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1. Princípios e Bases para a Prática Médica Concepções de saúde e doença A seguinte definição de saúde, o estado do completo bem-estar físico, mental e social e não a mera ausência de enfermidade': é costumeira. Esse conceito fez parte da carta de princípios da Organização Mundial da Saúde (OMS), datada de 7 de abril de 1948. Por este motivo o Dia Mundial da Saúde é comemorado nessa data. Os currículos das escolas médicas devem ter como abordagem não apenas o adoecimento, a partir da matriz biológica e das ciências básicas, mas também aquelas que contemplem o mental e o social. Além de serem necessárias mudanças na formação médica relativas às dimensões abordadas, também é esperado que o médico seja capaz de trabalhar em equipe, pois as abordagens física, mental e social exigirão o concurso de vários profissionais de formação diferenciada, trabalhando juntos em uma abordagem pelo menos multiprofissional, quiçá interdisciplinar ou mesmo transdisciplinar. Se não é possível ter “o completo estado de bem-estar é preciso buscar “o mais completo estado de bem-estar” que as nossas ações tornem possível”. Com o florescimento da cultura grega, as explicações ligadas à ideia de castigo divino perderam terreno para outras racionais e naturais. Sobre a transmissibilidade das doenças, longos séculos serviram para que fosse afastada a ideia de que as doenças emergiam dos pântanos e dos maus ares, como se afirmava na teoria miasmática, nascendo, então, a ideia de contágio. E, por fim, o século 19 assistiu a confirmação do conceito de contágio pelos trabalhos de Louis Pasteur (1822-1895) e Robert Koch (1843-1910). Determinantes de saúde de Marc Lalonde

Semiologia

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1. Princpios e Bases para a Prtica Mdica

Concepes de sade e doena

A seguinte definio de sade, o estado do completo bem-estar fsico, mental e social e no a mera ausncia de enfermidade': costumeira. Esse conceito fez parte da carta de princpios da Organizao Mundial da Sade (OMS), datada de 7 de abril de 1948. Por este motivo o Dia Mundial da Sade comemorado nessa data.

Os currculos das escolas mdicas devem ter como abordagem no apenas o adoecimento, a partir da matriz biolgica e das cincias bsicas, mas tambm aquelas que contemplem o mental e o social.

Alm de serem necessrias mudanas na formao mdica relativas s dimenses abordadas, tambm esperado que o mdico seja capaz de trabalhar em equipe, pois as abordagens fsica, mental e social exigiro o concurso de vrios profissionais de formao diferenciada, trabalhando juntos em uma abordagem pelo menos multiprofissional, qui interdisciplinar ou mesmo transdisciplinar.

Se no possvel ter o completo estado de bem-estar preciso buscar o mais completo estado de bem-estar que as nossas aes tornem possvel.

Com o florescimento da cultura grega, as explicaes ligadas ideia de castigo divino perderam terreno para outras racionais e naturais.

Sobre a transmissibilidade das doenas, longos sculos serviram para que fosse afastada a ideia de que as doenas emergiam dos pntanos e dos maus ares, como se afirmava na teoria miasmtica, nascendo, ento, a ideia de contgio. E, por fim, o sculo 19 assistiu a confirmao do conceito de contgio pelos trabalhos de Louis Pasteur (1822-1895) e Robert Koch (1843-1910).

Determinantes de sade de Marc Lalonde

Marc Lalonde, ministro da Sade do Canad de 1972 a 1977 apresentou, em 1974, um relatrio sobre a situao de sade no pas, que ficou conhecido como "Informe Lalonde" (Lalonde, 1974).

Fatores de sade ligados a: (1) biologia humana; (2) servios de sade; (3) meio ambiente; ( 4) estilo de vida, sendo que os dois ltimos tinham maior impacto que os primeiros.

Os determinantes estudados no Canad e apresentados pelo "Informe Lalonde" trazem algumas pistas para a boa prtica mdica: reconhecer o papel do meio ambiente na sade das pessoas e atuar na modificao deste de maneira favorvel, capacitando-se para interferir positivamente em um processo educativo que contribua para a modificao dos estilos de vida dos pacientes e das populaes.

Determinantes sociais do processo sade-doena

Como sugere Gasto Wagner de Souza Campos: (...) a construo de vnculo permite avanarmos na to almejada desmedicalizao, ou - melhor dizendo - torna possvel a ampliao da clnica: valer-se de outros recursos teraputicos que no somente os medicamentos - educao em sade, prticas de vida saudveis, atendimento interdisciplinar (...)``.

Modelo de Leavell e Clark dehistria natural das doenas

Em 1965, Hugh Rodman Leavell e Edwin Gurney Clark propuseram o conhecimento de todas as etapas do adoecimento a partir da situao de sade, reconhecendo esta como um equilbrio instvel entre o ser suscetvel ao adoecimento, o meio ambiente e os agentes agressores. Este o perodo pr-patognico da histria natural das doenas e o mdico deve atuar preferencialmente j nessa fase.

As medidas preventivas aplicadas no perodo pr-patognico so a promoo da sade e a preveno de doenas, sendo chamadas de preveno primria. Porm, a capacidade de agresso dos agentes nocivos (infecciosos ou no) pode superar a capacidade de defesa do ser suscetvel quando este habita um ambiente desfavorvel manuteno da sade. As medidas preventivas aplicadas nesse perodo so o diagnstico precoce e o tratamento adequado, alm da limitao de invalidez, correspondendo preveno secundria. A preveno terciria se d no final do processo como reabilitao.

Conhecer a histria natural das doenas para intervir cada vez mais cedo a nova proposta para os mdicos. Deste modo, Leavell e Clark procuram romper com a dicotomia entre medicina preventiva e curativa.

Quanto aos sistemas de sade, eles devem ser organizados no sentido de garantir acesso fcil populao, para que a mesma possa entrar em contato com o sistema para as aes de promoo da sade e preveno, e para que haja possibilidade de um diagnstico precoce, aes estas preferenciais em relao s mais tardias, que apresentam maior custo e menor efetividade.

Porm, esse modelo encontra limitaes por no atuar na estrutura da sociedade produtora de doenas, fazendo com que a soluo se d no plano das mudanas de estilo de vida e/ou aes que no avaliam criticamente a forma como a sociedade se organiza.

tica e biotica

A tica , portanto, o estudo do comportamento moral do homem, a cincia da moral, da conduta. O valor da tica est no estabelecimento de uma conscincia clara sobre um problema fundamental.

A grande diferena entre tica e moral que, para funcionar, a moral precisa ser imposta, enquanto a tica deve ser inerente ao indivduo, apreendida e incorporada por ele. A moral imposta, a tica, percebida.

O termo biotica`' foi introduzido por Van Rensselaer Potter, bilogo envolvido em pesquisas sobre o cncer. Para ele, seria necessrio desenvolver um novo campo da tica, que pudesse ser direcionado para a defesa do homem, para a sua sobrevivncia e para a melhora de sua qualidade de vida.

Se a biotica parte da tica, est relacionada com os problemas colocados pelo progresso das cincias biomdicas. Um conceito de biotica dever contemplar a avaliao (a tica) da ao (determinada pelo tipo de tcnica) sobre a vida.

Para o bioeticista italiano Giovanni Berlinguer (2004), existem dois tipos de biotica: a de situaes limites e a cotidiana. A primeira surge devido ao progresso tcnico e cientfico das cincias da sade, principalmente no que se refere ao incio e ao trmino da vida humana. A biotica cotidiana est relacionada com as condies adversas da vida como excluso social, fome, falta de acesso sade e direitos da cidadania.

Em sntese, a biotica a parte da tica que enfoca as questes referentes vida humana e, portanto, sade.

A deontologia o conjunto de regras, fruto da tradio, que indicam como dever comportar-se o indivduo na qualidade de membro de um grupo social determinado.

Os princpios da biotica so quatro: beneficncia (busca produzir benfeitorias - este princpio busca primeiramente a promoo da sade e a preveno das doenas, sempre priorizando os benefcios), no maleficncia (tem como princpio no agredir o paciente, ou seja, o mdico tem obrigao de evitar danos ao paciente), autonomia (assegura ao paciente o direito de tomar decises em tudo que se refere ao processo sade-doena; vale dizer, reconhece que ele tem domnio sobre sua vida e sua intimidade) e justia (determina distribuio justa, equitativa e universal de bens e benefcios em tudo que se refere sade. A atuao do mdico com absoluta iseno o que apregoa esse princpio).

Obs.: Para John Rawls (1921-2002), a justia como equidade se assenta em dois princpios: da diferena e da igualdade. O da igualdade significa o direito ao mais largo sistema de liberdade de bases iguais para todos; j o da diferena significa que, existindo desigualdades sociais e econmicas, necessrio que se garanta a maior vantagem possvel aos menos favorecidos.

Mtodo clnico

A experincia mostra que algumas tcnicas e manobras do exame fsico podem ser substitudas por algum aparelho, mas a anamnese continua insubstituvel nas seguintes condies: (1) formular hipteses diagnsticas; (2) estabelecer uma boa relao mdico-paciente; (3) tomada de decises.

Qualidades humanas

O ato mdico, sntese da profisso mdica. deve ter trs componentes para ser perfeito: o componente tcnico, a tica e o mais importante, as qualidades humanas.

Sistema nico de Sade

O SUS deve atender a todos, segundo o princpio da universalidade, ou seja, diferentemente do sistema que o antecedeu, que era ligado previdncia social e atendia apenas queles que eram contribuintes, o atual deve atender a todos, independentemente da maneira como o cidado se insere no mundo do trabalho.

Esse atendimento universal deve ser realizado sem quaisquer privilgios, porm haver que atentar para as necessidades de cada um. O SUS deve buscar a promoo da igualdade e, para tanto, utilizado o princpio da equidade, o qual garante que promover a igualdade no tratar os desiguais de forma igual, pois assim estaria aumentando a desigualdade. preciso promover a igualdade tratando cada um conforme as suas necessidades.

De nada adianta garantir o acesso a todos (universalidade), buscando atend-los conforme as suas necessidades (e quidade), se o sistema no contemplar o conjunto de necessidades assistenciais dentro de uma viso de integralidade, outro princpio doutrinrio do SUS, ao lado dos dois primeiros. A integralidade pressupe compreender o ser humano nas suas necessidades afetivas, emocionais, mentais, fsicas e sociais.

Alm desses trs princpios, chamados doutrinrios, existem as diretrizes organizacionais: hierarquia, descentralidade, participao popular (Se d por meio dos conselhos e conferncias de sade, permitindo que haja controle da sociedade sobre o sistema. Os conselhos tm carter permanente, so deliberativos, e os representantes da populao tm paridade de representao em relao ao conjunto dos demais membros, representantes de profissionais da sade, prestadores de servios pblicos e privados.) e complementariedade.

Obs.: Embora o SUS seja um sistema pblico que se pretenda equitativo, as iniquidades deste so agravadas pela sua fragmentao em trs sistemas, como aponta Mendes (2001): Sistema nico de Sade, Sistema de Ateno Mdica Supletiva e Sistema de Desembolso Direto, sendo o primeiro pblico e os outros dois privados.

O mdico diante dos desafios e dilemas do SUS

O conceito ampliado de sade reconhece que as condies de vida das pessoas e da coletividade resultam em maior ou menor nvel de sade. Assim, a moradia, a alimentao, a renda, o trabalho, entre outras condies, so determinantes do processo de adoecimento. Nesse sentido, no se pode mais trabalhar com o foco da profisso mdica apenas na doena como ente biolgico, fazendo-se, portanto, necessrio ampliar a viso do processo sade doena

A nfase na rede bsica de sade traz consequncias no mercado de trabalho mdico, ampliando as oportunidades para mdicos de perfil generalista e consolidando novas especialidades como Medicina de Famlia e Comunidade, alm de modificar o perfil de pacientes que chegam aos servios ambulatoriais especializados e hospitalares

A promoo da sade na rede bsica, que est perto da casa das pessoas, passa a atuar nos estilos de vida e cria condies para que o mdico estabelea vnculos mais fortes com os pacientes.

O sistema fortemente territorializado e regionalizado.

A equipe multiprofissional passa a ser essencial para a rede bsica e esse lugar que nos ensina a compartilhar o trabalho e a liderana com os outros profissionais da sade.

O vnculo e a continuidade, cada vez mais necessrios nas doenas crnicas, transformaro a medicina. Da misso de curar caminha-se para a misso de cuidar, exigindo a criao de vnculos mais duradouros entre o mdico, seu paciente e a famlia

A cogesto do projeto teraputico no qual o paciente passa a ser corresponsvel pelo seu tratamento faz desaparecer a figura do mdico "senhor absoluto do saber': Nesse momento, o mdico, mais do que "dono do paciente", um gestor do plano teraputico``, compartilhado com os outros profissionais de sade e com o prprio paciente.

Cdigo de defesa do consumidor

Admitindo-se que o "trabalho mdico" um servio, prestado por um fornecedor e recebido por um consumidor``: qualquer problema surgido em decorrncia dessa relao fica submetido s regras do referido cdigo.

Em que pese o fato, h uma polmica a qual a prpria lei induz ao tratar de modo diferenciado a atividade dos profissionais liberais, conforme consta no pargrafo 4 do Artigo 14, que afirma que a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais ser apurada mediante a verificao de culpa, enquanto para todas as demais relaes abrangidas pelo Cdigo do Consumidor a responsabilidade no decorre da culpa, sendo objetiva, ou seja, se houver dano e nexo de causalidade entre o servio prestado por um fornecedor e o resultado obtido pelo consumidor, h obrigao de indenizar. No entanto, sendo o fornecedor um mdico (profissional liberal) a responsabilidade pelos atos prestados ao seu paciente ser, ao contrrio, apurada mediante a verificao da culpa.

O mesmo raciocnio no se aplica s empresas prestadoras de servios mdicos, pois estas no se definem como profissionais liberais, mas sim como pessoas jurdicas. Nesse caso, a responsabilidade por danos ou vcios ou resultados indesejados na prestao do servio analisada sob a tica da responsabilidade objetiva.

Seguro mdico

Em setembro de 2003, a Associao Mdica Brasileira, o Conselho Federal de Medicina e as duas entidades sindicais da poca - Federao Nacional dos Mdicos e Confederao Mdica Brasileira - posicionaram-se oficialmente contra o seguro de responsabilidade civil, considerando-o terapia ineficaz``: e fizeram as seguintes recomendaes, que permanecem bastante atuais:

Mantenha-se tecnicamente capacitado para o exerccio da profisso, por meio de atualizaes frequentes; Respeite os limites de sua competncia profissional; Invista muito na manuteno de uma boa relao mdico-paciente/ familiares; Documente, sem protelao, da maneira mais completa possvel, todos os seus atos mdicos no pronturio do paciente, o mais importante documento mdico-jurdico disponvel; Aborde o paciente e/ou familiares utilizando uma linguagem plenamente compreensvel por ele/eles; Fale sempre a verdade; No diga o que no sabe. Lembre-se que correto dizer "no sei`` ou "isto no se sabe"; Evite atendimentos e prescries a distncia (exemplos, por telefone e internet); Utilize o termo de consentimento informado, no qual deve constar o estado clnico do paciente, o tratamento necessrio, os possveis riscos e complicaes; Faa encaminhamentos responsveis (por escrito, com arquivo de cpia ou registro na ficha hospitalar, alm de contato prvio com o servio que receber o paciente); No faa exames constrangedores sem a presena de um assistente; Atenda a imprensa, se solicitado. Neste caso, prepare-se previamente se houver tempo; utilize uma linguagem que o leitor ou espectador compreenda; procure manter a calma, qualquer que seja a pergunta; diga sempre a verdade; no use expresses do tipo "nada a declarar"; evite qualquer declarao "em off`` (com compromisso de no ser divulgada).

2. Diagnstico e Prognstico

Diagnstico

Mason o define como uma srie de procedimentos de ordem intelectual e operacional atravs dos quais se obtm uma resposta a um determinado problema clnico``. Dado sua importncia, quando ele no esclarecido, no se programam adequadamente as intervenes teraputicas - no farmacolgicas, farmacolgicas, cirrgicas, radioterpicas, nutricionais, fisioterpicas e outras. Vale dizer: sem diagnstico no haver proposta teraputica correta. No ser possvel monitorar a evoluo das doenas, nem atingir a preservao ou restauro da funo.

Se apropriar da almejada percia clnica

O diagnstico resultado de: Conhecimento mdico: indispensvel estar familiarizados com os sintomas comuns em atendimento primrio; bem como as entidades nosolgicas prevalentes em nosso pas; Obteno competente de dados por meio da histria clnica e do exame fsico ; Registros organizados: documentao cientfica sistematizada; Tempo necessrio para obteno de um bom pronturio mdico: em mdia devem ser dedicados 30 a 50 min a cada paciente em consulta inicial; Capacidade de integrar dados em conjuntos significativos, seguindo a lgica do raciocnio clnico; Lista dos achados em ordem de importncia e significncia (lista de problemas); Uso racional e criterioso de exames complementares; Busca do diagnstico final pela seleo da nosologia que explique de maneira mais adequada todos os achados; Reviso do diagnstico, valorizando os dados positivos.

O advento de sites de busca como o Google``, facilita para pacientes e familiares o acesso a informaes, em geral. Entretanto, por no conhecer a matria mdica, o leigo no ter critrios para selecionar e avaliar o material consultado, fato que, por vezes, atrapalha o processo diagnstico ou teraputico, pois este sugere exames e/ou condutas a partir de diagnsticos fantasiosos elaborados por ele ou por falcias cientficas que l e v (informao sem formao no gera conhecimento).

Outro aspecto a ser considerado na elaborao diagnstica diz respeito situao na qual o paciente atendido: horizontal (hospitalizado) ou vertical (ambulatorial), conforme expressou Kloetzel. Neste ltimo, quase sempre, sero encontradas doenas comuns, benignas, de curta durao e, por vezes, autolimitadas, de reconhecimento diagnstico por vezes difcil, podendo induzir o mdico a rtulos diagnsticos``: como viroses, gastrenterites, sndrome gripal, nevralgias, labirintites.

Outro aspecto a ser discutido so os achados casuais. Exemplo: o enfermo que vem consulta por diarreia secretria e no qual, durante o exame fsico, identificado um quadro de dermatite seborreica - achado casual que no deve desfocar a ateno do motivo real da consulta. mais prudente ter como meta o diagnstico de uma s doena que explique todas as queixas do paciente e os achados do exame fsico. Contudo, idosos quase sempre apresentam dois ou mais problemas de sade. Nesses casos, mais prudente hierarquizar o que mais incomoda o paciente ou o que pe sua vida em risco.

As regras prticas para realizar o diagnstico so: Fazer sempre a sua observao clnica (anamnese e exame fsico) pessoal; Evitar usar a observao clnica de outrem, para ganhar tempo ou agilizar o trabalho; Quanto menos precisas forem as definies da sndrome clnica, da entidade nosolgica e da hierarquizao do diagnstico diferencial, mais difcil ser a escolha e a seleo de exames complementares de maior especificidade e sensibilidade para confirmar o diagnstico, eliminando os diagnsticos diferenciais no pertinentes; Quanto mais inadequada a anamnese, maior a dependncia dos dados de exame fsico e exames complementares.

Sintoma, sinal, sndrome, entidade nosolgica

Sintoma uma sensao subjetiva anormal percebida pelo paciente e no observada pelo examinador (inspeo, palpao, percusso e ausculta). Exemplos: dor, nuseas, dormncias, insnia e m digesto.

Sinal um dado objetivo notado pelo paciente e observado pelo examinador por meio do mtodo clnico ou de exames complementares. Exemplos: tosse, edema, cianose, sangue na urina (hematria) ou condensao pulmonar na radiografia de trax.

Sndrome um conjunto de sintomas e/ou sinais que ocorrem associadamente e que podem ser determinados por diferentes causas.Exemplo: sndrome febril (hipertermia, taquicardia, taquisfigmia, sudorese, tremores, mialgias, artralgias), podendo se relacionar com infeces bacterianas, virais, fngicas, doenas inflamatrias e iatropatognicas (entendidas como leso, dano ou prejuzo ocasionado pelo mdico ou pela medicina, podendo ser de ordem fsica, mental, social ou espiritual, seja de maneira direta ou indireta).

Entidade nosolgica , em geral, uma doena bem definida com alterao de funo de rgos ou sistemas, ou mesmo perda desta funo com suas consequncias e repercusses. uma condio clnica cuja histria natural est reconhecida em seu todo ou em parte, cujas caractersticas lhe do personalidade e individualidade, permitindo que seja catalogada, identificada e reconhecida.

Raciocnio diagnstico

O mtodo cientfico de testar hipteses procurando a alternativa que deixa a meta final mais prxima, em regra o que deve ser aplicado.

Pode ser centrado em sintomas quando seu conjunto comparado com o grupo de doenas que os apresentam, formando um grupo reduzido de possibilidades. A identificao se aclara quando apenas uma doena se encaixa e permanece, justificando o quadro clnico apresentado.

O mtodo tambm pode ser centrado na doena, formulando-se a seguinte questo: o paciente tem a doena x? Conhecendo-se os sintomas reveladores, o arqutipo das entidades nosolgicas e a respectiva histria natural, possvel checar no paciente quais dados sero teis para o diagnstico.

Definio diagnstica

Os meios para a definio diagnstica so: Reconhecimento de um padro no qual a inferncia intuitiva; o diagnstico "fcil" do "j visto" reconhecimento por Gestalt -, o famoso "olho clnico': muitas vezes fundamentado na narrativa. Por exemplo: o diagnstico das doenas exantemticas comuns - sarampo ou catapora simples aos olhos de um pediatra, devido ao seu conhecimento, experincia, vivncia e frequncia com que se depara com essas enfermidades; Fluxograma com base em diretrizes, consensos, protocolos e guias - inferncia dedutiva, na qual so identificados sinais e sintomas em uma rvore diagnstica e so percorridos caminhos e etapas preestabelecidas, que convergem para um diagnstico final; Mtodo da exausto. A anamnese esmiuada e feito um exame fsico meticuloso na presuno de que a narrativa fornea pistas e elementos para que a doena em questo seja identificada e corroborada por este exame fsico detalhado e sistematizado; Mtodo hipottico-dedutivo, no qual so valorizados as queixas, sinais, sintomas e achados, e depois correlacionados com os conhecimentos de epidemiologia clnica que vo gerar hipteses (impresses ou hipteses diagnsticas). Na sequncia, o raciocnio clnico possibilitar o diagnstico final, por meio da comparao com modelos, peso de evidncias e descarte de hipteses no validadas; Raciocnio fisiopatolgico, com base na histria e na evoluo temporal do quadro clnico, valorizando as queixas, os sinais, os sintomas e os achados semiolgicos e as suas modificaes no decorrer do processo nosolgico.

O mdico experiente tende a limitar o nmero de hipteses a ser testado. Trs ajudas heursticas contribuem para isso: Evoque uma hiptese apenas se houver dados clnicos suficientes para isto; Quando o conjunto de dados gerar vrias hipteses, aplique as informaes epidemiolgicas sobre a frequncia e a prevalncia da doena em suspeio, analisando as mais frequentes e prevalentes antes de pensar nas raridades e excees Use testes discriminadores (exames complementares) entre as hipteses que permaneceram, escolhendo os de maior acurcia e especificidade.

Tipos de diagnsticos

Com a observao cuidadosa dos enfermos, foi possvel reconhecer muitas doenas por seus sintomas, sinais e por sua evoluo, antes de conhecer suas causas. Surgiu, ento, a possibilidade do diagnstico, ou seja, de reconhecer uma enfermidade por suas manifestaes clnicas, bem como prever a sua evoluo e seu prognstico.

O reconhecimento de uma doena por meio da anamnese e do exame fsico constitui o diagnstico clnico.

Muitas doenas cursam com grupo de sintomas e sinais indicativos de distrbio funcional e relacionados entre si, por uma particularidade anatmica, fisiopatolgica ou bioqumica, configurando uma sndrome. O reconhecimento desta constitui o diagnstico sindrmico.

Determinadas enfermidades provocam modificaes anatmicas que podem ser identificadas no exame clnico, tornando possvel o diagnstico anatmico. Paralelamente a este, est o diagnstico funcional ou fisiopatolgico.

A descoberta dos microrganismos por Pasteur, o conhecimento mais aprofundado dos processos bioqumicas e metablicos, a descoberta dos hormnios e das vitaminas e o desenvolvimento da imunologia, entre outras conquistas, ensejaram a identificao das causas de muitas doenas, tornando possvel o diagnstico etiolgico.

O uso do microscpio no estudo dos tecidos permitiu o diagnstico histopatolgico das leses.

O exame a um s tempo macro e microscpico de peas cirrgicas ou post mortem, englobando os diagnsticos anatmicos e histopatolgicos, constitui o diagnstico anatomopatolgico.

A utilizao rotineira da radiografia e de outros mtodos de imagem como auxiliar quase obrigatrio do diagnstico fez nascer o diagnstico radiolgico, tomogrfico, ultrassonogrfico e outros.

Cada mtodo novo de exame que vai sendo introduzido na prtica mdica conduz a novos mtodos, e fala-se hoje, correntemente, em diagnstico laboratorial, sorolgico, eletrocardiogrfico, endoscpico, e assim por diante. Quando o tratamento das doenas ainda era emprico e sintomtico, a importncia do diagnstico era bem menor do que nos dias atuais, isto porque h procedimentos teraputicos especficos para a maioria das enfermidades. Tornou-se necessrio, ento, um diagnstico exato ou diagnstico de certeza.

Quando o exame clnico de um paciente realizado, so levantadas hipteses diagnsticas que devem ser confirmadas ou afastadas aps a realizao de exames complementares, escolhidos de acordo com sua sensibilidade e especificidade.

De posse de todos os elementos que podem auxiliar no raciocnio clnico, efetua-se o diagnstico diferencial, que consiste na anlise comparativa das vrias enfermidades que podem apresentar quadro clnico semelhante, procurando-se eliminar sucessivamente as de menor probabilidade em face dos dados disponveis. Definido por Harvey como a arte de distinguir uma doena de outra, estabelecendo uma ou mais causas bem definidas para explicar as alteraes apresentadas pelo paciente``: o diagnstico diferencial deve levar em conta as enfermidades provveis em cada caso e no todas as possveis causas de um ou mais sintomas apresentados pelo paciente. Chega-se, assim, ao diagnstico mais provvel ou, mesmo, ao diagnstico de certeza.

Quando o mesmo paciente apresenta mais de uma condio mrbida, considera-se como diagnstico principal o referente a mais importante das afeces e como secundrios os demais.

Check-up, rastreamento ou screening

Com as prticas de rastreamento e screening (o famoso check-up) preconizadas pela medicina preventiva, levando-se em conta o potencial revelador dos mtodos de imagens e exames laboratoriais, possvel ter frequentemente um achado incidental, sem significncia clnica. De modo geral, so representadas por nosologias indolentes ou latentes, por vezes, sequelas antigas, que se tornam iatropatognicas, causando insegurana, medo e ansiedade.

Em algumas situaes, estas perduram por anos seguidos at que sejam esclarecidas, como os achados de ndulos solitrios no pulmo ou na tireoide, que exigem acompanhamento clnico, radiolgico e, por vezes, procedimentos invasivos (punes, biopsias, endoscopias, cateterismos e outros), a doena de pequenos vasos cerebrais quando se realiza uma ressonncia magntica cerebral e os cistos benignos em rins e fgado, que exigem acompanhamento mdico, sem desdobramentos ulteriores. Tudo isso pode gerar procedimentos diagnsticos sobreponentes, custos desnecessrios e desgaste emocional.

Comprovao diagnstica

Na prtica mdica atual, torna-se imperioso que haja uma comprovao diagnstica na etapa final do processo de se identificar uma doena. Isso importante no apenas para o planejamento teraputico, cada vez mais especfico, mas tambm para fins periciais, como a percia mdica do INSS, a percia securitria (indenizaes, seguro de vida) e a percia judicial (danos e leses corporais traumticas, mortes violentas).

No mbito restrito das aes judiciais contra o mdico, sua principal defesa um pronturio bem-feito, detalhado, incluindo os elementos comprobatrios.

Na relao com o paciente e seus familiares, principalmente em situaes com risco vida ou de sequelas graves, nada melhor que uma investigao clnica rigorosa que culmine com um diagnstico comprovado por mtodos modernos.

Diagnstico informatizado

Todos foram testados comparativamente com as ferramentas clssicas de elaborao diagnstica, concluindo-se que s deveriam ser usados por mdicos capazes de identificar e utilizar informaes relevantes e ignorar as irrelevantes, ficando reservados para ambientes de trabalho altamente controlados.

preciso entender que o computador ainda no pensa, e que, mesmo tendo um excelente banco de dados e programas que consigam associar informaes, manipulaes matemticas e algoritmos, ainda h uma grande distncia com relao a dispor de diagnsticos seguros elaborada por computadores. A percia diagnstica tratada em tpico anterior exige raciocnio lgico (racional) e abstrato, intuio (raciocnio analgico), experincia, vivncia e as emoes que permeiam o grande encontro entre o mdico e seu paciente, situao mpar que os computadores no podem simular.

Acertos e erros diagnsticos

Vrios estudos revelam que a margem de acertos depende da qualidade da anamnese, que responde por 80 a 85% deles. O exame fsico contribui com 8 a 10%; sendo que os exames complementares colaboram com uma pequena parcela de acertos.

As dificuldades diagnsticas costumam ocorrer nas seguintes situaes: Doena em estgio inicial com poucas manifestaes clnicas; Doena comum com apresentao atpica, o que comum em idosos; Doena psiquitrica; Doena mascarada (por intercorrncias, automedicao, iatrogenias); Ignorncia mdica (desconhecimento da doena).

Pode-se classificar os erros diagnsticos no intencionais (diferentes dos erros cometidos por impercia, imprudncia ou negligncia), tambm chamados de fatalidades da profisso mdica, da seguinte maneira: Ignorncia ou desconhecimento da enfermidade e de sua histria natural; Anamnese inadequada, inconsistente, superficial ou desconexa; Semiotcnica inapropriada: incompleta, apressada ou incorreta/ms condies do exame: local inadequado, iluminao e conforto prejudicados/ms condies "semiolgicas,: paciente com sequelas, obeso mrbido etc./pacientes no colaborativos, agressivos e agitados/valorizao exagerada de detalhes; M interpretao dos exames complementares ou valorizao indevida; Solicitao irracional de exames complementares - compulsiva, sem a devida correlao com os achados clnicos e com o que se pretende evidenciar e documentar; Manipulao do mdico pelos pacientes, pelo medo, pela mdia e pelo bolso; Descompromisso com o seguimento clnico do paciente. Situao na qual o conluio do anonimato``: na feliz expresso de Balint, diluir a responsabilidade do diagnstico e do tratamento com mltiplos mdicos, de variadas especialidades, mltiplas opinies, sem que haja um coordenador de equipe e gerenciador dos trabalhos oferecidos, o verdadeiromdico assistente``.

Prognstico

O prognstico enseja desafios ao mdico. Apesar de ser importante conhecer a histria natural das enfermidades para se prever a evoluo das mesmas e suas possveis consequncias e as comorbidades que gravitam em torno do diagnstico principal, estimando as probabilidades para as principais intercorrncias s quais o paciente est sujeito, estes elementos no bastam por si ss para um prognstico preciso.

O prognstico pode ser determinado no que se refere vida, validez (incapacidade temporria ou permanente e invalidez) e ao restabelecimento (cura) do paciente. Ele fruto de um exerccio acurado de conhecimentos, vivncias, experincias, alm dos dados fisiopatolgicos e probabilsticos, uma vez que cada indivduo tem a sua singularidade, suas reservas, seus instrumentos de reao frente adversidade e suas crenas e fantasias.

Alm da comprovao diagnstica, a avaliao prognstica indispensvel na medicina do trabalho e na percia mdica (institutos de seguridade social como o INSS), pois por meio do prognstico que se quantifica o prmio a ser pago em percia securitria e em medicina legal no contexto da percia judiciria.

Exemplo significante do valor do prognstico quando o mdico est frente a um portador de doena terminal (neoplsica ou crnica-degenerativa, por exemplo), momento em que os familiares e responsveis pelo enfermo solicitam informaes quanto ao tempo de vida restante a fim de dar tratativas a diversos procedimentos (aviso quanto ao tempo de vida restante aos parentes; preparo e/ou traslado do corpo, providncias quanto aos desejos firmados em vida como a cremao). Nestes casos, os mdicos se valem do conhecimento da histria natural da enfermidade e dos sinais premonitrios de morte (instabilidade hemodinmica, arritmias respiratrias, falncia progressiva de rgos, decatexia, inquietao, diaforese, cianose intensa, oligoanria, ictercia progressiva e torpor). A mesma importncia se aplica ao processo de doao de rgos no qual a definio prognstica quanto finitude da vida desencadeia vrios processos relacionados com a captao e a seleo de receptores .

3. Semiologia Baseada em Evidncias e Aspectos Quantitativos dos Exames Complementares

Medicina baseada em evidncias (MBE)

Atualmente, para exercer a medicina de maneira apropriada, o mdico precisa compreender como as evidncias so produzidas e analisar criticamente a profcua literatura publicada diariamente sobre os fatores de risco para desenvolvimento das doenas, os novos mtodos diagnsticos e as propostas teraputicas e profilticas.

Nem todas as evidncias cientficas so produzidas com o mesmo rigor metodolgico, e, por isso, no tm o mesmo poder de convencimento. As recomendaes baseadas em evidncias so graduadas de acordo com a qualidade (ou fora) da evidncia. As metanlises, que sumarizam resultados de vrios estudos de boa qualidade em uma nica medida, so as de maior fora de evidncia e resultam em maior grau de recomendao. So seguidas, por fora da evidncia, dos ensaios clnicos randomizados duplos-cegos (ou seja, nem os pacientes alocados aleatoriamente nos diferentes grupos de interveno nem os cuidadores conhecem a interveno qual o sujeito do estudo est submetido), dos estudos randomizados no mascarados, dos estudos no randomizados, dos estudos caso-controle (aqueles nos quais a anlise feita a partir do desfecho), dos estudos no controlados e, finalmente, das descries de uma srie ou de um nico caso, que apresentam menor fora de evidncia. Frequentemente, estudos de menor fora de evidncia so plenamente justificveis, como nas doenas pouco prevalentes nas quais as grandes coortes prospectivas no so factveis ou muito dispendiosas, ou nos casos em que o desfecho estudado s aparece a longo prazo, oque tornaria os estudos muito demorados. Os mdicos devem utilizar as melhores evidncias disponveis para a tomada de decises.Semiologia baseada em evidncias

Surgiram propostas para se aplicarem tcnicas estatsticas a fim de avaliar os sinais e sintomas relatados pelos pacientes. Entre estas se destacou o manual Evidence-based physical diagnosis, de Steven McGee, em que se define a sensibilidade e a especificidade dos dados obtidos no exame fsico, assim como o poder discriminatrio deles para aventar hipteses diagnsticas. Contudo, as tcnicas estatsticas disponveis no so adequadas para isso, pois, ao contrrio dos testes diagnsticos, no possvel padronizar as manifestaes clnicas das doenas. Isso ocorre porque as doenas podem ser semelhantes, mas os pacientes nunca so exatamente iguais.

Exames complementares

No que se refere aos testes diagnsticos, o exerccio da medicina baseada em evidncias requer a compreenso de como um novo teste diagnstico se enquadra na investigao do paciente, de como contribui para seu bem-estar e se a evidncia foi produzida de forma confivel. Para isso, ao ler um artigo sobre um novo teste diagnstico, o profissional de sade deve ter algumas questes em mente, tais como: (1) os resultados do novo teste foram analisados de forma cega em relao ao padro-ouro (melhor teste disponvel no momento)?; (2) todos os pacientes do estudo foram submetidos de modo independente aos dois testes (padro-ouro e novo teste, independentemente do resultado do outro)?; (3) essas duas anlises mostraro se os resultados so vlidos? Para analisar quais so os resultados, o mdico dever compreender os indicadores de eficcia de um teste diagnstico, que so: acurcia, sensibilidade, especificidade, valores preditivos e razo de verossimilhana. Finalmente, para entender como a nova tecnologia poder ajudar na investigao do seu paciente, o mdico dever considerar se aquele teste est disponvel para seu paciente, se custo-efetivo e se o paciente, de fato, se beneficiar da realizao do teste. Esses indicadores so fundamentais tanto para a deciso de quais exames solicitar quanto para a correta interpretao deles.

Probabilidade pr-teste

Os exames complementares precisam ser integrados corretamente ao exame clnico e as seguintes questes devem ser analisadas: De que modo o contexto clnico pode influenciar a interpretao dos resultados de um teste diagnstico? Como podemos estimar a capacidade de um exame para excluir ou estabelecer um diagnstico? Que fatores devem condicionar a deciso de solicitar um exame complementar?

A probabilidade da existncia da doena suspeitada depende inicialmente da prevalncia dessa doena na populao qual pertence o paciente. Essa prevalncia ento ajustada em funo dos dados coletados na anamnese e no exame fsico. Os clnicos referem -se a essa avaliao como ndice de suspeita de um determinado diagnstico, denominando-a probabilidade pr-teste.

Um mesmo resultado de exame ser interpretado de maneira diferente em pacientes diferentes. A interpretao depender essencialmente da probabilidade pr-teste, ou seja, da impresso diagnstica do mdico antes da realizao dos testes diagnsticos.Com efeito, estes testes so mais teis nas situaes clnicas nas quais a probabilidade pr-teste no muito alta nem muito baixa. Se um paciente no apresentar fatores de risco para doena coronariana, por exemplo, a probabilidade pr-teste seria menor e um resultado positivo ou negativo do ECG contribuiria de maneira mais decisiva para fortalecer ou enfraquecer a hiptese de angina de peito. Em suma, o resultado de um teste diagnstico, seja exame clnico, laboratorial ou de imagem, fornece uma nova informao que acrescida probabilidade pr-teste. Naturalmente, a hiptese toma-se mais provvel se o teste for positivo para a doena em questo.

A probabilidade ps-teste depende da pr-teste e das caractersticas operacionais intrnsecas de cada exame.

Desempenho dos testes diagnsticos

No existem testes diagnsticos perfeitos. Exames diferentes apresentam caractersticas operacionais diversas. O ECG no um excelente exame para a definio de insuficincia coronariana, pois h muitos resultados falso-positivos e falso- negativos, a no ser nos casos de infarto agudo do miocrdio. Por exemplos, se o ECG de um paciente diabtico e hipertenso for normal, muito possvel que se trate de um resultado falso-negativo, pois o ECG feito em repouso, e sabido que a isquemia miocrdica resulta de um desequilbrio entre a oferta e a demanda de oxignio precipitado pelo esforo fsico. Por outro lado, as alteraes da repolarizao na paciente jovem podem ser, como j foi dito, um resultado falso-positivo. As vantagens do ECG so o baixo custo e a alta disponibilidade. Entretanto, para o diagnstico da angina de peito, o teste ergomtrico (ECG registrado durante o esforo) mais acurado``: e a angiocoronariografia pode confirmar a suspeita se leses obstrutivas nas coronrias forem identificadas.

A acurcia definida pela capacidade de acerto de um teste ser positivo (anormal) quando a doena existe e ser negativo (normal) quando a doena inexiste. Para determinar a acurcia de um teste, preciso compar-lo com outro procedimento diagnstico mais preciso que servir como referencial, o chamado padro-ouro. Esse padro-ouro pode ser a necropsia, um procedimento cirrgico ou um procedimento diagnstico mais complexo. Por exemplo, a angiocoronariografia pode servir de padro-ouro para o ECG e para o teste ergo mtrico. O estudante poder se perguntar: se h um exame de acurcia mais alta, por que algum escolheria outro com acurcia inferior? Ocorre que a escolha de um exame no determinada somente pela sua preciso, mas por uma srie de fatores relacionados com o seu custo - custo financeiro e relao risco/benefcio ou custo/efetividade. Naturalmente, o padro-ouro tambm imperfeito (todo teste pode apresentar resultados falso-positivos e falso-negativos), o que traz limitaes.

A acurcia do teste a porcentagem de resultados verdadeiros (a+ d) sobre o total de resultados (a + b + c + d).

O exame cuidadoso do quadro tambm facilita a compreenso das duas principais caractersticas operacionais de um teste: a sensibilidade, que o nmero de vezes em que um teste positivo quando h a doena (a/a+ b), ou seja, a capacidade de detect-la quando ela est presente; e a especificidade o nmero de vezes em que um teste negativo na ausncia da doena (d/b + d), o que significa a capacidade do teste de confirm-la.

A sensibilidade e a especificidade so caractersticas inerentes ao teste em uma determinada populao. Testes muito sensveis so mais teis quando o seu resultado negativo; por outro lado, os testes muito especficos so mais teis quando o seu resultado positivo.

Pode-se ver que testes com alta sensibilidade so usados para o rastreamento das doenas e os de alta especificidade, para confirmar a doena. Vejamos o exemplo do VDRL (venereal disease research laboratories), um teste sorolgico para sfilis, com alta sensibilidade, utilizado para o rastreamento desta doena. O VDRL pode estar falsamente positivo em mulheres grvidas, em pacientes com malria, hansenase, doenas autoimunes e outras condies no relacionadas com a sfilis. Quando o VDRL positivo, utiliza-se o FTA-Abs, um exame que detecta o antgeno treponmico e , portanto, altamente especfico para confirmar se o VDRL positivo verdadeiro ou falso-positivo. A sensibilidade e a especificidade de um teste esto intimamente relacionadas. Quando uma aumenta, a outra diminui. A definio dos valores normais de um teste influencia a sua sensibilidade e especificidade. Um exemplo recente deste fato a definio de diabetes melito. O valor normal da glicemia de jejum de at 100 mg/df. A OMS considerava at recentemente que o valor de corte da glicemia de jejum para o diagnstico de diabetes melito era de 140 mg/ d.e (duas aferies acima desse valor so necessrias para o diagnstico definitivo). Recentemente, entretanto, esse valor foi reduzido para 126 mg/df no plasma (no sangue total, o valor de corte para a definio de diabetes glicemia > 110 mg/df ). Com esse novo valor, a sensibilidade do teste aumentou, e mais indivduos agora so considerados portadores de diabetes melito. A especificidade, no entanto, decresceu, e mais provvel que seja feito o diagnstico de diabetes em um indivduo que tem a glicemia maior que a mdia da populao, mas tem poucas chances de desenvolver as complicaes da doena. Neste caso, as implicaes so mais epidemiolgicas (aumentou a prevalncia de diabetes) do que clnicas, pois qualquer que seja o valor encontrado, 126 ou 140 mg/d.e, a recomendao ser a mesma: dieta e exerccio. Para outros testes, entretanto, as implicaes podem ser mais srias.

Vemos ento que um teste diagnstico pode ser anormal (ou positivo) ou normal (ou negativo) em pessoas doentes e no doentes. Outro conceito que ento ganha importncia a razo de verossimilhana. A pergunta clnica que est por trs desta razo : quantas vezes mais provvel que um teste seja positivo em um indivduo doente do que em um indivduo sem a doena? Essa a razo de verossimilhana positiva, definida pela sensibilidade/(1 - especificidade). Quanto maior a razo de verossimilhana positiva, melhor a capacidade do teste de discriminar doentes e no doentes, que o que o mdico necessita, em ltima instncia. A razo de verossimilhana negativa definida como a probabilidade de o teste ser negativo em pessoas saudveis e calculada como especificidade/(1 -sensibilidade).

Valor preditivo dos testes

Tendo em vista a imperfeio dos testes diagnsticos, a questo prtica que se coloca : diante de um resultado positivo (ou negativo), qual a probabilidade de a doena estar presente (ou ausente)? A resposta est em uma avaliao conjunta da probabilidade pr-teste e das caractersticas operacionais de cada teste solicitado. A interpretao dos resultados no depende exclusivamente da sensibilidade e especificidade. Depende tambm da prevalncia da doena em uma populao de indivduos com caractersticas clnicas semelhantes s do paciente estudado. Percebe-se novamente que o contexto clnico fundamental para a correta interpretao dos testes diagnsticos. Assim, surgem os conceitos de valores preditivos positivo e negativo, que tambm podem ser quantificados com o auxilio do quadro do padro-ouro. O valor preditivo positivo de um teste em uma determinada populao a probabilidade de haver doena diante de um resultado positivo (o valor preditivo positivo corresponde a a/a + b). O valor preditivo negativo a probabilidade de no haver doena diante de um resultado negativo (calculado no como d/d +c).

Observe que para determinar a sensibilidade e a especificidade de um teste necessrio compar-lo a um padro-ouro. J o valor preditivo a interpretao do resultado de um exame luz da probabilidade pr-teste e da sensibilidade e especificidade j conhecidas deste exame.

Para entendermos melhor, imagine que uma pessoa receba um resultado positivo de um teste sorolgico anti-HIV. A sensibilidade do ensaio imunoenzimtico (ELISA) anti-HIV superior a 99,5% quando se utilizam dois antgenos diferentes na mesma amostra de soro, como recomendam as normas atuais. O ELISA , portanto, utilizado para o rastreamento da infeco pelo HIV. J a especificidade dos testes ELISA anti-HIV mais recentes, embora alta, ainda est longe do ideal. Os estudos de prevalncia iniciais em populaes de baixo risco de infeco pelo HIV, tais como os doadores de sangue, mostraram que apenas 13% dos indivduos testados que apresentavam um resultado positivo eram realmente portadores do vrus. Isto equivale a dizer que o valor preditivo positivo do teste ELISA em indivduos assintomticos era de 13%. Resultados falso-positivos, mesmo com os testes mais recentes, podem ocorrer devido a doenas hepticas, vacinao anti-influenza, doenas autoimunes e em mulheres multparas. Em vista do baixo valor preditivo positivo do teste em indivduos assintomticos e das srias implicaes de seu resultado, um teste ELISA anti-HIV positivo deve ser sempre confirmado por outro teste com maior especificidade, como o western-blot. Embora o teste confirmatrio seja recomendado em todas as situaes, em indivduos com caractersticas clnicas sugestivas de imunodepresso (infeces oportunistas, nveis baixos de linfcitos CD4+), o valor preditivo de um teste ELISA muito mais elevado. Por outro lado, o valor preditivo negativo de um teste ELISA negativo em indivduos assintomticos muito alto. A menos que haja uma razo para se suspeitar de infeco precoce (exposio ao vrus nos ltimos 3 meses), nenhum outro teste necessrio para excluir a infeco pelo HIV. Mais uma vez, o mesmo resultado de exame pode ser interpretado de modo diferente em indivduos diferentes.

Interpretao dos resultados dos exames complementares

A interpretao dos resultados dos exames complementares requer uma abordagem clnica meticulosa, fundamentada no mtodo clnico. A formulao das hipteses diagnsticas iniciais baseia-se na anamnese detalhada e nos achados do exame fsico. O conhecimento da prevalncia da doena se somar aos dados coletados na anamnese e no exame fsico para uma estimativa da probabilidade pr-teste. A integrao desses dados com as noes de sensibilidade, especificidade, razo, verossimilhana e dos valores preditivos dos testes solicitados resultar na interpretao final correta dos resultados. A anamnese e o exame fsico no podem ser substitudos pela realizao indiscriminada de exames complementares, uma vez que os seus resultados s podem ser interpretados luz do quadro clnico do paciente. A prpria deciso de solicitar um exame complementar deve estar fundamentada em diversos elementos: uma definio clara daquilo que se deseja obter do exame, uma estimativa da capacidade do exame de fornecer esta resposta com um alto grau de acurcia e uma avaliao dos custos financeiros e da relao risco/benefcio do exame em considerao.

4. Relao Mdico-Paciente