Mukai há comentário preciso a

respeito da obrigatoriedade da conexão às redes de água tratada e de esgotamento

sanitário para tratamento, valendo transcrever e chamar atenção para as mencionadas

vantagens sociais (MUKAI, Ana Cândida de Mello Carvalho. In: Saneamento Básico:

diretrizes gerais comentários à Lei nº 11.445 de 2007. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.

91-94):

A oferta de serviço público de saneamento gera um benefício coletivo para a população, benefício este que supera o benefício individual trazido para o usuário. Do mesmo modo, o contrário é, também, verdadeiro: o prejuízo coletivo da não utilização dos serviços de saneamento colocados à disposição do usuário é imensamente maior do que o prejuízo individual de cada usuário que deixa de utilizá-lo. Especialmente quando o assunto é saneamento básico e envolve a questão da saúde pública, os efeitos coletivos são tão significativos que superam o benefício individual dos usuários, e é exatamente isto que justifica a compulsoriedade de conexão à rede de água e esgoto. Assim, a compulsoriedade de utilização destes serviços se deve ao fato de se tratar aqui de serviços essenciais e indivisíveis, de indiscutível utilidade pública. [...] Conclui-se, portanto, que não há qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade neste dispositivo ao determinar a obrigatoriedade de conexão ao sistema de saneamento básico.

No mesmo sentido Édis Milaré (Direito do Ambiente. 7. ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2011, p. 792-793) (destacamos):

Como ponto de destaque, nota-se a regra da obrigatoriedade de que toda edificação permanente urbana seja conectada às redes públicas de abastecimento e de esgotamento sanitário (art. 45), incorporando regramento de diversas normas sanitárias. Não obstante, é estabelecido também que a instalação hidráulica ligada à rede pública de abastecimento (art. 45, § 2.º). As regras são importantes e se direcionam à preservação do meio ambiente e segurança do sistema público.

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E, ainda, Édis Milaré comemora a edição do texto normativo apontando suas

vantagens em relação à proteção do meio ambiente e da saúde humana (ob. cit, p. 767)

(destacamos):

[...] uma das mais relevantes políticas de âmbito nacional teve a sua ‘certidão de nascimento’ estampada na Lei 11.445, no dia 5 de janeiro de 2007 [...] Sim, trata-se de um novo período de esperanças fundamentadas, apontando caminhos para a solução de uma velha problemática nacional ligada visceralmente às perspectivas de desenvolvimento com sustentabilidade. Na verdade, essa solução – ao mesmo tempo nova e antiga – volta-se para a saúde pública, passando previamente pela saúde ambiental. A Lei do Saneamento Básico é, sem dúvida, uma pedra infraestrutural na construção de um bem-estar mais completo e sadio para a comunidade nacional.

Assim, diante da importância vital para o bem-estar da comunidade que deve

gozar de níveis mais elevados de saúde pública e acessar os bens ambientais com compatíveis

padrões de preservação e conservação, o Ministério da Saúde editou a Portaria nº 2.914/2011.

3.2.4. Portaria nº 2.914/2011 do Ministério da Saúde

A Lei nº 11.445/2007 (Saneamento Básico) vem regulamentada pelo Decreto nº

7.217/2010 e que outorgam fundamento de validade para regulamentos do Ministério da

Saúde, o que pode ser exemplificado pelo art. 5º e § 1º (destacamos):

Art. 5º O Ministério da Saúde definirá os parâmetros e padrões de potabilidade da água, bem como estabelecerá os procedimentos e responsabilidades relativos ao controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano.§ 1o  A responsabilidade do prestador dos serviços públicos no que se refere ao controle da qualidade da água não prejudica a vigilância da qualidade da água para consumo humano por parte da autoridade de saúde pública.

O Decreto nº 7.217/2010 traz algumas definições relevantes, a exemplo daquelas

contidas nos art. 2º, a saber:

III - fiscalização: atividades de acompanhamento, monitoramento, controle ou avaliação, no sentido de garantir o cumprimento de normas e regulamentos editados pelo poder público e a utilização, efetiva ou potencial, do serviço público; [...]XXIII - água potável: água para consumo humano cujos parâmetros microbiológicos, físicos e químicos atendam ao padrão de potabilidade estabelecido pelas normas do Ministério da Saúde;XXIV - sistema de abastecimento de água: instalação composta por conjunto de infraestruturas, obras civis, materiais e equipamentos, destinada à produção e à distribuição canalizada de água potável para populações, sob a responsabilidade do Poder Público;

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XXV - soluções individuais: todas e quaisquer soluções alternativas de saneamento básico que atendam a apenas uma unidade de consumo;XXVI - edificação permanente urbana: construção de caráter não transitório, destinada a abrigar atividade humana;XXVII - ligação predial: derivação da água da rede de distribuição ou interligação com o sistema de coleta de esgotos por meio de instalações assentadas na via pública ou em propriedade privada até a instalação predial; [...]

O Ministério da Saúde editou a Portaria nº 2.914/2011, que dispõe sobre os

procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu

padrão de potabilidade, regulamentando o Decreto nº 7.217/2010 e a Lei nº 11.445/2007.

Algumas definições relevantes para o caso em apreço vêm previstas no art. 5º da

Portaria nº 2.914/2011, notadamente aquela que define água para consumo humano, a saber

(destacamos):

Art. 5º. Para fins desta Portaria, são adotadas as seguintes definições:I – água para consumo humano: água potável destinada à ingestão, preparação e produção de alimentos e à higiene pessoal, independentemente de sua origem.II - água potável: água que atenda ao padrão de potabilidade estabelecido nesta Portaria e que não ofereça riscos à saúde;III - padrão de potabilidade: conjunto de valores permitidos como parâmetro da qualidade da água para consumo humano, conforme definido nesta Portaria; [...]VII - solução alternativa coletiva de abastecimento de água para consumo humano: modalidade de abastecimento coletivo destinada a fornecer água potável, com captação subterrânea ou superficial, com ou sem canalização e sem rede de distribuição; [...]IX - rede de distribuição: parte do sistema de abastecimento formada por tubulações e seus acessórios, destinados a distribuir água potável, até as ligações prediais;X - ligações prediais: conjunto de tubulações e peças especiais, situado entre a rede de distribuição de água e o cavalete, este incluído; [...]XVI - vigilância da qualidade da água para consumo humano: conjunto de ações adotadas regularmente pela autoridade de saúde pública para verificar o atendimento a esta Portaria, considerados os aspectos socioambientais e a realidade local, para avaliar se a água consumida pela população apresenta risco à saúde humana; [...]

Dentre vários comandos se destacam aqueles dirigidos às Secretarias

Municipais de Saúde, precisamente o dever de exercer a vigilância sanitária da qualidade

da água e não tolerar o uso de água de poços (solução alternativa) quando houver

disponibilidade de rede pública de distribuição de água, nos termos do art. 12, inc. I, e

parágrafo único da Portaria nº 2.914/2011 (destacamos):

Art. 12. Compete às Secretarias de Saúde dos Municípios:I – exercer a vigilância da qualidade da água em sua área de competência, em articulação com os responsáveis pelo controle da qualidade da água para consumo humano; [...]

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Parágrafo único. A autoridade municipal de saúde pública não autorizará o fornecimento de água para consumo humano, por meio de solução alternativa coletiva, quando houver rede de distribuição de água, exceto em situação de emergência e intermitência.

Portanto, no caso de hotéis, bares, restaurantes e similares, escolas, hospitais,

bem como de qualquer empreendimento que utilize água na ingestão, na preparação e

produção de alimentos e na higiene pessoal, a autoridade sanitária municipal não deve

autorizar ou tolerar a utilização de poço (solução alternativa coletiva) para fornecimento

de água para consumo humano, quando houver rede de distribuição de água.

Havendo disponibilidade de redes públicas de água tratada e de esgotamento

sanitário para tratamento a conexão às respectivas redes são obrigatórias. E não somente a

conexão, mas, sim a efetiva utilização e consumo da água tratada (produto) e do

esgotamento sanitário para tratamento (serviços).

3.3. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE FISCALIZAÇÃO

O Poder Público, neste caso o Réu MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE,

descumpre a Lei nº 11.445/2007 (Lei do Saneamento Básico), a Lei Estadual nº 1.293/1992

(Código Sanitário Estadual), a Lei Municipal nº 2.909/1992 (Código de Polícia

Administrativa de Campo Grande-MS) e a Portaria nº 2.914/2011 do Ministério da Saúde

(Dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para

consumo humano e seu padrão de potabilidade).

Evidente descumprimento se apresenta na ausência de fiscalização sobre as

atividades econômicas que, de qualquer modo, utilizem recursos ambientais para insumo de

produção ou consumo final. E como vem comprovado na ação civil pública o Réu

MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE somente realizou a fiscalização depois de

provocado pelo Ministério Público.

E mais: o Réu se limitou a expedir autos de infração pela constatação das

irregularidades ambientais e sanitárias. Não houve sequer referência durante a fiscalização ou

em momento posterior de exigência de paralisação da atividade de captação e distribuição

de água proveniente de poço irregular (tamponamento técnico). Portanto, fez muito menos

do que deveria.

Acresça-se que a atuação do Réu MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE foi

limitada e incompleta, o que avilta o princípio constitucional da eficiência, uma vez que a

Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano (SEMADUR) mesmo

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havendo constatado irregularidade sanitária não comunicou a Secretaria Municipal de Saúde

Pública (SESAU) para as providências da Lei Complementar Municipal nº 148/2009 (Código

Sanitário Municipal): poder de polícia sanitário.

3.3.1. Lei Complementar Municipal nº 148/2009 (Código Sanitário Municipal): Poder de polícia

Além da legislação municipal acima referida há a Lei Complementar Municipal nº

148/2009 (Código Sanitário Municipal) dispõe nos arts. 19 e 21 que a autoridade sanitária

competente tem o poder de fiscalizar sistemas de abastecimento de água e de coleta de

esgoto, públicos ou privados, individuais ou coletivos (destacamos):

Art. 19. Todo e qualquer sistema de abastecimento de água, seja público ou privado, individual ou coletivo, está sujeito à fiscalização das autoridades sanitárias competentes, em todos os aspectos que possam afetar a saúde pública.

Art. 21. Todo e qualquer sistema de esgotamento sanitário, seja público ou privado, individual ou coletivo, está sujeito à fiscalização das autoridades sanitárias competentes, em todos os aspectos que possam afetar a saúde pública.

Ainda na Lei Complementar Municipal nº 148/2009 (Código Sanitário

Municipal), no art. 117, inc. X, consta explicitamente que a competência para a fiscalização

é reservada à autoridade sanitária que deterá o poder de polícia (destacamos):

Art. 117. A fiscalização sanitária dos produtos e estabelecimentos de interesse da saúde, será exercida pelos órgãos competentes da secretaria municipal de saúde pública.Parágrafo único. A Autoridade Sanitária investida das suas funções fiscalizadoras, com designação específica para inspeção, fiscalização, autuação e outros relativos ao poder de polícia, terão as atribuições e gozarão das seguintes prerrogativas: [...]X – ingressar em todas as habitações particulares ou coletivas, prédios ou estabelecimentos de qualquer espécie, ou em terrenos, cultivados ou não, lugares e logradouros públicos, e neles exigir a observância das leis e regulamentos que se destinem à promoção, proteção e recuperação da saúde, inclusive para averiguação sanitária, respeitadas as formalidades legais vigentes.

Evidente, portanto, que o Réu MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE não atuou

eficientemente, deixando de promover providências concretas para a cessação da prática

ilegal adotada pelos demais Réus.

Conclui-se, assim, que tanto do ponto de vista sanitário quanto do ambiental e das

relações de consumo os Réus praticam infrações ambientais e sanitárias que deveriam cumprir

ou fazer cumprir. Na perspectiva sanitária não houve a adequada atuação do Poder Público na

cessação da ilegalidade. Com relação ao aspecto ambiental relacionado aos recursos hídricos

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tanto o Poder Público quanto os demais Réus infringiram deveres de racionalização e uso

parcimonioso da água.

3.4. DEVER DE FISCALIZAÇÃO E RACIONALIZAÇÃO DO USO DA ÁGUA

3.4.1. Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente): fiscalização e racionalização do uso da água

A Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente), precisamente no

parágrafo único do art. 5º reza que (destacamos):

Art. 5º. As diretrizes da Política Nacional do Meio Ambiente serão formuladas em normas e planos, destinados a orientar a ação dos Governos da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios no que se relaciona com a preservação da qualidade ambiental e manutenção do equilíbrio ecológico, observados os princípios estabelecidos no art. 2º desta Lei.Parágrafo único. As atividades empresariais públicas ou privadas serão exercidas em consonância com as diretrizes da Política Nacional do Meio Ambiente.

Esta cristalina disposição legal alcança todas as atividades e intervenções

humanas que possam, de qualquer forma, direta ou indiretamente, causar poluição. Sem

prejuízo desta afirmação, a disposição do parágrafo único do art. 5º da Lei nº 6.938/1981

(Política Nacional do Meio Ambiente) está implicada com o bem ambiental assegurado no art.

225 da Constituição Federal, logicamente.

No caso de todos os Réus há descumprimento de princípios da Lei nº 6.938/1981

(Política Nacional do Meio Ambiente), notadamente a racionalização do uso da água e a

fiscalização do uso de recursos ambientais, dentre aqueles expressamente inscritos no art. 2º

(destacamos):

Art. 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo; II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar; III - planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais; IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas; V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras; VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais;

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VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental; VIII - recuperação de áreas degradadas;IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação; X - educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente.

Não há dúvida, portanto, que os recursos hídricos, enfim, a água, devem ser

fiscalizados pelo Poder Público, que deverá zelar pelo adequado acesso e uso, vedando-se

utilizações contrárias às leis e regulamentos. A racionalização do uso deste recurso ambiental

é obrigação de todos, Poder Público e coletividade, nas atividades privadas e naquelas de

natureza econômica.

A fiscalização e a racionalização já previstas na Lei nº 6.938/1981 (Política

Nacional do Meio Ambiente) há décadas se justificam pelo reconhecimento de fato da água

como recurso ambiental limitado. Tal fato, na atualidade, é reconhecido legalmente pela Lei

nº 9.433/1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos), que considera a água como um

recursos ambiental de domínio público, limitado e dotado de valor econômico.

3.4.2. Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos): água é bem de domínio público, limitado e dotado de valor econômico

O art. 1º, inc. II, da Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos)

explicita como um de seus fundamentos que a água é bem de domínio público, limitado e

dotado de valor econômico (destacamos):

Art. 1º A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes fundamentos:I - a água é um bem de domínio público;II - a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico; [...]

Atente-se para o fato de que com a Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional de

Recursos Hídricos) houve a derrogação do Decreto nº 14.643/34 (Código de Águas), que já

não houve recepção pela Constituição Federal. Diante desta não recepção houve a extinção

da possibilidade da apropriação ou manutenção do recurso hídrico como patrimônio

privado. Enfim, atualmente, o recurso hídrico e a água são bens públicos e, por isso, devem

ser protegidos da apropriação privada (STJ, REsp 994.120).

Ademais, não se olvide que nos termos do art. 225 da Constituição Federal a água

é declarada recurso ambiental, autêntico bem de uso comum do povo em razão de ser

essencial à sadia qualidade de vida, fundamental à vida digna. Trata-se, portanto, de

aspecto concretizador do preconizado no art. 1º, inc. III, da Constituição Federal, conforme

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aponta Clarissa Ferreira Macedo D’Isep (Água Juridicamente Sustentável. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010, p. 124).

3.4.3. Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos): dever do Município em exigir a tamponamento dos poços (encerramento definitivo)

A respeito da interpretação sistemática dos textos normativos referidos o

Superior Tribunal de Justiça decide com precisão de que a fiscalização do Poder Público

deve ter em vista proteção da saúde humana e do meio ambiente, coibindo-se a perfuração e a

utilização de poços de captação de água subterrânea para consumo humano.

A respeito da proibição de utilização de poços para captação de água

subterrânea para consumo humano já foi decidida pelo Superior Tribunal de Justiça que,

dando provimento a recurso especial aviado pelo Ministério Público, determinou a lacração

de poço utilizado por condomínio residencial (destacamos):

ADMINISTRATIVO. POÇO ARTESIANO IRREGULAR. FISCALIZAÇÃO. OBJETIVOS E PRINCÍPIOS DA LEI DA POLÍTICA NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS (LEI 9.433⁄97). COMPETÊNCIA COMUM DO MUNICÍPIO. [...]6. A Lei 9.433⁄97, adotada pelo Tribunal de Justiça em suas razões de decidir, aponta claramente a competência dos Municípios para a gestão dos recursos hídricos (art. 1º, VI) e para a “integração das políticas locais de saneamento básico, de uso, ocupação e conservação do solo e de meio ambiente com as políticas federais e estaduais de recursos hídricos” (art. 31).7. Os arts. 1º, VI, e 31 da Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos devem ser interpretados sob o prisma constitucional, que fixa a competência comum dos Municípios, relativa à proteção do meio ambiente e à fiscalização da exploração dos recursos hídricos (art. 23, VI e XI, da Constituição).8. A Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos significou notável avanço na proteção das águas no Brasil e deve ser interpretada segundo seus objetivos e princípios.9. Três são os objetivos dorsais da Lei 9.433⁄97, todos eles com repercussão na solução da presente demanda: a preservação da disponibilidade quantitativa e qualitativa de água, para as presentes e futuras gerações; a sustentabilidade dos usos da água, admitidos somente os de cunho racional; e a proteção das pessoas e do meio ambiente contra os eventos hidrológicos críticos, desiderato que ganha maior dimensão em época de mudanças climáticas.10. Além disso, a Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos apoia-se em uma série de princípios fundamentais, cabendo citar, entre os que incidem diretamente no litígio, o princípio da dominialidade pública (a água, dispõe a lei expressamente, é bem de domínio público), o princípio da finitude (a água é recurso natural limitado) e o princípio da gestão descentralizada e democrática.11. As águas subterrâneas são “recurso ambiental”, nos exatos termos do art. 3º, V, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938⁄81), o que obriga o intérprete, na solução de litígios associados à gestão de recursos

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hídricos, a fazer uma leitura conjunta dos dois textos legais, em genuíno exercício de diálogo das fontes.12. É evidente que a perfuração indiscriminada e desordenada de poços artesianos tem impacto direto no meio ambiente e na disponibilidade de recursos hídricos para o restante da população, de hoje e de amanhã. Feita sem controle, também põe em risco a saúde pública, por ausência de tratamento, quando for de rigor.13. Em síntese, o Município tem competência para fiscalizar a exploração de recursos hídricos, superficiais e subterrâneos, em seu território, o que lhe permite, por certo, também coibir a perfuração e exploração de poços artesianos, no exercício legítimo de seu poder de polícia urbanístico, ambiental, sanitário e de consumo.14. Recurso Especial provido. (STJ, 2ª T., rel. Herman Benjamin, REsp 994120/RS, 25.08.2009, DJe 27.04.2011)

Assim, o Réu MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE tem competência e,

portanto, dever de coibir a perfuração de poços visando à defesa da saúde e do meio

ambiente.

Não há qualquer dúvida de que onde houver disponibilidade de rede pública de

abastecimento de água tratada o Réu MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE deve

combater a perfuração de poços e a utilização de água deles provenientes, uma vez que se

trata de atividade e uso vedados pela Lei nº 11.445/2007 (Saneamento Básico) e pela Portaria

nº 2.914/2011 do Ministério da Saúde, sem prejuízo da legislação estadual e municipal já

referidas.

3.4.4. Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos): a outorga de direito de uso de recurso hídrico. Pressuposto. Jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça

O art. 5º, incs. III e IV, da Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional de Recursos

Hídricos) explicita dois importantes instrumentos, quais sejam a outorga e a cobrança pelo

uso (destacamos):

Art. 5º São instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos: [...]III - a outorga dos direitos de uso de recursos hídricos;IV - a cobrança pelo uso de recursos hídricos;

Os arts. 11 e 12 da Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos)

afirmam que a outorga de direito de uso de recursos hídrico é pressuposto para a captação de

água, subterrânea ou superficial (destacamos):

Art. 11. O regime de outorga de direitos de uso de recursos hídricos tem como objetivos assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água.

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Art. 12. Estão sujeitos a outorga pelo Poder Público os direitos dos seguintes usos de recursos hídricos: [...]II - extração de água de aquífero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo produtivo; [...]

O Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência pacífica a respeito da

outorga de uso de recurso hídrico ser pressuposto para a captação de água (AgRg no

AREsp 324.232) (No mesmo sentido: AgRg no REsp 1.352.664, REsp 1.276.689, AgRg no

AgRg no REsp 1.185.670, RMS 29.965, RMS 20765):

ADMINISTRATIVO. EXPLORAÇÃO DE ÁGUAS SUBTERRÂNEAS POR MEIO DE POÇO ARTESIANO. NECESSIDADE DE OUTORGA. PRECEDENTES. SÚMULA 83/STJ. ANÁLISE DE LEI LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. ÓBICE DA SÚMULA 280/STF. AGRAVO CONHECIDO. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.4. A jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido de que "o inciso II do art. 12 da Lei n. 9.433/97 é claro ao determinar a necessidade de outorga para a extração de água do subterrâneo. Restrição essa justificada pela problemática mundial de escassez da água e que se coaduna com o advento da Constituição de 1988, que passou a considerar a água um recurso limitado, de domínio público e de expressivo valor econômico". (AgRg no AgRg no REsp 1185670/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 6.9.2011). Precedentes. Súmula 83/STJ. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 324.232/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/06/2013, DJe 28/06/2013).

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. EXPLORAÇÃO DE ÁGUAS SUBTERRÂNEAS POR MEIO DE POÇO ARTESIANO. NECESSIDADE DE OUTORGA.1. Quanto à aludida afronta aos artigos 12 e 20 da Lei Federal n. 9.433/1997 e 45 da Lei n. 11.445/2007, esta Corte possui posicionamento no sentido de que "o inciso II do art. 12 da Lei n. 9.433/97 é claro ao determinar a necessidade de outorga para a extração de água do subterrâneo. Restrição essa justificada pela problemática mundial de escassez da água e que se coaduna com o advento da Constituição de 1988, que passou a considerar a água um recurso limitado, de domínio público e de expressivo valor econômico." [...]3. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1352664/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/05/2013, DJe 20/05/2013).

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. EXPLORAÇÃO DE ÁGUAS SUBTERRÂNEAS ATRAVÉS DE POÇO ARTESIANO. NECESSIDADE DE OUTORGA. [...]2. Requer o recorrente a vedação da utilização de águas subterrâneas para consumo e higiene humanos sem que haja outorga da Administração. [...]4. Esta Corte possui posicionamento no sentido de que "o inciso II do art. 12 da Lei n. 9.433/97 é claro ao determinar a necessidade de outorga para a extração de água do subterrâneo. Restrição essa justificada pela problemática mundial de escassez da água e que se coaduna com o advento da Constituição de 1988 , que passou a considerar a água um recurso limitado, de domínio público e de

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expressivo valor econômico" (AgRg no AgRg no REsp 1185670/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 6.9.2011).5. Recurso especial parcialmente provido. (STJ, 2ª T., rel. Mauro Campbell Marques, REsp 1276689/RJ, 06.12.2011, DJe 13.12.2011).

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. EXPLORAÇÃO DE ÁGUAS SUBTERRÂNEAS ATRAVÉS DE POÇO ARTESIANO. NECESSIDADE DE OUTORGA.1. O inciso II do art. 12 da Lei n. 9.433/97 é claro ao determinar a necessidade de outorga para a extração de água do subterrâneo. Restrição essa justificada pela problemática mundial de escassez da água e que se coaduna com o advento da Constituição de 1988, que passou a considerar a água um recurso limitado, de domínio público e de expressivo valor econômico.2. É defeso ao Poder Judiciário se imiscuir na seara administrativa dos órgãos vinculados ao Poder Executivo, para, sobrepondo-se a esses órgãos, emitir provimento judicial para a regularização de poço artesiano.3. O art. 257 do RISTJ é claro ao consignar que, no julgamento do apelo nobre, esta Corte deve aplicar o direito à espécie.4. Agravo regimental não provido. (AgRg no AgRg no REsp 1185670/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/09/2011, DJe 06/09/2011).

PROCESSUAL CIVIL - ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA - CAPTAÇÃO DE RECURSOS HÍDRICOS - OUTORGA - NÃO COMPROVAÇÃO - FALTA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA - ATRIBUIÇÃO DO PODER EXECUTIVO - DILAÇÃO PROBATÓRIA - DESCABIMENTO.1. A Lei 9.433/97, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, estipula que a exploração de recursos hídricos está sujeita a outorga pelo Poder Público (art. 12), de modo que somente se legitima a questionar judicialmente, em mandado de segurança, ato da autoridade pública que visa impedir a captação de água, quem é detentor de outorga do Poder Público para a referida exploração.2. A inexistência de comprovação, no ato da impetração, da referida outorga impede o exame de eventual direito líquido e certo do impetrante à captação de recursos hídricos, uma vez que o mandado de segurança pressupõe a juntada aos autos de prova pré-constituída do direito alegado, não podendo haver dilação probatória, nessa via.3. A concessão da outorga não pode ser conferida pelo Poder Judiciário, em sede de mandado de segurança, pois, nos termos do art. 14 da citada Lei, a competência de tal ato é atribuída exclusivamente a autoridade do Poder Executivo Federal, Estadual ou Distrital. Ademais, os requisitos para essa concessão não podem ser aferidos nesta seara processual, que sequer admite dilação probatória.4. Recurso especial improvido. (RMS 20.765/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/02/2007, DJ 20/06/2007, p. 226).

Não há dúvida, portanto, que se a outorga de uso de recurso hídrico se constitui

em autêntico pressuposto.

E se trata de pressuposto de fato e de Direito assim entendido pelo léxico como

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sendo “circunstância ou fato em que se considera um antecedente necessário de outro”

(HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.

Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 2293).

Para De Plácido e Silva pressuposto é “o que deve vir antes, ou é natural que

antes se verificasse”, ou, ainda, “em face do que é presente, o pressuposto revela a certeza

do que, necessariamente, lhe antecedeu” (SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 12.

ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, v. 3, p. 438).

Não possuindo previamente a outorga de recurso hídrico não há que se iniciar a

escavação ou manter a captação de água subterrânea, para consumo humano ou não.

Enfim, afirma-se que os Réus em suas atividades econômicas:

a) Instalaram e operam a mencionada atividade econômica contrariando normas legais e

regulamentares pertinentes, inclusive sem a obtenção de licenças ambientais válidas e

vigentes por todo o tempo de funcionamento;

b) Instalam e operam sistema alternativo de captação de água subterrânea para distribuição

coletiva de água aos consumidores e frequentadores em geral, inclusive trabalhadores,

sem a obtenção de outorga de uso de recurso hídrico, licença ambiental, contrariando

legislação federal, estadual e municipal, conforme exposto;

c) Realizam lucro e obtêm vantagens econômicas e financeiras durante toda a instalação e

operação do empreendimento pela utilização com fins econômicos das águas interiores

subterrâneas, que são efetivamente empregadas na produção e preparação de alimentos e

fornecidas para a ingestão e a higiene pessoal, sem qualquer contribuição,

contraprestação ou pagamento pelo uso do mencionado recurso.

Tais situações não podem ser toleradas.

4. RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL: TEORIA OBJETIVA. SOLIDARIEDADE PASSIVA. PRIVADO E PODER PÚBLICO

A responsabilidade civil ambiental tem assento constitucional, conforme dispõe o

art. 225, § 3º, da Constituição Federal (destacamos):

Art. 225. [...]§ 3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

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Percebe-se, foi dado tratamento especial ao meio ambiente. Na mesma medida

que garantiu a todos o meio ambiente ecologicamente equilibrado (pois é essencial a sadia

qualidade de vida) impôs a todos, Poder Público e a coletividade, o dever de zelar pelo

respeito a esse comando, sob pena de responsabilização pelo dano. Tem-se assim, a

responsabilidade ambiental administrativa, civil e penal, em esferas independentes e

autônomas.

No plano infraconstitucional o art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981 (Política

Nacional do Meio Ambiente), em consonância com o tratamento constitucional da matéria,

fixa a responsabilidade civil objetiva (destacamos):

Art. 14. [...]§ 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

O art. 927, parágrafo único, do Código Civil consagra definitiva e expressamente

a responsabilidade civil objetiva (destacamos):

Art. 927. [...]Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando pela atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Tem-se, desse modo, a responsabilidade civil objetiva por danos ambientais

compartilhada solidariamente entre os poluidores, diretos ou indiretos. É objetiva, posto

prescindir da demonstração de dolo ou culpa, fundando-se na teoria objetiva,

especificamente na teoria do risco integral, que não admite excludentes de responsabilidade

civil. Há solidariedade passiva por obrigar à reparação todos aqueles que, pessoas físicas ou

jurídicas, direta ou indiretamente, causem poluição, nos termos dos arts. 3º, inc. IV, e 4º, inc.

VII, da Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente) (destacamos):

Art. 3º. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: [...]IV – poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.

Art. 4º. A Política nacional do Meio Ambiente visará: [...]VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização dos recursos ambientais com fins econômicos.

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A respeito da solidariedade passiva os arts. 264 e 275 do Código Civil se

aplicam subsidiariamente nos casos de responsabilidade civil ambiental (destacamos):

Art. 264. Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda. [...]

Art. 275. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum, se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto.Parágrafo único. Não importará renúncia da solidariedade a propositura de ação pelo credor contra um ou alguns dos devedores.

O princípio da responsabilização civil ambiental implica na obrigação de

indenizar a ser suportada por aquele que, direta ou indiretamente, contribua para a exposição

ao risco, a criação da ameaça e a produção do dano. Alerte-se que em matéria ambiental a

obtenção de licença ou autorização ambiental ou o cumprimento das normas e padrões

exigíveis não exonera o empreendedor da obrigação de reparar, indenizar etc.

4.1. JURISPRUDÊNCIA

Neste sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (No mesmo

sentido: REsp 604.725, 28.222, 1.079.713, 1.113.789, 1.090.968, 18.567, 295.797, 263.383,

826.976, AgRg no REsp 504.626, e EDcl no AgRg no RESP 255.170) (destacamos):

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO AMBIENTAL – CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICA – RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA – ARTS. 3º, INC. IV, E 14, § 1º, DA LEI 6.398/1981 – IRRETROATIVIDADE DA LEI – PREQUESTIONAMENTO AUSENTE: SÚMULA 282/STF – PRESCRIÇÃO – DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO: SÚMULA 284/STF – INADMISSIBILIDADE.1. A responsabilidade por danos ambientais é objetiva e, como tal, não exige a comprovação de culpa, bastando a constatação do dano e do nexo de causalidade.2. Excetuam-se à regra, dispensando a prova do nexo de causalidade, a responsabilidade de adquirente de imóvel já danificado porque, independentemente de ter sido ele ou o dono anterior o real causador dos estragos, imputa-se ao novo proprietário a responsabilidade pelos danos. Precedentes do STJ.3. A solidariedade nessa hipótese decorre da dicção dos arts. 3º, inc. IV, e 14, § 1º, da Lei 6.398/1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente).4. Se possível identificar o real causador do desastre ambiental, a ele cabe a responsabilidade de reparar o dano, ainda que solidariamente com o atual proprietário do imóvel danificado.5. Comprovado que a empresa Furnas foi responsável pelo ato lesivo ao meio ambiente a ela cabe a reparação, apesar de o imóvel já ser de propriedade de outra pessoa jurídica.

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6. É inadmissível discutir em recurso especial questão não decidida pelo Tribunal de origem, pela ausência de prequestionamento.7. É deficiente a fundamentação do especial que não demonstra contrariedade ou negativa de vigência a tratado ou lei federal.8. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.(STJ, 2ª T., rel. Eliana Calmon, REsp 1056540/GO, 25.08.2009, DJe 14.09.2009).

Portanto, a responsabilidade civil ambiental eclode mediante a ação ou omissão

humana criadora de risco, de ameaça ou de dano aos recursos ambientais, imputada mediante

o nexo causal que obriga solidariamente todos que, direta ou indiretamente, contribuam para

a degradação da qualidade ambiental.

4.2. DANOS AMBIENTAIS. AÇÃO E OMISSÃO. NEXO CAUSAL.

A Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente), que atribuiu ao

poluidor o dever de reparar ou indenizar pelos danos causados (arts. 4º, VII e 14, § 1º),

cuidou de estabelecer o conceito de degradação da qualidade ambiental e de poluição

(destacamos):

Art. 3º. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: [...]II – degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente;III – poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;c) afetem desfavoravelmente a biota;d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.

Dessa maneira, o poluidor é responsável pela degradação decorrente de sua

atividade. A ofensa a quaisquer dos bens e valores protegidos pelo texto normativo (bem-

estar, segurança, saúde etc.) instaura nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano,

fazendo eclodir a responsabilidade civil ambiental e o dever de reparar e de indenizar etc.

Como esclarece Paulo Affonso Leme Machado, a desobediência dos padrões

ambientais configura poluição e dano ambiental e, ademais, mesmo sendo observados tais

níveis, poderá haver poluição caso ocorra uma das hipóteses previstas no rol do art. 3º, inc.

III, da Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente) (Direito Ambiental

Brasileiro. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 546) (destacamos):

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[...] pode haver poluição ainda que observados os padrões ambientais. A desobediência aos padrões constitui ato poluidor, mas pode ocorrer que mesmo com a observância dos mesmos ocorram os danos previstos nas alíneas anteriores, o que caracteriza a poluição, com implicação jurídica daí decorrente.

Não se pode perder de mira que o direito ambiental tem como objeto maior

tutelar a vida saudável, não sendo crível conceber haver sadia qualidade de vida (art. 225

da CF) com a(s) conduta(s) comissiva(s) e omissiva(s) do(s) Réu(s) perpetrada(s) em seu(s)

empreendimento(s). Tais atitudes desvirtuam totalmente o direito fundamental a função social

da propriedade insculpido no art. 5º, inc. XXIII, da Constituição Federal. Por consequência,

a(s) conduta(s) do(s) Réu(s) afronta(m), dentre outros, a dignidade da pessoa humana, preceito

que dá sustentação a todo ordenamento jurídico.

No tocante ao nexo de causalidade se constata que o dano e a poluição causados

decorrem, diretamente ou indiretamente, da(s) conduta(s) do(s) Réu(s) que permanece(m) inerte(s),

mesmo diante das obrigações constitucionais e legais de defender e preservar o meio

ambiente, cumprir as normas urbanísticas e sanitárias e padrões de qualidade ambiental, tudo

sustentado no princípio da legalidade em favor da sociedade (art. 5º, inc. II, da CF).

4.2.1. Jurisprudência

Sobre o tema o Superior Tribunal de Justiça decide que quem deixa de fazer

quando deveria ou não se importa que haja ocorrência do dano contribui, direta ou

indiretamente, para a instauração do nexo causal e se sujeita a responsabilização civil

ambiental. (destacamos) (No mesmo sentido: REsp 28.222, 604.725, 1.079.713 e 1.113.789):

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. NATUREZA JURÍDICA DOS MANGUEZAIS E MARISMAS. TERRENOS DE MARINHA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. ATERRO ILEGAL DE LIXO. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. NEXO DE CAUSALIDADE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. PAPEL DO JUIZ NA IMPLEMENTAÇÃO DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL. ATIVISMO JUDICIAL. MUDANÇAS CLIMÁTICAS. DESAFETAÇÃO OU DESCLASSIFICAÇÃO JURÍDICA TÁCITA. SÚMULA 282/STF. VIOLAÇÃO DO ART. 397 DO CPC NÃO CONFIGURADA. ART. 14, § 1°, DA LEI 6.938/1981. [...]13. Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem.14. Constatado o nexo causal entre a ação e a omissão das recorrentes com o dano ambiental em questão, surge, objetivamente, o dever de promover a recuperação da área afetada e indenizar eventuais danos remanescentes, na

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forma do art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81. (STJ, 2ª T., rel. Herman Benjamin, REsp 650.728, 23.10.2007, DJe 02.12.2009).

Com efeito, o nexo causal entre o dano e as ações ou omissões resta patente e

suficiente para implicar, em razão da(s) conduta(s) do(s) Réu(s), à obrigação de reparar

integralmente o dano ambiental impondo obrigação(ões) de fazer, de não fazer e de pagar

quantia, bem como outras hábeis para ressarcir integralmente o dano e prevenir eficazmente

futuras lesões.

4.3. RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL DO PODER PÚBLICO

No mesmo sentido e com os mesmos fundamentos legais e constitucionais, temos

a responsabilidade civil ambiental do Poder Público. Ademais, extrai-se da Constituição

Federal as obrigações e deveres do poder público de proteger o meio ambiente e promover o

adequado ordenamento territorial, nos termos dos arts. 23, incs. VI e VII, e 30, inc. VIII. É

imposto ao poder público o dever de defender e preservar o meio ambiente, nos termos do art.

225 da Constituição Federal.

Nesse sentido é firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (No

mesmo sentido: AgRg na SLS 1.446 e 604.725) (destacamos):

AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL CONHECIDO, MAS NÃO PROVIDO.1. A conclusão exarada pelo Tribunal a quo alinha-se à jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, orientada no sentido de reconhecer a legitimidade passiva de pessoa jurídica de direito público para figurar em ação que pretende a responsabilização em decorrência de sua conduta omissiva quanto ao dever de fiscalizar. Igualmente, coaduna-se com o texto constitucional, que dispõe, em seu art. 23, VI, a competência comum para a União, Estados, Distrito Federal e Municípios no que se refere à proteção do meio ambiente e combate à poluição em qualquer de suas formas. E, ainda, o art. 225, caput, também da CF, que prevê o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.2. Incidência da Súmula 83/STJ.3. Agravo regimental não provido (STJ, 2ª T., rel. Mauro Campbell Marques, AgRg no REsp 958.766/MS, 16.03.2010)

Portanto, patente a responsabilidade civil ambiental do Poder Público que possui

dever evitar a ocorrência de riscos ou danos ambientais ou à vida das pessoas, por meio de

fiscalização e de atividades relacionadas ao poder de polícia.

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Não obstante a clareza da responsabilidade do Poder Público em matéria de danos

ambientais, vale destacar o decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp nº

1.071.741, que trata da solidariedade na reparação do dano ambiental quando há concurso

entre agentes privados e Poder Público no descumprimento de normas ambientais,

geradoras de risco, ameaça e dano ambiental (vejamos):

AMBIENTAL. UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DE PROTEÇÃO INTEGRAL (LEI 9.985/00). OCUPAÇÃO E CONSTRUÇÃO ILEGAL POR PARTICULAR NO PARQUE ESTADUAL DE JACUPIRANGA. TURBAÇÃO E ESBULHO DE BEM PÚBLICO. DEVER-PODER DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL DO ESTADO. OMISSÃO. ART. 70, § 1º, DA LEI 9.605/1998. DESFORÇO IMEDIATO. ART. 1.210, § 1º, DO CÓDIGO CIVIL. ARTIGOS 2º, I E V, 3º, IV, 6º E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981 (LEI DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE). CONCEITO DE POLUIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DE NATUREZA SOLIDÁRIA, OBJETIVA, ILIMITADA E DE EXECUÇÃO SUBSIDIÁRIA. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO.1. Já não se duvida, sobretudo à luz da Constituição Federal de 1988, que ao Estado a ordem jurídica abona, mais na fórmula de dever do que de direito ou faculdade, a função de implementar a letra e o espírito das determinações legais, inclusive contra si próprio ou interesses imediatos ou pessoais do Administrador. Seria mesmo um despropósito que o ordenamento constrangesse os particulares a cumprir a lei e atribuísse ao servidor a possibilidade, conforme a conveniência ou oportunidade do momento, de por ela zelar ou abandoná-la à própria sorte, de nela se inspirar ou, frontal ou indiretamente, contradizê-la, de buscar realizar as suas finalidades públicas ou ignorá-las em prol de interesses outros.2. Na sua missão de proteger o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações, como patrono que é da preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais, incumbe ao Estado “definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção” (Constituição Federal, art. 225, § 1º, III).3. A criação de Unidades de Conservação não é um fim em si mesmo, vinculada que se encontra a claros objetivos constitucionais e legais de proteção da Natureza. Por isso, em nada resolve, freia ou mitiga a crise da biodiversidade – diretamente associada à insustentável e veloz destruição de habitat natural –, se não vier acompanhada do compromisso estatal de, sincera e eficazmente, zelar pela sua integridade físico-ecológica e providenciar os meios para sua gestão técnica, transparente e democrática. A ser diferente, nada além de um “sistema de áreas protegidas de papel ou de fachada” existirá, espaços de ninguém, onde a omissão das autoridades é compreendida pelos degradadores de plantão como autorização implícita para o desmatamento, a exploração predatória e a ocupação ilícita.4. Qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador, público ou privado, no Direito brasileiro a responsabilidade civil pelo dano ambiental é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios do poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura, e do favor debilis, este último a legitimar uma série de técnicas de facilitação do acesso à Justiça, entre as quais se inclui a inversão do ônus da prova em favor da vítima ambiental. Precedentes do STJ.

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5. Ordinariamente, a responsabilidade civil do Estado, por omissão, é subjetiva ou por culpa, regime comum ou geral esse que, assentado no art. 37 da Constituição Federal, enfrenta duas exceções principais. Primeiro, quando a responsabilização objetiva do ente público decorrer de expressa previsão legal, em microssistema especial, como na proteção do meio ambiente (Lei 6.938/1981, art. 3º, IV, c/c o art. 14, § 1º). Segundo, quando as circunstâncias indicarem a presença de um standard ou dever de ação estatal mais rigoroso do que aquele que jorra, consoante a construção doutrinária e jurisprudencial, do texto constitucional.6. O dever-poder de controle e fiscalização ambiental (= dever-poder de implementação), além de inerente ao exercício do poder de polícia do Estado, provém diretamente do marco constitucional de garantia dos processos ecológicos essenciais (em especial os arts. 225, 23, VI e VII, e 170, VI) e da legislação, sobretudo da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981, arts. 2º, I e V, e 6º) e da Lei 9.605/1998 (Lei dos Crimes e Ilícitos Administrativos contra o Meio Ambiente).7. Nos termos do art. 70, § 1º, da Lei 9.605/1998, são titulares do dever-poder de implementação “os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização”, além de outros a que se confira tal atribuição.8. Quando a autoridade ambiental “tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de co-responsabilidade” (art. 70, § 3°, da Lei 9.605/1998, grifo acrescentado).9. Diante de ocupação ou utilização ilegal de espaços ou bens públicos, não se desincumbe do dever-poder de fiscalização ambiental (e também urbanística) o Administrador que se limita a embargar obra ou atividade irregular e a denunciá-la ao Ministério Público ou à Polícia, ignorando ou desprezando outras medidas, inclusive possessórias, que a lei põe à sua disposição para eficazmente fazer valer a ordem administrativa e, assim, impedir, no local, a turbação ou o esbulho do patrimônio estatal e dos bens de uso comum do povo, resultante de desmatamento, construção, exploração ou presença humana ilícitos.10. A turbação e o esbulho ambiental-urbanístico podem – e no caso do Estado, devem – ser combatidos pelo desforço imediato, medida prevista atualmente no art. 1.210, § 1º, do Código Civil de 2002 e imprescindível à manutenção da autoridade e da credibilidade da Administração, da integridade do patrimônio estatal, da legalidade, da ordem pública e da conservação de bens intangíveis e indisponíveis associados à qualidade de vida das presentes e futuras gerações.11. O conceito de poluidor, no Direito Ambiental brasileiro, é amplíssimo, confundindo-se, por expressa disposição legal, com o de degradador da qualidade ambiental, isto é, toda e qualquer “pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (art. 3º, IV, da Lei 6.938/1981, grifo adicionado).12. Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano urbanístico-ambiental e de eventual solidariedade passiva, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem não se importa que façam, quem cala quando lhe cabe denunciar, quem financia para que façam e quem se beneficia quando outros fazem.13. A Administração é solidária, objetiva e ilimitadamente responsável, nos termos da Lei 6.938/1981, por danos urbanístico-ambientais decorrentes da omissão do seu dever de controlar e fiscalizar, na medida em que contribua, direta ou indiretamente, tanto para a degradação ambiental em si mesma, como para o seu agravamento, consolidação ou perpetuação, tudo sem

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prejuízo da adoção, contra o agente público relapso ou desidioso, de medidas disciplinares, penais, civis e no campo da improbidade administrativa.14. No caso de omissão de dever de controle e fiscalização, a responsabilidade ambiental solidária da Administração é de execução subsidiária (ou com ordem de preferência).15. A responsabilidade solidária e de execução subsidiária significa que o Estado integra o título executivo sob a condição de, como devedor-reserva, só ser convocado a quitar a dívida se o degradador original, direto ou material (= devedor principal) não o fizer, seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade, inclusive técnica, de cumprimento da prestação judicialmente imposta, assegurado, sempre, o direito de regresso (art. 934 do Código Civil), com a desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do Código Civil).16. Ao acautelar a plena solvabilidade financeira e técnica do crédito ambiental, não se insere entre as aspirações da responsabilidade solidária e de execução subsidiária do Estado – sob pena de onerar duplamente a sociedade, romper a equação do princípio poluidor-pagador e inviabilizar a internalização das externalidades ambientais negativas – substituir, mitigar, postergar ou dificultar o dever, a cargo do degradador material ou principal, de recuperação integral do meio ambiente afetado e de indenização pelos prejuízos causados.17. Como consequência da solidariedade e por se tratar de litisconsórcio facultativo, cabe ao autor da Ação optar por incluir ou não o ente público na petição inicial.18. Recurso Especial provido.(REsp 1071741/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/03/2009, DJe 16/12/2010)

4.4. ABUSO DE DIREITO

Há que se considerar o abuso de direito por parte do empreendedor. O abuso no

exercício do direito de propriedade, utilizado a revelia das normas ambientais, urbanísticas e

previstas no Plano Diretor, entre outros. O uso nocivo da propriedade é vedado, por exemplo,

pelos arts. 5º, inc. XXII, 170, incs. II e VI, 182, § 2º, e 225, da Constituição Federal, arts. 4º,

inc. I, 5º, parágrafo único, da Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente), arts.

2º, inc. VI, a, b, c e g, e 39, da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), inclusive pelo Código

Civil, no art. 1.228, § 1º. (Nesse sentido: STJ – REsp 302.906 e 647.493).

Para o fim de reger a responsabilidade civil ambiental é salutar que se destaque a

dispensa da pesquisa da culpa, o que faz com que qualquer subjetividade exigida para a

demonstração do abuso seja desnecessária.

4.5. DANO EXTRAPATRIMONIAL COLETIVO

É certo que do evento danoso emerge o dever de reparação, tanto no seu aspecto

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patrimonial (dano material) como pelo aspecto extrapatrimonial (dano moral), verbas

independentes e autônomas, passiveis de cumulação, conforme Súmula nº 37 do Superior

Tribunal de Justiça: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral

oriundos do mesmo fato”.

O dano moral coletivo por ofensa ao meio ambiente, à ordem urbanística ou a

qualquer outro interesse difuso e coletivo, foi consagrado expressamente no art. 1º, incs. I, II,

IV e VI, da Lei nº 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública):

Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:I - ao meio-ambiente;II – ao consumidor; [...]IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo. [...]VI - à ordem urbanística.

Na mesma toada, reza o art. 3º do referido diploma (destacamos):

Art. 3º A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

Igualmente, o art. 4º, inc. VII, da Lei nº 6.938/1981 (Lei de Política Nacional do

Meio Ambiente) impõe ao poluidor, em harmonia com o princípio do poluidor-pagador e

da reparação integral, a obrigação de reparar e indenizar os danos causados (recuperação e

indenização).

Em razão da implicação recíproca dos art. 21 da Lei nº 7.347/1985 (Ação Civil

Pública) e do art. 90 da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), instituidora do

microssistema de processo civil coletivo, incide, ainda, na espécie, o art. 6º, incs. VI e VII

(destacamos):

Art. 6º [...]VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

Tudo isso em consonância com o art. 5º, incs. V e X, da Constituição Federal,

posto que o dever de indenizar o dano extrapatrimonial (moral) foi positivado como direito

fundamental, impondo-se o dever de reparar inclusive no seu aspecto ambiental

extrapatrimonial, nos termos do art. 225, § 3º, da Constituição Federal.

Nesse passo, demonstrada a viabilidade de tal pleito, cumpre identificar o dano

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moral coletivo comprovado nos autos.

Dano moral consiste na lesão a bem juridicamente tutelado experimentado pelo

titular do bem jurídico, não no aspecto patrimonial, mas, sim e também, na dimensão

extrapatrimonial. Isso porque esses bens jurídicos não possuem expressão econômica, são

manifestados principalmente nos direitos da personalidade, como, por exemplo, a saúde, tanto

física quanto psíquica, bem estar, sossego, meio ambiente ecologicamente equilibrado, enfim,

direitos fundamentais garantidos na Constituição Federal, todos açambarcados no princípio

maior da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF). Entendimento pacifico a respeito

do tema encontra ressonância na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (REsp

1.032.014, REsp 890.930).

Nas palavras professor Rubens Limongi França (Reparação do dano moral. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, v. 631, p. 31) (destacamos).: “Dano moral é aquele que,

direta ou indiretamente, a pessoa, física ou jurídica, bem assim a coletividade, sofre no

aspecto não econômico dos seus bens jurídicos.”

Nosso ordenamento jurídico, constitucional e infraconstitucional, atribui à

coletividade diversos bens jurídicos de repercussão não econômica, criando um verdadeiro

patrimônio jurídico da coletividade, atribuindo legitimidade ao Ministério Público para agir

em sua defesa (art. 127 e 129, inc. III, da CF).

Portanto, a ofensa a esses bens tutelados, por exemplo, o meio ambiente

ecologicamente equilibrado, implica no dever de reparar, independentemente de culpa, nos

termos do art. 225, § 3º, da Constituição Federal e do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981 (Lei

de Política Nacional do Meio Ambiente). E sendo o bem ambiental de uso comum do povo

sua lesão agride toda coletividade (titulares indeterminados ou indetermináveis) (art. 225 da

CF).

Nesse passo, a diminuição da qualidade ambiental, prejudicando direitos

fundamentais e da personalidade da comunidade (difusa ou coletiva), causa o dano

extrapatrimonial coletivo, pois, agride a dignidade da pessoa humana.

Por outro lado, não admitir o dano extrapatrimonial coletivo seria o mesmo que

afirmar que a coletividade não é titular de direitos fundamentais. Negar o dano

extrapatrimonial coletivo, portanto, equivale aceitar a irresponsabilidade pelos danos causados

a saúde, ao bem estar, ao sossego, a garantia ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

etc.

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A doutrina admite o dano extrapatrimonial coletivo, consoante ensina o professor

José Rubens Morato Leite (Dano Ambiental: do Individual ao Coletivo Extrapatrimonial. 2.

ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 293-294) (destacamos):

Este direito de personalidade de caráter difuso tem como traço marcante a união indeterminada dos sujeitos, trazendo uma certa comunhão de interesses, pois quando há dano, este atinge toda a coletividade, de forma indiscriminada. Ademais não há como dissociar o meio ambiente equilibrado da qualidade de vida, posto que meio ambiente deteriorado, ou não preservado, redunda em diminuição de um valor referente a uma expectativa da vida sadia, causando sensação negativa e perda em seu sentido coletivo da personalidade, consistente em um dano extrapatrimonial.

Conforme afirma, Annelise Monteiro Steigleder (Responsabilidade Civil

Ambiental: as Dimensões do Dano Ambiental no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2004, p. 160-161 e 165) (destacamos):

[...] o direito humano fundamental à sadia qualidade de vida é de natureza imaterial e somente será ressarcido se reconhecida a dimensão extrapatrimonial do ambiente. [...] Assim, haverá dano ambiental de natureza moral coletiva a ser indenizado nas situações de exposição da população à poluição nas suas mais diversas formas (ruído, poluição atmosférica, hídrica, ...), percebendo-se que a saúde, a tranqüilidade e a qualidade de vida da coletividade sofre um decréscimo, e, mesmo que reparado o dano ecológico puro, a reparação não será integral se não considerada esta dimensão imaterial, de lesão à qualidade de vida.

Nesse sentido se manifesta o Superior Tribunal de Justiça, mantendo a

condenação em dano extrapatrimonial coletivo (No mesmo sentido: REsp 1120117; TJRJ,

TJRJ, 2ª Câmara Cível, rel. Des. Maria Raimunda T. Azevedo, Apelação Cível

2001.001.14586, j. 24.9.2002; TRF 1ª R., Sexta Turma, rel. Juiz Federal convocado David

Wilson De Abreu Pardo, AC 200137000060576, DJ 15/10/2007, p. 78) ) (destacamos):

PROCESSUAL CIVIL RECURSO ESPECIAL. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. REGULAR ANÁLISE E JULGAMENTO DO LITÍGIO PELO TRIBUNAL RECORRIDO. RECONHECIMENTO DE DANO MORAL REGULARMENTE FUNDAMENTADO.1. Trata-se de recurso especial que tem origem em agravo de instrumento interposto em sede de ação civil pública movida pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul em desfavor de AGIP do Brasil S/A, sob o argumento de poluição sonora causada pela veiculação pública de jingle que anuncia produtos por ela comercializados. O acórdão impugnado pelo recurso especial declarou a perda de objeto da ação no que se refere à obrigação de fazer, isto porque lei superveniente à instalação do litígio regulou e solucionou a prática que se procurava coibir. O aresto pronunciado pelo Tribunal a quo, de outro vértice, reconheceu caracterizado o dano moral causado pela empresa agravante – em razão da poluição sonora ensejadora de dano ambiental – e a

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decorrente obrigação de reparação dos prejuízos causados à população. Daí, então, a interposição do recurso especial que ora se aprecia, no qual se alega, em resumo, ter havido violação do artigo 535 do Código de Processo Civil.2. Todavia, constata-se que o acórdão recorrido considerou todos os aspectos de relevância para o julgamento do litígio, manifestando-se de forma precisa e objetiva sobre as questões essenciais à solução da causa. Realmente, informam os autos que, a partir dos elementos probatórios trazidos a exame, inclusive laudos periciais, a Corte a quo entendeu estar sobejamente caracterizada a ação danosa ao meio ambiente perpetrada pela recorrente, sob a forma de poluição sonora, na medida em que os decibéis utilizados na atividade publicitária foram, comprovadamente, excessivos. Por essa razão, como antes registrado, foi estabelecida a obrigação de a empresa postulante reparar o prejuízo provocado à população. [...]4. Recurso especial conhecido e não-provido. (REsp 791.653/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/02/2007, DJ 15/02/2007 p. 218, unânime).

Aliás, nem se argumente que o dano extrapatrimonial é de caráter estritamente

individual posto que já se desvinculou há muito tempo o dano extrapatrimonial de sua feição

exclusivamente individual, concebendo-se o dano moral em sua feição objetiva, conforme a

Súmula nº 227 do Superior Tribunal de Justiça: “A pessoa jurídica pode sofrer dano

moral”.

No que tange a prova do dano extrapatrimonial, ressalte-se que a jurisprudência

do Superior Tribunal de Justiça pacificou a desnecessidade de provar o dano, mas, exige

provar o fato e demonstrar os reflexos jurídicos extrapatrimoniais (No mesmo sentido: REsp

86.271, 145.297, 171.084, 530.805, 608.918).

5. TUTELAS JURISDICIONAIS

5.1. LEI Nº 7.347/1985 (AÇÃO CIVIL PÚBLICA): CUMULAÇÃO DE PEDIDOS

O art. 3º da Lei nº 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública) é expresso em admitir a

cumulação de pedidos condenatórios de pagar quantia em dinheiro e de impor obrigações

de fazer e não fazer (destacamos):

Art. 3º A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

O Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência dominante acerca da

admissibilidade da cumulação e da condenação de pagar quantia em dinheiro e de impor

obrigações de fazer ou não fazer (No mesmo sentido: REsp 625.249, 605.323, 1.178.294,

1.115.555, 1.114.893, 1.180.078, 1.145.083, 1.120.117, 1.090.968, 605.323, 625.249, e

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1.198.727, AgRg no REsp 920.844 e 1.170.532, e AgRg nos EDcl no Ag 1.156.486)

(destacamos):

AMBIENTAL. DESMATAMENTO. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DA NORMA AMBIENTAL. [...]2. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que a necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio ambiente permite a cumulação de obrigações de fazer e indenizar. Precedentes da Primeira e Segunda Turmas do STJ.3. A restauração in natura nem sempre é suficiente para reverter ou recompor integralmente, no terreno da responsabilidade civil, o dano ambiental causado, daí não exaurir o universo dos deveres associados aos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum.4. A reparação ambiental deve ser feita da forma mais completa possível, de modo que a condenação a recuperar a área lesionada não exclui o dever de indenizar, sobretudo pelo dano que permanece entre a sua ocorrência e o pleno restabelecimento do meio ambiente afetado (= dano interino ou intermediário), bem como pelo dano moral coletivo e pelo dano residual (= degradação ambiental que subsiste, não obstante todos os esforços de restauração).5. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, porquanto a indenização não é para o dano especificamente já reparado, mas para os seus efeitos remanescentes, reflexos ou transitórios, com destaque para a privação temporária da fruição do bem de uso comum do povo, até sua efetiva e completa recomposição, assim como o retorno ao patrimônio público dos benefícios econômicos ilegalmente auferidos. (STJ, 2ª T., rel. Herman Benjamin, REsp 1.180.078/MG, 02.12.2010, DJe 28.02.2012).

Não há dúvidas, portanto, que a admissão dos pedidos e das condenações

cumuladas em pagar quantia e obrigar fazer ou não fazer visando dar cumprimento ao

princípio da reparação integral, previsto no art. 225, § 3º, da Constituição Federal.

5.2. TUTELA RESSARCITÓRIA

5.2.1. Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente) e a Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos)

Resta evidente e comprovado também pelo Histórico de Consumo constante desta

inicial que os Réus utilizam e consomem recursos ambientais, notadamente as águas

interiores subterrâneas, com fins econômicos, uma vez que as utilizam na atividade

econômica sem qualquer contraprestação ou contribuição, conforme narrado, contrariando

os art. 3º, inc. V, e 4º, inc. VII, da Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente).

A respeito de quais são os recursos ambientais há expressa previsão do

reconhecimento das águas interiores subterrâneas como tal, consoante o art. 3º, inc. V, da

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Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente) (destacamos):

Art. 3º. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: [...]V - recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.

E o art. 4º, inc. VII, da Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente)

expressamente visa que a utilização do recurso ambiental com fins econômicos gera o

dever de contribuição, ressarcimento etc. (destacamos):

Art. 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará: [...]VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.

Por sua vez, o art. 1º, incs. I e II, da Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional de

Recursos Hídricos) reconhece como um de seus fundamentos ser a água um bem de

domínio público, recurso natural limitado e dotado de valor econômico, sendo

(destacamos):

Art. 1º A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes fundamentos:I - a água é um bem de domínio público;II - a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico; [...]

O art. 5º, inc. IV, da Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos)

prevê expressamente a obrigatoriedade da cobrança pelo uso de recursos hídricos,

consistindo tal contribuição ou ressarcimento em um dos instrumentos mais relevantes

(destacamos):

Art. 5º São instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos: [...]IV - a cobrança pelo uso de recursos hídricos; [...].

O art. 18 da Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos)

reforçando se tratar a água de bem de domínio público quando expressamente interdita ao

Poder Público e à coletividade, indistintamente, a alienação parcial e a apropriação

privada, gravando a água como recurso inalienável (destacamos):

Art. 18. A outorga não implica a alienação parcial das águas, que são inalienáveis, mas o simples direito de seu uso.

Perceba-se que mesmo com a obtenção de outorga de uso a água mantém sua

essência de bem de domínio público, autorizando-se somente o direito de uso mediante a

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respectiva cobrança.

O art. 19 da Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos) explicita

os objetivos que justificam a cobrança pelo uso dos recursos hídricos: (destacamos):

Art. 19. A cobrança pelo uso de recursos hídricos objetiva:I - reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor;II - incentivar a racionalização do uso da água;III - obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos.

Evidente, portanto, que a utilização e o consumo de recursos ambientais, a

exemplo da água subterrânea, provoca a eclosão do dever de contribuição (pagamento,

ressarcimento etc.), especialmente quando há emprego desse recurso com finalidade

econômica. Caso contrário, além da ilegal apropriação individual de um bem difuso há o

enriquecimento indevido do usuário em detrimento do patrimônio ambiental que pertence a

todos.

E a respeito do princípio do usuário-pagador (poluidor-pagador) Ana Maria

Moreira Marchesan, Annelise Monteiro Steigleder e Silvia Cappelli assentam que tal se

encontra presente tanto no art. 4º, inc. VII, da Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio

Ambiente) quanto no art. 5º, inc. IV, da Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional de Recursos

Hídricos), impondo ao usuário os custos sociais do uso do recurso ambiental,

exemplificando precisamente com utilização da água em atividades econômicas (Direito

Ambiental. 7. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013, p. 65) (destacamos):

O princípio do usuário-pagador traduz uma evolução do poluidor-pagador, estabelecendo que os preços devem refletir todos os custos sociais do uso e esgotamento dos recurso. Exemplo: quem utiliza água para irrigação deve pagar pelo uso desse bem ambiental limitado.

No mesmo sentido José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala afirmam

a admissibilidade e a necessidade de se indenizar o uso de recursos ambientais , bem

como explicitam duas formas de ressarcimento devendo haver especial atenção para a

indenização em dinheiro (Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial:

teoria e prática. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 212-215) (destacamos):

Na esfera do direito ambiental brasileiro, o legislador, através dos arts. 4º, VII, e 14, § 1º, ambos da Lei 6.938/81 e art. 225, § 3º, da Constituição Federal, estabeleceu ao degradador a obrigação de restaurar e/ou indenizar os prejuízos ambientais. A opção do legislador indica que, em primeiro plano, deve se tentar a restauração do bem ambiental e, quando inviável esta, partir-se para

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a indenização por sucedâneo ou compensação. [...] Contudo, a quase inviabilidade da recomposição do dano ambiental não redunda na irreparabilidade do mesmo. A sociedade tem a seu lado os mecanismos jurisdicionais de reparação, conforme já referido, e que servem para obrigar o agente a ressarcir, de forma mais integral possível, a lesão ambiental . Concretamente, existem duas formas de reparação do dano ambiental patrimonial no direito brasileiro: 1. pela reparação ou restauração natural ou retorno ao estado anterior à lesão; e 2. pela indenização pecuniária, que funciona como uma forma de compensação ecológica, além da reparação do dano extrapatrimonial ambiental, tema que será abordado posteriormente [...] Assim sendo, sempre que não for possível reabilitar o bem ambiental lesado, deve-se proceder a sua substituição por outro funcionalmente equivalente ou aplicar a sanção monetária com o mesmo fim de substituição. [...] A indenização pecuniária, por seu turno, traz como ponto positivo a certeza da sanção civil e uma função compensatória do dano ambiental. [...]

E complementam os mencionados autores dizendo que a essência de ambas as

formas de reparação civil pelo dano ou uso do recurso ambiental, notadamente a da

indenização em dinheiro, é a imposição ao agente econômico dos ônus inerentes à

atividade desenvolvida, concretizando-se o princípio da reparação integral (ob. cit., p. 227)

(destacamos):

A reparabilidade integral do dano ambiental é decorrente do art. 225, § 3º, da Constituição Federal, e do art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81, que não restringiram a extensão da reparação. No que concerne à responsabilização civil por dano ambiental, a reparabilidade é integral, levando em conta o risco criado pela conduta perigosa do agente, impondo-se ao mesmo um dever-agir preventivo, como meio de se eximir da reparabilidade integral do eventual dano causado. A reparabilidade integral do dano ambiental pode implicar reparação superior à capacidade financeira do degradador. Todavia, a eventual aniquilação da capacidade econômica do agente não contradiz o princípio da reparação integral, pois este assumiu o risco de sua atividade e todos os ônus a ele inerentes.

Com igual entendimento Luiz Guilherme Marinoni (Técnica Processual e Tutela

dos Direitos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 320) (destacamos):

Ademais, no caso de dano ambiental, o infrator deve indenizar a sociedade pela privação no gozo do meio ambiente. Essa indenização pode ser comparada – ainda que de longe – com os lucros cessantes, desde que feita a necessária advertência de que os lucros cessantes têm relação com um dano a direito individual – isto é, com aquilo que o indivíduo deixou de ganhar em razão do dano –, enquanto que a indenização pela privação de uso do meio ambiente diz respeito a um direito difuso, ou seja, um direito pertencente a todos. Tratando-se de direito ambiental, o ressarcimento não pode deixar de considerar o fato de que a poluição é um efeito negativo (uma externalidade negativa) que decorre de uma atividade produtiva. Por isso, o prejuízo ambiental, quando não ressarcível na forma específica, deve ser indenizado pelo titular da atividade geradora da poluição, aplicando-se o princípio do poluidor-pagador, que dita o dever do poluidor arcar com a totalidade dos custos da poluição, pena de a

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sociedade ter que pagar pelas perdas ambientais produzidas pelo setor privado.

Nesse sentido Clarissa Ferreira Macedo D’Isep (Água Juridicamente Sustentável.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 248 e 285) (destacamos):

É a raridade que legitima a intervenção do Estado na gestão do acesso à água, logo, na regulamentação do seu uso, de forma a assegurar a satisfação social, qual seja, a vida digna e sadia. A referida intervenção recai sobre o caráter econômico da água. [...] A cobrança pelo uso da água, em face das leis ambientais, tem natureza jurídica de instrumento de proteção do meio ambiente, seja pela condição de bem ambiental, de que é provida a água, seja pela decorrência de sua função de equilíbrio hidroecológico, além de concretizar o procedimento de educação hidroambiental.

Nem poderia ser diferente. Um bem escasso e fundamental a vida humana deve

ser objeto de tutela específica por parte do Estado, tanto sob o aspecto legislativo,

administrativo (poder de polícia etc.) e judicial (tutela inibitória ou ressarcitória).

No escólio de Paulo Affonso Leme Machado (Recursos Hídricos. São Paulo:

Malheiros, 2002, p. 32) (destacamos):

A água é um recurso natural limitado, e não ilimitado, como se raciocinou anteriormente no mundo e no Brasil. A água passa a ser mensurada dentro dos valores da economia. Isso não pode e nem deve levar a condutas que permitam que alguém, através do pagamento de um preço, possa usar a água a seu bel-prazer. A valorização econômica da água deve levar em conta o preço da conservação, da recuperação e da melhor distribuição desse bem.

Nesse sentido Karine Silva Demolier (Água e Saneamento Básico: Regimes

Jurídicos e Marcos Regulatórios no Ordenamento Jurídico brasileiro. Porto Alegre: Livraria

do Advogado, 2008, p. 41/42) (destacamos):

Partindo do pressuposto de que a água é um bem finito e encontra-se em acelerado ritmo de escassez, mister se fez estabelecer critérios para o seu uso. E uma das alternativas encontradas pelo legislador foi dotá-lo de valor econômico, o que, para ser aceito, precisa ser bem compreendido. [...] O que se quer afirmar é que a constante e intensa poluição dos corpos hídricos vai acabar inviabilizando-os como pontos de captação, causando sérios problemas para a presente e as futuras gerações, da mesma forma que a exploração agressiva e irracional poderá levar à morte os rios, lagos e reservas subterrâneas. [...] Por isso, agregar à água um valor econômico mostrou-se interessante, seja do ponto de vista educativo, seja do reparador, pois inibe o consumo desenfreado e irresponsável.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica em acolher o pedido

ora pleiteado, ou seja, de ressarcimento pela fruição gratuita dos recursos ambientais

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(destacamos):

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. GARIMPO ILEGAL DE OURO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE. ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981, E ART. 3º DA LEI 7.347/85. PRINCÍPIOS DA REPARAÇÃO INTEGRAL E DO POLUIDOR-PAGADOR. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA DAS NORMAS AMBIENTAIS. [...]5. A reparação ambiental deve ser feita da forma mais completa possível, de modo que a condenação a recuperar a área lesionada não exclui o dever de indenizar, sobretudo pelo dano que permanece entre a sua ocorrência e o pleno restabelecimento do meio ambiente afetado (= dano interino ou intermediário), bem como pelo dano moral coletivo e pelo dano residual (= degradação ambiental que subsiste, não obstante todos os esforços de restauração). [...]7. Além disso, devem reverter à coletividade os benefícios econômicos que o degradador auferiu com a exploração ilegal de recursos ambientais, "bem de uso comum do povo", nos termos do art. 225, caput, da Constituição Federal, quando realizada em local ou circunstâncias impróprias, sem licença regularmente expedida ou em desacordo com os seus termos e condicionantes. [...] (REsp 1114893/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/03/2010, DJe 28/02/2012).

AMBIENTAL. DESMATAMENTO. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DA NORMA AMBIENTAL. [...]5. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, porquanto a indenização não é para o dano especificamente já reparado, mas para os seus efeitos remanescentes, reflexos ou transitórios, com destaque para a privação temporária da fruição do bem de uso comum do povo, até sua efetiva e completa recomposição, assim como o retorno ao patrimônio público dos benefícios econômicos ilegalmente auferidos. [...] (REsp 1180078/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/12/2010, DJe 28/02/2012).

ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (MATA CILIAR). DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE. BIOMA DO CERRADO. ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981, E ART. 3º DA LEI 7.347/1985. PRINCÍPIOS DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL. REDUCTIO AD PRISTINUM STATUM. FUNÇÃO DE PREVENÇÃO ESPECIAL E GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (RESTAURAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). POSSIBILIDADE. DANO AMBIENTAL REMANESCENTE OU REFLEXO. ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO. INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA. [...].7. Na vasta e complexa categoria da degradação remanescente ou reflexa, incluem-se tanto a que temporalmente medeia a conduta infesta e o pleno restabelecimento ou recomposição da biota, vale dizer, a privação temporária da fruição do bem de uso comum do povo (= dano interino, intermediário,

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momentâneo, transitório ou de interregno), quanto o dano residual (= deterioração ambiental irreversível, que subsiste ou perdura, não obstante todos os esforços de restauração) e o dano moral coletivo. Também deve ser restituído ao patrimônio público o proveito econômico do agente com a atividade ou empreendimento degradador, a mais-valia ecológica que indevidamente auferiu (p. ex., madeira ou minério retirados ao arrepio da lei do imóvel degradado ou, ainda, o benefício com o uso ilícito da área para fim agrossilvopastoril, turístico, comercial). [...] (REsp 1145083/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/09/2011, DJe 04/09/2012).

ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO DE VEGETAÇÃO NATIVA (CERRADO) SEM AUTORIZAÇÃO DA AUTORIDADE AMBIENTAL. DANOS CAUSADOS À BIOTA. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981, E DO ART. 3º DA LEI 7.347/85. PRINCÍPIOS DA REPARAÇÃO INTEGRAL, DO POLUIDOR-PAGADOR E DO USUÁRIO-PAGADOR. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). REDUCTION AD PRISTINUM STATUM. DANO AMBIENTAL INTERMEDIÁRIO, RESIDUAL E MORAL COLETIVO. ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA DA NORMA AMBIENTAL. [...]10. Essa degradação transitória, remanescente ou reflexa do meio ambiente inclui: a) o prejuízo ecológico que medeia, temporalmente, o instante da ação ou omissão danosa e o pleno restabelecimento ou recomposição da biota, vale dizer, o hiato passadiço de deterioração, total ou parcial, na fruição do bem de uso comum do povo (= dano interino ou intermediário), algo frequente na hipótese, p. ex., em que o comando judicial, restritivamente, se satisfaz com a exclusiva regeneração natural e a perder de vista da flora ilegalmente suprimida, b) a ruína ambiental que subsista ou perdure, não obstante todos os esforços de restauração (= dano residual ou permanente), e c) o dano moral coletivo. Também deve ser reembolsado ao patrimônio público e à coletividade o proveito econômico do agente com a atividade ou empreendimento degradador, a mais-valia ecológica ilícita que auferiu (p. ex., madeira ou minério retirados irregularmente da área degradada ou benefício com seu uso espúrio para fim agrossilvopastoril, turístico, comercial). [...] [...] (REsp 1198727/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/08/2012, DJe 09/05/2013).

Portanto, não há razão para que se tolere ou se permita, omissiva ou

comissivamente, que haja a corrupção dos princípios e fundamentos referidos e o

esvaziamento do conteúdo dos direitos fundamentais à saúde e ao meio ambiente etc.

E para que se evite a ocorrência e a permanência de uma situação de injustiça

ambiental, caracterizada pelo uso indiscriminado, descontrolado e ilegal do recurso

ambiental, no caso a água subterrânea, é que se invoca o princípio do poluidor-pagador,

expressamente previsto no art. 4º, inc. VII, da Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio

Ambiente), que se ombreia ao art. 225, § 3º da Constituição Federal. Aquela disposição

expressamente impõe, ao poluidor e ao predador, a obrigação de recuperar e/ou indenizar

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os danos causados, e ao usuário, de contribuição pela utilização de recursos ambientais

com fins econômicos.

5.2.2. Destinação dos valores arrecadados

De acordo com as disposições da Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional de

Recursos Hídricos), notadamente aquelas acima transcritas acerca do valor econômico da

água e a sua compulsória submissão à outorga e cobrança, há expressa determinação que os

recursos sejam destinados para fins específicos. Vejamos;

O art. 5º da Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos) prevê que

os Municípios receberão compensação pelo uso dos recursos hídricos existentes em seus

territórios que sejam utilizados com fins econômicos:

Art. 5º São instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos: [...]V - a compensação a municípios; [...]

O art. 19 da Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos) explicita

os objetivos da cobrança pelo uso dos recursos hídricos,

Art. 19. A cobrança pelo uso de recursos hídricos objetiva: [...]III - obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos.

Como corolário da natureza jurídica difusa do bem ambiental, aplica-se o art. 13

da Lei nº 7.347/1985 (Ação Civil Pública), destinando-se a indenização ao Fundo Municipal

do Meio Ambiente de Campo Grande-MS (FMMA):

Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.

Portanto, eventuais valores arrecadados à título de ressarcimento ou

indenização devem ser destinados para o Fundo Municipal do Meio Ambiente.

5.2.3. Imprescritibilidade da reparação do dano ambiental

A saúde e o meio ambiente são reconhecidos pela ordem constitucional brasileira

como direitos fundamentais, consoante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

(Nesse sentido: STF – ADI 4029, ADI 1856, ADPF 101, ADI 3540, MS 22164, RE 134.297) 60/90

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e do Superior Tribunal de Justiça (STJ – REsp 1.245.149, MS 16.074, REsp 1.163.524,

REsp 695.396, REsp 1.115.555).

Portanto, reconhecidos como direitos fundamentais há de se aplicar à suas

respectivas proteções o regime jurídico compatível. Caso contrário, nunca serão

concretizados.

Assim, com a ordem constitucional vigente se elevou o meio ambiente à categoria

de direito fundamental expressamente reconhecido no artigo 225 da Constituição Federal, a

exemplo do que ocorre com Constituição da República portuguesa de 1976, que operou a

“constitucionalização de novos direitos fundamentais”, como assentam José Joaquim Gomes

Canotilho e Vital Moreira (Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra, 1991, p. 37).

Com outorga de juridicidade e positivação operada em órbita constitucional o

equilíbrio ecológico foi consagrado como direito fundamental no ordenamento jurídico

brasileiro.

Antônio Herman Vasconcelos Benjamim, com acuidade e precisão,

representando a doutrina aponta que o meio ambiente detém atributos, dentre outros, a

saber: irrenunciabilidade, inalienabilidade e imprescritibilidade (Direito Ambiental

Constitucional Brasileiro. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens

Morato (orgs.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 98-

100).

No caso dos autos, o Poder Público não fiscalizando ou exigindo que os recursos

naturais fossem preservados se revela autor de renúncia do Estado (sentido amplo) quanto

ao dever de zelar pelo meio ambiente, bem como aliena em favor dos Réus o direito

imprescritível ao meio ambiente, ao permitir o uso indiscriminado e ilegal dos recursos

ambientais, ferindo o art. 225, caput, da Constituição Federal.

Patrícia Faga Iglesias Lemos aclarando a violação à irrenunciabilidade e à

imprescritibilidade do direito humano fundamental, afirmando que o nexo de causalidade é

mais uma questão jurídica do que fática, acentuando que o reconhecimento do meio

ambiente como direito humano fundamental exerce sobre a interpretação acerca da

responsabilidade civil (Meio Ambiente e Responsabilidade Civil do Proprietário: análise do

nexo causal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 144):

Reconhecido o direito ao meio ambiente como direito de personalidade, como um direito fundamental do homem, as limitações ao pleno desenvolvimento da

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pessoa, decorrentes da má utilização de componentes do meio ambiente, são por si só causa de responsabilidade civil.

Assim, a respeito da fidelidade a estas balizas, colecionam-se as lições de José

Afonso da Silva e Antônio Herman Vasconcelos Benjamin sobre a entronização do meio

ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental na ordem constitucional

brasileira, gravando-o com os típicos atributos da irrenunciabilidade, inalienabilidade e

imprescritibilidade, conforme segue abaixo (BENJAMIM, Antônio Herman Vasconcelos.

Direito Ambiental Constitucional Brasileiro. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE,

José Rubens Morato (orgs.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva,

2007, p. 98-100; SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31. ed.

São Paulo: Malheiros, 2008, p. 181; RASLAN, Alexandre Lima. Responsabilidade Civil

Ambiental do Financiador. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 204-206).

A irrenunciabilidade, segundo José Afonso da Silva, traduz-se na vedação da

renúncia aos direitos fundamentais, o que Antônio Herman Vasconcelos Benjamin completa

apontando o impedimento da renúncia à obrigação de preservar, recuperar, restaurar e

indenizar, retirando a eficácia da alegação do poluidor no sentido de deter o direito de poluir

em razão da permissão ou da omissão do Poder Público na concessão de licenças ou na

fiscalização inadequada, bem como esvazia de legitimidade qualquer avença celebrada

que importem na renúncia à defesa do meio ambiente.

A inalienabilidade, conforme assenta José Afonso da Silva, grava os direitos

fundamentais de forma a torná-los intransferíveis e inegociáveis em razão de seu conteúdo

não econômico-patrimonial, especialmente porque a ordem constitucional os conferiu a

todos (res omnium), o que os torna indisponíveis. Neste sentido, Antônio Herman

Vasconcelos Benjamim ressalta a titularidade difusa do bem ambiental, expressamente

universalizado pela Constituição Federal no artigo 225, afirmando que não se admite a

alienação individual ou coletiva, ativa ou passiva, da proteção ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, especialmente diante da qualificação supraindividual do bem

difuso constitucional.

A imprescritibilidade dos direitos fundamentais é ressaltada por José Afonso da

Silva ao afirmar que o mero reconhecimento dos direitos fundamentais pela ordem

jurídica os torna aptos ao exercício imediato e para nunca deixarem de ser exigíveis, o que

afasta a prescrição também pelo caráter não patrimonial que ostentam, sentenciando que “se

são sempre exercíveis e exercidos, não há intercorrência temporal de não exercício que

fundamente a perda da exigibilidade pela prescrição”. Referindo-se à relação

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intergeracional que anima o Direito ambiental, Antônio Herman Vasconcelos Benjamim

aponta o perfil intertemporal ou atemporal do direito fundamental ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, revelando que seus beneficiários são as presentes e as futuras

gerações, configurando-se um despropósito admitir que o bem que não pode ser ativamente

alienado (inalienabilidade) possa ser alienado passivamente (imprescritibilidade), em

decorrência da inexorabilidade do tempo.

O Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência dominante no sentido da

imprescritibilidade da reparação do dano ambiental (No mesmo sentido: REsp 1.223.092,

REsp 1.247.140, AgRg no REsp 1.150.479, REsp 650.728, REsp 647.493) (destacamos):

ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL - DIREITO AMBIENTAL- AÇÃO CIVIL PÚBLICA – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL – IMPRESCRITIBILIDADE DA REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL – PEDIDO GENÉRICO – ARBITRAMENTO DO QUANTUM DEBEATUR NA SENTENÇA: REVISÃO, POSSIBILIDADE - SÚMULAS 284/STF E 7/STJ. [...]6. O direito ao pedido de reparação de danos ambientais, dentro da logicidade hermenêutica, está protegido pelo manto da imprescritibilidade, por se tratar de direito inerente à vida, fundamental e essencial à afirmação dos povos, independentemente de não estar expresso em texto legal.7. Em matéria de prescrição cumpre distinguir qual o bem jurídico tutelado: se eminentemente privado seguem-se os prazos normais das ações indenizatórias; se o bem jurídico é indisponível, fundamental, antecedendo a todos os demais direitos, pois sem ele não há vida, nem saúde, nem trabalho, nem lazer , considera-se imprescritível o direito à reparação.8. O dano ambiental inclui-se dentre os direitos indisponíveis e como tal está dentre os poucos acobertados pelo manto da imprescritibilidade a ação que visa reparar o dano ambiental. [...]11. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido. (REsp 1120117/AC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/11/2009, DJe 19/11/2009)

Sendo assim, afigura-se intolerável qualquer violação perpetrada contra tais

direitos fundamentais, por exemplo, à saúde e ao meio ambiente. Constatada a utilização de

recursos naturais com fins econômicos, como no caso dos autos, há de se promover a

reparação integral, reparando e indenizando em dinheiro.

5.2.4. Cálculo do valor pecuniário em razão do uso do recurso

Fixadas as premissas de que a água é recurso ambiental com valor econômico

no art. 1º, inc. II, na Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos) e que há

obrigatoriedade do ressarcimento pecuniário pela utilização recurso ambiental com fins

econômicos nos arts. 3º inc. V, e 4º, inc. VII, a Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio

Ambiente), concretizando o art. 225, § 3º, da Constituição Federal.

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Assim, há algumas variáveis que devem ser adotadas para se calcular o valor da

indenização a beneficiar o Fundo Municipal de Meio Ambiente, para as exaustivas finalidades

do art. 19, inc. III, da Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos). Vamos ao

caso concreto.

A primeira das variáveis é aquela que a literatura especializada em engenharia

hidráulica e sanitária apregoa como consumo médio diário e per capita (hóspede etc.) para

hotéis, a saber (MACINTHYRE, Archibald Joseph. Instalações Hidráulicas. 3. ed. Rio de

Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1996, p. 17; TSUTIYA, Milton Tomoyuki.

Abastecimento de água. 3. ed. São Paulo: Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária

da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, 2006, p. 36-38; NORMA TÉCNICA

SABESP - NTS 181 - Dimensionamento do ramal predial de água, cavalete e hidrômetro –

Primeira ligação. Disponível em: <http://www2.sabesp.com.br/normas/nts/NTS181.pdf>.

Acesso em: 26 Ago. 2013):

Tipo do prédio Unidade Consumo litros/dia Consumo m3/diaHotéis com cozinha e lavanderia Por hóspede 250/350 0,25/0,35Hotéis sem cozinha e lavanderia Por hóspede 120 0,12

A segunda variável é a quantidade de apartamentos disponíveis no hotel para

ocupação, hospedagem, moradia etc.

A terceira variável é o quantidade de dias entre o termo inicial da contagem da

utilização do recurso ambiental com fins econômicos e a data da efetiva comprovação de

tamponamento técnico dos poços de captação de água subterrânea, mediante laudo técnico

acompanhado de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART).

O termo inicial da contagem da quantidade de dias deve corresponder às datas

iniciais das vigências dos seguintes textos normativos: a) Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional

do Meio Ambiente), dia 02.09.1981 (DOU de 02.09.1981); e, subsidiariamente, b) Lei nº

9.433/1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos), dia 09.01.1997 (DOU de 02.09.1981).

Na hipótese dos Réus haverem iniciado as atividades econômicas em data posterior, o termo

inicial a ser adotado é aquele que marca o início das atividades conforme registro na Junta

Comercial do Estado de Mato Grosso do Sul (JUCEMS).

A quarta variável deve corresponder ao valor em Reais (R$) do metro cúbico

(m3) correspondente, na data do efetivo pagamento da condenação, àquele aplicado pelo

Poder concedente local como critério para a cobrança pela utilização da água distribuída pela

rede pública, considerando a categoria comercial, conforme regulamento de serviços etc.

A sociedade deve ser ressarcida e indenizada pelo uso do recurso ambiental com 64/90

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fim econômico, com a destinação e a forma acima mencionadas.

5.3. TUTELA REPARATÓRIA: ESPECÍFICA

Dispõe o art. 461, § 5º, do Código de Processo Civil (destacamos):

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. [...]§ 5o Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. [...]

Diz o art. 11 da Lei nº 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública) (destacamos):

Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor.

O art. 84, § 5º, da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor)

(destacamos):

Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. [...]§ 5° Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial.

Demonstradas a responsabilidade civil ambiental do Réus há o dever de reparar

integralmente de danos e de cumprir integralmente as obrigações ambientais. Em tema

de reparação do dano ambiental, diante da dicção dos comandos acima mencionados, vigora o

princípio da reparação integral.

Annelise Monteiro Steigleder sintetiza a necessidade e a utilidade da reparação

integral do dano ambiental afirmando, dentre outros, o conteúdo pedagógico

(Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano ambiental no direito brasileiro. 2.

ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 211) (destacamos):

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Confirmada a responsabilidade civil pela prática de um dano ambiental, impõe-se a sua reparação integral, que deve ser a mais abrangente possível de acordo com o grau de desenvolvimento da ciência e da técnica, levando-se em conta os fatores da singularidade dos bens ambientais atingidos, da impossibilidade de se quantificar o preço da vida, e sobretudo, que a responsabilidade ambiental deve ter um sentido pedagógico tanto para o poluidor como para a própria sociedade, de forma que todos possam aprender a respeitar o meio ambiente. O fundamento para que a reparação do dano ambiental seja integral decorre do princípio do poluidor-pagador, pelo que o responsável pela degradação ambiental deve internalizar todos os custos com prevenção e reparação dos danos ambientais.

O art. 225, § 3º, da Constituição Federal e o art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981

(Política Nacional do Meio Ambiente) fornecem suporte realizador dos princípios do

poluidor-pagador, da responsabilização e da reparação integral.

Neste mesmo sentido, vem o Superior Tribunal de Justiça (No mesmo sentido:

REsp 605.323, 1165284, 770.750, 1.248.214, 1.227.139, 1.164.587, 1.180.078, 880.160,

1.114.893) (destacamos):

PROCESSO CIVIL. DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA TUTELA DO MEIO AMBIENTE. OBRIGAÇÕES DE FAZER, DE NÃO FAZER E DE PAGAR QUANTIA. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS ART. 3º DA LEI 7.347/85. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. ART. 225, § 3º, DA CF/88, ARTS. 2º E 4º DA LEI 6.938/81, ART. 25, IV, DA LEI 8.625/93 E ART. 83 DO CDC. PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO, DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL. [...]2. O sistema jurídico de proteção ao meio ambiente, disciplinado em normas constitucionais (CF, art. 225, § 3º) e infraconstitucionais (Lei 6.938/81, arts. 2º e 4º), está fundado, entre outros, nos princípios da prevenção, do poluidor-pagador e da reparação integral. [...] (STJ, 1ª T., rel. Luiz Fux, REsp 625.249/PR, 15.08.2006, DJ 31.08.2006 p. 203).

O aludido princípio exige a reparação integral, o que impõe, também e

inicialmente, fazer cessar a atividade ilegal, irregular, poluidora etc., inclusive com o

cumprimento das leis federais, estaduais e municipais que condicionam o uso da propriedade

e o exercício da atividade econômica e, posteriormente, a reparação do dano, sem prejuízo de

eventual dano moral coletivo. Vejamos.

Primordialmente importa fazer cessar as condutas em desconformidade com a

proteção do meio ambiente e da saúde humana.

Objetiva-se evitar a continuação, o agravamento e a perpetuação da degradação

ambiental e dos riscos à saúde humana, bem como impor o cumprimento das obrigações que

tutelam a saúde humana e o meio ambiente. A rigor, pretende-se impor aos Réus cessar da

poluição e promover adequação às normas e aos padrões de qualidade ambiental.

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A respeito da tutela efetiva Candido Rangel Dinamarco defende que o ideal é

que haja o cumprimento da obrigação propriamente dita, uma vez que mais eficiente que

a postergação para a fase executória (Fundamentos do Processo Civil Moderno. 4. ed. São

Paulo: Malheiros, 2001, vol. I, p. 316-317) (destacamos):

Enfim, são imensos os poderes que o juiz deve exercer com o objetivo de motivar o obrigado a cumprir a própria obrigação que motivara a condenação ou a produzir o resultado equivalente que venha a ser determinado. Bem exercidos, esses poderes serão capazes de produzir resultados melhores que os do processo de execução e mais rapidamente.

Kazuo Watanabe comenta o art. 84 da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do

Consumidor) e assenta a efetividade do cumprimento da própria obrigação de fazer ou não

fazer (Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do projeto. 8. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2005, p. 842) (destacamos):

O legislador deixa claro que, na obtenção da tutela específica da obrigação de fazer ou não fazer, o que importa, mais do que a conduta do devedor, é o resultado prático protegido pelo Direito. E para a obtenção dele, o juiz deverá determinar todas as providências e medidas legais e adequadas ao seu alcance, inclusive, se necessário, a modificação do mundo fático, por ato próprio ou de seus auxiliares, para conformá-lo ao comando emergente da sentença. Impedimento de publicidade enganosa, inclusive com o uso da força policial, se necessário, retirada do mercado de produtos e serviços danosos à vida, saúde e segurança dos consumidores, e outros atos mais que conduzam à tutela específica das obrigações de fazer ou não fazer.

Álvaro Luiz Valey Mirra aponta a respeito da cessação do fato danoso que (Ação

Civil Pública e a Reparação do Dano ao Meio Ambiente. 2. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira,

2004, p. 367) (destacamos):

Essas medidas, conforme se verá, acarretam a supressão do fato danoso, ou seja, da atividade fonte da lesão ao meio ambiente e materializam-se em prestações positivas e/ou negativas impostas ao degradador, inclusive, em determinadas circunstâncias, em caráter de urgência, no limiar da ação civil pública ambiental. A supressão do fato danoso ao meio ambiente, portanto, é um outro efeito possível da responsabilidade civil nessa matéria, apresentando-se como providência autônoma a ser imposta de forma conjugada com a reparação do dano.

Como adverte Luiz Guilherme Marinoni (Tutela Inibitória: Individual e Coletiva.

2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 78-79) (destacamos):

A tutela inibitória coletiva pura tem sido utilizada com certa frequência, sendo significativo o seu uso nas ações que, visando à proteção do meio ambiente, impedem, v.g., que uma fábrica que ameaça agredir o meio ambiente inicie as suas atividades. Para a demonstração da importância da tutela inibitória coletiva,

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torna-se adequada a análise da tutela do meio ambiente, uma vez que este é um dos lugares em que a inefetividade da tutela ressarcitória evidencia-se de modo mais claro. Se é verdade que cresce em importância nos últimos tempos, a reparação específica do dano ecológico, e que é necessária a responsabilização, ainda que pelo equivalente, daquele que agride o meio ambiente, o certo é que não se pode admitir, no campo do direito ambiental, a troca da tutela específica e preventiva do bem tutelado pela tutela ressarcitória, sob pena de admitir-se, implicitamente uma lógica perversa, que justificaria o cínico ‘poluo, mas pago’. Como é evidente a admissão da tutela ressarcitória no campo do direito ambiental não significa a aceitação da poluição, mas objetiva evitar que o dano ecológico fique sem a devida reparação; para que ao ocorra a degradação do meio ambiental é imprescindível a atuação preventiva e, assim, também a tutela inibitória.

A tutela específica impõe a identidade entre as obrigações previstas no

ordenamento jurídico e a conduta dos Réus inadimplentes no cumprimento de tais obrigações,

respectivamente reservadas a cada um.

Neste aspecto, cumpre obrigar aos Réus que desenvolvem a atividade econômica

as obrigações de fazer e não fazer como, por exemplo:

a) A submissão ao procedimento de licenciamento ambiental e a obtenção e a

manutenção de licenças ambientais (prévia, de instalação e de operação) válidas e

vigentes durante todo o período de funcionamento da atividade econômica (hotelaria),

como condição prévia;

b) A obtenção e a manutenção de todas as demais licenças, autorizações, alvarás etc.

(licença sanitária, alvará de localização e funcionamento, licença especial, certificado de

vistoria do corpo de bombeiros, alvará do DEOPS) válidas e vigentes durante todo o

período de funcionamento da atividade econômica (hotelaria), como condição prévia;

c) A comprovação nos autos do tamponamento técnico definitivo dos poços de captação

de água subterrânea existentes no empreendimento, conforme normas técnicas;

d) A comprovação das conexões efetiva às redes públicas de fornecimento de água tratada e

de destinação do esgoto para tratamento, bem como a comprovação efetiva da utilização

permanente e exclusiva destes serviços públicos.

Ao Réu MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE caberá impor a realização de

obrigações de fiscalização periódica das atividades dos Réus, nos seguintes termos:

a) Fiscalizar as atividades econômicas sob as perspectivas ambiental, sanitária e urbanística,

constatando irregularidades e adotando as providências administrativas pertinentes

(notificação, auto de infração e multa etc.);

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b) Fiscalizar a existência de poços de captação de água subterrânea, bem como qualquer

outro sistema alternativo existente, exigindo sua não utilização e a comprovação do

tamponamento técnico definitivo, conforme normas técnicas, e providências correlatas

em caso de outros sistemas alternativos.

5.4. LICENCIAMENTO AMBIENTAL: COMPULSÓRIO E PRÉVIO.

O licenciamento ambiental deve ser promovido pelos empreendedores para a

obtenção das licenças ambientais que permitam o início e a continuidade das atividades.

Trata-se de providência de caráter compulsório e prévio, visando concretizar os princípios

constitucionais da prevenção e do poluidor-pagador.

5.4.1. Princípios da prevenção e do poluidor-pagador

O procedimento administrativo ambiental não pode ser interpretado como

formalidade administrativa ou burocrática.

A verdadeira essência do licenciamento ambiental é servir como instrumento de

prevenção ambiental. Em verdade, trata-se de instrumento de caráter preventivo que busca

atingir os objetivos insculpidos no art. 225 da Constituição Federal. Assim exige-se o prévio

licenciamento ambiental quando a atividade: a) utiliza recursos ambientais (não somente os

naturais); b) é considerada efetiva ou potencialmente poluidora; ou, c) é capaz de causar

degradação ambiental.

Enfim, trata-se de instrumento de concretude dos princípios da prevenção e do

poluidor-pagador.

Édis Milaré aponta o princípio da prevenção na aplicação em momento anterior

à consumação do dano, objetivando impedir consequências danosas ao meio ambiente, além

de revelar que o estudo de impacto ambiental no âmbito do licenciamento ambiental é

manifestação legal deste princípio (Direito do ambiente. 7. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2011, p. 1070-1071) (destacamos):

Daí a assertiva, sempre repetida, de que os objetivos do Direito ambiental são fundamentalmente preventivos. Sua atenção está voltada para o momento anterior à consumação do dano – o do mero risco. Ou seja, diante da pouca valia da simples reparação, sempre incerta e, quando possível, excessivamente onerosa, a prevenção é a melhor, quando não a única, solução. [...] Na prática, o princípio da prevenção tem como objetivo impedir a ocorrência de danos ao meio ambiente, através da imposição de medidas acautelatórias, antes da implantação de empreendimentos e atividades consideradas efetiva

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ou potencialmente poluidoras. O estudo de impacto ambiental, previsto no art. 225, §1º, IV, da CF, é exemplo típico desse direcionamento preventivo.

Paulo de Bessa Antunes relaciona expressamente o licenciamento ambiental e o

princípio da prevenção, afirmando (Direito Ambiental. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2004, p. 37) (destacamos):

É o princípio da prevenção que informa tanto o licenciamento ambiental como os próprios estudos de impacto ambiental. Tanto um como outro são realizados sobre a base de conhecimento já adquiridos sobre uma determinada intervenção no ambiente. O licenciamento ambiental, como principal instrumento de prevenção de danos ambientais, age de forma a prevenir os danos que uma determinada atividade causaria ao ambiente, caso não tivesse sido submetida ao licenciamento ambiental.

Curt Trennepohl e Terence Trennepohl afirmam que sem o licenciamento

ambiental e as respectivas licenças não se deve admitir a instalação e a operação de atividades

poluidoras (Licenciamento Ambiental. 3. ed. Niterói: Impetus, 2010, p. 48) (destacamos):

Temos, portanto, que todos os estabelecimentos obras ou atividades que utilizam recursos da natureza, bem como aqueles que são efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes de causar degradação ambiental, somente podem ser instalados ou operados mediante a emissão prévia da licença ambiental.

O princípio do poluidor-pagador, segundo Édis Milaré, está inscrito no artigo

225, § 3º, da Constituição Federal, além de se encontrar igualmente previsto na Declaração

do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1992, em seu Princípio 16 (Direito do

Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007,

p. 1075) (destacamos):

O princípio não objetiva, por certo, tolerar a poluição mediante um preço, nem se limita apenas a compensar os danos causados, mas sim, precisamente, evitar o dano ao meio ambiente. Nesta linha, o pagamento pelo lançamento de efluentes, por exemplo, não alforria condutas inconsequentes, de modo a ensejar o descarte de resíduos fora dos padrões e das normas ambientais. A cobrança só pode ser efetuada sobre o que tenha respaldo na lei, pena de se admitir o direito de poluir. Trata-se do princípio poluidor-pagador (poluiu, paga os danos), e não pagador-poluidor (pagou, então pode poluir). Esta colocação gramatical não deixa margem a equívocos ou ambiguidades na interpretação do princípio. A Declaração do Rio, de 1992, agasalhou a matéria em seu Princípio 16, dispondo que “as autoridades nacionais devem procurar promover a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em vista a abordagem segundo a qual o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo da poluição, com a devida atenção ao interesse público e sem provocar distorções no comércio e nos investimentos internacionais”. Entre nós, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, de 1981, acolheu o princípio do “poluidor-pagador”, estabelecendo, com um de seus fins, “a imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados” (art.

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4.º, VII, da Lei 6.938/1981). Em reforço a isso assentou a Constituição Federal que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados” (art. 225, § 3.º).

Para José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala o princípio do

poluidor-pagador se assenta na relação com a precaução e a prevenção de riscos, de

ameaças e de danos ambientais (Direito Ambiental na Sociedade de Risco. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2004, p. 96-97) (destacamos):

A sigla inglesa [The Polluter-Pays Principle - PPP] bem ilustra o equívoco ou certas imprecisões e dificuldades observadas ao se pretender conceituar o princípio na doutrina, indicando que seu conteúdo é essencialmente cautelar e preventivo, importando necessariamente na transferência dos custos e ônus geralmente suportados pela sociedade na forma de emissões de poluentes ou resíduos sólidos, para que seja suportado primeiro pelo produtor. E os custos de que tratamos não objetivam originariamente a reparação e o ressarcimento monetário, mediante a fórmula indenizatória e compensatória reproduzida pela legislação civilística, mas envolvem todos os custos relativos, principalmente, à implementação de medidas que objetivam evitar o dano, medidas de prevenção ou mitigação da possibilidade de danos, que devem ser suportadas primeiro pelo poluidor, em momento antecipado, prévio à possibilidade da ocorrência de qualquer dano ao ambiente, mediante procedimento econômico de largo uso na economia do ambiente, que consiste na internalização de todas as externalidades nos custos de produção da atividade pretensamente poluidora.

Para Antonio Herman Vasconcelos Benjamin o princípio do poluidor-pagador

não pode ser interpretado como criador de um direito de poluir nem mesmo que a sociedade

deva suportar a poluição (O Princípio Poluidor-Pagador e a Reparação do Dano Ambiental.

In: BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcelos (coord.). Dano Ambiental: prevenção,

reparação e repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 235-236) (destacamos).

O princípio do poluidor-pagador não pode ser enxergado como criando um “direito de poluir”, desde que o poluidor se predisponha a pagar pelos recursos que utilizou ou danificou. Seu objetivo principal não é a reparação ou mesmo a repressão do dano ambiental. Estas, como se sabe, são fundamentalmente, retrospectivas. Sua aplicação, muito ao contrário, deve ser uma alavanca efetiva de prevenção do dano ambiental, fazendo com que a atividade de preservação e conservação dos recursos ambientais seja mais barata que a de devastação. O dano ambiental não pode, em circunstância alguma, valer a pena para o poluidor. O princípio não visa, por certo, tolerar a poluição mediante um preço, nem se limita apenas a compensar os danos causados, mas sim, precisamente, procura evitar o dano ambiental.

Portanto, evidente que o princípio do poluidor-pagador significa que o poluidor

deve suportar os custos do desenvolvimento das medidas de controle da poluição decididas

pelas autoridades públicas para garantir que o ambiente esteja num estado aceitável. Ou, em

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outras palavras: que os custos das medidas de prevenção aos danos ambientais sejam

considerados e arcados pelo empreendedor da atividade econômica. Uma das finalidades

deste princípio é combater a máxima da privatização dos lucros e socialização das perdas.

5.4.2. Jurisprudência

O Superior Tribunal de Justiça decide a respeito que (No mesmo sentido: REsp

1.178.294, 625.249, 605.323 e 1115555) (destacamos):

PROCESSO CIVIL E AMBIENTAL. CONCLUSÕES DO TRIBUNAL DE ORIGEM. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DO STJ. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA DO MEIO AMBIENTE. OBRIGAÇÕES DE FAZER, DE NÃO FAZER E DE PAGAR QUANTIA.[...]3. A recorrente é responsável pela preservação do meio ambiente e pelos danos provocados em razão do acidente, como também pela segurança e saúde dos seus funcionários que exercem sua função no forno em questão e pelo bem estar da população local. Tal responsabilidade decorre exatamente do sistema jurídico de proteção ao meio ambiente, no qual se inserem normas constitucionais (notadamente o art. 225, inc. V, da CR/88), infraconstitucionais (Leis n. 6.938/81 e 9.605/98, entre outras) e infralegais, o qual se guia pelos princípios da prevenção, da precaução, do poluidor-pagador, bem como da reparação integral.4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, não provido. (STJ, 2ª T., rel. Mauro Campbell Marques, REsp 880.172/SP, DJe 19.11.2010).

5.5. LICENCIAMENTO AMBIENTAL: PREVISÃO LEGAL EXPRESSA

5.5.1. Legislação federal

O art. 10 da Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente) prevê a

obrigatoriedade do procedimento administrativo de licenciamento ambiental como

pressuposto do exercício de determinadas obras e atividades econômicas (destacamos):

Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento ambiental.

Regulamentando o art. 10 da Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio

Ambiente) a Resolução CONAMA nº 237/1997 (Regulamenta o Licenciamento Ambiental),

no art. 1º, inc. I, define licenciamento ambiental (destacamos):

Art. 1º. Para efeito desta Resolução são adotadas as seguintes definições:I – Licenciamento Ambiental: procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação

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de empreendimento e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso.

No mesmo sentido é o art. 2º da Resolução CONAMA nº 237/1997 (Regulamenta

o Licenciamento Ambiental) (destacamos):

Art. 2º. A localização, construção, instalação, ampliação, modificação e operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, bem como os empreendimentos capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão ambiental competente, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis.

Por sua vez, o art. 8º, incs. I a III, da Resolução CONAMA nº 237/1997

(Regulamenta o Licenciamento Ambiental), prevê tipologia para as de licenças ambientais

(destacamos):

Art. 8º. O Poder Público, no exercício de sua competência de controle, expedirá as seguintes licenças:I – Licença Prévia (LP) – concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implantação;II – Licença de Instalação (LI) – autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo determinante.III – Licença de Operação (LO) – autoriza a operação da atividade ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operação.

No mesmo sentido afirmam os arts. 17, 18 e 19 do Decreto Federal nº

99.274/1990 (Regulamenta as Leis nº 6.902/1981 e a 6.938/1981).

5.5.2. Legislação municipal: Lei Municipal nº 3.612/1999 (Lei do Sistema Municipal de Licenciamento e Controle Ambiental): os hotéis e os poços

No âmbito da competência legislativa municipal o art. 135 da Lei Orgânica de

Campo Grande-MS (destacamos):

Art. 135. O Município exigirá, na forma da lei, para a instalação de obra de atividade causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio do impacto ambiental, a que se dará ampla publicidade.

No mesmo sentido a Lei Municipal nº 3.612/1999 (Sistema Municipal de 73/90

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Licenciamento e Controle Ambiental) regra as hipótese do prévio e obrigatório licenciamento

ambiental (destacamos):

Art. 2º A localização, construção, instalação, ampliação, modificação ou operação de empreendimentos e atividades considerados efetiva ou potencialmente poluidores e ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerá de prévio licenciamento do Executivo Municipal, na forma que dispõe esta Lei e normas decorrentes.

Complementando a legislação municipal vem o art. 2º, incs. I a III, do Decreto

Municipal nº 7.884/1999 (Regulamenta a Lei Municipal nº 3.612/1999) (destacamos):

Art. 2º - São Licenças Ambientais Municipais:I – Licença Previa (LP) – documento expedido na fase preliminar do planejamento da atividade ou do empreendimento e que aprova o local de implantação pretendido e contém os pré-requisitos e os condicionantes a serem atendidos para as fases subsequentes, observada a legislação urbanística e ambiental vigente.II – Licença de Instalação (LI) – documento expedido na fase intermediaria do planejamento da atividade ou do empreendimento e que aprova a proposta do Plano de Controle Ambiental – PCA apresentada.III – Licença de Operação (LO) – documento que antecede o efetivo funcionamento da atividade e que atesta a conformidade com as condicionantes das Licenças Prévia e de Instalação.

A Lei Municipal nº 3.612/1999 (Sistema Municipal de Licenciamento e Controle

Ambiental) prevê expressamente: a) que os hotéis e poços de captação de água estão

sujeitos ao licenciamento ambiental; b) que os tais empreendimentos deveriam se

regularizar, acaso existissem antes de 1999; c) além da licença ambiental outras licenças e

autorizações são obrigatórias (destacamos):

Art. 4º. Estão sujeitos ao Licenciamento Ambiental, os empreendimentos e atividades constantes no Anexo I, desta Lei. […]Anexo I – [...] hotéis [...] perfuração de poços profundos [...].

Art. 13. A existência de licença ambiental expedida por órgão ambiental, estadual ou federal, não isenta o empreendedor das obrigações e normas constantes da Legislação Municipal.

Art. 16. Os empreendimentos e atividade existentes na data de publicação desta Lei, terão o prazo de 24 (vinte e quatro) meses para as adequações necessárias.

Portanto, a legislação federal, estadual e municipal é uníssona e impõe como

pressuposto para o exercício da atividade econômica o prévio licenciamento ambiental e a

obrigatória obtenção de licenças ambientais, a saber: a) licença prévia; b) licença de

instalação; e, c) por fim, licença de operação que permite o funcionamento da atividade,

desde que atendidas às exigências das duas primeiras licenças ambientais.

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5.6. LICENCIAMENTO AMBIENTAL: DEVIDO PROCESSO LEGAL EM FAVOR DA SOCIEDADE

Vê-se que existe um devido processo legal em favor do ambiente e da

sociedade previsto no ordenamento a ser prévia e obrigatoriamente percorrido por qualquer

empreendedor para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos. Assim, devem ser

requeridas e obtidas, nessa ordem, a licença prévia, a licença de instalação e, por fim,

havendo cumprido as condicionantes das duas primeiras licenças ambientais, poderá obter a

licença de operação.

Neste ponto, a ratificar a interpreção do licenciamento ambiental como o devido

processo legal em favor do ambiente e da sociedade, vem à doutrina de Sérgio Ferraz e

Adilson Abreu Dallari afirmando (Processo Administrativo. 2. ed. São Paulo: Malheiros,

2007, p. 25) (destacamos):

Hoje, muito mais que um iter para a produção dos atos administrativos, o processo administrativo é um instrumento de garantia dos administrados em face de outros administrados e, sobretudo, da própria Administração.

Portanto, a inobservância desse procedimento prévio e obrigatório configura

infração ambiental e desautoriza a instalação ou operação do empreendimento. A

consequência jurídica da não obtenção de licenças ambientais (prévia, de instalação ou de

operação) é a proibição de instalar ou operar a atividade econômica (obrigação de não

fazer). Assim, somente após a concessão das respectivas licenças ambientais prévia, de

instalação e de operação é que o empreendimento poderá iniciar sua instalação ou ampliação e

ter iniciada sua operação.

Logo, sem as licenças a atividade econômica não pode ser instalada nem operar,

conforme determina o art. 10 da Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente), o

art. 8º, inc. III da Resolução CONAMA nº 237/1997 (Regulamenta o Licenciamento

Ambiental) e o art. 19, inc. III do Decreto nº 99.274/1990 (Regulamenta as Leis nº 6.902/1981

e a 6.938/1981).

Por se tratar de empreendimento sujeito ao licenciamento ambiental prévio e

obrigatório para sua instalação e operação, pretende-se provimento jurisdicional que

determine aos Réus que se abstenham (obrigação de não fazer) de construir, instalar,

ampliar e operar sem a licenças ambientais (prévia, de instalação e de operação) válidas e

vigentes, com condicionantes devidamente cumpridas. Entretanto, com nítido e permanente

descaso, os Réus continuam empreendendo suas atividades econômicas em franco e

deliberado desrespeito à legislação e às normas técnicas de caráter ambiental, urbanístico e 75/90

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sanitário.

5.6.1. Jurisprudência

Nesse sentido o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul vem decidindo

reiteradamente (No mesmo sentido: Apelações Cíveis Ap. 44.967-8 (RT 729/275),

2007.011505-8, 2007.010686-0 e 2007.011472-6, Agravos 2005.004900-7 e 2005.3942-2)

(destacamos):

MANDADO DE SEGURANÇA – EMPREENDIMENTO BALNEÁRIO EM LOCAL DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL – TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA – POSTERIOR VISTORIA E CONSTATAÇÃO DE IRREGULARIDADES E DO DESCUMPRIMENTO DO ACORDO – INDEFERIMENTO DA LICENÇA DE OPERAÇÃO – DETERMINAÇÃO DE PARALISAÇÃO DAS OBRAS – ATO LÍCITO – AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO – SEGURANÇA DENEGADA. Apresenta-se lícito o ato expedido pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente que indefere pedido de licença de operação, determinando a paralisação de obras realizadas sem a devida licença de instalação, mesmo que se tenha firmado termo de ajustamento de conduta em que se assegure ao causador do dano prazo de 2 meses para regularizar a situação, quando foram constatadas novas irregularidades. (TJMS. Terceira Seção Cível. Rel. Des. Atapoã da Costa Feliz. Mandado de Segurança - N. 2005.001220-6/0000-00. Capital. J. 21.8.2006).

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LIMINAR DE INTERDIÇÃO – AUSÊNCIA DE PROJETO DE IMPACTO AMBIENTAL – DECISÃO MANTIDA – IMPROVIDO.A inexistência de estudo prévio de impacto ambiental, aprovado pelo órgão competente, autoriza a interdição e suspensão de atividade que explore o meio ambiente in natura. (TJMS. Quarta Turma Cível. Rel. Des. Paschoal Carmelo Leandro. Agravo nº 2005.3942-2/0000-00. Bonito. J. 12.7.2005).

Do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (destacamos):

AGRAVO INTERNO. AUTO DE INFRAÇÃO. IBAMA. AUSÊNCIA DE LICENÇA DE OPERAÇÃO.I – Se o órgão competente para a emissão da chamada Licença de Operação demora no conhecimento do pleito da parte interessada, caberia à mesma, diante da lentidão na obtenção do documento, tomar as providências necessárias junto aos órgãos competentes para solucionar a pendência ou buscar a solução pela via judicial, pleiteando medida que determinasse àquele órgão o conhecimento de seu pleito.II – Não se pode admitir, desta forma, à toda evidência, que a parte desconsidere a inexistência da Licença e inicie suas atividades independentemente da mesma.III – Agravo Interno improvido. (TRF 2ª R. 7ª T. Especializada. Des. Federal Reis Friede. AC 200851010231441. Apelação Cível 457516. E-DJF2R 10.03.2010).

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6. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

A inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, inc. VIII, da Lei nº 8.078/1990

(Código de Defesa do Consumidor), aplica-se à ação civil pública por força do art. 21 da Lei

nº 7.347/1985 (Ação Civil Pública), justificando sua incidência em razão da natureza e dos

interesses tutelados na ação coletiva, bem como na incontestável vulnerabilidade e

hipossuficiência dos titulares dos direitos difusos e coletivos.

A doutrina sobre a inversão do ônus da prova, representada por Nelson Nery

Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, adverte quanto à viabilidade de deferi-la desde o início

da demanda (Código de Processo Civil Comentado. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2007, p. 608) (destacamos):

Caso o juiz, antes da sentença, profira decisão invertendo o ônus da prova (v.g., CDC 6º III), não estará, só por isso, prejulgando a causa. A inversão, por obra do juiz, ao despachar a petição inicial ou na audiência preliminar (CPC 331), por ocasião do saneamento do processo (CPC 331 § 3º), não configura por si só motivo de suspeição do juiz. Contudo, a parte que teve contra si invertido o ônus da prova, quer nas circunstâncias acima mencionadas, quer na sentença, momento adequado para o juiz assim prodecer, não poderá alegar cerceamento de defesa por que, desde o início da demanda de consumo, já sabia quais eram as regras do jogo e que, havendo o non liquet quanto à prova, poderia ter contra ela invertido o ônus da prova. Em suma, o fornecedor (CDC 3º) já sabe, de antemão, que tem de provar tudo o que estiver a seu alcance e for de seu interesse nas lides de consumo. Não é pego de surpresa com a inversão do ônus da prova.

Conforme leciona Antonio Herman V. Benjamin (Responsabilidade Civil pelo

Dano Ambiental. In: Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998,

vol. 9, p. 18) (destacamos): “não cabe aos titulares de direitos ambientais provar efeitos

negativos (= ofensividade) de empreendimentos [...] impõe-se aos degradadores

potenciais o ônus de corroborar a inofensividade de sua atividade proposta”.

Em matéria ambiental com maior razão há de se impor a inversão do ônus

probatório, posto que os princípios da precaução, da prevenção, do poluidor-pagador e da

responsabilidade transferem os riscos da atividade para o responsável (direto ou indireto)

pela conduta (ação ou omissão), nos termos da teoria objetiva e da teoria do risco integral.

6.1. JURISPRUDÊNCIA

Aliais, impõe-se a aplicação do microssistema processual coletivo onde os textos

normativos integradores se implicam reciprocamente, já tendo o Superior Tribunal de

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Justiça jurisprudência consolidada sobre o tema quando se trata de responsabilidade civil

ambiental (No mesmo sentido: STJ, REsp 474.475, 883.656, 1.049.822, 1.060.753,

1.192.569, e 1.071.741. TJMS, Apelação nº 2003.001173-0 e Agravo nº 2008.000944-2)

(destacamos):

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO AMBIENTAL – ADIANTAMENTO DE HONORÁRIOS PERICIAIS PELO PARQUET – MATÉRIA PREJUDICADA – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – ART. 6º, VIII, DA LEI 8.078/1990 C/C O ART. 21 DA LEI 7.347/1985 – PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. [...]3. Justifica-se a inversão do ônus da prova, transferindo para o empreendedor da atividade potencialmente perigosa o ônus de demonstrar a segurança do empreendimento, a partir da interpretação do art. 6º, VIII, da Lei 8.078/1990 c/c o art. 21 da Lei 7.347/1985, conjugado ao Princípio Ambiental da Precaução.4. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 972902/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/08/2009, DJe 14/09/2009).

O Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul possui reiterada

jurisprudência sobre a necessidade da concessão da inversão do ônus da prova nas ações de

interesse da sociedade. Veja a ementa do Agravo Regimental nº0604429-

34.2012.8.12.0000/50000 – Dourados, de Relatoria do Desembargador Oswaldo Rodrigues de

Melo, julgado em 05 de fevereiro de 2013 (destacamos):

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – DECISÃO QUE NEGA SEGUIMENTO, DE PLANO, AO RECURSO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO AMBIENTAL – NATUREZA DA AÇÃO QUE JUSTIFICA A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.Mantém-se a decisão que, de plano, negou seguimento ao agravo de instrumento, por ser ele manifestamente improcedente, considerando ser devida a inversão do ônus da prova.A natureza do direito protegido (meio ambiente), por si só, indica o interesse de toda coletividade na melhor solução do feito, inclusive impondo-se àquele a qual se imputa a conduta danosa ao meio ambiente o encargo de provar que não degradou o meio ambiente.

Recurso conhecido e não provido.

Portanto, postula-se pelo deferimento, desde logo, da inversão do ônus da prova.

7. REGISTRO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

NA MATRÍCULA DO IMÓVEL

Dispõe o art. 167, inc. I, item 21, da Lei nº 6.015/1973 (Registros Públicos) que:

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Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos: I - o registro: [...]21) das citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias, relativas a imóveis. [...]

Aludido comando autoriza o registro da ação civil pública na matrícula do imóvel.

Isso porque a obrigação de reparação de danos ambientais decorre da titularidade da

propriedade do imóvel, em razão da vinculação à função social. Tratando-se, pois, de

obrigação propter rem ou própria da coisa e de ação de natureza real há sujeição ao caso da

regra comentada.

A publicidade outorgada aos documentos e informações objeto do registro e da

averbação previstos pela Lei nº 6.015/1973 (Registros Públicos) gera três efeitos, segundo

Walter Ceneviva, a saber (Lei dos Registros Públicos Comentada. 10. ed. São Paulo: Saraiva,

1995, p. 5): o constitutivo, “sem o registro o direito não nasce”, o comprobatório, “o

registro prova a existência e a veracidade do ato ao qual se reporta”, e, o publicitário, em que

“o ato registrado, com raras exceções, é acessível ao conhecimento de todos, interessados ou

não interessados.”

E este autor, ao discorrer sobre a função publicitária e sua amplitude, afirma que

“quaisquer que sejam os característicos ou o fim dos assentamentos mencionados pela Lei n.

6.015, devem estar os registros permanentemente abertos – com poucas exceções [art. 18] –

ao integral conhecimento de todos”. (Lei dos Registros Públicos Comentada. 10. ed. São

Paulo: Saraiva, 1995, p. 34)

Para Maria Helena Diniz o registro apresentará eficácia erga omnes concluindo

(Sistemas de Registros Públicos. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 22) (destacamos):

a) Publicidade, conferida pelo Estado por meio de seu órgão competente, das mutações da propriedade imobiliária e da instituição de ônus reais sobre o bem de raiz, dando segurança às operações realizadas com o imóvel. [...] Se o domínio obriga a todos, pode ser oposto a todos, importando, assim, que todos conheçam suas evoluções, a fim de prevenir fraudes que a má-fé de uns, protegida pela clandestinidade, pode preparar em prejuízo da boa-fé de outros. [...] O registro imobiliário constitui um meio legal de publicidade, garantindo o direito de propriedade do titular e a validade de seus efeitos perante terceiros.

Miguel Maria de Serpa Lopes afirma a publicidade como aspecto essencial do

registro público (Tratado dos Registros Públicos. 5. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 1995, v. 1,

p. 113-114) (destacamos):

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Os fatos ou atos nele exarados destinam-se ao público e não só às partes diretamente interessadas. O instituto da evidência ou da aparência dos fatos jurídicos compreende não somente a evidência e a aparência da circulação, como ainda a necessidade, ou pelo menos, a conveniência de se tornarem os ditos fatos conhecidos de determinadas pessoas. Além dos fins de circulação, a publicidade destina-se a indicar, de um lado, as pessoas e os bens, e, de outro, as propriedades destes e daqueles: a primeira constata a existência dos homens, ou de grupos de homens e coisas; a segunda, a existência de fatos, dos quais procede a aquisição originária ou derivada dos direitos a favor de determinadas e determinadas coisas. Por isso, os preceitos contidos nos arts. 19 a 25 são todos conducentes a tornar rigorosa a obrigação dos Oficiais dos Registros Públicos, quaisquer que sejam, a certificar os atos constantes dos seus livros ou a exibir estes aos interessados. O objetivo do legislador foi tornar possível a qualquer pessoa conhecer tudo quanto consta dos Registros Públicos, sem que ao interessado possa caber a obrigação de declarar a razão do seu interesse.

Assim, a averbação da ação civil pública nas matrículas dos imóveis do qual

origina a poluição tem amparo na Lei de Registros Públicos e busca dar publicidade a

terceiros de boa-fé da existência do passivo ambiental que pesa sobre tais áreas, uma vez

que a transferência da propriedade levará consigo o ônus da reparação do dano já constatado e

daquele que vier a ser.

7.1. JURISPRUDÊNCIA

Ademais, terceiros eventuais e futuros adquirentes poderão ser obrigados à

reparação do dano ambiental constatado nas propriedades referidas nesta inicial, conforme já

sedimentou o Superior Tribunal de Justiça (No mesmo sentido: REsp 1.056.540, 948.921,

650.728, 745.363, 217.858 e 343.741) (destacamos):

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ALEGAÇÃO DE COISA JULGADA. VIOLAÇÃO DO § 3º DO ART. 267 DO CPC NÃO CONFIGURADA. NÃO-DEMONSTRAÇÃO DA DIVERGÊNCIA. AVERBAÇÃO DA DEMANDA NA MATRÍCULA DO IMÓVEL. LEGALIDADE. DIREITO DOS CONSUMIDORES À INFORMAÇÃO E À TRANSPARÊNCIA. PODER GERAL DE CAUTELA. [...]4. Quanto ao mérito, observo que a recorrente carece de interesse jurídico tutelável porque a averbação, em si, obrigação alguma lhe impõe, servindo apenas para informar os pretensos adquirentes da existência de Ação Civil Pública na qual se questiona a legalidade do empreendimento.5. Na verdade, o interesse implícito da empresa, que não se mostra legítimo, é de que inexista prejuízo mediato à sua atividade comercial com a ampliação da publicidade acerca da demanda, em negativa ao direito básico à informação do consumidor, bem como aos princípios da transparência e da boa-fé, estatuídos pelo CDC. [...]7. Nesse contexto, o provimento encontra suporte no art. 167, II, item 12, da Lei 6.015/1973, que determina a averbação "das decisões, recursos e seus efeitos, que tenham por objeto atos ou títulos registrados ou averbados".

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8. Ressalto ainda que, ao contrário do que sustenta a recorrente, o amparo legal para proceder à averbação não se restringe ao art. 167, II, da Lei 6.015/1973, porquanto o rol nele estabelecido não é taxativo, e sim exemplificativo, haja vista a norma extensiva do art. 246 da mesma lei.9. Na hipótese, a averbação serve para tornar completa e adequada a informação sobre a real situação do empreendimento, o que se coaduna com a finalidade do sistema registral e com os direitos do consumidor.10. Ademais, tal medida está legitimada no poder geral de cautela do julgador (art. 798 do CPC), que, a par da decisão liminar, considerou-a adequada para assegurar a necessária informação dos adquirentes acerca do litígio existente.11. Recurso Especial não provido. (REsp 1161300/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/02/2011, DJe 11/05/2011)

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul já decidiu (Agravos nos

2008.000944-2 e 2006.019067-5) (destacamos):

No tocante à averbação na matrícula do imóvel de existência da ação civil pública ajuizada, mostra-se necessária para que eventualmente terceiros interessados na aquisição do imóvel tenham conhecimento da situação, porquanto, se ao final houver condenação, a obrigação de reparação dos danos ambientais tornar-se-á obrigação propter rem, que seguirá com o imóvel independentemente do futuro proprietário ter sido ou não o causador do dano.

8. TUTELA DE URGÊNCIA

O pedido liminar tem apoio nos arts. 11 e 12 da Lei nº 7.347/1985 (Ação Civil

Pública), bem como no art. 84, § 3º, da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor)

e art. 461, § 3º do Código de Processo Civil (destacamos)

Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor.Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.

Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. [...]§ 3° Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.

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§ 4° O juiz poderá, na hipótese do § 3° ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.

Em idêntico sentido encontramos o art. 461, §§ 3º, 4º e 5º, do Código de Processo

Civil que é comentado por Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery e que ensinam

(Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2007, p. 672) (destacamos):

A tutela específica pode ser adiantada, por força do CPC 461 § 3º, desde que seja relevante o fundamento da demanda (fumus boni iuris) e haja justificado receio de ineficácia do provimento final (periculum in mora). É interessante notar que, para o adiantamento da tutela de mérito, na ação condenatória em obrigação de fazer ou não fazer, a lei exige menos do que para a mesma providência na ação de conhecimento tout court (CPC 273). É suficiente a mera probabilidade, isto é, a relevância do fundamento da demanda, para a concessão da tutela antecipada da obrigação de fazer ou não fazer [...]

Assim, fica estabelecida a possibilidade-necessidade de concessão de liminar,

tendo como objeto obrigação de fazer e não fazer, mediante a presença de fumaça do bom

direito e perigo da demora.

8.1. FUMAÇA DO BOM DIREITO

Quanto à comprovação da existência da fumaça do bom direito os documentos

coletados no âmbito do inquérito civil satisfazem tal exigência, todos incontestes e que

demonstram que os Réus realizam e permitem que se empreendam obras ou atividades

econômicas que, tanto pela falta de licenciamento ambiental quanto pela inadequação da

infraestrutura até então existente, emitem poluição em desacordo com a legislação e normas

técnicas vigentes.

Com relação ao direito positivo, de índole constitucional e infraconstitucional,

apesar da farta a legislação aplicável, os Réus ofendem diversos comandos normativos que

tutelam os bens ambientais e a sadia qualidade de vida, a saber:

a) Constituição Federal: arts. 1º, inc. III, 3º, 5º, incs. II, XXII e XXIII, 23, incs. VI e XI,

170, incs. II, III, V e VI, 182, § 2º, 192, 196, 200, incs. I, II, IV, VI e VIII, 225 e seus

parágrafos e incisos,

b) Legislação Federal:

b.1) Lei nº 11.445/2007 (Saneamento Básico): arts. 1º, incs. I e III, art. 3º, caput e inc. I,

alíneas a e b, e 45, §§ 1º e 2º;

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b.2) Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos): arts. 1º, incs. I, II e VI,

5º, incs. III, IV e V, 11, 12, incs. I e II, 18, 19, incs. I, II e III, e 31;

b.3) Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente): arts. 2º, incs. II e III, 3º,

incs. I, II, III, alíneas a até e, IV e V, 4º, incs. I e VII, 5º e parágrafo único, 10, e 14,

§ 1º, e parágrafo único;

b.4) Portaria nº 2.914/2011 do Ministério da Saúde: arts. 3º, 5º, incs. I, II, III, VII, IX,

X, X, XVI, e 12, inc. I e parágrafo único;

b.5) Decreto nº 7.217/2010 (Regulamenta a Lei no 11.445/2007 – Saneamento Básico):

arts. 2º, incs. III, XXIII, XXIV, XXV, XXVI, XXVII, e 5º, § 1º;

b.6) Código Civil: arts. 264, 275, 927, parágrafo único, e 1.228, § 1º;

b.7) Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade): arts. 2º, inc. VI, a, b, c e g, e 39;

b.8) Lei nº 7.347/1985 (Ação Civil Pública): arts. 3º, 11, 13, e 21;

b.9) Código de Processo Civil: art. 461, §§ 3º, 4º e 5º;

b.10) Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor): arts. 6º, inc. III, 84, §§ 3º, 4º e

5º;

b.11) Resolução CONAMA nº 237/1997 (Regulamenta o Licenciamento Ambiental):

arts. 1º, inc. I, 2º, e 8º, incs. I a III;

b.12) Decreto Federal nº 99.274/1990 (Regulamenta as Leis nº 6.902/1981 e a

6.938/1981): arts. 17, 18 e 19, inc. III;

b.13) Lei nº 6.015/1973 (Registros Públicos): art. 167, inc. I, item 21;

c) Legislação Estadual:

c.1) Lei nº 1.293/1992 (Código Sanitário Estadual): art. 56, 65 e 66;

d) Legislação Municipal:

d.1) Lei Municipal nº 3.612/1999 (Sistema Municipal de Licenciamento e Controle

Ambiental): arts. 2º, 4º, e anexo I, 13, e 16;

d.2) Lei Municipal nº 2.909/1992 (Código de Polícia Administrativa de Campo Grande-

MS): art. 61;

d.3) Lei Complementar Municipal nº 148/2009 (Código Sanitário Municipal): arts. 19,

21, e 117, inc. X;

d.4) Decreto Municipal nº 7.884/1999 (Regulamenta a Lei Municipal nº 3.612/1999):

art. 2º, incs. I a III;83/90

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d.5) Lei Orgânica de Campo Grande-MS: art. 135;

e) Normas técnicas:

e.1) Norma Técnica Sabesp - NTS 181 - Dimensionamento do ramal predial de água,

cavalete e hidrômetro – Primeira ligação.

Desse modo, é nítida a ofensa à Constituição Federal e à legislação federal e

municipal ordinária, além da desobediência às normas técnicas vigentes, o que deixa patente o

exercício irregular de atividade, sem prejuízo do abuso de direito, especialmente no que

concerne à poluição sonora gerada pelo empreendimento.

Logo, são incontestáveis as obrigações legais de fazer, de não fazer e de pagar que

os Réus, embora obrigados a cumprir e a exigir que se cumpra, vêm se omitindo e causando

riscos, ameaças e danos à saúde da população e ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado, restando evidenciada a fumaça do bom direito.

Vale observar, que o art. 225, caput, e § 3º, impõem à coletividade e ao Poder

Público, mormente ao Judiciário, quando provocado, defender e preservar o meio ambiente

para as presentes e futuras gerações. Daí a especial importância do deferimento da liminar em

matéria ambiental. Do mencionado dispositivo, extrai-se, também, o princípio da prevenção

e o princípio da responsabilização em matéria ambiental que dá a exata ideia de impedir a

ocorrência ou a continuidade dos eventos danosos ou condutas ilícitas, calhando bem a

liminar.

8.2. PERIGO DA DEMORA

A medida liminar sem a ouvida da parte contrária se impõe para resguardar o

meio ambiente ecologicamente equilibrado e impedir que os riscos ofertados pelas atividades

dos Réus sejam concretizados ou aumentados.

A especial urgência decorre de se evitar que os comportamentos de risco dos

Réus venham a causar danos em razão da distribuição para consumo de seus clientes e

funcionários de água não proveniente da rede pública de distribuição de água tratada, o

que é vedado pela legislação já citada.

Além de danos e riscos à saúde humana as condutas dos Réus de perfurar poços

de captação de água subterrânea e fossas sanitárias, além de também interditadas pela

legislação vigente, são fontes de poluição, sendo urgente a liminar para o curso do processo

não prejudicar a saúde e os bens ambientais, pois a contaminação do lençol 84/90

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MINISTÉRIO PÚBLICO DE MATO GROSSO DO SUL

freático tem por consequência a contaminação da saúde de quem

não dispõe de rede de abastecimento e TEM NECESSIDADE da

água subterrânea PARA VIVER.

A poluição causada reiteradamente chega a níveis que resultam ou podem resultar

em danos a saúde humana, sendo urgente que se determine a eliminação dos riscos de novas

ofensas, cessação das ameaças. Em matéria de poluição não se pode, unicamente, por meio

de medida jurisdicional reverter às lesões já consumadas, motivo pelo qual se pretende

prevenir futuras lesões.

Conforme se constatou no inquérito civil que instrui a inicial, o problema se

mantém atual e há inércia dos Réus na busca de solução adequada. Não pode mais a

população sofrer os efeitos negativos das ações ou das omissões dos Réus com relação à

poluição, considerando que se busca tutelar o meio ambiente e a saúde de pessoas, ou seja,

bens jurídicos de alta relevância, dignos de tutela imediata por parte do Judiciário.

Portanto, estão devidamente reunidas as condições para a concessão da tutela de

urgência.

8.3. MEDIDAS URGENTES: FUNGIBILIDADE

Não obstante, roga-se pela aplicação do princípio da fungibilidade (art. 273, §

7º, do CPC) com o instituto da tutela antecipada genérica (art. 273, I, do CPC), e da medida

cautelar (art. 798 do CPC), caso este juízo entenda ser mais adequado ao caso examinado, em

abono ao princípio da instrumentalidade das formas e economia processual.

9. PEDIDOS

9.1. PEDIDO LIMINAR

Diante do exposto, requer o Ministério Público Estadual, em razão de haver

incontestável disponibilidade de rede pública de distribuição de água tratada, seja concedida a

medida liminar, sem a ouvida da parte contrária, para, até o trânsito em julgado da sentença:

a) determinar aos Réus JOSÉ RODRIGUES DE MORAES-ME e JOSÉ RODRIGUES

DE MORAES que, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa diária a ser arbitrada

por esse Juízo:

85/90

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MINISTÉRIO PÚBLICO DE MATO GROSSO DO SUL

a.1) realizem o tamponamento definitivo (encerramento) dos poços de captação de

água subterrânea existentes nos imóveis em que são exercidas as atividades

econômicas mencionadas na inicial, comprovando nos autos por meio de relatório

técnico, acompanhado de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART); OU

a.2) realizem o tamponamento provisório (tampa metálica com lacre do órgão

ambiental de modo que identifique se houver rompimento) e retirada dos

equipamentos hidráulicos dos poços de captação de água subterrânea existentes

nos imóveis em que são exercidas as atividades econômicas mencionadas na inicial,

comprovando nos autos por meio de relatório técnico, acompanhado de Anotação

de Responsabilidade Técnica (ART) e apresentação mensal das faturas de

consumo de água e esgoto que comprovem o consumo efetivo;

a.3) não utilizem qualquer sistema alternativo de captação de água subterrânea e

promovam efetiva conexão à rede pública de fornecimento de água tratada,

comprovando nos autos por meio de relatório técnico, acompanhado de Anotação

de Responsabilidade Técnica (ART);

a.4) por fim, comprovem nos autos possuírem as seguintes licenças, alvarás etc.,

válidas e vigentes:

a.5) Alvará de Localização e Funcionamento;

a.6) Licença Sanitária;

a.7) Licença Ambiental;

a.8) Licença Especial;

a.9) Certificado de Vistoria do Sistema de Prevenção Contra Incêndio e Pânico;

a.10) Alvará, expedido pela Delegacia Especializada de Ordem Pública e Social (DEOPS).

b) determinar aos Réus MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE, INSTITUTO DE MEIO

AMBIENTE DE MATO GROSSO DO SUL (IMASUL) e ESTADO DE MATO

GROSSO DO SUL que, solidariamente, no prazo de 60 (sessenta) dias, sob pena de

multa diária a ser arbitrada por esse Juízo:

b.1) comprovem nos autos a realização de fiscalização na atividade econômica dos

Réus, objetivando aferir o tamponamento definitivo (encerramento) de qualquer

sistema alternativo de captação de água subterrânea (poços etc.), bem como a

efetiva conexão à rede pública de fornecimento de água;

b.2) comprovem nos autos as providências administrativas e judiciais adotadas

visando o tamponamento definitivo (encerramento) e ambientalmente adequado de

qualquer sistema alternativo de captação de água subterrânea (poços etc.),

86/90

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MINISTÉRIO PÚBLICO DE MATO GROSSO DO SUL

mediante de relatório técnico, acompanhado de Anotação de Responsabilidade

Técnica (ART);

b.3) não concedam e/ou não renovem quaisquer licenças, autorizações, certificado,

outorga etc., relativo ao poço existente ou de outros que por ventura se pretenda

perfurar e/ou utilizar, bem como suspender as eventualmente já concedidas;

c) a expedição de ofício ao Cartório de Registro de Imóveis da 3º Circunscrição

Imobiliária de Campo Grande-MS, determinando o registro da distribuição da presente

ação civil pública nas margens da(s) matrícula(s) nº 3.278 para o fim de dar publicidade e

proteger o interesse e a boa-fé de terceiros;

d) não obstante, alternativamente, caso este juízo entenda ser mais adequado ao caso

examinado, em abono ao princípio da instrumentalidade das formas e economia

processual pela aplicação do princípio da fungibilidade (art. 273, § 7º, do Código de

Processo Civil), defira a tutela antecipada genérica (art. 273, inc. I, do CPC) ou a medida

cautelar (art. 798 do Código de Processo Civil), para conceder liminarmente as

providências acima mencionadas;

e) a citação do(s) Réu(s), na(s) pessoa(s) de seu(s) representante(s) legal(ais), via Oficial de Justiça,

no(s) endereço(s) declinado(s) nesta petição inicial, para cumprir a medida liminar e,

querendo, no prazo legal, contestar os pedidos, sob pena de revelia e seus efeitos,

deferindo expressamente a autorização do art. 172, § 2º, do Código de Processo Civil.

f) desde logo a decretação da inversão do ônus da prova com fulcro nos arts. 6º, inc.

VIII, e 90 da Lei nº 8.078 (Código de Defesa do Consumidor) e do art. 21 da Lei nº

7.347/1985 (Ação Civil Pública), sem prejuízo de ser decretada posteriormente;

g) a expedição e publicação no Diário da Justiça de edital da propositura da presente ação e

de intimação de terceiros interessados, nos termos do art. 94 da Lei nº 8.078 (Código de

Defesa do Consumidor) e art. 21 da Lei nº 7.347/85 (Ação Civil Pública).

9.2. PEDIDO DE MÉRITO

Ao final, invertendo-se o ônus da prova (regra de julgamento), julgar procedente

os pedidos nos seguintes termos:

a) condenar os Réus JOSÉ RODRIGUES DE MORAES-ME e JOSÉ RODRIGUES

DE MORAES, sob pena de multa diária a ser arbitrada por esse Juízo, nas seguintes

obrigações:

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MINISTÉRIO PÚBLICO DE MATO GROSSO DO SUL

a.1) o tamponamento definitivo (encerramento) dos poços de captação de água

subterrânea existentes nos imóveis em que são exercidas as atividades econômicas

mencionadas na inicial, mantendo-os permanentemente tamponados

(encerrados), comprovando nos autos por meio de relatório técnico, acompanhado

de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART);

a.2) a desativação permanente de fossas ou outro sistema alternativo de afastamento

e/ou tratamento de esgoto existentes nos imóveis em que são exercidas as

atividades econômicas mencionadas na inicial, comprovando nos autos por meio de

relatório técnico, acompanhado de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART);

a.3) a abstenção permanente de possuir ou utilizar sistema alternativo de captação de

água subterrânea (poço etc.) e sistema alternativo de destinação de esgoto (fossas

etc.);

a.4) a paralisação imediata das atividades hoteleiras até a obtenção das seguintes

licenças, alvarás etc., válidas e vigentes para todo o tempo do funcionamento:

a.5) Alvará de Localização e Funcionamento;

a.6) Licença Sanitária;

a.7) Licença Ambiental;

a.8) Licença Especial;

a.9) Certificado de Vistoria do Sistema de Prevenção Contra Incêndio e Pânico;

a.10) Alvará, expedido pela Delegacia Especializada de Ordem Pública e Social (DEOPS).

a.11) na obrigação de pagar quantia certa, a título de ressarcimento e/ou indenização pelo

recurso ambiental utilizado (recurso hídrico: água), consoante o método de cálculo

aritmético detalhado no tópico nº 5.2.4 desta inicial, cujos valores deverão ser

depositados em favor Fundo Municipal do Meio Ambiente de Campo Grande-MS

(FMMA), ou a qualquer outro que venha a sucedê-lo, nos termos do art. 13 da Lei

nº 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública);

a.12) na obrigação de pagar quantia certa, a título de dano patrimonial aos consumidores

afetados pelas atividades e seus reflexos (dano individual homogêneo);

a.13) na obrigação de pagar quantia certa, a título extrapatrimonial coletivo, tanto com

relação ao meio ambiente quanto ao consumidor, em importância arbitrada por este

juízo, observando-se os critérios apontados na nesta inicial, a ser revertida aos

respectivos Fundos de meio ambiente e consumidor, consoante dispõe o art. 13 da

Lei nº 7.347/1985 (Ação Civil Pública);

b) condenar os Réus MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE, INSTITUTO DE MEIO

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MINISTÉRIO PÚBLICO DE MATO GROSSO DO SUL

AMBIENTE DE MATO GROSSO DO SUL (IMASUL) e ESTADO DE MATO

GROSSO DO SUL que, solidariamente, sob pena de multa diária a ser arbitrada por

esse Juízo, nas seguintes obrigações:

b.1) fiscalizar e vistoriar as atividades econômicas dos Réus, no mínimo 01 (uma) vez

ao ano, objetivando constatar sistemas alternativos de captação de água subterrânea

e de disposição do esgoto (poços e fossas etc.), bem como as efetivas conexões às

rede públicas respectivas;

b.2) adotar providências administrativas e judiciais para tamponamento definitivo

(encerramento) e encerramento ambiental adequado de quaisquer sistemas

alternativos de captação de água subterrânea e de disposição do esgoto (poços e

fossas etc.), bem como as efetivas conexões às rede públicas respectivas, exigindo

para as respectivas comprovações relatório técnico acompanhado de Anotação de

Responsabilidade Técnica (ART);

b.3) não concedam e/ou não renovem quaisquer licenças, autorizações, certificado,

outorga etc., relativo ao poço existente ou de outros que por ventura se pretenda

perfurar e/ou utilizar, bem como suspender as eventualmente já concedidas;

c) condenar o Réu MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE a, sob pena de multa diária a ser

arbitrada por esse Juízo, não conceder e/ou renovar licenças ambientais simplificadas,

prévia, de instalação e de operação, bem como outras autorizações ambientais e similares,

para as atividades econômicas dos Réus, especialmente hotelaria e similares, sem a

comprovação técnica da não existência de sistemas alternativos de captação de água

subterrânea e de disposição de esgoto (poços e fossas etc.), bem como a efetiva conexões

às redes públicas respectivas, exigindo para as respectivas comprovações relatório técnico

acompanhado de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART);

d) condenar os Réus MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE, INSTITUTO DE MEIO

AMBIENTE DE MATO GROSSO DO SUL (IMASUL) e ESTADO DE MATO

GROSSO DO SUL, solidariamente entre si, mas, subsidiariamente aos demais Réus

(STJ – REsp 1.071.741):

d.1) na obrigação de pagar quantia certa, a título de ressarcimento e/ou indenização pelo

recurso ambiental utilizado (recurso hídrico: água), nos termos do pedido de mérito

letra “a.5” supra;

d.2) na obrigação de pagar quantia certa, a título de dano patrimonial aos consumidores

afetados pelas atividades e seus reflexos (dano individual homogêneo), nos termos

do pedido de mérito letra “a.6” supra;

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MINISTÉRIO PÚBLICO DE MATO GROSSO DO SUL

d.3) na obrigação de pagar quantia certa, a título extrapatrimonial coletivo, tanto com

relação ao meio ambiente quanto ao consumidor, em importância arbitrada por este

juízo, observando-se os critérios apontados na nesta inicial, a ser revertida aos

respectivos Fundos de meio ambiente e consumidor, consoante dispõe o art. 13 da

Lei nº 7.347/1985 (Ação Civil Pública), nos termos do pedido de mérito letra “a.7”;

e) manter e constituir no registro da(s) matrícula(s) nº 3.278 do Cartório de Registro de

Imóveis da 3ª Circunscrição Imobiliária de Campo Grande-MS, a distribuição da

presente ação civil pública e a respectiva sentença, considerando que se cuida de

obrigação propter rem (própria da coisa);

f) condenação do(s) Réu(s) em custas processuais, periciais etc., solidariamente.

Protesta provar o alegado, mediante todos os meios de provas admitidos em

direito, a exemplo da testemunhal, documental, pericial, dentre outras. Dá-se à causa a

importância de R$ 1.000,00 (mil de reais).

Campo Grande-MS, 04 de outubro de 2013.

ANDRÉIA CRISTINA PERES DA SILVA

PROMOTORA DE JUSTIÇA

LUIZ EDUARDO LEMOS DE ALMEIDA

PROMOTOR DE JUSTIÇA

90/90