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Alduisio M. de Souza - Notas de leitura sobre os incorpóreos estóicos no ensino de Lacan. 1 Seminário de Leituras - 2009 : Notas de leitura sobre os incorpóreos estóicos no ensino de Lacan. :: [λ ε χ τ ό ν] Alduisio M. de Souza

Seminário de Leituras - 2009 Notas de leitura sobre os ... · [A topologia lida com superfícies por relações de vizinhança, transformações ou deformações contínuas com agregações

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Alduisio M. de Souza - Notas de leitura sobre os incorpóreos estóicos no ensino de Lacan. 1

Seminário de Leituras - 2009

:

Notas de leitura sobre os incorpóreos estóicos

no ensino de Lacan.

::

[λ ε χ τ ό ν]

Alduisio M. de Souza

Alduisio M. de Souza - Notas de leitura sobre os incorpóreos estóicos no ensino de Lacan. 2

Notas de leitura sobre os incorpóreos estóicos no ensino de Lacan. [λ ε χ τ ό ν]

Alduisio M. de Souza

“Crísipo ensina: Se diz alguma coisa esta coisa passa pela boca; ora, se tu

dizes uma carroça, logo uma carroça passa por tua boca”. Giles Deleuze – Lógica do

sentido.

“Crísipo dizia que bastava lhe dar o tema que ele encontraria sozinho as

demonstrações”. Diógenes Laércio – Retrato de Crísipo.

“Eu quase que nada sei. Mas desconfio de muita coisa. O senhor concedendo,

eu digo: para pensar longe, sou cão mestre – o senhor solte em minha frente uma idéia

ligeira, e eu rastreio essa por fundo de todos os matos, amém!”. Riobaldo – Grande

Sertão: Veredas – Guimarães Rosa.

Dando seguida ao Seminário de Leituras gostaria de iniciar o ano 2009 abordando

em nosso grupo um tema para mim palpitante e que espero como aconteceu no ano 2008 com

a Leitura do “... ou pior” e do “O saber do psicanalista”, tornar as leituras divertidas e cheias

de humor, buscando o fundamento dos conceitos como quando introduzimos como leitura

preliminar “obrigatória” a lógica proposicional de Frege. Tudo aquilo que parecia misterioso

brilhou como um cardume de pirilampos: o que é um acontecimento e qual a relação do

corpo com o conceito lacaniano de SIGNIFICANTE. Afinal qual é sua origem e conseqüente

construção conceitual e como hoje se apresenta em sua importância para a leitura e a clínica?

O significante lacaniano é freudiano, saussuriano, pearciano, fregiano, platônico,

aristotélico ou ele é essencialmente estóico? E se eu respondesse dizendo que o

SIGNIFICANTE lacaniano não é nem um nem outro e que é o Acontecimento que se declina

das causas eficientes identificadas pelos autores citados como simples atributos se

conjugando dos efeitos incorpóreos derivados. Ele é por sua vez derivado do lekton [λεχτόν]

estóico grego em sua materialidade fonatória possível, expressa numa posição actancial.

...................................................................................................................................................... DIGRESSÃO I [Os estóicos consideram das quatro causas aristotélicas somente a causa eficiente já que causa é produção de efeitos, e a suficiência [eficiência] se substitui ao todo. O universal aristotélico é substituído pelo condicional numa sintaxe dos lekta. Diógenes Laércio, citado por Frédérique Ildefonse, faz um plágio a posteriori de nossa Elis Regina: Elis disse: ―Se houvesse uma voz de deus, esta seria a de Milton Nascimento‖. Diógenes Laércio diz: ―Se houvesse uma dialética para os deuses, esta não poderia ser outra senão a de Crísipo‖. O condicional estóico diz: ―Se é homem, é um animal mortal que faz parte da razão‖ e não que: ―Todos os homens são mortais‖. Se existe para os estóicos o universal ele não está num termo categórico, mas numa relação condicional de uma proposição].

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Para um entendimento simples, quase simplório do acima dito partamos do

pressuposto de que nosso corpo enquanto materialidade nos é dado pelos efeitos de

composição de uma escrita quase-consonântica e sua fonação possível quase-vocálica já que

somos parte da natureza, do logos, que somos por estar e se constituir por ele, nele. O quase

aqui é puro movimento de um devir sem tempo – devir louco –, puro ato possível que carece

de efetuação para se tornar uma singularidade. Estes elementos não pertencem ao corpo em

si, é parte dele como seu entorno e como sistema codificado relacional do qual a própria

expressão corpo [nome] está incluída, mas para se tornar presente necessita de um

acontecimento que o faz ser uma singularidade.

A tapinha do pediatra no bumbum do nenê é o exemplo príncipes. É uma ação que é

corpórea porque faz o corpo. O efeito como o grito ou choro é um acontecimento. O

Acontecimento é um incorpóreo, funciona como um lekton, não o exprimível em si, mas o

Alduisio M. de Souza - Notas de leitura sobre os incorpóreos estóicos no ensino de Lacan. 3

que ao se manifestar pode advir como um exprimível singular desde que capturado no corpo

fazendo o próprio corpo. Uma espécie de performativo originário.

...................................................................................................................................................... DIGRESSÃO II [Num exemplo mais do que simples, quase simplório, fugaz podemos ler um pouquinho da revolução antecipatória do estoicismo em 2.300 anos, principalmente por Zenon e Crísipo. O corpo para o estóico é aquilo que é susceptível de agir ou sofrer a ação. Temos aí um primeiro ponto: o poder de ser afetado. O rebento por este poder se faz corpo e daí decorre a afetação de onde deriva o afeto, afeição cujo principio está na simpatia, estado exigido para se viver em harmonia com a natureza considerada como logos o que muitas vezes é confundido como sofrimento e mesmo resignação ao sofrimento e a dor. O estóico ou o estoicismo, ao contrário do que nos ensina a linguagem vulgar não é um ser passivo que tolera de forma acentuada a dor e o sofrimento. Retomaremos quando falarmos de Joe Bousquet e Émile Bréhier. O ato da tapinha tomemo-lo em si sem ainda lhe conferir um ―sentido‖ ao que lhe é próprio. É um ato simultâneo ao efeito que produz: a causa que causa. A causa eficiente – privilegiada pelos estóicos – se define assim por Cícero em ―Sobre o destino‖: ―A causa é o que produz de que ela é a causa, como a ferida em relação à morte, a indigestão em relação à doença, o fogo e o calor. Não se deve, portanto, entender como causa aquilo que precede um acontecimento, mas aquilo que precede produzindo-o‖. OS ESTÓICOS I – Frédérique Ildefonse – Estação Liberdade].

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Temos aqui na montagem de um Toro-trique a captura do Vazio Fora que se torna

um Vazio-interno-endo, como se a espessura fosse corpo-vazio recoberta por uma membrana

como na histologia e anatomia humana a qual Lacan se refere e teremos então o ômentum em

latim de onde parece derivar o adjetivo ominoso ou agourento.

Teremos também um Vazio Interno que se torna oco e vazado e um Vazio Dentro que

se torna fora por uma maneira que podemos, respeitando a linguagem estóica, dizer de uma

declinação de causas tornando-as simples atributos [cortado, revirado, remendado] e

conjugação dos efeitos tornando-os simples acontecimentos [desfazer e reorganizar em um

toro fechado] e temos ≈ UM “CORPO” COM ABERTURA NAS DUAS EXTREMIDADES

“BOCA-ÂNUS”. Em topologia é o procedimento por deformações contínuas.

...................................................................................................................................................... DIGRESSÃO III [A topologia lida com superfícies por relações de vizinhança, transformações ou deformações contínuas com agregações de atributos respeitando a propriedade do objeto, sem levar em consideração as relações métricas. No caso do toro, ou da câmera de ar agregamos os atributos: cortada, revirada, costurada ou furada e revirada. O que resulta é um mesmo objeto que tendo as mesmas propriedades modificam radicalmente sua composição em novas relações, novas vizinhanças, fronteiras, apresentação e capturas de espaços que se revolucionam em novas apreensões e agregações. O toro cortado e revirado, ou, o toro furado e revirado resulta num toro-trique com as mesmas propriedades com a diferença de que para um com a solução de continuidade – seccionado – implicará uma marca externa na superfície e o outro, sem solução de continuidade terá uma marca que permanece interna sendo invisível na superfície externa. Fica aqui a questão que devemos procurar a

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demonstração: se as considerarmos como maneira de lidar com a linguagem terão como resultante dois estilos de rétor: estilo metafórico pelo corte e estilo metonímico, pelo furo. Seria isto demonstrável? O que isto implica nas estruturas subjetivas ou nas propriedades clínicas para um sujeito qualquer?] .................................................................................................................................................................

Tomemos de forma alegórica o ato através do qual podemos emitir uma voz

articulada, isto é, que com-preende. Vamos tentar uma leitura através das ponderações de

Freud, Lacan e Hyppolite sobre “A Negação”, ou como propôs Lacan “A Denegação”. A

linguagem como uma faculdade humana pré-existe ao ser como um exterior que lhe é

independente da qual o sujeito participa unicamente por ser nome: corpo humano. Ela

funciona assim como um universal sem que, no entanto, tenha produzido nenhuma

singularidade que a faça ser escrita enquanto tal para este ou aquele ser, ou seja, que não foi

ainda tornada acontecimento. O advérbio NÃO se faz SIM na circunstância e contexto da

Denegação. Este instante de torção Não/Sim é um Acontecimento, podendo se inscrever

como acontecimento-singularidade. .................................................................................................................................................................. DIGRESSÃO IV

[Leiamos o acontecimento da Denegação, o SIM/NÃO/SIM em seu aspecto de oximoro e paradoxo: ―O senhor pergunta quem pode ser essa pessoa no sonho. ‗Não é minha mãe‘. Emendamos isso para: ‗Então, é a mãe dele‘‖. Entendamos a relação de diálogo. Há um que fala supondo o que o outro está se perguntando. Ao supor ele se responde. O outro escutando sua fala conclui de maneira auto-reflexiva o oposto do que foi dito. Esta reflexão freudiana, independente de sua importância teórica e ética não é a mesma do paradoxo do Mentiroso? Como analisar a proposição ―Eu minto‖: de fato ela parece ser uma proposição verdadeira se for falsa e falsa se for verdadeira. Lacan procede a um desdobramento de uma proposição análoga de fonte diferente no seminário ―A Identificação‖: Epimênides de Creta e Zenon de Citium. Leiamos o paradoxo e tentemos responder às suas interrogações, que não são mais que a estrutura do dito espirituoso e do humor. A leitura de Lacan via Hyppolite, meio hegeliana meio marxista, confere um valor destacado ao instante do enunciado sem levar em conta a enunciação pela qual a negação ao se fazer denegação torna-se uma afirmação e assim é dado privilégio unicamente a pars destruens na dialética hegeliana em detrimento da pars construens, da divisão escolástica. Há aí uma leitura de Deleuze que faltou ser retomada após: ao ―o que determina o ser é a negação‖ hegeliana dará lugar ao ―o que determina o ser é a diferença‖ deleuziano: uma negação que abre o campo da afirmação. No exemplo referido é representado pela conclusão de Freud. Todos nós conhecemos os efeitos unicamente da pars destruens no marxismo com a teoria do Estado de Lênin – A Ditadura do Proletariado. Deleuze arrisca contrapor-se e opõe ao mecanicismo ou logicismo dos marxistas e hegelianos sua perspectiva ontológica construindo uma ética da afirmação e da alegria, via Bérgson e Espinosa cuja gênese está na ―produtividade‖ e na ―produtibilidade‖ e aí a leitura da dialética estóica de Crísipo é essencial, pois privilegia o que pode ser adequado numa causalidade eficiente condicional em detrimento do todo universal.

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Com os Estóicos o humor, a graça e a espirituosidade encontrou o lugar que antes

houvera sido ocupado pela ironia socrática e podemos hoje aí incluir a técnica do Witz [dito

espirituoso, engenhosidade do espírito] diferente do cômico, pois é da ordem do não-senso,

do oximoro, da antífrase e do paradoxal por excelência: pensemos na expressão um cardume

de pirilampos que aludimos e usaremos adiante.

“Era uma vez uma coincidência que tinha saído para dar um passeio com um

pequeno acidente. Enquanto passeavam, encontraram uma explicação, tão velha que

já estava toda encurvada e encarquilhada, que mais se parecia com uma charada”.

Lewis Carroll – Sílvia e Bruno (Citado por Deleuze).

“Os acontecimentos são singularidades ideais que se comunicam em um só e

mesmo Acontecimento; assim possuem uma verdade eterna e seu tempo não é nunca o

presente que os efetua e os faz existir, mas o Aion ilimitado, o Infinitivo em que eles

subsistem e insistem”. (...) “Problemático” “qualifica precisamente as objetividades

ideais”. (...) “Uma dupla luta tem por objeto impedir toda confusão dogmática do

acontecimento com a essência, mas também toda confusão empirista do acontecimento

com o acidente. O modo do acontecimento é o problemático”. (...) “Proclus define o

problema pelos acontecimentos que vêm afetar uma matéria lógica (secções, ablações,

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adjunções etc.)”. (...) “Não se pode falar dos acontecimentos a não ser nos problemas

cujas condições determinam. Não se pode falar dos acontecimentos senão como

singularidades que se desenrolam em um campo problemático e na vizinhança dos

quais se organizam as soluções. (...) As metamorfoses ou redistribuições de

singularidades formam uma história; cada combinação, cada repartição é um

acontecimento; mas a instância paradoxal é o Acontecimento no qual todos os

acontecimentos se comunicam e se distribuem. O Único acontecimento de que todos os

outros não passam de fragmentos e farrapos”. Gilles Deleuze – Lógica do sentido.

O corpo humano possui órgãos diferenciados e funções corpóreas e incorpóreas que

outros animais carecem: a fala, a representação e órgãos como, por exemplo, o polegar

opositor que lhe permite a preensão, mas, sobretudo possui o elemento incorpóreo do

paradoxal, do Acontecimento como o do advérbio NÃO/SIM como julgamento em sua

problematicidade que lhe permite a função incorpórea da com-preensão. Ou, análoga à

representação compreensiva dos estóicos [Zenon e Crísipo]: “phantasia katalèptikè”. ................................................................................................................................................................................................................................

DIGRESSÃO V [Vejamos uma alegoria estóica em Cícero e uma citação de Diógenes Laércio trazida por F. Ildefonse: ―Ninguém sabe nada exceto o sábio. Zenon o demonstrou por meio de gestos. Mostrava a mão aberta, os dedos esticados: ―Aqui está a representação‖ dizia ele; depois contraía levemente os dedos: ―aqui está o assentimento‖. Em seguida fechava a mão dizendo: ―Aqui está a compreensão‖; aliás, é consoante a esta imagem que ele deu a este ato um nome que não existia até então, chamou-o katalípsis; depois com a mão esquerda, ele apertava com força a direita dizendo: ―Aqui está a ciência que ninguém possui, exceto o sábio‖ ... ―Os estóicos consideram que é preciso colocar, em primeiro lugar, a teoria da representação e à sensação, na medida em que o critério, através do qual a verdade é conhecida, é genericamente uma representação, e também um assentimento – e a da apreensão e da intelecção –, que vem antes das outras, não pode existir sem a representação‖. ... ―A representação vem de fato em primeiro lugar, depois o pensamento, que é predisposto à palavra, que exprime pela linguagem o que ela experimenta do fato da representação‖. (Diógenes Laércio)]. ......................................................................................................................................................

Pois bem, no ano de 312 a.C. aportou em Atenas um homem torto, baixinho,

puxando o pescoço para um dos lados, negro e sobrevivente de um naufrágio. Foi no Pórtico

Poecile [Porto das Pinturas] que expôs em princípio seu ensino: ele falava de razão, de voz,

de linguagem, do corpo e dos incorpóreos [exprimíveis, tempo, espaço, vazio, ou seja, aquilo

que hoje dizemos que não possuem imagem especular]. Se pudermos pensar num existencial

em Freud seria quase impossível e teoricamente incorreto, dentro da intertextualidade entre

homens de cultura supor que ele não conhecia a teoria dos Estóicos senão não teria

formulado suas assertivas sobre a incorporação, sobretudo do que chamou de primeira

identificação por incorporação: com o pai antes de qualquer noção de objeto. O que era

então incorporado? ─ Um valor! Um elemento que hoje podemos responder com certo

conforto: um SIGNIFICANTE no sentido que lhe deu Jacques Lacan. Mas, a resposta a mais

imediata e mais extensiva é que se trata de um elemento INCORPÓREO, ou mesmo

imaterial. Não se trata de um substituto, não há um antes a não ser o que pode ser deduzido

num depois. Não há testemunho. É uma incorporação que em si mesmo cria a existência do

corpo e do incorpóreo, aliquid, que será a condição de toda simbolização o que Freud em

1925 vai trabalhar no texto “A Denegação”. Algo que se torna um dentro sem nunca ter sido

um fora já que precedente a qualquer objeto, ou a qualquer corpo. Creio que sacar o que aí

está dito é essencial para podermos ler Lacan sem desconhecer a origem dos conceitos que

fundaram seu ensino inicialmente orientado para a leitura de Freud e um recenseamento da

literatura psicanalítica e obras afins.

1º. INTERMEZZO SAUDOSISTA

Bastante jovem fui surpreendido por um devir louco de uma declaração

de amor que relato em meu romance histórico “A outra banda do rio”. Estava

apaixonado e depois de uma série de acidentes, eu um estudante exilado errante

Alduisio M. de Souza - Notas de leitura sobre os incorpóreos estóicos no ensino de Lacan. 6

em Paris pós 1968, conheci Fernanda, para os íntimos Nandina que vinha da

ilha de Sardenha na Itália. Entre juras de amor eterno recebi dela um presente

que muito me enalteceu, mas que ao mesmo tempo me deixou intrigado: uma

pulseira com a seguinte inscrição: Aujourd´hui + qu´hier et ─ qu´á demain.

Literalmente, naquela época portava o seguinte dizer: Hoje te amo mais que

ontem e menos que amanhã. Não nego que sempre ao ter diante de meus olhos

tal declaração não fosse acometido de certa estranheza. Era como se houvesse

ali um movimento que não me permitia segurá-lo, tê-lo com algo que me desse

segurança de ser querido ou amado.

FIM DO 1º. INTERMEZZO SAUDOSISTA O entendimento do acontecimento, o que os estóicos chamam de com-preensão

[como entendo e traduzo a representação compreensiva de Zenon e Crísipo] ou seja, se

apossar estando junto sendo seu tempo presente por ali estar em sua superfície condicionante,

só me ocorreu quando lendo “Lógica do sentido” de Giles Deleuze, dez anos mais tarde topei

com a seguinte assertiva concernindo “Alice” e “Do outro lado do espelho” de Lewis Carroll:

“Alice” assim como “Do outro lado do espelho” tratam de uma categoria de

coisas muito especiais: os acontecimentos, os acontecimentos puros. Quando digo

“Alice cresce”, quero dizer que ela se torna maior do que era. Mas por isso mesmo ela

também se torna menor do que é agora. Sem dúvida não é ao mesmo tempo em que ela

é maior e menor. Mas é ao mesmo tempo em que ela se torna um e outro. Ela é maior

agora e era menor antes. Mas é ao mesmo tempo, no mesmo lance que nos tornamos

maiores do que éramos e que nos fazemos menores do que nos tornamos. Tal é a

simultaneidade de um devir cuja propriedade é furtar-se ao presente. Na medida em

que se furta ao presente, o devir não suporta a separação nem a distinção do antes e

do depois, do passado e do futuro. Pertence à essência do devir avançar, puxar nos

dois sentidos ao mesmo tempo: Alice não cresce sem ficar menor e inversamente. “O

bom senso é a afirmação de que, há um sentido determinável; mas o paradoxo é a

afirmação dos dois sentidos ao mesmo tempo”. Giles Deleuze, Lógica do sentido: Do

puro devir.

Então o Acontecimento se quiser dar-lhe uma formulação é a apreensão do paradoxal,

diria mesmo do infinitivo verbal do paradoxo. É poder estar mergulhado e fora da água,

encontrar com um cardume que está ali e voando na escuridão do céu ao mesmo tempo. Mas

como então apreendê-lo? Simplesmente não se furtando a ele já que o presente dele se furta e

ao sermos tomados pela estranheza do paradoxo ou do não-senso, nós somos seu tempo

presente, sendo nossa com-preensão sua escrita, que nos toma, arrebata como no exemplo

que veremos do olhar da anamorfose nas artes plásticas.

Qual é o acontecimento do crescer da Alice ou da declaração de amor de Fernanda

que lhes contei? ─ Tornar-se ao mesmo tempo maior e menor, amar ao mesmo tempo mais e

menos! Como apreendê-los ou com-preendê-los? ─ Voltando ao jardim de infância, ou se

soltando num delírio poético, pois à mestra que nos convoca respondemos: ─ Presente! Isso

não implica nada mais que estar ali, ser registro de uma presença. Ou dizer à la Gôngora que

a nave pende encalhada numa imortal memória e que tem por nome Vitória: o labirinto

barroco do poema nos faz dizer: ─ Presente, já que presente é sua com-preensão! Sonho de

um universal não esquecido – [aletéia = não esquecido] –, mas impossível, que é estar aí no

eterno luzir de um existente no Aion ou ser o aí no sentido tal ao que é dado por Heidegger

[être le lá] ou como na enunciação do aoristo grego a exemplo do busco-a-mim: análogo ao Y

a d´l´être ou Y a d´l´Un. Nada mais que existência pura que não assegura nem o encontro do

ser nem de que haja um, a não ser o um da inexistência = há algo que falta. Há o exprimível,

um virtual que precisa se fazer atual ou simplesmente sua fonação e como voz articulada para

que possa advir como uma proposição: λεχτόν.

Alduisio M. de Souza - Notas de leitura sobre os incorpóreos estóicos no ensino de Lacan. 7

Quantos de nós não somente na prática clínica, mas e também na vida cotidiana não

somos confrontados com os chamado já-visto, [dejá-vu] ou já-ouvido ou uma simples

superposição entre uma suposta percepção, memória ou lembrança à qual depois de relatada

produz certa estranheza e a dúvida se teria sido ou não real? A própria questão do trauma, se

real ou fantasia está na base da descoberta do inconsciente e invenção da psicanálise. O

outrora chamado em psiquiatria de escotomização, perda ou ausência de acuidade visual, de

binocularidade ou uma espécie de cegueira seletiva é o signo que está na base de muitos

procedimentos absolutamente comuns no uso da linguagem tais como recalque, forclusão ou

rejeição. Confiram adiante o sonho do OVO que oscila como um pêndulo.

Mestre Guimarães Rosa artesão lapidar do espírito dizia glosando o lugar comum do

escotoma metafórico: o pior cego é aquele que quer ver. Ao que não quer ver, sendo ou não

cego, deixemo-lo em paz, pois sem dúvida ele terá onde cair morto! Sabemos que da terra

ninguém passará, a única impossibilidade seria conseguir água para saciar a sede do peixe

já que ele vive pela boca, mesmo no caudaloso Velho Chico que não é Rio-baldo. Sic.

...................................................................................................................................................... DIGRESSÃO VI = [O tempo puro da enunciação:]

[―O bom português, homem-de-bem e muitíssimo inteligente, mas que, quando ou quando, neologizava, segundo suas necessidades íntimas. Ora, pois, numa roda, dizia ele, de algum sicrano, terceiro ausente:

— E ele é muito hiputrélico... Ao que o indesejável maçante, não se contendo, emitiu o veto:

— Olhe meu amigo, essa palavra não existe. Parou o bom português, a olhá-lo, seu tanto perplexo: — Como?!... Ora... Pois se eu estou a dizer? — É. Mas não existe. Aí, o bom português, ainda meio enfigadado, mas no tom já feliz de descoberta, e apontando para o outro, peremptório: — O senhor também é hiputrélico... E ficou havendo”. in Guimarães Rosa – Tutaméia].

...................................................................................................................................... Sei da estranheza e incômodo causado pela minha insistência a que estudemos o

Barroco pelo procedimento metodológico que Lacan adotou desde o início de seu ensino.

Hoje quando buscamos de maneira quase arqueológica trabalhar certos textos fundamentais

de Lacan podemos perceber que são como uma montagem de estratos superpostos por

camadas que dissimulam e que somente deixam a última mão de tinta como um acabamento

que devemos tomar e ler como um dizer. O exemplo mais evidente é do texto “Função e

Campo” que segue todo o movimento de Copérnico, Galileu, Kepler e Giordano Bruno, que

é a própria história do Barroco, mas que tem por base geradora do texto o poema de Eliot “A

terra devastada” [The Waste Land]. O próprio procedimento de Lacan é um trompe-l´oëil

teórico literário.

Creio que a arte barroca foi a que fez de tudo isso um procedimento artístico de rara

complexidade e beleza com as elipses e volutas, os enigmas, os labirintos espaciais e

temporais, mas, ao preço que bem sabemos, de enormes sacrifícios para liberar o espírito

criador e científico contra o obscurantismo da religião e da ciência.

“Se no interior de uma igreja barroca o observador se põe em movimento,

experimenta a mesma impressão de ambigüidade que o leitor do Quixote quando vai

passando de um capítulo a outro. Nada parece estável. Há um mover do estreito para o

amplo, da escuridão para a luz; a planta parece estar em patente contradição com as

abóbodas e as cúpulas, nas quais volta a dominar o redondo e o ovalado, enquanto as

paredes estáticas com seus revestimentos de estuque parecem mover-se por si mesmas

e se tornaram dinâmicas. Não há dúvida de que nesses casos em que a perspectiva e a

complicação do Barroco se põem à prova, a crítica tanto literária como artística se

encontra perdida, não tem termos adequados e precisos para explicar-se e se vê

obrigada a recorrer à musica para fazer-se entender por meio de aproximações e

analogias que não podem ser objetivadas em termos próprios. A música representa de

Alduisio M. de Souza - Notas de leitura sobre os incorpóreos estóicos no ensino de Lacan. 8

modo mais evidente a dinâmica das vozes melódicas livres e inquietas sobre o sossego

estável do baixo contínuo”. A. R. Sant´Anna – Barroco – 2000 – Rocco, p.158/159.

Bem, voltando para terra firme e estável do que lhes contava, assim, somente depois

de muitos anos pude perceber que ali, naquela frase da pulseira, independente de ser uma

declaração de amor era um lekton, um expresso que, independente de seu conteúdo era um

acontecimento puro. Um devir louco que somente pude compreendê-lo teoricamente depois

de minha análise através do conceito de semblante no ensino de Lacan. Única maneira de nos

acercar da verdade enquanto tal e de poder com ela conviver sem o maniqueísmo a que

somos habituados culturalmente.

A ética estóica segue o princípio de Zenon de viver segundo a natureza e é daí que

decorre seu lema: “não ser indigno daquilo que nos acontece”, sem, no entanto fazer da

singularidade uma fatalidade queixosa ou festiva como para os Cínicos e Epicuristas, pois há

uma identidade a mais íntima entre o acontecimento e aquilo que somos com a sua efetuação

[e contra efetuação], já que ocorre em nós. Se o acontecimento é eterno, pois puramente

noemático sua efetuação é uma singularidade, pois ela ao se fazer sentido, é uma noese.

Leiamos o esboço de biografia de Emile Bréhier de Pierre-Maxime Schuhl, que o

qualifica de Estóico, ou o capítulo que Gilles Deleuze nos fala do poeta Joe Bousquet, na “A

lógica do sentido”, na vigésima primeira série “Do Acontecimento”. O que era para eles os

ferimentos de guerra: para um a amputação de um braço e para o outro ser reduzido à

completa paralisia? ― Acontecimentos!

“(...) o mais profundo é o imediato; por outro lado, o imediato está na

linguagem. O paradoxo aparece como destituição da profundidade, exibição dos

acontecimentos em superfície, desdobramento da linguagem ao longo deste limite. O

humor é esta arte da superfície, contra a velha ironia das profundidades ou das

alturas”. (...) “É preciso chamar Joe Bousquet de estóico. A ferida que ele traz

profundamente no seu corpo, ele a apreende [eu diria com-preende] na sua verdade

como acontecimento puro, no entanto e tanto mais que. Assim como os acontecimentos

se efetuam em nós e esperam-nos e nos aspiram, eles nos fazem sinal: “Minha ferida

existia antes de mim, nasci para encarná-la””.

Creio que estoicamente seria mais correto dizer para que não se preste a enganos que

é preciso chamar do ponto de vista da filosofia estóica a Joe Bousquet de rigorosamente

estóico, pois ele é sem negar a ferida e nem ser por ela dissolvido. É aquele cuja ferida entra

em harmonia com sua natureza: é assim que ele é. Não é porque ele não se queixa, mas

porque ele é por sua vez rigoroso consigo e falando de sua ferida seria como se dissesse: “O

Eu que agora vos fala escrevendo é harmônico com a ferida, pois como acontecimento ela é

o próprio desdobrar da linguagem em seus acontecimentos e suas singularidades que fazem

parte do meu ser”.

Não há aí nenhuma atitude filosófica Cínica ou de gozo das delícias de Epícuro e nem

de nosso jeitinho ou faz de conta. Numa alegoria eqüestre seria como se Eu dissesse que a

linguagem é uma cavalgada louca do tempo [Aion], mas se aí um cavalo passa encilhado

posso tentar uma efetuação de minha própria cavalgada fazendo-me presente, o que nada

mais é que seguir o tempo da cavalgada trotando Eu mesmo, seja no lombo de um zaino ou

caminhando com minhas próprias pernas sobre os meus pés. Se minha disposição ela permite

àquele que quer me falar de sua cavalgadura poder bem dizer sua afetação, ou de seu poder

de ser afetado, muito bem, senão amém! É a abertura de possibilidades para se dizer o

impossível, ou seja, o que não é legislado pela contradição. Podemos nessa alegoria eqüestre identificar as relações proposicionais bem distintas:

é isto, há a cavalgada do tempo pela linguagem [designação]; há um deslizar do tempo em

certo ritmo que Eu devo sacar [manifestação]; deverei montar de certa maneira senão não

me sustento, [a significação]; o sentido é a razão mesma de não perder o cavalo encilhado.

Alduisio M. de Souza - Notas de leitura sobre os incorpóreos estóicos no ensino de Lacan. 9

O que está em jogo é simplesmente o se dispor a, que é o semblante no sentido

conceitual e não no sentido puramente coloquial ou vulgar do fazer-de-conta.

Como as coisas, conceitualmente, não dizem respeito ao Acontecimento, somente o

estado de coisas [o semblante = estado e disposição das coisas] interessa ao Acontecer, ao

Devir, a maneira das coisas em suas misturas e superfícies deslizantes na linguagem para sua

com-preensão, trata-se então da urgência em sua co-extensão linguageira. A urgência só

existe na linguagem “... ou pior”.

O semblante Lacaniano como já historiei sua origem para a língua francesa – La

chanson de Rolland – é uma maneira de ser diante de um Acontecimento puro em sua função

de verdade, pois ele é a ocorrência do dizer em si mesmo, o desfiar de seu rosário de

linguagem e não podemos nem afirmar que se é nem que se não é. Esta é a posição do

analista, tal como com-preendo o ensino clínico de Lacan. Falar de semblante torna-se

delicado já que perdemos de vista o vernáculo e utilizamos as palavras no seu sentido

puramente usual e circunstancial e semblante dessa maneira é um fingimento, um faz de

conta, uma simples aparência. Mas seu conceito deve ser com-preendido em seu conjunto

próprio no ensino de Lacan, distinto quando é coloquial e quando é conceitual. A posição de

semblante em seu sentido conceitual só é possível para aquele que foi confrontado com

acontecimentos puros, ocorrências, eventos que possuem um em si que comanda atos, por ser

o exemplo mesmo do Ato, ou seja, o que se performa no instante mesmo da ação.

Caberia aqui uma interrogação: será porque é tão difícil a leitura de certos conceitos

lacanianos? Do semblante; do se autorizar; de forclusão etc.? ................................................................................................................................................................... DIGRESSÃO VII [A exigência da própria análise para o praticante é a exigência de poder se confrontar com Acontecimentos puros. Mas o que é um Acontecimento puro? A definição coincide com o próprio conceito de definição de Crísipo: a definição é explicação do próprio (apodosis tou idiou). O próprio seria aquilo sem o quê a coisa ou a explicação não teria razão de ser: o irredutível. Tenho insistido muito sobre isso e em particular sobre a questão do final de uma análise: o encontro ou mesmo invenção do próprio do nome próprio (isso implicando a afirmação com implicação do nomear, ser nomeado e nomeante). Isso é o que estou chamando de Acontecimentos puros. Para os diferentes campos do saber e da prática todos sabemos da especificidade da análise para o-devir-analista, condição e o que define a disciplina e sua prática como tendo uma propriedade que nenhuma outra profissão tem. Daí pode concluir que isto define a psicanálise como definição de seu próprio].

...................................................................................................................................................

A situação analítica, rigorosamente considerando é um espaço privilegiado de

Acontecimentos [mas não o único]. Por quê? ― Simplesmente porque se torna um artifício

capaz de excluir a pessoalidade do analista e do analisante, exclui o exercício da suposição

ou da hipótese, das contradições, ali ele, o Analista é Interlocutor é como puro lugar de

escuta para o analisante reduzido aos significantes de seu dizer. É abertura do possível ao

campo do Outro cujo procedimento indica como sendo verdadeira – por seu ato de dizer –

qualquer coisa que o analisante lhe diga já que o conteúdo não lhe compete julgar, mas

simplesmente ordenar dentro da lógica monádica da função argumento numa estrita lógica

proposicional. O que chamamos de ATO ANALÍTICO é o procedimento assertivo de um

sentido dado a um acontecimento, ou melhor, a um puro Acontecimento lhe fazendo ser por

sua pontuação [interpretação] e que advenha como uma singularidade que problematiza o

relato dos acontecimentos-ficções [fantasia, associação, sonhos, lapsos, ditos espirituosos]

desvelando um puro efeito de verdade através do desvelar de um significante Mestre [um

imperativo], que em si mesmo nada diz, mas que se encaixa numa ordem do dizer permitindo

ao sujeito dizer outra coisa. É este o ato que nos interessa enquanto analistas no conceito de

ATO ANALÍTICO, mas que nada garante ou se traduz em nenhum fato de realidade para a

vida, mas de um ganho em saber dizer, e aí sim, temos um elemento referencial: a estrutura

do DISCURSO ANALÍTICO, exclusivo unicamente em situação transferencial. O viver

como história do analisante aí se situa como problematicidade, pois se assim não fosse ele

Alduisio M. de Souza - Notas de leitura sobre os incorpóreos estóicos no ensino de Lacan. 10

não precisaria ali estar. A presença de um significante puro por não se acoplar a outro numa

seqüência ou série [S1→ S2] é o que cria um buraco, um vácuo no qual o sujeito pode se

submergir. Ele opera como não-senso, estranheza, sintoma ou angústia. É um puro efeito sem

causa determinada. Ele é não senso e paradoxal, aliquid.

...................................................................................................................................................... DIGRESSÃO VIII

[Bem, mas, eis o que diz Crísipo citado por Cícero ―Sobre o destino‖: ―Se existe um movimento sem causa, toda enunciação que os dialéticos chamam de axioma, não seria verdadeira nem falsa; pois aquilo que não tiver causa eficiente não será verdadeiro nem falso; ora toda enunciação é verdadeira ou falsa; portanto o movimento sem causa não existe‖. (...) Diz Frédérique: ―... os estóicos propunham paradoxalmente uma teoria da linguagem tão sistematicamente elaborada que ela se tornou destacável de seu lugar filosófico original: esse objetivo iria servir em pouco tempo, de maneira lateral ao aprimoramento de uma nova gramática‖. (Cf. La naissance da la grammaire dans l´Antiquité grecque – F. Ildefonse) in OS ESTÓICOS de Fréderique Ildefonse, p. 124/125].

......................................................................................................................................................

Aliquid sem passado e sem futuro o puro Acontecimento que se produz e que se faz

presente unicamente por seu devir paradoxal, chamado logicamente de devir louco, por poder

ser exprimível, como um presente que se afirma de forma assertiva como o do terceiro tempo

da asserção da verdade no tempo lógico. Puro luzir de um instante, [briluz = brillig de

Carroll no Jabberwocky ou Jaguadarte com tradução de Augusto de Campos] um topos no

atópico, em um triz de ponto de basta que se faz-desfaz-ao-se-fazer. Uma luminescência

como de um espirro de um pirilampo se afogando. Leiamos, com espírito poético, os relatos

das viagens dos descobrimentos antes da elaboração dos mapas cartográficos marítmos. São

poemas iluminados por um cardume de pirilampos. ................................................................................................................................................................................................................................

DIGRESSÃO IX [Se estivermos considerando o significante puro por sua produção equivalente ao Acontecimento puro em seu devir, a consistência dessa analogia exige que consideremos aquilo que desvela o poder de ser afetado na própria afetação. É o instante de verdade, o briluz de Carroll, e assim teremos aí posto a relação de que a verdade proposicional do lekton pode ser tomada como sustentação do manifestante Eu pelo Imaginário Egóico ou na posição equívoca do Simbólico para o Sujeito o que nos remete à conceitualização do lekton como proposição verdadeira, mas cuja verdade é dada simplesmente por seu ato de presença – o que quer dizer sua escrita como corpo [cifrado] – e ela assim será elevada à condição de um enigma ou um paradoxo. E aí teremos novamente a relação do tempo do infinitivo paradoxal, como do corpsificar que trataremos adiante sobre os incorpóreos que fazem corpo].

.....................................................................................................................................................

A pontualidade de um significante em sua pureza de Acontecimento, isto é, de sua

produção, nos é atestado pelo dizer de um analisante curioso que ao situar como possível

causa de um sofrimento um simples fonema ou mesmo uma ordem semântica equivocada e

que ao final na com-preensão de tal elemento em outra ordem e série poderá ser motivo de

uma sonora gargalhada – ou o contrário – já que o que estava em causa era o sentido que lhe

fora outorgado por injunção [o imperativo] de uma ficção histórica com-preendida por um

Eu e que afinal poderia ser derrisória e mesmo desprezível no sentido lógico, ou então

lastimável quando parecia ser desprezível. Não era o Acontecimento por seu representante

[aqui chamado de significante mestre: S1] que estava em jogo, mas a maneira de sua

efetuação ou contra-efetuação que trabalhava como sustentáculo de uma verdade sempre

fugidia. Ou seja, o em jogo era o próprio semblante da verdade em seu paradoxo.

...................................................................................................................................................... DIGRESSÃO X [A estrutura não é a mesma do paradoxo do Mentiroso? Como analisar a proposição ―Eu minto!‖?: — De fato ela parece ser uma proposição verdadeira se for falsa e falsa se for verdadeira].

......................................................................................................................................................

O que estamos chamando de puros Acontecimentos, ou de afogamento de um

pirilampo, trata-se daquele elemento SIGNIFICANTE, aliquid, o Sq do matema da

transferência, que luz e aponta e desde que o queiramos apanhar se esvai, desvanece, e

Alduisio M. de Souza - Notas de leitura sobre os incorpóreos estóicos no ensino de Lacan. 11

ficamos com um puro efeito de estranheza, de uma diferença pura [puro dizer] já que para

dele falar, conferir-lhe um sentido ele surge como um não-senso, às vezes uma verdadeira

montagem estilo palavra-valise que escreve, marca, é acomodada, [e já que estamos falando

de estrelas lhe chamamos de Cruzeiro do Sul etc.] mas que deixa um vácuo, uma

descontinuidade em si à qual tentamos dar suporte. Aí temos como um visor de apreender o

Real que está em sua base não susceptível de uma causalidade simples, pois é o

ACONTECIMENTO EM SI MESMO. Ponto que Lacan a meu ver tentou situar com a

experiência do PASSE para torná-lo uma singularidade compartilhável como do modalmente

impossível, rebelde à contradição que pode advir [exprimível = lekton], mas que em si é

indecidível, pois é o próprio corte como Real: . Daí a dimensão do ACONTECIMENTO

PURO = PURO ATO, pois clinicamente é o que orienta a direção de uma cura, a que o

sujeito possa topar para advir de um Acontecimento – apontado por um Significante Mestre –

ser efeito da causa que nele se dissimula, tornando-a um atributo, um tornar-se para ser uma

singularidade do sujeito.

...................................................................................................................................................... DIGRESSÃO XI

......................................................................................................................................................

Aqui temos aquilo que Lacan diz não ter substância [corpo], que é rebelde a toda

idéia, que não tem imagem especular e que, no entanto sendo algo que falta ao seu lugar, e

sempre faltará, pois é a performatividade de um incorpóreo que faz buraco, mas não deixa de

ser um objeto, mas um objeto incorporal cujo corpo é o nada que preenche o vazio: objeto a

causa e busca de um gozo em promessa: agalma. É o que define o próprio da psicanálise,

cuja lógica então é paradoxal. É homólogo ao movimento da cosmologia de Pearce:

“(...) não podemos aceder ao que havia antes pela simples operação analítica que

consiste em retirar do que teve depois tudo o que constitui o caráter desses depois, já que

o antes que determinamos então só é antes deste depois, sendo tão somente uma

especificação imaginária desse depois. (...) O depois assim só se define do antes por essa

inscrição particular. Mas o fato de que o antes seja inscrito no depois não significa de

maneira alguma que o encontremos aí: já que a única coisa que caracteriza o antes é

justamente não ser inscrito, ou seja, não ser também um não-inscrito. Dito de outra

maneira, o antes é o que não é inscrito que não é nada, e depois é o mesmo não, mas

inscrito. O não-inscrito em geral Peirce o chama de potencial, que apresenta problema

em sua determinação”. François Recanati – “... ou pior”, em 14 de junho de 1972.

Para ser pensado o Acontecimento, Giles Deleuze propõe uma forma que faz uma

leitura de Aristóteles a partir dos Epicuristas e Estóicos numa declinação de causas que se

tornam simples atributos à existência de uma conjugação de efeitos incorpóreos. Ele então

acrescenta em de conclusão:

“O acontecimento é co-extensivo ao devir e o devir por sua vez é co-extensivo

à linguagem; o paradoxo é, pois, essencialmente “sorite” isto é, série de proposições

interrogativas procedendo segundo o devir por adições e subtrações sucessivas. Tudo

se passa na fronteira entre as coisas e as proposições. Crísipo ensina: Se diz alguma

coisa esta coisa passa pela boca; ora, se tu dizes uma carroça, logo uma carroça

passa por tua boca”. Giles Deleuze – La logique du sens.

SORITE: polissilogismo no qual o atributo da primeira proposição se torna sujeito da

segunda, o atributo da segunda, sujeito da terceira, e assim sucessivamente, e no qual a

conclusão une o sujeito da primeira e o atributo da última. Podemos perceber a homonímia

entre o sorite e o que Pearce chamará de retórica pura ou mesmo o que Lacan irá dizer da

função do analista como rétor [rheteur]. Se a referência é pertinente ela será tributária do

esquema deduzido de Pearce através de seu triângulo semiótico:

Alduisio M. de Souza - Notas de leitura sobre os incorpóreos estóicos no ensino de Lacan. 12

O exemplo mais evidente se pode dizer dessa operação nós encontramos no Toro

trique desde que resultado de um reviramento de um toro comum [câmera], como da

ilustração da página 2. O vazio do fora é incorporado como um dentro e se faz corpo do

vazio. Escutem bem: CORPO DO VAZIO. Aqui vale lembrar os apólogos do pote em

Heidegger e dos potes de mostarda em Lacan.

Na definição dos incorpóreos encontramos quatro categorias: os exprimíveis ou

lektons [λεχτόν], o vazio, o lugar e o tempo. Todas quatro convergindo para a noção de

ACONTECIMENTO ou evento. Base para os futuros estudos de semiologia e a criação de

tantas semióticas. “(...) Volto primeiro ao corpo do simbólico, que convém entender como

nenhuma metáfora. Prova disso é que nada senão ele isola o corpo, a ser tomado no

sentido ingênuo, isto é, aquele sobre o qual o ser que nele se apóia não sabe que é a

linguagem que lho confere, a tal ponto que ele não existiria, se não pudesse falar. (...)

O primeiro corpo faz o segundo, por se incorporar nele. (...) Daí o incorpóreo que fica

marcado o primeiro, desde o momento seguinte à sua incorporação. Façamos justiça

aos estóicos, por terem sabido, com esse termo – o incorpóreo –, assinalar que o modo

simbólico tem a ver com o corpo. (...) Incorpórea é a função, que faz da matemática

realidade, a aplicação, de igual efeito na topologia, ou a análise, em sentido amplo, na

lógica. (...) Mas é incorporada que a estrutura faz o afeto, nem mais nem menos, afeto

a ser tomado apenas a partir do que se articula do ser, só tendo ali ser de fato, por ser

dito de algum lugar. (...) No que se revela que, quanto ao corpo, é secundário que ele

esteja morto ou vivo. (...) Quem não conhece o ponto crítico pelo qual datamos, no

homem, o ser falante? – a sepultura, ou seja, o lugar onde se afirma de uma espécie

que, ao contrário de qualquer outra, o cadáver preserva o que dava ao vivente o

caráter: corpo. Permanece como corpse, não se transforma em carniça, o corpo que

habitava a fala [* palavra] que a linguagem corpsifica”. Jacques Lacan – Scilicet 2/3

– p. 61 e Outros escritos p. 406/407.

Atenção ao erro grave de tradução [*], pois ele só pode habitar a palavra e em sua

literalidade de corpse não a fala, pouco importando sua fala, nem mesmo se é um corpo vivo

ou morto, pois é ela, a palavra por sua escrita como partícipe da linguagem que realiza a

corpsificação que é então incorpórea-performativa. Há na tradução uma confusão na

proposição entre: designação, manifestação, significação e sentido como se fosse a mesma

operação.

O neologismo verbal proposto por Lacan é literal – corpsificar – e nos remete a

relação de corpo como um incorporal que é e não é corpo no sentido substantivo, mas

unicamente corpo como um acontecimento. Podemos de maneira inferencial proceder à

seguinte reflexão: um corpo que cresce, sendo então por este acontecimento maior que o

corpo antecedente e menor que o conseqüente que corpo é ESTE? Como apreender o

acontecimento crescer, tornar-se maior e menor ao mesmo tempo? Ou nos servindo da frase

já citada concernindo ao amor como apreendê-lo? Não seria a maneira mesma da escrita

impossível da VERDADE no Infinitivo verbal do Tempo, do Aion que ao se fazer

acontecimento-singularidade se inscreve, mas cuja existência por ser pontual perde sua

consistência, como da frase conclusiva de Borges concernindo seu Aleph: “(...) O que meus

olhos viram foi simultâneo: o que irei transcrever sucessivo, pois assim é a linguagem”. O

Aleph, Universo “visto”, o Acontecimento [Aion] se perde, pois para ser dito terá de sê-lo

num tempo cronológico da gramaticalidade resultando num acontecimento-singularidade.

Alduisio M. de Souza - Notas de leitura sobre os incorpóreos estóicos no ensino de Lacan. 13

Historicamente podemos datar a Escola Estóica de 312 a.C. data da chegada de Zenon

de Citium à Atenas a 180 d.C. morte de Marco Aurélio. O Estoicismo, juntamente com o

Epicurismo foi a última grande Escola Grega [pós Alexandre] que se tornou e podemos

mesmo dizer que criou as bases do Helenismo por sua vocação universal, sua visão cósmica

diferente da visão da Polis Grega. Estóico quer dizer Stoa em Grego que é traduzível por

Pórtico é principal fonte do Helenismo, expansão propiciada pelas conquistas de Alexandre

Magno, pensador, guerreiro, estrategista astucioso que decepou o Nó Górdio [– 356 – 323

a.C.], discípulo de Aristóteles, Rei e Chefe da Confederação Helênica que estenderá seu

domínio a toda Europa à Ásia e África no seu curto reinado de 33 anos e da morte de Marco

Aurélio [121 – 180 d.C.], imperador Romano, humanista e último grande pensador do

Estoicismo Greco-Romano.

Os historiadores, entre os quais Pierre-Maxime Schuhl e Emile Bréhier apontam três

grandes períodos formais do Estoicismo na era pós-Alexandre:

1º. Antigo Estoicismo – Fim do IV e III século a.C. = Zenon, Cleanthe e Crísipo.

2º. Médio Estoicismo – Do final do III e todo o I século a. C. = Possidônio e Panécio.

3º. Novo Estoicismo ou Estoicismo Imperial – Início do I até o III século d.C. =

Sêneca, Epíteto e Marco-Aurélio. O tema que nos concerne de imediato, os exprimíveis incorpóreos – lektons – na

dialética estóica cuja idéia central é de Zenon e cujo desenvolvimento coube a Crísipo, o que

podemos mesmo resumir numa lógica proposicional em completos e incompletos. Os lektons

completos são de fato as proposições e os incompletos são as partes da proposição que se

articulam por vínculos sintáticos ao ser expressa por um discurso. Diferentemente de

Aristóteles para quem as proposições se dão entre conceitos, a dialética estóica se dá não com

as coisas ou conceitos, mas através de enunciados [narrativas proposicionais] sobre as coisas

e da relação do sujeito e um atributo sempre expresso por um verbo. Os exemplos clássicos:

escreve ou caminha é um atributo de uma proposição exprimível incompleta. Sócrates

escreve ou Dion caminha nos dá uma proposição exprimível completa, sem, no entanto

adquirir a função de juízo categórico, mas de relação entre eventos condicionais

[acontecimentos]. A sabedoria estóica decorre do princípio de harmonia de Zenon no qual o

homem deve viver segundo a natureza que para os estóicos é LOGOS que permeia com sua

umidade toda a realidade. Assim é da natureza como um Acontecimento para uma

singularidade.

Do ponto de vista lógico, silogístico, Umberto Eco aponta o fato que o silogismo

hipotético, que ele diz ser a glória dos Estóicos, Aristóteles o desconhece em sua forma

lógica, ou seja, da implicação: . Segundo ele os estóicos distinguem claramente na

linguagem verbal entre “expressão = σημαϊνον”, “conteúdo = σημαινόμενον” e “referente =

τνγχάνον”, sugerindo que o conteúdo seja um “incorpóreo”. Eles prepararam o terreno para

pensadores como Freud, Saussure, Pearce, Frege, ou seja, o possível para o advento da

lingüística, da psicanálise e do estudo científico da linguagem, inclusive das novas

matemáticas pós-Euclides.

“São incorporais o vazio, o lugar, o tempo e portanto as relações espaciais e

as seqüências cronológicas, como são incorporais as ações e os eventos. Os

incorporais não são coisas, são estados de coisas, modos de ser. São incorporais a

superfície geométrica ou a secção cônica privada de espessura” (...) “Entre os

incorporais os estóicos colocam o “lekton = λεχτόν” que foi traduzido diferentemente

por “exprimível”, “dirtum” ou “dizível”. (...) O “λεχτόν” é uma categoria semiótica”

(...) “... é uma proposição”. ECO, Umberto – Semiótica e filosofia da linguagem.

Os estóicos distinguem vários tipos de juízos compostos que reúnem os enunciados

simples: o juízo hipotético que exprime a relação entre antecedente conseqüente – [Se há

fumaça há fogo]. O juízo conjuntivo que simplesmente justapõe fatos – [É dia, está claro]. O

juízo disjuntivo que separa os enunciados, de modo que só um deles pode ser verdadeiro –

Alduisio M. de Souza - Notas de leitura sobre os incorpóreos estóicos no ensino de Lacan. 14

[Ou é dia, ou é noite]. O juízo causal que exprime uma relação de causa a efeito – [Está claro

porque é dia]. Juízo que expressa a idéia quantitativa de mais ou de menos – [Fica menos

claro quando é mais noite]. Em grande parte o juízos estóicos são sorites, por acumulação de

premissas que se implicam. Reparem bem que o que estamos chamando de juízos opera

sobre estado de coisas e não em sua qüididade. Não podemos pegar o dia, a noite, a claridade

etc. São puros estados de coisas condicionais cuja consistência está no movimento do verbo.

O próprio noema é feito verbo como nos grandes mestres da Literatura e em particular ao que

nos ocupamos freqüentemente: Gôngora, Carroll, Joyce e nossos Guimarães Rosa e Manoel

de Barros, ou ainda o inusitado Sousândrade.

Às vezes um não-senso, um neologismo inusitado ou uma invenção genial num jogo

de superfície deslizante: furiante; prostitutriz; aeiouar; noitar; aurorear; desaparecer de

cantar; etc. etc. e tao. Se um substantivo pode se tornar verbo ou adjetivo, as possibilidades

são múltiplas, por afixação, do prefixo ou sufixo, a aglutinação e deslocamento ou

simplesmente uma invenção neológica para dar conta de uma circunstância existencial.

Pois bem, isso é o que nos interessa de mais perto, pois aí incluímos a técnica do dito

espirituoso, presente em toda linguagem sob as formas de condensação semântica e

deslocamentos sintáticos ou mesmo simplesmente misturados.

Já lhes falei de um atendimento de um caso grave de mutismo e catatonia onde o que

tivemos para o trabalho era um pequenino grão de areia de um sonho: um OVO que oscilava

no espaço como um pêndulo. Ao repetir simplesmente a palavra OVO um pequeno

palíndromo lhe dando um ritmo temporal em seu vai vem de pêndulo se destaca a expressão:

O VÔ! E aí surgiu a possibilidade de um tratamento com a saída súbita da cliente do

mutismo e da catatonia. Tomemos a proposição: O OVO, e trabalhemos dentro das

possibilidades de com-preender seu movimento e as possíveis implicações proposicionais

que contêm como um Acontecimento. O OVO em si mesmo é uma COISA, mas seu oscilar

pendular é um estado condicional de COISAS tanto do ponto vista temporal quanto espacial

[a coisa OVO e a palavra OVO]: OVO = → [OVO ↔ O V O] ↔ [O V O] ↔ [O V

O] ↔ [O → VÔ!]. Temos aqui a mesma questão do corporificar : a fala realiza pelo que

está escrito na palavra na forma de um palíndromo, senão seria puramente imaginário.

Analisemos numa perspectiva lacaniana sem desprezar o instrumental estóico o

Acontecimento: o momento em que a imagem de um OVO oscilando se desfaz da imagem e

se coloca a serviço da escrita, do literal, modificando seu ritmo e assim produz um novo

sentido e uma nova escrita com uma espécie de condensado valise que desfiará seu rosário

de linguagem: fantasia ou realidade, pouco importa, de uma sedução pelo AVÔ. Temos aí o

Acontecimento, puro, paradoxal, que teria sido escrito como um Significante Mestre, S1,

desarticulado e que só então virá ocupar seu lugar como uma singularidade para a cliente,

fazendo-se elemento de uma narrativa, ou seja, serializado.

A importância e a potência do Estoicismo – e sua paixão pelos paradoxos – pode até

hoje ser verificada através das diversas semiologias mesmo não formalizadas como escolas

espalhadas pelo mundo tendo como expoentes contemporâneos Charles Pearce, Lewis

Carroll, Erza Pound, James Joyce, Ferdinand de Saussure, Jacques Lacan, J. L. Borges, Julio

Cortazar, Giles Deleuze, Alain Badiou, Roland Barthes, Roman Jakobson, Haroldo de

Campos, Umberto Eco etc. Como nos adverte o grande compilador e tradutor do Estoicismo

Emile Bréhier, não é de bom-tom falar numa escola Estóica, mas de pensadores estóicos

estando dado a grande e variada extensão do estoicismo no tempo e na história da civilização. Será que não seria de suma importância que pudéssemos fazer uma reflexão e

procurássemos exemplos seja do trabalho ou mesmo da vida cotidiana para que

ordenássemos o que é o mais primário para uma leitura e uma escuta analítica sem o que

nosso trabalho fica comprometido a ponto de podermos dizer que, sem isso não é nem

freudiano nem lacaniano, mas propriamente uma prática próxima do empirismo inglês do

Alduisio M. de Souza - Notas de leitura sobre os incorpóreos estóicos no ensino de Lacan. 15

século XVIII e XIX? Percebam por favor, a questão da relação do Acontecimento com o

Encontro com o objeto, não como encontro de um objeto e nem de reencontro. Da topada

pela qual o animal humano se humaniza por ter de lidar com o Real.

Mas como poder ler, traduzir e adequar tudo isso com a seqüência do que estamos

estudando concernente à lógica proposicional em sua operação básica de função e argumento

em suas relações fundamentais de negação, conjunção, disjunção e implicação? Não

devemos perder de vista que a lógica que Lacan trabalha é a lógica proposicional estóica lida

e atualizada por Frege no século XIX/XX.

Dentro do chamado círculo da proposição devemos identificar o que é mais

conveniente aos efeitos de superfície – linguagem – chamados de Acontecimentos:

A Primeira Relação da proposição é a designação ou indicação: é isto ↔ não é isto,

em relação ao falso e ao verdadeiro (isto, aquilo, ele, aqui, acolá, ontem, agora, ora etc.).

A Segunda Relação da proposição é a manifestação: inferências causais; eu, tu,

amanhã, sempre, alhures, em toda parte. O nome próprio é um indicador privilegiado e o Eu

é o manifestante de base.

A Terceira Relação da proposição a significação: trata-se da relação das palavras com

conceitos universais ou gerais e das ligações sintáticas com implicações de conceito. São os

casos das demonstrações.

“Os significantes lingüísticos são então essencialmente “logo”; “implica”. A

“implicação” é o signo que define a relação entre as premissas e a conclusão; “logo”

é o signo da asserção, que define a possibilidade de afirmar a conclusão por si mesma

no final das implicações”. (...) “A significação não fundamenta a verdade, sem tornar

ao mesmo tempo o erro possível. Eis por que a condição de verdade não se opõe ao

falso, mas ao absurdo: o que é sem significação, o que não pode ser nem verdadeiro

nem falso”. [Deleuze – A lógica do sentido].

A Quarta Relação da proposição é o sentido. Este elemento da 4ª. Relação aí nós

situamos o lekton [λεχτόν], o puro acontecimento ou mesmo o Acontecimento, paradoxal e

infinitivo em sua expressão verbal. Seria a expressão e ponto de sustentação do círculo da

proposição que vai da designação, à manifestação e à significação.

“O sentido é a quarta dimensão da proposição. Os Estóicos a descobriram

com o acontecimento: o sentido é o expresso da proposição, este incorporal na

superfície das coisas, entidade complexa e irredutível, acontecimento puro que insiste

ou subsiste na proposição”. [Id.]

Como apreender o puro acontecimento do crescer, ficar maior e menor ao mesmo

tempo, mais claro e mais escuro, mais estreito e mais largo? Ou nos servindo da frase já

citada concernindo ao amor, amar mais ou amar menos como apreendê-lo? É a escrita do

impossível da VERDADE, pois não-toda , e a escrita da existência no Infinitivo do

tempo, do Aion, que é passado-futuro em subdivisão infinita se esquivando de todo presente.

Aquilo que somente podemos inferir rompendo o círculo das proposições como se faz com a

estrutura da cinta de Moëbius quando a desdobramos e a reviramos desfazendo sua meia

torção e percebemos que passamos do outro lado, mas... se há uma única face o que seria o

outro lado? O maior do menor, ou o menor do maior? O mais do menos ou o menos do mais?

O mais claro do mais escuro ou o menos escuro do mais claro? O mais estreito do mais largo

ou o mais largo do mais estreito? O que é exterior e interior? Existiria o mais interior do mais

exterior ou o mais exterior do mais interior? E porque este “outro lado” necessita de um

corte? De um salto?

É o salto de com-preensão do instante paradoxal o que já demonstrei para vocês com

o enlace de toros daquilo que é externo e interno ao mesmo tempo, que se faz como

extimidade que realiza o extensional e o intensional ao mesmo tempo, que era o projeto de

Lacan desde a Proposição de 1967.

Alduisio M. de Souza - Notas de leitura sobre os incorpóreos estóicos no ensino de Lacan. 16

O trabalho com a superfície do toro, ou dos toros, não nos trás indicações para pensar

o paradoxal ou pensar o Acontecimento? O Acontecimento não seria puntilhado pelo uso de

uma quarta pessoa do verbo em sua conjugação singular, como nos diz Deleuze citando a

Maurice Blanchot sobre a morte às quais devemos acrescentar os versos e canções do poeta

anarquista francês Léo Ferré: ─ O uso de A gente ou mesmo de maneira majestática do Nós

no singular quando elimina a pessoalidade: a gente morre ou nós morremos!

O tradutor de Deleuze para o português se perde no equívoco do termo francês

personne que é ao mesmo tempo pessoa e ninguém com o qual Ulisses [Odisséia] engana

seus algozes no episódio do Ciclope. Personne de Ulisses é o Ninguém do Ciclope que lhe

salva.

Mas... será que o Aleph de Borges não teria sido escrito por Pierre Ménard que

tornar-se-ia por este Acontecimento também autor de Dom Quixote?

Deleuze nos diz, citando a Alexius Meinong, filósofo e psicólogo austríaco [1853 –

1920], aluno de Brentano contemporâneo de Freud que criará uma teoria do objeto do

conhecimento que tenderia a ultrapassar a oposição entre o realismo e o idealismo, os objetos

impossíveis que insistem e subsistem na linguagem, objetos que são puros acontecimentos

ideais inefetuáveis como coisas: quadrado redondo; matéria inextensa; eloqüência muda;

barulho silencioso etc. A estes objetos não podemos aplicar o princípio da contradição que

somente é aplicável ao real e ao possível, mas não ao impossível: “os impossíveis são extra-

existentes reduzidos a este mínimo e, enquanto tais insistem e subsistem nas proposições”.

Leiamos os poetas barrocos e os autores da literatura fantástica que fazem da linguagem

personagem: Gôngora, Lewis Carroll, James Joyce, Guimarães Rosa, Osman Lins, Jacques

Lacan etc. ou tão somente a técnica dos sonhos e dos ditos espirituosos.

O sentido como o expresso só existe em ato na proposição só podendo insistir e

subsistir. “O expresso não se parece de forma nenhuma com a expressão. O sentido se

atribui, mas não é absolutamente atributo da proposição, é atributo da coisa ou do

estado de coisas. O atributo da proposição é o predicado, por exemplo, um predicado

qualitativo como verde. Ele se atribui ao sujeito da proposição. Mas o atributo da

coisa é o verbo verdejar, ou antes, o acontecimento expresso por este verbo; e ele se

atribui à coisa designada pelo sujeito ou ao estado de coisas designado pela

proposição em seu conjunto”. [Id.]

O sentido então não existe fora da proposição e ele é o exprimível ou o expresso da

proposição e atributo do estado de coisas e só assim podemos considerá-lo um

“acontecimento” a não ser confundido com sua efetuação espaço-temporal em um estado de

coisas. O acontecimento então é o sentido expresso no infinitivo:

“Do verde como cor sensível ou qualidade distinguimos o “verdejar” como

noemático ou atributo. A árvore verdeja e a árvore arvorifica”. [Id.]

Leiamos um fragmento de Dom Luis de Gôngora y Argote, na página seguinte, sobre

acontecimentos marítimos: a estrutura do verso é uma montagem de uma grande metáfora

[Acontecimento] construída de metáforas [acontecimentos-singularidades] de forma elíptica

paradoxal, pois fala de acontecimentos de linguagem que exige cortes e dobras como se fosse

um papel crepom plissado o qual dá o ritmo e o tom de cada palavra da composição.

Veremos assim com o tema do gongórico acontecimento noemático a tomada do Tempo

como o do crescer de Alice, do arborizar da árvore, do amar de Fernanda, do instante

dissonante na polissemia musical e poética, da fuga na música, na arquitetura, na pintura e

na poesia, através desse verso errante do poeta errante.

A palavra errante em espanhol foi cunhada por Gôngora [Sec. XVII] em seu célebre

poema Soledades Primeira que inspirou, segundo Octávio Paz o “Primero Sueño” de Sóror

Juana Inês de la Cruz –, e aqui, a mim, pela métis ou astúcia de nosso jeitinho, evocando o

serinar de uma musa – Maysa errante – vertida pelo Mestre outrora um clássico Grego –

Alduisio M. de Souza - Notas de leitura sobre os incorpóreos estóicos no ensino de Lacan. 17

Péricles – gênio da raça – Eugênio – como numa ode arcaica seiscentista – Silva – aculturada

pelo gênio vegetal brasílico – Ramos – no verso seguinte:

..................................................................................................................................................... DIGRESSÃO XII [Já que em poesia – ou seja, nos puros acontecimentos de linguagem – uma coincidência pode muito bem sair para dar um passeio com um pequeno acidente, foi em 1858 (1885) que Joaquim de Sousa Andrade, ou simplesmente SOUSÂNDRADE escreveu o épico O GUESA [O ERRANTE], poema de 13 cantos com 3.342 estrofes. É o mais completo manifesto barroco do nosso Século XIX, comparado por Haroldo de Campos, para a nossa língua e cultura à Odisséia de Homero – Ulisses – para a língua e cultura Grega].

CANTO PRIMEIRO 1858 (Como da 1ª. Edição)

Eia, imaginação divina! Noticia de Humboldt: Os Andes [Conta a lenda, que O GUESA, errante Volcanicos elevam cumes calvos, sem asilo e casa fora raptado da casa Circumdados de gelos, mudos, alvos, paterna, de uma vila hoje chamada de Nuvens fluctuando ─ que espectac´los grandes! Llanos de San Juan, na Cordilheira Lá,onde o poncto do kondor negreja, sendo a partir então criado no templo do Scintilando no espaço como brilhos Sol em Sogomozo devendo ser imolada D´olhos, e cae a prumo sobre os filhos aos 15 anos, seu sangue e coração Do lhama descuidado; onde lampeja sendo então ofertado ao Sol. Da tempestade o raio; onde deserto, Lenda sincrética onde se misturam O azul sertão formoso e deslumbrante, elementos Egípcios, Chineses, Indianos Arde do sol o incêndio, delirante Muyscas e símbolos zodiacais]. Coração vivo em céu´profundo aberto!

......................................................................................................................................................

Fragmentos dos discursos sobre os descobrimentos marítimos: Gôngora - Polifemo.

[↓ “Do estreito de Magalhães às ilhas da Oceania”. ↓]

“Zodíaco después fue cristalino (1) “Zodíaco depois foi cristalino

A glorioso pino, Ao pinho triunfal

Émulo vago del ardiente coche Émulo vago do carro de fogo

Del Sol, este elemento, Do Sol, este elemento

Que quatro vezes había sido cientro (5) Que havia quatro vezes sido um centro

Dosel al dia y tálamo a la noche, Dossel ao dia e leito à noite logo,

Cuando halló de fugitiva plata Quando encontrou de fugitiva prata

La bisagra, aunque estrecha, abrazadora A estreita dobradiça abraçadora

De un Oceano y outro siempre uno, De um Oceano a outro, sempre uno,

O las columnas bese o la escarlate, (10) Ou as colunas beije ou a escarlata,

Tapete de la aurora. Tapete para a aurora.

Esta pues nave ahora Esta, pois, nave, agora,

En el húmido templo de Neptuno No templo úmido do deus Netuno

Varada pende a la inmortal memória Pende encalhada, uma imortal memória,

Con nombre de Victoria”. (15) Com nome de Vitória”.

Alduisio M. de Souza - Notas de leitura sobre os incorpóreos estóicos no ensino de Lacan. 18

Procuremos recompor o texto de Gôngora – como fizemos com o “Um Lance de

Dados” de Mallarmé – sobre os descobrimentos marítimos sem citar literalmente nenhum

fato e nenhum nome nessa travessia [efeitos] que tem por elemento gerador a primeira volta

ao mundo feita por Pigafetta em 1533, pelo Estreito de Magalhães.

O subtítulo e as referências entre colchetes são de minha estrita responsabilidade para

efetuar um sentido que eu mesmo quero apreender e controlar como se a metáfora carecesse

de um referente. Mas, a metáfora que aqui nos interessa e nos compete não carece de nenhum

referente e é aquela que se dá na relação pura entre o representâmen e o interpretante no

triângulo de Pearce cujo referente é um implícito que nos permite usufruir algum gozo de seu

escondimento ou enigma como de um ocelo que mostra e dissimula o olho e nos permite

assim olhar pela tomada que dele sofremos.

Bem, voltemos para terra firme, pois corremos o risco de nos afogar em

luminescências epifânicas junto ao cardume de vaga-lumes ou pirilampos.

Diz-nos então Gilles Deleuze:

“A questão é a seguinte: há alguma coisa, aliquid, que não se confunde nem

com a proposição ou os termos da proposição, nem com o objeto ou o estado de coisas

que ela designa, nem com o vivido, a representação ou atividade mental daquele que se

expressa na proposição, nem com os conceitos ou mesmo as essências significadas?”.

Será que não estamos bordejando topologicamente conceitos lacanianos? De Real, de

Semblante e de Ato? E mesmo definindo o Analista e sua função precípua de ocupar o lugar

de Semblante do Objeto?

Temos na anamorfose de Holbein do quadro “Os embaixadores” a presentificação do

sujeito sob a forma de olhar do memento mori barroco em oposição ao carpe diem

renascentista. Ou seja, o alerta: no esplendor da existência dos corpos [vaidade] lembra-te

que irás morrer! E mais, na referência dos personagens da pintura, a relação entre o poder

eclesiástico e político sob o olhar e a guarda do poder da morte [memento mori] que apreende

e anula a vaidade de todos eles.

Citemos o crítico Lafuente-Ferrari – já há tanto tempo! – que a meu ver resgata o

barroco da consideração de uma arte anômala e o recoloca em seu devido lugar conseguindo

segundo Helmut Hatzfeld uma “mise au point” da querela entre historiadores do Barroco:

“O Barroco... não foi uma deterioração da arte clássica, mas a espontânea

reação da arte ocidental, que trata de reatar a continuidade de seu próprio devir”.

/(...)/ “... no ardente catolicismo da Contra-Reforma, serviu... para expressar... a ânsia

de eternidade e de salvação, essa idéia da dignidade do homem... diante do absoluto...

ânsia de imortalidade”. [Id]

Mas, se o tomamos assim como uma espécie de oximoro barroco – o esplendor ↔

corrupção – é também a figuração da morte como ânsia de eternidade, renovação da vida,

como é eterno o próprio Acontecimento, o AION, e veremos o Barroco com B. maiúsculo

como um renascimento espontâneo dentro de um Renascimento de encomenda da Igreja

Católica para anular a reforma luterana e purgar por antecipação os crimes da Inquisição que

era então gestada. O Barroco é elipse e eclipse e, sobretudo surpresa e movimento num

verdadeiro grito-silencioso de alerta e revolta, o que podemos inclusive ter uma noção de sua

semiologia na obra de Aleijadinho – arquitetural e escultural –, na qual trabalhou com uma

espécie de burca branca por imposição da confraria religiosa, através da qual só apareciam

seus olhos e mãos de cinzel-espátula – em particular da Igreja Nossa Senhora do Ó em

Sabará – MG uma de suas obras-primas. Sua obra trás os traços de sua dor, não porque não

se queixava, mas porque era ele – o Aleijadinho – que podemos ler em símbolos que se

espalham na superfície de suas obras o que os torna Acontecimentos puros: um ESTÓICO,

no sentido tal como foi considerado para Emile Bréhier e Joe Bousquet.

Alduisio M. de Souza - Notas de leitura sobre os incorpóreos estóicos no ensino de Lacan. 19

2º INTERMEZZO SAUDOSISTA

Somente como curiosidade sobre o estilo que Barão do Rio Branco

destacou em Euclides da Cunha em seu barroquismo no texto “Os sertões”

dizendo que ele escrevia com cipós, citado por Affonso Romano de Sant´Anna,

há uma construção curiosa em Flores de Goiás, adiante de Formosa na estrada

que leva de Brasília para Salvador, num desvio a esquerda a setenta e cinco

quilômetros de Formosa. É um pequeno arraial que teve grande importância no

sentido político-cartorial, pois era o centro de definições de registros de

Propriedades que se fazia num conluio da Igreja e do Estado. O que hoje são

cartórios civis na época era paroquial, cujos arquivos ainda permanecem na

casa paroquial ou o assim chamado, pois nada mais é que um tapera sem

paredes e teto. Há uma única Igreja na pracinha onde se organiza a cidade

tendo ao fundo o Rio Paranã. A madeira usada é basicamente o guatambu e

cipós, elementos naturais que se vergam e se deixam trabalhar pela mão

humana como um elemento plástico. Temos um estilo barroco-rococó de rara

beleza. As volutas são feitas de cipós, as curvaturas necessárias à nave central e

os arabescos parecendo construções mouras de rara beleza. É a maior beleza

rústica que já vi de uma construção feita pelos moradores com a orientação do

padre que vinha uma vez por ano. Eu a visitei por acaso em 1986 e não sei nem

mesmo se ainda existe, já que Flores de Goiás naquela época já em decadência

deixava ver o esqueleto do que houvera sido outrora em taperas e muros de

adobe como vestígios.

FIM DO 2º INTERMEZZO SAUDOSISTA

E ainda mais, podemos preservar assim seu caráter de destino sobrenatural – mistério

– ao nos furtar ao binário, com a presença de uma tércia pessoa verbal, sempre ausente já que

em termos proposicionais diante dela o Eu e seu correlativo Tu se desvanecem já que Ela [a

morte] não tem Eu e nem seu correlato por implicação Tu – [↔] –, não participando da

enunciação a não ser pelo dizer como de uma negação absoluta [NÃO], privativa, pars

destruens, pura ausência, mas que é abertura como afirmação – pars construens – para o

fundamento mesmo da possibilidade do simbólico como efetuação dessa negação que ao ser

dita, falada, afirmada – na elaboração a posteriori tanto forclusivamente quanto

discordancialmente – se efetua como um acontecimento-singularidade: do AION ao

CRONOS, ou então na invenção de uma quarta pessoa: A-GENTE, o NÓS MAJESTÁTICO

ou NINGUÉM.

Na anamorfose o olho fica submetido à figura e deve se encaixar em um ângulo

oculto [espaço] para ver na mesma figura o Olhar que o “puntilha” para um possível

encontro do objeto. Este encontro é um Acontecimento, como o é o do tempo infinitivo no

movimento noemático do tornar-se, do amar, do verdejar como vimos. O verbo-objeto,

como o corpsificar porta e é ao mesmo tempo um dizer que caberá ao sujeito dar-lhe suporte

como singularidade em sua fantasia. O suporte poderá ser tanto por sua efetuação como

Alduisio M. de Souza - Notas de leitura sobre os incorpóreos estóicos no ensino de Lacan. 20

contra-efetuação. Qualquer um escreve o acontecimento registrando-o simplesmente como

um existente modal . , existe ou , não existe, escrevem a existência.

Atenciosamente Alduisio

ALGUMAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS NÃO PONTUAIS

(1) LES STÖICIENS – Pierre Máxime Schul – Bibliotèque de La Plêiade – Gallimard. NRF.

(2) DELEUZE, Gilles – A lógica do sentido – Perspectiva.

(3) LACAN, Jacques – Mais, ainda – Seminário 20 de 1972.

(4) LACAN, Jacques – Écrits – Seuil 1966.

(5) LACAN, Jacques – O saber do insabido de um-embuste dá asas ao amor (engodo) – 1976/1977.

(6) MOREIRA DE SOUZA, Alduisio – Os impasses do amor – Artes Médicas – 1988.

(7) DORGEUILLE, Claude – A segunda morte de Jacques Lacan – Artes Médicas – 1987.

(8) LACAN, Jacques – Outros Escritos – JZE – 2001

(9) MOREIRA DE SOUZA, Alduisio – A trilogia claudeliana – cadernos daimon 9 – CCGR.

(10) LACAN, Jacques – Seminário III – As psicoses – JZE – p. 276.

(11) WÖLFFLIN, Heinrich – Renascença e Barroco – Perspectiva – 2005 [1915].

(12) GUIMARÃES ROSA, João – Obras Completas – Nova Aguilar.

(13) VILHENA, Heloisa Araujo – O Roteiro de Deus – Mandarim – 1996.

(14) SANT´ANNA, Affonso Romano – Barroco – Do quadrado à elipse – Rocco – 2000.

(15) LACAN, Jacques – Escritos – JZE –

(16) LACAN, Jacques – SCILICET, I. 1968

(17) Lettres de l´École número 16 de 1975.

(18) DAMOURETTE, Jacques & PICHON, Edouard – Essai de grammaire de la langue française – 7

volumes – D´ARTREY – 1911-1940.

(19) LACAN, Jacques – O momento de concluir – Seminário 1977/1978 – Inédito – Tradução própria.

(20) LACAN, Jacques – Os sabichões erram (Les non-dupes errent) – 1972/1973. Tradução própria.

(21) MALLARMÉ, Stephane – Panaroma de Finnegans Wake – Haroldo de Campos – Perspectiva – 1975.

(22) CHIAMPI, Irlemar – Barroco e modernidade – Perspectiva – 1998.

(23) HATZFELD, Helmut – Estudos sobre o Barroco – Perspectiva – 1988.

(24) LACAN, Jacques – Os sabichões erram (Les non-dupes errent) – Tradução própria.

(25) HARDT, Michael – Gilles Deleuze – Um aprendizado de filosofia – Editora 34 – 1996.

(26) ÁVILA, Affonso – in Barroco teoria e análise – Perspectiva – 1997.

(27) BAZIN, Germain – in Barroco teoria e análise – Perspectiva – 1997.

(28) WÖLFFLIN, Heinrich – Renascença e Barroco – Perspectiva – 2005 [1888]

(29) MOREIRA DE SOUZA, Alduisio – Mais, ainda mais no C.O.R.P.O.... ou pior!

(30) LACAN, Jacques – Radiofonia – Scilicet 2/3 e Outros Escritos – JZE – 2003

(31) PAZ, Octávio – Sóror Juana Inês de La Cruz – As armadilhas da fé – Mandarim – 1998.

(32) GÔNGORA, Dom Luis y Argote – Fábula de Polifemo e Galatéia e Fragmentos de Soledades –

Tradução e comentários de Péricles Eugênio da Silva Ramos – Editora Hedra – Edição de 2008.

(33) HAUSER, Arnold – Maneirismo – Perspectiva – 1965 (2007).

(34) LACAN, Jacques - “... ou pior” – RECANATI, François está anexado – Tradução própria.

(35) LACAN, Jacques – “... ou pior” – Seminário 1971/1972 – p. 77.e Tradução própria.

(36) LACAN, Jacques – “O momento de concluir” – Seminário 1977/1978 – Tradução própria.

(37) BALTRUSAITIS, Jurgis – in ANAMORPHOSES – Flammarion 1984.

(38) LACAN, Jacques – Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise – JZE – 1979.

(39) LACAN, Jacques – “… ou pior” – Tradução própria.

(40) FREUD, Sigmund – Obras completas – Standard Edition.

(41) FREUD, Sigmund – Cinq Psychanalyses – PUF – 1973. Tradução própria.

(42) ECO, Umberto – Semiótica e filosofia da linguagem – Instituto Piaget – Lisboa.

(43) DELEUZE, Gilles – A Dobra – Leibniz e o Barroco – PAPIRUS – 4ª. Edição 2007.

(44) CABRAL, PIGAFETTA, CARA-DE-VACA e outros relatos – L & PM POCKET – RGS.

(45) VOLTAIRE, François Marie Arouet – Cândido – L & PM POCKET – RGS.

(46) BARROS, Manoel – Gramática Expositiva do Chão – Civilização Brasileira – 1990.

(47) CRUGLAK, Clara – A Clínica da Identificação – Companhia de Freud – 2001.

(48) MOREIRA DE SOUZA, Alduisio – A Outra banda do Rio – TCHÊ, [Grande Prêmio Açorianos de

Literatura 2002] p. 285.

(49) MOREIRA DE SOUZA, Alduisio – UMA ALEGORIA – O POLEGAR OPOSITOR ESTÁ PARA O

CORPO ASSIM COMO O NÃO ESTÁ PARA A LINGUAGEM – Aula do Seminário de Leituras 2007.

(50) ILDEFONSE, Frédérique – Os Estóicos I – Estação Liberdade – 2006.

(51) SOUSÂNDRADE - Poesia e prosa reunidas – ACADEMIA MARANHENSE DE LETRAS Ed. 2003.

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