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SEMINÁRIO I – DERECHO PROCESAL
A CONSTITUCIONALIDADE JUSFILOSÓFICA DAS PRISÕES CAUTELARES PENAIS
RODRIGO LARIZZATTI: Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA, em Buenos Aires. Delegado de Polícia Civil do Distrito Federal, desde 1999, e professor de Direito Criminal da Escola Superior de Polícia Judiciária do DF - ESUP/ADEPOL, da
Academia de Polícia Civil do DF - APC/PCDF, do Grancursos e do IMPCursos. Graduado Bacharel em Direito pela Universidade Paulista - SP em 1995, pós-graduado Especialista em Metodologia do Ensino Superior pela Universidade Católica de Brasília - UCB em 2001 e Especialista em Gestão Policial Judiciária pela Academia de Polícia Civil do Distrito Federal - APC/PCDF e Faculdade Fortium em 2008. Autor do livro COMPÊNDIO DE DIREITO PENAL, publicado pela Editora Grancursos e destinado à preparação para concursos públicos.
2012
SEMINARIO I – DERECHO PROCESAL A CONSTITUCIONALIDADE JUSFILOSÓFICA DAS PRISÕES CAUTELARES PENAIS
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ÍNDICE INTRODUÇÃO 02
CAPÍTULO 1 – PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS PROCESSUAIS 04
A Dignidade da Pessoa Humana 04
Devido processo legal 06
Ampla defesa e contraditório 07
Presunção de inocência 08
Inadmissibilidade das provas ilícitas 09
CAPÍTULO 2 – CAUTELARIDADE 11 Pressupostos de validade 11
Prisões Cautelares 12
Prisão em Flagrante 13
Prisão Preventiva 14
Prisão Temporária 15
A prisão cautelar na Argentina 17
CAPÍTULO 3 – CONSTITUCIONALIDADE 19 Interpretação conforme a Constituição 21
Proporcionalidade constitucional 22
CONCLUSÃO 24
BIBLIOGRAFIA 26
SEMINARIO I – DERECHO PROCESAL A CONSTITUCIONALIDADE JUSFILOSÓFICA DAS PRISÕES CAUTELARES PENAIS
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INTRODUÇÃO
Em 04 de maio de 2011 foi promulgada no Brasil a Lei nº 12.403, que entrou
em vigor após um período de vacância de 60 dias e alterou diversos dispositivos do
Código de Processo Penal Brasileiro. Sob o argumento de buscar uma maior aproximação
do estatuto processual penal aos valores constitucionais em vigor, em especial a
dignidade da pessoa humana, fundamento da Carta Magna e seguindo a tendência
jusfilosófica do minimalismo penal, trouxe significativas alterações no panorama das
prisões processuais, fiança, liberdade provisória e demais medidas cautelares penais,
afastando ao máximo as hipóteses legais de privação de liberdade individual antes de uma
condenação definitiva.
A inovação normativa elencou novas medidas cautelares, de cunho judicial,
que têm por objetivo garantir a eficácia e a utilidade do processo, evitando a aplicação
daquelas que restrigem a liberdade individual. Dentre elas destacam-se a prisão
domiciliar, o comparecimento periódico ao juízo, a proibição de acesso ou frequência a
determinados lugares, proibição de contato com determinadas pessoas, proibição de
ausentar-se da comarca judiciária, suspensão do exercício de função pública, a fiança e o
monitoramento eletrônico.
De acordo com a norma, o julgador passou a ter que analisar a gravidade do
delito, concreta e abstratamente, as circunstâncias do fato e as condições pessoais do
envolvido para aferir a adequação da decretação da custódia preventiva, ou outra medida
cautelar substitutiva, sendo que a hipótese privativa da liberdade só é admitida para os
crimes dolosos punidos com pena máxima superior a 04 (quatro) anos. Com isso,
inúmeros delitos que antes embasavam a prisão cautelar deixaram de dar aso à medida,
permitindo apenas as cautelares substitutivas. Dentre eles podem ser citados no Código
Penal Brasileiro: a participação em suicídio que resulte lesões graves, o aborto consentido
pela gestante, os crimes de perigo de contágio, injúria racial, sequestro e cárcere privado,
o furto e a receptação simples, apropriação indébita, violação de direitos autorais,
ocultação e destruição de cadáver, satisfação de lascívia com participação criança ou
adolescente, rufianismo, formação de quadrilha ou bando, contrabando ou descaminho,
falso testemunho ou falsa perícia e coação no curso do processo. Como primeiro efeito,
imediato, inúmeros indivíduos que estavam encarcerados preventivamentre pelo
cometimento de tais ilícitos foram prontamente liberados pelo Estado.
SEMINARIO I – DERECHO PROCESAL A CONSTITUCIONALIDADE JUSFILOSÓFICA DAS PRISÕES CAUTELARES PENAIS
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Também introduzida pela inovação normativa, foi criada a prisão preventiva
por conversão, na medida em que o julgador, quando recebe o auto de prisão em
flagrante, necessita apreciar suas circunstâncias para relaxá-la ou convertê-la em prisão
preventiva, podendo ainda liberar o envolvido, com ou sem pagamento de fiança. Antes
da nova lei, a prisão em flagrante prosseguia, não sendo necessário que o juiz a
transformasse em preventiva. Agora, o juiz tem que fundamentar sua decisão e não
havendo necessidade do encarceramento, deverá liberar o preso, com ou sem medidas
alternativas.
Guilherme de Souza Nucci, respeitado doutrinador penalista brasileiro, juiz
em exercício como Desembargador no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,
quando entrevistado sobre a inovação legal respondeu que “medidas céleres colaboram
com a Justiça célere, algo que toda a sociedade deseja. Sejam gravosas ou não, o ponto
fundamental é que tenham efetividade. As modificações são positivas. Conferem maior
flexibilidade para a atuação do magistrado, possibilitando a aplicação de várias
medidas alternativas, evitando-se a inserção do acusado no cárcere”. No tocante à
fiscalização estatal e a eficiência das novas medidas, Nucci ponderou que “somente o
tempo dirá se elas serão eficientes. O ponto relevante é o Executivo proporcionar os
meios cabíveis para executar as medidas alternativas, como o monitoramento eletrônico.
Sem recursos financeiros, nada será eficaz”. Por fim, questionado sobre a possibilidade
da lei mais branda em relação ao acusado poder favorecer a idéia de que “a polícia prende
e a Justiça solta”, afetando a credibilidade do sistema judicial, o doutrinador alertou que
“a função da polícia é mesmo prender, mormente quando em flagrante delito. E a função
do juiz, de lastro constitucional, é averiguar a prisão realizada e promover a medida
legalmente cabível. Se tiver que manter a prisão, deve fazê-lo. Se for o caso de soltar,
cumpra-se a lei”1.
Analisando a novatio legis, percebe-se que a prisão processual passou a ser
tratada como a exceção da exceção dentre as medidas cautelares, especialmente por
afrontar os direitos básicos do ser social, em especial sua liberdade individual.
Entretanto, ainda que de extremada aplicação, as prisões cautelares têm seu
lugar no universo jurídico, nos casos graves que as justificam, sendo amparadas pelo
organismo constitucional.
CAPÍTULO 1 – PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS
PROCESSUAIS 1 Disponível em http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=102579 Acesso em 29/08/2011.
SEMINARIO I – DERECHO PROCESAL A CONSTITUCIONALIDADE JUSFILOSÓFICA DAS PRISÕES CAUTELARES PENAIS
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A Constituição Federal da República Brasileira, promulgada em 05 de
outubro de 1988, traz em seu bojo os princípios basilares do Direito Processual Penal
Brasileiro, entendidos como dogmas que orientam o legislador ao editar as normas,
vinculando o seu aplicador, sob pena de contrariar todo o ordenamento jurídico erguido
em prol do Estado Democrático de Direito, motivo pelo qual devem ser considerados
direitos e garantias individuais, de naturea procedimental.
Os princípios são as regras, os preceitos básicos que dão origem a uma
ciência, seja ela de qualquer natureza. Toda ciência, sem exceção, possui seus princípios
norteadores e com o Direito não poderia ser diferente, pois como ciência também precisa
de regras que lhe concedam base e sustentação, servindo como ponto de partida e de
equilíbrio para a interpretação dos textos legais.
Conceituada processualista ítalo-brasileira, Ada Pellegrini Grinover ensina
que todo direito processual, por ser ramo do Direito Público, tem seus pilares lastreados
pelo direito constitucional, que fixa inúmeros conceitos pertinentes à disciplina, como a
estrutura dos órgãos jurisdicionais, estabelecendo alguns princípios e assim garantindo a
efetividade do direito objetivo. Nesse sentido, aponta o direito processual penal como o
direito constitucional aplicado às relações entre autoridade e liberdade2.
Dentre os diversos princípios encontrados no texto constitucional brasileiro,
em especial no seu art. 5º, que dispõe sobre os direitos e garantias individuais, devem ser
ressaltados o Devido Processo Legal, a Ampla Defesa e o Contraditório, a Presunção de
Inocência e a Inadmissibilidade das Provas Ilícitas.
A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Antes de abordar as premissas procedimentais insculpidas dentre as
garantias individuais, é de especial importância a análise do fundamento constitucional da
Dignidade da Pessoa Humana, previsto expressamente no art. 1º, inciso III da Carta
Maior.
2 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros Editores, 20ª edição, 2004, p. 78.
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No esteio de Gabriel Dezen Júnior, o Brasil é estruturado com base na
consciência de que o valor da pessoa humana é insuperável, de forma que a doutrina
considera a dignidade, com sua importância para a interpretação constitucional, como um
sobreprincípio3.
Para José Afonso da Silva, a dignidade da pessoa humana é um valor
supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o
direito à vida. Disso decorre a idéia de que a ordem econômica deve assegurar a todos
uma existência digna, a ordem social visa a realização da justiça social, a educação, o
desenvolvimento da pessoa e o exercício da cidadania não são meros enunciados formais,
mas indicadores do conteúdo normativo da dignidade da pessoa humana4.
Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino informam que a razão do Estado
brasileiro não se funda na propriedade, em classes, em corporações, organizações
religiosas, nem tampouco no próprio Estado, mas sim na pessoa humana, e sua dignidade
assenta-se no reconhecimento de duas posições jurídicas primordiais: primeiramente trata
de um direito de proteção individual, inarredável; e noutro lado constitui um dever
fundamental de tratamento pelo Estado5.
Neste mesmo sentido, João Trindade Cavalcante Filho informa que se
reconhece o ser humano, pelo simples fato de existir, como detentor de direitos
fundamentais, inalienáveis e imprescritíveis, invioláveis, salientando que as pessoas
podem ter mais ou menos direitos conforme cumpram ou não as leis, mas todas possuem
um arcabouço mínimo de proteção, que não pode ser desprezado6.
Dezen Júnior destaca diversas ementas jurisprudenciais que tiveram lastro
neste fundamento basilar do sistema jurídico brasileiro, sendo que algumas são de
especial interesse. Aponta para decisão do Supremo Tribunal Federal que decidiu que a
duração prolongada, abusiva e não razoável da prisão cautelar do réu, sem julgamento da
causa, ofende o postulado da dignidade da pessoa humana, consubstanciando
constrangimento ilegal, ainda que impute crime grave (HC nº 93.796, de 10/03/2009); e
indica o pronunciamento do STF acerca da flagrante inconstitucionalidade do uso
3 DEZEN JR., Gabriel. Constituição Federal interpretada. Niterói/RJ: Impetus, 2010, p. 10. 4 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 23ª edição, 2004, p. 105. 5 PAULO, Vicente & ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. São Paulo: Método, 3ª edição, 2008, p. 86. 6 CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Roteiro de direito constitucional. Brasília: Grancursos, 4ª edição, 2011, p. 109.
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indiscriminado de algemas, sem uma justificativa socialmente aceitável (HC nº 91.952,
de 07/08/2008)7.
Quanto ao uso de algemas e o respeito à dignidade da pessoa humana, o
Supremo Tribunal Federal editou a Súmula vinculante nº 11, in verbis: Só é lícito o uso
de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à
integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a
excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do
agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere,
sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.
DEVIDO PROCESSO LEGAL
Insculpido no inciso LIV, do art. 5º da Constituição Federal Brasileira, o
princípio do devido processo legal preceitua que ninguém será privado da liberdade ou
de seus bens sem o devido processo legal. É o due process of law8, derivado do direito
anglo-saxônico.
Javier Ignacio Baños preleciona que o Direito Processual Penal é fundamental
e necessário por ser instrumentário, representando um mecanismo de transição que
permite a aplicação das normas penais aos casos concretos, que disciplinam
abstratamente a defesa da sociedade ante os intoleráveis ataques aos seus interesses
fundamentais9.
Grinover informa que o devido processo legal é a fórmula através da qual são
asseguradas às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais, sendo
indispensável ao correto exercício da jurisdição, trazendo garantias que não servem
apenas aos litigantes, como direitos públicos subjetivos, mas principalmente à
salvaguarda do próprio processo, como fator de legitimidade do exercício jurisdicional10.
7 DEZEN JR., Gabriel. Op. cit., p. 11 e 12. 8 Due process of Law - Instituição jurídica, oriunda de um sistema diverso das tradições romanas ou romano-germanas, no qual todo ato praticado por autoridade, para ser considerado válido, eficaz e completo, deve seguir as etapas previstas em lei. É um princípio originado na primeira constituição que se tem conhecimento, a Carta Magna assinada pelo Rei João I da Inglaterra em 15 de junho de 1215, que limitou o poder do monarca, impedindo o exercício do poder absoluto através da adoção da máxima nullus liber homo capiatur, vel imprisonetur, aut disseisiatur, aut utlagetur, aut exuletur, aut aliquo modo destruatur, nec super eum ibimus, nec super eum mittemus, nisi per legale judicium parium suorum vel per legem terre – “nenhum homem livre será capturado, ou levado prisioneiro, ou privado dos bens, ou exilado, ou de qualquer modo destruído, e nunca usaremos da força contra ele, e nunca mandaremos que outros o façam, salvo em processo legal por seus pares ou de acordo com as leis da terra”. 9 BAÑOS, Javier Ignacio e BUJÁN, Fernando. Garantias constitucionales en el proceso penal. Buenos Aires: Lajouane, 2009, p.19. 10 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Op. cit., p. 82.
SEMINARIO I – DERECHO PROCESAL A CONSTITUCIONALIDADE JUSFILOSÓFICA DAS PRISÕES CAUTELARES PENAIS
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Luiz Carlos Bivar Corrêa Júnior subdivide o princípio em devido processo
legal formal ou instrumental, pertinente à forma como os atos são praticados, respeitando
o procedimento estabelecido na lei; e devido processo legal material ou substantivo,
tratando da análise da razoabilidade e proporcionalidade do ato, conforme o fim almejado
e os meios utilizados pelo sujeito11.
Para Paulo Rangel, a tramitação formal de um processo é a garantia dada aos
indivíduos de que seus direitos serão observados, em especial sua liberdade e seus bens,
não sendo admissível nenhuma restrição aos mesmos que não esteja expressamente
prevista em lei. O devido processo legal é o princípio reitor de todo arcabouço jurídico
processual, do qual todos os demais derivam12.
AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO
Determina o inciso LV, do art. 5º da Carta Política Brasileira que aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
O dispositivo trata dos princípios da ampla defesa e do contraditório, segundo
os quais e, no esteio da doutrina de Júlio Fabbrini Mirabete, o acusado goza de irrestrito
direito de defesa, num procedimento que assegure a igualdade entre as partes, sendo que
a garantia do contraditório deve abranger toda a instrução do processo, incluídas todas as
atividades das partes que preparam o espírito do juiz13.
A ampla defesa é nominada por Jorge Clariá Olmedo como princípio da
inviolabilidade da defesa, que desobriga uma autodeclaração de culpa e impõe a
irrenunciabilidade da defesa técnica, eis que a defesa penal não pode ser evitada ou
impedida14. Francesco Carrara ensina que em matéria penal não podem existir presunções
absolutas de culpabilidade, devendo-se admitir ao acusado a própria defesa, mediante a
assistência de um defensor legal, de sua livre escolha. A defesa não é um privilégio nem
uma concessão, mas um direito originário inalienável do homem15.
11 CORRÊA JR., Luiz Carlos Bivar. Direito processual penal. Brasília: Vestcon, 4ª edição, 2009, p. 19. 12 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 11ª edição, 2006, p. 04 e 05. 13 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. São Paulo: Atlas, 17ª edição, 2005, p. 46. 14 CLARIÁ OLMEDO, Jorge. Derecho procesal penal. Tomo I. Buenos Aires: Rubinzal – Culzoni, 2ª edição, 1998, p. 70 e 71. 15 CARRARA, Francesco. “Da defesa” in Programa do curso de direito criminal. Parte Geral. Volume II. Campinas: LZN Editora (tr. Ricardo Rodrigues Gama), 2002, p. 449 e 450
SEMINARIO I – DERECHO PROCESAL A CONSTITUCIONALIDADE JUSFILOSÓFICA DAS PRISÕES CAUTELARES PENAIS
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Clariá Olmedo afirma que o exercício da defesa se assegura através de regras
processuais essenciais, como a proibição do procedimento de ofício, o interrogatório
prévio ao processo, um juízo baseado em uma acusação formal, uma sentença lastreada
em debates com pleno contraditório, possibilidade de impugnação e outras, que
compreendem todo o procedimento penal, toda a atividade persecutória, correspondendo
o sentido do termo juízo para este dogma constitucional16.
O contraditório, na doutrina de Antonio Magalhães Gomes Filho, não é
somente uma qualidade do processo, mas uma nota fundamental de seu próprio conceito.
É o antagonismo verificado nas teses e elementos de prova produzidos pelas partes que
garante a imparcialidade do juízo, uma característica inarredável na natureza da
jurisdição17. Para o doutrinador, sem que o diálogo entre as partes anteceda ao
pronunciamento estatal, a decisão corre o risco de ser unilateral, ilegítima e injusta;
poderá ser um ato de autoridade, jamais de verdadeira justiça18.
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
Importante preceito constitucional é o disposto no inciso LVII do art. 5º da
Carta Magna do Brasil, segundo o qual ninguém será considerado culpado até o trânsito
em julgado de sentença penal condenatória.
Trata de uma garantia constitucional fundamental, pois confere ao indivíduo
suspeito de autoria do ilícito a condição de inocência até que haja uma sentença
condenatória definitiva em seu desfavor. Enquanto o fato puder ser apreciado pelo Poder
Judiciário, com possibilidade de alteração da decisão jurisdicional o acusado não poderá
ser considerado juridicamente culpado pela prática da suposta infração, não operando
efeitos como o da reincidência, caso venha a praticar outro delito no decorrer do
processo. Somente após uma condenação definitiva o réu terá o seu nome lançado no rol
dos culpados, passando a figurar antecedentes criminais em seu desfavor.
Assim, pelo princípio do estado de inocência, ou da presunção de inocência,
todos são inocentes até que se prove o contrário em sentença condenatória definitiva.
Alberto Bovino informa que são várias as consequências advindas da sua
adoção. Num primeiro momento é exigida a realização de um Juízo Penal que respeite
16 CLARIÁ OLMEDO, Jorge. Op. cit., p. 73. 17 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 135. 18 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Op. cit., p. 137.
SEMINARIO I – DERECHO PROCESAL A CONSTITUCIONALIDADE JUSFILOSÓFICA DAS PRISÕES CAUTELARES PENAIS
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determinadas características, como pressuposto indispensável para a obtenção da
sentença condenatória capaz de desconstituir o estado jurídico de inocência do acusado.
Não suficiente, dá ensejo ao provérbio in dubio pro reo, segundo o qual a sentença
condenatória deve estar fundada na certeza da responsabilidade do acusado. O terceiro
aspecto é a atribuição do ônus da prova ao órgão acusador, vez que o estado de inocência
funciona como um escudo que protege o imputado e impõe ao acusador, em especial o
Estado, a tarefa de apresentar os elementos de prova que demonstrem a certeza da
responsabilidade. Por fim, é exigido que o acusado seja tratado como inocente no curso
do processo, redundando no reconhecimento do seu direito de permanecer em liberdade e
das limitações que devem ser impostas ao uso dos instrumentos de coerção do Estado
durante o procedimento, os quais necessitam cumprir uma série de requisitos e condições
especiais de validade19.
INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS
O inciso LVI do art. 5º da Constituição Brasileira informa que são
inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.
No desempenho de suas atribuições processuais, as partes necessitam
comprovar as alegações que fazem perante o juízo, como forma de levá-lo a um estado de
certeza que permita uma prestação jurisdictional que lhes seja favorável. Para Francesco
Carnelutti, prova e juízo se enlaçam como um meio a um fim20 e respeitadas suas
peculiaridades, acusação e defesa se relacionam através das provas, dos elementos que
apresentam em juízo para defender suas teses. Aprofundando o estudo do juízo,
Carnelutti afirma que é possível constatar que a dúvida é o seu alimento, e julgar sem
duvidar não é dado aos homens, motivo pelo qual ao invés de ser eliminada, a dúvida
precisa ser provocada e cultivada, não havendo outra razão para a mediação do juiz,
frente ao imputado e ao seu acusador21.
Na busca do estado de certeza para a solução do litígio os meios de prova são
em tese ilimitados, não se restringindo aos previstos expressamente na lei processual,
como as testemunhas, o interrogatório, os documentos e outros, havendo as provas
chamadas inominadas. Além destas, conforme ilustram os ensinamentos de Luiz Carlos
19 BOVINO, Alberto. Problemas del derecho procesal penal contemporáneo. Buenos Aires: Editores del Puerto, 1998, p. 133 e 134. 20 CARNELUTTI, Francesco. Cuestiones sobre el proceso penal. Buenos Aires: Libreria El Foro (tr. Santiago Sentís Melendo),1994, p. 58. 21 CARNELUTTI, Francesco. Op. cit., p. 346.
SEMINARIO I – DERECHO PROCESAL A CONSTITUCIONALIDADE JUSFILOSÓFICA DAS PRISÕES CAUTELARES PENAIS
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Bivar, existem fatos que independem de provas, como os fatos axiomáticos (evidentes),
notórios (de conhecimento amplo e geral), inúteis (não influenciam na decisão da causa)
e as presunções legais, que podem ser absolutas – jure et de jure, ou relativas – juris
tantum22.
Entretanto, doutro lado, há a explícita proibição constitucional no emprego de
provas obtidas por meio ilícitos, sendo aquelas caracterizadas pela violação de normas
legais ou de princípios do ordenamento de natureza processual ou material23.
Ao fundamentar a inadmissibilidade das provas ilícitas, Alejandro Carrió
adverte que conferir valor a um delito, referindo-se ao praticado pelo agente público na
busca da prova, sobre o qual será apoiada uma posterior sentença judicial, não é apenas
contraditório, mas compromete a boa administração da Justiça, que é constituída e
beneficiada em um ato ilícito. Comparando-se os valores em jogo – o respeito às
garantias individuais do suspeito e o interesse social na investigação dos crimes, o
primeiro deve prevalacer, por tratar de ditame da Lei Suprema. Admitir tais provas
significaria desvalorizar a função exemplar dos atos estatais, ao passo que sua exclusão
tem efeito de dissuasão a futuros e eventuais procedimentos arbitrários24.
22 CORRÊA JR., Luiz Carlos Bivar. Op. cit., p. 133. 23 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit., p. 278. 24 CARRIO, Alejandro. Garantías constitucionales en el proceso penal. Buenos Aires: Hammurabi, 3ª ed., 1994, p. 153 e 154.
SEMINARIO I – DERECHO PROCESAL A CONSTITUCIONALIDADE JUSFILOSÓFICA DAS PRISÕES CAUTELARES PENAIS
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CAPÍTULO 2 – CAUTELARIDADE
No curso regular de uma lide processual, que aguarda e demanda uma solução
definitiva através do trânsito em julgado da decisão, respeitados os princípios
orientadores do feito, não raras vezes é necessária a adoção de medidas que visem
garantir a eficácia da futura prestação jurisdicional.
Em inúmeras ocasiões, e por diversos motivos que só podem ser sopesados
em cada caso concreto, os envolvidos no litígio praticam atos que prejudicam o regular
andamento do processo, colocando em risco a função estatal de garantir a retomada do
equilíbrio das relações jurídicas, atingidas pelo conflito de interesses levado a juízo. Com
o intuito de preservar os direitos do ofendido, as legislações processuais penais e civis
dispõem acerca das medidas assecuratórias, que no esteio de Mirabete têm a característica
da instrumentalidade, destinando-se a evitar um prejuízo que ocorreria na demora da
conclusão do processo25.
Em matéria penal, seriam medidas com finalidade indenizatória, quando
adotadas para a garantia do ressarcimento do prejuízo causado pelo delito, através da
guarda judicial das coisas pelo sequestro, arresto e hipoteca legal; e finalidade instrutória,
quando empregadas visando a garantia da segurança social e da prova no processo, por
intermédio das buscas e apreensões, das quebras de sigilos e das prisões cautelares. Estas
últimas possuem natureza assecuratória constituída por seu objetivo na descoberta e
salvaguarda das informações imprescindíveis e necessárias ao alcance da verdade e da
norma, bem como na manutenção da ordem pública.
PRESSUPOSTOS DE VALIDADE
25 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit., p. 253.
SEMINARIO I – DERECHO PROCESAL A CONSTITUCIONALIDADE JUSFILOSÓFICA DAS PRISÕES CAUTELARES PENAIS
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Grinover informa que todas as espécies de medidas cautelares são embasadas
antecipadamente na possibilidade de um futuro provimento favorável ao autor da
demanda, sendo preordenadas a evitar um eventual dano proveniente da inobservância do
direito, gerado especialmente pelo retardamento da providência jurisdicional.
Circunstancialmente, a medida cautelar poderá ser requerida autonomamente, através de
processo preparatório, ou poderá ser obtida pela via incidental, no curso do processo
principal que já tiver sido iniciado26.
A processualista aponta que em matéria processual penal, o reconhecimento
jurídico dos procedimentos cautelares é verificado nos casos de habeas corpus, de prisões
cautelares, aplicação provisória de interdição de direitos, produção antecipada de provas,
dentre outros27.
Fumus boni iuris e periculum in mora
Para Marcus Cláudio Acquaviva, o fumus boni iuris (fumaça do bom direito)
representa a possibilidade, o indício da existência de um direito, uma presunção de
legalidade, indicando ao julgador que deve ser cuidadosamente observado para que não
ocorram lesões irreparáveis a um legítimo interesse28.
No universo das prisões cautelares, temos particularmente o fumus comissi
delicti, que se refere aos indícios necessários que comprovem o cometimento de um
delito, sua materialidade.
O periculum in mora (perigo na demora) trata da situação de fato que se
caracteriza pela iminência de uma lesão, por conta da demora na adoção da providência
que a impeça, referindo-se assim a um dano em potencial, que ainda não se verificou29.
Considerando a particularidade das prisões processuais, temos o periculum
libertatis, ensejado pela manutenção da liberdade do suspeito do ilícito.
PRISÕES CAUTELARES
O inciso LXI do art. 5º da Constituição Federal Brasileira dispõe que ninguém
será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade
judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente
26 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Op. cit., p. 317. 27 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Op. cit., p. 319. 28 ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário jurídico brasileiro. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 8ª edição, 1995, p. 696. 29 ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Op. cit., p. 1070.
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militar, definidos em lei. Respeitada a exceção militar, temos que no Brasil a privação da
liberdade de um indivíduo pode estar embasada em circunstância fática – em flagrante
delito ou jurídica – por ordem judicial.
As modalidades de privação de liberdade previstas no ordenamento jurídico
se classificam em Prisão Penal e Prisão Processual, com e sem pena, respectivamente. A
distinção reside no fato de haver ou não sentença condenatória com trânsito em julgado,
que levaria o nome do réu ao rol dos culpados, e este ao cárcere como consequência do
processo e da solução definitiva da lide penal. Acquaviva as define como prisão penal
propriamente dita e prisão cautelar30.
As principais espécies de prisões cautelares são a Prisão em Flagrante, a
Prisão Preventiva e a Prisão Temporária.
Prisão em Flagrante
Flagrar significa arder, queimar. Neste sentido, Fernando Capez ensina que é
o crime que ainda queima, que está sendo cometido ou acabou de sê-lo, de forma que a
prisão é uma medida restritiva de liberdade, de natureza cautelar e processual, que
independe de ordem escrita do juiz, daquele que é supreendido cometendo ou logo após
ter cometido um crime ou contravenção31.
No esteio de Ada Pellegrini Grinover, numa situação flagrancial a custódia é
automática e imediata, eis que a evidência do cometimento do delito indica desde logo a
presença do fumus boni iuris, impondo ainda a necessidade em assegurar a prova
destinada ao processo32.
Marcellus Polastri Lima acrescenta que a prisão, independente de prévia
ordem judicial, decorre da previsão constitucional e corresponde a uma pronta reação da
sociedade à prática do crime, eis que tem-se a visibilidade do delito, o fumus commissi
delicti33.
Todavia, em que pese não necessitar de manifestação judicial prévia, é
espécie de prisão que exige pronta e imediata comunicação à autoridade judiciária
competente para a análise dos pressupostos legais, cabendo-lhe determinar o relaxamento
em caso de ilegalidade. Nesse diapasão, Polastri Lima informa que a prisão em flagrante
30 ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Op. cit., p. 1145. 31 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 15ª edição, 2008, p. 255. 32 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. As nulidades no processo penal. São Paulo: Malheiros Editores, 5ª edição, 1996, p. 232. 33 POLASTRI LIMA, Marcellus. Curso de processo penal. Volume II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2ª edição, 2006, p. 291.
SEMINARIO I – DERECHO PROCESAL A CONSTITUCIONALIDADE JUSFILOSÓFICA DAS PRISÕES CAUTELARES PENAIS
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é uma modalidade particular de prisão cautelar em que o Delegado de Polícia pratica uma
providência pré-cautelar, que é completada com a averiguação da necessidade da
privação da liberdade pelo juiz, que por sua vez deverá utilizar os mesmos parâmetros
analisáveis na prisão preventiva34. Importante frisar que enquanto na prisão preventiva há
a necessidade de que o juiz analise o fumus comissi delicti e o periculum libertatis, no
caso de uma prisão em situação flagrancial o primeiro pressuposto é evidente de plano,
cabendo à autoridade judiciária apenas a sua reapreciação35, e no tocante ao periculum
libertatis, este requisito fica ao prudente exame do magistrado, que ao receber o auto de
prisão fará uma análise da existência da necessidade da prisão e, caso negativo, deverá
liberar o preso36.
Prisão Preventiva.
Julio Fabbrini Mirabete informa que a Prisão Preventiva é uma medida
cautelar decretada para assegurar os interesses sociais de segurança, tendo por objetivo a
garantia da ordem pública, a preservação da instrução criminal e a fiel execução da
pena. Não se trata de ato judicial discricionário, pois limita o juiz a certos, determinados
e precisos casos37.
Para Grinover, a prisão preventiva é a mais característica das prisões
cautelares e sua imposição deve resultar de um reconhecimento judicial do fumus boni
iuris e do periculum in mora. Não se trata de um simples ato judicial, mas de uma decisão
auferida a partir de um procedimento qualificado pelas garantias do justo processo.
Evidentemente, a natureza urgente da medida cautelar implica certas limitações a essa
exigência, mas não o seu total descarte38.
Capez ensina que o pressuposto do fumus boni iuris, para a decretação de
uma prisão preventiva, é caracterizado pela prova da existência do crime – a
materialidade delitiva, e os indícios suficientes de autoria, não sendo necessária a prova
plena, de maneira que a dúvida milita em favor da sociedade, e não do réu, figurando o in
dubio pro societate. O periculum in mora, outro pressuposto para a decretação da
custódia, verifica-se pela constatação da existência de pelo menos um dos fundamentos
legais previstos no estatuto processual: garantia da ordem pública, conveniência da
34 POLASTRI LIMA, Marcellus. Op. cit., p. 294. 35 POLASTRI LIMA, Marcellus. Op. cit., p. 295. 36 POLASTRI LIMA, Marcellus. Op. cit., p. 298. 37 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado. São Paulo: Atlas, 8ª edição, 2001, p. 681. 38 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. As nulidades no processo penal. p. 243 e 244.
SEMINARIO I – DERECHO PROCESAL A CONSTITUCIONALIDADE JUSFILOSÓFICA DAS PRISÕES CAUTELARES PENAIS
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instrução criminal e garantia da aplicação da lei penal. No tocande à garantia da ordem
pública, o doutrinador adverte que a medida se justifica não somente pela evidência de
um perigo social decorrente da demora em aguardar a decisão definitiva, porque até o
trânsito em julgado o sujeito terá praticado inúmeros delitos, mas também pela comoção
social provocada pela brutalidade do delito, que gera a famigerada sensação de
impunidade e descrédito pela demora na solução jurisdicional, não convindo aguardar a
decisão final para só então prender o indivíduo39.
A decretação da cautelar também se justifica pela conveniência da instrução
criminal, no esteio de Mirabete, para assegurar a prova do processo contra a ação do
criminoso, que pode fazer desaparecer provas do crime, apagando vestígios, subornando,
aliciando ou ameaçando testemunhas etc40.
Por fim, é ainda cabível a medida para assegurar a aplicação da lei penal, a
execução da pena. Mirabete ensina que através da cautelar pode-se impedir o
desaparecimento do autor da infração, que tenha por intenção se subtrair das
consequências da prática do crime, da eventual condenação41.
Considerando o clamor público como fundamento para decretação da prisão
preventiva, visando a garantia da ordem pública, aliado a outros fatores ensejadores da
custódia, assim já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça brasileiro:
A grande comoção que o crime, com as suas graves e altamente reprováveis circunstâncias, causa na comunidade, enseja a segregação cautelar para garantia da ordem pública, ainda que o réu seja primário e de bons antecedentes42.
A crueldade da prática delituosa aliada a sua torpeza, causando
profunda indignação popular, justificam, suficientemente, o decreto de prisão provisória, ainda que o réu seja primário, ostente bons antecedentes, tenha residência fixa e emprego definido43.
Pacífico o entendimento no STJ de que nem sempre as
circunstâncias da primariedade, bons antecedentes e residência fixa, são motivos a obstar a decretação da excepcional medida, se presentes os pressupostos para tanto. O clamor público, no caso, comprova-se pela repulsa profunda gerada no meio social44.
Prisão Temporária
39 CAPEZ, Fernando. Op. cit., p. 271 e 272. 40 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado. p. 695. 41 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado. p. 696. 42 STJ – RSTJ 104/429 43 STJ – RT 755/572 44 STJ – RSTJ 73/84
SEMINARIO I – DERECHO PROCESAL A CONSTITUCIONALIDADE JUSFILOSÓFICA DAS PRISÕES CAUTELARES PENAIS
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A Prisão Temporária é a modalidade de Prisão Processual que pode ser
decretada no curso da persecução criminal, servindo como instrumento de coação legal
para a investigação policial, excepcionalmente quando imprescindível a esta.
Arnaldo Siqueira de Lima ressalta que a promulgação da lei da prisão
temporária gerou muitas críticas na comunidade jurídica brasileira, e os principais
argumentos apontavam que a medida era injusta e desnecessária, configurando uma pura
legalização da famigerada prisão para averiguação, realizada por policiais. Entretanto,
tais alegações não procedem, eis que a privação temporária da liberdade depende de sua
decretação judicial, oportunidade em que o magistrado deverá analisar o fumus boni juris
e o periculum in mora. No tocante à alegada injustiça Arnaldo Siqueira refuta apontando
a obrigatoriedade na contribuição que o cidadão deve prestar ao Estado para que haja
uma convivência pacífica e segura, na mesma medida em que deve recolher impostos e
prestar outros serviços, como o júri45.
Guilherme de Souza Nucci informa que a prisão temporária tem a finalidade
de assegurar uma eficiente investigação criminal policial, que busca o esclarecimento de
delitos de particular gravidade, devidamente apontados na lei. Conforme o doutrinador, e
no esteio de Arnaldo Siqueira, a prisão temporária tem a vantagem de substituir a prisão
para averiguação, que era realizada sem qualquer controle judicial ou acompanhamento
pelo parquet e que gerava, em muitas ocasiões, atos de abuso de autoridade46.
Na legislação processual penal brasileira esta forma de privação da liberdade
encontra especial previsão na Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, segundo a qual
caberá a prisão temporária quando for imprescindível para as investigações do inquérito
policial; quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos
necessários ao esclarecimento de sua identidade; quando houver fundadas razões, de
acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do
indiciado nos crimes de homicídio doloso, sequestro ou cárcere privado, roubo, extorsão,
extorsão mediante sequestro, estupro, epidemia com resultado de morte, envenenamento
de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte, quadrilha
ou bando, genocídio, tráfico de drogas e crimes contra o sistema financeiro.
Esta modalidade de privação cautelar da liberdade tem o prazo máximo de 05
(cinco) dias, prorrogáveis por outros 05 (cinco) dias, e caso a investigação trate de crimes
45 TAQUARY, Eneida Orbage & LIMA, Arnaldo Siqueira de. Temas de direito penal e processual penal. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 159 e 160. 46 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, 3ª edição, p. 1007.
SEMINARIO I – DERECHO PROCESAL A CONSTITUCIONALIDADE JUSFILOSÓFICA DAS PRISÕES CAUTELARES PENAIS
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considerados hediondos ou assemelhados, nos termos da Lei nº 8.072 de 25 de julho de
1990, o prazo da prisão temporária será de 30 (trinta) dias, prorrogáveis por mais 30
(trinta) dias. Em qualquer das hipóteses, a prorrogação somente será permitida quando
absolutamente indispensável.
Conforme Nucci, a lei é clara e concisa ao dispor que a prorrogação deve
realizar-se em casos de extrema e comprovada necessidade, não bastando que a
Autoridade Policial oficie ao magistrado pela extensão do prazo sob o singelo argumento
de não estarem concluídas as necessárias diligências de investigação. É necessário que o
juiz seja claramente informado sobre o que foi feito no primeiro período, e o que se busca
fazer num segundo período. Salienta que para os crimes hediondos e assemelhados é uma
prisão cautelar que pode atingir até 60 (sessenta) dias, sem qualquer acusação
formalizada, mas apenas para o transcurso da investigação policial e por isso o
magistrado necessita ter muita cautela, por ser um período extenso que pode redundar em
fracasso, caso a apuração do delito acabe demonstrando não se tratar o preso o seu
autor47.
A prisão cautelar na Argentina
O Código Processual Penal da Nação Argentina não prevê uma modalidade
específica e nominada de custódia cautelar, como ocorre com a legislação pátria. No
entanto, dispõe acerca da possibilidade de prisão do suspeito do cometimento de um
delito como um ato cautelar, inominado, ao qual é acrescida a incomunicabilidade do
preso, sendo uma medida que inicialmente sequer exige manifestação judicial, cabendo à
polícia e às forças de segurança.
No termos do art. 183 do estatuto processual argentino, que trata da função
dos organismos de segurança, in verbis, la policía o las fuerzas de seguridad deberán
investigar, por iniciativa propia, en virtud de denuncia o por orden de autoridad
competente, los delitos de acción pública, impedir que los hechos cometidos sean
llevados a consecuencias ulteriores, individualizar a los culpables y reunir las pruebas
para dar base a la acusación. E tendo por base o insculpido no art. 184, 8º, in verbis, los
funcionarios de la policía o de las fuerzas de seguridad tendrán las siguientes
atribuciones:… 8º) Aprehender a los presuntos culpables en los casos y formas que este
Código autoriza y disponer su incomunicación cuando concurran los requisitos del
47 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit., p. 1010 e 1011.
SEMINARIO I – DERECHO PROCESAL A CONSTITUCIONALIDADE JUSFILOSÓFICA DAS PRISÕES CAUTELARES PENAIS
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artículo 205, por un término máximo de diez (10) horas, que no podrá prolongarse por
ningún motivo sin orden judicial.
Ainda sobre a incomunicabilidade, medida de exceção não recepcionada pelo
ordenamento jurídico brasileiro, dispõe o estatuto argentino, no art. 205, in verbis, que el
juez podrá decretar la incomunicación del detenido por un término no mayor de cuarenta
y ocho (48) horas, prorrogable por otras veinticuatro (24) mediante auto fundado,
cuando existan motivos para temer que se pondrá de acuerdo con terceros u
obstaculizará de otro modo la investigación. Cuando la autoridad policial haya
ejercitado la facultad que le confiere el inciso 8 del artículo 184, el juez sólo podrá
prolongar la incomunicación hasta completar un máximo de setenta y dos (72) horas. En
ningún caso la incomunicación del detenido impedirá que éste se comunique con su
defensor inmediatamente antes de comenzar su declaración o antes de cualquier acto que
requiera su intervención personal. Se permitirá al incomunicado el uso de libros u otros
objetos que solicite, siempre que no puedan servir para eludir la incomunicación o
atentar contra su vida o la ajena.
Javier Baños preleciona que nos termos da Constituição Argentina, todos os
habitantes da Nação gozam do direito à liberdade, ressaltando que nenhum direito é
absoluto, e deve ser respeitado conforme as leis que regulamentam o seu exercício.
Quando for estritamente necessária para o alcance dos fins processuais, a averiguação da
verdade para a aplicação da lei substantiva, a utilização de uma medida de coerção
pessoal estará legitimada sempre quando presentes o perigo na demora e a razoabilidade,
esta relacionada à proporção entre a coerção exercida e o objeto da tutela48.
Por outro lado, quando os fins processuais puderem ser alcançados através de
medidas menos lesivas, automaticamente a legitimação do poder coercitivo cede a estas
alternativas, deixando de ser razoável e retornando a liberdade como regra49.
48 BAÑOS, Javier Ignacio e BUJÁN, Fernando. Op. cit., p. 162 e 163. 49 BAÑOS, Javier Ignacio e BUJÁN, Fernando. Op. cit., p. 165.
SEMINARIO I – DERECHO PROCESAL A CONSTITUCIONALIDADE JUSFILOSÓFICA DAS PRISÕES CAUTELARES PENAIS
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CAPÍTULO 3 – CONSTITUCIONALIDADE
Ao abordar o aspecto da constitucionalidade das prisões processuais, é
importante mais uma vez trazermos à baila o preceito insculpido no inciso LXI do art. 5º
da Constituição Federal Brasileira, segundo o qual ninguém será preso senão em
flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária
competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar,
definidos em lei (grifos nossos). Destarte, as prisões cautelares encontram esteio expresso
no texto constitucional, pelo qual são amparadas.
Todavia, são questionadas por ampla doutrina e vistas por muitos como um
mal necessário, porque impostas a indivíduos ainda presumidamente inocentes, e nesse
aspecto Alberto Bovino adverte que ocorre uma violação sistemática dos direitos
humanos tendo em conta as consequências concretas das práticas, que considera
arbitrárias e injustas, dos órgãos da Justiça Penal. Os países que aderiram à cultura
jurídica européia têm administrado a imposição do castigo recorrendo ao encareramento
preventivo de pessoas consideradas inocentes, através do qual a Justiça Penal adianta a
pena e impõe sanções, violando o princípio da inocência, fundamental num Estado de
Direito50, e que constitui um dos pilares na engenharia dos direitos humanos protegendo
toda e qualquer pessoa submetida à persecução penal51.
O Estado tem a obrigação de exigir e respeitar o direito à liberdade de toda
pessoa juridicamente inocente, sem importar a gravidade do fato que lhe é atribuído e a
veracidade da imputação, e diante da atual situação dos presos sem condenação, e do
perigo que implica no abuso do encarceramento preventivo, é fundamental verificar e 50 BOVINO, Alberto. Op. cit., p. 04 e 05. 51 BOVINO, Alberto. Op. cit., p. 23.
SEMINARIO I – DERECHO PROCESAL A CONSTITUCIONALIDADE JUSFILOSÓFICA DAS PRISÕES CAUTELARES PENAIS
21
atestar a existência dos princípios, requisitos e limites substantivos aplicáveis na
regulamentação da prisão processual, segundo o Direito Internacional vigente52.
A prisão processual é cautelar e assim só pode ter fins processuais, como a
garantia da correta apuração da verdade e da atuação da lei penal. Por isso não deve ser
um recurso para a obtenção de qualquer das finalidades próprias da pena, mas uma
medidade que sirva para permitir que o processo penal se desenvolva normalmente, sem
impedimentos, visando a solução definitiva do caso concreto53.
A utilização do encarceramento preventivo deve estar submetida à verificação
concreta que permita afirmar perepmtoriamente a efetiva existência de um perigo
processual, que não pode ser neutralizado através de medidas menos graves – seguindo o
Princípio da Excepcionalidade, em especial quando existam razões para presumir que a
permanência do acusado em liberdade o afastem da ação da justiça, ou impeçam a regular
marcha da investigação54.
Sob a ótica radical minimalista do clássico garantismo penal, apregoado por
Luigi Ferrajoli, não haveria qualquer hipótese que amparasse a custódia preventiva, pois
o imputado deve comparecer livre perante seus julgadores, não só para que lhe seja
assegurada a dignidade de cidadão, que se presume inocente, mas também por uma
necessidade processual, pois só assim estaria ele em pé de igualdade com a acusação. A
única necessidade que ensejaria seu encarceiramento preventivo seria o perigo de que o
imputado adultere as provas. Entretanto, nenhum valor ou princípio é satisfeito sem
custos e esse é o custo que o sistema penal deve pagar se quiser salvaguardar sua razão de
ser55.
Doutro lado, no lastro das teorias expanionistas do direito criminal, o
funcionalismo tratado por Ghünter Jakobs preleciona que a ciência penal está orientada a
garantir a identidade normativa e a constituição da sociedade, e nessa concepção não se
entende a sociedade adotando-se um ponto de vista de uma pura e absoluta consciência
individual56. O exame da possibilidade ou não de assimilação social de uma conduta
desviada sem que haja uma consequente reação formal não peca contra o espírito da
liberdade. Jakobs afirma que quem não dá a César o que é de César destrói um
52 BOVINO, Alberto. Op. cit., p. 135 e 136. 53 BOVINO, Alberto. Op. cit., p. 137. 54 BOVINO, Alberto. Op. cit., p. 139. 55 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, 2ª edição (trad. Ana Paula Zomer Sica et al.), p. 515. 56 JAKOBS, Günther. Sociedade, norma e pessoa: teoria de um direito penal funcional. Barueri: Manole (tr. Maurício Antonio Ribeiro Lopes), 2003, p. 01 e 02.
SEMINARIO I – DERECHO PROCESAL A CONSTITUCIONALIDADE JUSFILOSÓFICA DAS PRISÕES CAUTELARES PENAIS
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pressuposto que é necessário para poder servir a Deus já no mundo terreno; tudo o mais
é romantismo57.
Jesús-María Silva Sánchez informa que no conflito entre um direito penal
amplo e um direito penal mínimo – certamente impossível, deve-se encontrar solução em
um ponto médio de configuração, e não parece que as sociedades modernas estejam
dispostas a assumir e aceitar uma orientação minimalista, o que não significa
obrigatoriamente a adoção de um modelo que conduza à maximização. A função
racionalizadora do Estado sobre a demanda social de punição pode dar lugar a um
produto que seja, por um lado funcional e, por outro lado, suficientemente garantista58.
Em resumo, há que se encontrar um ponto de equilíbrio.
INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO
Pedro Lenza esclarece que a busca do real significado dos termos
constitucionais é extremamente importante, considerando que a Constituição irá conferir
validade para as demais normas do ordenamento jurídico, nos moldes da organização
jurídica purista kelseniana. Por isso, decifrar o verdadeiro alcance da Constituição para a
aferição de sua abrangência é de fundamental necessidade. O exegeta definirá o real
significado do texto constitucional levando em conta a história, as ideologias, as
realidades sociais, econômicas e políticas do Estado59.
Conforme Alexandre de Moraes, a supremacia das normas constitucionais e a
presunção de constitucionalidade dos demais atos normativos editados pelo Estado impõe
que a hermenêutica conceda preferência ao sentido mais adequado ao texto
constitucional, sendo que ao se deparar com várias significações possíveis, deverá
prevalecer aquela que tenha conformidade com as normas constitucionais. E a
Constituição Federal necessita ser interpretada através da conjugação das características
históricas, políticas e ideológicas do momento, pois somente desta forma se alcançará o
melhor sentido da norma jurídica, confrontando-a com a realidade sociopolítico-
econômica60.
57 JAKOBS, Günther. Op. cit., p. 16 e 17. 58 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2ª ed. (tr. Luiz Otávio de Oliveira Rocha), 2011, p. 189 e 190. 59 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Editora Método, 11ª edição, 2007, p. 109. 60 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo; Atlas, 17ª edição, 2005, p. 10 e 11.
SEMINARIO I – DERECHO PROCESAL A CONSTITUCIONALIDADE JUSFILOSÓFICA DAS PRISÕES CAUTELARES PENAIS
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O constitucionalista adverte que a interpretação conforme a constituição só é
possível quando uma norma apresentar diversos significados, sendo alguns compatíveis
com as normas constitucionais, e outros não, ou seja, quando existir um espaço de
decisão, parafraseando Canotilho. Esta forma de interpretação não é cabível quando
contrariar texto expresso da lei, eis que o Poder Judiciário, ao exercer o controle sobre a
constitucionalidade não poderá substituir o Poder Legislativo ou o Executivo, atuando
como legislador positivo61.
PROPORCIONALIDADE CONSTITUCIONAL
O Princípio da Proporcionalidade, ou Razoabilidade constitui uma regra de
obediência básica que presume uma relação adequada entre os fins que se pretende
alcançar e os meios utilizados para tanto. O texto constitucional brasileiro de 1988 não
prevê expressamente este valoroso princípio, mas o incorpora através do já referido due
process of law, e de diversos outros dispositivos, de forma que não pode ser ignorado e
ter validade negada, por ser um fundamental postulado da moderna dogmática jurídica,
cujo lastro é a luz da teoria dos princípios constitucionais.
No tocante à custódia cautelar, a doutrina de Grinover ensina que ela
representa providência excepcional, não podendo ser confundida com punição,
justificando-se apenas em situação de extrema necessidade. Não suficiente, devem ser
respeitadas as garantias da jurisdicionalidade e do devido processo legal, igualmente
insculpidas no texto da Constituição, de forma que é evidente a submissão de todas as
formas de prisão cautelar à apreciação do Poder Judiciário, mediante um procedimento
qualificado por garantias mínimas, permitindo uma análise imparcial. Destarte é
inquestionável a necessidade da estrita obediência às formalidades legais exigidas para
cada espécie de prisão62.
Neste sentido e tratando da prisão temporária aplicável aos crimes hediondos,
Alberto Silva Franco informa ser ela um dos mecanismos de coerção pessoal que atinge
direta e imediatamente o direito de liberdade do cidadão, tendo aplicação respaldada pela
reserva absoluta de lei em sentido estrito, seguindo rigorosamente o processo
estabelecido pela Constituição Federal63.
61 MORAES, Alexandre de. Op. cit., p. 12. 62 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. As nulidades no processo penal. p. 234. 63 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos: notas sobre a Lei 8.072/90. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994, 3ª edição, p. 241.
SEMINARIO I – DERECHO PROCESAL A CONSTITUCIONALIDADE JUSFILOSÓFICA DAS PRISÕES CAUTELARES PENAIS
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Manifestando-se acerca do questionado desrespeito das prisões cautelares
especificamente ao preceito constitucional da presunção de inocência, o Supremo
Tribunal Federal do Brasil, guardião da Constituição e dos dogmas basilares do Direito,
informa:
O inciso LVII do art. 5º da Constituição, ao dizer que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, dispõe sobre a culpabilidade e as consequências do seu reconhecimento para o réu; não dispõe sobre a proibição da prisão em flagrante, sobre a prisão preventiva nem sobre a execução provisória do julgado penal condenatório, quando esgotados os recursos ordinários. A prisão preventiva do réu, de natureza processual, objetiva garantir a aplicação da lei penal e a execução provisória do julgado, não dizendo respeito ao reconhecimento da culpabilidade. O inciso LXI do art. 5º da Constituição prevê hipóteses de prisão cautelar, tornando constitucionais as normas da legislação ordinária que dispõem sobre a prisão processual, inclusive para execução provisória do julgado quando pendente de recurso de índole extraordinária, como o especial e o extraordinário64.
Neste mesmo sentido, o STJ editou a súmula nº 09 informando que a
exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da
presunção de inocência.
O tribunal entende que:
A presunção de inocência (CF, art. 5º, LVII) é relativa ao Direito
Penal, ou seja, a respectiva sanção somente pode ser aplicada após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Não alcança os institutos de Direito Processual, como a prisão preventiva. Esta é explicitamente autorizada pela Constituição da República (art. 5º, LXI)65.
64 STF – HC nº 74.972-1 SP DJU de 20/06/1997, p. 28.472. 65 STJ – RT 686/388
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CONCLUSÃO
Como medidas de exceção, previstas expressamente no texto constitucional e
minuciosamente regradas pelas competentes normas infraconstitucionais, em absoluto
respeito ao princípio do devido processo legal, as prisões cautelares encontram total
amparo no ordenamento jurídico brasileiro, organica e filosoficamente.
Sob um determinado aspecto podem, e devem ser tidas como um mal
necessário, conforme diversos jurisconsultos a enxergam, mas por outro lado, as prisões
processuais são de suma importância para a consecução do interesse jurídico maior, que é
a busca da verdade para a correta e equilibrada aplicação do Direito.
Toda e qualquer sociedade organizada e lastreada nos dogmas do Estado
Democrático de Direito têm por escopo uma solução pacífica e ordenada dos litígios
humanos, negando valor e eficácia jurídica a qualquer atentado às premissas e garatnias
básicas do ser social. Neste universo, é inconcebível uma lesão estatal a direito
fundamental mínimo da natureza humana, como a liberdade.
Entretanto, estas mesmas sociedades juridicamente organizadas para alcançar
este objetivo lançam mão de procedimentos e valorações segundo as quais nenhum
direito é absoluto, e todos devem se dispor ao interesse comum, servindo a Carta
Constitucional como premissa maior e fundamental. Como ensina Ferdinand Lassalle,
qual é a verdadeira essência da Constituição senão a soma dos fatores reais do poder que
regem uma nação. Ao juntarmos esses fatores reais do poder e os escrevermos numa
folha de papel, eles adquirem a expressão escrita, passando a configurar verdadeiros
direitos, instituições jurídicas, de forma que aquele que atentar contra eles merecerá
punição66.
A regularidade de um processo, com a necessária garantia da idoneidade da
prova, impedindo-se a incessante prática delituosa pelo criminoso e assegurando-se a 66 LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 1998, 4ª edição (pref. Aurélio Wander Bastos), p. 32.
SEMINARIO I – DERECHO PROCESAL A CONSTITUCIONALIDADE JUSFILOSÓFICA DAS PRISÕES CAUTELARES PENAIS
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aplicação da sanção penal é vontade soberana da Lei Maior, que indica os reais fatores do
poder processual conferido ao Estado, sujeitando todo e qualquer indivíduo,
isonomicamente, aos grilhões legais.
Assim como a Constituição Federal de uma nação, o Direito Penal e
Processual Penal modernos, que têm seus dogmas constantemente digladiados pelas
teorias minimalistas e expansionistas, são igualmente constituídos de um núcleo duro,
inquebrantável e inarredável, que lhe dá toda a necessária sustentação científica.
Não se pode conceber, num universo jurídico parcamente organizado, que o
Estado e os interesses comuns da sociedade fiquem à mercê da vontade de um indivíduo
que de forma voluntaria e isolada apresenta um comportamento lesivo e intentado ao mal,
ao desvio, à fraude dos valores que se buscam precisamente proteger. Justamente este
universo é que permite e infere a necessidade extrema da custódia preventiva do sujeito
de direitos, considerado pelo texto Maior como juridicamente inocente, em casos tais.
A sustentação das medidas cautelares pessoais de prisão serve à manutenção
de toda a ordem e segurança jurídicas da sociedade moderna, que hodierna e
frequentemente se vê lesada e atentada em seus valores humanos básicos.
Importante salientar que não se procurou aqui elaborar uma tese de defesa à
prisão, como sanção aflitiva e indigna, decorrente da prática de um crime. O projeto
focou especificamente a análise da adequação constitucional e da necessidade de controle
estatal sobre determinados comportamentos individuais, ainda que seja necessária a
privação momentânea da liberdade, como forma de permitir a consecução dos objetivos e
interesses que juridicamente devam ser preservados, sob pena de haver o absoluto
perecimento da sociedade moderna.
SEMINARIO I – DERECHO PROCESAL A CONSTITUCIONALIDADE JUSFILOSÓFICA DAS PRISÕES CAUTELARES PENAIS
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BIBLIOGRAFIA
ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. 1995 Dicionário jurídico brasileiro. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 8ª edição, 1466 p.
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